percepção e representações
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percepção e representações
PERCEPÇÃO E REPRESENTAÇÕES: ASPECTOS DA PSICOLOGIA AMBIENTAL. Zysman Neiman (UFSCar) RESUMO: Freqüentemente, encontram-se confusões entre os conceitos de percepção e representação, que são tidos como processos psicológicos similares nos estudos sobre a relação ser humano x natureza. A compreensão de que a maneira como o ambiente é percebido e representado é tão ou mais crucial do que a compreensão da maneira de como o ambiente está organizado pelo ser humano. No que se refere à relação entre o meio ambiente e sua forma de representação, por parte dos vários atores sociais, o que mais importa é que o meio ambiente é percebido pelos indivíduos de forma múltipla e diferenciada, uma vez que a compreensão se dá sob uma perspectiva subjetiva apoiada numa realidade concreta. Sendo o mundo que nos envolve mediado por representações sociais que se constituem em modalidade de conhecimento e revelam coisas sobre o real e os objetos que o constituem, essas representações permitem esclarecer as concepções dos sujeitos sobre o meio. A psicologia ambiental pode ser definida como o estudo das interações entre os indivíduos e aspectos relevantes do seu ambiente. O turismo, as caminhadas arriscadas no meio da mata, as artes, o romantismo provocado pela aproximação com a natureza (quase como um ato religioso), a liberdade e a ascensão do espírito estão bastante valorizados atualmente. A natureza é mitificada e serve como escape, compensação à vida complicada da cidade. Com tudo isso, se inicia um período de mudanças de sensibilidades, de reação contra a dominação da natureza, de exaltação da beleza selvagem. A natureza selvagem começa a ser admirada quase como um ato religioso, sendo vista como indispensável e fonte de riquezas espirituais, símbolo da liberdade para uns e alienação para outros (natureza como sendo anti-social). E a natureza é, assim, elemento constitutivo das representações sobre o Brasil dos próprios brasileiros, fato que tem motivado, em nosso país, mais recentemente, o fenômeno das viagens aos “paraísos ecológicos”. A análise de representações sociais dos seres humanos como produtos da sua condição sócio-histórica, apesar de revelar muito de seus condicionantes comportamentais e morais, não é suficiente para o entendimento de como eles se misturam ao mundo, de como estão mergulhados nos fenômenos que 1 vivenciam. Esse entendimento exige que se busque o humano em sua complexidade e se resgate nele mais que reflexões morais sobre as tendências e quadros socioambientais que se configuram para as gerações futuras. PALAVRAS-CHAVE: Percepção, Representação Social, Psicologia Ambiental. PERCEPTION AND REPRESENTATIONS: ASPECTS OF ENVIRONMENTAL PSYCHOLOGY. ABSTRACT: There is often a misunderstanding between the concepts of perception and representation, which are seen as similar psychological processes in the studies of the relation humans X nature. The comprehension of the manner the environment is perceived and represented is so or more crucial than the comprehension of the manner the environment is organized by the human being. In the relation between the environment and its form of representation, as seen by many social actors, what matters is that the environment is perceived by individuals in a multiple and differentiated way, once the understanding takes place under a subjective perspective relying on a concrete reality. Being the world surrounding us mediated by social representations which become knowledge and reveal things about the reality and the objectives that produce it, these representations make possible to clear up the individuals´ conceptions about the environment. The environmental psychology can be defined as the study of interactions between the individuals and relevant aspects of their environment. The tourism, the risky hiking into the jungles, the arts, the romantism provoked by the contact with nature (almost as a religious act), the freedom and the rise of the spirit are valued nowadays. The nature is mystified and it serves as an escape, compensation to the complicated life in the city. Among it all there is the beginning of a period of sensibility changes, of reactions against the domination of the nature, of magnification of the wild beauty. The wild beauty starts to be admired religiously, seen as indispensable and as a source of spiritual wealth, symbol of freedom to some and alienation to others (nature as anti-social). And nature is, then, a constitutive element of the representations of Brazil, 2 of its people, a fact that has motivated in our country, more recently, the phenomena of the trips to the “ecological paradises”. The analysis of social representations of the humans as products of their social-historical conditions, nevertheless revealing many of their conditioning moral and behavior, is not enough to the understanding of how they join to the world, of how they are drowned in the phenomena which they experience. This comprehension demands a search of the human being in his complexity and a rescue of moral reflections on the tendencies and social-environmental pictures that build up the future generations. KEYWORDS: Perception, Representations, Environmental Psychology. CORPO DO TEXTO: Conhecer a estrutura dos comportamentos pró-ambiente e as condições que tornam possível sua emergência permite o desenvolvimento dessa capacidade nos indivíduos. Assim, um passo fundamental para seu desenvolvimento é a compreensão de suas características relevantes como uma capacidade humana (CORRALVERDUGO, et. al., 2004). Esse é um dos objetivos da psicologia ambiental. A relação entre sociedade e meio ambiente é construída a partir de várias determinações, sejam em nível cultural, social, psicológico, físico, espacial ou histórico. Portanto, o ambiente não é simplesmente uma fonte onde suprimos nossas necessidades. Sendo físico e social é rico em significações por intermédio do qual a humanidade pode expandir-se, desabrochar. As suas qualidades, permeadas de valores simbólicos e de afetividade, vão muito além de sua eficacidade (KUHNEN, 2002). O conceito de “natural” é, além da concepção bio-centrista, também uma construção social. “Toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada idéia do que seja natureza. Neste sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens” (GONÇALVES,1989: p.23). No entanto, deve-se destacar que o “social” encontra no natural e no simbólico os próprios elementos de sua efetivação conceitual. Assim, o termo “meio ambiente”, por ser difuso e muito variado, e a modificação de valores alicerçados na sociedade de consumo, no posicionamento em face de crescentes riscos ambientais, discutidos até aqui e que constituem a base da chamada atitude pró-ambiente, devem ser considerados como "representações sociais" (REIGOTA, 1995). 3 Freqüentemente encontram-se confusões entre os conceitos de percepção e representação que são tidos como processos psicológicos similares nos estudos sobre a relação ser humano x natureza. O entendimento da interação do ser humano com o ambiente, solidificada em bases muito complexas, tem representado um estímulo para pesquisas de percepção ambiental. Essa percepção tem sido estudada, na maioria dos casos, mediante o levantamento de conceitos de meio ambiente e dos referentes a fenômenos e problemas ambientais (MARIN, OLIVEIRA & COMAR, 2003). A palavra "percepção" vem do latim perceptio, que é o ato de perceber, ação de formar mentalmente representações sobre objetos externos a partir dos dados sensoriais. O estudo dos processos mentais relativos à percepção ambiental pode ser entendido “como um processo mental de interação do indivíduo com o meio ambiente que se dá através de mecanismos perceptivos propriamente ditos e, principalmente, cognitivos” (DEL RIO & OLIVEIRA, 1997:3). A representação, neste contexto, atua como um prolongamento da percepção porque a introduz num sistema de significação representativo, envolvendo a diferenciação entre os significantes que podem ser as formas de linguagem ou imagens, gestos, desenhos e os significados que compreendem os espaços (DEL RIO & OLIVEIRA, op. cit.). Para Ramadier (1999:29) “o espaço não é unicamente estruturado segundo um sistema de significações socialmente determinados que será independente de uma realidade espacial. Ao contrário as significações elaboradas contribuem para ajustar o espaço representado ao espaço objeto.” Merleau-Ponty (1999) propõe que a percepção é formada pelos sentidos, isto é, através dos sentidos podemos perceber o mundo e nós mesmos e, a partir daí mudarmos. O autor afirma que percebemos através de associações e substituições que fazemos com nosso passado, com palavras, com as pessoas, com os lugares e com os objetos. Castoriadis (1999) ao contrário de Merleau-Ponty, afirma que a percepção não é separável da imaginação, ainda que não possa ser reduzida a esta. Para ele, há uma interdependência intrínseca na relação do imaginário com a apreensão do real, de maneira que no momento da leitura dos sentidos, o universo das imagens direciona o ato perceptivo e se diluem nas informações que chegam puras ao racional humano. 4 No seu cotidiano os indivíduos convivem de forma imediata com as representações e significados que são construídos no imaginário social. Em cada imagem ou representação simbólica, os vínculos com a localização e com as outras pessoas estão a todo o momento, consciente ou inconscientemente, orientando as ações humanas (BRASIL, 1998). A compreensão de que a maneira como o ambiente é percebido e representado é tão ou mais crucial do que a compreensão da maneira de como o ambiente está organizado pelo ser humano (RAPOPORT, 1977). As construções do imaginário humano sobre o mundo “real” obrigam-nos a repensar constantemente o caráter atribuído à relação entre mundo material e simbólico, entre o objetivo e o subjetivo, entre os fatos e a respectiva percepção. “Ambiente” seria então um mundo estruturado ou “construído” pelas pessoas nas transações que elas instauram com o mundo circundante (BONNES-DOBROWOLNY & SECCHIAROLI, 1983). A consciência coletiva de uma suposta atitude pró-ambiente estaria, assim, além da realidade social. A relevância psico-sociológica dos problemas ambientais é uma “síntese das interrelações entre ‘possibilidade’ (em termos físicos) e ‘significado’ e ‘norma’ (em termos socio-culturais), não podendo ser concebido univocamente nem como produto nem como determinante das ações humanas, como contexto, no qual está embutida uma miríade de fenômenos psicológicos, sociais e culturais” (CASTELLO, 1996: 24-25). O sociólogo francês Èmile Durkheim (1970), um precursor do que hoje se denomina de "teoria das representações sociais", foi o autor que deu as principais referências para que Moscovici (1978) definisse as representações sociais como um modelo de conhecimento específico embasado no senso prático do saber comum, que tem como função estruturar comunicação, conhecimento, comportamento e práticas sociais. Elas são entendidas “como um saber desenvolvido no cotidiano das relações sociais, em que os grupos de referência exercem fortes influências na construção das Representações Sociais” (MOSCOVICI, op. cit.:51). O fenômeno das representações tem “um caráter moderno, na medida em que na nossa sociedade, ele ocupa o lugar dos mitos, das lendas e das formas mentais correntes das sociedades tradicionais. Sendo seu substituto e seu equivalente, ele herda de uma só vez traços e certos poderes” (MOSCOVICI, op. cit.:83). 5 No que se refere à relação entre o meio ambiente e sua forma de representação, por parte dos vários atores sociais, o que mais importa é que o meio ambiente é percebido pelos indivíduos de forma múltipla e diferenciada, uma vez que a compreensão se dá sob uma perspectiva subjetiva apoiada numa realidade concreta. Reigota (1995) afirma que a representação social reflete uma forma diferencial de percepção do mesmo. Esse autor propõe que o meio ambiente, mesmo como uma representação social, se contextualiza como “o lugar determinado ou perdido, onde os elementos naturais e sociais estão em relação dinâmica e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído” (ibid:14). Assim, “muitas são as representações sobre meio ambiente e por tal, o conceito de meio ambiente torna-se difuso e variado, como também o conceito de Educação Ambiental, o que faz com que as práticas pedagógicas dos professores envolvidos com a questão são, muitas vezes, influenciadas pelas suas representações, concepções, sobre meio ambiente” (Ibif:19) Segundo Besse (1997 apud KUHNEN, 2002) convivem atualmente três direções de sentidos nas representações de natureza. Ou seja, a natureza encarada do ponto de vista metafísico (natureza como paisagem, enquadrada como categoria estética), técnico-científico (natureza como recurso a ser utilizada como matéria-prima) e ligada ao horizonte de responsabilidade e demanda ética (natureza frágil que precisa ser protegida). Irwin (1997) toca de forma peculiar na questão entre cultura e natureza discutindo sobre o natural, o social e o científico como categorias interligadas de forma aproximada uns dos outros. O autor nos indica um caminho para a compreensão de uma racionalidade ambiental que supostamente nos levaria as bases de formação dessa atitude pró-ambiente contemporânea. Segundo Reigota (1995) três diferentes tipos de representação social do meio ambiente são identificados entre professores de escolas públicas de São Paulo: a naturalista (na qual os aspectos priorizados são os conceitos de natureza, habitat e ecossistemas), a globalizante (na qual se observam as relações de reciprocidade entre a 6 sociedade e a natureza) e a antropocêntrica (na qual a utilidade dos recursos naturais para a sobrevivência do ser humano é enfatizada). Elias (1998) mostra a relevância do ponto de intersecção na relação ser humano x natureza e com isso elabora uma análise sociológica sobre processos culturais antigos que se formaram enraizados no contexto de percepção do meio ambiente (sol, lua, vento, dia, noite, chuva, clima, floresta etc.) e como essa questão influenciou a formação e fixação de atitudes que resultaram em práticas de condutas sociais. Ainda nos dias atuais, a natureza é o grande referencial de vida para alguns povos, para os quais há uma integração quase total entre os elementos naturais e o corpo. Tanto o universo concreto do cotidiano dessas sociedades tradicionais quanto o simbólico são vinculados à terra, a um lugar. É nele que se institui a cultura desses povos, a idéia de patrimônio a receber e a transmitir. A consolidação da cultura humana passa pela instalação dos povos aos seus territórios, nos quais começam a agregar novas coisas. Esses territórios são as bases materiais sobre a quais as sociedades produzem sua própria história. A cultura, como um meio de comunicação, está estreitamente ligada à noção de território. Como há uma grande inter-relação entre os conceitos de lugar, paisagem, espaço, território e territorialidade, vale a pena diferenciá-los uns dos outros (BRASIL, 1998): “No estudo da Geografia, o lugar e a região eram sempre vistos como dimensões objetivas resultantes das interações entre o homem e a natureza. Atualmente, a categoria de lugar, assim como a de paisagem estão sendo recuperadas pela nova Geografia, em uma nova dimensão. O lugar deixou de ser simplesmente o espaço em que ocorrem interações entre o homem e a natureza para incorporar as representações simbólicas que constroem juntamente com a materialidade dos lugares, e com as quais também interagem” (ibid:19). “A categoria território foi originalmente formulada nos estudos biológicos do final do século XVIII, como o domínio que os animais e as plantas têm sobre porções da superfície terrestre. Mediante estudos comportamentais, Augusto Comte incorporou a categoria de território aos estudos da sociedade como categoria fundamental, o que foi absorvido pelas explicações geográficas” (ibid:27). 7 A categoria território possui relação bastante estreita com a categoria paisagem. Pode até mesmo ser considerada como o conjunto de paisagens. É algo criado pelos seres humanos, é uma forma de apropriação da natureza. "A categoria paisagem, porém, tem um caráter específico para a Geografia, distinto daquele utilizado pelo senso comum ou por outros campos do conhecimento. É definida como sendo uma unidade visível do território, que possui identidade visual, caracterizada por fatores de ordem social, cultural e natural, contendo espaços e tempos distintos; o passado e o presente. A paisagem é o velho no novo e o novo no velho"! (ibid:28) A categoria paisagem, por sua vez, também está relacionada à categoria lugar, tanto na visão da Geografia Tradicional quanto nas novas abordagens. O sentimento de pertencer a um território e a sua paisagem significa fazer deles o seu lugar de vida e estabelecer uma identidade com eles. Nesse contexto, a "categoria lugar traduz os espaços com os quais as pessoas têm vínculos afetivos: uma praça onde se brinca desde criança, a janela de onde se vê a rua, o alto de uma colina de onde se avista a cidade. O lugar é onde estão as referências pessoais e o sistema de valores que direcionam as diferentes formas de perceber e constituir a paisagem e o espaço geográfico. É por intermédio dos lugares que se dá a comunicação entre homem e mundo" (ibid:29 ) Enquanto a categoria território representa para a Geografia um sistema de objetos, sendo básica para a análise geográfica, "o conceito de territorialidade representa a condição necessária para a própria existência da sociedade como um todo. Se o território pode ser considerado campo específico dos estudos e pesquisas geográficas, a territorialidade poderá também estar presente em quaisquer outros estudos das demais ciências” (ibid:28). Segundo o geógrafo Milton Santos (1993), o “território em que vivemos é mais que um simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos, circulamos, moramos, mas também um dado simbólico” (Ibid:61). Assim, completa, a territorialidade “não provém do simples fato de viver num lugar, mas da comunhão que com ele mantemos” (Ibid:62). As paisagens não devem apenas ser vistas, mas 8 experienciadas, vivenciadas, quase como numa simbiose: elas produzem um efeito físico e espiritual, influem sobre o psiquismo, a saúde e a qualidade de vida (COIMBRA, 2002 apud QUARANTA-GONÇALVES; GUIMARÃES & SOARES, 2006). Segundo Tuan (1983), "espaço é um símbolo comum de liberdade no mundo ocidental. O espaço permanece aberto, sugere futuro e convida à ação. O espaço fechado e humanizado é lugar. Os seres humanos necessitam de espaço e lugar, pois as suas vidas são um movimento dialético entre refúgio e aventura, dependência e liberdade. O lugar representa a segurança, enquanto o espaço representa a liberdade (...) O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor”. (TUAN,1983:3,6), Para Fischer (1997), todo lugar é uma imagem de nossa cultura. Os ambientes arquitetônicos e também os urbanos criados pelo ser humano são a expressão de processos de filtragem cultural e permitem desvelar como os diferentes povos usam seus sentidos. Sendo o mundo que nos envolve mediado por representações sociais que se constituem em modalidade de conhecimento e revelam coisas sobre o real e os objetos que o constituem, essas representações permitem esclarecer as concepções dos sujeitos sobre o meio. “Desta forma possibilita avaliar a nível simbólico e cultural a dimensão espacial, natural ou construída do modo de vida. A análise destas representações indicará as formas de expressão da apropriação do lugar pelos indivíduos” (KUHNEN, 2002:27). “As características morfológicas de um lugar são captadas pela percepção em função de particularidades de determinadas operações fisiológicas humanas, assim como das condições ambientais e da estrutura configurativa do espaço. Entretanto a comunicação deste ato perceptivo vai depender também de componentes psicossociais, não tão facilmente detectáveis como os anteriores. Esses irão possibilitar a decodificação das informações que, finalmente, transformam o que se vê em significados” (ibid:28). 9 Tal esquema funcional torna a percepção humana um fenômeno culturalmente definido. A percepção ambiental, que torna o meio ambiente um produto material e simbólico da ação humana, poderá ser definida como um processo a partir do qual se organiza e interpreta a informação sensorial em unidades significativas para configurar um quadro coerente do entorno ou de uma parte dele. Refere-se à relação do ser humano com o mundo, e há diversas formas de perceber o mundo, desde aquela revestida com o manto da sacralização, até aquela ancorada no arcabouço cientificista dominador (MARIN, OLIVEIRA & COMAR, 2003). "É tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atitude proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados (...) Através de experiências as pessoas conhecem e constroem sua realidade: experienciar significa aprender, atuar sobre o dado, criar a partir dele, conhecer a realidade, construií-la a partir da experiência, criá-la pelo sentimento e pelo pensamento reflexivo” (TUAN, 1980:4,6). A psicologia ambiental pode ser definida como o estudo das interações entre os indivíduos e aspectos relevantes do seu ambiente (DARLEY & GILBERT, 1985). Ou seja, parte do pressuposto que os indivíduos, ao interagirem com o meio físico (espaço) e social (lugar, território), podem desenvolver diversas formas de comportamento ante estímulos e situações ambientais. A Educação Ambiental, por exemplo, pode incluir nos seus discursos e práticas diversos estímulos capazes de encorajar os comportamentos pró-ambientais (CORRAL-VERDUGO, et. al., 2004). A pesquisa básica em psicologia ambiental deve considerar "a necessidade de estudar dimensões morfológica e funcional da competência pró-ambiental, bem como as relações entre habilidades ambientais e suas exigências". (...) Ao estudar competência pró-ambiental, é necessário prestar atenção tanto às habilidades ambientais quanto às suas correspondentes exigências pró-ecológicas. Essas exigências podem ser concebidas como elementos de discursos sociais e educacionais visando promover comportamento ambiental responsável" (Ibid.:52). 10 A construção social de um discurso e de um ideal de "ambiente equilibrado" é, portanto, fundamental para a formação dos comportamentos pró-ambiente desejados. O pensamento simbólico e, por vezes, o mitológico, também ganham grande importância nesse processo, uma vez que são a base da formação das representações sociais sobre o ambiente. A Educação Ambiental tem, portanto, um grande campo de reflexão e ação quando se abre para as dimensões não racionalistas do humano, entendendo a percepção como um fenômeno do existir. A análise fenomenológica parte de um ser humano vivenciando esteticamente seu ambiente, dando-lhe cor e sentidos, associando-lhe nostalgia e mistério (MARIN, OLIVEIRA & COMAR, 2005). . . . Todos os ecossistemas sofreram alterações substanciais benéficas ou não através da interferência humana. Mesmo os ambientes menos afetados pela nossa presença, são projetados como intactos, somente pela imaginação humana. De fato, são como produtos elaborados pela nossa cultura que o ambientalismo moderno identifica os ambientes que devem ser preservados e sacralizados. Tais ambientes, nossos parques, frutos da necessidade e imaginação humanas, foram transformados em santuários, mas foram protegidos da nossa presença destrutiva. Todos eles, sem exceção, são produtos da cultura humana. É nossa percepção transformadora que estabelece a diferença entre matéria bruta e paisagem (SCHAMA, 1995). “O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e à reflexão do geômetra. É um espaço vivido. É vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação” (BACHELARD, 1993:19). Os velhos mitos de natureza não foram abandonados pela sociedade. Todos os indivíduos continuam a ser depositários de mitos, lembranças e obsessões que devem ser buscados, recuperados. Schama (1995) propõe um modo de olhar, de redescobrir o que já possuímos, mas que, de alguma forma, escapa-nos ao reconhecimento e a apreciação. Seu objetivo é apresentar não mais uma explicação do que perdemos e, sim, uma exploração do que ainda podemos encontrar. A qualidade do belo ou é dependente de referenciais pessoais, culturais e sociais ou, em oposição, é algo apreendido imediatamente sem que necessite de reflexão. Para Lynch (1998), os atributos do meio ambiente, seja ele natural ou construído, 11 influenciam a percepção visual do indivíduo, formando imagens compartilhadas pela população. Morin (1986) questiona a possibilidade de o pensamento simbólico/mitológico/mágico incorporar o ponto de vista empírico racional – e vice-versa -, superando a dualidade existente entre os dois, a crise da racionalidade, o desencantamento de mundo. As contribuições da psicanálise, da filosofia, da ciência, dos neomitos, da astrologia e das práticas religiosas, que apresentam a presença inabalável deste pensamento mitológico em todas as sociedades, das arcaicas às contemporâneas, provam a necessidade desta incorporação. Aponta para a tese do desenvolvimento de uma racionalidade complexa que reconheça a subjetividade, a concretude e o singular do pensamento simbólico, assim como este contenha a objetividade e a racionalidade. “É necessário não só que a razão aberta conceba o símbolo, o mito e a magia, mas também que o pensamento simbólico/mitológico possa raciocinarse, isto é, conceber-se como pensamento simbólico/mitológico”. (...) “O primeiro é desprovido de imunidade empírica-lógica contra o erro. O segundo é desprovido do sentido que percebe o singular, o individual, o comunitário. O mito alimenta, mas confunde o pensamento; a lógica controla, mas atrofia o pensamento” (Ibid:43). Para Durand (1988) a imaginação simbólica é restauradora do equilíbrio vital (biológico), psicossocial, antropológico, resultando numa teofania. O imaginário é apresentado como a tensão entre duas forças de coesão, de dois universos antagonistas. Há uma associação entre a história do pensamento ocidental, o desencantamento do mundo, o desenvolvimento e toda cultura humana, a ciência sem consciência com a “desmitificação” (o “ecumenismo do imaginário”) do pensamento domesticado pela razão: o trunfo da explicação positivista constitui a extinção do símbolo. "O pensamento simbólico faz ' explodir'a realidade imediata, mas sem diminuí-la ou desvalorizá-la (...). O símbolo revela certos aspectos da realidade - os mais profundos - que desafiam qualquer outro meio de conhecimento” (ELIADE, 1991:8). Ao conseguir atrelar a observação da natureza ao pensamento simbólico, restaurador de equilíbrios, estar-se-á estabelecendo uma missão de esperança: constatarse-á que esse ecumenismo do imaginário é dualista, isto é, dialético. É saber fazer humildemente como Bachelard (1997:69): 12 "pedir esse ' suplemento da alma' , essa autodefesa contra os privilégios da nossa própria civilização faustiana, ao devaneio que vela em nossa noite. É preciso contrabalançar nosso pensamento crítico, nossa imaginação desmistificada, através do inalienável ' pensamento selvagem' , que estende a mão fraternal da espécie ao nosso desamparo orgulhoso de civilizados". O símbolo e a liberdade “remitificante” são representações que fazem aparecer sentidos secretos, significados, e constituem a busca da poesia, da esperança e da felicidade humana. A natureza ao ganhar significados simbólicos para os indivíduos complementa o próprio sentido de serem humanos. A virtude essencial do símbolo é a de assegurar, no seio do mistério pessoal, a presença mesma da transcendência (BACHELARD, 1997). . . . O desenvolvimento do capitalismo não chega a sofrer nenhuma diminuição com estas novas atitudes e sentimentos, as pessoas saem das cidades nos finais de semana, constroem casas no campo ou viajavam para ele com o dinheiro acumulado nos seus empreendimentos poluidores. O turismo, as caminhadas arriscadas no meio da mata, as artes, o romantismo provocado pela aproximação com a natureza (quase como um ato religioso), a liberdade e a ascensão do espírito estão bastante valorizados atualmente, como vimos. A natureza é mitificada e serve como escape, compensação à vida complicada da cidade. Com tudo isso se inicia um período de mudanças de sensibilidades, de reação contra a dominação da natureza, de exaltação da beleza selvagem (evidenciada através das artes, da jardinagem, do Ecoturismo entre outros). A natureza selvagem começa a ser admirada quase como um ato religioso “divinização da natureza”. Predomina o romantismo de Rousseau, a natureza selvagem passa a ser indispensável e fonte de riquezas espirituais, símbolo da liberdade para uns e alienação para outros (natureza como sendo antisocial). Deste novo modo de ver a natureza iniciam-se os discursos e práticas preservacionistas: delimitações de áreas, controle da expansão demográfica das cidades sobre o campo, domesticação de animais em extinção (mesmo os que supostamente não têm nenhuma utilidade aparente para os seres humanos). Os argumentos deixam de ser totalmente utilitários e passam a aceitar justificativas para a preservação por causa de 13 sentimentos como a compaixão, misericórdia, curiosidade intelectual, impulso religioso e o prazer estético. Ocorre uma popularização da natureza e da prática científica relacionada a ela. Começa-se a colecionar animais e plantas, fotografá-los, visitá-los, o Ecoturismo ganha força, muitos pregam o vegetarianismo entre outros. Tais sentimentos, valores e atitudes continuam a buscar a permanência e troca entre seres humanos e natureza e, também, continuam conflitando com o constante processo civilizatório que imprime suas marcas e produz conflitos irremediáveis nas populações humanas e não humanas. Tenta-se conciliar desenvolvimento e conservação, garantir direitos às plantas e animais partindo-se de uma visão que se diz não utilitarista, mas que, em última análise, é uma luta para satisfazer este novo “sentimento de natureza”. Thomas (1988) aponta que esta aproximação com a natureza resultou na criação de espaços naturais “intocados” e separados da presença humana no seu dia a dia, mas permitido o contato eventual para o seu deleite, pesquisas entre outros. Contradições de todos os tipos passam a ser observadas: preservam-se áreas naturais para a fantasia e ilusão das pessoas que, em seu modo de viver “moderno e civilizado” não apresentam espaço para a convivência cotidiana e comum com a natureza. Continua-se justificando a conservação em prol de razões utilitárias só que de outra ordem: estéticas e emotivas dos seres humanos e não pelo valor em si dos animais. Tais contradições criaram um campo de reflexões que está presente até hoje nas práticas e discursos ambientalistas e, os direitos da natureza ainda estão longe de serem conquistados. A conciliação entre o desenvolvimento e a sustentabilidade é, em tese, impossível e impraticável e, uma combinação de compromisso e ocultamento impediu até agora que o tal conflito fosse plenamente resolvido (Thomas, op. cit.). No caso do Brasil e da construção da identidade de seu povo, Sérgio Buarque de Holanda (1992) escreve ao analisar o descobrimento de nosso continente: "Colombo, sem dissuadir-se de que atingira pelo Ocidente as partes do Oriente, julgou-se em outro mundo ao avistar a costa do Pária, onde tudo lhe dizia estar o caminho do verdadeiro Paraíso Terreal, dando com isso o seu significado pleno aquela expressão ' Novo Mundo'(...) para designar as terras descobertas. Novo não só porque ignorado, até então, das gentes da Europa (...), mas porque parecia o mundo renovar-se ali e regenerar-se, vestido de verde imutável, banhado numa perene primavera, alheio à variedade e aos rigores das estações, como se estivesse verdadeiramente restituído à glória dos dias da Criação" (Ibid: 204). 14 Chauí (2000), nos dá uma contribuição para a compreensão de nossa identidade cultural, constituída através do conjunto de representações que ela denominou de nosso “mito fundador”. Para a autora, “pelas circunstâncias históricas de sua construção inicial, nosso mito fundador é elaborado segundo a matriz teológico-política, e nele quatro constituintes principais se combinam e se entrecruzam, determinando não só a imagem que possuímos do país, mas também nossa relação com a história e a política. O primeiro constituinte, para usarmos ainda uma vez a expressão de Sérgio Buarque de Holanda, é a ' visão do paraíso' ; o segundo é oferecido pela história teológica, elaborada pela ortodoxia cristã, isto é, a perspectiva providencialista da história; o terceiro provém da história teológica profética cristã, ou seja, do milenarismo de Joaquim di Fiori; e o quarto é proveniente da elaboração jurídico-teocrática da figura do governante como ' rei pela graça de Deus' " (Ibid:12). Quanto ao primeiro constituinte, o que mais nos interessa neste estudo, a autora lembra que nossa bandeira “não exprime a política nem a história. É um símbolo da Natureza: floresta, ouro, céu, estrela e ordem. É o Brasil-jardim, o Brasil-paraíso terrestre. O mesmo fenômeno pode ser observado no Hino Nacional, que canta mares mais verdes, céus mais azuis, bosques com mais flores e nossa vida com ' mais amores' . O gigante está ' deitado eternamente em berço esplêndido' , isto é, na Natureza como paraíso ou berço do mundo, e é eterno em seu esplendor. O primeiro elemento da construção mítica nos lança e conserva no reino da Natureza, deixando-nos fora do mundo da História” (ibid:15 ). E a natureza é, assim, elemento constitutivo das representações sobre o Brasil dos próprios brasileiros, fato que tem motivado, em nosso país, mais recentemente, o fenômeno das viagens aos “paraísos ecológicos”. Ferrara (1996) afirma que a viagem corresponde aos deslocamentos espaciais que demarcam suas diferenças concretas a partir das paisagens que revela e, sobretudo, pela visibilidade que, imaginariamente produz. Carvalho (2001:63), relata a hipótese 15 “de que as idéias acerca de uma ecologia política, a despeito da gravidade dos problemas ambientais, não conseguiram dar o tom à tradição das idéias ambientais no Brasil porque não se impuseram ao forte imaginário que recai sobre o País e toda a América como Novo Mundo ou o mundo da própria natureza. Mesmo o campo ambiental, permanece em alguma medida atravessado por esse imaginário. Disso talvez decorra certa singularidade no tratamento das questões ambientais relacionadas ao Brasil no plano internacional, igualmente influenciado por esse imaginário, que tem origem na condição histórica da colonização e imprime uma marca peculiar ao ideário ambiental relativo aos países da América”. E conclui: “diante dessa representação da América como natureza, algumas questões se destacam como caminhos de leitura de uma visão ambiental contemporânea, por exemplo: em que medida esse cenário edênico fundador sobrevive e está afetando os novos olhares sobre esse continente; de que modo esse imaginário atua como ponto de atração e conversão para muitos que decidem se dedicar a uma militância ou profissão no campo ambiental; como esses sentidos que permanecem numa tradição de longa duração são arriscados, reforçando e transformando valores, no complexo jogo de interesses e motivações que atravessa o campo ambiental”? (Ibid:66-67). A análise de representações sociais dos seres humanos como produtos da sua condição sócio-histórica, apesar de revelar muito de seus condicionantes comportamentais e morais, não é suficiente para o entendimento de como eles se misturam ao mundo, de como estão mergulhados nos fenômenos que vivenciam. Esse entendimento exige que se busque o humano em sua complexidade e se resgate nele mais que reflexões morais sobre as tendências e quadros sócio-ambientais que se configuram para as gerações futuras. "O ser humano que queremos entender carrega em seu imaginário, formas de que ele mesmo já sente saudade... É um humano que necessita da interação estética com a natureza, com as paisagens paradisíacas, dos vínculos com a 16 bios e do altruísmo e da compaixão para com os seus iguais" (MARIN, OLIVEIRA & COMAR, 2005). Ao analisar as trajetórias de vida, de educadores ambientais, Carvalho (2001) revela que esse imaginário de “mundo natural” se faz presente nas narrativas recolhidas, “tendo um papel importante em certo enquadramento da idéia de natureza que imantiza o campo ambiental, conferindo-lhe uma aura transcendental. A experiência, que sem exagero poderia ser chamada de numinosa, do maravilhamento com a exuberância e a pungência da natureza, faz parte das vivências de conversão e/ou reafirmação do ideário ecológico e pertencimento ao campo, evidenciadas em algumas das trajetórias analisadas” (Ibid:67). Para Schopenhauer (2001, apud MARIN, OLIVEIRA & COMAR, 2005), a natureza força o ser humano à contemplação estética, que faz com que ele participe da vontade do belo. A natureza teria o poder de prender os sentidos e despertar a imaginação e a nostalgia. Seria a formação desse imaginário de natureza, que a transforma no "refúgio perdido da paz humana" e símbolo da beleza ideal, o principal motivador de fenômenos de mercado como o Ecoturismo? A psicologia ambiental, ao se debruçar sobre o estudo das representações sociais, do simbólico e da construção social do discurso ecológico, pode fornecer elementos para a compreensão morfológica e funcional dos comportamentos pró-ambiente e seus eliciadores? Quanto do imaginário de "paraíso-natural", do "mito criador" de Chauí (2000) está presente no movimento dos cidadãos urbanos em direção à "paz" e ao "descanso" dos parques e reservas observado nos dias atuais e explorado pelo mercado do Ecoturismo? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHELARD, G. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo, Ed.Martins Fontes, 1997. BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 242p., 1993. BONNES-DOBROWOLNY M. & SECCHIAROLLI, G. Space and meaning of the city-center cognition: an interactional-transactional approach. Human Relations (HR), v.36, p.23 – 35, London,1983. 17 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. CARVALHO, I. C. M. A invenção ecológica: narrativas e trajetórias da educação ambiental no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001. CASTELLO, L. A percepção em análises ambientais: o projeto MAB/UNESCO em Porto Alegre. 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