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DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA Nº 7 JULHO 2015 "A CULTURA POLICIAL É MUITAS VEZES CONSIDERADA COMO UMA CAUSA DO DESVIO DA POLÍCIA E UM OBSTÁCULO PARA A REFORMA DA POLÍCIA" (CHAN, 1997). ANÁLISE DO CASO BRITÂNICO1 'Police culture is often considered as both a cause of police deviance and an obstacle for police reform'(Chan,1997). British police case study analysis SÍLVIA MOTA Mestranda em Direito e Segurança “A análise da cultura profissional dos policiais é o calcanhar de Aquiles de toda pesquisa sobre a polícia (...). É como que se, no processo de interpretação dos seus dados, o pesquisador se encontrasse confrontado com a necessária consideração de uma „variável‟ imprevista, ou subestimada no protocolo de pesquisa, que por conseguinte convém designar-se por „cultura profissional‟, e à qual será referido, como princípio explicativo das condutas, o que parece escapar à lógica organizacional, quer seja 1 Esta Working Paper resultou de um trabalho referente à 2ªunidade curricular: „Sistema de Segurança Interna‟ do Mestrado em Direito e Segurança. CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 apreendida em termos hierárquicos (prescrições, controle, sanção) ou em termos racionais (objectivos, meios, eficácia).” Dominique Monjardet (2003), ‘O Que Faz A Polícia’ PALAVRAS-CHAVE Cultura policial, cultura organizacional, reforma da polícia, cinismo, machismo, racismo, isolação. ABSTRACT Police culture or “cop culture," as it is occasionally referred to by police officers, has resulted in an obstacle against stopping corrupt officers. Police culture encompasses a set of principles and guidelines that have evolved through the know-hows of officers and which are largely affected by the environment in which they work. From the beginning of their career at their academies, police officers are carried into this “cop culture". While learning jobs and responsibilities, recruits will also absorb the morals needed to make it to a high rank in their organization. Some words used to define these values are as follows: a sense of mission, action, suspicion, pessimism, machismo, distrust, dogmatism, segregation and solidarity. The unique demands that are placed on police officers, such as the threat of danger, as well as scrutiny by the public, create a tightly interlocked environment favorable to the growth of feelings of loyalty. Such morals are claimed to lead to the code; segregation and camaraderie leading to police officers sticking to their own kind, generating an us-againstthem mentality. The us-against-them attitude that can result leads to officers backing each other up and remaining loyal to one another; in some circumstances it leads to not “ratting” on other officers. KEYWORDS Police culture, isolation, organizational culture, police reform, cop culture, code of silence, officers, racism, misogyny CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 2 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 RESUMO Um conhecimento mais profundo sobre como os polícias vêem o mundo social e de que forma vêm a sua posição, é fundamental para uma análise do que eles fazem e da sua ampla função política e social (Reiner, 2000). A cultura policial é, então, um aspecto muito importante quando se discute a história do policiamento, e o impacto que tal prática tem na sociedade. Este trabalho propõe-se a analisar o conceito de cultura policial e definir as suas características, bem como debruçar-se sobre como a cultura da polícia pode ter um impacto negativo no policiamento e na reforma do sistema policial em geral. Observando as obras de Newburn (2004), Reiner (1978; 2000), Schen (1985), Kier (1999; 2000) Shearing e Ericson (1991), Skolnick (1966), Crank (1997; 1998), Manning (1997), Geller e Toch (1996), Holdaway (1977), Graef (1989) e Ianni e Ianni (1983), este ensaio irá explorar os vários aspectos da cultura policial. A cultura da polícia tem sido considerada como um assunto muito importante quando se discute o policiamento em geral. A importância dada à cultura policial é parcialmente devida aos problemas ligados à reforma do serviço policial (Newburn, 2004). Na verdade, o serviço policial tem sido visto como sendo extremamente oposto à mudança, e tem sido repetidamente implícito que são os próprios valores e as posições profundamente enraizadas dos polícias que compõem um dos maiores obstáculos à mudança e reforma (Newburn, 2004). Reiner (2000) definiu a cultura policial como a maneira que os polícias vêem o mundo social e a sua posição no mesmo, ou as normas, a moral, percepções e conhecimentos que influenciam a conduta dos elementos das forças policiais. Antes de embarcar mais profundamente sobre a questão da cultura policial, este ensaio vai explorar primeiro o que se entende por cultura e "cultura organizacional" e, em seguida, vinculá-lo ao mundo do policiamento. O Dicionário de Inglês Oxford define o significado "antropológico" de cultura como sendo o modo de vida de uma sociedade e os comportamentos e pontos de vista de um grupo social específico (Reiner, 2000). CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 3 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 A cultura é composta por conjuntos de normas multifacetadas, crenças, práticas e símbolos que se apresentam como as pessoas reagem a situações específicas que enfrentam, interpretadas através das estruturas cognitivas que elas adquiriram de situações e experiências anteriores. Marx alegava que as pessoas criavam as suas próprias culturas diversas e especiais, mas não por escolha (Reiner, 2000). Schein (1985:6) descreveu a cultura organizacional como o nível mais profundo de valores e da moral que são compartilhados por pessoas que fazem parte da mesma organização. Schein (1985) reforça esta ideia, ao afirmar que todas as organizações têm culturas, portanto, o termo não tem propriamente uma conotação depreciativa, embora diversos pesquisadores classificam o termo „cultura policial‟ como sendo "mau", em grande parte devido às suas características mais negativas e corruptas (Newburn, 2004; Skolnick, 2011). Kier (1999) argumenta que as culturas organizacionais têm um impacto muito importante na forma como os seus membros enfrentam o mundo e no que eles consideram importante. Este assunto é ainda mais importante quando se discute policiamento, pela razão de que a percepção que os elementos policiais têm do perigo, bem como o sentido de missão e companheirismo relatado por estes mesmos elementos, e a ideia que os polícias têm que eles representam uma "fina barreira" entre a lei e o crime, em última análise, influencia os pontos de vista que os agentes têm do seu trabalho e do mundo social onde eles estão inseridos (Kier, 2000). No entanto, a cultura policial não é apenas sobre as atitudes dos elementos policiais. A cultura policial, como qualquer outra cultura, não é homogénea, embora alguns pesquisadores a têm retratado como tal (Crank, 1998). Existem "subculturas" particulares, que podem ser distinguidas no âmbito da cultura policial mais ampla, criadas por diferentes experiências relacionadas com posições estruturais muito específicas, ou com orientações individuais que alguns oficiais e agentes trazem consigo a partir de experiências do seu passado (Reiner, 2000). Os estilos e culturas organizacionais das forças policiais variam amplamente entre os diferentes países e períodos, uma vez que não existem duas forças policiais iguais, tanto em elementos, como em costumes (Reiner, 2000). CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 4 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 A cultura policial desenvolveu-se como um conjunto específico de regras e entendimentos que os polícias encontraram para ajudar a lidar com as pressões que vêm inerentes à sua profissão (Newburn, 2004). O processo de propagação da cultura policial é composto por piadas, mitos e histórias, e olhando para exemplos de conduta, a cultura sobrevive devido à capacidade de ajuste psicológico e devido aos requisitos da "condição policial" (Shearing e Ericson, 1991). Um dos trabalhos mais citados quando se descrevem as características fundamentais da cultura policial é o retracto policial da "personalidade de trabalho" de Skolnic (1966). Ao usar o termo "personalidade de trabalho", ele refere-se a uma cultura socialmente concebida, e não a uma tendência psicológica individual (Reiner, 2000). Skolnick (1966) argumenta que esta é uma resposta às facetas mais importantes do papel da polícia, lidar constantemente com “perigo e autoridade, o que deve ser interpretado à luz de uma constante pressão para parecer eficiente " (Skolnick, 1966:44). A polícia enfrenta mais ameaças de ataques iminentes e inesperados de outras pessoas, em vez das ameaças mais esperadas de riscos físicos ou ambientais, e o nível de gravidade, obviamente, também varia consideravelmente (Reiner, 2000). Pessoas que possuem outras ocupações - mineiros e mergulhadores por exemplo podem estar expostos a maiores riscos de sofrer de doenças relacionadas com o trabalho ou morte (Reiner, 2000). Mas o papel da polícia é diferente, no sentido em que o maior perigo provém de situações em que o risco vem de situações imprevisíveis e do envolvimento com outras pessoas (Crank, 1997: capítulo 8). O perigo tem uma relação estreita com a autoridade, que é uma parte muito importante da experiência da polícia (Reiner, 2000). Ao representar a autoridade e recorrendo ao uso legal da força, os polícias estão expostos ao perigo por aqueles que resistem à execução da referida autoridade (Reiner, 2000). As estratégias e a organização da polícia Britânica tradicional foram reformuladas ao longo dos anos no sentido de diminuir o uso da força, transformando o polícia num símbolo de uma lei universalmente aceita. CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 5 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 Perigo e autoridade são, portanto, elementos interdependentes no 'universo policial ", e a fim de lidar com tais pressões da vida quotidiana do policiamento, a cultura policial desenvolve-se como um conjunto de regras de adaptação e expressões (Newbun, 2004). Skolnick (1966: 42, 231) sugere um terceiro elemento importante que ajuda a reforçar a cultura policial: a pressão que os policiais sentem, e a escolha entre ser eficiente e ser „legal‟ quando as duas regras se confrontam. Na verdade, Reiner (2000) argumenta que os polícias sentem a pressão externa, tanto política como social, para ser eficiente e para mostrar "resultados" em momentos distintos, de acordo com mudanças drásticas nas estatísticas de criminalidade ou pânicos morais. Pressionar a polícia para conseguir tais 'resultados' pode resultar num caso em que um agente da polícia pode sentir a necessidade de esticar a sua autoridade e poder e violar os direitos dos suspeitos (Reiner, 2000; Newburn, 2004). Skolnick (1966) enfatiza que a expectativa que o público tem da polícia também é ampliada pela propaganda da polícia a respeito das suas habilidades como profissionais de confiança e de guardiões da paz no combate ao crime. Os agentes da polícia são, portanto, severamente dedicados aos propósitos de manutenção da paz e combate ao crime (Reiner, 2000). Outra característica muito importante e central da cultura policial é o "sentido de missão" (Reiner, 2000). Este sentimento pode ser descrito como um sentimento de “pertença”, que o “ser polícia” é mais do que apenas um trabalho, é um modo de vida com um propósito muito específico e especial (Newburn, 2004). A justificação para esse sentido de missão não é de natureza política, sendo vista como a eternização de um modo de vida e da protecção dos mais fracos contra os corruptos (Newburn, 2004). Um agente da polícia citado em Reiner (1978: 79) explica que, do ponto de vista de um polícia, oprimir um criminoso é algo que é feito com alguma facilidade, uma vez que os criminosos são, eles próprios, opressores. Pode-se argumentar que parece que a principal justificação para o policiamento e para a visão “justiceira” dos polícias é a partir de uma "perspectiva centrada na vítima e nos seus direitos" (Reiner, 2000). CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 6 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 A missão de policiamento não é vista como irritante ou fastidiosa. Na verdade, os polícias consideram-na como sendo cheia de emoção e conquista. Alguns autores têm enfatizado a acção, procurando o lado auto-indulgente da cultura policial (Geller e Toch, 1996; Crank, 1998; Holdaway, 1977). Estes são, sem dúvida, de importância central (Reiner, 2000). Graef (1989) argumenta que os principais agentes da polícia do departamento de narcóticos são viciados em adrenalina. Mas a emoção por trás das perseguições, as lutas, e o "síndrome de machismo" (Reiner 1978:161), realça destaques do trabalho real, o que significa que não é apenas um hobby (Newburn, 2004). Eles envolvem-se facilmente e é mais uma razão pela qual o trabalho de um polícia é também visto como interessante e gratificante. Do ponto de vista de um elemento policial, este está a lutar contra os vilões, ele pertence à equipa dos "bons" e é isso que lhe dá a permissão para suas acções. No entanto, é muito importante perceber o trabalho da polícia, uma vez que é considerado uma missão, como uma obrigação moral, e não apenas um "trabalho mundano quotidiano" (Crank, 1998). Isto tem efeitos negativos, porque faz com que algumas das suas práticas tradicionais se tornem muito mais resistentes à reforma, uma vez que são vistas como uma forma de vida (Reiner, 2000). Os fundamentos da missão, no ponto de vista da polícia, são espelhados na forma como eles se vêem a si mesmos, como "a fina linha azul", e é uma parte essencial para manter a ordem social (Newburn, 2004). Esta maneira de pensar apresenta um obstáculo muito sério para reformar o sistema policial, uma vez que os polícias se vêem como parte da aplicação da lei, o que pode torná-los mais susceptíveis a irregularidades, por forma a atingir seus objectivos, também conhecido como o ' Dilema Dirty Harry '(Klockars, 1980; R.Morgan, 2000). Os agentes da polícia têm uma tendência a adquirir um conjunto de pontos de vista que foram descritos ao longo dos anos como sendo “cínicos", ou como pessimismo policial (Vick, 1981). Isto é descrito como o "exterior duro" ou amargo que os elementos policiais desenvolvem, encarando as tendências sociais e penais de forma pessimista, desconfiada e desesperada, onde a polícia está em desvantagem e inundada por delinquentes (Reiner, 1978). CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 7 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 A importância de um sentido de missão visivelmente muda de indivíduo para indivíduo, e é certo que muitos polícias encaram a sua luta com criminosos como um desafio ritualizado, um jogo divertido em que a prisão do criminoso traz satisfação pessoal e realização, ao invés de uma sensação de serviço público (Reiner, 2000). Reiner (2000) argumenta que essa maneira cínica de pensar pode muito bem funcionar como um escudo para reduzir a ansiedade de quando o trabalho corre mal, por exemplo, quando um criminoso consegue fugir e é detido. Passando a descrever as características fundamentais da cultura policial, é importante salientar que um outro aspecto importante da cultura policial é que não é nada mais do que uma fachada para os agentes. Newburn (2004) argumenta que é importante fazer a distinção entre “cultura policial” e “cultura de cantina”. Newburn (2004) argumenta que a "cultura policial" é definida pelas atitudes, opiniões e comportamentos expressos durante o decorrer da sua tarefa, enquanto "cultura de cantina” é definida como as crenças e os valores típicos dos agentes aposentados ou de folga. Pode-se argumentar que a maneira que os polícias actuam fora de serviço, bem como o que eles dizem quando estão de folga, sugere que a cultura policial abrange também a forma como os funcionários pensam e agem quando não estão de serviço (Crank, 1997). Waddington (1999), no entanto, argumenta que essa ideia está errada, alegando que a maioria do que os polícias dizem fora de serviço, é uma forma de libertar o stress e é nada mais um hobby. Isso leva-nos a uma outra distinção importante apontado por Ianni e Ianni (1983), que menciona a distinção entre “polícias de rua” e “polícias de secretária”. Ele argumenta que esses grupos representam dois tipos de cultura policial muito díspares (Newburn, 2004). Reiner (2000) aponta sete características principais do que pode ser considerado como característica da “cultura policial de rua”. A primeira característica que ressalta é o sentido de missão (cinismo/pessimismo) que os polícias descrevem. Caracteriza-se como a ideia de que o trabalho policial é muito CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 8 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 mais do que um trabalho normal, e que tem uma razão mais ampla por trás de tudo, tem uma missão que está ligada à manutenção da ordem. Este aspecto foi discutido anteriormente neste trabalho de investigação e, como disse antes, é uma das características que faz com que a cultura policial seja vista como uma cultura conservadora e adversa à mudança. A segunda característica a que Reiner (2000) chama a atenção é para o facto de os polícias encararem a vida com desconfiança. É fácil de entender porque é que o trabalho de um polícia envolve uma boa quantidade de desconfiança. A suspeita é o resultado da necessidade de se manter muito atento a possíveis sinais de problemas ou de potencial perigo (Reiner, 2000). É uma resposta aos perigos do trabalho, bem como o resultado do sentido de missão. Os agentes da polícia têm a necessidade de desenvolver mapas cognitivos bem estruturados do mundo social, a fim de prever e gerir facilmente o comportamento imprevisível de outras pessoas (Reiner, 2000). Os estereótipos que muitos agentes policiais possuem, têm sido fortemente criticados pelo facto de que os estereótipos sobre prováveis infractores, pode resultar numa situação em que os indivíduos que possuem as referidas características, sejam desproporcionalmente parados, interrogados e detidos, o que pode resultar num círculo interminável de desvio (J.Young, 1971). Esta é também uma das características que faz com que a reforma da polícia seja tão difícil, porque dá a entender que os estereótipos raciais ou sociais constituem uma táctica comum, e é aceite dentro da força policial. A próxima categoria que precisa ser observada é o isolamento / solidariedade que existe na comunidade da polícia. Por várias razões, a cultura policial tem uma tendência a ser descrita por um nível elevado de solidariedade (Newburn, 2004). Isto é em parte devido à natureza do trabalho em si, inclusive a desconfiança de outros que foi mencionado acima, e a intensidade de alguns dos trabalhos, tudo isso acumula e ajuda a uma ligação social mais fácil entre os agentes da polícia (Newburn, 2004). Por estas razões acima expostas, os agentes da polícia têm uma visão moralmente conservadora do mundo. Na verdade, o conservadorismo é um outro aspecto muito importante da cultura de polícia. Os agentes da polícia têm uma tendência a tentar manter CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 9 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 as coisas como elas são, e sendo, como resultado, em certa medida, resistentes à mudança e à reforma. Há também pesquisas que sugerem que os agentes têm uma tendência a apoiar o conservadorismo político (Newburn, 2004). O machismo também é um aspecto muito importante da cultura de polícia. Reiner (2000) descreve esse aspecto da cultura como sendo antiquado, pela razão de que algumas características que são consideradas as mais importantes nesta cultura são aquelas que é frequentemente associada com o "mundo dos homens" (Newburn, 2004). Resistência física, coragem e promiscuidade sexual masculina são características altamente valorizadas. As organizações policiais são particularmente machistas e dominadas pelos homens. Apesar das mudanças na política de recrutamento, a verdade é que o serviço de polícia continua a ser um serviço, na sua maioria, dominado pelo sexo masculino, caucasiano e heterossexual, onde aqueles que são considerados como sendo diferentes de qualquer forma (raça, género ou orientação sexual) muitas vezes falam sobre graves dificuldades em serem aceite (Newburn, 2004). O próximo segmento deste ensaio irá discutir três áreas de diferença - de género e raça -, e como estes podem ser uma causa para o desvio de polícia. Começando com género, e tendo em conta a importância da masculinidade como uma característica cultural central na polícia, várias pesquisas afirmam que independentemente de mais de 25 anos de políticas contra a discriminação sexual e de números sempre crescentes de agentes do sexo feminino, a polícia ainda é amplamente gerida sobre orientações masculinas (Taylor e Mackenzie, 1994; Brown e Heidensohn, 2000). Os estilos contraditórios da mediação de conflitos e sensibilidade emocional que alguns elementos do sexo feminino oferecem ao seu trabalho, são muitas vezes consideradas como sendo "suaves" e são, por isso, irrelevantes para a maioria dos seus colegas homens (Newburn, 2004). Elementos do sexo feminino lutam frequentemente para serem aceites e são relembradas, constantemente, que elas estão inseridas num “mundo de homens” (Newburn, 2004). CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 10 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 Apesar de ser entendido que, como as mulheres formadas compõem grandes percentagens da força policial Britânica, o assédio sexual diminuiria, mas a verdade é que quase oitenta por cento das agentes do sexo feminino confessaram, numa pesquisa realizada por Brown (1998), que tinham sido vítimas de assédio sexual. O preconceito racial é uma característica relevante do conservadorismo da polícia. Um número considerável de estudos feitos nos Estados Unidos, mostra claramente que há hostilidade, desconfiança e preconceito para com os membros da comunidade negra, e vice-versa (Crank, 1997). Há evidências semelhantes em muitos estudos sobre o preconceito racial na polícia britânica. Lambert (1970) argumenta que, até o início da década de 1970, os dados de detenção da polícia, indicavam uma participação exagerada dos negros na criminalidade, comparando com a sua proporção na população. Nos últimos 30 anos, houve dois relatórios importantíssimos que se focaram nos problemas que resultam da ligação entre o policiamento e as relações raciais: o relatório Scarman em 1981, e o relatório Lawrence em 1999. Ambos foram descritos como sendo pontos de viragem na história da polícia, e passavam a mensagem de que o serviço policial deve representar todas as diversas comunidades que representam (Newburn, 2004). Enquanto o recrutamento de agentes do sexo feminino e das minorias étnicas seja muitas vezes considerado como uma potencial solução para alguns dos problemas enfrentados pelo serviço policial, isso pode não ser a solução (Newburn, 2004). A verdade é que sem se fazer frente ao comportamento sexista, racista ou homofóbico, as pessoas que possuem essas visões podem ter a sensação de que as suas ideias são apoiadas pela instituição (Reiner, 2000). Para concluir, pode-se argumentar que a cultura da polícia tem sido usada para explicar a prática policial e alguns rituais por trás desta organização. Embora existam características culturais semelhantes nas organizações policiais de todo o mundo, diferentes pesquisas indicam que há diferenças relevantes dentro de uma multiplicidade de subculturas na polícia (Newburn, 2004). No entanto, algumas semelhanças ainda podem ser apontadas entre todos os departamentos da polícia. O preconceito racial e o machismo sempre fizeram parte da CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 7 | julho de 2015 11 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACRIA Nº 7 JULHO 2015 cultura da polícia e esses aspectos podem levar as forças policiais para o desvio, porque a discriminação sexual e racial são sinais de corrupção e não podem nunca ser perpetradas por forças que prometem proteger o público (Newburn, 2004). A persistência desses aspectos muito negativos da cultura policial implica que há algum interesse dentro da instituição policial em manter as coisas como elas são e para resistir à reforma (Newburn, 2004). Mesmo onde não há unidade e dedicação para a mudança no departamento de polícia, várias pesquisas mostram que a reforma estrutural é um processo muito lento (Reiner, 2000; Mastrofski, 1988). LISTA DE REFERÊNCIAS • Brown, J. and Heidensohn, F. (2000) Gender and Policing: Comparative Perspectives. Basingstoke: Macmillan. • Crank, J. P. (1997). 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