- Polis Educacional

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FACULDADE DE JAGUARIÚNA
JOSÉ FABIO PALANCH
ABORTO
Jaguariúna
2008
2
JOSÉ FABIO PALANCH
ABORTO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao curso de Direito da
Faculdade de Jaguariúna para obtenção
do título de Bacharel/Licenciado em
Direito
Orientador: Gustavo Previdi Vieira de Barros
Jaguariúna
2008
3
JOSÉ FABIO PALANCH
ABORTO
Este exemplar corresponde à redação final da Monografia de
graduação defendida por José Fabio Palanch e aprovada pela
Comissão julgadora em ___/___/___.
____________________________________
Gustavo Previdi Vieira de Barros
Orientador
_____________________________________
Nome:
_____________________________________
Nome:
Jaguariúna
2008
4
Dedico este trabalho ao meu pai Virgílio
e minha mãe Vera, pelos quais fui criado
e educado, que, sem eles nada disso teria
se concretizado. Dedico também à minha
tia Lázara, de quem me orgulho muito e à
minha avó Eliza Manzoni Pedrozo (in
memorian), que certamente se orgulharia
de presenciar que estou na reta final para
o início de minha carreira profissional.
5
AGRADECIMENTOS
Desejo agradecer primeiramente a Deus, agradeço também aos
membros do corpo docente do Curso de Direito da Unidade Acadêmica da Área de Ciências
Jurídicas, Humanas e Sociais da Faculdade de Jaguariúna, pelos conhecimentos adquiridos no
decorrer desse período que pudemos estar juntos.
Um agradecimento especial deve ser dirigido ao Prof. Gustavo Previdi
Vieira de Barros, que aceitou com satisfação e boa vontade a tarefa de orientar-me na
realização deste trabalho, fazendo-o pacientemente e compreendendo minhas dificuldades e
limitações.
Agradeço os meus colegas de classe Silvio Alexandre Capeletto, José
Luiz Pavan, Joabe Alves de Sousa, Alexandre Pires Barbosa Murer, Luiz Fernando Honório,
Roberto Aparecido Marinelli e Admir Policarpo amizades estas que tive o prazer de construir
e lapidar ao longo do curso. Também à minha namorada Nara Marcela Dal’Bó, que apesar de
termos estudado em turmas diferentes, estivemos sempre juntos ao longo desses cinco anos.
Agradeço também ao Dr. Waldir Antonio Nunes, um grande amigo e
incentivador, com o qual prestou grande ajuda para a concretização deste trabalho.
Não posso deixar de agradecer meus colegas que conheci nos primeiros
anos de estudo, freqüentando as mesmas escolas e turmas, amizades estas, mantidas em
virtude do espírito de companheirismo, lealdade e união que sempre existirá entre nós.
Amizade do dia-a-dia. A verdadeira amizade de meus familiares Frederico, Maria Eugênia,
Nayara, Rayana, Paulo e à minha tia Alice. Estendo este agradecimento também às suas
famílias. Também a todos meus amigos que conheci ao longo de minha vida e que, mesmo
não aparecendo o nome aqui, nunca me esquecerei.
Afinal, todos eles têm uma parcela de colaboração nesta obra, seja
direta ou indiretamente.
6
PALANCH, José Fabio: Aborto 2008. 80 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso de
Direito, Faculdade de Jaguariúna, Jaguariúna, 2008.
RESUMO
O presente trabalho terá como escopo o estudo do aborto enfocando
principalmente o aspecto jurídico (artigos 124 ao 128 do Código Penal), não obstante,
também abordando sua história, posicionamento das religiões e, também, como é tratado o
crime em outros países. Quanto ao histórico, serão apresentadas desde as primeiras
referências, ou seja, os primeiros relatos de métodos abortivos e como eram realizados,
passando pelos grandes filósofos da época como Sócrates e Hipócrates e explanando suas
opiniões. Será discutido o bem tutelado, melhor dizendo, quem é o juridicamente prejudicado
no crime de aborto, o feto ou o Estado? A quem o Direito protege? A presente monografia
também apresenta a questão controvertida em relação ao concurso de agentes para o delito,
também estudando a tentativa e a consumação deste crime. Enfim, será feita uma análise da
descrição típica penal.
Palavra chave: Aborto e Aspecto Jurídico.
7
PALANCH, José Fabio: Abortion 2008. 80 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso
de Direito, Faculdade de Jaguariúna, Jaguariúna, 2008.
ABSTRACT
The present work will have as target the study of the abortion focusing
mainly the legal aspect (articles 124 to the 128 of the Criminal Code), not obstante, also
approaching its history, positioning of the religions and, also, as the crime in other countries is
treated. How much to the description, they will be presented since the first references, that is,
the first stories of abortive methods and as they were carried through, passing for the great
philosophers of the time as Sócrates and Hipócrates and explanando its opinions. Will be
argued well the tutored person, better saying, who is the legally wronged one in the crime of
abortion, the embryo or the State? To who the Right protects? The present monograph also
presents the question controverted in relation to the conspiracy for the delict, also studying the
attempt and the consumption of this crime. At last, an analysis of the criminal typical
description will be made.
Keywords: Abtreibung und rechtliche Aspekte;
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
CAPÍTULO 1: O INÍCIO DA VIDA......................................................................................15
1.1.Quando a vida começa?......................................................................................................15
1.2.Do ponto de vista científico................................................................................................15
1.3. Para a Constituição Federal................................................................................................17
1.4. Para os Civilistas................................................................................................................17
1.5. Para os Penalistas...............................................................................................................18
CAPÍTULO 2: CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ABORTO....................................20
2.1. Conceito.............................................................................................................................20
2.2. O aborto através dos séculos..............................................................................................21
2.3. Aspetos legais....................................................................................................................24
2.4. Constituição Federal e o aborto.........................................................................................25
2.5. Objetividade jurídica..........................................................................................................27
CAPÍTULO 3: FORMAS DELITUOSAS DO ABORTO......................................................29
3.1. Auto Aborto.......................................................................................................................29
3.2. Aborto Sofrido...................................................................................................................30
3.3. Aborto Consentido.............................................................................................................32
3.4. Aborto Qualificado............................................................................................................34
3.5. Aborto Eugênico................................................................................................................35
9
3.6. Aborto Social e Honoris Causa.........................................................................................36
CAPÍTULO 4: ABORTO PERMITIDO.................................................................................37
4.1. Aborto Terapêutico ...........................................................................................................37
4.2. Aborto Sentimental............................................................................................................38
4.3. Aborto Natural e Acidental................................................................................................39
CAPÍTULO 5: ANÁLISE DA DESCRIÇÃO TÍPICA..........................................................41
5.1. Tentativa e Consumação....................................................................................................41
5.2. Concurso de Agentes.........................................................................................................42
5.3. Relação de Causalidade no Aborto....................................................................................43
5.4. Elemento Subjetivo no Aborto...........................................................................................43
CAPÍTULO 6: ASPECTOS SOCIAIS....................................................................................44
6.1. Realidade Social Brasileira................................................................................................44
6.2. Aborto no mundo...............................................................................................................45
6.3. As Religiões e o Aborto.....................................................................................................46
CAPÍTULO 7: QUAIS OS CASOS EM QUE O ABORTO DEVERIA SER
LEGALIZADO?.......................................................................................................................50
CAPÍTULO
8:
ANENCEFALIA
–
DIAGNÓSTICO
MAIS
COMUM
DA
INCOMPATIBILIDADE COM A VIDA................................................................................ 51
8.1.Conceito..............................................................................................................................51
8.2.Diagnóstico da anomalia.....................................................................................................52
8.3. Riscos pré e pós-parto........................................................................................................53
8.4.Posicionamento crítico social..............................................................................................53
10
8.5.Resolução 1752 CFM................................... ......................................................................54
8.6.Prevenção e recorrência da gestação de feto anencefálico..................................................54
8.7. A importância do ácido fólico............................................................................................55
8.8. Da doação de órgãos..........................................................................................................56
CONCLUSÃO..........................................................................................................................58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS......................................................................................62
REFERÊNCIA DE SITES........................................................................................................64
ANEXO 1 .................................................................................................................................65
ANEXO 2..................................................................................................................................66
ANEXO 3..................................................................................................................................69
ANEXO 4..................................................................................................................................74
ANEXO 5..................................................................................................................................77
11
INTRODUÇÃO
A realização desta monografia terá como base a pesquisa bibliográfica e
apoio de alguns artigos acessados na rede mundial de computadores (internet). O método
utilizado será o analítico com o enfoque de uma visão jurídica e sociológica, buscando tratar a
prática do aborto a partir de uma crítica ético-jurídica que passará a analisar as implicações
deste delito e, por fim, uma análise minuciosa da questão em pauta.
Visa de outra maneira, discutir e confrontar esses aspectos legais e sociais,
mostrando sua importância na sociedade, e mais do que nunca, atualmente, na qual estamos
vivendo.
Aborto é um tema absolutamente polêmico que proporciona discussão
acadêmica, doutrinária e, principalmente social, refletindo as mais diversas opiniões, desde
meros aprendizes do estudo do Direito até os mais conceituados doutores no assunto; dos
miseráveis e paupérrimos de nossa sociedade até as classes mais poderosa.
Punir ou não punir, ser ou não ser crime, é um assunto dos mais
tormentosos, que nos leva de volta às origens do homem, desafiando o saber dos povos ao
longo de suas vidas, sem que, todavia, alcance consenso algum, certamente porque seus
efeitos refogem ao campo jurídico para abarcar a moral e a religião.
A solução desta questão no momento apresentada, somente se dará um
parecer após longínquo tempo de análise e pesquisa completa acerca do tema, aonde
certamente se chegará a uma idéia fundamentada no problema, seja ela uma crítica à prática
do aborto, seja ela em favor da prática dele.
Trata-se de um tema do âmbito penal, legalmente tipificado, englobando
todas as possibilidades de tentativa e consumação do delito e causas de exclusão de
antijuridicidade.
Embora vasta a complexidade do tema - aspectos histórico, jurídico, social,
religioso, científico, psicológico, moral, movimentos feministas para a legalização, entre
12
outros -, serão abordados da maneira mais simples para sua compreensão, apresentando,
comparando e confrontando as opiniões diversificadas de forma clara e coerente.
Aborto: um direito ou um crime? O direito da mulher é maior que o direito
do feto à vida? Quando começa a vida?
Atualmente, no Brasil, o aborto é legalizado em determinados casos. Isto é,
se não houver outro meio de salvar a vida da gestante e se, de outra maneira a gravidez
resultar de estupro, e ela manifestar vontade de interrompê-la. Unicamente nesses dois casos
os médicos poderão praticar o aborto sem serem punidos, as quais são tipificadas no artigo
128 do Código Penal. O aborto também pode ser resultado de um acidente, ou de
conseqüências patológicas, nas quais, não se poderá atribuir punição. Nos demais casos, o ato
de abortar é crime previsto em nossa legislação penal.
O embate entre a tese pró-escolha, que defende a soberania da mulher, sobre
seu corpo, e a tese pró-vida, que defende o direito do feto de nascer, está longe de chegar a
um consenso comum. Os que defendem a última, dizem que o feto e a mãe são seres humanos
e têm direitos iguais à vida, e a tese pró-escolha, argumentam que o feto é um ser humano em
potencial, sendo a mãe um ser definido e produtivo, relacionado com a sociedade, tendo pleno
direito sobre seu corpo.
Como se vê, existem, porém, duas espécies de vida: a vida intra-uterina e
extra-uterina, ambas igualmente protegidas pelo Direito Penal. A vida extra-uterina começa
com o princípio do processo de parto, e, a partir desse instante, até que esse ser humano que
está nascendo encontre-se com vida, estará ele sob a égide dos tipos legais delitivos do
homicídio, infanticídio ou participação em suicídio, segundo a hipótese que se apresente.
Anteriormente ao movimento assinalado (início do processo de parto), a vida é ainda
biológica e intra-uterina, de tal maneira que sua destruição tonalizará o crime de aborto em
qualquer de suas espécies. Dessa forma, podemos concluir que o princípio do processo de
parto desempenha o papel de marco delimitador do final da vida intra-uterina e o começo da
vida extra-uterina.
Para a Igreja Católica, a vida começa a partir do momento que o
espermatozóide fecunda o óvulo, criando o zigoto. No Budismo, isso equivale, ao nascimento
da pessoa, ou seja, sua idade já começa a ser contada. Para o Xintoísmo, religião
13
predominante no Japão, à criança só é um ser humano quando vê a luz do Sol. No Talmude,
lei judaica dispõe que a criança somente adquire personalidade quando sua cabeça emerge do
corpo da mãe.
A lei brasileira dispõe em seu artigo 2º do Código Civil que a personalidade
civil do homem começa com o nascimento com vida, pondo a salvo desde a concepção, os
direitos do nascituro.
A vida, a intangibilidade corpórea, a honra, e a liberdade do indivíduo são
requisitos fundamentais para a vida comunitária. Assim, o crime contra a pessoa é a
designação conferida ao crime que atenta contra a existência do homem, protegendo os
valores da personalidade do indivíduo, incluindo nessa importância, a vida como bem maior.
O capítulo 1 (um) nos apresentará o conceito de inicio da vida sob enfoque
científico, abrangerá o tema também com base na Constituição Federal, depois passará a
observar a maneira dos civilistas pensarem acerca do assunto, e finalmente chegaremos ao
estudo na área Penal, esta de maior importância para este trabalho. Afinal, quando começa a
vida?
O capítulo 2 (dois) fará algumas considerações sobre aborto, bem como sua
definição, surgimento e legalidade. No que diz respeito à legalidade, procura-se tornar cada
vez mais racional este sistema, com critérios classificadores do delito, segundo a sua
objetividade jurídica, ou seja, tutelar sempre um bem jurídico ou interesse, penalmente
protegido.
O capítulo 3 (três) deste trabalho abordará as espécies criminosas de aborto.
Será criminoso o aborto quando provocado por conduta intencional, tanto pela gestante ou
qualquer pessoa com o fim de interromper a gravidez.
O capítulo 4 (quatro) apresentará as formas de aborto permitido. Uma delas é
quando não há nenhum outro meio de salvar a vida da gestante. Será permitido também
aquele feito por médico em relação à gravidez resultante de estupro. Por fim, temos o aborto
natural e o acidental. Entende-se por aborto natural aquele que ocorre espontaneamente, sem
que ninguém o queira. Quando o aborto resultar de um acidente é chamado de aborto
acidental.
14
O capítulo 5 (cinco) fará uma breve análise da descrição típica penal,
englobando a tentativa do delito, o concurso de agentes, bem como o nexo de causalidade
para ocorrência do crime.
O capítulo 6 (seis) apresentará e confrontará as opiniões sociais sobre aborto
no Brasil e no mundo, ao passo que, é sobre o aborto voluntário e decidido exclusivamente
pela gestante que recaem o estigma e a punição.
O capítulo 7 (sete) abordará os casos em que o aborto poderia ser legalizado,
bem como nos casos em que há incompatibilidade com a vida.
O capítulo 8 (oito) demonstrará a discussão sobre anencefalia, seu conceito,
a descrição da doença, o posicionamento crítico social causado, o posicionamento do
Conselho Federal de Medicina, a doação de órgão de feto anencefálico.
Por fim será feita uma conclusão, que após análise aprofundada do assunto,
poderá se chegar a um entendimento único, seja meu em particular, ou da maioria dos
pensadores do Direito, certamente será finalizado amparado na lei brasileira.
15
CAPÍTULO 1
1. O INÍCIO DA VIDA
Primeiramente, antes mesmo de entramos propriamente no tema em questão,
é de extrema necessidade que busquemos compreender o que se entende por início da vida e
qual o momento exato em que ela acontece.
Por tratar-se de um tema que envolve as mais diversificadas opiniões, no
âmbito científico, jurídico, social e religioso, procuremos encontrar a resposta mais clara e
objetiva para o tema “início da vida”.
1. 1 QUANDO COMEÇA A VIDA?
Outra grande deficiência a ser superada é a determinação precisa do “quando
a vida se inicia?”. “Não pode um estudioso do assunto, em face do atual desenvolvimento
humano, afirmar com total e absoluta confiança o exato momento que marca o início da vida.
Para cada grupo humano, tomado como referência a vida se inicia em um momento
diferente.” 1
1.2. DO PONTO DE VISTA CIENTÍFICO
1
Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano do
Sul: ed. Yendis, 2007, p.3.
16
Para a ciência, o princípio de início da vida, não é matéria de fácil
compreensão e entendimento. Para os pesquisadores e especialistas científicos, na maioria das
vezes, suas idéias e pensamentos sobre o início da vida são divergentes. “Quanto ao início da
vida não há definição científica, havendo diversos entendimentos.”
2
A apresentação dada
pela ciência e de maior coerência abrangendo um maior número de cientistas e pesquisadores
em acordo comum, o início da vida se dá quando “o gameta masculino encontra-se com o
feminino e ambos se unem para formar um novo ser.”.
O mesmo conceito de “início da vida” é empregada por Karl Ernest von
Baer, considerado o pai da embriologia moderna, que afirma: “A vida começa com a
fecundação do óvulo pelo espermatozóide.”
3
A partir do momento em que há concepção o
embrião ou feto, também já é considerado um ente portador direitos e dignidades inerentes ao
ser humano já nascido. Portanto o embrião ou feto tem o status de uma pessoa já em vida
extra-uterina, e por isso, seus direitos devem ser protegidos em sua totalidade, entre eles o
direito fundamental à vida, cláusula esta considerada pétrea em nossa Constituição Federal,
além de fazer parte dos direitos humanos universais e fundamentais do homem desde a
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, assim como no Pacto de San José da
Costa Rica, em seu artigo 4º, do qual o nosso país é signatário. 4
Cientificamente analisando, logo após a sua concepção, o embrião ou feto já
é um ser que possui o dom da vida, compreendendo assim, que qualquer ato praticado contra
ele, será tipificamente qualificado e punido, se não encaixar-se nos dispostos dos artigos que
descaracterize o crime. Sendo assim caberá pena prevista no Código Penal, para quem
provocou a morte do feto, ou propriamente para a sua genitora, nesse caso que, com o seu
consentimento, ela permita que outrem pratique o delito.
2
Daniel SARMENTO e Flávia PIOVESAN. Nos limites da vida: Aborto, Clonagem Humana e
Eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos – Rio de Janeiro: ed. Lumen Júris, 2007, p.68.
3
Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano do
Sul: ed. Yendis, 2007, p.XIV.
4
Cf. Ibid, p.XIV.
17
1.3. PARA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Para a nossa Constituição Federal, o nascituro, ou seja, o embrião ou feto
adquire vida a partir do momento de fecundação dentro útero materno, pondo à tona o
problema da proteção de vida humana intra-uterina.
“A tese que aqui se defenderá é a que a vida humana intra-uterina, também é
protegida pela Constituição Federal, mas com intensidade substancialmente menor do que a
vida de alguém já nascido. Sustentar-se-á, por outro lado, que a proteção conferida à vida do
nascituro não é uniforme durante toda a gestação. Pelo contrário, esta tutela vai aumentando
progressivamente na medida em que o embrião se desenvolve, tornando-se um feto e depois
adquirindo viabilidade extra-uterina. O tempo de gestação é, portanto, um fator de extrema
relevância na mensuração do nível de proteção constitucional atribuídos à vida pré-natal.” 5.
Compreendemos assim, que a Constituição Federal apresenta dispostos em
seu artigo 5º caput, que elenca explicitamente o direito à vida seja ela a de um feto ou pessoa
já nascida, por isso, protegendo o direito à vida do embrião ou feto, porém ela nos leva a
entender que essa proteção do nascituro não tem o tamanho potencial àquela proporcionada
para a criança após o seu nascimento. 6
1.4. PARA OS CIVILISTAS.
Estudando o nosso Código Civil, podemos encontrar a conclusão de que a
vida começa a partir do momento da concepção, pois ele classifica a vida intra-uterina como
“os direitos do nascituro”, ou seja, um ser em potencial de formação, e que tem o direito de
nascer com vida, e posteriormente ao seu nascimento, adquirirá personalidade natural.
5
Daniel SARMENTO e Flávia PIOVESAN. Nos limites da vida: Aborto, Clonagem Humana e
Eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos – Rio de Janeiro: ed. Lumen Júris, 2007, p.29- 30.
6
Cf. Ibid, p.30.
18
Dispõe o art. 2º do Código Civil 2002: “A personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do
nascituro.” (grifo nosso).
Tomando como base e fonte de estudo esse artigo, a compreensão que se
tem de começo da vida para os civilistas é que ela começa a partir do momento em que houve
a concepção, porém os direitos da personalidade jurídica somente adquirirá após o seu
nascimento com vida.
“O nascituro é um ente já concebido que distingue de todo aquele que não
foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento,
tratando-se de uma prole eventual; isso faz pensar na noção de direito eventual, isto é, um
direito em mera situação de potencialidade para quem nem ainda foi concebido. É possível,
ser beneficiado o ainda não concebido. Por isso, entendemos que a condição do nascituro
extrapola a simples situação de expectativa do direito. Sob o prisma do direito eventual, os
direitos do nascituro ficam sob condição suspensiva.” 7
Embora o feto já possua vida, sua situação ainda é um pouco peculiar, pois
possui uma legislação que o proteja tanto no âmbito Civil e como no Penal, embora não
apresente as características necessárias para possuir os requisitos da personalidade. 8
1.5. PARA OS PENALISTAS
O enfoque principal desse trabalho deve ser voltado para o entendimento de
início da vida na esfera penal, pois será ele que aplicará as punições necessárias e cabíveis
perante os crimes praticados contra a vida.
Entende-se no direito penal, que posteriormente a concepção já há vida
intra-uterina, cabendo punições para quem intencionalmente ou sob seu consentimento
permita a matança desse feto.
7
Silvio de Salvo VENOSA. Direito Civil: parte geral, 4º edição – São Paulo, ed. Atlas, 2004, p.161.
8
Cf. Ibid, p.162.
19
A partir do momento da concepção, qualquer ato praticado com a intenção
de eliminar o feto em gestação, será constituído crime contra a vida, denominado aborto.
“No Brasil, o Código Criminal do Império de 1830 não previa o crime de
aborto praticado pela própria gestante, mas apenas criminalizava a conduta de terceiro que
realizava o aborto com ou sem o consentimento daquela. O Código Penal de 1890, por sua
vez, passou a prever a figura do aborto provocado pela própria gestante. Finalmente o Código
Penal de 1940 tipificou as figuras do aborto provocado (CP, art. 124 – a gestante assume a
responsabilidade pelo abortamento), aborto sofrido (CP, art. 125 – o aborto é realizado por
terceiro sem o consentimento da gestante) e aborto consentido (CP, art. 126 – o aborto é
realizado por terceiro com o consentimento da gestante).” 9
Cabendo essas punições a quem pratica o ato abortivo, previstas em nosso
Código Penal, fica claro, que a vida se inicia a partir da concepção.
Por fim, após considerações obtidas entre os grupos de estudiosos,
cientistas, religiosos e políticos, imaginamos que o que mais se aproximou da realidade é que
a vida se dá a partir da concepção.
9
Fernando CAPEZ: Curso de direito penal, vol.2: parte especial 4º edição – São Paulo, ed. Saraiva
2004, p.109.
20
CAPÍTULO 2
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ABORTO.
2.1. CONCEITO.
O conceito de aborto acende vivo o debate na atualidade, em conseqüência
de ser uma das palavras mais explosivas, mais carregadas de tabus e preconceitos de nossa
linguagem cotidiana.
Em função de o nosso Código Penal não apresentar a definição, nada melhor
então do que recorrer à definição encontrada no dicionário jurídico, já que se atribui a este
imponente registro de palavras uma explicação objetiva e clara: ABORTO: “expulsão
prematura do feto ou embrião; antes do tempo do parto.” 10.
No Direito Penal, constitui aborto a “interrupção intencional do processo
fisiológico da gravidez com a conseqüente morte do produto da concepção.” 11
De forma a compreender melhor a noção de abortar ou provocar o aborto,
teria o legislador a necessidade de usar o nome abortamento, sendo que aborto é uma maneira
errônea de se referir ao ato, entretanto, em nosso Código Penal, nas legislações em geral e na
linguagem popular o nome “aborto” já está consagrado.
10
11
DE PLÁCIDO e Silva. Vocabulário Jurídico. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.8.
Francesco ANTOLISEI. Manuale de Diritto Penale. Parte Especiale. v. 1. 1954, p.81.
21
2.2. O ABORTO ATRAVÉS DOS SÉCULOS.
Entretanto sempre se tenha constituído uma prática comum de todos os
tempos e entre todos os povos, o aborto sempre foi incriminado por todas as legislações,
sendo considerado, em épocas remotas, assunto de caráter exclusivamente familiar. 12
Através da história, passou-se por todos os extremos em matéria de
repressão, sendo ele liberado ou punido, duramente castigado, inclusive com a morte, ou
castigado de forma branda. 13
As primeiras referências escritas sobre anticoncepção se encontram num
papiro egípcio de 1850 a.C., com prescrições médicas para evitar a gravidez: aplicação
vaginal de uma mistura de mel e carbonato de sódio ou de pasta preparada com fezes de
crocodilo ou gomas de árvores. Outro papiro, de 1550 a.C., prescreve uma pasta resultante da
mistura de brotos de acácia com mel. Posteriormente verificou-se que essas receitas,
aparentemente estranhas, tinham bases muito práticas: os brotos de acácia, por exemplo, tem
goma arábica que, sob fermentação e em contato com água, forma ácido lático, agente
anticoncepcional utilizado ainda hoje em cremes e geléias vaginais. 14
O código de Hammurabi, 1700 a.C. também faz menção ao crime de aborto,
onde este é considerado como um crime acidental contra os interesses do pai e do marido, e
também uma lesão contra a mulher. Deixava-se bem claro que era o marido o prejudicado e o
ofendido economicamente.
No livro Êxodo da lei hebraica 1000 a.C., diz que, se qualquer homem
durante uma briga espancar uma mulher grávida e for causa de que aborte, mas ficando ela
com vida, o culpado será punido conforme o que lhe impuser seu marido e o arbítrio social.
No entanto, se ela morrer, dará vida por vida. Condena-se aqui, aquele que provocou o aborto
com violência, mas sempre sujeitando-o ao prejuízo econômico que for feito ao marido da
12
Cf. Luiz Cláudio Amerise SPOLIDORO, Reflexões preliminares ao posicionamento jurídico do
aborto. 1. ed. São Paulo : Renovar, 1994. p.3.
13
Cf. Ibid., p.3.
14
Cf. Maria Tereza VERARDO. Aborto: um direito ou um crime? São Paulo : Moderna, 1987, p.79.
22
vítima. 15
O estudo dos filósofos gregos também contribuiu para reconstituir essa
história. Hipócrates, que viveu 400 anos antes de Cristo, apesar de seu juramento no qual
promete não dar à mulher grávida nenhum medicamento que possa fazê-la abortar, não
hesitava em aconselhar às parteiras os métodos tanto anticoncepcionais como abortivos. 16
Sócrates era a favor de facilitar o aborto quando a mulher o desejasse. Platão
prescrevia o aborto às mulheres com mais de 40 anos, como condição de contenção do
aumento populacional, isto é, como parte do planejamento da cidade. Aristóteles relata que se
praticava a anticoncepção na Grécia untando-se a mulher com óleo de cedro, incenso
misturado com azeite de oliva ou ungüento de chumbo. Como Sócrates, também acreditava
que o aborto poderia ser autorizado para controlar o excesso populacional. Em sua concepção,
ele poderia ser realizado sem qualquer prejuízo, desde que precedesse a “animação” do feto,
isto é, antes que o feto recebesse sua alma, o que acontecia aos 40 dias de gestação para o
sexo masculino e 80 dias para o feminino. 17
Em Roma, a situação de dependência da mulher não diferia muito daquilo
que vigorava na Grécia. 18 O Direito Romano define aborto como sendo a “ejectio foetus
humani immaturi ex utero matris” (expulsar do seio materno o feto humano imaturo). 19 A
anticoncepção era também conseguida a partir de poções “a base de plantas”. O aborto não
era, em princípio, considerado um crime. O feto não tinha autonomia em relação à mulher, era
considerado como parte integrante de seu corpo e, se ela abortasse, nada mais fazia do que
dispor de seu próprio corpo. O aborto era uma prática comum. Num segundo momento da
história de Roma, o aborto voluntário não era ainda criminalizado, mas passou a vincular-se
às decisões do marido, o qual possuía, aqui também, direito de vida e morte sobre a família. 20
Se o direito romano, nessa época, não dispunha sobre o aborto, sabe-se, por
outro lado, que essa prática era utilizada como arma de agressão e vingança das esposas
15
Cf. Danda PRADO. O que é aborto. São Paulo : Abril Cultural : Editora Brasiliense, 1985, p.42.
Cf. Ibid., p.43.
17
Cf. Maria Tereza VERARDO. Aborto: um direito ou um crime?, p.80.
18
Cf. Ibid, p.81.
19
Cf. Ricardo Luís Sant´Anna ANDRADE. O aborto e direito à vida. Disponível em:
<http://www.pgi.ce.gov.br/artigos/artigos.asp?iCodigo=21> Acesso em: 16 mai. 2008.
20
Cf. Maria Tereza VERARDO. Aborto: um direito ou um crime?, p.81.
16
23
contra seus maridos, mesmo correndo o risco de que lhes fossem aplicada à pena de morte. 21
Durante o século II d.C., o Império passa a criminalizar o aborto, ao que
parece devido ao período de guerras que Roma passou a viver. Nessa época, tornou-se
importante aumentar o número de cidadãos para defender os bens patrimoniais das invasões
estrangeiras. Inicia-se nesse período a reação do Estado, considerando então, o aborto, como
um ato indigno contra a moral, tomando assim a defesa dos interesses demográficos e a
proteção dos costumes. 22
Com o legislador Septimo Severo, o aborto passa a ser considerado um
crime, regulamentado pelo Estado, que previa pena de trabalho forçado nas minas, quando o
delito fosse cometido por pessoas do povo, ou exílio temporário com confisco de bens, se
fosse cometido entre aristocratas. 23
“Com o advento do cristianismo, o aborto passou a ser condenado com a
base no mandamento: não matarás. Embora esta posição se mantenha até hoje, ela não foi
sempre à mesma durante os séculos, pois interesses de ordem econômica e política
interferiram nesta posição.” 24
Logo nos primeiros séculos, argumentavam os mais importantes teólogos da
época sobre a questão de aborto ser considerado um homicídio, se realizado nas primeiras
etapas da gravidez. Os escritos deixados por Santo Agostinho expressavam a posição geral da
Igreja que condenava o controle de natalidade e o aborto, porque destruíam a conexão entre o
ato conjugal e a procriação, porém também não consideravam o aborto um homicídio. Santo
Agostinho escreve: “A grande interrogação sobre a alma não se decide apressadamente com
juízos não discutidos e opiniões imprudentes; de acordo com a lei, o aborto não é considerado
um homicídio, porque ainda não se pode dizer que existia uma alma viva em um corpo que
carece de sensação, uma vez que não se formou a carne e que não está dotada de sentidos.” 25
Santo Agostinho nunca condenou o aborto praticado na relevância dos
primeiros quarenta dias para os homens e nos primeiros oitenta dias para as mulheres, por
21
Cf. Maria Tereza VERARDO. Aborto: um direito ou um crime?, p.81.
Cf. Ibid., p.81.
23
Cf. Ibid., p.81.
24
Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano do
Sul: ed. Yendis, 2007, p.13.
25
Ibid, p.13-14.
22
24
acreditar que somente após esse período o ser humano fosse dotado de “alma”. 26
Porém, mais tarde a Igreja Católica aboliu essa distinção e passou a condenar
de maneira severa a prática do aborto, e a pena de morte foi aplicada (morte por espada,
afogamento e fogueira) para ambos os sexos seriam aplicados às mesmas punições. A
principal questão para o direito canônico era a perda da alma do feto, que ficava sem
batismo. 27
A história penal do aborto no Brasil sofreu um processo quase inverso
daquilo que costuma acontecer com a grande maioria das normas que regem o comportamento
humano. O que em geral se verifica é um crescente abrandamento, visando uma adaptação a
novos padrões e comportamentos. Exemplo disso é a atitude cada vez mais tolerante da igreja
católica diante da usura e dos hábitos comerciais.
Em 1830, no Código Criminal do Império, surge pela primeira vez a figura
isolada do aborto no capítulo referente aos crimes contra a segurança das pessoas e das vidas.
Já no Código da República, de 1890, previa-se a redução da pena para aquelas mulheres que
praticassem auto-aborto visando ocultar desonra própria. 28
Feito esse apanhado histórico, pode-se satisfazer a compreensão de que a
questão sempre, em quase sua totalidade, caminhou em pés filosóficos, advertidos pelos
conceitos religiosos, onde estes, embora buscassem a preservação do feto, culminavam penas
de morte àqueles que praticassem o aborto, indicando, dessa forma, a manutenção extremada
de conduta, que na tentativa de preservar a vida de um, extinguiam a de outrem.
2.3. ASPECTOS LEGAIS.
Poucas legislações admitem livremente o aborto consentido e procurado pela
gestante. A grande maioria, porém, acolhe apenas uma descriminação parcial, no sentido de
26
Cf. Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano
do Sul: ed. Yendis, 2007, p.14.
27
Cf. Ibid, p.14.
28
Cf. Danda PRADO. O que é aborto, p.46.
25
tornar legal o aborto apenas quando realizado sob específicas e determinadas circunstâncias, o
que ocorre no Brasil, por exemplo, em que a prática abortiva é permitida somente em casos
extremos.
A tendência geral, na atualidade, é a de atenuação da pena para a mulher que
pratica ou consente o aborto e penas mais gravosas para os abortadores.
A legislação brasileira, de invariável posicionamento contrário ao aborto,
tratou de prever punições a quem praticá-lo ou colaborar com a sua prática. Atualmente,
regula a matéria o Código Penal brasileiro (Decreto-Lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de
1940), capitulando como ato punível o aborto. 29
A Lei de Contravenções Penais faz referência quanto ao anúncio de
substância e objeto abortivos: “art. 20. Anunciar processo, substância ou objeto destinado a
provocar aborto”
Não obstante, o Código de Ética Médica, estabelece em seus art. 54, §1º e 2º,
e art. 55, a sistemática que o médico deve seguir antes de intervir em caso de aborto
terapêutico, sentimental ou mesmo nos casos de abortamento já iniciado, espontâneo ou
provocado, para salvar a vida da gestante.
2.4. CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O ABORTO.
O artigo 5º da Constituição Federal, já no seu caput elenca o direito à vida
com sendo um dos direitos fundamentais do ser humano: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade...” (grifo nosso).
Não se propõe este trabalho a buscar a definição exata do que seja “vida”,
mas cabem alguns comentários sucintos no tocante ao tema. No texto constitucional, “vida”
29
Cf. Fabrício Zamprogna MATIELO. Aborto e direito penal. Porto Alegre : Sagra : DC Luzzatto,
1994, p.55.
26
não significa tão-somente o aspecto puramente biológico da existência, peculiar a toda
matéria orgânica. “Vida” é algo dinâmico, um processo instaurado com a concepção, que se
transforma e evolui; todos os fatores que interferirem no natural fluir da existência são,
consequentemente, contrários à vida. 30
No âmbito do estudo a que nos atentamos neste momento, deve-se apreciar o
aspecto “vida” que envolve a existência física propriamente dita, ou seja, a atividade orgânica
de que é dotado cada indivíduo. Assim, o direito à existência consiste no direito de estar vivo,
de se defender e permanecer vivo, e de não ter interrompido o processo vital senão pela morte
natural. 31
Com base no conceito acima declinado é que a legislação pátria pune quase
todas as formas de interrupção artificial do existir, além de reputar dentro da lei a autodefesa
ou até mesmo o ataque direto a quem tentar tirar de outrem a vida. 32
Em relação à questão do aborto, a Constituição deixou de enfocá-la de
maneira objetiva, ficando subentendida, contudo, a proibição, uma vez que incluiu entre os
direitos fundamentais a vida, e até o presente o conceito de vida em nosso meio abarca o
existir do embrião ou do feto em desenvolvimento. Alguns dos constituintes chegaram a
propor a legalização das práticas abortivas, com o argumento de que, sendo o produto da
concepção inseparável do corpo materno até o pleno amadurecimento, faria antes disso parte
integrante daquele, cabendo à gestante decidir pela interrupção ou não do estado gravídico. 33
O parágrafo quarto do artigo 60 da Constituição, localizado na Subseção que
trata das emendas constitucionais, diz o seguinte: “Não será objeto de deliberação a proposta
de emenda tendente a abolir: (...) IV – os direitos e garantias individuais.” Como se percebe, a
dificuldade de se discutirem matérias como aborto e pena de morte reside justamente no
inciso IV do parágrafo quarto do artigo 60, e isso por um motivo muito simples: entre os
direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição encontra-se (artigo 5º, caput)
a inviolabilidade do direito à vida. Noutras palavras, se a Constituição assegura
intransigentemente o direito à vida, a isso juntando dispositivo que impede a deliberação
30
Cf. Fabrício Zamprogna MATIELO. Aborto e direito penal. Porto Alegre: Sagra: DC Luzzatto,
1994, p.55.
31
Cf. Ibid., p.69.
32
Cf. Ibid., p.69-70.
33
Cf. Ibid, p.70.
27
sobre emenda tendente a suprimir direitos e garantias individuais, torna-se de meridiana
clareza a constatação de ser inútil e inconstitucional qualquer tentativa de emendar a
Constituição com a finalidade de legalizar o aborto. 34
2.5. OBJETIVIDADE JURÍDICA.
Ao estabelecer-se à categoria de crime um comportamento anti-social,
fazendo-o a lei mediante prévia definição legal, tem a norma jurídica incriminadora o fito de,
no contexto da vida comunitária, garantir e preservar alguma coisa. O objeto de proteção do
tipo legal delitivo constitui o que se chama objeto jurídico ou objetividade jurídica. 35 No que
concerne ao delito de aborto, a objetividade jurídica reside na proteção da vida intra-uterina
ou endo-uterina.
Mas, juridicamente, como definir o início exato da vida intra-uterina? Para
grande parte dos autores, que se embasam nos critérios médicos, tem seu princípio à vida em
epígrafe com a fecundação ou concepção, com o encontro do óvulo e do espermatozóide,
instante em que as duas células sexuais – a feminina e a masculina – passam a constituir uma
célula única, o ovo ou zigoto, da qual se formará o novo ser. Para outros, a vida em apreço
somente começa com a nidação, ou seja, com o enraizamento do zigoto (óvulo fecundado) na
cavidade uterina, pois somente com sua implantação no endométrio terá o novo ser condições
para biologicamente desenvolver-se, prosperar e vingar. Abraçam essa tese, por exemplo,
Heleno Cláudio Fragoso e Julio Fabrini Mirabete, que em nosso pensar é o mais correto. 36
“.. a vida humana em formação, a chamada vida intra-uterina, uma vez que
desde a concepção (fecundação do óvulo), existe um ser em germe, que
cresce, se aperfeiçoa, assimila substâncias, têm metabolismo orgânico
exclusivo e, ao menos nos últimos meses de gravidez, se movimenta e revela
34
Cf. Fabrício Zamprogna MATIELO. Aborto e direito penal, p.71.
Cf. Fernando de A. PEDROSO. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de
Janeiro : Aide, 1995, p.17.
36
Cf. Ibid., p.256.
35
28
atividade cardíaca, executando funções típicas de vida.” 37
A proteção que o Direito concede à vida humana vem desde o momento em
que o novo ser é gerado. Formado o ovo, depois embrião e feto, já sobre ele se exerce, para
resguardá-lo, a ação da norma penal, tomando-se desde então por um ser humano esse homem
em formação. 38
37
38
Julio Fabrini Mirabete. Manual de direito penal. 19. ed. São Paulo : Atlas, 2002, p.93.
Cf. Aníbal BRUNO. Direito penal. v. 4. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p.155.
29
CAPÍTULO 3
3. FORMAS DELITUOSAS DO ABORTO
3.1. AUTO-ABORTO
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Código Penal Art. 124. “Provocar aborto em si mesma ou consentir que
outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.”
Dois são os núcleos dessa figura típica:
1) provocar aborto em si mesma e;
2) consentir que outrem lho provoque.
O primeiro tipo é a hipótese mais perigosa, devido aos riscos que a gestante
passa sem assistência de terceiros. Delito de forma livre que é, poderá a gestante fazer por
qualquer meio, ou seja, qualquer ato que possa produzir, promover, originar, no sentido de
interromper o estado gravídico, sendo indiferente o meio empregado. Pode, por exemplo,
provocar a interrupção da gravidez por intermédio de meios químicos, físicos ou mecânicos.
Nessa primeira parte, é considerado crime próprio, ou seja, somente a
gestante poderá praticá-lo. A pena para a conduta dessa gestante será sempre a do art. 124 do
Código Penal. Se um agente colabora para o crime de auto-aborto, auxiliando a gestante em
sua conduta, é ele partícipe. E, sendo assim, também responde pelo crime do artigo acima
referido, devido à aplicabilidade do art. 29 do mesmo Código.
Na segunda parte, a gestante consente que outra pessoa lhe provoque o
aborto. Ao consentir, já está tipificado o crime. Não pode esse consentimento ser inválido,
hipóteses previstas no art. 126 do C.P. as quais serão estudadas adiante.
30
A experiência diária tem mostrado que a incidência maior se dá em relação a
essa segunda parte do dispositivo legal, o que, conforme estudiosos, tem explicação em
função do instinto natural de auto-preservação, que levaria a gestante a procurar outra pessoa
para o aborto, aliada à ausência de meios próprios para a realização das manobras.
Com relação ao sujeito passivo no crime de auto-aborto, existem
divergências doutrinárias. Para uma primeira corrente, sujeito passivo é o produto da
concepção, em que nem mesmo a gestante tem o direito de destruí-lo. Daí incriminar-se o
auto-aborto. 39 A segunda acentua que sujeito passivo é o Estado, interessado no nascimento, e
não o feto, ou seja, o produto da concepção, que não é titular de bens jurídicos, embora a lei
civil resguarde os direitos do nascituro. 40
Apresentadas as divergências doutrinárias acima expostas, devemos aceitar o
primeiro entendimento, já que aborto é crime contra a vida e, no caso, existe uma pessoa em
formação, que tem vida. Além do mais, a objetividade jurídica deste delito reside na proteção
da vida intra-uterina, tendo como prejudicado o feto.
“Consuma-se o aborto com a interrupção da gravidez e a morte do feto,
sendo desnecessária a existência da expulsão. A expulsão prematura do feto ainda com vida
não desnatura o crime, pouco importando que a morte ocorra só após.” 41
3.2. ABORTO SOFRIDO
Aborto provocado por terceiro:
Art. 125. “Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.”
39
Cf. José Frederico MARQUES. Tratado de direito penal. v. 4. São Paulo : Saraiva, 1961, p.166.
Cf. Julio Fabrini MIRABETE. Código penal interpretado. 2. ed. São Paulo : Atlas, 2001, p.789.
41
Ibid, p.793.
40
31
Este artigo traz consigo uma previsão de punição bem mais severa se
comparado com o artigo anterior. A lei, então, nesse crime, protege dois bens: a vida do feto
ou embrião e a vida da mulher, resguardando a sua integridade corporal.
Há que se observar também que o crime é cometido sem o consentimento da
gestante. Pode ocorrer expressamente. É o chamado dissentimento real. Neste caso, ela se
opõe ao fato, mas, é vencida pelo agente que se utiliza da violência e força física ou grave
ameaça. Também é real aquele praticado por fraude. Aqui, o terceiro induz a gestante ao erro
utilizando-se de um artifício objetivando que ocorra a morte do produto da concepção. Por
exemplo, o namorado que a leva a gestante ao médico dizendo que será um exame rotineiro e
este, por sua vez, prescreve um comprimido com efeito abortivo. O namorado será partícipe e
o médico será o autor do crime previsto pelo art. 125 do Código Penal. Ou ainda, o agente que
tenta convencê-la da fatalidade de sua morte, se a gestação prosseguir.
O sujeito ativo deste crime é o terceiro que provoca o aborto na gestante, sem
o consentimento desta. Os sujeitos passivos são a gestante e o feto.
No que tange à grave ameaça e à violência pode-se dizer que, se entende por
ameaça a que pode vencer a resistência de uma mulher normal e por violência, o emprego de
força física. 42
Pode ocorrer também o caso em que a gestante dá o seu consentimento para
que terceiro pratique as manobras abortivas, mas, devido à sua idade ou discernimento
mental, esse consentimento é inválido. É o chamado dissentimento presumido. Presunção é
aceitar como verdadeiro um fato provável.
Portanto, presume-se que a menor de 14 anos tem desenvolvimento mental
incompleto, sendo inválido o seu consentimento. Também presume-se que a alienada ou débil
mental não possa consentir validamente. Essas duas hipóteses de dissentimento estão
previstas no parágrafo único do art. 126 do Código Penal.
Trata-se no caso de crime doloso, podendo o agente atuar com dolo eventual.
Nesse caso, é evidente a necessidade que tenha conhecimento da gravidez e que assuma o
42
Cf. Euclides Custódio da SILVEIRA. Direito penal. Crimes contra a pessoa, 1959, p.134 apud José
Frederico MARQUES. Tratado de direito penal, p.170.
32
risco de produzir o resultado. 43
3.3. ABORTO CONSENTIDO.
Aborto provocado por terceiro:
Art. 126. “Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.”
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é
maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Neste caso, é o terceiro quem executa o aborto, mas o faz, com o
consentimento da gestante, sendo este elemento imprescindível para a caracterização desse
ilícito.
Esse tipo penal foi criado pelo legislador com o escopo de aumentar a pena
do agente, ao passo que, se não existisse, incorreria o praticante do aborto como co-autor do
crime previsto pelo art. 124, segunda parte, do Código Penal.
Desdobra-se, assim, o aborto consensual, em dois crimes distintos, embora
intimamente conjugados: o do art. 126 e o do art. 124, segunda parte. Sofrendo as manobras
ou práticas abortivas, a gestante é sujeito passivo do delito do art. 126, conjuntamente com o
infans conceptu. Nesta hipótese, há dupla subjetividade passiva. Consentindo em que outrem
provoque o aborto, passa a figurar como sujeito ativo do crime contra o feto ou produto da
concepção, o qual, por isso mesmo, é o único sujeito passivo, no tocante ao crime do art. 124,
segunda parte. 44
O consentimento pode ser expresso ou tácito. Deve ele existir desde o início
43
44
Cf. Julio Fabrini MIRABETE. Código penal interpretado, p.795.
Cf. José Frederico MARQUES. Tratado de direito penal, p.167.
33
da conduta até a consumação do crime. Todavia, se a gestante revoga o consentimento
durante a execução do aborto e o agente continua a provocá-lo, responde ele pelo crime do
art. 125 do Código Penal.
Se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, o
sujeito responde por aborto cometido sem o seu consentimento. O Código Penal, quando fala
em alienada ou débil mental, refere-se à vítima que se encontra nas condições previstas no art.
26, caput, do mesmo Código. Isso porque a gestante, que é doente mental ou portadora de
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não tem capacidade de consentir que
outrem lhe provoque o aborto. As expressões alienada e débil mental não se referem à
gestante portadora de simples perturbação da saúde mental, prevista esta última no parágrafo
único do art. 26 do mesmo diploma legal. Neste caso, o sujeito continua a responder pelo
delito previsto no art. 126 do Código Penal. 45
Em resumo, pode-se então dizer que, se a gestante enquadra-se no caput do
art. 26, o agente provocador do aborto responde pelo crime do art. 125. Se ela se enquadra no
parágrafo único da referida disposição, responde por aborto consentido. Pois, nesse caso, o
erro do agente, supondo que há consentimento da agente, é erro de tipo.
Quanto à ameaça, sendo ela simples, ou seja, despida de gravidade, não
invalida o consentimento, ao mesmo tempo em que, também não isenta a gestante de pena,
em nem se desloca, para o art. 125, a ação de quem provocou o aborto. 46
O sujeito ativo deste crime é qualquer pessoa que provoque o aborto na
gestante que responderá pela prática de crime descrita pelo art. 126 do Código Penal. A
gestante que consente a prática abortiva responde pelo art. 124 do mesmo estatuto repressivo.
Se o evento morte ocorre após o nascimento, ainda que tenha havido
manobras abortivas, o crime a ser imputado ao agente que lhe dá causa posteriormente é o
homicídio. 47
45
Cf. Damásio Evangelista de JESUS. Direito penal. São Paulo : Saraiva, 1996, p.107.
Cf. José Frederico MARQUES. Tratado de direito penal, p.168.
47
Cf. Julio Fabrini MIRABETE. Código penal interpretado, p.799-800.
46
34
3.4. ABORTO QUALIFICADO.
Forma qualificada
Art. 127. “As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas
de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas
causas, lhe sobrevém à morte.”
No aborto praticado por terceiro, se, do próprio ato de fazer abortar ou dos
meios para esse fim utilizados, resulta para a gestante lesão corporal de natureza grave ou
morte, temos a forma qualificada dessa espécie punível, com excerbação (sic) das penas. 48
O art. 127 refere-se ao crime preterdoloso, ou seja, o agente não quer o
resultado lesão grave ou morte, pretende ele, tão somente, com a manobra abortiva, a morte
do produto da concepção.
O evento morte, ou a lesão grave, encontram-se na linha de causalidade física
da provocação do aborto. 49. Trata-se de crime qualificado pelo resultado.
Mas, se o agente, além da morte do feto, quis o resultado de dano à gestante
ou previu e aceitou o risco de produzi-lo, responderá pelo crime cometido concomitantemente
com o crime de aborto.
As modalidades para a aplicabilidade deste artigo são quatro: a) provocar
aborto com o consentimento da gestante, de que resulte lesão corporal de natureza grave; b)
provocar aborto, sem o consentimento da gestante, de que resulte lesão corporal grave; c)
provocar aborto com o consentimento da gestante sobrevindo-lhe a morte; d) provocar o
aborto sem o consentimento da gestante sobrevindo-lhe a morte. 50
Para que se opere a majoração da pena nas qualificadoras acima
apresentadas, é necessário que o evento qualificador haja ocorrido por culpa do terceiro que
48
Cf. Aníbal BRUNO. Direito penal, p.167.
Cf. José Frederico MARQUES. Tratado de direito penal, p.171.
50
Cf. Ibid., p.171.
49
35
provocou o aborto.
A lei exclui a aplicabilidade do tipo em estudo se, da prática abortiva,
resultar lesão corporal de natureza leve. As qualificadoras são aplicáveis exclusivamente aos
crimes descritos nos arts. 125 e 126 do Código Penal.
São várias as hipóteses que podem aparecer ou surgir, como explicita o
insigne jurista José Frederico Marques, por exemplo: “Suponha-se que se pratiquem
manobras abortivas sobre mulher grávida, que venha a falecer, ou que sofra lesões graves,
sobrevivendo, no entanto, o feto expulso do útero materno. Qual o crime do agente? Somos de
parecer que houve, conforme a espécie, ou tentativa de aborto qualificado pelo evento morte,
ou tentativa de aborto qualificado pela ocorrência de lesões graves”. 51
3.5. ABORTO EUGÊNICO.
O adjetivo eugênico deriva de eugenia (do grego eugéneia), isto é, a ciência
que estuda as condições mais propícias à reprodução e melhoramento da raça humana. 52
Aborto eugênico, também chamado de eugenésico ou piedoso, é praticado
quando se verifica, através de exames médicos, que o filho nascerá com deformidades físicas
e/ou mentais irreversíveis, tais como acrania e anencefalia , ou por herança dos pais, ou ainda,
problemas ocorridos durante a gravidez, como no caso da gestante ter usado drogas. Temos
como exemplo a talidomida, utilizada para o tratamento da hanseníase, a qual provoca o
nascimento de crianças com ausência congênita de braços e pernas, com mãos e pés
implantados diretamente no corpo.
É o aborto praticado quando se percebe que a criança virá ao mundo com
anomalias graves. Nesta espécie de aborto não há excludente de antijuridicidade.
Entretanto, já existem precedentes jurisprudenciais no sentido de que,
51
52
Cf. José Frederico MARQUES. Tratado de direito penal, p.171.
Cf. Ricardo Luís Sant´Anna ANDRADE. O aborto e direito à vida, p.178
36
provada a anomalia grave, o aborto deve ser autorizado, mas os alvarás concedidos ainda não
encontram apoio nem no direito material nem no direito processual. 53
A maioria das leis no mundo, como no Brasil, é pela inadmissibilidade do
aborto eugênico. Contudo, existe uma tendência à descriminação dessa espécie de aborto.
Atento-me, para que, desde que comprovado que a criança nascerá com
algum tipo de anomalia grave e não há falibilidade no prognóstico, deverá ser autorizada à
prática do aborto. Seria um caso para os legisladores refletirem.
3.6. ABORTO SOCIAL E HONORIS CAUSA.
O aborto social ou econômico é realizado para que não se agrave ainda mais
a situação econômica da gestante ou de sua família. Como se vê, ocorre com pessoas de classe
econômica baixa, que vivem em situações miseráveis e que, devido a essa vivência de
penúria, escolhem por bem, abortar. Esse tipo de aborto é ilícito. “É certo que o chamado
argumento econômico não deixa de ser impressionante. Não se pode negar que, no seio de
uma família pobre, o advento de um ou dois filhos é uma agravação de penúria e infortúnio. E
chega a ser mesmo um mal social: se um dos dois filhos pode ser sofrivelmente amanhado
para a luta da vida, com os parcos recursos do casal, a superveniência de outros exclui essa
possibilidade, e todos acabam por se alistar na dolorosa legião dos sub-homens, inaptos para a
concorrência nos setores da vida social fatalizados à perpétua miséria”.
O aborto honoris causa também é punido o aborto. Este tipo de aborto é
empregado na gestante que engravidou devido às relações extra conjugais, ou por mulher
solteira que receia ser desonrada e ter desaprovação da sociedade. A honra aqui deve ser
entendida como o estado de dignidade e de estimação de que goza a pessoa na sociedade por
uma conduta digna. Evidentemente que não pode salvar esta honra quem a tenha perdido
irremissivelmente.
53
Cf. Julio Fabrini MIRABETE. Código penal interpretado, p.803.
37
CAPÍTULO 4
4. ABORTO PERMITIDO
4.1. ABORTO TERAPÊUTICO.
Aborto necessário:
Art. 128: “Não se pune o aborto praticado por médico:
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante.”
O aborto terapêutico ou necessário, “é a interrupção artificial da gravidez,
para conjurar perigo certo, e inevitável por outro modo, à vida da gestante.” 54 É então,
praticado sob o fundamento de estado de necessidade, em que se destrói a vida fetal em favor
da vida da gestante. É um caso de exclusão de antijuridicidade.
Os pressupostos importantes para realização deste aborto é que seja ele
realizado por médico e que não haja outro meio de salvar a vida da gestante. Na hipótese do
aborto ser praticado por qualquer outra pessoa, poderá escusar-se encontrando amparo no art.
24 do Código Penal, alegando estado de necessidade.
Vale dizer que neste caso não é necessário o consentimento da gestante para
que o médico realize a prática abortiva, sendo ele o único autorizado a realizar o aborto e
podendo agir em favor de terceiro.
Tomemos como exemplo uma mulher cuja gravidez se desenvolveu nas
trompas. Se o feto não for removido, ocorrerá ruptura das trompas, hemorragia interna e, em
vários casos, poderá resultar em morte da gestante.
Nesse caso não é necessário que o perigo seja atual, bastando à certeza de
54
Nelson HUNGRIA. Comentários ao código penal. V. 5. 5. ed. p.309.
38
que o desenvolvimento da gravidez poderá provocar a morte da gestante. 55
Não se justifica o aborto terapêutico para evitar “apenas dano à saúde” da
gestante. 56
Legalmente esse tipo de aborto recebe tratamento diferenciado em diversos
países. Na Argentina ele é permitido somente no caso de a vítima ser idiota ou demente; na
Tchecoslováquia, somente se a mulher for menor de 16 anos; e no Brasil, para qualquer idade
desde que não exista outra forma de salvar a vida da gestante.
Medida excepcional, que só se pratica porque a lei admite a provocação do
aborto para salvar a vida da gestante constitui providência extrema de que o médico deve
lançar mão, tão-só quando indiscutível a sua necessidade para impedir a morte da mulher.
Com os recursos, porém, de que hoje dispõe a ciência médica, cada vez mais diminuem os
casos em que o aborto é indicado como providência terapêutica para salvar a vida da
gestante. 57
4.2. ABORTO SENTIMENTAL.
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro:
Art. 128. “Não se pune o aborto praticado por médico:
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento
da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal.”
O aborto sentimental, também denominado ético ou humanitário é aquele
que pode ser praticado por médico, devido à gravidez ser resultado de estupro. Neste caso é
tão somente o médico quem pode praticá-lo, em face da exigência de vários requisitos a serem
preenchidos, quais sejam: a) como já dito, habilitação técnica do agente (médico); b)
55
Cf. Julio Fabrini Mirabete. Manual de direito penal, p.98.
Cf. Ibid., p.176.
57
Cf. Ibid., p.176-177.
56
39
consentimento da gestante ou representante legal; c) prova do estupro (não obstante, o
Inquérito Policial para que se faça a perícia e eventual colhimento de provas, só terá validade
se a vítima procurou imediatamente a Delegacia de Polícia). Ainda, com “relação à prova do
estupro deve afastar-se a exigência de sentença criminal transitada em julgado. Pois em
comarcas como as de São Paulo, Rio de Janeiro e outras, até a sentença transitar em julgado, a
mulher poderá ser mãe duas ou três vezes”. 58
Justifica-se a norma permissiva porque a mulher não deve ficar obrigada a
cuidar de um filho resultante de um coito violento, não desejado. 59
Como se vê, a lei fala apenas em aborto de mulher estuprada, não fazendo
referência na hipótese da mulher engravidar vítima de atentado violento ao pudor. Neste
caso, por analogia, deve-se interpretar a lei em sentido amplo, permitido que seja feito o
aborto.
Para a realização desse aborto é necessário que o médico tenha provas
seguras da existência do estupro, devendo agir, para seu próprio interesse, com a devida
cautela. Sem demonstração convincente da prática do estupro, não é permitido ao médico
praticar o aborto. Se o fizer, responderá pelo crime do art. 126 do Código Penal, e a gestante,
pelo art. 124, segunda parte, do mesmo Código. Na hipótese da gestante ser menor de
quatorze anos e o consentimento provier de seu representante legal, o médico incorrerá nas
penas do art. 125, e o representante da menor será punido como co-autor. 60
4.3. ABORTO NATURAL E ACIDENTAL.
O aborto natural e o acidental não constituem crime. No primeiro, como
muito se vê, ocorre espontaneamente, sem que gestante queira, por anormalidades dela mesma
ou por defeito do próprio ovo. Ocorre normalmente nos primeiros dias ou semanas da
gravidez, com um sangramento quase igual ao fluxo menstrual, podendo muitas vezes
58
E. Magalhães NORONHA. Direito penal. São Paulo : Saraiva, 1995, p.61.
Cf. Julio Fabrini Mirabete. Manual de direito penal, p.99.
60
Cf. Ibid, p.179.
59
40
confundir a mulher do que realmente está acontecendo. Provém de causas patológicas. No
aborto acidental há a interrupção da gravidez em decorrência de um acidente. Pode ser
causado por uma queda da gestante. No entanto, não se estende ao entendimento de acidente,
por exemplo, se a gestante resolve por praticar esporte violento que visivelmente colocaria em
perigo a vida do feto. Assim, estaria ela assumindo o risco de provocar o aborto. E, caso
venha ela a abortar, responderá pelo crime previsto no art. 124 do Código Penal.
41
CAPÍTULO 5
5. ANÁLISE DA DESCRIÇÃO TÍPICA
5.1. TENTATIVA E CONSUMAÇÃO.
Aborto é crime material admitindo perfeitamente à tentativa. Ocorrerá esta
sempre que a morte do feto não se verificar por circunstâncias alheias à vontade do agente ou
as manobras abortivas provocarem apenas a antecipação do parto. Para tanto, deverão ser
empregados meio idôneos.
Pode existir a tentativa qualificada, se o aborto não se consuma, mas da
intervenção do terceiro resultam para a gestante lesões de natureza grave. 61
É preciso que haja a intenção de provocar o aborto, pois se o fim almejado é
apenas a aceleração do parto, não há crime a punir. 62
O delito consuma-se com a morte do feto, ocorrendo à consumação num só
momento, não tendo continuidade de lesão ao bem jurídico. Também não há necessidade que
haja prova da viabilidade fetal, basta existir vida intra-uterina. “Pode ocorrer dentro do útero
materno como ser subseqüente à expulsão prematura”. 63
O aborto é crime contra a vida e, se no caso, antes de qualquer tentativa de
interrupção do processo fisiológico, este já estiver morto, não existirá punibilidade contra o
agente, pois trata-se de crime impossível por absoluta impropriedade do objeto, ou mesmo,
quando não existe gravidez.
61
Cf. Aníbal BRUNO. Direito penal, p.168.
Cf. José Frederico MARQUES. Tratado de direito penal, p.159.
63
E. Magalhães NORONHA. Direito penal, p.52.
62
42
5.2. CONCURSO DE AGENTES.
Nos casos de auto-aborto (art. 124 do Código Penal) e aborto consentido (art.
126 do Código Penal) surgem dúvidas quanto ao concurso de agentes, pois confundem-se as
figuras dos sujeitos passivos com os objetos materiais. No auto-aborto, a autora do delito é a
gestante, sendo sujeito passivo o feto. No aborto consentido, o autor pode ser qualquer pessoa.
Para uma primeira posição, pode dar-se o concurso, ainda que moral, de
terceiros, no incitamento ao aborto, na propiciação dos meios necessários a ele, ou na
ministração de instruções, ou ainda, tornando possível o delito, mesmo que dele diretamente
não participem. Então, o partícipe somente responderia pelo crime previsto no art. 126 quando
participasse do ato executivo, ou seja, quando interviesse na execução ou no emprego do meio
abortivo (RT 438/328, 595/347, 598/299). Para outra corrente, quem participa do fato, ainda
apenas que induzindo ou auxiliando a agente, por exemplo, responde sempre como partícipe
do crime do art. 126 (RT 423/367, 449/367, 412/120). 64
A melhor orientação é a de determinar a posição do partícipe pela verificação
de sua atividade: se refere ao ato praticado pela gestante ou àquele executado pelo terceiro
que o provoca. Responderá pelo delito do art. 124 aquele que intervier (moral ou
materialmente) na conduta praticada pela gestante. Os verbos dos tipos são “consentir” (art.
124, 2ª parte) e “provocar” (art. 126). Se o sujeito intervém na conduta de a gestante
consentir, aconselhando-a, v. g., deve responder como partícipe do crime do art. 124. Agora,
se, de qualquer modo, concorrer no fato do terceiro provocador, responderá como partícipe do
crime do art. 126 do Código Penal. 65
64
65
Cf. Julio Fabrini Mirabete. Manual de direito penal, p.96-97.
Cf. Ibid, p.96-97.
43
5.3. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE NO ABORTO.
Há que se observar que para ocorrer o crime de aborto é necessário que haja
o nexo causal entre as manobras abortivas e a conseqüente interrupção da gravidez, com a
morte do produto da concepção. Todavia, para que ocorra, deverá o agente utilizar-se de meio
idôneo para a produção do resultado.
Se após a prática de meios abortivos, ocorre causa superveniente que
provoque, só por si, o abortamento, aplica-se, como é evidente, a regra do art. 13 §1º, do
Código Penal. Se alguém ministra, por exemplo, a mulher grávida, determinada substância
abortiva e, antes que tal substância possa produzir qualquer efeito, rola a gestante de uma
escada e com isso expele o feto, não há crime de aborto: o que ocorreu, nessa hipótese, foi,
tão-só, tentativa de aborto, imputável a quem fez a gestante ingerir a substância abortiva. 66
5.4. ELEMENTO SUBJETIVO NO ABORTO.
O aborto é crime doloso. Deve o agente querer a morte do feto ou, ao menos,
assumir o risco de produzi-la. Como já dito (Capítulo III, item 3), assume o risco de produzir
a morte do feto, a gestante que entrega-se à prática de esporte violento.
Se a vontade não se dirige à morte do feto, mas especificamente à
antecipação do nascimento, não existe o delito de aborto, pois não existe aborto na
modalidade culposa. Pode-se citar como exemplo, o agente que por negligência ou
imprudência agride a gestante, mas não com a intenção de provocar o aborto. 67 Se causar
aceleração do parto, incorrerá no art. 129, §1º, IV, e, se resultar morte, responderá como
incurso no art. 129, §2º, V, ambos do Código Penal.
66
67
Cf. José Frederico MARQUES. Tratado de direito penal, p.158.
Cf. E. Magalhães NORONHA. Direito penal, p.56.
44
CAPÍTULO 6
6. ASPECTOS SOCIAIS
6.1. REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA
Por dia, 3.835 abortos são realizados em nosso país e 137.000 no mundo. 68
Estima-se essa quantidade de abortos no Brasil pelo grande número dos leitos que são
ocupados nas maternidades com complicações decorrentes de aborto clandestino, sendo que, a
grande maioria das mulheres, ficam estéreis ou enfrentam como seqüela doenças secundárias
graves.
Nosso país está inserido no grupo de países que incriminam a prática do
aborto, e devido a esse fato, não existem estatísticas oficiais reais sobre a quantidade de
abortos que são realizados. Estimativas à parte, a grande verdade é que todos os dias morrem
gestantes e fetos por falta de condições de higiene ou praticado por pessoas não capacitadas
para a realização dele, transformando-o numa das principais causas de morte materna no país.
Claro que nem a gestante e nem seu parceiro querem a concepção de um
filho naquele momento, mas, como é da natureza humana, ela porventura engravida.
Portanto, o aborto é resultado de uma gravidez indesejada.
A mulher solteira opta em abortar por vários motivos, dentre eles, condições
sócio-econômicas, receio ou medo de contar à família que está grávida, medo de ser
discriminada pela sociedade, entre outros. Uma mulher que é casada e faz parte da classe
média, pode ter como justificativa outros motivos, por exemplo, que se casou há pouco tempo
e ainda é cedo para ser mãe, ou ainda, que poderá atrapalhar sua carreira profissional.
68
Cf. Rodrigo VERGARA. A pílula da discórdia. Super interessante, São Paulo, ano 15, n. 4, p.48,
abril 2001.
45
Esta última tem o privilégio de pagar uma clínica especializada para abortar,
com riscos mínimos para sua saúde, porém vale dizer, que não existe uma forma segura de
praticar o aborto. A outra, por sua vez, é pobre, todavia, também quer abortar, e irá fazer por
outros métodos. As conseqüências disso já foram descritas acima, e, o risco de ocorrer
complicações mais graves é muito maior.
Entendo que um meio que para evitar a gravidez e conseqüentemente o
aborto, é adotar um planejamento familiar, fazendo orientações sobre educação sexual e
utilização de métodos anticoncepcionais, permitindo assim, que as mulheres ou casais
planejem a quantidade de filhos e o intervalo de tempo entre eles.
6.2. O ABORTO NO MUNDO.
A legislação sobre o aborto no mundo é um reflexo das estruturas sócioeconômicas e ideológicas de cada época e de cada país em particular, e reflete também a
condição dependente das mulheres nessas sociedades.
Os Estados Unidos são um dos países que é permitida a prática do aborto em
qualquer situação: para salvar a vida da gestante; preservar a saúde dela; quando o feto é
defeituoso; a pedido da gestante; razões sociais ou econômicas. Dentre eles, China, Romênia
e Turquia..
Também é preciso lembrar que a legislação se põe, com freqüência, a serviço
de razões político demográficas do Estado, e situa-se aí a causa de separação que sempre
existiu entre a legislação sobre o aborto e o aborto de fato.
Por exemplo, com relação aos americanos, cada Estado tem sua própria lei,
adequando a com a sua conveniência particular daquela região.
No Reino Unido, composto por Escócia, Inglaterra e País de Gales, a Lei do
Aborto (Abortion Act), datada de 1967, regula a matéria e prevê restritas situações nas quais
se admite a interrupção provocada da gravidez. Assim, há quatro motivos básicos que
autorizam o aborto legal: a) a continuação da gravidez comportaria risco de vida para a
46
mulher; b) a continuação da gravidez comportaria risco prejudicial à saúde física ou mental da
mulher; c) a continuação da gravidez comportaria risco de prejudicar a saúde física ou mental
dos filhos já existentes e; d) existe risco substancial de nascer criança excepcional, com
anomalias físicas ou mentais. 69
No terceiro mundo é onde se realizam mais de 50% do abortos de todo o
mundo. Na América Latina e na Ásia, uma em cada 3 ou 4 mulheres teve um aborto
provocado. Na África e no Oriente Médio é um pouco mais baixa, mas tende a elevar-se.
Ironicamente, é nessas regiões que se encontram as legislações mais restritivas. 70
6.3. AS RELIGIÕES E O ABORTO.
A Igreja católica sempre condenou a prática do aborto. A posição mais
consolidada está contida no Código de Direito Canônico, que trata de todas as leis da Igreja e
cita as penalidades possíveis para os casos de aborto em dois cânones, 984 (5) e 2350: “Os
que cometerem homicídio voluntário ou procurarem o aborto de um feto humano, se realizou
o aborto, a mulher e todos os cooperadores são irregulares ex delicto (inaptos ao sacerdócio).
Os que procurarem o aborto, inclusive a mãe, incorrem, se o aborto se verificar, em
excomunhão latae setentiae (em sentido lato) reservada ao bispo da diocese”. 71
Na doutrina religiosa dos protestantes (batista, presbiteriana, luterana,
unitária e metodista) há um leque maior de atitudes em relação ao aborto. 72 Encaram a
questão de forma menos homogênea, apresentando enfoques mais flexíveis do que entre as
autoridades da Igreja católica romana.
Há uma carta do arcebispo de Canterbury para o jornal The Times, de
Londres, na qual , pergunta: "Para a Igreja e para o Estado, a unidade do respeito moral é a
69
Cf. Fabrício Zamprogna MATIELO. Aborto e direito penal, p.47.
Cf.
Adri
FERRARI.
O
aborto
deve
ser
legalizado?
<http://www.geocities.yahoo.com.br/adri_ferrari> Acesso em: 16 mai. 2008.
71
Maria Tereza VERARDO. Aborto: um direito ou um crime?, p.51.
72
Cf. Disponível em: <http://www.aborto.com.br> Acesso em: 20 mai. 2008.
70
Disponível
em:
47
pessoa humana. Quando o embrião humano se torna uma pessoa?". 73
O abade Downside mantém que "não há momento determinante afora o
momento da concepção, no qual se possa razoável biológica e fisiologicamente determinar
que se inicia a vida humana. Apesar disso, pra mim me parece difícil admitir que comece
nesse ponto”. 74
A grande diferença entre católicos e a maioria das igrejas protestantes, está
no respeito à vida da mãe. Assim, todos concordam em que é no momento da concepção que
está adquire todos os direitos pessoais e direitos atinentes à maternidade, pois é encarregado
de gestar, cuidar e alimentar o embrião desde o momento de sua concepção até o momento de
seu nascimento. Ao mesmo tempo é preciso ver que o médico tem o dever primordial para
com a mãe, pois foi ela a pessoa que o requisitou. Assim, se uma escolha tiver de ser feita
entre a vida da mãe e a do embrião ou do feto, recairá sempre sobre ela a escolha prioritária,
cabendo, portanto ao médico decidir, em última análise quando ele poderá desligar a mãe de
sua responsabilidade em relação ao feto. Foram os países protestantes os primeiros neste
século a adotar legislações mais liberais em relação ao aborto.
Para os espíritas, o aborto é crime. O pressuposto básico nessa doutrina é que
o espírito sempre existiu. A cada morte de um ser ele desliga-se desse ser para encarnar de
novo em outro corpo. Quando esse novo ser esperado redunda em aborto, o que acontece não
é simplesmente a morte de um corpo, mas a frustração de um espírito que tem que procurar
outro corpo para poder reencarnar. 75
Para os islamitas, o ser gerado passa por diferentes estágios até tomar a
forma humana, momento em que se dá a “animação do ser”, isto é, em que ele recebe sua
alma. Isso ocorre no fim do quarto mês de gestação. Pelas leis islâmicas, se houver um aborto
antes da animação – antes do final do quarto mês - , independentemente de ter sido
intencional ou ter sido causado pela mulher ou por estranhos, os envolvidos deverão pagar
uma indenização equivalente ao preço de cinco camelos. Se o aborto for realizado na fase em
que o feto já foi animado, a indenização difere nos seguintes casos: se o feto morrer antes de
sair do ventre, a quantia será igual a cinco camelos; se sair vivo do ventre e morrer em
73
Cf. Disponível em: <http://www.aborto.com.br> Acesso em: 20 mai. 2008..
Ibid.
75
Cf. Maria Tereza VERARDO. Aborto: um direito ou um crime?, p.52.
74
48
seguida, a indenização sobe para o equivalente ao preço de cem camelos. 76
Estas reflexões estão contidas num verso do Corão (livro sagrado
muçulmano):
"Nós o colocamos
Como uma gota de semente
Em local seguro
Preso com firmeza:
Depois fundimos
A gota em coalhos
Moldamos
Um (feto) bolo; então
Nesse bolo talhamos
Ossos, e vestimos os ossos
Com carne;
Então o produzimos
Como outra criatura
Assim, bendito é Deus
O melhor Criador".
Há muito tempo o judaísmo permite o aborto terapêutico para salvar a vida
da gestante. Em Israel o aborto está legalizado desde 1977, nos casos em que se a mulher o
76
Cf. Maria Tereza VERARDO. Aborto: um direito ou um crime?, p.55.
49
desejar, feito em hospital, se resultar a gravidez de incesto, estupro ou adultério e se a mulher
tiver menos de dezesseis ou mais de quarenta anos.
Quanto ao budismo e hinduísmo não existe nenhuma referência escrita de
forma direta ou indireta sobre a questão do aborto.
50
CAPÍTULO 7
7. QUAIS OS CASOS EM QUE O ABORTO DEVERIA SER LEGALIZADO?
Entendemos que a malformação congênita do feto, não deve ser entendida
nesse trabalho como um estopim, para a legalização do aborto em seu sentido pleno.
A partir do ponto de vista analisado, compreendemos que um feto portador
de anomalias incompatíveis com vida plena, como nos casos de anencefalia, agenesia bilateral
renal e pulmonar, entre outras, de acordo com a vontade de seus genitores, e, para amenizar o
sofrimento futuro da criança afetada, e de seus familiares, o aborto poderia ser realizado. 77
Seria necessário um exame minucioso para detectar a anomalia, pois, no
caso de malformações simples, como síndromes em geral, não há incompatibilidade com a
vida. 78
“Para a concessão de liminar que autorize aborto existem condições que
devem ser apuradas rigidamente para evitar práticas indiscriminadas para se
interromper qualquer tipo de gravidez pura e simplesmente.” 79
De acordo com a alegação de vários juristas essa forma de aborto seria uma
maneira de exterminar gerações futuras que apresentassem qualquer anomalia física ou
psíquica. Entretanto ao defender esse tipo de aborto o que se pretende é impedir o nascimento
de indivíduos impossibilitados de permanecer vivos por si só, ao serem desligados do corpo
materno, mas que esse argumento não sirva como premissa da “ladeira escorregadia”, isto é,
acreditando que uma maior tolerância leve obrigatoriamente a uma flexibilização moral que
termine inevitavelmente na imoralidde.
77
Cf. Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano
do Sul: ed. Yendis, 2007, p.33.
78
Cf. Ibid, p.33.
79
Ibid, p.33.
51
CAPÍTULO 8
8. ANENCEFALIA – DIAGNÓSTICO MAIS COMUM DA INCOMPATIBILIDADE
COM A VIDA
8.1. CONCEITO.
Consiste na malformação da caixa craniana do feto, o que torna inviável a
vida extra-uterina, ou seja, cabeça fetal com ausência de calota craniana e cérebro rudimentar.
“Anomalia de desenvolvimento, que consiste em ausência de abóboda
craniana, estando os hemisférios cerebrais ausentes, ou representados por massas pequenas na
base. Monstruosidade consistente na falta de cérebro.” 80
A anencefalia é um comprometimento no desenvolvimento embrionário do
sistema nervoso central, também denominado aprosenfalia com o crânio aberto, tratando-se de
uma deformidade no fechamento do tubo neural, mais precisamente da porção anterior do
sulco neural, não existindo encéfalo. De início a esse problema quando este defeito ocorre por
completo há um desabamento, ou até mesmo a ausência da calota craniana, sendo assim, não
há qualquer possibilidade de sobrevida. 81
“O que torna um anencéfalo um ser sem perspectiva de vida é justamente a
ausência dos hemisférios cerebrais o que acarreta a ausência completa das funções básicas dos
seres humanos.” 82
80
Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1º edição, 15º
impressão – Rio de Janeiro, ed. Nova Fronteira, p.96.
81
Cf. Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano
do Sul: ed. Yendis, 2007, p.37.
82
Ibid, p.38.
52
8.2. DIAGNÓSTICO DA ANOMALIA.
De acordo com os avanços tecnológicos dos últimos tempos, podemos
conhecer mais sobre a vida intra-uterina, permitindo anteriormente ao parto o diagnósticos de
anomalias fetais.
O exame mais conhecido é o ultra-som que a partir da décima primeira e
décima segunda semana pode detectar anomalias fetais como a anencefalia, daí a importância
dos exames pré-natais para a gestante.
O exame da ultra-sonografia consegue revelar a ausência do encéfalo e/ou
crânio. Há também os exames citogenéticos cromossômicos e moleculares, os quais são
realizados a partir do vilo colorial, ou do líquido amniótico. 83
Além destes exames encontram-se disponíveis outros, os quais devido à
baixa precisão são pouco utilizados, como teste triplo (dosagem de determinadas substancias
no sangue materno, calculando se possível o aumento do risco do feto apresentar
malformações) e teste quádruplo (serve para identificar a trissomia do cromossomo 21
também conhecido por síndrome de Down). 84
Vale dizer que o fechamento do tubo neural anterior e posterior do
desenvolvimento embrionário ocorre por volta de sete semanas e meia, portanto a anencefalia
tem, em geral, origem por volta de 26 dias do período gestacional, sendo assim resultado de
uma morfogênese incompleta, isto é, as anomalias resultam de um desenvolvimento
incompleto de determinada estrutura embrionária ou fetal.
83
Cf. Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano
do Sul: ed. Yendis, 2007, p.22.
84
Cf. Ibid, p.27.
53
8.3. RISCOS PRÉ E PÓS – PARTO.
A gestante de feto anencefálico deve receber um acompanhamento médico
pré e pós-parto ainda mais cuidadoso do que o habitual em casos de fetos saudáveis. Com esse
diagnóstico, a mulher tem 25% de chances de contrair doenças hipertensivas na gravidez, e
uma vez elevada à pressão arterial, pode apresentar pré-eclampsia e eclampsia. Aumentam as
possibilidades de desmaios e convulsões. 85
Compreendemos que gestação de feto anencefálico, é considerada uma
gravidez de risco, podendo acarretar até o óbito da gestante.
8.4. POSICIONAMENTO CRÍTICO SOCIAL.
Como dito na introdução deste trabalho, este tema é muito polêmico e causa
discussão entre duas pessoas e talvez não cheguem a um consenso único.
Não só na sociedade brasileira, como a mundial, há divergências quando o
assunto é a legalização ou não do aborto. Porém, quando se fala em aborto de feto eugênico, o
entendimento para legalizá-lo e incluí-lo na lista de aborto legal, é majoritário.
Em pesquisa realizada pela Revista Jurídica Consulex de 15 de abril de
2.004, ano VIII, nº. 174, via internet, com participação de 1.290 internautas, 68,97% são a
favor do aborto e 31,03% são contra.
Presume-se que as pessoas que votaram sejam leigas, portanto, não tem
conhecimento jurídico da Constituição Federal, assim, opinam de acordo com o que sentem,
usando o bom senso, justamente como deveriam atuar nossos Nobres Julgadores.
85
Cf. Daniel SARMENTO e Flávia PIOVESAN. Nos limites da vida: Aborto, Clonagem Humana e
Eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos – Rio de Janeiro: ed. Lumen Júris, 2007, p.115.
54
8.5. RESOLUÇÃO 1.752 DO CFM (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA)
De acordo com a Resolução 1.752 do CFM, de 8 de setembro de 2004, o
anencéfalo, foi considerado natimorto cerebral o que gerou e ainda gera muitas opiniões
contrárias, visto que o feto ao nascer respira, possui batimentos cardíacos, suga, chora, mas
não tem consciência nem vida de relação ou sentimentos, apesar de, às vezes emitir a
impressão de estar sorrindo, sendo isso apenas uma contração muscular.
Como não é pra menos, os entes do Conselho Federal de Medicina são a
favor da legalização do aborto eugênico, nas condições especificadas no item anterior, pois
sabem da gravidade da situação.
Reunidos na data de supra citada, em Brasília-DF, o Plenário do Conselho
Federal de Medicina, CFM, aprovou resolução que autoriza o uso de órgãos e/ou tecidos de
anencéfalos para transplante, mediante autorização prévia dos pais.
Segundo a decisão, a autorização dos pais deve ser manifestada,
formalmente, no mínimo com 15 dias antes da data provável do nascimento. 86
Fato é que em poucas horas ou dias sofrerá uma parada cardiorrespiratória e
morrerá.
8.6. PREVENÇÃO E RECORRÊNCIA DA GESTAÇÃO DE FETO ANENCEFÁLICO.
Detectada a anencefalia fetal, não há nada que possa ser feito para reverter à
anomalia do feto. Por isso sua prevenção é de extrema importância, principalmente em casos
de mulheres que já tenham dado à luz ou interrompido a gestação de um feto anencefálico, já
86
Cf. Revista Jurídica Consulex, Aborto por anomalia fetal (anencefalia) Ano VIII, nº. 174, p.32, de
15/04/04.
55
que, nesses casos, tal precedente pode aumentar em até 10% as chances de desenvolver outra
gravidez com essa anomalia. 87
É possível prevenir o risco de recorrência da gestação de um feto com
anencefalia, que é de 5% quando se trata de um único caso, e passa a 10% quando há dois
casos anteriores. A prevenção atualmente é uma norma do Centro de Controle de Doenças,
nos Estados Unidos que preconiza 400 micro gramas de ácido fólico pelo menos um mês
antes da gravidez, e nos dois primeiros meses da gestação e nos casos onde houve um
antecedente, o uso de 4 miligramas em igual período. 88
Toda mulher corre o risco de ter uma gestação proveniente de feto
anencefálico, nesse caso, não cabe a ninguém o poder de reverter à situação, mas existe um
método preventivo possibilita reduzir essa incidência, é a ingestão de ácido fólico no período
pré e durante as primeiras semanas de gestação.
8.7. A IMPORTÂNCIA DO ÁCIDO FÓLICO
A ingestão de ácido fólico deve começar ainda no planejamento da gravidez,
ou seja, em todas as mulheres em idade fértil.
O ácido fólico é fundamental para a formação do DNA e RNA, e garante
que as células se dupliquem normalmente, produzindo substâncias químicas essenciais para o
cérebro e sistema nervoso.
Se ingerido três meses antes, e nos três primeiros meses da gestação sua
capacidade de redução de malformação do tubo neural será de grande eficiência.
87
Cf. Daniel SARMENTO e Flávia PIOVESAN. Nos limites da vida: Aborto, Clonagem Humana e
Eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos – Rio de Janeiro: ed. Lumen Júris, 2007, p.116.
88
Cf. Ibid, p.117.
56
Entende-se por tubo neural o sistema nervoso primitivo do feto, portanto mulheres em idade
fértil devem consumir 0,4 mg de ácido fólico diariamente, com o propósito de reduzir riscos
na gravidez. 89
8.8. DA DOAÇÃO DE ÓRGÃOS.
Mesmo com problemas de saúde, segundo a análise de alguns juristas, a
mulher não deve abortar, pois já carrega um ser vivo.
Já a Resolução do Conselho Federal de Medicina n° 1752, de 08 de
setembro de 2004 autoriza a retirada de órgãos e tecidos de feto anencefálico, porém em
nosso país todas tentativas de transplantes não deram o resultado esperado: acarretando o
óbito das crianças receptoras dos órgãos. 90
Embora nobre e louvável o desejo da mãe em continuar a gestação de seu
filho anencéfalo visando exclusivamente à doação de seus órgãos, pensando que assim a sua
curta existência terá um significado humanitário do mais alto grau, cabe um alerta:
infelizmente, a gestação não alcançará seu objetivo, pois não será possível oferecer os órgãos
à doação, por estarem prejudicados ou por não existirem receptores compatíveis, ou seja, as
mães devem estar conscientes de que os órgãos não salvarão ninguém.
No entanto, para os legisladores que defendem a doação de órgãos de seres
portadores de anomalias fetais, não é necessário a espera da morte do tronco cerebral, pois o
anencéfalo é considerado cientificamente um ente sem vida e incapaz de existir por si só,
sendo esta alegação a mais usada em sentenças que autorizam o aborto. 91
Com a modernidade que reina absoluta nos dias de hoje, e com o avanço
desencadeado da medicina, a esperança e a dor dessas mães, talvez um dia venham a ser
recompensadas, pois na atualidade ainda não há registros de aproveitamentos desses órgãos,
89
Cf. Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano
do Sul: ed. Yendis, 2007, p.28-29.
90
Cf. Ibid, p.49.
91
Cf. Ibid, p.51.
57
pois derivam da malformação congênita, não havendo assim
receptores em comum,
entretanto, futuramente haverá alguma forma para que, esses órgãos possam beneficiar um
outro ser.
58
CONCLUSÃO
No momento em que decidi o tema objeto deste trabalho, ou seja, aborto,
ainda pairavam algumas dúvidas, como por exemplo, ser um tema complexo e ao mesmo
tempo polêmico, que, se discutido entre duas pessoas, poderão elas nunca chegarem a um
consenso comum. Mas, após as primeiras pesquisas e leitura de alguns livros, tive a plena
certeza que esse era meu tema. O meu trabalho dali em diante era estudar e tentar transcrever
tudo sobre aborto, da forma mais clara e coesa possível, para que o leitor, como eu, ao final
chegasse a uma conclusão sobre o assunto.
Diante do que foi exposto no presente trabalho científico, podemos concluir
que a legislação punitiva não foi e não será capaz de conter a prática abortiva no Brasil e no
mundo.
Pois, que direito tem uma sociedade como à do Brasil, que abandona
criminosamente a maternidade, em face do acompanhamento e assistência que deveria a
gestante receber nos hospitais desde o início da gravidez e posteriormente à infância da
criança? Tem ela o direito de obrigar uma mulher, que já têm filhos e não deseje ter mais ou
mesmo não necessite, ou ainda, não desfrute de um momento financeiro confortável, conceber
mais uma criança?
Na maioria das vezes, o aborto tem por reflexo as condições sócioeconômicas das mulheres e, por conseguinte, a ilegalidade as prejudicam, visto que, morrem
ou contraem doenças devido às manobras abortivas serem praticadas por pessoas inabilitadas
ou em condições precárias de higiene e limpeza.
Após longo estudo do assunto e minuciosa análise do embate existente a
favor e contra o aborto, concluo que, o aborto não deveria ser visto como a execução de uma
vida. E, sem fazer nenhum juízo de valores morais ou religiosos, atento-me para que o aborto
seja parcialmente legalizado, como nos casos quando verifica-se que a criança virá ao mundo
com deformidades irreversíveis e que, por serem portadoras dessas deficiências, não terão
condições alguma de sobreviver fora do ventre materno, anomalias como a acrania (ausência
de crânio) e anencefalia (ausência de cérebro), pois estudos comprovam que a criança que
apresente qualquer tipo dessa deformidade, terá um breve período de vida, sendo assim,
59
concluo que o período de vida da criança que possua essa deformidade, seja um período de
sofrimento para ela. Porém, isso nunca saberemos, devido ao fato de uma criança
anencefálica, mesmo que sobreviva por maior tempo a vida extra-uterina, jamais poderá se
expressar, pois viverá em estado vegetativo.
Defendo, ainda, a legalização para o caso em tela, sob o argumento de que o
Código Penal brasileiro foi editado na metade do século anterior (1940), quando a ciência
ainda engatinhava. Hoje, é perfeitamente possível saber se a criança, nascida, não terá
qualquer chance de sobrevida, por anomalia congênita.
Logo, a continuação desta gestação irá lhe causar um choque emocional
repulsivo, contrariando o disposto no artigo 5º, III da Carta Magna que dispõe: “ninguém será
submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Nesse sentido, nosso Código, se interpretado de acordo com a realidade, não
estará absolutamente impedindo este ato excepcional, porque a morte psíquica é, sem dúvida,
pior que a morte física.
Muitas das opiniões, tanto da sociedade quanto de alguns juristas são
contrárias à legalização para tal ato, talvez por não terem vivenciado o caso, não terem se
colocado no lugar daquela mulher que carrega em seu ventre fruto da concepção, sabendo que
não viverá, ou viverá por alguns minutos.
Exigir que uma mãe carregue em seu ventre um ente, sem qualquer chance
de sobrevida, é matá-la, não só psiquicamente como constrangê-la ao sofrimento dramático
que ninguém tem o direito de lhe impor.
É inadmissível que hoje, diante do desenvolvimento atual da Genética
Humana e da Medicina Fetal, ainda existam pessoas que queiram obrigar uma mulher a seguir
gestação de feto sem perspectiva de vida. Interesses de quem estariam sendo protegidos com a
manutenção desta gravidez? É a gravidez apenas biológica? De que adianta o médico e a
paciente conhecerem o diagnóstico se não podem interromper a gravidez de um feto sem
perspectivas? É desumana esta agressão ao seu estado psicológico e ao seu corpo. A Justiça
não pode se distanciar dos avanços científicos, devendo sempre acompanhar as mudanças
éticas e culturais da sociedade. “O Direito pode perfeitamente ser aplicado a estas situações
60
imprevistas, ao contrário do que pensam muitos dos nossos “aplicadores do Direito””. 92
O intuito da legalização da interrupção da gravidez é visar à redução do
sofrimento da mãe. Sua saúde deve ser preservada bem como sua integridade psíquica.
Quero salientar que não sou a favor do aborto no sentido lato, porém que
seja legalizado aborto nos casos de doenças irreversíveis e incompatíveis com a vida extrauterina, condicionando tal legalização ao consentimento da gestante, e ainda, peço uma maior
atenção, para que, a legalização do aborto de fetos malformados e sem possibilidade de vida
extra-uterina, não venha a ser o primeiro passo para o caminho da legitimação de todo e
qualquer tipo na legislação brasileira, e não venha a se tornar uma “ladeira escorregadia”
(slippery slope), ou seja, a crença de que uma maior tolerância leve obrigatoriamente a uma
flexibilização moral que termina inevitavelmente na imoralidade.
Chego a esta conclusão pelo fato de que não se pode obrigar uma mulher a
suportar, desnecessariamente e por longo tempo, os riscos e o peso, moral e físico, de uma
gestação, cujo produto nem resistirá a seu próprio nascimento, ou seja, o feto anencefálico é
um morto cerebral que, se chegar a uma gestação completa, só aguardará o nascimento para
viver por um período muito breve e morrer. Além da dor de carregar um ente incompatível
com a vida, a mãe, ainda corre sérios riscos, já que, não raras vezes, o feto morre ainda dentro
de seu corpo, caso em que o atendimento médico deve ser da maior urgência. Ademais, são
elevados os riscos de hemorragia, descolamento pré-maturo da placenta entre outras
complicações, ou seja, não “matar” um nesses casos, muitas vezes, porém, implica
inevitavelmente na morte de dois.
Atento-me, ainda, para que, se a mãe desejar levar a gravidez adiante, os
órgãos do feto anencéfalo, se úteis, sejam reaproveitados e doados, com a devida autorização
formal dos pais, para fins de transplantes ou tratamentos, apesar de, até a presente data, todas
as tentativas com esses órgãos não terem proporcionado o resultado esperado.
Ao final, faz-se necessário afirmar que, para mim, este trabalho destinado à
conclusão do Curso de Direito, deixou de ser uma exigência para obtenção do bacharelado,
tornando-se motivo de orgulho, que daqui em diante, irá ajudar-me a seguir os vários
92
Revista Jurídica Consulex, Aborto por anomalia fetal (anencefalia) Ano VIII, nº 174, p.32, de
15/04/2004.
61
caminhos do conhecimento, principalmente no campo jurídico.
62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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64
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http://www.aborto.com.br/mapa/index.htm> Acesso em 28 out.2008
http://www.aborto.com.br/outrasfotos/index.htm> Acesso em: 03 nov. 2008.
65
ANEXO 1
_______________________
Revista Super Interessante, São Paulo, ano 15, n. 4, p. 47, abril 2001.
66
ANEXO 2
MAPA ABORTIVO
O mapa abaixo demonstra quais os países que permitem ou não o aborto
_______________________________
Disponível em: <http://www.aborto.com.br/mapa/index.htm> Acesso em: 28 out.2008.
67
Há muito tempo Portugal não armava uma tempestade retórica tão volumosa
em torno de um assunto. Desta vez, a polêmica envolvia religião, ética e direitos humanos. Há
uma semana, a tempestade desabou e seu resultado surpreendeu. Consultados em plebiscito,
os portugueses disseram "não" à legalização do aborto no país, contrariando as pesquisas que
davam como certa a derrubada de uma legislação que coloca Portugal na contramão de seus
parceiros na União Européia, na maioria bem mais liberais nesse assunto. O que tinha
escapado aos pesquisadores era a enorme indiferença lusa para uma questão crucial no mundo
moderno: como lidar com a gravidez indesejada. Visto que o voto não era obrigatório, 69%
dos eleitores simplesmente não apareceram para votar e o "não" venceu com a magra
vantagem de 50.000 votos. É compreensível o desalento do governo socialista com o
resultado. Se a lei tivesse sido aprovada (o projeto liberava o aborto até a décima semana de
gravidez), Portugal teria uma legislação equivalente à dos principais países europeus. Do jeito
que está, o país continua num bloco onde predominam países do Terceiro Mundo (veja mapa
acima).
As más companhias que o governo português queria evitar são lugares como
Ruanda, país africano ensangüentado por rixas tribais, e a Arábia Saudita, governada por
fundamentalistas muçulmanos. Talvez tivesse sido mais fácil convencer os portugueses a
votar pelo "sim" se o grupo de nações que só autoriza a interrupção da gravidez por motivos
médicos não incluísse representantes do primeiríssimo mundo. É impossível realizar um
aborto legal na Suíça, um país de população conservadora e religiosa. "As suíças precisam
atravessar a fronteira e fazer o aborto na França", diz Peter Zimmerli, vice-cônsul suíço em
São Paulo. A Alemanha só joga no mesmo time por motivos técnicos, pois na prática o aborto
não sofre restrições sérias. A questão foi muito polêmica na reunificação, em 1990, visto que
o aborto era proibido na Alemanha Ocidental e inteiramente livre na Oriental. Vigora hoje
uma lei que prevê pena de prisão, mas não se o aborto ocorrer nas primeiras doze semanas e a
mulher tiver um certificado provando que procurou antes um centro oficial de
aconselhamento.
Direito da mãe — É natural que o aborto seja um assunto dilacerante em
cada sociedade. Que outra questão diz tão diretamente respeito à própria preservação da
espécie? A dificuldade é medir a proporção do direito da mãe em relação ao da criança que
ainda não nasceu. Numa decisão histórica, em 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos
decidiu que a mãe é quem decide até o sexto mês de gravidez. Nos anos 90, a liberalização se
68
tornou o alvo predileto do conservadorismo americano — curiosamente, a razão do único
terrorismo sistemático existente nos Estados Unidos. Entre 1977 e 1994, ocorreram 1.700
atentados contra clínicas de aborto no país. Os comunistas tinham um comportamento
dogmático nesse assunto: liberação total e irrestrita. Estima-se que em Cuba cerca de 40% das
gestações terminem em aborto. Assim era na Polônia comunista. Num caso raro de retrocesso,
o governo pós-comunista, com forte influência católica, cassou o direito de aborto. 93
A maioria da população do planeta vive em países com legislação liberal. A
começar pela China, onde o controle demográfico é uma estratégia fundamental do governo.
O Japão é um caso especial, visto que não restringe o aborto mas proíbe radicalmente as
pílulas anticoncepcionais. O resultado é uma alta taxa de aborto. Poucos países admitiam o
aborto até apenas três décadas atrás. A liberalização na Inglaterra, em 1967, é considerada um
marco no processo. O grupo dos países onde o aborto é inteiramente ilegal é bem homogêneo.
No Brasil, apesar da pressão contrária de católicos e evangélicos, a comissão de juristas que
estuda a reforma do Código Penal sugeriu a ampliação dos casos em que o aborto é permitido.
A proposta, se aprovada, legaliza o aborto nas situações em que ocorreu violência física ou
moral contra a mulher. Outra circunstância em que seria aceito é quando há fraude, como no
caso do anticoncepcional Microvlar, que causou gravidez indesejada em várias mulheres.
A Igreja Católica já avisou que não aceita e vai brigar contra o projeto. "A
vida se forma no momento da concepção", justifica dom Cláudio Hummes, arcebispo de São
Paulo. É uma opinião respeitável, fundamentada em argumentos que é impossível não levar
em conta. No entanto, não deixa de ser chocante examinar o mapa ao lado e verificar como as
divergências morais a respeito do assunto seguem um padrão claro. Numa proporção que dá
no que pensar, os países mais desenvolvidos aceitam o aborto enquanto os mais atrasados o
rejeitam. 94
Disponível em: <http://www.aborto.com.br/mapa/index.htm> Acesso em 28 out.2008
69
ANEXO 3
As imagens abaixo são extremamente chocantes, mas temos que mostrá-las. As pessoas têm
que saber desse tamanho desprezo à vida.
(fotos e informações do artigo de Abigail Haworth publicado na revista Marie Claire de
Junho de 2001 - edição norte-americana)
A imagem é extremamente chocante mas temos que
mostrá-la. As pessoas têm que saber desse tamanho
desprezo à vida.
Um bebê recém-nascido jaz morto na rua, descartado
como um pedaço de lixo, sob a indiferença dos que
passam.
Ele é apenas mais uma vítima da política cruel do
governo Chinês: o limite de um filho por família com
aborto compulsório.
(fotos e informações do artigo de Abigail Haworth
publicado na revista Marie Claire de Junho de 2001 edição norte-americana)
________________________
Disponível em: <http://www.aborto.com.br/outrasfotos/index.htm> Acesso em: 03 nov. 2008.
70
Durante duas horas as pessoas ignoram a menina.
Na província chinesa de Hunan,
uma cena inimaginável de horror e
crueldade: o corpo de uma menina
jogada na rua.
Ônibus e bicicletas passam
espirrando lama no cadáver. Dos
que passam, poucos dão atenção.
Ela é mais uma das milhares de
meninas recém-nascidas que são
abandonadas a cada ano em
conseqüência da política do
governo Chinês: o aborto e o limite
de 2 crianças por família.
A única pessoa que tentou ajudar a
criança declarou: "Acho que ela
acabou de morrer. Eu a toquei e estava ainda quente. Ainda saía sangue de seu
nariz."
Essa senhora chamou o pronto-socorro mas ninguém apareceu: "O bebê estava
perto do escritório fiscal do governo e muitas pessoas passavam e não faziam
nada... Eu tirei fotos porque isso é algo terrível... Os policiais quando chegaram
ficaram mais preocupados com minhas fotos do que com o bebê."
A polícia só liberou a senhora quando ela entregou o filme. 95
Disponível em: <http://www.aborto.com.br/outrasfotos/index.htm> Acesso em: 03 nov.2008
71
O governo da China, país mais populoso do
mundo com 1,3 bilhões de pessoas, impôs sua
política de restrição à natalidade em 1979.
Os métodos usados causam muita miséria: os
pais, aterrorizados de serem descobertos pelo
governo, abandonam e matam seus próprios
filhos.
Oficialmente, o governo condena o uso da força
ou crueldade para controlar a natalidade. Mas
na prática, os encarregados do controle sofrem
tanta pressão para limitar a natalidade que
recorrem a esquadrões de aborto. Esses
esquadrões arrastam as mães
"clandestinamente" grávidas e as mantêm em
cárcere até se submeterem ao aborto.
Já houve mães que foram executadas por se
recusarem a abortar. Outras famílias receberam
penas de 10 mil yuans (sete vezes o salário anual
de um camponês), esterilização compulsória e
confisco de propriedade.
Outras mães conseguem ter sua criança escondidas, mas sua família é perseguida e
torturada para que denuncie o paradeiro da gestante e elas encontram suas casas
incendiadas ao voltar.
As crianças que nascem nessa situação não recebem instrução escolar, nem
cuidados médicos ou qualquer outro benefício social. 96
Disponível em: <http://www.aborto.com.br/outrasfotos/index.htm> Acesso em: 03 nov. 2008.
72
Muitos pais vendem suas crianças para outros casais a fim de escapar da
punição do Governo Chinês...
As meninas são as maiores vítimas da
pressão intolerável para limitar a família.
Na China rural, onde 80% da população
vive, muitos camponeses acreditam que
apenas os meninos podem levar a família
adiante e consideram que seria uma grande
desonra para seus ancestrais se eles não
tiverem um herdeiro.
Normalmente, as filhas continuam vivendo
com a família depois do casamento e são
consideradas um "investimento perdido".
Nas regiões rurais se permite um segundo
filho(a), mas quando a segunda criança é
outra menina, isso é tido como um desastre.
Um homem ficou tão revoltado ao ter a
segunda filha que ele estrangulou às duas.
Um outro jogou sua filha em um poço
abandonado para que ninguém soubesse que
ela existiu.
De acordo com estatísticas oficiais, 97,5%
das crianças abortadas são meninas.
Acredita-se que muitas são vendidas a casais inférteis para que as autoridades não
tomem conhecimento.
O resultado é um desequilíbrio entre as populações masculina e feminina. Milhões
de homens não conseguem encontrar uma esposa. Já existe o tráfico de mulheres.
Em alguns lugares há 6 homens para cada mulher. 97
Disponível em: <http://www.aborto.com.br/outrasfotos/index.htm> Acesso em: 03 nov. 2008.
73
Por fim um senhor pegou o corpo da menina, colocou em um caixote e
jogou na lata de lixo...
Estima-se que 17 milhões de meninas estejam
"faltando" na população da China. O
infanticídio e abandono são os principais
fatores. O aborto selecionado por sexo é
proibido, mas o exame de ultra-som que
determina o sexo é facilmente conseguido
com suborno.
As crianças que sobrevivem acabam em
orfanatos precários.
O governo Chinês insiste na política de
limitar as famílias e ignora o problema da
discriminação contra filhas mulheres.
A assistente social Wu Hongli explica que
"Os programas educacionais têm tido
bastante sucesso em algumas áreas rurais, mas ainda há um vasto trabalho a ser
feito. Tantas tragédias são ignoradas a cada dia que sinto vontade de chorar." 98
Disponível em: <http://www.aborto.com.br/outrasfotos/index.htm> Acesso em: 03 nov. 2008.
74
ANEXO 4
Fetos humanos são consumidos como alimento na China.
Hong Kong - Fetos humanos estão se tornando populares como alimento
saudável na cidade chinesa de Shenzhen, nas vizinhanças de Hong Kong, informou um jornal
da colônia britânica, em sua edição de ontem. O "Eastern Express" disse que sua publicação
irmã "Eastweek Magazine" fez recentemente uma pesquisa e descobriu que os fetos estão
sendo comidos por razões que vão desde tratamento da asma até melhorar a pele.
Um médico de Hong Kong, Chamado Wong e que pratica a Medicina
ocidental, assinalou que é um mito a crença de que os fetos são altamente nutritivos . Wong
observou que os fetos contêm, de fato, mucopolisacarídeos, substâncias benéficas para o
metabolismo, mas destacou que esses nutrientes podem também ser encontrados em uma série
de outros alimentos.
Mas os aficionados chineses afirmam que os fetos são uma especialidade
culinária, e que ficam ótimos preparados em ensopados ou em sopas, temperados com
gengibre e casca de laranja, ou misturados com carne de porco. Comer embriões é, segundo
essas pessoas, mais saudável do que comer placentas.
Uma médica chinesa recomenda que os fetos sejam comidos sob a forma de
bolo de carne, acrescentando-se mais carne moída. Mas advertiu que é preciso usar mais
gengibre e cebolinha, na receita, para tirar o cheiro - o cheiro é um problema para muitos que
comem fetos. A médica, Zou Qin, da Clínica Luo Hu, explicou que "as pessoas normalmente
preferem fetos de mulheres jovens, ou, melhor ainda, o primeiro bebê, e do sexo masculino."
Os espécimes podem ser comprados nos hospitais e clínicas de Shenzhen,
que oferecem serviços de aborto, sempre lotados de clientes, devido à política chinesa de
controle de natalidade, que limita as famílias de um filho, nas cidades e a dois, nas áreas
rurais. No ano passado, por exemplo, os médicos do Hospital do Povo - o maior de Shenzhen
_ realizaram mais de sete mil abortos, informou o jornal.
Um feto atualmente é comprado por cerca de dez dólares de Hong Kong - o
equivalente a 1,28 dólar norte-americano - mas, quando há escassez no mercado os preços
chegam ao dobro disso, disseram os jornalistas que investigaram o assunto. Uma clínica
75
particular chega a cobrar até 300 dólares de Hong Kong - 38 dólares norte-americanos - por
feto.
Zou defendeu o consumo dos fetos, dizendo que os fetos funcionam como
suplementos alimentares, fortalecem o organismo e melhoram as funções renais. "São
desperdiçados se não os comemos", comentou Zou. "As mulheres que fazem aborto aqui não
querem os fetos . Além disso, só comemos os fetos já mortos: não fazemos abortos só para
comer os fetos", frisou ela.
A Dra. Margaret Kwan, uma ginecologista que há duas semanas era Diretora
da Associação de Planejamento Familiar de Hong Kong, disse ao jornal que as reportagens
"são a coisa mais estranha que já se soube, a respeito da China. Só espero que isso não seja
verdade."
É chocante, ofensivo e repugnante o menoscabo que os chineses dispensam
ao direito à vida. Causa repulsa em qualquer ser humano, dotado de um grau mínimo de
civilidade que existam, na face do nosso planeta, pessoas capazes de cometer tamanhas
atrocidades, maquilando seus gestos com embustes ("os fetos estão sendo comidos por razões
que vão desde tratamento da asma até melhorar a pele"). Pior é saber que suas condutas
restam protegidas pela ordem legal. Seria um bom motivo para que a Organização das Nações
Unidas vindicassem pela exigibilidade do direito fundamental à vida, extirpando leis amorais
do mundo jurídico. Summum jus, summa injuria!
Na pulverizada União Soviética, onde o feto voltou a ser considerado
simples parte do organismo materno, procurou-se justificar o aborto social através da frágil
alegativa do exagerado número de vítimas de manobras abortivas realizadas em clínicas
clandestinas. O próprio Estado institui os "Abortários", onde as gestantes eram recebidas,
gratuitamente, e logo examinadas por especialistas idôneos, a fim de serem submetidas à
intervenção libertadora, sem o menor risco de infecção ou de morte, ficando, desde logo,
proibida, em todo o país, a prática do aborto fora das clínicas oficiais e por médicos
particulares.
Com isso aumentou consideravelmente o número de mulheres que
procuravam fugir aos lídimos deveres da maternidade. Assim, o Estado resolveu limitar os
casos sociais ensejadores do móvito.
76
Resta clara a posição de que aborto não é meio contraceptivo. O resultado
negativo de experiências como a descrita supra mostram que é melhor iniciar campanhas em
favor do meios anticoncepcionais, apontando os perigos das práticas abortivas, especialmente
em relação com as doenças crônicas do aparelho genital de que resulta a esterilidade e,
sobretudo, pelo direito fundamental à vida.
A incriminação do aborto ampara, por um lado, "el derecho-interés del
Estado para la inviolabilidad de la vida de los asociados; y por otro, la vida humana, que, en
su misterio infinito, merece respeto, aunque el ordenamiento jurídico se halle en presencia, no
ya de un hombre (persona), sino de una simple esperanza humana (spes hominis). Do mesmo
diapasão é o magistério do mestre, também peninsular, Francesco Antolisei :
"Secondo la dotrina tradizionale e la generalità delle legislazioni che
incriminaro l’aborto, lo Stato, nel comminare per esso una sanzione penale, mira a
proteteggere la vita umana sin dalla origine. Invero, l’interesse che realmente è offenso da
questo fatto criminoso, è la vita umana, perchè il prodotto del concepimento — il feto — non
è una spes vitae e tanto meno una pars ventri, ma un essere vivente vero e proprio, il quale
cresce, ha un proprio metabolismo organico e, almeno nel periodo avanzato della gravidanza,
si muove ed ha un battito cardiaco."
Merece, pois, toda a guarida da legislação, já que o feticídio é conduta que
afronta a própria moral humana. 99
ANDRADE, Ricardo Luís Sant´Anna. O aborto e direito à vida. Disponível
<http://www.pgi.ce.gov.br/artigos/artigos.asp?iCodigo=21> Acesso em: 03 nov. 2008.
em:
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ANEXO 5
Interrupção de Gestação Feto Anencefálico Não é Aborto
CONSELHO FEDERAL DA OAB
O Conselho Federal da Orden dos Adrogados do Brasil decidiu por maioria
de votos, considerar que a interrupção da gravidez de feto anencefálico não é considerado
prática abortiva. A matéria foi examinada pelos 81 advogados que compõem o Conselho, na
sede da OAB, após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, que
concedeu liminar à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) para
reconhecer o direito constitucional de gestantes que decidam realizar operação de parto de
fetos anencefálicos.
Na OAB a decisão da maioria dos conselheiros foi tomada com base no voto
do relator da matéria na entidade, o conselheiro federal pela Bahia, Arx Tourinho. Segundo
ele só pode existir aborto se houver possibilidade de vida do feto. Segue a íntegra do voto do
relator da matéria Arx Tourinho:
Voto
1.
Direito da mulher gestante ao cometimento da interrupção de gravidez de feto
anencefálico.
2.
Polêmica causada por aqueles que, desatentos aos princípios jurídico-constitucionais,
insistem na concepção medieval de que a mulher deve fingir tratar-se de uma grvidez normal.
3.
Proclamação pelo Conselho Federal da OAB de que a gestante, na condição delineada,
tem direito de interromper a gravidez, valendo-se de seu direito à saúde e em atenção aos
princípios constitucionais da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
1.
Designado pela Presidência deste Col. Conselho Federal da OAB, emito voto sobre
matéria , que envolve o direito da gestante em interromper a gravidez, quando se trata de feto
anencefálico.
2.
O fato se tornou extremamente polêmico, a partir do momento em que, em argüição
de descumprimento de preceito fundamental, sendo autor do Conselho Nacional dos
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Trabalhadores da Saúde – CNTS, patrocinado pelo culto constitucionalista e advogado Luis
Roberto Barroso, o ministro do STF Marco Aurélio concedeu liminar, reconhecendo “o
direito constitucional da gestante de sumeter-se à operação terapêutica de fetos anencefálicos,
a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto.” As
discipações se agigantam, porque os que colocam em posição antagônica ao decisum judicial
entendem que se está a permitir o aborto, em desacordo com a lei.
3.
De logo se afirme que dentre as finalidades da Ordem dos Advogados do Brasil está
a de defender “a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos
humanos, a justiça social”, como giza o artigo 44, I, da Lei n.8906/94. No particular, a matéria
diz muito de perto com esses aspectos. Daí a pertinência de um pronunciamento deste egrégio
Conselho Federal, buscando, assim, cumprimrnto de uma finalidade da OAB.
4.
A anencefalia, segundo conceituação de William Bell, é “malformção letal, na qual
a abóboda do crânio é ausente e o crânio exposto é amorfo” (Doenças do recém-nascido.
Obra coletiva, Interamericana, 4.ed.,1979, p.627).
5.
De acordo com Keith Moore, “Embora o termo anenceflia signifique ausência do
encéflo, há sempre algum tecido encefálico”, porém, sem maior importância (Embriologia
clínica. Interamericana, 2.ed., p354).
6.
O encéfalo é “parte do sistema nervoso central situada dentro do crânio neural”,
formado pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico, na dicção de Ângelo Machado
(Neuroanotomia funcional, Livraria Atheneu, 1979, p.11).
7.
Diz com precisão, o cientista Willian Bell, a respeito da anencefalia que “entre 75 e
80 por cento desses recém-nascidos são natimortos e o restante sucumbem dentro de horas ou
poucos dias após o nascimento” (op. Cit., p.627). A literatura médica no mundo tem essa
constatação.
8.
essa é, pois, a realidade da anencefalia, que pode ser detectada, quando o feto ainda
se acha no ventre materno. Mas, em 1940, quando editado o Código Penal brasileiro, não
havia tecnologia suficiente para um diagnóstico de certeza, a respeito da malformação. Não é
o que acontece na, atualidade.
9.
Queremos afirmar, neste instante, que a discussão pode e deve ser realizada, pelo
ângulo estritamente jurídico. Não podemos trazer um tema que possui consistência técnica,
princípios religiosos ou fundamentos jusnaturalistas, que brigam com a realidade e
descambam para a irracionalidade. É de acentuar que, em 1990, o Conselho Federal de
Medicina, diante do avanço da medicina fetal, propugnou por uma nova postura da classe
médica, a fim de embasar uma “reordenação jurídica”, o que ensejou proposta de
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reformulação do Código Penal, segundo informam Marcos Frigério et alii, Aspectos bioéticos
e jurídicos do abortamento seletivo no Brasil, trabalho desenvolvido no Instituto Fetal e
Genética Humana, em São Paulo.
10.
Em primeiro lugar, é de se perguntar: a interrupção da gravidez de um feto
anencefálico pode ser considerada prática abortiva? A resposta, a nosso sentir, é negativa.
11.
Nosso Código Penal não conceituou aborto. Menciona-o, tipificando condutas,
porém, sem afirmar o que, efetivamente, seja. Isso foi deixado para a doutrina e a
jurisprudência. E, por esse ângulo, constata-se que só pode haver aborto, se há possibilidade
de vida e de sobrevida. Não é aceitável que se saiba, previamente, que o feto não possui
qualquer condição de sobrevida e, ainda assim, se tenha como aborto a interrupção da
gravidez, que pressupõe a existência de outro ser que tenha possibilidade de vida própria. O
feto anencefálico é uma patologia.
12.
A asserção do clássico Nelson Hungria, a respeito da gravidez extra-uterina e da
gravidez molar, pode, perfeitamente, ser aplicada à hipótese do feto anencefálico: “o feto
expulso (para que se caracterize aborto) deve ser produto fisiológico e não patológico. Se a
gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir
sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar-se em aborto,
para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto”
(Comentários ao código penal, Forense, 1958, vol. V, p. 207-208).
13.
Do ponto de vista médico, o feto anencefálico é uma patologia e como patologia
deve ser tratada. Como diz a professora Débora Diniz, pesquisadora do Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Bioética da Universidade de Brasília, “a ausência dos hemisférios cerebrais, ou
no linguajar comum “a ausência de cérebro”, torna o feto anencéfalo a representação do
subumano por excelência. Os subumanos são aqueles que, segundo o sentido dicionarizado do
termo, se encontram aquém do nível humano. Ou, como prefere Jacquard, aqueles não aptos a
compartilharem da “humanitude”, a cultura dos seres humanos.” (Aborto seletivo no Brasil e
os alvarás judiciais).
14.
A justiça não pode olvidar essa realidade. Não se trata de interrupção de gravidez
em razão de eugenia, seletividade ou de sentimentalismo, mas, sim, de circunstância
indiscutível de que o feto não terá sobrevida, porque o feto é subumano ou inumano. Não se
dev olvidar das palavras de Giovanni Berlinguer “o aborto é o desfecho trágico de um conflito
em que estão envolvidos de um lado um ser em formação, do outro as aspirações e
necessidades de uma mulher” (Bioética cotidiana, Editora UnB, tradução de Lavínia
Porciúncula, 2004, p.47). Ora, se não há, em realidade, ser em formação, de um lado, e
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aspirações e necessidades de uma mulher, de outro lado, não há desfecho trágico, não há
portanto, aborto. Expele-se um ser malformado. Expele-se uma patologia.
15.
Mas, admita-se, ad argumentandum tantum, que se cuida da figura do aborto.
16.
Mais uma vez, a solução se acha em nossa ordem jurídica, precisamente em se
respeitarem direitos e princípios constitucionais, que são caros a cada um de nós e a toda a
sociedade: a) saúde; b) liberdade; c) dignidade da pessoa humana. Direitos e princípios
detectados pelo professor Luís Barroso, em sua petição inicial.
17.
Com efeito o artigo 196, da Carta Magna, reza: “a saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.” Se a mulher, em gestação de um feto anencefálico, pode
correr risco de vida, porque, segundo a literatura médica, cerca de cinqüenta por cento desses
fetos têm morte intra-uterina, evidente que o direito à saúde da mulher deve prevalecer. Não
só. Registram hospitais e clínicas o profundo transtorno psicológico de que padece a mulher,
quando aguarda o parto de um ser subumano, sem cérebro, com forma de gente, mas, sem a
essência do humano. È evidente que a gestante, nessas circunstâncias, tem o direito de velar
por sua saúde.
18.
Violam-se, também, dois princípios fundamentais, que dizem respeito à legalidade e
à dignidade da pessoa humana (artigos 1°, III, e 5°, da Lei Máxima).
19.
A ordem jurídica brasileira não impõe a qualquer gestante o dever de manter em seu
ventre um feto anencefálico, porque esse feto não tem potencialidade de vida, porque,
rigorosamente, lhe falta o encéfalo.
20.
Também, haverá desrespeito ao princípio de dignidade da pessoa humana a
imposição à gestante de ter, em seu útero, um feto, durante o tempo normal, exigido para um
parto normal!
21.
O princípio da dignidade da pessoa humana se incorporou à maioria dos textos
constitucionais, em todo o mundo, de forma expressa. Leiam-se os textos constitucionais da
Alemanha de 1949, de Portugal de 1976, da Croácia de 1990, da Bulgária de 1991, da Estônia
de 1992 e tantos outros, mas, detenhámo-nos na Constituição portuguesa de 1976, matriz da
brasileira, que expressa em seu artigo 1°: “Portugal é uma República soberana, baseada na
dignidade da pessoa humana, e na vontade popular e empenhada na construção de uma
sociedade livre, justa e solidária”.
22.
O professor Pietro Alarcón teve a oportunidade de afirmar: “de outro lado, a Carta
Magna de 1988 abriga a dignidade e, nesse sentido a dignidade é bem jurídico a ser
81
guarnecido pelo sistema. Por outra parte, é eixo de interpretação, atravessando o sentido de
constitucionalidade que deve constar em qualquer sentença de juízes e tribunais pátrios. Não
exageramos se dizemos, por esses motivos, que a dignidade da pessoa humana foi erigida a
padrão de referência de todo o arcabouço jurídico brasileiro”(Patrimônio genético humano e
sua proteção na constituição federal de 1988. São Paulo. Método, 2004, p.254).
23.
Efetivamente, o princípio da dignidade da pessoa humana é básico na interpretação
da ordem normativa e serve de luzeiro para desvendar caminhos, que alguns não vêem ou
teimam em não vê-los, sob o enfoque de concepções que, contraditoriamente, negam o
mencionado princípio. À gestante de um feto anencefálico basta que se lhe conceda a eficácia
do princípio da dignidade da pessoa humana. E, para assim agir, basta que se lhe reconheça o
direito de interrupção terapêutica de uma gravidez, marcada pela patologia, que constrange e
perturba a ciência e os homens.
24.
A ação e a liminar, aqui referidas, em verdade, estão a proteger mulheres
desprovidas de recursos financeiros, mulheres pobres, que necessitam ir a juízo, pleiteando
alvará autorizador, porque vão utilizar-se dos serviços públicos de saúde. Aquelas que têm
condições financeiras sabem qual clínica ou qual médico devem procurar, para a prática
interruptiva da gravidez. Não seja a sociedade hipócrita, nem sejam os opositores da liminar
ingênuos...Em conclusão, propomos que esta Col. Casa do advogado, mas, também da
liberdade e do respeito à dignidade da pessoa humana, se manifeste pelo direito de a gestante
interromper, sempre que assim desejar, uma gravidez, onde em gestação se ache um feto
anencefálico, porque o Direito não é, nem pode, ser estático, não é, nem pode, ser
contemplativo de uma realidade que passou, ignorando os avanços da ciência. 100
100
Patrícia Partamian KARAGULIAN. Aborto e legalidade: malformação congênita – São Caetano do
Sul: ed. Yendis, 2007, p.251-252-253-254-255-256.