Publicação

Transcrição

Publicação
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACIA
Nº
7
JULHO
2015
"A CULTURA POLICIAL É MUITAS VEZES
CONSIDERADA COMO UMA CAUSA DO DESVIO
DA POLÍCIA E UM OBSTÁCULO PARA A
REFORMA DA POLÍCIA" (CHAN, 1997). ANÁLISE
DO CASO BRITÂNICO1
'Police culture is often considered as both a cause
of police deviance and an obstacle for police
reform'(Chan,1997). British police case study
analysis
SÍLVIA MOTA
Mestranda em Direito e Segurança
“A análise da cultura profissional dos policiais é o calcanhar de Aquiles de toda pesquisa
sobre a polícia (...). É como que se, no processo de interpretação dos seus dados, o
pesquisador se encontrasse confrontado com a necessária consideração de uma
„variável‟ imprevista, ou subestimada no protocolo de pesquisa, que por conseguinte
convém designar-se por „cultura profissional‟, e à qual será referido, como princípio
explicativo das condutas, o que parece escapar à lógica organizacional, quer seja
1
Esta Working Paper resultou de um trabalho referente à 2ªunidade curricular: „Sistema de Segurança
Interna‟ do Mestrado em Direito e Segurança.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
1
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
apreendida em termos hierárquicos (prescrições, controle, sanção) ou em termos
racionais (objectivos, meios, eficácia).”
Dominique Monjardet (2003), ‘O Que Faz A Polícia’
PALAVRAS-CHAVE
Cultura policial, cultura organizacional, reforma da polícia, cinismo, machismo,
racismo, isolação.
ABSTRACT
Police culture or “cop culture," as it is occasionally referred to by police officers, has
resulted in an obstacle against stopping corrupt officers. Police culture encompasses a set
of principles and guidelines that have evolved through the know-hows of officers and
which are largely affected by the environment in which they work. From the beginning of
their career at their academies, police officers are carried into this “cop culture". While
learning jobs and responsibilities, recruits will also absorb the morals needed to make it to
a high rank in their organization.
Some words used to define these values are as follows: a sense of mission, action,
suspicion, pessimism, machismo, distrust, dogmatism, segregation and solidarity. The
unique demands that are placed on police officers, such as the threat of danger, as well as
scrutiny by the public, create a tightly interlocked environment favorable to the growth of
feelings of loyalty. Such morals are claimed to lead to the code; segregation and
camaraderie leading to police officers sticking to their own kind, generating an us-againstthem mentality. The us-against-them attitude that can result leads to officers backing each
other up and remaining loyal to one another; in some circumstances it leads to not “ratting”
on other officers.
KEYWORDS
Police culture, isolation, organizational culture, police reform, cop culture, code of
silence, officers, racism, misogyny
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
2
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
RESUMO
Um conhecimento mais profundo sobre como os polícias vêem o mundo social e de
que forma vêm a sua posição, é fundamental para uma análise do que eles fazem e da
sua ampla função política e social (Reiner, 2000).
A cultura policial é, então, um aspecto muito importante quando se discute a história
do policiamento, e o impacto que tal prática tem na sociedade. Este trabalho propõe-se a
analisar o conceito de cultura policial e definir as suas características, bem como
debruçar-se sobre como a cultura da polícia pode ter um impacto negativo no
policiamento e na reforma do sistema policial em geral.
Observando as obras de Newburn (2004), Reiner (1978; 2000), Schen (1985), Kier
(1999; 2000) Shearing e Ericson (1991), Skolnick (1966), Crank (1997; 1998), Manning
(1997), Geller e Toch (1996), Holdaway (1977), Graef (1989) e Ianni e Ianni (1983), este
ensaio irá explorar os vários aspectos da cultura policial.
A cultura da polícia tem sido considerada como um assunto muito importante
quando se discute o policiamento em geral. A importância dada à cultura policial é
parcialmente devida aos problemas ligados à reforma do serviço policial (Newburn, 2004).
Na verdade, o serviço policial tem sido visto como sendo extremamente oposto à
mudança, e tem sido repetidamente implícito que são os próprios valores e as posições
profundamente enraizadas dos polícias que compõem um dos maiores obstáculos à
mudança e reforma (Newburn, 2004). Reiner (2000) definiu a cultura policial como a
maneira que os polícias vêem o mundo social e a sua posição no mesmo, ou as normas,
a moral, percepções e conhecimentos que influenciam a conduta dos elementos das
forças policiais.
Antes de embarcar mais profundamente sobre a questão da cultura policial, este
ensaio vai explorar primeiro o que se entende por cultura e "cultura organizacional" e, em
seguida, vinculá-lo ao mundo do policiamento.
O Dicionário de Inglês Oxford define o significado "antropológico" de cultura como
sendo o modo de vida de uma sociedade e os comportamentos e pontos de vista de um
grupo social específico (Reiner, 2000).
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
3
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
A cultura é composta por conjuntos de normas multifacetadas, crenças, práticas e
símbolos que se apresentam como as pessoas reagem a situações específicas que
enfrentam, interpretadas através das estruturas cognitivas que elas adquiriram de
situações e experiências anteriores. Marx alegava que as pessoas criavam as suas
próprias culturas diversas e especiais, mas não por escolha (Reiner, 2000).
Schein (1985:6) descreveu a cultura organizacional como o nível mais profundo de
valores e da moral que são compartilhados por pessoas que fazem parte da mesma
organização. Schein (1985) reforça esta ideia, ao afirmar que todas as organizações têm
culturas, portanto, o termo não tem propriamente uma conotação depreciativa, embora
diversos pesquisadores classificam o termo „cultura policial‟ como sendo "mau", em
grande parte devido às suas características mais negativas e corruptas (Newburn, 2004;
Skolnick, 2011).
Kier (1999) argumenta que as culturas organizacionais têm um impacto muito
importante na forma como os seus membros enfrentam o mundo e no que eles
consideram importante.
Este assunto é ainda mais importante quando se discute policiamento, pela razão de
que a percepção que os elementos policiais têm do perigo, bem como o sentido de
missão e companheirismo relatado por estes mesmos elementos, e a ideia que os polícias
têm que eles representam uma "fina barreira" entre a lei e o crime, em última análise,
influencia os pontos de vista que os agentes têm do seu trabalho e do mundo social onde
eles estão inseridos (Kier, 2000).
No entanto, a cultura policial não é apenas sobre as atitudes dos elementos policiais.
A cultura policial, como qualquer outra cultura, não é homogénea, embora alguns
pesquisadores a têm retratado como tal (Crank, 1998).
Existem "subculturas" particulares, que podem ser distinguidas no âmbito da cultura
policial mais ampla, criadas por diferentes experiências relacionadas com posições
estruturais muito específicas, ou com orientações individuais que alguns oficiais e agentes
trazem consigo a partir de experiências do seu passado (Reiner, 2000).
Os estilos e culturas organizacionais das forças policiais variam amplamente entre
os diferentes países e períodos, uma vez que não existem duas forças policiais iguais,
tanto em elementos, como em costumes (Reiner, 2000).
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
4
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
A cultura policial desenvolveu-se como um conjunto específico de regras e
entendimentos que os polícias encontraram para ajudar a lidar com as pressões que vêm
inerentes à sua profissão (Newburn, 2004).
O processo de propagação da cultura policial é composto por piadas, mitos e
histórias, e olhando para exemplos de conduta, a cultura sobrevive devido à capacidade
de ajuste psicológico e devido aos requisitos da "condição policial" (Shearing e Ericson,
1991).
Um dos trabalhos mais citados quando se descrevem as características
fundamentais da cultura policial é o retracto policial da "personalidade de trabalho" de
Skolnic (1966).
Ao usar o termo "personalidade de trabalho", ele refere-se a uma cultura
socialmente concebida, e não a uma tendência psicológica individual (Reiner, 2000).
Skolnick (1966) argumenta que esta é uma resposta às facetas mais importantes do papel
da polícia, lidar constantemente com “perigo e autoridade, o que deve ser interpretado à
luz de uma constante pressão para parecer eficiente " (Skolnick, 1966:44).
A polícia enfrenta mais ameaças de ataques iminentes e inesperados de outras
pessoas, em vez das ameaças mais esperadas de riscos físicos ou ambientais, e o nível
de gravidade, obviamente, também varia consideravelmente (Reiner, 2000).
Pessoas que possuem outras ocupações - mineiros e mergulhadores por exemplo podem estar expostos a maiores riscos de sofrer de doenças relacionadas com o trabalho
ou morte (Reiner, 2000). Mas o papel da polícia é diferente, no sentido em que o maior
perigo provém de situações em que o risco vem de situações imprevisíveis e do
envolvimento com outras pessoas (Crank, 1997: capítulo 8).
O perigo tem uma relação estreita com a autoridade, que é uma parte muito
importante da experiência da polícia (Reiner, 2000). Ao representar a autoridade e
recorrendo ao uso legal da força, os polícias estão expostos ao perigo por aqueles que
resistem à execução da referida autoridade (Reiner, 2000).
As estratégias e a organização da polícia Britânica tradicional foram reformuladas ao
longo dos anos no sentido de diminuir o uso da força, transformando o polícia num
símbolo de uma lei universalmente aceita.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
5
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
Perigo e autoridade são, portanto, elementos interdependentes no 'universo policial
", e a fim de lidar com tais pressões da vida quotidiana do policiamento, a cultura policial
desenvolve-se como um conjunto de regras de adaptação e expressões (Newbun, 2004).
Skolnick (1966: 42, 231) sugere um terceiro elemento importante que ajuda a
reforçar a cultura policial: a pressão que os policiais sentem, e a escolha entre ser
eficiente e ser „legal‟ quando as duas regras se confrontam.
Na verdade, Reiner (2000) argumenta que os polícias sentem a pressão externa,
tanto política como social, para ser eficiente e para mostrar "resultados" em momentos
distintos, de acordo com mudanças drásticas nas estatísticas de criminalidade ou pânicos
morais. Pressionar a polícia para conseguir tais 'resultados' pode resultar num caso em
que um agente da polícia pode sentir a necessidade de esticar a sua autoridade e poder e
violar os direitos dos suspeitos (Reiner, 2000; Newburn, 2004).
Skolnick (1966) enfatiza que a expectativa que o público tem da polícia também é
ampliada pela propaganda da polícia a respeito das suas habilidades como profissionais
de confiança e de guardiões da paz no combate ao crime. Os agentes da polícia são,
portanto, severamente dedicados aos propósitos de manutenção da paz e combate ao
crime (Reiner, 2000).
Outra característica muito importante e central da cultura policial é o "sentido de
missão" (Reiner, 2000).
Este sentimento pode ser descrito como um sentimento de “pertença”, que o “ser
polícia” é mais do que apenas um trabalho, é um modo de vida com um propósito muito
específico e especial (Newburn, 2004).
A justificação para esse sentido de missão não é de natureza política, sendo vista
como a eternização de um modo de vida e da protecção dos mais fracos contra os
corruptos (Newburn, 2004).
Um agente da polícia citado em Reiner (1978: 79) explica que, do ponto de vista de
um polícia, oprimir um criminoso é algo que é feito com alguma facilidade, uma vez que
os criminosos são, eles próprios, opressores.
Pode-se argumentar que parece que a principal justificação para o policiamento e
para a visão “justiceira” dos polícias é a partir de uma "perspectiva centrada na vítima e
nos seus direitos" (Reiner, 2000).
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
6
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
A missão de policiamento não é vista como irritante ou fastidiosa. Na verdade, os
polícias consideram-na como sendo cheia de emoção e conquista.
Alguns autores têm enfatizado a acção, procurando o lado auto-indulgente da cultura
policial (Geller e Toch, 1996; Crank, 1998; Holdaway, 1977). Estes são, sem dúvida, de
importância central (Reiner, 2000).
Graef (1989) argumenta que os principais agentes da polícia do departamento de
narcóticos são viciados em adrenalina.
Mas a emoção por trás das perseguições, as lutas, e o "síndrome de machismo"
(Reiner 1978:161), realça destaques do trabalho real, o que significa que não é apenas
um hobby (Newburn, 2004). Eles envolvem-se facilmente e é mais uma razão pela qual o
trabalho de um polícia é também visto como interessante e gratificante. Do ponto de vista
de um elemento policial, este está a lutar contra os vilões, ele pertence à equipa dos
"bons" e é isso que lhe dá a permissão para suas acções.
No entanto, é muito importante perceber o trabalho da polícia, uma vez que é
considerado uma missão, como uma obrigação moral, e não apenas um "trabalho
mundano quotidiano" (Crank, 1998).
Isto tem efeitos negativos, porque faz com que algumas das suas práticas
tradicionais se tornem muito mais resistentes à reforma, uma vez que são vistas como
uma forma de vida (Reiner, 2000).
Os fundamentos da missão, no ponto de vista da polícia, são espelhados na forma
como eles se vêem a si mesmos, como "a fina linha azul", e é uma parte essencial para
manter a ordem social (Newburn, 2004).
Esta maneira de pensar apresenta um obstáculo muito sério para reformar o sistema
policial, uma vez que os polícias se vêem como parte da aplicação da lei, o que pode
torná-los mais susceptíveis a irregularidades, por forma a atingir seus objectivos, também
conhecido como o ' Dilema Dirty Harry '(Klockars, 1980; R.Morgan, 2000).
Os agentes da polícia têm uma tendência a adquirir um conjunto de pontos de vista
que foram descritos ao longo dos anos como sendo “cínicos", ou como pessimismo
policial (Vick, 1981). Isto é descrito como o "exterior duro" ou amargo que os elementos
policiais desenvolvem, encarando as tendências sociais e penais de forma pessimista,
desconfiada e desesperada, onde a polícia está em desvantagem e inundada por
delinquentes (Reiner, 1978).
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
7
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
A importância de um sentido de missão visivelmente muda de indivíduo para
indivíduo, e é certo que muitos polícias encaram a sua luta com criminosos como um
desafio ritualizado, um jogo divertido em que a prisão do criminoso traz satisfação pessoal
e realização, ao invés de uma sensação de serviço público (Reiner, 2000).
Reiner (2000) argumenta que essa maneira cínica de pensar pode muito bem
funcionar como um escudo para reduzir a ansiedade de quando o trabalho corre mal, por
exemplo, quando um criminoso consegue fugir e é detido.
Passando a descrever as características fundamentais da cultura policial, é
importante salientar que um outro aspecto importante da cultura policial é que não é nada
mais do que uma fachada para os agentes.
Newburn (2004) argumenta que é importante fazer a distinção entre “cultura policial”
e “cultura de cantina”.
Newburn (2004) argumenta que a "cultura policial" é definida pelas atitudes, opiniões
e comportamentos expressos durante o decorrer da sua tarefa, enquanto "cultura de
cantina” é definida como as crenças e os valores típicos dos agentes aposentados ou de
folga.
Pode-se argumentar que a maneira que os polícias actuam fora de serviço, bem
como o que eles dizem quando estão de folga, sugere que a cultura policial abrange
também a forma como os funcionários pensam e agem quando não estão de serviço
(Crank, 1997).
Waddington (1999), no entanto, argumenta que essa ideia está errada, alegando
que a maioria do que os polícias dizem fora de serviço, é uma forma de libertar o stress e
é nada mais um hobby.
Isso leva-nos a uma outra distinção importante apontado por Ianni e Ianni (1983),
que menciona a distinção entre “polícias de rua” e “polícias de secretária”.
Ele argumenta que esses grupos representam dois tipos de cultura policial muito
díspares (Newburn, 2004).
Reiner (2000) aponta sete características principais do que pode ser considerado
como característica da “cultura policial de rua”.
A primeira característica que ressalta é o sentido de missão (cinismo/pessimismo)
que os polícias descrevem. Caracteriza-se como a ideia de que o trabalho policial é muito
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
8
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
mais do que um trabalho normal, e que tem uma razão mais ampla por trás de tudo, tem
uma missão que está ligada à manutenção da ordem.
Este aspecto foi discutido anteriormente neste trabalho de investigação e, como
disse antes, é uma das características que faz com que a cultura policial seja vista como
uma cultura conservadora e adversa à mudança.
A segunda característica a que Reiner (2000) chama a atenção é para o facto de os
polícias encararem a vida com desconfiança. É fácil de entender porque é que o trabalho
de um polícia envolve uma boa quantidade de desconfiança. A suspeita é o resultado da
necessidade de se manter muito atento a possíveis sinais de problemas ou de potencial
perigo (Reiner, 2000). É uma resposta aos perigos do trabalho, bem como o resultado do
sentido de missão.
Os agentes da polícia têm a necessidade de desenvolver mapas cognitivos bem
estruturados do mundo social, a fim de prever e gerir facilmente o comportamento
imprevisível de outras pessoas (Reiner, 2000).
Os estereótipos que muitos agentes policiais possuem, têm sido fortemente
criticados pelo facto de que os estereótipos sobre prováveis infractores, pode resultar
numa situação em que os indivíduos que possuem as referidas características, sejam
desproporcionalmente parados, interrogados e detidos, o que pode resultar num círculo
interminável de desvio (J.Young, 1971).
Esta é também uma das características que faz com que a reforma da polícia seja
tão difícil, porque dá a entender que os estereótipos raciais ou sociais constituem uma
táctica comum, e é aceite dentro da força policial.
A próxima categoria que precisa ser observada é o isolamento / solidariedade que
existe na comunidade da polícia. Por várias razões, a cultura policial tem uma tendência a
ser descrita por um nível elevado de solidariedade (Newburn, 2004).
Isto é em parte devido à natureza do trabalho em si, inclusive a desconfiança de
outros que foi mencionado acima, e a intensidade de alguns dos trabalhos, tudo isso
acumula e ajuda a uma ligação social mais fácil entre os agentes da polícia (Newburn,
2004).
Por estas razões acima expostas, os agentes da polícia têm uma visão moralmente
conservadora do mundo. Na verdade, o conservadorismo é um outro aspecto muito
importante da cultura de polícia. Os agentes da polícia têm uma tendência a tentar manter
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
9
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
as coisas como elas são, e sendo, como resultado, em certa medida, resistentes à
mudança e à reforma.
Há também pesquisas que sugerem que os agentes têm uma tendência a apoiar o
conservadorismo político (Newburn, 2004).
O machismo também é um aspecto muito importante da cultura de polícia.
Reiner (2000) descreve esse aspecto da cultura como sendo antiquado, pela razão
de que algumas características que são consideradas as mais importantes nesta cultura
são aquelas que é frequentemente associada com o "mundo dos homens" (Newburn,
2004).
Resistência física, coragem e promiscuidade sexual masculina são características
altamente valorizadas. As organizações policiais são particularmente machistas e
dominadas pelos homens.
Apesar das mudanças na política de recrutamento, a verdade é que o serviço de
polícia continua a ser um serviço, na sua maioria, dominado pelo sexo masculino,
caucasiano e heterossexual, onde aqueles que são considerados como sendo diferentes
de qualquer forma (raça, género ou orientação sexual) muitas vezes falam sobre graves
dificuldades em serem aceite (Newburn, 2004).
O próximo segmento deste ensaio irá discutir três áreas de diferença - de género e
raça -, e como estes podem ser uma causa para o desvio de polícia.
Começando com género, e tendo em conta a importância da masculinidade como
uma característica cultural central na polícia, várias pesquisas afirmam que
independentemente de mais de 25 anos de políticas contra a discriminação sexual e de
números sempre crescentes de agentes do sexo feminino, a polícia ainda é amplamente
gerida sobre orientações masculinas (Taylor e Mackenzie, 1994; Brown e Heidensohn,
2000).
Os estilos contraditórios da mediação de conflitos e sensibilidade emocional que
alguns elementos do sexo feminino oferecem ao seu trabalho, são muitas vezes
consideradas como sendo "suaves" e são, por isso, irrelevantes para a maioria dos seus
colegas homens (Newburn, 2004).
Elementos do sexo feminino lutam frequentemente para serem aceites e são
relembradas, constantemente, que elas estão inseridas num “mundo de homens”
(Newburn, 2004).
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
10
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
Apesar de ser entendido que, como as mulheres formadas compõem grandes
percentagens da força policial Britânica, o assédio sexual diminuiria, mas a verdade é que
quase oitenta por cento das agentes do sexo feminino confessaram, numa pesquisa
realizada por Brown (1998), que tinham sido vítimas de assédio sexual.
O preconceito racial é uma característica relevante do conservadorismo da polícia.
Um número considerável de estudos feitos nos Estados Unidos, mostra claramente que
há hostilidade, desconfiança e preconceito para com os membros da comunidade negra,
e vice-versa (Crank, 1997).
Há evidências semelhantes em muitos estudos sobre o preconceito racial na polícia
britânica. Lambert (1970) argumenta que, até o início da década de 1970, os dados de
detenção da polícia, indicavam uma participação exagerada dos negros na criminalidade,
comparando com a sua proporção na população.
Nos últimos 30 anos, houve dois relatórios importantíssimos que se focaram nos
problemas que resultam da ligação entre o policiamento e as relações raciais: o relatório
Scarman em 1981, e o relatório Lawrence em 1999.
Ambos foram descritos como sendo pontos de viragem na história da polícia, e
passavam a mensagem de que o serviço policial deve representar todas as diversas
comunidades que representam (Newburn, 2004).
Enquanto o recrutamento de agentes do sexo feminino e das minorias étnicas seja
muitas vezes considerado como uma potencial solução para alguns dos problemas
enfrentados pelo serviço policial, isso pode não ser a solução (Newburn, 2004).
A verdade é que sem se fazer frente ao comportamento sexista, racista ou
homofóbico, as pessoas que possuem essas visões podem ter a sensação de que as
suas ideias são apoiadas pela instituição (Reiner, 2000).
Para concluir, pode-se argumentar que a cultura da polícia tem sido usada para
explicar a prática policial e alguns rituais por trás desta organização.
Embora existam características culturais semelhantes nas organizações policiais de
todo o mundo, diferentes pesquisas indicam que há diferenças relevantes dentro de uma
multiplicidade de subculturas na polícia (Newburn, 2004).
No entanto, algumas semelhanças ainda podem ser apontadas entre todos os
departamentos da polícia. O preconceito racial e o machismo sempre fizeram parte da
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
11
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
cultura da polícia e esses aspectos podem levar as forças policiais para o desvio, porque
a discriminação sexual e racial são sinais de corrupção e não podem nunca ser
perpetradas por forças que prometem proteger o público (Newburn, 2004).
A persistência desses aspectos muito negativos da cultura policial implica que há
algum interesse dentro da instituição policial em manter as coisas como elas são e para
resistir à reforma (Newburn, 2004).
Mesmo onde não há unidade e dedicação para a mudança no departamento de
polícia, várias pesquisas mostram que a reforma estrutural é um processo muito lento
(Reiner, 2000; Mastrofski, 1988).
LISTA DE REFERÊNCIAS
• Brown, J. and Heidensohn, F. (2000) Gender and Policing: Comparative
Perspectives. Basingstoke: Macmillan.
• Crank, J. P. (1997). Celebrating agency culture: Engaging a traditional cop‟s heart
in organizational change. In Q. C. Thurman & E. McGarrell (Eds.),Community policing in a
rural setting (pp. 49-57). Cincinnati, Ohio: Anderson.
• Crank, J. P. (1998). Understanding police culture. Cincinnati, OH: Anderson.
• Graef, R. (1989) Talking Blues. London: Collins.
• Geller,W., and Toch,H. (eds.) (1996). Police Violence: Understanding and
Controlling Police Abuse of Force. New Haven: Yale University Press.
• Holdaway,S. (1997). „Changes in Urban Policing‟. British Journal of Sociology, 28/2:
119- 37. (Reprinted in Reiner 1996a,.i.)
• Ianni,E.R., and Ianni, R. (1983). „Street Cops and Management Cops: The Two
Cultures of Policing‟, in M.Punch (ed.), Control in the Police Organization. Cambridge,
MA:MIT Press.
• Kier,E. (1999) „Discrimination and military cohesion: an organizational perpective‟,
in M.Fansod Katzenstien and J. Reppy (eds) Beyond Zero Tolerance: Discrimination in
Military Culture. Lanham, MD:Rowman & Littlefield, 25-52.
• Klockars,C. (1980). „The Dirty Harry Problem‟. The Annals, 452 (November): 33-47.
• Lambert,J. (1970). Crime, Police and Race Relations. Oxford: Oxford University
Press.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
12
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
7
JULHO
2015
• Mastrofski, S. (1998) „Community policing and police organisational structure‟, in J.P. Broduer (ed.) How to recognise Good Policing : Problems and Issues. London: Sage.
161- 89
• Manning,P. (1979). Police Work (2nd edn). Prospect Heights, IL: Waveland Press.
• Newburn, T. (2004) Handbook of Policing. Devon. Willan Publishing Ltd.
• Reiner, R., (1978) The Blue-Coated Worker. Cambridge: Cambridge University
Press.
• Reiner, R., (2000) The Politics of the Police. (3rd edn). Oxford: Oxford University
Press.
• Skolnick, J. (1966). Justice without Trial. New York: Wiley.
• Schein, E. (1985) Organizational Culture and Leadership. San Francisco, CA:
Jossey-Bass.
• Shearing,C., and Ericson, R. (1991) „Culture as figurative action‟. British Journal of
Sociology, 42(4): 481-506.
• Taylor, C. and Mackenzie,I. (1994) „The glass ceiling at the top of the greasy pole‟,
Policing, 10(4): 260-7.
• Vick,C. (1981). „Police Pessimism‟, in D.Pope and N.Weiner (eds.), Modern
Policing. London: Croom Helm.
• Young,J. (1971). „The Role of the Police as Amplifiers of Deviancy‟, in S.Cohen
(ed.), Images of Deviance. London: Penguin.
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015
13

Documentos relacionados

arquivo em formato PDF

arquivo em formato PDF primento das necessidades básicas da população. Por fim, em termos administrativos, entra em crise o modelo burocrático, que ressaltava a importância da impessoalidade, neutralidade e racionalidade...

Leia mais