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A Lenda do Tesouro das Mercês
Filhos de Belial
~1~
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A Lenda do Tesouro das Mercês
Filhos de Belial
“O lobo é a soma dos cordeiros que comeu. O homem é a
soma dos livros que leu.”
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A Lenda do Tesouro das Mercês
Filhos de Belial
Mark Brunkow
A Lenda do
Tesouro das
Mercês
Filhos de Belial
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A Lenda do Tesouro das Mercês
Filhos de Belial
Fevereiro 2014
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A Lenda do Tesouro das Mercês
Filhos de Belial
Muito Porco
Aquela era uma tarde chuvosa de final de um verão
excepcionalmente quente para os padrões curitibanos
que castigava a velha casa em madeira estilo colonial,
situada no bairro Ahú próximo ao antigo presídio, que
sobrevivia ao tempo e abrigava as gerações que nela
moravam.
Guto sentado no quarto de seu tio, um anexo
afastado da casa com quarto, sala e banheiro, lutava
bravamente para terminar o dever de casa, escrever
sobre a história de sua querida cidade natal, Curitiba.
Adorava ficar ali ouvindo os inúmeros discos de vinil
da coleção de seu tio Paulo além dos mais variados
livros, revistas e fotos antigas trazidas do sebo da
família. Com onze anos e muita energia para gastar, ficar
durante horas focado em uma única tarefa era uma luta
para o garoto.
Johannes Gutenberg Kowlakoski nome esse, que
recebeu em homenagem ao gráfico alemão inventor
da prensa móvel que revolucionou a impressão de livros e
com isso a disseminação da cultura e do saber, mas
apesar de reconhecer e respeitar a homenagem preferia
ser chamado de Guto.
Um polaco típico, cabelos claros escorridos, nariz e
lábios finos pele branca como leite, olhos verdes, magro
feito vara de virar tripa, mas um garoto bonito
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A Lenda do Tesouro das Mercês
Filhos de Belial
extremamente inteligente e um atleta nato, campeão de
natação e corrida várias vezes do Colégio Estadual do
Paraná onde estudava.
Continuava a labuta contra os livros de história em
sua frente quando ouve movimentos apressados, que
fugiam da chuva, vindos de fora.
- Há! – chuva chata. - Você esta aí cabeça de
pudim! – sorrindo para o garoto enquanto tentava se
secar.
- Oi tio Paulo! – sem muito entusiasmo.
- O que foi piá? O que você esta fazendo com tanto
ânimo? – sorrindo vendo a expressão sofrida do garoto.
- Tenho que entregar um trabalho sobre a história
de Curitiba, já que está próximo o aniversário da cidade,
mas história é muito chata! Ainda mais história de
Curitiba não aconteceu nada de interessante nesta
cidade. – com as mãos na cabeça que esta caída sobre a
mesa dramaticamente.
- Deixa eu dar uma olhada nisso aí. – com as poucas
linhas, apesar do tempo em que estava ali, que o garoto
escreveu até então nas mãos.
Paulo era um homem alto, cerca de cinquenta anos
que aparentava menos, magro, cabelos sempre
despenteados, movimentos sempre apressados e
irrequietos, conhecido no meio literário por ser um
grande restaurador de livros raros, profissão e paixão que
aprendeu com o pai e que dividia com seu irmão em um
sebo que mantinham no centro da cidade, o que
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A Lenda do Tesouro das Mercês
Filhos de Belial
infelizmente não rendia muito dinheiro e o pouco que
conseguia gastava tudo em pesquisas e viagens
históricas.
Um
apaixonado
por
história,
mas
principalmente pela história da capital paranaense.
Interessado lê.
“Curitiba é a capital do Paraná e foi fundada em
vinte e nove de março de mil seiscentos e noventa e três
e tem seu marco zero na Praça Tiradentes, o significado
de seu nome é uma palavra de origem Tupi Guarani: kur
yt yba que quer dizer "grande quantidade de pinheiros,
pinheiral", na linguagem dos índios, primeiros habitantes
do território. Seu clima...”.
- Credo! O que estão ensinado para vocês! Isto é um
absurdo! Não me admiro que você não goste de história.
– com os olhos arregalados e cara de espanto.
- Qual o problema tio? Esta tudo aqui nos livros!
Curitiba deve ter a história mais chata do mundo inteiro!
- Não é nada disso, a história de nossa cidade é
muito rica e cheia de mistérios, lendas e segredos.
Curitiba não foi fundada em mil seiscentos e noventa e
três, essa foi à data da criação da Câmara Municipal e
seu marco não foi na Praça Tiradentes! Senhor da
Galiléia! – andando de um lado para o outro do quarto
com as mãos na cabeça.
- Não? Então como foi tio? Os livros estão errados? –
olhando sério para ele.
- Como mudar o mundo se nem conhecemos nossas
raízes. Temos o dever de conhecer nossa história, pois
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A Lenda do Tesouro das Mercês
Filhos de Belial
somente assim daremos valor ao nosso futuro. A
importância de Curitiba para o Brasil já ficou tempo
demasiado ignorado. Vou contar a verdade para você, vai
anotando isso para mostra para sua professora e seus
colegas.
Curitiba foi povoada em quatro de julho de mil
seiscentos e trinta e nove e não em mil seiscentos e
noventa e três como dizem os livros, eu mesmo fui até a
Torre do Tombo em Portugal e peguei os documentos que
comprovam isso, ou seja, Curitiba é cinquenta e quatro
anos mais velha do que dizem.
- E o que importa ela ser mais velha? Ninguém gosta
de ficar mais velho, todo mundo gosta de ser mais novo!
Qual a importância disso? – o garoto zombando.
- QUAL A IMPORTÂNCIA DISSO! A piá bocó! – sorrindo
nervosamente com as mãos na cabeça como se fosse
arrancar os cabelos. - A IMPORTÂNCIA É TOTAL! Esse
simples fato faz com que Curitiba tenha sido a primeira
cidade portuguesa a ser fundada em território espanhol,
afinal segundo o tratado de Tordesilhas, Portugal tinha
somente uma pequena parte do litoral, e esse foi o
motivo principal para que houvesse a revogação do
tratado, e com isso o Brasil teve sua expansão territorial,
ou seja, graças a nós, Curitiba, que hoje temos Mato
Grosso do Sul, Goiás, Amazonas e o Rio Grande do Sul. E
tudo isso esta documentado, preto no branco.
- Nossa sério? – agora interessado.
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Filhos de Belial
- Pois é, por isso é tão importante conhecer sua real
história, somente assim entendemos nosso valor. Outro
erro histórico! Curitiba não foi fundada na Praça
Tiradentes e sim no Bairro Alto as margens do rio Atuba,
pois foi onde os colonizadores portugueses fundaram a
“Vilinha” para poder garimpar ouro no primeiro planalto.
- E o nome Curitiba de onde vem? O que significa?
- Mais uma vez os livros dizem que a origem do
nome da cidade é a de que este derivaria da expressão
indígena "curi'i ty(b) ba", que em língua tupi significa
"muito pinhão", mas a realidade é outra um pouco mais
constrangedora e nossos historiadores preferiram mudar
um pouco. – sorrindo malicioso.
Quando os portugueses chegaram aqui depois de
longa caminhada estavam muito sujos e cansados e
digamos que não eram um modelo de higiene pessoal, o
que contrastava bastante com os índios que eram muito
asseados. Então quando os índios olhavam para os
portugueses e seus hábitos pouco higiênicos diziam Core
Tyba, Core Tyba.
Em tupi “core” é porco e “tyba” é muito, ou seja,
muito porco. Os índios achavam os portugueses muito
porcos, sem higiene e os portugueses sem entender
achavam que esse era o nome do local onde estavam e
passaram a chamar o local de CoreTyba que mais tarde
para ficar menos constrangedor passou para Curitiba.
- Capaz! Os índios estavam xingando os
portugueses! – rindo muito.
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- A história tem muito disso meu sobrinho. – rindo. Mas a verdade é que Curitiba foi muito importante para a
identidade do Brasil, para você ter ideia quem fundou a
cidade de Santa Maria no Rio grande do Sul foram
colonizadores curitibanos saídos do bairro Batel, a cidade
de Passo Fundo foram colonizadores curitibanos saídos da
região onde hoje está o bairro Uberaba e tudo isso está
documentado! Esta na hora de termos nosso valor
reconhecido.
- Você sabia que a Universidade Federal do
Paraná (UFPR) é a mais antiga instituição de ensino com
concepção de universidade do Brasil?
- Nossa! – espantado.
- Pois é, não foi no Rio de Janeiro, não foi em São
Paulo foi aqui em Curitiba. E tem mais, você sabia que
Curitiba já foi capital do Brasil? Todo mundo acha que
somente Salvador, Rio de Janeiro e depois Brasília foram
capitais do Brasil, mas não, Curitiba também já foi
capital do Brasil e isso aconteceu em mil novecentos e
sessenta e nove, de vinte e quatro a vinte sete de março,
quando o presidente Costa e Silva transferiu a capital
para cá. É verdade que por conta da ditadura e por uma
ajudinha da primeira dama dona Iolanda que era
curitibana o que não muda o fato e a importância
histórica.
Outra curiosidade, você sabia que a primeira
mulher a realizar um voo de balão em território
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Filhos de Belial
brasileiro
aconteceu
aqui
em
Curitiba,
mas
especificamente no Passeio Público?
- Tá Bom? – incrédulo.
- Verdade! – com os olhos arregalados - No dia vinte
e um de abril de mil novecentos e nove a espanhola
Maria Aida levantou voo do Passeio Público e acabou
caindo na torre da Catedral Basílica de Curitiba.
Quando o balão tomou aquela direção, Maria
mostrando sangue frio deixou-se cair no telhado da
igreja, escorregando num tobogã de telhões de cobre,
descendo pela claraboia e percorrendo a parte interior
do telhado até chegar às escadas da torre ocidental.
Após o resgate, a responsável pelo feito inédito foi
aclamada pela população que acompanhava o
acontecimento. O balão Granada foi inflado com ar
quente pela queima de gravetos e atingiu um voo de
praticamente mil metros, 970 metros para ser mais
exato.
- Que legal! Porque nada disso é contado? – surpreso
e agora interessado.
- Como diz o ditado, santo de casa não faz milagre.
Temos o péssimo hábito de não procurar e nem se
interessar por nossas raízes. Nos preocupamos muito com
a forma e esquecemos que o que importa é o conteúdo.
Nossa cidade é cheia de história e história é vida
contada.
Ouvem passos vindo apressados.
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Filhos de Belial
- Olá rapazes trouxe um bolo de fubá, cuque de
banana caturra e gasosa de gengibirra. – a mãe de Guto
sorrindo com uma bandeja nas mãos seguida de perto
pelo pai do rapaz.
- Que maravilha piá! Vamos limpar a mesa para sua
mãe colocar as guloseimas. – Paulo esfregando as mãos.
- Terminou seu trabalho da escola Guto? – pergunta
Norberto pai de Guto.
- Quase pai, o tio Paulo esta me ajudando bastante.
Norberto era alto moreno cabelos bem arrumados
sempre penteados, o oposto de seu irmão. Curitibano
típico, fisionomia sempre séria o que fazia com que a
primeira vista o considerassem antipático o que logo era
desmentido assim que lhe conheciam melhor.
Já Solange era uma mulher bonita olhos verdes,
pela clara, corpo esbelto temperamento tranquilo. Olha
desconfiada para Paulo com ar de desaprovação fala.
- Você não esta enchendo ele com suas teorias de
tesouros e piratas não é Paulo?
- Que é isso Solange, você sabe que não são teorias,
são fatos! – com o dedo em riste. E a propósito seu cuque
como sempre esta delicioso, mas confesso que prefiro
um bom lêitE quêntE para acompanhar, pois as vezes
gasosa me da piriri. – sorrindo com a mão na barriga.
Norberto com um enorme pedaço de bolo de fubá
na boca tenta falar.
- Não vai encher a cabeça do piá de caraminholas
Paulo. Ele tem que ter uma boa educação para passar no
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Filhos de Belial
vestibular e entrar na Federal. Vai se formar engenheiro
ou médico e não terá uma vida sofrida como a nossa. –
olhando para o filho.
- O mundo já esta cheio de engenheiro e médicos
meu irmão. Precisamos de livres pensadores de
inspiradores de mudanças e não de mais burocratas
burgueses. Papai ficaria surpreso em lhe ouvir falar
assim. – com olhar reprovador ao irmão.
- E veja no que isso levou papai e sua busca por
lendas de tesouros enterrados inexistentes. Uma casa
caindo aos pedaços e um Sebo que mal conseguimos
manter. – irritado.
Solange sabendo onde isso levaria tenta intervir.
- Meninos vocês não vão começar com esta história
de novo!
Os irmãos se olham e sorriem.
- Tem razão querida, vamos aproveitar este
delicioso bolo.
Guto interrompe sério.
- Ei que história é essa de tesouro enterrado? –
olhando para todos interessado.
Todos se olham e sorriem.
- Seu tio e seu avô acreditam que existe um tesouro
enterrado nas Ruínas de São Francisco no Largo da
Ordem. Tesouro este de um pirata inglês chamado
Zulmiro. – Norberto rindo zombeteiramente.
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Filhos de Belial
Acostumando com o escárnio do irmão e de todos
que conheciam a história da família Paulo já não mais
ligava.
- Conte para ele Paulo suas teorias. – fala Norberto
sorrindo e fazendo voz de assombro.
- Não são teorias meu irmão e você sabe muito bem
disso.
- O que eu sei meu irmão é que isso levou nosso pai
à ruína e você vai no mesmo caminho. – agora irritado.
- Já chega! Vamos deixar os dois em paz Norberto.
Venha comigo preciso de ajuda com os acolchoados,
preciso tira-los do armário acho que logo voltaremos ao
clima normal de nossa cidade. – Solange agarra o marido
que sai, mas não sem antes abocanhar mais uma fatia do
bolo de fubá.
- Daí tio Paulo que história é essa de piratas e
tesouros? – animado.
- Ué? Não foi você que disse que história era chata?
– sorrindo.
- Não este tipo de história né!
- Pelo visto conseguimos mais um para as
trincheiras pai. – Paulo sorrindo olhando saudosamente
para a foto do pai no bidê ao lado da cama.
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Filhos de Belial
Sun Mirror
Guto não cabia mais em si de tanta curiosidade
sobre a tal história de um tesouro enterrado em Curitiba,
como poderia imaginar que sua cidade natal, que ele
considerava tão chata, pudesse esconder tamanho
segredo.
Para seu desespero Paulo teve um rápido piriri
causado pela grande ingestão de cuque de banana e
gasosa de gengibira e estava no banheiro impossibilitado
de lhe contar a história. Sentado na porta do banheiro
Guto azucrina o tio para que termine o relato.
- Pronto tio?
- Não.
Alguns segundos depois.
- Pronto?
- NÃO!
Alguns minutos depois.
- E agora, pronto?
- AINDA NÃO!
- Quer alguma coisa pra ajudar?
- NÃOOO!
Mais alguns minutos depois.
- Tem certeza?
- TENHOOOO!
- E agora, pronto?
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- NÃOO!
- Pô! Mas tá loco, ta entupido...
- Pronto piá xarope! – saindo do banheiro.
- Lavou as mãos? – olhando e rindo para o tio.
- Ó piá, te dou uma bocuva. – com a mão em riste
sorrindo.
- Então que história é essa de tesouro pirata e tal? –
muito animado.
- Quanto interesse por história! Para quem disse
que era chato! – fazendo cara de tédio.
- Esse tipo de história é legal.
- Ok, vamos lá.
Assim como muitas cidades Curitiba tem várias
lendas urbanas entre elas a da loira fantasma, a da moça
da mansão do Batel, a da grávida da Praça da Ucrânia
entre tantas outras, mas a mais curiosa sem dúvida é a
do pirata Zulmiro.
Reza a lenda que um pirata inglês viveu em Curitiba
entre mil oitocentos e vinte e mil oitocentos e oitenta no
que hoje é o bairro das Mercês, provavelmente no
Bosque Gutierrez e que ele foi deserdado da marinha
britânica após “confiscar” um navio espanhol com uma
carga de ouro e prata, e que, por isso, veio se esconder
em Curitiba.
Conta ainda à lenda que para isso ele teve ajuda
dos jesuítas, não se sabe ao certo o motivo, que teriam
construído uma fortaleza subterrânea com quatro
entradas que se conectavam em uma sala central que
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levava a várias saídas. E que nesses caminhos existiam
galerias menores, com pequenas salas e compartimentos
apropriados para esconder os tesouros e com vários
túneis que iam do bairro das Mercês até as ruínas de São
Francisco no Largo da Ordem no centro.
Mas como toda lenda com um pouco de bom senso e
atenção encontram se vários problemas em sua
credibilidade. Por exemplo, o fato de o pirata ter vivido
entre mil oitocentos e vinte e mil oitocentos e oitenta
em Curitiba e ter tido ajuda dos jesuítas para construir
os túneis, só que os jesuítas foram expulsos do Brasil em
mil setecentos e cinquenta e nove devido à reforma
pombalina, ou seja, eles não poderiam ter construído os
túneis. E porque um pirata inglês teria o nome de
Zulmiro?
Isso é o que diz a lenda, mas muitas vezes as lendas
nada mais são do que versões contadas muitas e muitas
vezes de um fato verdadeiro que com o tempo vai
perdendo sua veracidade e sendo substituída pela
fantasia. E assim seria para nossa família também, se
não fosse um capricho do destino.
Uma noite quando seu avô estava prestes a fechar o
Sebo remexia em alguns documentos oficiais que recebeu
da Câmara Municipal para restaurar quando esbarrou em
uma carta do rei de Portugal Dom João V datada no dia
vinte e sete de setembro de mil setecentos e vinte e
dois.
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Nesta carta sua alteza está oferecendo metade da
riqueza, em ouro e prata rapinada das Índias de Castela,
contida em um navio pirata naufragado em Paranaguá, a
quem conseguisse resgatá-la. Pela data, ele devia estar
falando do navio pirata francês “Louise”, que afundou
em mil setecentos e dezoito próximo à Ilha de Cotinga,
no litoral parnanguara, após uma encarniçada batalha
com um galeão, de bandeira inglesa, sob o comando do
capitão William Sun Mirror.
Este fato despertou a curiosidade de seu avô e
sendo um grande conhecedor das lendas e histórias da
cidade imediatamente começou uma pesquisa severa
sobre o assunto. Passou anos pesquisando e descobriu
que a lenda do Pirata Zulmiro poderia não ser assim tão
lenda afinal.
Seu avô foi onde hoje existe o Bosque Gutierrez nas
Mercês onde havia uma velha casa de madeira
abandonada que segundo relatos foi utilizada como
hospital para leprosos pelos jesuítas. Nas ruínas
descobriu no porão da casa um alçapão que dava acesso
a um túnel. Logo depois de abrir o alçapão, apareciam
escadas que davam acesso a uma passagem estreita.
Andando pouco mais de dois metros, ele chegou a
uma sala maior que tinha cerca de três por cinco metros
onde era possível ficar em pé. Ali encontrou espécies de
prateleiras e o que parecia ser um fogão a lenha.
A técnica construtiva usada no túnel era
impressionante, as paredes e o teto eram feitos de tijolo
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maciço. Todo o teto acompanhava o formato de
abóbadas, parecido com o do reservatório de água São
Francisco, o que comprova que quem construiu sabia o
que estava fazendo.
Logo depois da sala subterrânea havia mais um
pedaço pequeno de corredor, este com tijolos
aparentemente mais novos e uma parede bloqueando a
passagem. Seu avô era extremamente metódico fez até
um infográfico com fotos que tirou no local que estão
aqui no meu diário de campo, vou mostrar.
Pega um pasta em couro surrado marrom e retira de
dentro um livro com capa também em couro com várias
anotações.
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Se ele encontrou esta entrada para o túnel
significava que as outras três também devem existir. Esta
parte da lenda então é real, mas e o tal pirata Zulmiro?
Contada de boca em boca o nome do capitão Sun
Mirror foi sendo simplificado e abrasileirado e passou a
ser chamado de Zul Mirror e mais tarde ainda Zulmiro.
Em relação à construção dos túneis pelos jesuítas
agora fazia sentido, a carta do rei comprovava que o
navio naufragou em mil setecentos e dezoito e os
jesuítas ainda estavam no Brasil e poderiam ter
realmente construído uma fortaleza subterrânea,
somente o motivo pelo qual eles ajudariam um pirata
ainda continuava um mistério.
- Capaz tio! – Guto esta fascinado com o relato.
- Pois é piá, A LENDA É VERDADEIRA! Seu avo
encontrou até mesmo um selo que foi emitido em mil
novecentos e sessenta e oito em comemoração à
pesquisa histórica sobre o naufrágio na Ilha de Cotinga.
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Cada vez mais Guto ficava interessado no assunto.
- E então tio o que aconteceu? – com os olhos
arregalados de excitação.
- Infelizmente seu avô sofreu aquele estúpido
acidente de carro e faleceu antes de concluir sua
pesquisa. Ele acreditava que achando este tesouro
enterrado isso traria visibilidade para Curitiba afinal é
nossa história. Foi então que decidi continuar seu
trabalho de pesquisa.
- E o que o senhor encontrou? Conseguiu encontrar
alguma outra entrada para os túneis. – com os olhos
arregalados.
- Ainda não, mas assim que encontrar algo prometo
que você será o primeiro a ficar sabendo. – sorrindo.
- Posso ajudar?
- Claro que sim! Continue estudando e sempre
mantenha a mente aberta para novas descobertas e
novas possibilidades. Siga seu coração e seus sonhos a
despeito do que vão falar. Lembre-se sempre que o
mundo precisa de sonhadores. Tudo que existe, antes
existiu na imaginação de alguém para somente depois se
tornar realidade. Agora chega de lendas por enquanto
vamos nos divertir um pouco afinal somente trabalho
sem diversão faz de você um bobão! – sorrindo.
- Há! – desapontado.
- Agora vamos conversar com o Rei Roberto!
Paulo segue até sua vitrola, pega um LP de Roberto
Carlos, aumenta o volume e sai dançando pelo quarto,
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acompanhado por Guto, imaginado tudo que poderia
fazer quando encontrasse o tesouro enterrado. Como
todo o escárnio e desprezo que ele e seu pai passaram,
até mesmo por seus familiares, durante todos aqueles
anos seriam vingados. Como a descoberta deste tesouro
seria boa para cidade. Imaginava até mesmo uma rota
turística do Tesouro das Mercês.
O que não sabia era que quanto mais perto se chega
de um tesouro mais cobiça desperta nos outros e que ele
não estava só nesta busca e que acabaria encontrando
um segredo muito mais perigoso do que esperava e que
este fato acabaria com sua busca de maneira trágica.
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O Atleta a Sinesteta e o Gênio
A manhã estava linda, gloriosamente ensolarada e
tudo que denunciava a noite chuvosa eram pequenas
poças de água que se acumulavam nas irregulares
calçadas.
Guto caminha apressado para o Colégio Estadual do
Paraná que na época da sua entrega ao público em vinte
e nove de março de mil novecentos e cinquenta, era
considerado não só o maior colégio da América do Sul,
como também o mais moderno, em função dos recursos
educacionais e administrativos de que era dotado e que
devido à incompetência e desinteresse dos governantes
já não tinha esse posto.
Enquanto caminhava em direção ao colégio Guto já
não mais prestava atenção à beleza do Passeio Público
ou ao Memorial Árabe em formato de cubo localizado
sobre um espelho d’a água com sua arquitetura marcante
– com arcos, colunas, vitrais e a abóboda – que
homenageia os povos do Oriente Médio.
O garoto não via a hora de comunicar a seus
melhores e fiéis amigos, Túlio e Mariana, as descobertas
da noite anterior. Um tesouro, piratas, túneis escondidos
sua imaginação fervia e o mais importante tudo real
comprovado por fatos, documentos como a carta do rei
etc. Apressa o passo e avista os colegas.
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Túlio mais baixo que Guto, um pouco acima do peso
ideal era um “nerd clássico”, conhecedor de todos os
mais novos e atuais dispositivos eletrônicos. Possuidor de
memória
eidética,
popularmente
conhecida
como memória fotográfica, tinha a capacidade de
lembrar de coisas ouvidas e vistas, com um nível de
detalhe quase perfeito, isso somada a uma constante
necessidade de falar sobre tudo e uma ligeira confusão
sobre o que se lembrava, lhe rendeu o apelido entre seus
colegas de Wikipédia ou somente “Wiki”.
Um típico filho da miscelânea étnica brasileira, pele
negra,
“cabelos
pixaim”
herdados
do
pai
afrodescendente vindo de Salvador na Bahia em busca de
trabalho no sul. Já seus olhos extremamente verdes,
lábios finos e fisionomia delicada, estes denunciavam a
herança de sua mãe uma típica polaca da colônia Muricy.
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Já Mariana era uma flor do oriente. Nascida em
Maringá vindo morar na capital ainda bebê, traços
nipônicos, olhos amendoados levemente puxados,
cabelos negros lisos e longos frutos da mistura de sua
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mãe japonesa e pai descendente de alemães, de
personalidade forte, mas meiga.
Aos seis anos foi diagnostica como sendo sinesteta.
A sinestesia é um distúrbio neurológico que faz com que
o estímulo de um sentido cause reações em outro,
criando uma salada sensorial entre visão, olfato,
audição, paladar e tato. Por exemplo, para um sinesteta,
o número cinco pode ser sempre verde, a segunda-feira
ter gosto adocicado e um solo de guitarra produzir
imagens de bolhas fosforescentes!
Eddie Van Halen guitarrista e fundador da banda
Van Halen, por exemplo, usou o dom de ver notas
musicais coloridas para criar a “nota marrom” usada em
discos da banda.
Mas ser diferente, fugir aos padrões sempre é
complicado, sempre causa desconforto àqueles ditos
“normais” e essa particularidade não tornava Mariana
muito popular entre os demais colegas da escola que a
consideravam esquisita.
O que não lhe incomodava, pois acreditava que isso
lhe tornava única e o que realmente lhe importava era a
forte amizade com Guto e Túlio.
Um atleta nato, uma sinesteta e um gênio
atrapalhado uma incomum união de seres que apenas
queriam o que todos buscamos em nossa jornada na
terra. Serem respeitados como indivíduos, mas aceitos
em sociedade. Todos cheios de sonhos e esperanças
buscando a felicidade.
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Filhos de Belial
Como de costume sentado nas escadas esperando
Guto estão Túlio e Mariana.
- Bom Dia flor do Dia! – fala Mariana sorrindo para
Guto com os braços abertos para abraça-lo.
- Porque demorou piá? – pergunta Wiki.
- Bom dia piazada. - suspira cansado. - Tá loco! O
alimentador atrasou daí quando cheguei no terminal
estava um caos, mas consegui pegar o bi-articulado, mas
daí estavam arrumando a canaleta então tive que descer
dois tubos antes e vim correndo.
- Fez o trabalho sobre Curitiba? – pergunta Mariana.
- Nem te conto guria. Fiz, ficou massa! Meu tio me
contou um monte de coisa massa sobre a cidade, e eu
que achava que Curitiba era chata!
- Vai ser oral, a apresentação do trabalho, sabia? –
Wiki acrescenta.
- Sério? – Guto chateado.
- Pois é, sofrimento nunca é o bastante. Mas como
vai seu tio, faz tempo que eu não o vejo? – Mariana com
a mão no ombro de Guto.
- Maluco como sempre, mas agora eu o vejo pouco
ele esta fazendo muita pesquisa. – sorrindo.
Mariana Guto e Túlio estavam juntos desde a
primeira série do ensino fundamental cresciam juntos
dividindo a melhor época de suas vidas com todas as
surpresas e descobertas. Mariana pergunta.
- E as charadas ele continua fazendo? Nossa eu
adorava descobrir as charadas que ele fazia, lembra?
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Filhos de Belial
Sempre com referências à música. E aquele código que
ele inventou como era mesmo, um traço equivale a uma
linha na música, uma bola a uma estrofe. Muito louco.
Nós passávamos horas decifrando pistas, às vezes, para
encontrar uma barra de chocolate – sorrindo.
- É mesmo era legal, ele dizia que isso abriria nossa
paixão pela procura do conhecimento, que isso nos
despertaria à vontade de encontrar verdadeiros tesouros.
Mas então jacuzão o que teu tio te contou e o que ele
pesquisa tanto? – fala Wiki sorrindo.
Guto passa a relatar detalhadamente cada
informação que recebeu de seu tio o que era ouvido
avidamente por seus colegas até que são interrompidos a
entrar por um monitor que estava à espera dos alunos
para iniciar as aulas.
Como sempre as horas demoraram a passar, se
arrastam em longo e sofrido tormento, afinal um ensino
que prestigia o acúmulo de informação ao invés da
descoberta do conhecimento só pode gerar tédio.
A utilização em massa da pedagogia bancária onde
os alunos não passam de bancos onde se depositam
informações muitas vezes sem relevância concreta para a
vida diária e que nunca mais serão vistas onde a
decoreba é a chave para o sucesso.
Salas de aulas que mais lembram fábricas onde os
alunos são doutrinados a serem operários, carteiras
enfileiradas umas atrás das outras como postos de
trabalho, um supervisor, o professor, em sua frente
~ 29 ~
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Filhos de Belial
controlando seus movimentos, tendo horários para
entrar, descansar, comer até mesmo para ir ao banheiro
necessitam de permissão.
Uma educação voltada apenas à preparação ao
vestibular, uma educação que não gera conhecimento
vontade de aprender de descobrir por seu esforço.
Gerações e gerações podadas de seu potencial criativo
para se enquadrar em uma sociedade consumista e
hipócrita.
Finalmente o sinal toca como em uma fábrica
indicando a liberdade. Como pássaros engaiolados as
crianças correm para fora da escola quando deveriam ter
a vontade de fazer o contrário.
Os três amigos saem em silêncio, um silêncio
cerimonioso como em um velório. Caminham durante
algum tempo assim, quando Mariana fala para quebrar o
gelo.
-Não ligue para o que a professora falou. Eu achei
bem interessante seu trabalho. Talvez você devesse ter
omitido a parte do pirata e tal – falando para Guto.
- Claro que não! Essa foi a melhor parte. Assim
como o nome da cidade, CoreTyba, muito porco – fala
Wiki rindo.
Guto balança a cabeça preocupado.
- Mas e agora além de me dar zero ainda vão
chamar meus pais pra conversar! – Guto inconsolável.
- Não esquenta teu tio resolve isso ele sempre tem
um jeito pra tudo. – fala Mariana.
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Filhos de Belial
- Olha um carrinho de cachorro quêntE! Vamos até
lá estou com muita fome e hoje minha mãe não esta em
casa. – Wiki apontando para frente.
Guto se anima um pouco.
- Tem razão meu tio avisou que isso poderia
acontecer, as pessoas não querem ver a verdade. –
sorrindo.
Já no carrinho de cachorro quente Wiki pede um
com duas vinas, vinagrete, muita batata palha, farofa,
tomate, cebola, queijo catupiri e frisando para o rapaz
que preparava o lanche, tudo prensado.
- Onde cabe tudo isso Wiki? – fala Mariana com cara
de espanto.
Após todos estarem servidos com seus lanches Guto
fala.
- Vamos sentar ali na praça do homem nu para
podermos comer.
Após se despedir dos amigos Guto vai até o sebo da
família situado na Rua Visconde do Rio Branco próximo a
Rua Vinte e quatro horas para poder falar com seu tio e
pedir
ajuda
sobre
os
recém
e afortunados
acontecimentos já que ele tinha grande parcela de culpa
no episódio.
Adorava aquele lugar uma casa antiga reformada
para dar lugar a um mundo de fantasia e conhecimento
que passava de geração para geração de sua família.
Várias prateleiras cheias de livros, discos de vinil, fotos,
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documentos, pessoas em busca de coisas que para muitos
já não tinham valor, mas ali readquiram seu potencial.
Procura por seu tio e não encontra.
- Oi pai, viu o tio Paulo?
- Oi picareta, já chegou da aula! – sorrindo. - Seu
tio foi viajar. Apareceu um sujeito esquisito, como
sempre são os que procuram seu tio ultimamente e lhe
ofereceu um trabalho fora do país. Seu tio impulsivo
como sempre aceitou, arrumou as malas e foi hoje
mesmo.
Guto fica perplexo.
- Trabalho no que? E onde? Ele nem disse tchau! cabisbaixo.
- Sabe como é seu tio, imprevisível. Só espero que
não tenha nada a ver com aquelas maluquices de tesouro
dele. – balançando a cabeça negativamente. - Ele deixou
uma carta para você. Aqui esta.
Era uma carta bem ao estilo de seu tio, toda escrita
com as letras das músicas Carry On Wayward Son do
Kansas, Simple Man do Lynyrd Skynyrd, Blowin' in the
Wind de Bob Dylan e encerrando com poemas de Paulo
Leminsk.
Guto,
Continue meu filho desobediente Haverá paz quando você estiver
terminado coloque sua cabeça cansada para descansar e escute com
atenção o que eu digo. E se você fizer isto irá lhe ajudar em algum
~ 32 ~
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belo dia. Não tenha pressa... Não viva rápido demais Dificuldades
virão e passarão. Encontre uma mulher e encontrará amor, E não
esqueça filho, há Alguém lá em cima. Esqueça seu desejo pelo ouro
do homem rico Tudo aquilo que você precisa está em sua alma, E
seja um tipo simples de homem. Seja algo que você ame e entenda.
Quantas estradas precisará um homem andar Antes que possam
chamá-lo de um homem? Sim e quantos anos podem algumas
pessoas existir Até que sejam permitidas a serem livres? A resposta
meu amigo está soprando no vento A resposta está soprando no
vento. No fundo, no fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria de
ver nossos problemas resolvidos por decreto a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio é considerada nula e sobre ela silêncio
perpétuo extinto por lei todo o remorso, maldito seja quem olhar
pra trás, lá pra trás não há nada, e nada mais, mas problemas não
se resolvem, problemas têm família grande, e aos domingos saem
todos passear o problema, sua senhora e outros pequenos
probleminhas. Não discuto com o destino o que pintar eu assino!
E lembre-se sempre, Seja um ser humano bom!
De seu tio Paulo.
Guto relutava em acreditar. O que poderia fazer
seu tio ir embora assim tão repentinamente e aquela
carta, uma carta de despedida, ele estaria pressentido
algo ruim? Por mais que tentasse entender Guto não
conseguia, pelo menos ainda não. Mas a realidade era
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que aquela era a última notícia que teve de seu tio e que
passariam um longo tempo antes de ter outra.
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Filhos de Belial
Cinzas em Long Play
O tempo não existe concretamente, mas nós seres
humanos temos a necessidade de controlar tudo, então
criamos padrões e convenções para poder medir e
organizar nossas vidas. Anos com doze meses, semanas
com sete dias, dias com vinte e quatro horas, horas com
sessenta segundos. Mas em realidade o tempo não passa,
não vai rápido ou devagar ele apenas flui como um rio
em direção ao mar, assim como nossas vidas.
Tudo teoria, pois na pratica quando estamos
esperando por alguém, quando é a saudade que manda,
ai sim sabemos dar valor a cada minuto, segundo que
esperamos.
Três longos anos se passaram sem que nem Guto ou
qualquer membro de sua família tivesse notícias de seu
tio Paulo. E quando elas chegaram foram as piores
possíveis.
Guto e Túlio estão no quarto que pertencia a seu
tio e que depois de sua partida passou a pertencer a ele,
o que não era nada anormal já que o rapaz ficava mais
ali do que em qualquer outro cômodo da casa.
Agora com catorze anos Guto estava virando um
belo rapaz assim como Túlio que apesar de continuar
acima do peso, ficava ainda mais inteligente.
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Amadureciam e tornavam-se mais responsáveis iam
deixando para trás os prazeres da infância para entrar
nas descobertas e sofrimentos da adolescência.
As mudanças eram evidentes em seus corpos assim
como em seus interesses. Guto crescia e mudava
fisicamente assim como via seu interesse por Mariana
também crescer e mudar. Estava confuso com o que
sentia e tinha medo de não ser correspondido e
procurava conselhos em seu melhor, mas nem por isso
mais sábio, amigo Wiki, basicamente um cego guiando a
outro nos tortuosos caminhos do amor.
- Então Wiki... O que você acha da Mariana? –
pergunta constrangido tentado disfarçar suas intenções.
- Mariana? Sei lá. Legal. – sem dar muita atenção
enquanto verifica mensagens em seu smartphone.
- É legal... – olhando para baixo- Mas sei lá, você a
acha bonita?
- Bonita? Acho que sim. Não sei! Nunca pensei nela
dessa ... – para de mexer em seu telefone e olha sério
para Guto.
Guto percebendo o olhar intrigado do amigo
ruboriza.
- O que? Só perguntei por que outro dia ouvi uns
piás falando dela. – visivelmente desconfortável.
- Uns piás é? O que esta rolando? – olhando de lado
com a sobrancelha esquerda levantada.
- NADA! – olhando para baixo encabulado.
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- Você gosta dela! – apontando o dedo
intimidadoramente e rindo.
- Não é nada disso piá! Deixa de ser lokE! – rindo
sem graça e empurrando a mão de Túlio para longe.
- Gosta SIM! – rindo.
- A cala boca Mané! - sem graça.
Túlio assume uma postura séria e fala.
- Não piá! Massa! Eu sempre soube que vocês
acabariam juntos. Acho que ela gosta de você também. –
olhando malicioso.
- Sério? – com os olhos arregalados. – Ela falou
alguma coisa? – esperançoso.
- Não bocó! Como vou saber isso. Mas você gosta
dela, eu sabia! – rindo zombeteiramente.
- Seu mané. – empurrando Túlio.
- Mas falando sério agora piá. Fala com ela. A gêntE
se conhece a tanto tempo.
- Esse é o problema! E se ela não quiser nada
comigo, aí fico sem namorada e ainda perco a amiga. –
desolado.
- Ué piá, vai ter que arriscar. - dando de ombros.
- Sei lá, acho melhor deixar por isso mesmo por
enquanto. – frustrado.
- Quer que eu fale com ela? – entusiasmado, quase
implorando confirmação.
- NÃO PIÁ! Você tem que prometer que não vai
dizer nada. FALO SÉRIO WIKI! – olhando fixo para o
amigo.
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- Calma, calma. - com as mãos para cima – Prometo
que não digo uma palavra.
- Valeu!
Um silêncio constrangedor seguiu durante alguns
minutos então Túlio fala.
- Já posso até ver um monte de japonesinho polaco
correndo por aqui, gritando tio Wiki, tio Wiki! – enquanto
sai correndo e rindo descaradamente.
Enquanto corria atrás de Túlio, Guto passa sob a
janela da sala e escuta sua mãe que estava ao telefone.
Percebe que algo não estava certo.
- Aí MEU DEUS! – chorando.
Um calafrio percorre a espinha de Guto e a primeira
coisa que vem em sua mente é seu tio Paulo! Corre para
dentro e vê sua mãe sentada chorando com as mãos no
rosto.
- Mãe o que aconteceu?
Sem poder falar Solange chora compulsivamente.
- MÃE O QUE FOI? – ajoelhado diante da mãe com as
mãos em suas pernas.
- Era seu pai. Guto querido você tem que ser forte.
– colocando a mão no rosto do guri.- Seu tio Paulo foi
encontrado morto em seu apartamento em Londres.
- O QUE? COMO? Nãopode ser! O que ele fazia em
Londres? – andando de um lado para outro desorientado.
- Não sei querido, seu pai esta vindo para casa e vai
explicar melhor. Venha cá, se acalme.
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A dor que Guto sentia era a mesma de um soco no
estômago. Estava enjoado e com um nó na garganta até
que cai sentado e chora copiosamente aninhado junto a
sua mãe como pedindo ajuda.
- Calma meu amor, calma! – confortando o rapaz
chorando também.
Na soleira da porta Túlio vendo o sofrimento de seu
amigo fica em silêncio sabendo que nestas horas não
existe nada que se possa dizer que não seja óbvio,
repetitivo
ou
estúpido
então
apenas
chora
solidariamente.
~~~~
Norberto chega algumas horas mais tarde,
extremamente pálido carregando alguns pacotes. Olha
para Solange e abraçado a ela chora a perda de seu
irmão. Guto junta-se a eles e deixam extravasar toda sua
dor da única maneira que conheciam em família um
dando apoio ao outro.
Após se recomporem Solange arruma a mesa na
cozinha, o cômodo mais importante em uma casa o
santuário de um lar, com um bolo de cenoura, broa preta
feita em casa, café com leite e cuecas viradas enquanto
ouvem Norberto relatar os acontecimentos.
- O tal emprego que Paulo aceitou naquele dia, em
que foi embora repentinamente, era para pesquisar
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documentos antigos sobre Curitiba para uma empresa
Londrina que tem interesses comerciais aqui.
Paulo morava em um quarto em uma pousada e
segundo as autoridades locais foi um assalto. Quando os
policiais chegaram encontraram o quarto todo revirado e
Paulo caído já sem vida, foi baleado. A polícia acredita
que Paulo surpreendeu o ladrão, pois encontraram sinais
de luta, mas aparentemente não levaram nada de valor
já que sua carteira e dinheiro estavam com ele.
- Santo Deus! – Solange com a mão no rosto. - Foi
para tão longe para encontrar a morte que horror. Como
dizia minha mãe à morte chama! – se benzendo.
- Mas que empresa é essa papai? – Guto abalado.
- Não sei Guto seu tio sempre foi muito cheio de
mistérios e isso se intensificou nos últimos anos até
aquela tarde em que foi embora sem dar muitas
explicações. Eu deveria ter impedido ele de ir embora. –
se sentindo culpado.
Solange percebendo os sentimentos do marido o
consola.
- Querido não é culpa sua. Paulo sabia muito bem o
que fazia. Você não poderia ter impedido.
- Mas ele era meu irmão mais novo, foi àquela
maldita bobagem de tesouro tenho certeza! Primeiro
papai e agora Paulo. – batendo na mesa com a mão.
- Se acalme Norberto temos coisas mais importantes
e praticas no momento para resolver. Como faremos para
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trazer o corpo, precisamos tratar do funeral, avisar os
familiares...
É interrompida por Norberto meio encabulado.
- Até nisso Paulo era estranho. – balançando a
cabeça de um lado para outro em desânimo.
- Como assim? – Guto pergunta espantado.
- O seu tio deixou um testamento com um advogado
e instruções bem claras caso algo lhe acontecesse. Foi
este advogado que me ligou comunicando o fato. Seu tio
pedia que seu corpo fosse cremado e seus pertences
destruídos e que suas cinzas fossem entregues a uma
companhia que fabrica discos de vinil com elas.
- O QUE? Isso só pode ser brincadeira de mau gosto.
– Solange horrorizada. – Você não vai permitir isso
Norberto!
- Não há nada que eu possa fazer Solange o corpo já
foi cremado, Paulo deixou instruções bem claras, que só
deveriam comunicar a família após a cremação. E foi isso
que o advogado fez. – desanimado.
- Que absurdo! Esse advogado deveria ter nos
avisado! E as cinzas onde estão. – Guto assustado.
- Foi entregue a tal empresa que fabricou um LP
com as cinzas de seu tio. Paulo deixou músicas préselecionadas gravadas e foi específico dizendo que este
disco deveria ficar para você Guto. Este aqui é seu tio
Paulo!
Norberto retira de dentro de uma sacola um disco
em vinil com capa toda preta brilhante e ao centro em
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dourado escrito em belas letras em auto relevo o poema,
Inscrições para um Portão de Cemitério de Mário
Quintana.
“Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
“ Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim! "
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Sociedade da Informação
Os dias seguiram sofridos na casa de Guto, as
semanas demoram a passar, mas o tempo tende a
amenizar a dor e a saudade. Como diz o ditado o tempo
é o senhor da verdade.
Em uma manhã fria de céu cinza, típica do inverno
curitibano, Guto acorda querendo que tudo não tivesse
passado de um pesadelo. Ainda relutava em acreditar na
história de assalto e a proibição de seu pai de tocar no
assunto, pois acreditava que isso só traria mais
sofrimento e dor a família, só agravava mais a sensação.
Algo em seu íntimo gritava que alguma coisa estava
errada e muito errada naquela história.
Acreditava que seu tio podia ter deixado uma
mensagem para ele. Revirou as coisas que ele deixou,
ouviu inúmeras vezes o vinil a procura de alguma pista,
mas tudo em vão.
Para seu desgosto tudo o que tinha no disco eram
músicas de Roberto Carlos, Nhô Belarmino e Nhá
Gabriela, Tom Jobim, Tonico e Tinoco, músicas
populares brasileira com exceção da última música Peace
and Love Inc. da banda norte americana de New Wave
dos anos 80 Information Society que além de destoar
completamente das demais, no final da faixa tinha um
~ 43 ~
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sinal intermitente como um zumbido que durava alguns
minutos antes de acabar.
A amizade de Mariana e Túlio mais do que nuca foi
importante para Guto. Como faziam todos os dias após as
aulas se encontravam na casa do rapaz para ouvir música
e jogar conversa fora.
- Então piá que friaca! – fala Túlio assoprando e
esfregando as mãos para esquenta-las.
- Normal, uma típica tarde curitibana. – Guto
sorrindo.
- Hoje não teve jeito coloquei ceroula por baixo da
calça de brim. – fala Mariana sorrindo.
- Pois é guria ceroula e japona pra aguentar esse
frio do djanho! – completa Guto rindo.
- Mas tem o lado bom, pinhão na chapa, quentão,
festa junina, rabanada, acordar e olhar pela janela e ver
tudo branco por causa da geada, os telhados todos
branquinhos é muito lindo. – Mariana comenta.
- Ficar agarradinho com a namorada embaixo da
coberta. – Túlio fala maliciosamente olhando para Guto.
Guto ruboriza olhando para Mariana. Ainda não
tinha tido coragem para se declarar e não tinha certeza
se um dia teria.
- Amanhã começam as férias de Julho, graças a
Deus! – fala rapidamente Guto para desviar o assunto. –
O que vamos fazer?
- Sei lá! Vamos inventar algo. – Mariana enquanto
vasculha os discos de vinil.
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- O piá você não ouviu mais o seu tio Paulo? – fala
Túlio sorrindo com o vinil na mão.
- O piá, não brinca com isso. – Guto com cara de
sério. – Claro que sim, mas acho que não tem nada
mesmo. – desanimado.
- Deixa eu ouvir mais uma vez o disco. – Túlio
pegando o vinil e colocando na vitrola.
- De novo não né piazada! - reclama Mariana e
coloca um disco de Jorge Bem Jor. – Vamos nos mexer
para esquentar um pouco tirando Guto para dançar que
ruboriza.
Túlio com o tio Paulo em mãos, o vinil, lê o nome
da última música Peace and Love Inc. E pergunta para
Guto.
- De que banda é essa música mesmo?
- Information Society! – completa o rapaz
desinteressado.
- Há! Aquela banda que seu tio nos contou aquela
história, lembra? – Túlio pensativo.
Guto fica estático com a revelação do garoto.
- Que história piá?
- Dessa banda, Information Society, não lembra? –
olhando sem acreditar que o amigo não lembrava.
- Wiki, você é o esquisito que tem memória
“aidética” lembra? – fala Mariana sorrindo.
- É memória eidética Mariana, eidética e não
aidética. - balançando a cabeça em reprovação. Esqueço que vocês são simples mortais. – sorrindo.
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- Desembucha piá! – fala Guto.
- Ok vamos lá, não me interrompam, por favor. –
fazendo cara de importante.
Em mil novecentos e noventa e dois o Information
Society lançou o disco “Peace and Love Inc.”, que incluía
uma faixa intitulada 300bps N, 8, 1(Terminal Mode or
Ascii Download).
O nome da música na verdade eram instruções, se
você configurasse um modem de conexão discada
padrão, para os dados indicados no título e colocar a
faixa para tocar acoplada a um receptor você iria se
deparar com um texto explicando um contratempo que a
banda teve durante uma turnê no Brasil, mais
precisamente quando voltavam de uma viajem de
Maringá em direção a Curitiba onde tiveram seu ônibus
retido por promotores locais que queriam dinheiro deles
ou algo assim. Mas o fato realmente interessante é que
eles conseguiram, colocaram um arquivo de texto em um
vinil e isso em mil novecentos e noventa e dois!
Guto e Mariana se olham incrédulos com a
revelação.
- Sabe Wiki às vezes acho que você é o gênio mais
burro que existe. Só agora você vem me dizer isso? –
Guto sem acreditar no que ouvia.
- O que? – fala Túlio ainda sem entender.
- É por isso que tem essa faixa destoando de todo o
disco piá bocó. O tio de Guto pode ter feito à mesma
coisa. Por isso mandar um disco em vinil feito com suas
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cinzas para Guto, pois sabia que algo assim ficaria muito
bem guardado pela família. – fala Mariana.
Mariana procura por um modem antigo entre os
vários bagulhos espalhados nas coisas que Paulo trazia do
sebo.
- Achei! Pegue o cabo de telefone e o receptor,
gênio. – apontando para Wiki.
Na afobação Wiki e Guto pegam o vinil ao mesmo
tempo e deixam cair. O disco rola para trás de uma
cômoda. Guto corre e tenta alcançar o disco sem
sucesso. Pede ajuda para os amigos para mover o móvel
de lugar. Com o esforço mútuo conseguem e Guto
verifica se houve algum dano.
- Não quebrou! – aliviado. – Mas riscou um pouco
aqui.
Apontando para um risco fundo na última faixa do
disco, exatamente a faixa da música.
- Desculpe, desculpe, desculpe. – fala Túlio com voz
de choro.
- Não esquenta vamos colocar para rodar. –
completa Guto.
Após alguns ajustes feitos por Wiki a surpresa.
Realmente havia uma mensagem. O coração de Guto
parecia que iria sair pela boca. Finalmente ele estava
certo, seu tio havia deixado uma mensagem para ele.
“Olá cabeça de pudim, tinha certeza que você descobriria
essa mensagem, acredito que com ajuda de seus amigos, se
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você esta lendo isso significa que já não estou mais entre os
vivos.
Não fique triste, tive uma vida muito boa sempre cercada
de pessoas que amei e me amaram muito, fui privilegiado em
poder trabalhar com o que amava os livros e a história de
nossa cidade mesmo que isso tenha custado minha vida.
Lembra quando lhe contei a história do tesouro, dos
túneis e tal e que tudo era verdade, pois então o fato é que não
havia somente ouro e prata no navio, mas algo muito mais
importante. Tão importante que vem sendo procurado por
séculos ao redor do mundo por uma sociedade secreta
chamada os Filhos de Belial ou como gostam de ser chamados
Beliais.
O motivo de minha repentina partida para Londres foi à
contratação de meus serviços por uma empresa de fachada
desta sociedade que na época eu não sabia. Eles financiariam
minhas pesquisas completamente, recursos ilimitados, desde
que ninguém ficasse sabendo.
Durante três anos fiquei em Curitiba oculto de todos
apenas pesquisando sem poder me comunicar com ninguém
principalmente com minha família.
Estava muito perto de encontrar a entrada do túnel e ver
com meus próprios olhos o tesouro. Mas foi então que percebi
a que havia algo mais do que ouro e prata no tesouro e as
implicações disso. Já vinha desconfiado das reais intenções
dos Beliais então retornei a Londres onde confirmei minhas
suspeitas.
Não há como lhe contar tudo aqui o espaço é curto, mas
tinha que encontrar um meio de lhe mostrar isso sem que
fosse descoberto por eles. Preste MUITA ATENÇÃO você não
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pode contar isso para ninguém nem mesmo para seus pais ou
eles estarão em grande perigo.
Sinto muito envolvê-lo nesta situação, mas é por um bem
maior. Não permita que meu sacrifício fique em vão. Você terá
que refazer meus passos, pegue meu diário de campo lá
encontrará as respostas e o ponto onde parei. O diário esta
escondi...”
Neste ponto o risco no vinil atrapalha a
decodificação. Wiki fica branco, Guto olha desesperado
para ele.
- Eu dou um jeito! – Wiki mexendo no receptor.
Mas o risco era muito profundo e deste ponto em
diante tudo o que conseguem são fragmentos da
mensagem e pequenas frases e palavras soltas como
cemitério de cães... sereias, protegem, grutinha... não
confie em ning... até que nada mais.
As novas descobertas são ainda mais fascinantes e
perigosas ao ponto de matarem Paulo. As desconfianças
de Guto se concretizavam, não foi um assalto enfim o
motivo da morte de seu tio. Os assassinos procuravam
seu diário de campo.
Uma mistura de medo e excitação percorria o corpo
do garoto. Cada vez mais, misteriosa ficava aquela
história, perguntas borbulhavam na mente de Guto. Que
ordem secreta era aquela? O que buscavam ao ponto de
matar por isso? O que seria assim tão valioso?
Mariana olha assustada para Guto.
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- Você não esta pensando em ir atrás disso não é?
Guto fica em silêncio.
- É loucura seu tio foi morto por isso, não vale a
pena! Vamos contar a seus pais e a polícia! – olha para
Wiki procurando apoio. - E você não vai falar nada? –
aflita.
- Falar o que? Vamos procurar a polícia e dizer o
que? Que encontramos uma mensagem em um disco de
vinil feito com as cinzas de um cara que foi morto em
Londres por uma seita secreta que quer roubar um
tesouro enterrado de um pirata! – com as mãos e ombros
levantados.
- Você viu a mensagem Mariana não podemos contar
para ninguém! Túlio tem razão. O que nos resta é
procurar o tal diário de campo e resolver isso de uma vez
por todas. – fala Guto.
- Procurar onde nem temos toda a mensagem. –
Mariana indignada.
Durante alguns minutos o silêncio prevalece com
cada um imerso em seus pensamentos avaliando a
situação. Então Guto se manifesta.
- Mas em uma coisa você tem razão Mariana, não
posso envolver vocês nisso. A mensagem foi deixada para
mim, isto faz parte de minha história familiar e não
posso colocar vocês em risco.
- Acho um pouco tarde para isso, você não? – fala
Mariana irritada vendo que não poderia dissuadir os
garotos. – E no mais não posso deixar dois cabeças de
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bagre sozinhos nisso, acabariam mortos ou pior. –
apreensiva andando de um lado para outro.
Túlio olha para Guto e fala.
- Nem pense em me deixar de fora. Se não fosse por
mim você não teria descoberto a mensagem. Portanto
pode esquecer, vamos todos juntos nesta caçada ao
tesouro do Pirata Zulmiro. – esticando a mão para frente
esperando a dos amigos.
Guto sorri aliviado e agradecido, pois sabia que não
poderia fazer isso sem a ajuda de seus amigos e
completa.
- Vejam o lado bom, já sabemos o que vamos fazer
em nossas férias! – sorrindo.
Com as mãos uma em cima da outra selam seu
pacto em busca da Lenda do Tesouro das Mercês.
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Cemitério de Cães
A excitação era total nos amigos, Wiki foi pesquisar
na internet sobre a tal sociedade secreta Filhos de Belial
enquanto Mariana e Guto estão tentando descobrir mais
alguma pista nas coisas deixadas por Paulo, sobre onde
ele poderia ter escondido o diário de campo. Enquanto
vasculham as caixas no quarto Guto vendo a tensão no
rosto de Mariana pergunta.
- Tudo bem?
- Sim! Tudo. – olhando para baixo.
- Olha Mariana você sabe que não tem que fazer
isso eu e o Wiki damos conta, sério. – preocupado.
Mariana senta na cama segurando um velho penal
de escola que encontrou dentro de uma caixa. Olha para
Guto e fala desabafando.
- Você sabia que quando alguém mente para mim
vejo uma cor amarelada?
- Não. – surpreso.
- Pois é! Sou estranha, eu sei, mas isso é muito útil.
Outra coisa estranha a meu respeito, dentre tantas –
sorrindo encabulada - quando gosto de alguém, toda vez
que essa pessoa fala sinto um aroma agradável bem sutil.
Quanto mais gosto da pessoa mais forte é o aroma. Minha
mãe, por exemplo, sinto cheiro de rosas, já meu pai de
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Filhos de Belial
sorvete de baunilha o Wiki é uma mistura de hortelã com
lima. – sorrindo.
Guto olha fascinado para menina sentado ao seu
lado na cama.
- E comigo, que cheiro você sente quando eu falo? curioso.
- Você tem cheiro de chuva, de terra molhada. sorrindo. – No seu caso foi imediato, assim que te
conheci senti. – olhando diretamente nos olhos do rapaz.
Guto fica um pouco decepcionado.
- De lama? Eu tenho cheiro de lama! – fazendo cara
de nojo.
Mariana sorrindo.
- Esse é o aroma que mais gosto no mundo. E o teu
é tão forte que às vezes acho que vai me sufocar. – com
o rosto corado.
Guto olha para os lindos olhos amendoados de
Mariana compreendendo o que significava, se
aproximando cada vez mais dos lábios da menina.
Quando estão prestes a se beijar Wiki entra correndo
gritando.
- Achei algo interessante! – para assustado diante
da cena e fica sem graça. – Desculpe isso pode esperar,
continuem, continuem. – sorrindo enquanto se afasta.
- Acho melhor vermos o que o maluco tem a dizer. –
diz Mariana sem jeito.
- Tem razão, vamos lá.
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Filhos de Belial
Encontram Wiki ainda sorrindo, segurando o
notebook em suas mãos. Olhando para os colegas relata
suas descobertas.
- Resolvi procurar sobre a tal sociedade secreta e
descobri que Baal significa senhor, imperador. Esse nome
(Baal) era também o nome "secundário" de Belial. Em
demonologia, Baal é o guardião dos portões do inferno,
essa sociedade os Filhos de Belial, isso vai parecer
loucura, buscam a entrada para o inferno. Mais
precisamente achar a entrada para libertar seu mestre
para nosso mundo. – fazendo cara de boxe. – Bando de
malucos!
- Malucos a ponto de matar por isso. – fala Mariana
se benzendo.
- Quer dizer que meu tio em suas buscas achou os
portões do inferno? E ele fica em Curitiba! Aí já é loucura
demais pra acreditar. – Guto balançando a cabeça.
- Não importa o que nós achamos. Mas para esses
malucos isso é muito real aponto de matarem por isso. O
que temos que fazer é encontrar o diário de seu tio. –
fala Mariana e acabar logo com isso.
- Sobre isso coloquei no Google as palavras que
conseguimos ver no final da mensagem e vocês não vão
acreditar no que achei. – fala Túlio fazendo mistério.
- Desembucha piá! – fala Guto inquieto.
- Coloquei cemitério de cães no Google e
obviamente achei muitos sites sobre enterro de animais
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até que uma foto chamou minha atenção. – virando o
notebook para que os amigos vissem.
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1 portão do Cemitério de Cães da cidade Asnières-sur-Seine
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Guto e Mariana olham atentos para foto.
- Eu já isso vi isso antes só não lembro onde.
- Eu também já vi. – fala Mariana tentando lembrarse de onde.
- Essa foto é do portão do Cemitério de
Cães da cidade
Asnières-sur-Seine
na
região
metropolitana a noroeste da capital francesa, na margem
esquerda do Rio Sena, perto de Paris.
- Paris Wiki? O que uma foto de um cemitério de
cães em Paris tem haver conosco. Precisamos de um
cemitério de cães em Curitiba. – Guto desanimado.
- Talvez isso ajude um pouco! – fala Túlio colocando
outra foto.
Guto e Mariana ficam de boca aberta e a menina
completa espantada.
- São iguais! Mas este é o portal do Passeio Público!
Nós passamos todos os dias em frente quando vamos para
o colégio – com a mão na cabeça.
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2 Portal do Passeio Público em Curitiba
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- Isso mesmo! – Túlio animado e prossegue.
O Passeio Público foi o primeiro parque de Curitiba
inaugurado em mil oitocentos e oitenta e seis por ordem
do então presidente da província do Paraná, Alfredo D
´Estragnolle Taunay em uma área alagada e considerada
foco de doenças e para resolver o problema fizeram o
parque.
Em mil novecentos e dezesseis o prefeito Cândido
de Abreu realizou uma grande reforma no parque e
ordenou a construção do portão para marcar a entrada
do Passeio. A revista A Ilustração Brasileira havia
publicado, em uma de suas edições, um desenho de um
portão de entrada, em estilo art-nouveau, indicado como
sendo do Cemitério de Cães de Paris.
Esse modelo foi escolhido para inspirar o portão de
entrada do Passeio Público e foi assim que o Cemitério
de Cães francês ingressou na história de Curitiba. – Wiki
desfilando toda sua sabedoria “googleana”.
Guto e Mariana ficam animados com a descoberta.
O diário poderia estar escondido no Passeio Público. Guto
agora entusiasmado fala.
- Conhecendo meu tio não vejo melhor local para
esconder o diário. Mas onde pode estar escondido. O
Passeio Público é enorme, pode estar em qualquer lugar.
– preocupado.
- É um ponto de partida. Vamos até lá amanhã dar
uma olhada, talvez encontramos algo o que me dizem? –
fala Mariana.
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- Deixa eu verificar minha agenda para amanhã. –
fala Túlio zombando.
- OK, amanhã nos encontramos aqui cedo e vamos
verificar o que achamos no Passeio Público, na pior das
hipóteses passeamos. – fala Guto sorrindo.
Guto acompanha os amigos até o portão e se
despedem indo cada um para sua casa, com a imaginação
fervilhando. O que não sabiam é que a espreita do lado
de fora dentro de um carro preto, uma figura os vigiava
há muito tempo esperando o momento certo para agir.
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Grutas e Sereias
Na manhã seguinte como combinado estão diante
da velha casa de madeira, mas muito bem conservada,
da família Kowlakoski os intrépidos caçadores de
tesouros.
Era uma linda manhã com céu completamente azul
e o sol brilhando forte o que não amenizava o frio
invernal que castigava a todos implacavelmente. Frio a
muito não sentido na capital paranaense, muitos
acreditavam que aquele ano não passaria sem neve.
Parecendo bonecos de tantos casacos, prenuncio do
famoso efeito cebola que com o passar do dia iriam
sendo retiradas camadas de roupas para mais tarde
voltar a coloca-las, caminham até o ponto de ônibus.
Túlio e Mariana carregavam mochilas o que chamou a
atenção de Guto que pergunta.
- Pra que as mochilas vão viajar? - sorrindo.
- Estou levando meu notebook e outras coisas que
talvez precisemos nunca se sabe. - fala Túlio.
- Uma mulher nunca sai sem sua bolsa ou no meu
caso mochila. – fazendo cara de dondoca.
Após alguns minutos dentro do lotação embarca um
senhor de casaco preto grosso chapéu também preto
fisionomia europeia, o que chamou a atenção de
Mariana.
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Gostava de apreciar as roupas que as pessoas
usavam no frio cada um com seu adereço, uns com
cachecóis, outros chapéus, ponchos, luvas uma vez até
viu uma senhora no ônibus com um cobertor, tudo para
tentar fugir do frio. O trajeto foi rápido e logo
desembarcavam em seu destino.
Parados diante do Portal agora visto com outros
olhos, pela primeira vez perceberam sua beleza e custam
em acreditar que passaram tantas e tantas vezes por ele
sem nem mesmo notar. Túlio vê um vendedor de balões
de ar.
- Olha, quero uma bexiga! – com a mão esticada.
- Para piá bocó. – fala Guto rindo segurando Túlio
pela roupa.
- E agora por onde começamos? – pergunta Mariana.
- Sei lá! O que mais dizia a mensagem? – fala Guto.
- Vamos ver. Algo sobre sereias, grutinha e sei lá
mais o que, seja lá o que isto signifique. – fala Túlio com
cara de sonso.
- Isso não ajuda muito. – Guto desanimado.
- Tem um lago aqui vai ver mora uma sereia nele e
seu tio pediu para ela guardar o diário! – fala Mariana
zombeteiramente.
- Vamos nos separar eu vou por aqui você e Mariana
irão por ali. – olhando maliciosamente para os dois
amigos que ruborizam quase que instantaneamente. - Se
alguém encontrar alguma coisa manda uma mensagem,
ok?
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Todos concordam e seguem o plano. O que não
percebem é que a poucos metros um homem de casaco e
chapéu preto, que come pipoca, observa atentamente
cada passo deles.
Guto e Mariana caminham calados por alguns
metros então a menina se engancha no braço de Guto se
aninhando em seu ombro.
- Frio! – sorrindo para o garoto.
Apesar de morarem a vida toda na cidade percebem
que aquela era a primeira vez que entravam no Passeio
Público, nunca tinham estado ali. Que talvez fosse
verdade que só visitamos os pontos turísticos de outras
cidades e não os da nossa.
A cada passo que davam ficavam encantados com o
que viam, os belos jardins, o lago, as enormes e belas
árvores com orquídeas crescendo hospedadas em seus
troncos, as aves, como o Turaco-Violeta com sua
plumagem azul e bico vermelho, os tucanos som sua cor
exuberante, os pavões com suas caldas maravilhosas, as
garças e suas pernas longas, entre tantas outras espécies
de pássaros cada um mais belo que a outro. Descobriram
também que ali foi o primeiro zoológico de Curitiba.
Caminham animadamente descontraídos quase
esquecidos da razão de estarem ali quando se deparam
com uma construção arredondada. Aproximam-se e
descobrem se tratar do aquário do Passeio. Após uma
breve visita ao local saem e ficam parados sem saber ao
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certo que fazer. De repente Mariana olha assustada para
Guto que percebendo pergunta o que estava havendo.
- Sereias!
O rapaz não compreende ou acha não compreender.
- O que?
- Sereias! - apontando para parte de trás do
aquário, onde duas sereias guardavam a entrada de uma
pequena gruta.
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3 Grutinha em baixo
do aquário no Passeio Público
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Guto virasse, olha espantado e sorri satisfeito com a
descoberta, imediatamente manda uma mensagem para
Túlio para que os encontrasse. Algum tempo depois
chega Túlio com um enorme pacote de pipoca com muito
bacon.
- Então o que encontraram? – mastigando, com a
boca cheia de pipoca.
- A gruta! – fala Mariana apontando para o local. – O
Problema é como vamos entrar lá.
- Eu é que não vou pisar nessa água gelada. – fala
Túlio estremecendo de frio.
- Vamos esperar diminuir o movimento aí entro
rápido, se vocês virem alguém vindo assobiam. Alguém
trouxe uma lanterna? – pergunta Guto.
Túlio abre a mochila vasculha dentro por alguns
segundos e saca uma pequena, mas potente lanterna de
led. Como combinado assim que o movimento parou Guto
pula dentro do laginho, que não era fundo a água batia
um pouco acima de seus joelhos e corre para dentro da
gruta.
Com a cabeça baixa para não bater no teto vasculha
as paredes a procura de alguma coisa, algo que pudesse
esconder um diário. No lado de fora ansiosos, olhando a
todo instante para os lados para ver se alguém se
aproxima Túlio e Mariana esperam ansiosos.
Passados alguns minutos Guto sem encontrar nada
vai perdendo a esperança. Mariana percebe que um
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guarda municipal se aproxima. Túlio entra em pânico e
tenta assobiar, mas de sua boca não saí um único som
apenas pedaços de pipoca e bacon.
Mariana pensando rápido se aproxima do guarda
para distraí-lo fazendo com que olhe para o outro lado
pergunta sobre como chegar à lanchonete do parque.
Guto, alheio ao que ocorria do lado de fora, em
uma última tentativa direciona o facho de luz para fundo
da gruta e dentro da água com certa dificuldade por
conta da água turva, percebe que uma pedra brilha com
a luz.
De joelhos na água fria com dificuldade retira a
pedra. Dentro de um buraco encontra um saco plástico
muito bem lacrado que retira com cuidado. É então que
houve uma débil tentativa de assobio.
O guarda percebendo o desconforto de Túlio de
onde esta olha para dentro da gruta e vê o feixe de luz
da lanterna. Corre até a entrada da grutinha se
segurando com dificuldade na borda e em uma sereia e
olha para dentro sem entrar na água. Mariana corre ao
seu lado e pergunta.
- O que foi?
- Acho que vi uma luz dentro da grutinha. – fala o
guarda forçando os olhos para enxergar no escuro.
- Deve ter sido reflexo do sol, quem seria louco de
se molhar para entrar aí com esse frio e para que? Mariana fingindo tremer de frio com um sorriso amarelo
a escapar dos lábios.
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- Você deve ter razão. – fala o guarda ainda
desconfiado.
- O senhor estava me mostrando onde ficava a
lanchonete. – Mariana puxando o guarda para o outro
lado.
Guto estava quase saindo quando percebeu o
guarda, então mergulhou para se esconder. Como era
campeão de natação no colégio não foi problema segurar
a respiração.
Assim que o guarda foi embora e o local ficou vazio,
Mariana assobia e Guto sai tremendo de frio, mas com o
diário na mão.
Mariana abraça Guto que treme sorridente.
- Nossa piá, tira esse casaco você vai ficar doente.
Foi por pouco! – fala Mariana sorrindo.
- Toma piá, pega minha japona. – Túlio se oferece.
- Vamos chamar um taxi e ir para casa. – fala Guto.
O homem do casaco e chapéu preto que observava
tudo de longe pega em seu bolso um pequeno celular e
faz uma ligação.
- Alô sou eu, eles encontraram o que devo fazer?
Do outro lado uma voz seca e monótona, mas
contente responde.
- Nada! Apenas continue seguindo eles, vamos ver
até onde estes exploradores amadores conseguem
chegar. Se tivermos sorte eles nos pouparão um bom
trabalho e nos levarão direto onde queremos chegar. –
rindo.
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O Homem do casaco e chapéu preto desliga e
observa os garotos entrarem em um taxi.
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A Bíblia do Diabo
No quartel general da caçada ao tesouro das
Mercês, o quarto de Guto, aquecidos diante de uma mesa
com chocolate quente, bolinhos de chuva e um prato de
pierogi de requeijão, especialidade da mãe de Guto com
receita passada de geração para geração, comemoram o
êxito da missão.
- Vamos ver o que nos diz o tão cobiçado diário de
campo de seu tio. – Túlio segurando o caderno grosso
com capa em couro marrom desbotado devido ao uso.
Guto e Mariana deixam que Wiki vasculhe as
anotações, pois sabiam que não havia ninguém melhor
que ele para este tipo de serviço e que se tivesse algo
importante a se descobrir ele encontraria.
Durante vinte minutos Túlio folheia o caderno
atentamente emitindo apenas pequenos grunhidos com
expressão muito séria o que leva seus colegas à loucura.
- Vai demorar muito ainda Wiki? – Guto impaciente.
Mariana já não aguenta mais esperar.
- Vai logo pro final piá! Assim descobrimos onde fica
o tesouro e acabamos com isso logo! – irritada tentando
arrancar o caderno das mãos do garoto.
Túlio em um rápido movimento se esquiva e fala.
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- Já fui e não adianta. - com expressão de
desanimo.
- Como assim não adianta? – Guto indignado.
- Estão faltando várias páginas, foram arrancadas
propositadamente e são sempre páginas fundamentais
para compreensão do texto.
- Como assim? – fala Guto.
- Vou explicar. As anotações iniciais dizem respeito
às descobertas de seu avô, do túnel que ele encontrou na
casa no Bosque Gutierrez e tal. Nada do que já não
sabemos. Mais adiante fica interessante, seu tio
descobriu o que os Filhos de Belial buscam é algo muito
louco! – olhando para os amigos com cara de espanto.
- Desembucha logo PIÁ! – fala Mariana com s mão
para cima.
Túlio prossegue.
- Os malucos procuram as páginas desaparecidas da
Bíblia do diabo o Codex Gigas! – com as sobrancelhas
levantadas e os olhos arregalados.
Mariana e Guto se olham sem compreender.
- Bíblia do diabo? Gigas o que?– fala Guto.
- E desde quando o diabo tem uma Bíblia? – fala
Mariana incrédula.
- Vou explicar a vocês. – recorrendo a sua
fenomenal memória.
Uma vez eu fazia um trabalho sobre religião para o
professor Clisseu, da sétima série aquele com o cabelo
esquisi... – percebe a cara dos amigos por estar se
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desviando do assunto se desculpa e volta ao tema. Como dizia acabei esbarrando em um site que
mencionava o Codex Gigas.
O Codex Gigas é considerado o maior manuscrito
medieval existente no mundo. Foi criado no início
do século
XIII,
presumivelmente
no
mosteiro beneditino de
Podlažice
na Boemia, atual República Checa e atualmente está
preservado na Biblioteca Nacional da Suécia, em
Estocolmo.
É também conhecido como a Bíblia do Diabo, devido
a uma grande figura do diabo no seu interior e da lenda
em torno da sua criação.
Tem esse nome Codex Gigas, que em latim quer
dizer livro gigante, por que é enorme tem capa e contra
capa em madeira, revestidas de couro e ornamentadas
com motivos metálicos com noventa e dois centímetros
de altura, cinquenta centímetros de largura e vinte e
dois centímetros de espessura e pesa cerca de setenta e
cinco quilos sendo necessárias duas pessoas para carregalo.
Possui trezentas e dez folhas ou seiscentas páginas
de velino, uma espécie de pergaminho, e esse velino
usado foi elaborado a partir de pele de vitelo ou pele de
jumento, segundo algumas fontes, num total de cento e
sessenta animais.
Algumas páginas foram retiradas da versão original,
sete para ser mais exato, que segundo a lenda continham
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um segredo muito importante e ninguém sabia o motivo
até agora. – olhando para os amigos segurando no ar e
balançando o diário de campo.
Além disso, existe uma lenda, como não poderia ser
diferente, um dos monges, tendo cometido um terrível
pecado, foi condenado a ser emparedado vivo em sua
cela.
Para escapar a tão lenta e terrível morte, o monge
fez uma proposta aos seus superiores: ele escreveria o
maior livro do mundo em apenas uma noite. Se
conseguisse cumprir essa tarefa ser-lhe-ia permitido
viver.
O negócio foi aceito. Ao pôr do sol, o monge
começou a trabalhar. À meia-noite, já desesperado
percebendo que jamais conseguiria cumprir o prometido,
o infeliz resolveu pedir a ajuda, mas não a Deus como
era de se esperar de um monge, mas sim para o diabo. O
diabo veio e fez o serviço completo, incluindo um
autorretrato.
Seu tio tem até uma replica da imagem aqui. - Túlio
vira o caderno para os colegas poderem ver.
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No Codex a imagem é precedida por uma
conjuração por meio da qual se acredita ser possível
comunicar-se com espíritos, entidades demoníacas e um
encantamento para comandar essas criaturas.
E os Filhos de Belial acreditam que nas sete páginas
desaparecidas esta um feitiço ou encantamento capaz de
abrir um portal e liberar estas criaturas assim podendo
dominar o mundo.
Túlio olha atento para os amigos esperando as
reações.
- Senhor da Galiléia! – Mariana fazendo o sinal da
cruz.
- Isso é muita loucura, como meu tio foi se meter
nisso! – Guto andando de um lado para outro.
Túlio vendo que os amigos ainda não
compreenderam a real gravidade da situação fala.
- Pessoal! E se tio Paulo realmente encontrou as
páginas do Codex Gigas. Por mais maluco que isso possa
parecer temos que levar em conta que talvez, somente
talvez, essa história toda seja VERDADE! – com as mãos
levantadas. – Vocês já imaginaram se isto cai nas mãos
destes malucos? Podemos estar falando no fim do mundo!
– temeroso.
Guto andando de um lado para o outro se nega a
acreditar naquela loucura.
- O que mais fala o Dário? E como uma coisa dessas
poderia ter vindo parar aqui em Curitiba? – pergunta
Mariana.
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Túlio abre novamente o caderno e continua.
- Vocês vão adorar isso, tem mais. – esfregando as
mãos e rindo. - Segundo as descobertas do tio Paulo, é aí
que entram nosso amigo Pirata Zulmiro os jesuítas e os
mações!
- Maçons, da maçonaria? – Guto com as mãos na
cabeça.
- Nossa fica cada vez melhor. – Mariana apoiando a
cabeça com a mão.
Túlio prossegue.
- Como já sabemos nosso amigo pirata era na
verdade um capitão inglês que segundo contam entrou
em combate com um galeão Frances desertando após
roubar a carga.
Só que ele não roubou a carga. O capitão Sun Mirror
era Grão-Mestre maçom e foi encarregado por eles como
protetor das sete páginas do Codex. Sua missão era
escondê-las em local seguro. Durante séculos os maçons
e os jesuítas vêm protegendo esse segredo dos Filhos de
Belial.
Acreditavam que uma pequena vila no Brasil seria
um ótimo local para esconder as páginas, afinal quem
procuraria aqui. Por isso os jesuítas ajudaram e
construíram os túneis e o local onde esta escondido o
tesouro. Construíram um leprosário em cima da primeira
entrada, pois sabiam que ninguém se aproximaria.
A maçonaria tem um longo histórico de segredos e é
sabido que estão sempre entre as lideranças políticas e
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financeiras de uma comunidade. Também é sabido que
deixam marcas, sinais, que somente membros da
fraternidade podem decifrar caso fosse necessário trocar
o local das páginas do Codex.
Pois bem segundo seu tio ele decifrou estes sinais
que estão espalhados em muitos dos monumentos e
praças pela cidade.
- Por isso faltam às páginas no diário. Tio Paulo
sabia que se encontrassem o diário poderiam ir
diretamente ao tesouro. Já assim é necessário juntar
todas as pistas antes. O diário passa a ser um grande
quebra cabeça um mapa do tesouro. – fala Guto.
- Exato! – Túlio satisfeito.
- E qual é a primeira pista? – fala Mariana.
- Segundo seu tio devemos conhecer a história do senhor
Napoleon Potyguara Lazzarotto mais conhecido como
Poty Lazzarotto. – fala Túlio sorrindo.
~~~~
Túlio inicia imediatamente a pesquisa. Enquanto
Guto e Mariana conversam no quarto.
- Que loucura tudo isso. – Mariana sorrindo.
- Nem me fale! Quando meu tio disse que Curitiba
era importante para o Brasil nem ele sabia o quanto. –
rindo.
- Wiki logo descobrirá o que devemos fazer.
- Tenho certeza. – preocupado.
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- O que foi?
- Nada! – desviando o olhar.
- Não adiante mentir para mim Guto. Já falei que
vejo um leve tom amarelo quando fazem isso.
- Esqueci que lido com uma bruxinha. - sem jeito. Só estou preocupado com essa loucura toda.
- Não importa o que acontecer estaremos juntos.
Colocando a mão no rosto de Guto.
O guri sorri se aproxima e beija Mariana. Um beijo
simples, mas repleto de paixão. Guto sabia que aquele
era o primeiro de muitos e que aqueles seriam os únicos
lábios gostaria de beijaria para o resto da vida.
Túlio entra no quarto e vendo a cena sai de
mansinho sorrindo e falando para si mesmo baixinho.
- Até que enfim!
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Murais por toda Cidade
O visitante que chega pela primeira vez a Curitiba
acabara esbarrando em um dos belos painéis espalhados
pela cidade, seja no aeroporto, atrás da Praça
Tiradentes, no Palácio Iguaçu, na Torre Panorâmica,
no Teatro Guaíra ou na Praça do Homem Nu.
Ao todo são 46 murais espalhados pela capital
paranaense. Alguns são de cimento, outros de ladrilhos,
mas todos com o mesmo traço e estilo comum. São as
obras de Poty Lazzarotto, que ornamentam diversos
espaços públicos de Curitiba.
Napoleon Potyguara Lazzarotto ou apenas Poty
Lazzarotto era filho de Isaac Lazzarotto, ferroviário e
Júlia Tortato Lazzarotto, que mantinha um restaurante
montado em frente à sua casa, o Vagão do Armistício,
que era frequentado por muitas personalidades da
época.
Dentre os clientes ilustres, estava Manoel Ribas, o
interventor federal no Paraná nomeado pelo então
presidente Getúlio Vargas. Ribas foi o responsável por
oferecer a Poty uma bolsa de estudos na Escola Nacional
de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em mil novecentos e
quarenta e dois iniciando assim sua carreira.
Dali, Poty não parou mais. Passou a ser ilustrador
de livros, jornais e revistas. Em mil novecentos e
~ 78 ~
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quarenta e seis, ganhou outra bolsa de estudos, desta
vez do governo francês. Estudou por dois anos em Paris,
onde aprendeu litografia.
Ao longo de sua carreira, Poty utilizou diversas
técnicas de gravura e ilustração em seus trabalhos. Os
livros ilustrados por Poty incluem Iracema, de José de
Alencar; Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães
Rosa; Capitães da Areia, de Jorge Amado; O Quinze,
de Rachel de Queiroz, Moby Dick, de Herman Melville;
além de várias obras de Machado de Assis e do
curitibano Dalton Trevisan.
Túlio lia atentamente a vida de Poty e o diário de
campo procurando algo que pudesse ajudar. Após um
tempo de pesquisa chama os amigos para repartir suas
descobertas.
- Achei algo que vale a pena verificarmos. –
entusiasmado.
- O que foi? – fala Mariana.
- Relendo o diário do tio Paulo encontrei uma
história interessante. Ouçam.
É uma história de amor entre um camponês e a filha
de uma bruxa. Os jovens apaixonados decidem casar,
mas para isso a moça teria que renunciar seus poderes o
que não era aceito por sua mãe, pois a moça estava
destinada a ser uma poderosa bruxa.
Mesmo com a desaprovação da filha sua mãe
prepara um sabbat na noite de natal quando acontece o
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solstício de inverno no hemisfério norte tornando assim a
moça uma bruxa.
Mas o casal apaixonado tem outros planos e seis
dias antes resolve fugir. A bruxa mãe, descobrindo a
fuga, para impedi-los joga um feitiço no casal os
transformando em pedra e os coloca em seu jardim, a
moça sentada a contemplar seu amor que fica em pé
virado para frente sem nunca poder vê-la até o fim dos
tempos.
Guto e Mariana recém apresentados as maravilhas e
descobertas do amor imaginam como seria não poder se
ver. Mariana fala.
- Que história horrível. – com cara de medo.
- Mas o que isto tem haver com o tesouro? – fala
Guto sem entender.
- No inicio também não entendi, mas depois tudo se
encaixou. Primeiro a data, seis dias antes do dia vinte e
cinco de dezembro, ou seja, dia dezenove de dezembro.
Outra coisa é o fato de serem um casal, uma moça e um
rapaz transformados em pedra. Não lembra nada a
vocês? Sério? – Túlio sem acreditar.
Os dois se olham e nada.
- A Praça do Homem Nu a Praça Dezenove de
Dezembro! Na praça tem as estátuas da mulher sentada
olhando para o homem nu e o mais importante o fato de
lá ter um mural de azulejos feito por Poty Lazzarotto,
seu primeiro mural por sinal.
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A Lenda do Tesouro das Mercês
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Outro detalhe importante o pai de Poty era guardafreios e, posteriormente, chefe de trem. Ele era
subalterno do coronel Wallace de Mello, avô do senador
Roberto Requião, que era chefe da estação ferroviária de
Curitiba e fundador do Centro dos Ferroviários do Paraná
e Santa Catarina e segundo dizem foi ele que pediu ao
filho que supostamente era maçom, pai do senador
Roberto, o médico Wallace Thadeu de Mello e Silva, para
dar o mural de azulejos para Poty executar.
- É isso, você é um gênio Wiki. Sabia que você
encontraria algo. A próxima pista esta na praça. – Guto
radiante de alegria.
- Então acho que é isso, Praça Dezenove de
Dezembro aí vamos nós. – fala Mariana.
- Já vai escurecer melhor deixarmos para amanhã. pondera Guto.
- É verdade e hoje promete ser uma noite fria,
muito fria. – fala Túlio. – A propósito vou dormir aqui
hoje Guto, belê?
- Claro sem problema. Vou pedir para minha mãe
arrumar um acolchoado para você. Seus pais estão
viajando novamente?
- Sim, como sempre. – resignado.
Os pais de Túlio viajam muito a trabalho e o garoto
vivia mais na casa de Guto que em sua própria. Já era
considerado membro da família pelos Kowlakoski.
- Então acho que é isso piazada, até amanhã. – fala
Mariana.
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Filhos de Belial
- Eu acompanho você até o ponto de ônibus. – Guto
sorrindo.
Caminham lado a lado em silêncio até que Mariana
pega na mão de Guto.
- Já passou da hora da prefeitura trocar este antipó
por asfalto. – Mariana para puxar assunto ainda meio sem
jeito.
- Já assinamos um baixo assinado para isso, mas até
agora nada.
Caminham mais um pouco e finalmente chegam ao
ponto. Guto puxa a menina a abraça forte e beija sua
boca.
- Espero que o ônibus demore. – o rapaz sorrindo
não querendo larga-la.
- Eu também. – se beijando novamente.
Mas o ônibus não tardou e Mariana embarcou rumo
sua casa. Antes de ir embora fala.
- Cheiro de terra molhada, adoro! – sorrindo.
Enquanto caminha para casa, como andando em
nuvens, Guto não percebe parado a alguns metros de sua
casa um carro preto e dentro uma sinistra figura que o
observa.
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Filhos de Belial
Juramento Curitibano
Na manhã seguinte novamente saem apressados os
intrépidos caçadores de tesouro em direção a Praça
Dezenove de Dezembro no centro de Curitiba. Uma
manhã cinzenta acompanhada de um vento frio cortante
que castigava os habitantes da capital.
A praça foi concebida para comemorar o centenário
da emancipação política do estado do Paraná, ocorrida
em dezenove de dezembro de mil oitocentos e cinquenta
e três. Na comemoração de seu centenário, com a
presença do então Presidente da República Getúlio
Vargas, foi inaugurado na praça um obelisco em granito,
com o escudo do estado, homenageando o
acontecimento histórico.
Conta também com uma grande estátua em granito
de um homem nu, daí o apelido popular Praça do Homem
Nu, de autoria dos escultores radicados no Brasil Erbo
Stenzel e Humberto Cozzo além da estátua de uma
mulher nua, de autoria de Humberto Cozzo antes
destinada a guarnecer o Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná.
Além do obelisco é ornamentada também com um
tanque de água de formas sinuosas e com um mural de
pedra em duas faces.
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Filhos de Belial
Em um lado contém um painel em granito em alto
relevo de Erbo Stenzel e no outro um painel de azulejos
azuis e brancos da autoria de Poty Lazzarotto, tendo
como plano de fundo a criação da comarca de Curitiba, o
desenho apresenta a evolução histórica do Paraná,
dividida pela ordem: garimpeiros, jesuítas, bandeirantes,
assembleia, tropeiros, navegação fluvial e primeiro
governo da província. Para ligar esses relatos, deixando
uma unidade na obra, uma faixa branca permeia todos os
quadros, dando a sensação de continuidade.
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4 Obelisco e Homem Nu
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5 Mulher Nua Praça 19 de Dezembro
6 Mural em relevo Praça 19 de Dezembro
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Diante da imensa figura do homem nua Túlio aponta
para as partes íntimas da estátua e fala.
- Garanto que é por causa do frio do djanho que
esta fazendo. – rindo muito.
Todos riem e Guto completa.
- Deixa de ser bocó piá! Vamos procurar alguma
pista. – ainda rindo.
Durante alguns minutos procuram por todos os lados
por algum sinal que pudesse lhes mostrar onde Paulo
poderia ter escondido outra pista, mas não encontram
nada.
7 Mural de Poty Praça 19 de Dezembro
- Então alguma coisa? – pergunta Guto aos amigos.
- Nada! – fala Mariana levantando as mãos.
- Nem olhem para mim, também não vejo nada. fala Túlio.
- Mas tem que estar aqui. Estamos deixando passar
alguma coisa. O diário fala que devemos procurar por
Poty então a resposta deve estar no painel dele, vamos
verificar mais uma vez.
Diante do enorme painel apreciam sua beleza,
vasculham cada detalhe a procura de alguma pista e
então Túlio fala.
- Olhem isso. – apontando para uma parte do
painel.
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Era o desenho de uma canoa conduzida por um
bandeirante e por alguns índios com expressão de medo
e ao centro da canoa o que parecia ser um baú.
- Interessante, fala Guto. – se aproximando.
Ao chegar mais perto percebe que um dos azulejos
que formavam a imagem do baú, esta com uma
coloração diferente, como se fosse mais novo que os
demais. Pede a Túlio seu canivete suíço que sabia que
sempre carregava.
Olhando para os lados para verificar se não havia
ninguém Guto força a lateral do azulejo com a ponta da
lamina do canivete e com um pouco de esforço o
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desprende. Atrás encontra um compartimento onde enfia
a mão dentro e retira um saco plástico.
- Achei! – radiante.
Túlio e Mariana sorriem felizes. Entusiasmados com
a descoberta não percebem a aproximação de um
homem alto com cerca de quarenta anos, corpo atlético
fisionomia séria e um forte sotaque inglês.
- O que vocês encontraram meninos? – sorrindo.
Os garotos se assustam com a presença do homem.
Guto rapidamente esconde o conteúdo em seu casaco.
- Percebemos que este azulejo estava solto e
resolvemos coloca-lo de volta no lugar. Vamos ligar para
o 156 da prefeitura para que venham consertar. – fala
Guto visivelmente preocupado.
O homem sorrindo ironicamente prossegue.
- Acredito que podemos ser honestos. Vocês
acharam algo que nos pertence, seu tio foi contratado
para encontrar isso e foi muito bem pago para isso. Mas
aparentemente ficou ganancioso. Agora deixem de
brincadeira e me entreguem o que encontraram. –
esticando a mão.
Túlio e Mariana ficam atrás de Guto que tenta
ganhar tempo.
- Desculpe não sei do que o senhor esta falando. –
dando um passo para trás.
- Chega de bobagens garoto. – com o tom de voz
ameaçador levantando o casaco e mostrando a coronha
de uma arma.
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Mariana ao ver o revolver solta um pequeno grito de
horror. Túlio enfia a mão dentro da mochila que
carregava e retira sorrateiramente um spray de pimenta.
Nesse instante o homem agarra o casaco de Guto,
Mariana puxa o rapaz tentando desvencilhá-lo e Túlio
com notável agilidade espirra um longo jato de spray no
rosto do homem que solta um grito de dor largando
Guto.
Guto empurra o homem que cai sentado enquanto
saem correndo subindo a Rua Riachuelo o mais rápido
que podem. Fogem apressados só preocupados em se
salvar. Não levavam em conta que estão correndo pela
primeira rua de Curitiba. Sem saber que no passado era
ela um dos caminhos que ligava a pequena e isolada vila
de Curitiba do século XIX ao litoral.
Correndo pelos prédios antigos pintados com cores
vibrantes com suas lojinhas de sírio-libaneses, que
inicialmente se estabeleceram próximos ao Mercado
Municipal como vendedores ambulantes e mais tarde,
passaram a ocupar as lojas da Rua Riachuelo, as quais, a
partir dos anos cinquenta, passaram a ser quase que
exclusivamente ocupadas por eles com a costumeira
mania de expor roupas em araras em frente das lojas.
Em disparada Túlio esbarra em uma arara fazendo
voar peças de roupas por toda rua. Sem parar ouve os
xingamentos em árabe, mas prossegue se desculpando.
Seguem rápido até chegarem à Rua XV de Novembro
também conhecida como a Rua das Flores, no coração de
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Curitiba. Rua onde não trafegam carros somente
pedestres, o que foi uma inovação para época e gerou
muitos protestos.
Mesmo com a recusa da ideia por parte dos
comerciantes e muitos moradores, durante a madrugada
do dia vinte de maio de mil novecentos e setenta e dois,
aproveitando o recesso da justiça, caminhões, máquinas
e homens eliminaram as vias e estacionamentos
existentes na Rua XV e instalaram o calçamento em
petit-pavê em questão de horas, formando uma contínua
calçada branca com um jardim, em plena área central.
Na próxima manhã, a rua surge completamente
modificada, surpreendendo a todos os curitibanos.
Misturam-se a multidão caminhando apressados
olhando para trás para ter certeza que não tinham sido
seguidos. Resolvem entrar na tradicional Confeitaria das
Famílias. Sentam em uma mesa próxima a janela e
pedem suco e carolinas de chocolate para comer.
- Nossa, foi por pouco? Quem era aquele maluco? –
fala Túlio ainda recuperando o fôlego.
- Só podia ser um membro dos Filhos de Belial. –
Mariana ainda assustada.
- O importante é que achamos mais uma pista. E
onde você arranjou aquele spray de pimenta, piá? – Guto
sorrindo.
- Presente de minha mãe. Ela diz que a cidade esta
muito insegura. Temperei o safado! – rindo.
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- Vamos ver o que temos aqui. – Guto retirando do
bolso o saco plástico.
Abre cuidadosamente o plástico e retira algumas
folhas de caderno além de uma pequena chave muito
velha com cerca de cinco centímetros feita em metal.
Túlio se oferece para examinar os papéis. Durante alguns
minutos lê atentamente.
- Então Wiki o que diz aí? – pergunta Mariana
ansiosa.
- É mais uma peça do quebra cabeça. – Túlio
resignado.
- Bem que seu tio podia simplesmente escrever
onde esta o tesouro e pronto! – Mariana olhando para
Guto. – Seria muito mais fácil! – irritada.
O rapaz concorda com a cabeça e fala.
- Então Túlio desembucha, qual é a próxima pista?
Mas antes do rapaz começar a falar o telefone de
Guto toca. O rapaz verifica o identificador de chamada e
não reconhece o número.
- Alô?
Do outro lado uma voz suave, mas monótona.
- Acredito que você tem algo que me pertence
rapaz!
O coração de Guto quase sai pela boca,
rapidamente coloca no viva voz para que seus colegas
possam ouvir a conversa.
- Quem fala?
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- Isso não é importante agora, mas pode me chamar
de professor, se assim preferir. Vejo que a habilidade
para pesquisa assim como para arrumar problemas é de
família. Fui informado que encontraram algo que me
pertence.
- Não sei do que esta falando. E como tem meu
número? – angustiado.
- Sei tudo a seu respeito Johannes Gutenberg
Kowlakoski, assim como de seus amigos a doce Mariana e
o gênio atrapalhado Túlio.
- Não irei lhe entregar nada. E se não nos deixarem
em paz irei direto a polícia! – enfático.
- Péssima ideia garoto. – em tom ameaçador – Vocês
não sabem no que se envolveram. Até agora deixei que
brincassem de caça ao tesouro, mas agora chega!
Entregue o que acharam, não quero ter que eliminar a
terceira geração de sua família.
Guto empalidece. Mariana coloca a mão na boca
horrorizada. Além de seu tio aquele homem havia
matado também seu avô, a aventura começava a sair de
controle e tomar um caminho perigoso.
O homem continua calmamente.
- Como sou uma pessoa sensata permitirei que
entreguem o que encontraram até amanhã. Não me
forcem a tomar medidas mais drásticas, acreditem isto
seria um grande erro. Falaremos novamente.
Desligando abruptamente o telefone.
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Mariana com lágrimas a escorrer por seu rosto olha
para Guto e chorosa fala.
- E agora o que faremos?
- Se acalme. Eles querem muito o que temos, não
farão nada, pelo menos por enquanto. – Guto consolando
a menina. – Wiki o que temos aí? – apontando para as
folhas que encontraram.
Túlio, que quando fica nervoso come, esta com a
boca cheia de carolinas de chocolate. Com dificuldade
fala.
- Bom, como esperávamos as páginas pertencem ao
diário de campo de seu tio. Comprovam o envolvimento
dos maçons para esconder o tesouro assim como a
periculosidade dos Filhos de Belial, o que infelizmente
acabamos de comprovar.
- Só isso? Não diz mais nada, nem uma outra pista
para onde devemos ir? – Mariana ainda tensa.
- Não, somente algo chamado Juramento
Curitibano. Vou ler para vocês.
“Nunca traremos desgraça a esta nossa Cidade, por
nenhum ato de desonestidade ou covardia, nem jamais
abandonaremos nossos companheiros do Povo, sofredores.
Lutaremos, sós ou acompanhados, pelos ideais e pelas causas
sagradas desta Cidade. Reverenciaremos e obedeceremos as
leis da Cidade e faremos o possível para induzir a um respeito
igual aqueles, acima de nós, que estejam inclinados a destruílas ou escarnecê-las. Lutaremos também incessantemente
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para aprofundar o senso do dever cívico do público. Dessa
forma, transmitiremos esta Cidade nem igual, nem menor do
que nos foi transmitida, mas, sob todos os aspectos, mais bela,
mais humana e mais sorridente”.
Curitiba, novembro de 1966.
Ivo Arzúa Pereira
- Nunca ouvi falar nisso. – fala Guto.
- Nem eu, vou ter que pesquisar na internet, aqui
tem wifi. – Túlio retirando da bolsa seu notebook.
Guto vendo a ansiedade e medo de Mariana a
abraça.
- Tudo Bem? – carinhosamente.
- Sim, desculpe. Eu sabia dos riscos, mas acho que
era mais fácil em minha cabeça do que na realidade. –
encabulada.
- Não se preocupe tudo vai ficar bem.
- Eu sei. Confio em você. – beijando suavemente
seus os lábios.
Túlio pigarreando.
- Podemos? – olhando para o notebook sorrindo. Obrigado.
- Encontrou? - Guto esperançoso.
- Sim. Vocês irão gostar disso. O Juramento
Curitibano é uma adaptação com poucas modificações do
Juramento Ateniense. – olhando sério para os amigos. – E
é aí que as coisas ficam interessantes.
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No centro da praça Vinte e Nove de Março que foi
planejada pelo então arquiteto, futuro prefeito de
Curitiba e governador do Paraná Jaime Lerner, em frente
ao monumento, constava uma placa escrita em bronze
com os seguintes dizeres:
“Prefeitura Municipal de Curitiba. Neste local, em urna
lacrada encontra-se a “Mensagem do Futuro”, aqui encerrada
no dia 14-11-1966 e que será divulgada em 29 de março do
ano 2.000”.
Guto e Mariana trocam olhares continuando a não
entender o que isto tinha a ver com o tal juramento e o
tesouro.
Túlio prossegue.
Nesta urna havia a Mensagem do Futuro, o
Juramento Curitibano e o Plano Diretor de Curitiba, além
de fotos, moedas e células antigas só que na década de
oitenta essa urna foi violada e a “Mensagem do Futuro”
roubada.
Mas não para por aí, lá também encontramos um
painel em baixo relevo de nosso amigo Poty Lazzarotto! –
enfatizando o nome. - Outra curiosidade o terreno onde
hoje esta a praça era um campo de futebol de um time
da segunda divisão amador da década de vinte até a de
sessenta chamado Poty Sport Club! – sorrindo com as
sobrancelhas levantadas.
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- Então é isso devemos ir até a Praça Vinte e Nove
de Março lá encontraremos outra pista no mural do Poty.
– fala Guto.
- E essa chave para que serve? – Mariana segurando
o pequeno objeto.
Túlio folheia o diário e encontra uma citação.
- Aqui menciona que seu tio encontrou esta chave
durante sua estadia em Londres. Foi por causa dela que
começou a desconfiar de seus empregadores. Mas não
aprofunda muito nisso. – dando de ombros.
- Como diria Jack o estripador, vamos por partes.
Uma peça de cada vez, uma peça de cada vez! – Guto
sorrindo.
Mariana coloca a chave em uma gargantilha com a
imagem de São Cristóvão que sempre usava e esconde
dentro da roupa. Pagam a conta e sem da confeitaria.
Caminham poucos passos quando Mariana sente um
homem agarrar seu braço.
- Quietinha querida. – encostando o cano da arma
nas costas da menina encoberta pelas roupas.
Túlio e Guto ficam paralisados de medo. Olham
para o homem que esta com os olhos ainda vermelhos
por conta do spray de pimenta.
- Solte-a! – suplica Guto.
- Calem a boca e sigam-me. – ordena o homem.
Caminham calados em quanto descem a galeria
Minerva em direção a Av. Marechal Deodoro onde um
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carro os espera. São colocados no banco traseiro e olham
assustados para o homem em sua frente.
- Passe para cá essa mochila. – fala o homem
irritado vez ou outra esfregando os olhos enquanto
vasculha a mochila.
Retira tudo de dentro e fica com o diário de campo
além de todas as páginas que os garotos encontraram até
ali. Guto apreensivo resolve perguntar.
- Para onde estão nos levando?
- Não é de sua conta pirralho, cale a boca! –
ameaçadoramente apontando a arma.
Rodam durante vinte minutos até chegarem a um
enorme portão de ferro. Os garotos não reconhecem o
bairro. São obrigados a entrar em uma mansão enorme
que estava em reforma.
No rol de entrada com o chão em mármore, um
candelabro em cristal pendurado ilumina o local, uma
enorme escadaria que se divide em duas leva ao andar
superior. Uma empregada aparece. O homem pergunta
sem muita educação.
- O professor já chegou?
- Não, seu voo atrasou, ele chegará apenas próximo
à meia noite. Estamos apenas nós aqui. Quem são estes?
- Não lhe interessa! – secamente.
O Homem faz cara de aborrecimento. E empurrando
violentamente os meninos fala.
- Venham comigo pirralhos, teremos que esperara
chegada do professor.
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Guto pergunta.
- Quem é esse professor...
Leva um tapa violento no rosto. Mariana solta um
grito de horror.
- Cale a boca moleque! – ainda com a mão
levantada.
Com o canto da boca sangrando Guto acalma
Mariana abraçando-a.
- Esta tudo bem.
O homem os leva para fora da casa e os faz entrar
em um anexo da casa usado como depósito com janelas
gradeadas. Era um local grande com muitas coisas
espalhadas.
Túlio apavorado fala.
- O que faremos agora?
- Vamos dar um jeito de fugir. – Guto acalmando os
amigos. – Vocês ouviram a mulher estão somente ela e os
dois que nos trouxeram.
- É e um deles esta na porta nos vigiando. Sem dizer
que mesmo nós dois junto não daremos conta dele, você
viu o tamanho dele? – Túlio temeroso.
- Vamos vasculhar o lugar para ver se encontramos
algo que nos ajude.
Espalham-se e procuram alguma coisa que pudesse
ajuda-los. Após um tempo Guto pergunta.
- Então o que encontraram.
Mariana responde.
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- Achei um monte de canos e conexões de plástico,
além de fitas adesivas. – desanimada.
- Eu achei uma roda de bicicleta com o pneu
furado, mas tem uma bomba para enchê-lo se
encontrarmos o resto da bicicleta é claro. – fala Túlio
irônico. – E você Guto?
- Achei um freezer cheio de batatas congeladas. desanimado.
Mariana vai até a janela onde avista o homem.
- Nossa ele é enorme deve ser preciso uma bazuca
ou canhão para derrubar ele. – vendo o tamanho do
guarda.
Túlio para olha para menina e fala.
- O que você disse?
- Que o guarda é enorme. – sem entender.
- Não, depois disso?
- Que seria preciso uma bazuca ou canhão para
derrubar ele.
- Mariana você é um gênio. – correndo em direção à
roda da bicicleta e retirando a câmara de ar.
Guto e Mariana ficam olhando sem entender nada.
Túlio percebe e rindo fala.
- Vamos construir um canhão para derruba-lo. –
Rindo segurando um cano de plástico.
Guto lembra que há alguns anos nas férias
construíram um canhão de batata, quebrando a calha de
sua casa e seu pai ficou uma fera. Tinham todos os
materiais necessários ali.
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- Wiki você é um gênio. – abraçando o amigo.
Então começam a construção da arma. Pegam um
pedaço de cano de PVC de sessenta milímetros colocando
uma tampa em uma extremidade prendendo com fita
adesiva.
Nesta tampa fazem um furo e colocam o bico que
retiram da câmara de ar da roda da bicicleta vedando
bem com a fita adesiva. Na outra ponta do cano de
sessenta colocam um redutor para cano de quarenta
milímetros. Adicionam um registro de meia volta que
encontram mais um pedaço de cano de quarenta
milímetros e esta pronta a arma.
Com a bomba de encher pneu de bicicleta
bombeiam ar para dentro do canhão o máximo que
conseguem. Guto pega uma grande batata congelada e
enfia dentro do cano do canhão utilizando um cabo de
vassoura envolto em um pano como bucha.
- Wiki teremos apenas um tiro, tem que ser
certeiro! – fala Guto.
- Não se preocupe! – Túlio confiante.
Mariana vai até a porta e começa a bater chamando
a atenção do guarda. Incomodado com o barulho o
homem se aproxima da porta.
- Cale a boca eu entrarei aí e vocês verão uma
coisa. – dando uma batida na porta.
Guto olha para Wiki.
- Preparado?
- Sim! – apontando o canhão para porta.
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Guto e Mariana se posicionam atrás de Túlio e
continuam a gritar.
O homem abre a porta muito irritado e é quando
Túlio abre o registro deixando toda a pressão do ar que
estava comprimido dentro da arma lançar a batata
congelada como uma bala.
A batata acerta bem no meio da testa do homem
fazendo voar estilhaços de batata para todos os lados. O
Gigante cambaleia para trás depois para frente olha
ainda para os garotos e cai desmaiado.
Os garotos saem correndo até o portão que esta
aberto, sem olhar para trás correm para liberdade.
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Velhos Amigos
Combinam de se encontrar na casa de Guto no
outro dia bem cedo para verificar a pista que
encontraram. Aliviados seguem para suas casas.
Na manhã seguinte como combinado estão prontos
para sair quando são chamados pelo pai de Guto.
Guto caminha apreensivo para dentro chamando por
seus pais. Ao chegar à sala vê seu pai e sua mãe sentados
conversando animadamente com um senhor. Estranha o
horário da visita.
- Meninos que bom que chegaram. – fala seu pai. –
Guto venha cá quero lhe apresentar um velho amigo da
família que não víamos há muito tempo. Este é o
professor Gregório Solomon.
O homem levanta com certa dificuldade virando
lentamente. Tinha cabelos brancos, olhos azuis, pele
clara, vestia-se impecavelmente, apoiado em uma
bengala com cabo em marfim, olha e sorri.
- Olá meu rapaz, que bom que finalmente nos
conhecemos. Pode me chamar de professor se preferir
assim como seu tio fazia, éramos grandes amigos, você
lembra ele.
Guto reconhece imediatamente a voz, o mesmo tom
monótono da que ouviu no telefone. Assustado apenas
responde.
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- Olá.
- O professor assim como seu tio e avô também é
um entusiasta da lenda do Pirata Zulmiro. – fala o pai de
Guto sorrindo.
- Uma lenda, um mito, muitas vezes não passam de
versões contadas muitas e muitas vezes de um fato
verdadeiro meu amigo Norberto. – balançando a mão no
ar. – Mas é verdade Guto, conheci seu avô por conta
dessa lenda, e depois seu tio. – olhando maliciosamente
para o garoto.
Guto cora de raiva com os punhos cerrados, diante
dele o assassino de seu avô e tio, mas se contém por
medo que algo pudesse acontecer a seus pais e amigos. O
velho prossegue.
- Lembro que seu tio tinha uma formidável coleção
de discos de vinil, ficaria muito grato se pudesse vê-la
mais uma vez meu rapaz.
O Pai de Guto responde por ele.
- Claro! Será um prazer, Guto leve o professor até
seu quarto enquanto ajudo sua mãe a preparar um café
para nós todos. Túlio, Mariana me ajudam? – sorrindo.
Ao chegarem ao quarto tendo certeza que estavam
a sós o homem muda de expressão.
- Gosto de conhecer meus adversários cara a cara. analisando o garoto.
Guto deixando sua raiva extravazar ameaça ir em
direção ao velho, mas com um gesto extremamente ágil
contrastando com sua imagem frágil, ele puxa o cabo da
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bengala deixando a mostra a lamina de uma espada que
aponta para garganta de Guto.
- Não se julga um livro pela capa, seu tio deveria
ter lhe ensinado isso. Não deixe minha aparência lhe
enganar. Acredito que o melhor é manter as aparências
para o bem de todos – rindo zombeteiramente.
O garoto se contém e se afasta. O velho embainha a
bengala e puxa uma cadeira.
- Sua família vem se envolvendo há muito tempo em
nosso caminho, seu avô descobriu as primeiras pistas que
nos trouxeram até aqui, mas digamos que a aproximação
com ele não foi das melhores e acabamos tendo que
providenciar um acidente para ele. Já com seu tio
mudamos a abordagem e aparentemente estávamos indo
bem até ele descobrir sobre nossa ordem e o real motivo
de sua pesquisa. – entediado.
Ele viajou até Londres para tentar nos despistar,
dizendo que não havia encontrado nada e que a lenda
não passava disto, de uma lenda. Obviamente não
acreditamos vasculhamos seu apartamento atrás de seu
diário e o resto você já sabe.
- Vocês já tem tudo o que achamos, já esta com o
diário e as paginas que encontramos já podem nos deixar
em paz. Assassinos! – Guto angustiado.
- Não somos assassinos, só fazemos o que é
necessário para obter o que é nosso por direito. Mas
acredito em você. Esta visita serve para compreender
que se algum dia mencionar algo ou voltar a se envolver
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nisso será seu fim e de todos que ama. Fui bem claro! –
olhando fixamente nos olhos do guri.
- Sim. – retribuindo o olhar.
- Que bom. Agora acho melhor voltarmos afinal não
queremos deixar o café esfriar. – sorrindo ironicamente.
Guto, Mariana e Túlio ficam desconfortavelmente
calados durante toda a estada do homem até sua saída.
Já em seu quarto Guto põe os amigos a par dos
acontecimentos.
- Então é isso fim! – Túlio olhando sério para os
amigos. – Vamos deixar este velho assassino e seu bando
de loucos encontrem a receita para o fim do mundo! –
com os braços erguidos.
Mariana fica calada, intimamente estava aliviada
que aquela loucura havia terminado.
- Também não gosto disso Wiki, mas as coisas
saíram do controle. – fala Guto.
- O que seu tio faria? Ele preferiu morrer a deixar
estes malucos ficarem com o tesouro, devemos isso a ele
e a seu avô! - Túlio apelando para o lado emocional de
Guto.
Mariana afinal se manifesta.
- O que podemos fazer Wiki, eles levaram tudo. Não
temos mais nem o diário de campo!
- Não precisamos dele! – fala Túlio sorrindo.
- Como assim? – fala Guto.
Túlio completa sarcástico.
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Filhos de Belial
- Tenho tudo em minha cabeça. – com o dedo
indicador batendo na cabeça. - Esqueceram que tenho
memória fotográfica!
Guto olha para Mariana.
- O que você acha?
A menina pondera por alguns segundos.
- Eu adorava seu tio, cresci com ele sempre dizendo
que devemos ser pessoas boas. Que o mundo precisa de
sonhadores de aventureiros. Vamos achar este maldito
tesouro e acabar com os desgraçados. Além disso, não
levaram tudo. – retirando da blusa a chave presa em sua
gargantilha.
Com o ânimo redobrado os amigos se preparam para
o próximo passo de sua jornada. Analisam as informações
que tem e buscam mais pistas. Sabem que devem
procurar algo no mural da Praça Vinte Nove de Março.
Sabiam que não poderiam ser vistos pelos Filhos de Belial
então traçam um plano.
- Vamos deixar a poeira baixar. Iremos de bicicleta
amanhã, bem cedo, saímos antes do sol raiar, assim não
dependeremos de ônibus . – fala Guto.
Túlio faz uma cara de desgosto, mas acaba
concordando.
- Então até amanhã meninos. – fala Mariana.
Guto a acompanha até o ponto de ônibus e retorna
pronto para batalha, vingaria seu tio e avô. Resgataria o
tesouro e acabaria de uma vez por todas com a
sociedade Filhos de Belial.
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Filhos de Belial
Por um Pente
Na manhã seguinte como combinado seguem rumo à
praça. O dia ainda não havia clareado, lutavam com o
forte frio, mas eram recompensados pela falta de
transito, o que agilizou a jornada, e pelas belas
paisagens proporcionadas pelo inverno como os telhados
branquinhos por conta da geada, a grama congelada e o
belo nascer do sol dando um tom avermelhado a tudo.
Como previam a praça estava vazia, não corriam o risco
de encontrar nenhum Belial àquela hora.
Inaugurada em catorze de novembro de mil
novecentos e sessenta e seis a Praça Vinte e Nove de
Março é uma praça monumento em homenagem à
fundação da cidade de Curitiba.
Planejada pelo então arquiteto Jaime Lerner possui
dois planos que simbolizam o presente e o passado,
separados por uma passagem de um metro e vinte
centímetros com um monumento que lembra a forma de
uma caravela, com uma cascata no centro do espelho
d’água. Que sugere que as águas caindo do passado para
o presente estão sempre voltando.
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8 Monumento em Caravela Praça 29 de Março
Alheios a tudo isso, imediatamente começam a
busca por uma nova pista no imenso mural de Poty.
Espalham-se e esquadrinham a obra.
Durante cerca de uma hora procuraram algo que
pudesse dar outra pista e nada. A praça começa a ficar
movimentada com pessoas praticando caminhada outros
utilizando os aparelhos de ginástica para terceira idade,
os “estica velho” como eram conhecidos. O tempo estava
esgotando e se não encontrassem nada logo teriam que ir
embora, não poderiam correr o risco de encontrar os
Beliais.
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Filhos de Belial
- Alguma coisa? – Guto demonstrando seu
desespero.
- Nada. Talvez os malucos já tenham pegado. – fala
Túlio.
- Espero que não. – Guto preocupado. – E aí Mari
achou alguma coisa? – gritando, pois a menina esta na
outra extremidade do mural.
Com as mãos a menina chama os garotos que vão
correndo.
- O que foi? – fala Guto ansioso.
- Vejam isso. Em todo mural este é o único desenho
que faz menção a outra praça. A Praça Tiradentes. Até
agora todas as pistas estavam em praças é um tiro no
escuro eu sei, mas não custa tentar. – fala menina.
9 Mural de Poty Praça 29 de Março
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Filhos de Belial
Guto pede ajuda para Túlio que faz um apoio com
as mãos para que ele possa subir e olhar atrás da pedra.
Guto passa os dedos rente aos contornos da pedra e na
parte superior sente uma pequena depressão. Sobe no
mural e com auxilio da lanterna de Túlio consegue ver
que dentro da depressão tem alguma coisa. Tenta pegar,
mas seus dedos não conseguem entrar no buraquinho.
Guto pergunta para Mariana.
- Você tem uma pinça em suas coisas?
- Acho que sim. – vasculhando sua mochila atrás de
seu estojo de manicure. – Aqui esta.
Com o auxilio da pinça puxa um pequeno rolo em
couro comprido como um canudo. Satisfeito olha para
frente comemorando o achado quando vê no outro lado
da praça estacionarem o carro preto e saindo dele o
homem que no outro dia os prendeu. Olha para os amigos
e grita.
- CORRAM! Nos encontramos no tubo da Rua
Brigadeiro Franco. – apontando para o carro.
Túlio e Mariana seguem pela parte de baixo e Guto
por cima. Entram correndo no tubo do Ligeirinho.
- Será que nos viram? – fala Mariana.
- Não. Se tivessem visto já estariam atrás e nós. –
fala Guto.
O ônibus chega eles embarcam.
- Minha bicicletinha? – fala Túlio com cara de choro.
Enquanto seguem viaje Guto abre o canudo retira
um papel e uma foto. Era uma foto aérea do centro de
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Curitiba mostrando uma conexão entre as igrejas da
região. Além de uma reportagem da revista O Cruzeiro
sobre acontecimentos ocorridos em Curitiba, o título era:
“Por causa de um pente, Curitiba quase perde a
cabeça”.
Segundo a reportagem a compra de um pente na
loja de um imigrante estabelecido na Praça Tiradentes
foi o estopim para três dias de quebra-quebra e
violência, que teriam deixado um saldo de dois mortos, e
que só teve fim quando o Exército interveio no caso,
tendo repercussão nacional. O Episódio ficou conhecido
como a Guerra do Pente.
No fim da tarde de oito de dezembro de mil
novecentos e cinquenta e nove, o subtenente Antônio
Tavares, da Polícia Militar, entrou no Bazar Centenário
para comprar um pente e exigiu a nota fiscal de compra,
no valor de quinze cruzeiros.
Na época, o governo Moisés Lupion promovia uma
campanha chamada “Seu Talão Vale Um Milhão”, para
aumentar a arrecadação tributária do estado. O
consumidor que reunisse notas fiscais no valor de três mil
cruzeiros poderia trocá-las por um cupom que daria
direito ao sorteio de um milhão.
O dono da loja, o libanês Ahmed Najar, recusou-se
a dar a nota, em razão do valor irrisório. Pela legislação
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da época, os comerciantes não eram obrigados a
fornecer a nota fiscal abaixo de determinado valor.
Tavares e Najar começaram a brigar. Na confusão,
o pente foi quebrado, assim como a perna do
subtenente, retirado da loja por seguranças.
Naquela época, a Praça Tiradentes era um dos
principais terminais de embarque e desembarque do
transporte coletivo de Curitiba, e pessoas que circulavam
pelo local presenciaram a cena, solidarizando-se com o
policial e dando o pontapé inicial no conflito. Em três
dias de distúrbios, cerca de cento e vinte lojas foram
depredadas. Em algumas delas, a destruição foi total.
- Quem diria Curitiba rebelde. – Túlio sorrindo.
- Você estava certa Mariana acredito que a próxima
pista esta na Praça Tiradentes, já que foi lá o conflito.
Mas não me lembro de ter algum mural de Poty lá. – fala
Guto.
- E não tem mesmo. – completa Túlio. – Mas é lá
que fica a Catedral Basílica de Curitiba. Olhem a foto
novamente.
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10 Foto Aérea Curitiba
Túlio continua.
- No diário de seu tio ele menciona que na última
reforma na catedral foi descoberto um poço sobre o chão
do altar, que só agora com esta foto faz sentido. A lenda
do pirata diz que eram quatro as entradas para os túneis
que levam ao tesouro, seu avô descobriu uma e acredito
que as outras podem estar em algum destes pontos –
apontando para foto. Seu tio chegou até aqui Guto, mas
não teve a oportunidade de comprovar sua teoria! –
olhando entusiasmado para o garoto.
- A partir daqui é por nossa conta. Temos que olhar
o tal poço na Catedral. – Guto apreensivo.
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- Vamos esperar ela abrir e conferimos, mas antes
vamos tomar café e comer pão de queijo, estou
morrendo de fome. – completa Mariana pegando na mão
de Guto e puxando para uma lanchonete.
~~~~
Enquanto isso na praça vinte e nove de março o
homem sai do carro e segue direto ao mural de Poty.
Vasculha cada canto a procura de uma pista, mas sem
sucesso. Caminha preocupado de um lado para outro
temeroso em contar os acontecimentos a seu chefe, o
professor.
Enquanto se prepara para ligar, buscando coragem,
percebe algumas bicicletas, com raiva chuta uma delas a
derrubando, então percebe embaixo do selim uma
etiqueta. Sorri nervosamente e faz a ligação.
- Professor sou eu, tenho más notícias. – fala o
homem cauteloso.
- Você sabe que não gosto de más notícias. O que
foi? - irritado.
- Procurei por todo mural e não encontrei nada,
mas os garotos estiveram aqui. – nervoso. – E
encontraram algo.
- Malditos moleques. Essa família já atrapalhou
nossos planos por tempo demais vamos resolver isso de
uma vez por todas. – raivoso. – Acho que os subestimei.
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- O que o senhor quer que eu faça?
- ENCONTRE-OS e traga-os para mim. – encerrando a
ligação furioso.
O homem afasta o celular do ouvido com cara de
dor. Olha novamente a etiqueta onde esta escrito:
“Propriedade de Túlio Soares, fone 9358-6523”.
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Seis Graus de Separação
Construída entre mil oitocentos e setenta e seis
e mil oitocentos e noventa e três em estilo neogótico ou
gótico romano, inspirado na Catedral da Sé de Barcelona,
na Espanha, a Catedral de Curitiba ocupa o mesmo local
da antiga matriz do século XVII, bem como o da sua
sucessora, construída em mil setecentos e vinte.
Projeto do francês Alphonse Conde des Plas, com
pequenas modificações feitas pelo engenheiro Giovani
Lazzarini, responsável pela execução da obra que durou
dezessete anos para ficar pronta.
Em sete de junho de mil novecentos e noventa e
três, a Catedral foi elevada ao grau de Basílica Menor,
em reverência a Nossa Senhora da Luz dos Pinhais,
a santa padroeira da capital paranaense.
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11 Catedral Basílica de Curitiba
Guto, Mariana e Túlio entram na catedral pela
primeira vez em suas vidas e se surpreendem com a
beleza do local. A igreja aquela hora da manhã estava
vazia com poucos fieis que chegavam e se acomodavam
vagarosamente.
Maravilhados olham tudo atentos. Sob a entrada um
enorme órgão de tubo com um belíssimo vitral azul
atrás. Bancos em madeira ornamentados, nas paredes
vitrais belíssimos que com os raios de sol davam um ar
misterioso e solene ao local.
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12 Órgão em Tubo Catedral
Quadros nas paredes contavam a via sacra de Jesus
Cristo, o teto em arcos todo pintado deixava ainda mais
bela a igreja. Colunas com detalhes em dourado por toda
a igreja.
- Nossa como é linda. – fala Mariana impressionada.
- Nem me fale! Como nunca entramos aqui antes. –
Guto fascinado.
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13 Interior Catedral
Se aproximam do altar para tentar examinar o local
e ver se encontram algum sinal do tal poço. Guto diante
do altar disfarçadamente dá pequenas batidas com o pé
para tentar identificar algum sinal da entrada do túnel.
Um padre que fazia os preparativos para missa para
e observa os três jovens tão cedo na igreja agindo de
maneira tão estranha. Durante alguns minutos só olha em
silêncio o trio, então os aborda.
- Bom dia meus filhos. – sorridente.
O padre era um homem forte com cerca de setenta
anos, cabelos brancos, olhos azuis e fisionomia bondosa.
Os garotos entretidos na busca levam um susto e
Guto responde desajeitado.
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- Bom dia padre. – com um sorriso amarelo.
- É muito bom ver três jovens almas tão cedo na
igreja. – se divertindo ironicamente. – Vejo que estão
interessados no altar talvez eu possa ajuda-los.
- Não só estamos apreciando a beleza do lugar. –
Mariana olhando e apontando para um enorme vitral em
cima do altar.
Túlio complementa desajeitado gaguejando.
- É apenas estamos apreciando o evangelho... de
nosso senhor... Pai... Deus... Jesus! – colocando as mão
no rosto como rezando.
Guto e Mariana se olham envergonhados. Mariana
colocando a mão no rosto.
O padre sorri e completa.
- Que bom vou deixa-los então. Não quero
atrapalha-los. Pensei que eram aventureiros atrás da
história do túnel em baixo do altar. – se afastando
olhando de lado para os garotos sorrindo.
Os garotos se olham e Guto fala.
- Existe mesmo um túnel embaixo do altar?
O padre sorrindo fala.
- Me acompanhem vamos até a sacristia. Não
queremos atrapalhar nossos irmãos que rezam.
Ao chegarem o padre oferece aos garotos um pouco
de café com bolachas. O que somente Túlio aceita sob o
olhar reprovador de Mariana.
- Você não me é estranho rapaz. – apontando para
Guto. – Como se chama?
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- Johannes Gutenberg Kowlakoski, mas todos me
chamam de Guto.
- Por acaso não seria parente dos Kowlakoski do
sebo da Rua Visconde do Rio Branco?
- Sim é de minha família! – surpreso.
- Sou velho frequentador daquele lugar. Adoro. Sou
um amante da história e leitor assíduo passava longas
horas conversando com o dono, um senhor muito
simpático, acredito que seu avô. Mas infelizmente os
afazeres cristãos me impediram de voltar. Tenho um
rebanho enorme para zelar – sorrindo. - Há anos não vou
lá.
- Meu avô faleceu, mas o sebo continua firme e
forte, meu pai o mantém.
- Meus pêsames por seu avô e que bom que seu pai
deu prosseguimento ao sebo. Então conhecem a história
do túnel sob o altar. – olhando sério para os garotos.
- Nos últimos dias tivemos um curso intensivo sobre
o tema. – fala Túlio com expressão de cansado.
- Existe mesmo um túnel? – pergunta Mariana.
- Existiu! Foi fechado na última reforma da
catedral.
O desanimo transparece nos rostos de todos.
- Quem construiu e para que? – fala Guto.
O padre prossegue calmamente entre goles de café
e mordidas em bolachas.
- Acredita-se que era o respiradouro de um túnel
que ligava a Catedral até o Clube Concórdia, construído
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pelos militares no caso de uma possível invasão nazista,
caso os alemães ganhassem a guerra na Europa e viessem
para a América do Sul. Acreditava-se que a igreja
poderia ser um local de reunião de líderes de uma
possível resistência e distribuição de suprimentos.
Os amigos se olham sem entender.
- Invasão nazista, só faltava isso? – Túlio incrédulo.
- Eram tempos de medo aqueles. O Clube Concórdia
foi inaugurado em quatro de abril de mil oitocentos e
sessenta e nove, por imigrantes alemães. O Gesangverein
Germânia, como era chamado, tinha como objetivos a
música, a cultura e o divertimento.
Com a guerra e o crescente medo em mil
novecentos e trinta e oito, o Regime do Estado Novo
decretou mudança na estrutura das sociedades com
denominação estrangeira, então o Gesangverein
Germânia passou a se chamar Clube Concórdia.
Por ordem do Governo Brasileiro foram afastados da
direção os sócios “não brasileiros”, substituídos por uma
junta governativa. Em mil novecentos e quarenta e dois
foram proibidas as reuniões sociais de entidades italianas
e germânicas.
O padre olha para os lados e sussurrando continua.
- Existe uma lenda que diz que no porão do Clube
Concórdia tem um túnel perto do banheiro que segue por
alguns metros e termina em uma porta de aço toda
ornamentada com símbolos antigos que nunca foi aberta,
pois precisa de uma chave especial que ainda segundo a
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lenda foi forjada no próprio inferno. – com voz sombria e
depois sorrindo.
Os amigos se olham espantados, Mariana
instintivamente coloca a mão no peito apertando a chave
sobre a roupa.
- Mas lendas são lendas meninos. E não passam
disso. Se não se importam tenho que ir rezar a missa
agora, espero que fiquem para apreciar. – com um
sorriso bondoso.
- Ficaremos padre, desculpe qual seu nome? – fala
Guto.
- Padre Júlio Saavedra, ao seu dispor.
- Obrigado padre Júlio. – Mariana agradece.
Como prometido assistem toda a missa. Saem
calados seguindo o fluxo em direção à rua. Caminham
até o centro da Praça Tiradentes e sentam em um banco.
Guto rompe o silêncio.
- Então Mariana o que acha da história do padre.
Alguma cor estranha?
- Não. Tudo normal, nada de amarelo. Ele fala a
verdade. Mas é estranho, muita coincidência
encontrarmos um padre que conhece seu avô não acha? –
desconfiada.
- Pois é! Estranho mesmo. – concorda Guto.
- Na realidade nem tão estranho assim. – Túlio
completa com ar de quem sabe de algo.
- Como assim piá? – fala Mariana.
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- Mais uma das aulas de Wiki e seu cérebro imenso.
- Guto rindo.
Túlio ignora o comentário do amigo e prossegue.
- Existe uma teoria que diz que apenas seis pessoas
separam você de qualquer indivíduo no mundo. Chama-se
“Os Seis Graus de Separação”. A teoria foi criada pelo
psicólogo americano Stanley Milgram após uma série de
experimentos conhecidos como Small World (mundo
pequeno) onde ele pedia a uma pessoa que passasse uma
carta a outra, desde que essa outra pessoa fosse
conhecida.
O objetivo era que a carta chegasse a uma
determinada pessoa, desconhecida da primeira, que vivia
em outra cidade. Segundo Milgram, o número médio de
vezes que a carta foi passada foi seis, daí a teoria dos
seis graus de separação.
Recentemente
pesquisadores
da
Microsoft
estudaram os endereços de pessoas que enviaram 30
bilhões de mensagens instantâneas usando o programa
MSN Messenger durante um único mês em 2006 e
comprovaram que quaisquer duas pessoas estão
conectadas por, em média, sete ou menos conhecidos dizem os especialistas.
- Muito bem Wiki, mais uma vez mostrando toda sua
sabedoria. Agora nos diga como a Teoria dos Seis Graus
de Separação nos ajuda em nosso problema? – Mariana se
divertindo.
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- Precisamos entrar no porão do Clube Concórdia
para averiguar a existência da tal porta não é? – sem
esperar a resposta dos amigos. – Pois bem nas ultimas
eleições municipais foi eleito o vereador Zezinho da
Caximba, a chefe do gabinete dele é dona Maria Souza
que é irmã de seu Rogério dono do restaurante América
onde trabalha dona Esmeraldina que é mãe de seu
Antonio que trabalha como vigia no Clube Concórdia que
por sua vez é pai do Toinho vesgo que estuda conosco.
Guto e Mariana ficam atônitos olhando para o
rapaz, então Mariana fala.
- Nossa Wiki sua mente trabalha de forma estranha.
Às vezes isso me da medo. – olhando séria.
Guto se diverte e completa.
- Você é estranho meu amigo. É claro que você tem
o telefone do Toinho?
- O Toinho me deve um favor, o ajudei nas provas
de química. Ele é gente boa. Já estou ligando para ele.
Após uma breve conversa ao telefone Túlio coloca
os amigos a parte dos acontecimentos.
- Tudo certo Toinho falou com seu pai que
precisávamos fazer um trabalho para escola sobre o
Clube Concórdia e sua relevância no centro histórico.
Mas teremos que esperar até depois do almoço.
- Já é quase meio dia onde nós vamos almoçar? –
fala Mariana.
- Eu conheço um restaurante ótimo, fica em frente
da Biblioteca Pública. – fala Túlio.
~ 126 ~
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Os amigos seguem descontraidamente até o local.
Sentado enfrente a Mariana, Guto sorri vendo o
espanto da menina ao ver o tamanho do prato feito por
Túlio. O restaurante era pequeno, mas aconchegante
com cadeiras em madeira com assento em palha, mesa
com toalhas xadrez vermelha e branca.
Nas paredes fotos antigas dos bairros de Curitiba. A
comida italiana, no cardápio do dia frango cozido,
polenta frita, macarrão, arroz com legumes, feitos em
fogão à lenha e seis tipos de saladas as quais Túlio nem
se aproximou e de sobremesa sagu de uva.
Comem descontraidamente quando o telefone de
Guto toca. O rapaz verifica o número e não reconhece.
Apreensivo atende.
- Alô quem fala?
- Guto? – uma voz insegura.
- Sim quem fala?
- Aqui é Antônio, o Toinho tudo bom?
- Fala Toinho, tudo belê. Em que posso ajudar.
- O Wiki me fez um pedido estranho, queria entrar
no Clube Concórdia, você sabe dele?
- Sim ele está aqui atrás de uma montanha de
comida eu acho. – rindo.
- Então, fala para ele que estarei lá às catorze
horas. Estou tentando falar com ele, mas o celular dele
esta fora de área. Belê?
- Beleza, obrigado Toinho.
~ 127 ~
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Túlio verifica o celular e percebe que a bateria
acabou. Procura o carregador na mochila, mas não
encontra.
- Acho que esqueci o carregador.
Mariana fazendo cara de espanto.
- Você esqueceu alguma coisa? Isto é um milagre,
vamos tirar uma foto para guardar este momento para
posteridade. – rindo.
Túlio não se incomoda.
- Não há problema, vocês sabiam que existem
alguns truques que podem auxiliar nestas horas. – com ar
de superioridade.
- Lá vamos nós? – Guto com a mão na testa rindo.
- Escutem e aprendam. O número universal de
emergência para celular é cento e doze! Se você estiver
fora da área de cobertura de sua operadora e tiver
alguma emergência, disque cento e doze e o celular irá
procurar conexão com qualquer operadora possível para
enviar o número de emergência para você, e o mais
interessante é que o número cento e doze pode ser
digitado mesmo se o teclado estiver travado.
Agora vamos imaginar que a bateria do seu celular
esteja fraca que é meu caso. Para ativar, pressione as
teclas: *3370# e seu celular irá acionar a reserva e você
terá de volta cinquenta por cento de sua bateria. Essa
reserva será recarregada na próxima vez que você
carregar a bateria.
~ 128 ~
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Outra curiosidade existe um número de série em
todo celular, para descobrir este número pressione os
seguintes dígitos: *#06#* um código de quinze dígitos
aparecerá. Este número é único. Anote e guarde em
algum lugar seguro. Se seu celular for roubado, ligue
para sua operadora e dê esse código. Assim eles
conseguirão bloquear seu celular e o ladrão não
conseguirá usá-lo de forma alguma.
E a mais interessante se você trancar seu carro com
a chave dentro e a chave reserva estiver em sua casa,
ligue pelo seu celular, para o celular de alguém que
esteja lá. Segure seu celular cerca de trinta centímetros
próximo da porta do carro e peça que a pessoa acione o
controle da chave reserva, segurando o controle perto do
celular dela. Isso irá destrancar seu carro, distância não
é impedimento. Você pode estar a milhares de
quilômetros de casa, e ainda assim terá seu carro
destrancado. Legal né! – sorrindo feliz.
Mariana e Guto só se olham e o rapaz completa.
- Depois desta aula pratica de sobrevivência
tecnológica acredito que podemos ir. Satisfeitos? recebendo confirmação positiva. – Então vamos, esta
quase no horário.
Após alguns minutos de caminhada chegam ao
portão do Clube Concórdia. Aguardam durante alguns
minutos e então veem Toinho descendo em direção ao
portão. Era um garoto alto magro cabelos vermelhos
como fogo e óculos grossos para corrigir o estrabismo.
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- Daí piazada, o que estão aprontando? – sorrindo.
Guto se antecipa.
- Daí Toinho, precisamos de um favor seu. Temos
que entrar no porão do clube, mas não podemos dizer
por quê? - olhando sério para o garoto.
- Vocês querem ver se existe o tal túnel não é? –
com cara de enfado como se já tivesse feito aquilo vária
vezes.
Os três amigos se olham espantados. Toinho
prossegue.
- Essa história é velha por aqui, eu mesmo já fui lá
e não encontrei nada, mas vamos lá. Só que não façam
barulho não podemos ser vistos, belê?
Seguem o garoto que os leva pela entrada de
serviço. Após passarem pela cozinha entram em uma
porta lateral descendo uma escada em madeira até o
porão. Era um local bem grande usado como depósito.
Esta cheio de quinquilharias, cadeiras, mesas, garrafas
velhas entre outras coisas.
- Daqui a pouco eu volto. - Toinho os deixa e sobe
para se assegurar que ninguém os visse.
Vasculham o porão em busca de algum indicio de
porta que o padre mencionou e não encontram nada.
Então Guto fala.
- Segundo o padre a porta ficava perto de um
banheiro não vi nenhum e vocês?
Túlio e Mariana balançam a cabeça negativamente.
Continuam a busca então Túlio senta em um barril para
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Filhos de Belial
descansar olhando para os amigos vasculhando o local
enquanto aponta a lanterna para as paredes
despretensiosamente.
Percebe que atrás de um monte de cadeiras
empilhadas, na parede um desenho quase apagado.
Chama pelos colegas e retiram as cadeiras. Na parede
em relevo a letra G com um esquadro na parte de baixo
e um compasso na parte superior. O símbolo da
maçonaria.
Procuram ao longo da parede e percebem uma
fenda e com ajuda de um pé de mesa em metal Guto e
Túlio forçam o local e para seu espanto uma porta se
abre.
Diante deles um túnel muito escuro, com as
lanternas em mãos começam a caminhar, Mariana sendo
a última a descer não percebe que a porta se fecha atrás
dela escondendo novamente o local.
Algum tempo depois Toinho volta para procurar os
amigos e quando não os encontra fica confuso. Andando
de um lado para outro no porão tenta ligar para o celular
de Guto e não obtém resposta. Em voz alta para si
mesmo fala.
- Será que eles encontraram o túnel? – intrigado. –
Não. Isso é ridículo! – sorrindo.
Acreditando que os amigos não encontraram nada e
resolveram ir embora apaga a luz do porão e sai sem
olhar para trás e vai embora.
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Da Lenda a Realidade
Apreensivos caminham com dificuldade, o túnel é
baixo e em muitas vezes eles tem que cuidar para não
bater a cabeça. Em outras partes se alarga permitindo
andarem sem problemas. Durante cerca de vinte minutos
caminham cautelosos até que encontram a porta
mencionada pelo padre.
Era uma porta feita em aço com inúmeros desenhos
estranhos gravados em alto relevo, pareciam símbolos de
magia. Mariana retira a chave da gargantilha, mas antes
de colocar na fechadura pergunta para os amigos
temerosa.
- Vocês tem certeza disso?
Túlio receoso fala.
- E se sair um demônio daí? – com cara de medo.
- Não viemos até aqui para fraquejar agora. – Guto
encorajando a todos.
Mariana coloca a chave na fechadura gira com
dificuldade, força a maçaneta para baixo. A porta range
assustadoramente e com dificuldade abre deixando
escapar um bafo mofado por estar trancada há tanto
tempo. Diante dos olhos dos amigos uma escadaria se
apresenta.
Guto fala tentando animar os colegas.
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Filhos de Belial
- Vejam o lado bom, não viemos nenhum demônio e
para baixo todo santo ajuda – sorrindo nervosamente.
Os amigos descem durante uns dez minutos à longa
escadaria feita de tijolos que fazia várias voltas até
chegarem e um grande salão. Guto percebe que nas
paredes existem tochas e com ajuda dos amigos as
acende. Ao centro uma mesa de pedra grande e gravada
nas paredes os mesmos símbolos da porta.
- Que lugar é esse? – fala Mariana.
- Sei lá, mas é enorme. É difícil acreditar que algo
assim fique sem ser descoberto até hoje. – fala Guto.
- Vai ver é por isso que o metrô nunca sai do papel,
estão tentando esconder isso. – fala Túlio sorrindo.
Todos riem. Na parede posterior havia duas
entradas cada uma levando a um túnel. Guto olha para
os amigos. Mariana prevendo o que ele iria falar se
antecipa.
- Nem pense em dizer para nos separarmos! – séria
fuzilando Guto com o olhar.
- O que faremos então? – Guto com as mãos
levantadas.
- Vai ter que ser no cara ou coroa. Se der cara é o
túnel da direita e se der coroa o da esquerda. – fala
Túlio.
Retira do bolso uma moeda de um real joga para
cima e pega novamente virando nas costas da mão.
- Deu coroa. É o da esquerda, vamos lá. –
encorajando os amigos.
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Filhos de Belial
Novamente seguem pelo túnel só que agora vão
carregando as tochas para melhorar a visão. Caminham
durante algum tempo dividindo o espaço com ratos e
teias de aranha até chegarem à outra sala só que esta
era menor.
Nas paredes acendem as tochas e para sua surpresa
espalhados pela sala seis baús em madeira com detalhes
em ferro com enormes cadeados. Em uma poltrona ao
centro rodeado pelos baús uma caveira sentada vestida
com roupas muito antigas. Diante deles o Capitão Sun
Mirror mais conhecido como Pirata Zulmiro.
Mariana se assusta, Túlio se aproxima e toca na
caveira que desmorona, fazendo todos pularem de medo.
Túlio comenta.
- Ele gostava mesmo de seu tesouro, por isso dizem
que ele depois de morto ainda guarda o tesouro!
Guto procura algo para abrir o cadeado, acha uma
pedra e com extrema força bate até abrir.
Dentro encontram moedas em ouro da Espanha
datada de mil setecentos e dezoito, o tesouro era real e
estava diante de seus olhos. Nos outros baús mais
moedas de ouro e prata. Os amigos sorriem e pulam e se
abraçam felizes. Túlio sorrindo fala.
- Estamos ricos, estamos ricos! – rindo muito.
Guto abraça e beija Mariana que esta com os olhos
molhados pelas lágrimas. E abraçado a ela fala.
- Eles estavam certos meu tio e meu avô. O tesouro
existe! – com as lágrimas a escorrem pelo rosto.
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Túlio fotografa com seu celular os baús e coloca
algumas moedas na mochila e nos bolsos. A alegria era
geral. Mariana olha ao redor da pequena sala e percebe
que não há mais nada ali além de uma porta que dava
acesso a outra escada em pedra que subia.
- Piazada onde esta o tal pergaminho que os Filhos
de Belial procuram?
Os garotos olham ao redor e não encontram nada.
- Vamos ver onde esta escadaria vai dar talvez
esteja lá. – fala Guto.
Percorrem a escadaria durante meia hora sempre
subindo até que encontram uma parede em tijolos e
junto a ela outra escada em ferro enferrujado que subia
na vertical como em uma chaminé. Com cuidado Guto
vai à frente até que chega ao topo onde havia uma placa
de pedra bloqueando a passagem.
Com força utilizando o ombro como apoio consegue
desprender a placa e sente o ar puro e frio entrar em
seus pulmões junto com os primeiros raios do luar.
Se acostumando com a luz percebe que esta dentro
das Ruínas de São Francisco na Praça João Cândido no
centro histórico de Curitiba.
As ruínas são os remanescentes de uma construção
inacabada, iniciada pelos portugueses, que viria a ser a
Igreja de São Francisco de Paula. Em mil oitocentos e
onze, a capela-mor e a sacristia ficaram prontas,
contudo, em mil oitocentos e sessenta, as pedras que
finalizariam as obras da igreja teriam sido usadas para
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erguer a torre da antiga Matriz e a igreja nunca foi
terminada. Também era o local exato onde a lenda dizia
que o Pirata Zulmiro havia escondido o tesouro.
Guto auxilia aos amigos subir se acostumando ainda
ao frio.
- Estamos nas Ruínas de São Francisco, significa que
o pergaminho esta na outra entrada. Teremos que voltar
e procurar. – fala Túlio.
- Eu irei enquanto vocês esperam aqui. – fala Guto.
Mariana o fuzila novamente com o olhar.
- Já disse que não vamos nos separar.
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Resignados voltam a entrar no túnel, Guto sendo o
último recoloca com dificuldade a placa de pedra
selando a entrada.
Ao retornarem a sala com as duas entradas tomam
o caminho da direita. O túnel ali é mais úmido e frio,
caminham durante algum tempo sempre descendo. Ao
contrário do outro túnel de tempos em tempos
encontram salas menores com objetos como bacias em
barro, cadeiras em madeira e outros utensílios.
Cansados finalmente chegam ao final do túnel uma
sala grande com paredes em pedras e nelas vários
buracos. Guto se aproxima de um dos buracos e com
auxilio da lanterna ilumina dentro. Pede que os amigos
façam o mesmo. Em alguns buracos havia teias de
aranhas, em outros ossos. Após várias tentativas sem
sucesso Mariana fala.
- Achei alguma coisa. – apontando para um buraco.
Guto cauteloso enfia a mão no buraco olha para os
amigos anciosos.
Mariana vendo o rosto contorcido do rapaz fala.
- Se você gritar de dor dizendo que alguma coisa te
agarrou, te dou uma bocuva piá! – seria.
Guto sorri e retira um longo canudo em couro com
cerca de um metro. Estava lacrado e com dificuldade
utilizando o canivete de Túlio abre o objeto. Dentro
retira enormes folhas de pergaminho.
- Santo Deus! – Mariana fazendo o sinal da cruz.
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- São as sete folhas do Codex Gigas! – Túlio
admirado.
- Não podemos tirar isto daqui, se os Filhos de
Belial encontrarem isso o mundo acaba. – fala Mariana
assustada.
Guto balança a cabeça negativamente.
- Se nós encontramos eles também podem. Temos
que levar isso e mostrar para meu pai. Ele conhece um
delegado na polícia federal que tem conhecidos na
Interpol que cuida de roubo de artefatos históricos. Eles
saberão o que fazer.
- E só agora você fala isso! – Túlio indignado.
- O melhor a fazer é levar conosco. – fala Guto.
Os amigos concordam, Túlio recoloca os
pergaminhos no tubo de couro e prende em sua mochila.
Assim como na sala do tesouro ali também havia uma
escada que subia.
Seguem por ela durante muito tempo até
encontrarem outra parede de tijolos e nela também uma
escada em ferro que subia na vertical.
Guto mais uma vez vai à frente, ao chegar ao topo
encontra outra placa em pedra. Mais uma vez força a
placa, mas desta vez não consegue abrir. Chama Túlio
para ajuda-lo, espremidos com dificuldade juntos forçam
a placa até que finalmente ela se desprende.
Empurram para o lado e sobem com dificuldade
para enxergar devido à escuridão. Percebem que estão
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em um depósito. Ajudam Mariana a subir e vasculham o
local em busca de uma saída. Mariana fala sussurrando.
- Onde estamos?
- Não sei, mas aqui tem uma porta. – fala Guto
Abre a porta que dava acesso a uma escada em
madeira muito velha. Sobe com cuidado até outra porta,
ao abri-la descobre onde esta. Chama os amigos.
- Estamos em uma Igreja acho que é a do Rosário.
- Já estive aqui, meu primo foi batizado nesta
igreja. – fala Túlio.
A porta que Guto abriu ficava escondida atrás do
altar e só podia ser aberta por dentro. Era um antigo
esconderijo para escravos fugitivos.
A primeira igreja do Rosário foi construída por
escravos e para os escravos, inaugurada em mil
setecentos e trinta e sete, em estilo colonial. Era a
terceira igreja de Curitiba, depois da Matriz e da Igreja
da Ordem.
O nome original era Igreja de Nossa Senhora dos
Pretos de São Benedito. Com a abolição da escravatura,
a igreja perdeu sua razão original de ser. Serviu de
matriz de mil oitocentos e setenta e cinco a mil
oitocentos e noventa e três, durante a construção da
Catedral, na Praça Tiradentes.
A atual Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos de São Benedito é uma construção de mil
novecentos e quarenta e seis, em estilo barroco.
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Filhos de Belial
Construída no mesmo local da antiga igreja, demolida em
mil novecentos e trinta e um.
14 Igreja do Rosário
Em mil novecentos e cinquenta e um, foi confiada
aos jesuítas. Na década de setenta, passou também a ser
chamada de Santuário das Almas, onde se realiza com
frequência missas de corpo presente.
A fachada atual ainda tem azulejos da igreja
original. Seu interior abriga azulejos portugueses, com os
Passos da Paixão, e o túmulo do Monsenhor Celso, antigo
pároco de Curitiba, falecido em mil novecentos e trinta e
um.
Conseguem sair da igreja e sentam na fonte da
memória do escultor curitibano Ricardo Tod, mais
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Filhos de Belial
conhecida como “Cavalo que Vomita” localizada em
frente à igreja. A Fonte em forma de uma cabeça de
cavalo é um tributo aos imigrantes e tropeiros que
vinham a Curitiba para comercializar seus produtos
transportados por carroças e mulas. Os animais
utilizavam o bebedouro, que ainda existente, no Largo
da Ordem.
Descansam ainda entusiasmados com as descobertas
quando Guto vê um carro preto se aproximar
rapidamente pela Rua do Rosário. O carro freia
bruscamente e de dentro desce dois homens que vem em
sua direção. Guto reconhecendo o ajudante do professor
e o gigante e grita para os amigos.
- CORRAM!
Saindo em disparada acompanhado de Túlio e
Mariana com os homens em seu encalço. Mariana ao
atravessar a rua tropeça e cai e é apanhada pelos
homens que a seguram firme colocando o cano da arma
em suas costas.
Guto tenta voltar para socorrer a menina, mas é
impedido à duras penas por Túlio.
- Não! Se voltarmos agora eles nos pegam. – fala
Túlio lutando para segurar o amigo.
- ME SOLTE! Ele pegou Mariana. – Guto desesperado.
- Ela ficará bem, estamos com o que eles querem.
Vamos embora. – puxando Guto que se rende.
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Mariana é forçada a entrar no carro e é levada
novamente para mansão. Mas desta vez é trancada em
uma sala.
Os garotos correm até chegaram à Praça Rui
Barbosa no centro. Túlio senta em um banco de onde
podia ver a fachada da Santa Casa de Misericórdia de
Curitiba. O céu esta limpo anunciando que teriam uma
manhã com geada. Guto esta desesperado, caminha de
um lado para outro. Túlio vendo a angústia do amigo
tenta acalma-lo.
- Guto eles não farão nada a Mariana. Ela ficará
bem. Estamos com o que eles mais querem no mundo. –
batendo com a mão no canudo de couro onde estavam os
pergaminhos.
- Nós devíamos ter voltado e salvado Mariana. – com
os punhos cerrados.
- Aí estaríamos todos presos. E no que isto nos
ajudaria?
- Como eles nos encontram, primeiro na confeitaria
e agora aqui.
Túlio fica pensativo durante algum tempo e então
estalando os dedos fala.
- Só pode ser isso. Nossos celulares. – com a mão na
testa.
- Como assim? – fala Guto.
- Estão nos rastreando pelos nossos celulares. É
assim que nos encontram. Enquanto estávamos no túnel
não havia sinal, mas quando subimos ficamos ativos
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novamente. Mas este jogo pode ser jogado por dois.
Mariana estava com sua bolsa. Vou rastrear seu celular
assim descobrimos onde ela esta.
Guto olha esperançoso para o amigo.
- E você sabe fazer isso?
Túlio apenas olha para o amigo com se acabasse de
ser insultado. Algum tempo depois fala.
- Encontrei estão no Bairro Uberaba.
- Vamos até lá! – Guto impaciente.
- Não podemos simplesmente ir até lá, precisamos
de um plano. - pondera Túlio.
Guto percebe que o amigo esta certo, não tinham
como apenas ir até lá. Enquanto pensa no que fazer seu
celular toca. Já suspeitando de quem era atende.
- Alô!
Ouve a conhecida e monótona voz.
- Muito bem meu rapaz, vejo que não cumpriu sua
parte do acordo. Tive uma conversa muito interessante
com sua namoradinha. Agora você tem uma coisa que eu
quero e eu tenho uma que você quer. Teremos que fazer
algo a respeito, não acha? – irônico.
- Se você encostar em um fio de cabelo dela...
É interrompido bruscamente pelo homem furioso.
- Você não esta em posição de exigir nada garoto,
farei o que bem entender com esta menina. Você e sua
fami...
Agora Guto interrompe o homem bruscamente.
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- CALE A BOCA SEU VELHO ESTÚPIDO! – Guto grita
pondo para fora toda a raiva e angústia reprimida. –
Quem não esta em condição de exigir nada é você! DIGA
ADEUS A ESSA PORCARIA DE PERGAMINHO! – desligando o
telefone.
Túlio fica branco, olha assustado para Guto. E
gaguejando tenta fala.
- O que você fez? – com os olhos arregalados.
Guto apenas olha para o celular apreensivo.
Caminha de um lado para outro a todo o momento
olhando para o celular. São os minutos mais longos de
sua vida.
O telefone toca novamente.
- Você é um oponente valoroso, tem coragem,
respeito isso. Mais uma vez subestimei você garoto,
acredite isso não irá acontecer novamente. Podemos
resolver essa situação de maneira civilizada. O que me
diz? – extremamente cordial.
- Concordo. – Guto ainda tremendo se esforçando
para transmitir confiança.
- Faremos a troca amanhã onde isso tudo começou
no Passeio Público, venha sozinho. Combinado?
- Sim a que horas?
- Às oito horas. E não ouse quebrar nosso acordo
outra vez ou comentar isso com alguém se não matarei
você e todos que você conhece, fui bem claro? –
enfático.
- Sim! – secamente.
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Guto senta ao lado de Túlio com as pernas
tremendo.
- Piá o que vamos fazer? – fala Túlio.
- É hora de chamar a cavalaria. Isso já foi longe de
mais.
Não temos tempo a perder vamos embora.
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Novas Aventuras
Na manhã seguinte como combinado Guto espera
ansiosamente por Mariana. Somente agora compreendia
o que sentia por ela e como isso era importante para ele.
Sabia que se algo acontecesse a ela nunca poderia se
perdoar. A simples hipótese disto acontecer lhe causava
ânsia de vômito.
Durante quase uma hora espera impacientemente e
não vê sinal de Mariana ou dos Beliais. Quando esta
quase entrando em pânico vê Mariana vindo em sua
direção.
Estava acompanhada do Professor e um pouco
atrás, cuidando do perímetro, os dois guarda costas. Ao
se aproximarem Guto não pode deixar de notar a grande
marca roxa na testa do gigante causada pela batatada e
sorri.
Como combinado estão diante do aquário enfrente
a entrada da grutinha onde os garotos encontraram o
diário de campo.
Guto olha para Mariana que sorri nervosa.
- Você esta bem? Eles a machucaram? – pergunta
Guto angustiado.
- Estou bem. Não se preocupe. – sorrindo nervosa.
- Desculpe o atraso. – fala o velho irônico.
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- Solte-a!
- Seu tio ficaria orgulhoso de você meu rapaz. Você
realizou o sonho de sua vida. Provou a todos que ele e
seu avô não eram loucos.
- Não ouse falar sobre eles, seu assassino. – com
raiva no olhar.
- Não foi nada pessoal garoto. Só fiz o que era
necessário. – desdenhoso. - Mas chega de conversa.
Vamos acabar logo com isso. – fala o velho impaciente. –
Passe o canudo para cá.
- Não primeiro deixe a vir.
- Que é isso depois de tudo o que passamos não
confia em mim, afinal não fui eu quem quebrou nosso
acordo. – irônico.
O homem que acompanhava o professor ameaça ir
em direção a Guto.
Agilmente o garoto abre o canudo e ameaça jogar
um líquido dentro.
- Isso é acido de bateria, solte-a ou acabo com seu
precioso pergaminho. – ameaçadoramente.
O velho grita.
- PARE! – mandando o homem voltar. - Esta bem! largando a garota que corre para junto de Guto.
Guto fecha o canudo e joga para o velho que
agilmente o apanha. O velho confere o conteúdo e
sorrindo fala.
~ 147 ~
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Filhos de Belial
- Finalmente as sete páginas do Codex Gigas. Nosso
mestre será liberto e seremos recompensados com gloria
e poderes inimagináveis.
Guto abraça Mariana e olhando para o velho fala.
- Maluco!
O homem olha para o casal e desdenhosamente
fala. Acabem com eles.
Nesse instante saindo de dentro da grutinha assim
como vindo de todos os lados vários policiais aparecem
dando voz de prisão. O velho fica sem compreender o
que ocorria. Um dos capangas puxa a arma, mas é
dominado pelos policiais.
O pai de Guto acompanhado de Túlio e de seu
amigo da polícia federal aparece correndo.
- Guto graças a Deus vocês estão bem. Deu tudo
certo. – abraçando os jovens.
Mariana olha sem entender.
~~~~
Na noite anterior Guto conta para seu pai toda à
aventura e tudo o que haviam encontrado. Seu pai
inicialmente não acredita, mas então Túlio mostra um
punhado de moedas que retirou dos baús do tesouro
além dos pergaminhos.
Norberto fica perplexo com a descoberta, sentido
uma mistura de alegria e culpa por nunca ter acreditado
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Filhos de Belial
em seu pai e irmão. Ciente dos acontecimentos liga para
seu amigo da polícia federal e juntos armam a cilada.
Mais tarde descobrem que o professor era um
conhecido negociante de antiguidades do mercado negro
no velho mundo. Vendia tudo o que podia encontrar e
não media esforços para obter o que queria. Havia
suspeitas de seu envolvimento com rituais de magia
negra assim como assassinatos. Seus passos eram
monitorados há anos pela Interpol, que perdeu seu rastro
no Brasil, mas até agora nunca tinham conseguido
incrimina-lo. Na mansão no Uberaba encontraram
inúmeras obras de arte dadas como roubadas.
Guto, Mariana e Túlio se abraçam e comemoram o
final feliz. Túlio dando pequenos pulos fala.
- Estamos ricos, estamos ricos! – rindo muito.
Então voltam para casa são e salvos tratados como
heróis.
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O Vampiro de Curitiba
Algumas semanas depois.
Os três amigos estão sentados mais uma vez no
quarto de Guto.
- Então Wiki, já cansou de dar entrevistas? – Guto
sorrindo.
- Nunca me cansarei disso, mas ainda acho que
deveríamos ter ficado com o tesouro. – com cara de
reprovação.
- Ainda emburrado com isso Wiki? O tesouro foi
entregue a quem era de direito. – Mariana abraçada a
Guto.
- Não me conformo. Nunca esquecerei quando o
amigo do seu pai da polícia federal disse que não
poderíamos ficar com o tesouro. Ele sentou ao meu lado
e começou a falar todo calmo.
- Tesouro sob o ponto de vista jurídico é um
depósito
antigo
de
coisas
preciosas,
por
exemplo, dinheiro, joias, pedras e metais nobres, oculto
e de cujo dono não haja memória. Em outras palavras,
tesouro é a coisa valiosa perdida há tanto tempo que já
não se sabe quem é o dono.
Falei para ele.
~ 150 ~
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- Eu sei. Fomos nós que quase morremos para achar
esse tesouro. Achado não é roubado!
- Sim, mas quem encontra o tesouro segundo o
Direito brasileiro tem o direito de ficar com a metade
dele, cabendo à outra metade ao proprietário do prédio
onde as coisas preciosas foram descobertas. Neste caso a
palavra prédio, usada pela lei, não significa apenas
edificações, construções. Aqui ela é tomada no sentido
romano e abrange qualquer imóvel, inclusive os simples
terrenos sem benfeitorias.
- E nós achamos o tesouro no terreno da Prefeitura!
– resignado.
- Isso Túlio. Somente em três hipóteses o tesouro
não é dividido: quando o descobridor for o próprio
proprietário; quando o descobridor for contratado pelo
proprietário para fazer pesquisas para achá-lo e nesse
caso, receberá apenas uma quantia, se foi previamente
combinada, e quando o descobridor não tinha
autorização do proprietário para realizar buscas, que
infelizmente é o caso de vocês. Por isso vocês não podem
ficar com o tesouro dado que agiram sem consentimento
da prefeitura ou do Pirata Zulmiro. – sorrindo.
Guto e Mariana riem já acostumados a ouvir as
reclamações de Túlio. Mariana recrimina o amigo.
- Deixa de ser ganancioso Wiki. Somos conhecidos
mundialmente por isso. Fazemos parte da história de
Curitiba. Fiquei sabendo que vão até escrever um livro
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Filhos de Belial
sobre nossa aventura. Quem sabe vira filme. – se
arrumando. – Eu poderia ser interpretada pela Lucy Liu.
Túlio balança a cabeça negativamente.
- Tanto faz! – jururu.
As sete folhas do Codex Gigas foram entregues a
Biblioteca Nacional da Suécia, a seita, agora não mais
secreta, Filhos de Belial foi extinta e todos os seus
membros ao redor do mundo foram presos ou sumiram
sem deixar rastros e o Tesouro das Mercês ficou em posse
da Prefeitura de Curitiba.
Guto remexendo nas coisas de seu tio retira um
folheto antigo. Lê durante alguns minutos e animado
fala.
- Vocês sabiam que tem uma lenda que diz que vive
um vampiro em Curitiba, parece que mora nas Mercês,
não aparece em fotos, só sai à noite, gosta de atacar
polaquinhas... O que vocês acham da ideia de darmos
uma olhada nisso? – sorrindo esticando a mão a espera
dos amigos.
Mariana e Túlio apenas se olham sorrindo.
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Fim
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