Paula Januário_2009 PT

Transcrição

Paula Januário_2009 PT
João Ferro Martins
Maximum Volume
David Cronenberg, Crash – autonomia do automóvel na relação com o seu operador.
Sensualidade absolutamente low tech, efeito mecânico no enlace do sofisticado equipamento
de navegação e assistência de condução. Interessa o automóvel enquanto cápsula, enquanto
objecto capaz de acelerar, percorrer espaço físico num intervalo reduzido de tempo, se
destruir violentamente.
Algumas das apreciações que Nicolas Bourriaud acrescenta em Maio deste ano em The
Radicant para a ordenação da produção de arte actual consubstanciam no trabalho de João
Ferro Martins. Referindo-se à estética Radicant menciona “movement, the dynamism of forms
(...) conglomeration of transitory surfaces and forms, that are potentialy movable. (...) hand in
hand with translation as well as with precariousness”1 enquanto valor inerente a uma criação
contemporânea função dos produtos culturais decorrentes da tradição de economia de
consumo. Mais adiante no mesmo ensaio Bourriaud desenvolve quer Movement, quer a
precaridade e fenomenos de transformations, translations, transcodings na pratica artística de
hoje, sendo em muitos artistas distintos fenomenos simultâneos na mesma expressão.
Em JFM avançar a partir da observação dos suportes que utiliza, para que conteúdo
esclarece sobre onde emergem aqueles valores de movement, precariousness e translation, e
também de que forma são pontos de confluência de outras pesquisas singulares da sua
produção.
Cada suporte tem em JFM assumido diversos papeis - quer ante os outros media, quer no
interior das suas condições específicas. O trabalho fotográfico é usado como plataforma de
tematização de preocupações pertencentes ao conjunto alargado da sua produção e não
necessariamente indexadas à fotografia, históricamente amadurecidas em diversas gerações
de artistas numa direcção paradoxalmente desconectada da objectualidade, apesar de
ilusóriamente tão relacionado com o volume físico - e que, “consists in exploding, shattering,
and decomposing the visible, in form and act”2: quando fixa fotograficamente a imagem de
objectos que foram objecto de agressão e destruídas - uma máquina de escrever mecânica;
duas lendárias cãmaras fotográficas, ZENIT E MOSKVA 80, e AGFAMATIC 100; um
saxofone. Mas tematiza também esta Precariousness “of abundant energy, permanent
growth, (...)”3 no interior do processo fotográfico ele mesmo: dois dos objectos destruídos são
exactamente instrumentos de recolha de imagem e mais extremo, em Acidscapes, (2005) e
s/título (2005) quando apresenta a mudança de estado de conservação como fonte de
mudança formal é o estado da própria fotografia (papel) que metamorfoseia a sua cor por
deterioração.
Esta pesquisa, que teóricos como Peter Sloterdijk lêem no contexto dum tempo civilizacional
de louvor à libertação rápida de energia, intensifica-se como apontamento cultural no seu
trabalho escultórico, exactamente quando JFM sublima objectos por combustão ou (e)
destruição: uma guitarra e amplificador queimados (S/ titulo, 2008), uma câmara fotográfica
AFGAMATIC 55 C queimada (Agfamatic 55c, 2007) um contrabaixo baleado por disparos de
caçadeira (S/ titulo, 2008). Tanto quanto parte do trabalho com Hugo Canoilas em A kills B, o
seu registo filia-se em posições artísticas onde também entronca a performance Fluxus, da
acção participada temporalmente única: ”you are born only once, you die only once.
--------------------------------------1 Bourriad, Nicolas, The Radicant, Lukas & Sternberg, Nova Iork, 2007, p.178
2 Ibidem
3 Ibidem, p.177
The most important things happen only once (O)”4 com o coerente dramatismo decorrent: “once you break an expensive piano it can not be put back together. Once you throw water on
the ground you cannot scoop it back up.”5 – é onde Filipa Oliveira vê no trabalho de JFM
“artes plásticas como metapensamento”6. posições artísticas onde também entronca a
performance Fluxus, da acção participada temporalmente única: ”you are born only once, you
die only once. The most important things happen only once (O)”4 com o coerente dramatismo
decorrent: - “once you break an expensive piano it can not be put back together. Once you
throw water on the ground you cannot scoop it back up.”5 – é onde Filipa Oliveira vê no
trabalho de JFM “artes plásticas como metapensamento”6.
Inserido na tendência que Bourriaud mais genericamente denomina de transferism JFM opera
cruzamentos das dimensões sonora, de massa, lumínica - ao atribuir códigos partilháveis por
ordens de valores diferentes, manifestando matérias duma expressão em uma outra: tirar som
duma pedra ou traduzir o som do branco. Em Pintura Radiofónica Azul 587, (2009) a metade
direita do perímetro de uma coluna de som é pintada a azul: “o tom azul da pintura está
compreendido na região dos 587 Hz do espectro cromático”, especifica a ficha técnica. Ou a
peça Soundpierce #2 (2009): um tripé de iluminação, cantante, guarda-chuva, amplificador e
leitor de mp3 apresenta 4 minutos em loop de luz branca em som.
Estão, no processo de Transcoding que JFM opera, transferências que implicam já não
apenas a recodificação do conteúdo transferido, como também o médium ele próprio. Ruído
(2009) é uma sequencia de 5 fotografias do mesmo rosto cuja boca assume cinco expressões
mudas. A transferência de valores performativos para valores potêncialmente sonoros
convoca para além do som e expressão performativa - a fotografia e a performance enquanto
médium - ligadas pelo título da peça – estão envolvidas com o mesmo peso. Esta
transferência é potêncialmente verificável em infinitas combinações entre suportes, p.ex. entre
pintura e música: ADENZA PER CARABINA SOLA, (2008) papel emoldurado em suporte
para alvos perfurado por disparos de carabina
Ao falar na transformação da noção de autoria Nicolas Bourriaud chama momento único
numa infinita cadeia de contribuições 7 à obra de arte que refere obras anteriores de outros
autores. E, mais que a ela mesma, retrospectivamente já àquela que lhe deu origem,
sugerindo uma existência distendida/e dependente do tempo. JFM prolonga este sentido de
não fechamento relativamente a outros autores e trabalhos anteriores: na reformulação das
pinturas mórficas de Robert Delaunay, por exemplo, em Peinture Sonore (Rose), (2009);
Peinture Radiofonique, (Blue 587) (2009). Ou, mais cedo na sua carreira, e/ou mais cedo na
história da arte, em Le Déjeuner sur L´Herbe.
A hierarquia desordenada para a antiguidade inerente à ideia de Contribuição que Bourriaud
aqui apresenta pode ser transposta, em Ferro Martins, também para o suporte (música,
instalação, performance, escultura, pintura, vídeo, fotografia)
--------------------------------------4 Nam June Paik em entrevista a Arata Isozaki, publicada em Asada, Arika, Nam June Paik, The Paint box. Em
Stross, Toni e Kellein, Thones – Nam June paik, Video Time – Video Space. Harry abrams Inc Publishers, Nova
York: 1993
5 Ibidem
6 Olliveira, Filipa – O Som do Pensamento. L+Arte nrº 58, Março de 2009
7 “the art work functions as the temporary terminal of a network of interconnected elements, like a narrative that
extends and reinterprets preceding narratives (O) each work may be inserted into different programs and used
multiple scenarios. The art work is no longer an end point but a simple moment in an infinite chain of contributions.”
Pag 13-14 edição Lukas & Sternberg, Nova York, 2000
e conteúdo transposto (luz, cor, som, matéria, texto músical) no sentido de considerar cada
uma das suas peças uma única, desenrrolada em infinitas cadeias de contribuições. É neste
registo que Sistema (vídeo, 5` 25``2009), plano fixo da transmutação em sequências mórficas
duma massa com qualidades orgânicas e comportamento lento e coerente mas também
quase obsessivo é um momento paradigmático de entre essas contribuições.
Paula Januário 2009

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