segunda geração modernista
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segunda geração modernista
COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS SEGUNDA GERAÇÃO MODERNISTA PROSA DE 30 Situação Histórica (1) Vamos observar o comentário de duas renomadas estudiosas: Tânia Pellegrini e Marina Ferreira autoras da série “Português-Palavra e Arte”, sobre esses anos (1930-45). “A crise crônica da República Velha e de sua economia baseada no café atravessa os anos 20. A Grande Depressão que atingiu todo o mundo capitalista, a partir de 1929, fez com que se esgotassem as possibilidades de expansão do mercado brasileiro, que não tinha mais compradores lá fora. “A economia do país oscila, enquanto, politicamente, surgem forças contrárias à velha oligarquia cafeeira. Essas forças são compostas por setores das classes médias urbanas, pelos tenentes empenhados na “moralização do regime” e por oligarcas insatisfeitos com o incentivo exclusivo ao café: é a chamada Aliança liberal, que tenta eleger Getúlio Vargas. Derrotada fraudulentamente nas eleições, só resta um caminho à Aliança Liberal: a revolução. É a Revolução de Outubro (ou Revolução de 30). Tropas nas ruas, embates, depredações, saques, sangue e morte: de norte a sul do país explode o descontentamento que levará Vargas ao poder. É o fim da República Velha. Sobre essas ruínas começa um novo tempo: o poder centralizado que acaba com a autonomia dos Estados, unifica o mercado e adota medidas industrializantes. Mas o governo Vargas mostrará cada vez mais sua face autoritária, com o apoio de setores militares. Assim, os anos entre 1937 e 1945, quando Getúlio é deposto pelo Exército que antes o prestigiara, foram tempos de repressão, de torturas e exílio para todos que se opunham ao regime. A produção cultural passou a ser vigiada e cerceada: escritores, compositores e até ranchos, blocos carnavalescos e escolas de samba eram submetidos à censura prévia do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que também divulgava o ufanismo da política oficial. Mas é também a época da popularização do futebol, que aos poucos deixa de ser um esporte de elite, trazido pelos ingleses, e da oficialização do carnaval, festa popular agora submetida à organização e controle do governo. É a época áurea do rádio, o primeiro meio de comunicação de massa brasileiro, também usado como veículo de propaganda oficial. Surge o samba-canção, diferente dos sambas de carnaval; as composições de Noel Rosa, Pixinguinha. Ataulfo Alves. Herivelto Martins, Dorival Caymmi conquistam o gosto popular. Aparecem os primeiros “ídolos das multidões”, os cantores Francisco Alves, Araci de Almeida, Carmem Miranda, Vicente Celestino. E é também tempo do cinema americano, que invade as telas de todo o mundo. Nesse contexto pleno de fatos relevantes em todos os níveis, floresce a literatura da segunda fase modernista. Completando a conjuntura da época, perceba o posicionamento do Professor Sergius Gonzaga em relação ao período e ao crack da Bolsa de Nova Yorque (1929). Aproveitando o ensejo, assista ao fantástico filme “A luta gela esperança”, que tematiza as consequências da quebra da Bolsa Nova Iorquina: “O crack da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, foi a mais devastadora crise econômica até hoje enfrentada pelo sistema industrial-capitalista, não apenas porque os Estados Unidos e dezenas de outros países afundaram na recessão e no desemprego, mas principalmente porque uma onda de pessimismo e desespero tomou conta do mundo. Aos loucos e felizes anos 20, marcados por ânsia de viver, inovações artísticas e otimismo quanto ao futuro (exceto talvez na Alemanha), seguiu-se a década de 30, com suas sombras agourentas (fascismo e nazismo), e, por consequência, com uma terrível sensação de mal-estar que Freud antecipou genialmente, num texto escrito em 1930: A meu juízo, o destino da espécie humana será decidido se o desenvolvimento cultural conseguir fazer frente às perturbações da vida coletiva, vindas do instinto de agressão e de autodestruição. (...) Nossos contemporâneos chegaram a tal extremo no domínio das forças elementares, que com sua ajuda lhes seria fácil exterminar-se mutuamente até o último homem. Também Sartre evocou a crise de consciência e o espanto individual perante os eventos daquela década: 1 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS A crise mundial, o advento do nazismo, a guerra civil da Espanha nos abriram os olhos; parecia que o chão ia desaparecer debaixo de nossos pés. (...) Cada promessa que havíamos saudado se tornava uma ameaça. Cada dia que vivíamos desvendava seu verdadeiro rosto: nos havíamos entregues confiantes e nos empurravam para uma nova guerra. O Romance do nordeste Atente para o primoroso comentário feito pela estudiosa Luciana Stegagno Picchio no seu livro “História da Literatura Brasileira”: “O romance do Nordeste tem como estímulo imediato a lição de Gilberto Freyre e o Manifesto Regionalista expresso pelo Congresso de Recife de 1926, embora publicado só em 1952. É daí que parte a nova geração de ficcionistas nordestinos, atrás dos quais se encontra, porém, toda a literatura do Norte, aberta, em 1876, por Távora; e todo o nativismo naturalista e a seguir parnasiano da “Padaria Espiritual” de Fortaleza (1892-1913), da qual tinham saído escritores como Oliveira Paiva, Rodolfo Teófilo. Capistrano de Abreu, Clóvis Bevilacqua, Antônio Sales e Adolfo Caminha. Uma tradição de fidelidade a terra e aos problemas do homem sentidos interdisciplinarmente, mas numa dimensão em que literatura e artes visuais, política e urbanística, arte culinária e magia, música e artesanato, se tronam, todos singular e coletivamente, ramo de ação social e instrumento de interpretação sociológica. Algo que nas intenções desejava ser muito diferente, mais sério e “comprometido” do que o nativismo estetizante e irônico do Modernismo paulista: que no seu ativo, porém, tinha todas as conquistas instrumentais, a interdisciplinaridade em primeiro lugar, e expressivas daquele movimento. José Lins do Rego, que no sistema funcionará um pouco como o intérprete literário e o popularizador do pensamento científico de Gilberto Freyre, dirá: Por esse modo, o Nordeste absorvia o movimento moderno, no que ele tinha de mais sério. Queríamos ser do Brasil, sendo cada vez mais da Paraíba, de Recife, de Alagoas, do Ceará. Presença do Nordeste na literatura, 1957. Queria-se um regionalismo que substituísse o comportamento saudosista e romântico de Gonçalves Dias e de Alencar, ou o realismo denunciador dos primeiros naturalistas, uma visão “objetiva” da realidade local; um nacionalismo que levasse ao internacionalismo por meio da região; e um regionalismo que superasse a receita literária e se tornasse teoria de vida. Todavia, como todas as poéticas, também esta tinha necessidade de escritores e artistas a fim de fazer arte e literatura. E esses escritores e artistas foram, unidos em torno de Gilberto Freyre e do jornal por ele dirigido, a Província de Recife, personagens como José Lins do Rego, Olívio Montenegro, Aníbal Fernandes, Sílvio Rabelo. Todos em polêmica sociopolítica com o “mestre”, como aqueles que teriam escolhido estradas não coincidentes com a trilhada por ele: ou aqueles simplesmente atraídos ao circulo de seu fascinante programa de revalorização dos valores tradicionais, como Jorge de Lima e Manuel Bandeira. Graças a Gilberto Freyre e à sua “escola”, o Nordeste volta a ser nos anos trinta e quarenta o segundo polo da dialética cultural brasileira: como no Seiscentos dos jesuítas e dos holandeses, no Setecentos das academias, no Oitocentos romântico do maranhense Gonçalves Dias e do cearense José de Alencar, e no Oitocentos positivista de Tobias Barreto e de Silvio Romero. E se, nos anos vinte, o centro cultural do País parecia ter-se deslocado, definitivamente, para o triângulo São Paulo-Belo Horizonte-Rio, pouco depois o recifense Manuel Bandeira poderá anunciar, entre divertido e cônscio, com frase roubada de Tobias Barreto: “São os do Norte que vêm.” 2 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS ROMANCE DE 30 - A ESTÉTICA DO COMPROMISSO Situação Histórica (2) Getúlio Vargas → classes médias urbanas → Tenentes → oligarquias rurais não ligadas ao café = REVOLUÇÃO DE 30. E a Literatura? A geração de 30 significou, a princípio a mesma aliança: elite rural não ligada ao café + setores progressistas da classe média. MAS... Os revolucionários de 30 logo se conciliam com os cafeicultores e com a velha ordem. Já os Artistas... Aprofundam as contradições existentes e radicalizam-se ideologicamente: o integralismo e o comunismo → possibilidades de transformação da realidade brasileira. LOGO... OS ESCRITORES: Terão uma visão crítica das relações sociais. Darão uma resposta artística ao momento de fermentação política e ideológica que estavam vivendo. Questionarão a função da arte, a necessidade de sua integração na realidade política social. Irão se conscientizar das suas realidades circundantes. Irão realizar um aproveitamento e aprofundamento de aspectos de nossa tradição romanesca: Romântica, realista-naturalista, pré-modernista (não há antipassadismo!) Daí a preocupação central: HUMANO-SOCIAL Homem → Hostilizado pelo ambiente, pela terra, pela cidade, pelos poderosos. O homem sendo devorado pelos problemas que o meio lhe impõe. Alguns traços marcantes Os escritores vão encarar suas obras como agentes de transformação social. ↓ Tematização: drama da seca crise nos engenhos cangaço luta pela terra coronelismo problemas do homem urbano etc. ↓ Daí as vertentes Regionalista Psicológica oi Intimista ↓ 3 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Lema: “Denunciar uma questão social, para solucionar, literatura mais construtiva, mais politizada.” ↓ Expressão linguística: Usarão uma linguagem mais próxima da fala, do falar regional, condizente como grau de instrução das personagens. ↓ Sintetizando: Realismo crítico Enfoque de tipos marginalizados Denúncia social Procura da verossimilhança Linearidade cronológica Análise psicológica Tipificação social Correspondência entre linguagem e a realidade. Bases ideológicas da Moderna ficção Regionalista (Análise feita pelo Professor Jayme Barros). a) Analisando-se, em conjunto a ficção regionalista moderna, pode-se identificar nela 04 princípios básicos. 1. HUMANISMO — A preocupação central é o homem. Homem analisado em sua existência aviltada, degradada, explorada. socioeconômicas regionais como responsáveis pela destruição do homem. As estruturas 2. DETERMINISMO — A interpretação determinista provém do século XIX. Os regionalistas, porém, deixam de lado os aspectos biológicos e enfatizam o determInismo econômico-social e político. Em outros termos as estruturas socioeconômico-políticas causam a destruição do homem que, enquanto indivíduo, não tem como superar tais fatores determinantes. 3. REFORMISMO — Embora fatores determinantes da destruição humana, as estruturas sociopolitico-econômicas regionais são mutáveis. Daí o apelo revolucionário da ficção regionalista. Operar mudanças profundas nas estruturas regionais é a única forma de evitar-se a destruição do homem. 4. INSTRUMENTALISMO — Nesta atuação, revolucionária, a literatura é um instrumento de ação: “Escrever é um ato de militância”. “Escrever é uma ação social”. b) Concluindo essa caracterização ideológica do regionalismo moderno, vale a pena citar Bezerra de Freitas, para quem a ficção moderna se caracteriza pela “marca da ansiedade”, pela “busca de transformação radical dos nossos sentimentos e processos literários”. Para Soares Amora, existe “uma ânsia da realidade presente”. Ainda Bezerra de Freitas: “O romance moderno caracterizou-se por uma afirmação absoluta de nossas ânsias de viver sem limitações comprometedoras. Daí o apego ao realismo, o repúdio e a negação da fantasia.” “O Modernismo foi um movimento de angústia e ansiedade, porque se destinava a denunciar o erro dos valores absolutos ou tradicionais e a interromper a comédia do nosso puritanoísmo literário e estético. Os modernistas demonstraram possuir a coragem de enfrentar as realidades integrais de nossa existência. 4 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS c) 1. Atitude Narrativa Básica 2. Ambiental Regional 3. Preocupação Central 4. Temática 5. Linguagem REGIONALISMO DE 30 Realista — daí a visão fotográfica do real e a utilização de técnicas como a do documentário, das reportagens, etc. Mostragem da realidade socioeconômico-politica regional, vista e analisada numa perspectiva sócio-histórica. Humano-social. Daí o caráter de denúncia, de contestação da realidade regional, como anuladora e destruidora do homem. Isso leva ao apelo de mudanças na própria estrutura regional, à consciência da necessidade de luta por tais mudanças. Em consequência dos itens anteriores, os temas básicos da geração de 30 buscam evidenciar os aspectos falsos da estrutura regional, os desníveis da classe social, a exploração das classes dominantes no plano político, social e econômico. Decorrente da “visão fotográfica”, utiliza-se a linguagem oral, regional, a linguagem cotidiana, explorando-se os aspectos mais expressivos e tentando elevá-lo à categoria literária. Atenção! (A vitória do neorrealismo) (Conjunto de narrativas, escritas entre os anos de 1930 e 1960, por uma mesma geração, oriunda de famílias oligárquicas decadentes, com uma visão de mundo crítica, um sentido missionário da literatura e padrões artísticos bastante próximos do realismo do século XIX). Características Ênfase nas questões ideológicas e sociais, e não mais no projeto estético da geração de 1922. Rejeição ao experimentalismo técnico e ao gosto pela paródia, substituídos por um realismo mais ou menos trivial: retrato direto da realidade, busca da verossimilhança, linearidade narrativa, etc. Tipificação social explícita (indivíduos que representam as várias classes sociais). Construção de um ficcional que deve dar a ideia de abrangência e totalidade. Tomada de consciência do subdesenvolvimento (atraso e miséria do país). Denúncia contínua da situação opressiva vivida por camponeses e operários. Tentativa de comunicação com as massas através de uma linguagem coloquial. Valorização da realidade rural que levou os críticos a designarem o período como regionalista. Principais autores JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA “Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã”. (Trecho do prefácio de A Bagaceira) Nasceu em Areia Branca, na Paraíba, descendente de uma poderosa família rural. Desde cedo, interessou-se pela política e pela literatura e, como era de praxe nessas circunstâncias, foi estudar Direito no Recife, formando-se em 1908. Entre 1911 e 1929 exerceu o cargo de procurador geral em seu Estado. Ao lançar, em 1922, o ensaio A Paraíba e seus problemas, obteve alguma repercussão nos meios letrados da região. Porém, em 1928, sacudiria o país com a publicação de A bagaceira. Cansada da agitação modernista, a juventude intelectual brasileira viu no romance a plataforma de um novo tipo de arte. 5 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS TEXTO A Bagaceira Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos — esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das covas podres. Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas. Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar; porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados. Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo. Adelgaçados na mangueira cômica, como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciamlhes aos joelhos, de mãos abanando. Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos* — de ascite consecutiva à alimentação tóxica — com os fardos das barrigas alarmantes. Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais. Meninotas, com as pregas da súbita velhice, careteavam, torcendo as carinhas decrépitas de exvoto*. Os vaqueiros másculos, como titãs alquebrados, em petição de miséria. Pequenos fazendeiros, no arremesso igualitário, baralhavam-se nesse anônimo aniquilamento. Mais mortos do que vivos. Vivos, vivíssimos só no olhar. Pupilas do sol da seca. Uns olhos espasmódicos de pânico, como se estivessem assombrados de si próprios. Agônica concentração de vitalidade faiscante. Fariscavam o cheiro enjoativo do melado que lhes exacerbava os estômagos jejunos. E, em vez de comerem, eram comidos pela própria fome numa autofagia erosiva. hidrópico: que sofre de hidropisia, ou seja, de acúmulo anormal de líquido em partes do corpo. ascite: acúmulo de líquido na cavidade abdominal, o mesmo que barriga-d’água. ex-voto: imagem, foto, objetos de cera ou madeira, etc., levados à igreja por conta de uma graça alcançada. Atenção! Analise a frase “Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais”. Estabeleça uma comparação com os quadros de Portinary. Reflita: “Fugiam do sol e o sol guiava-os.” Observe a linguagem usada pelo autor: “utiliza um vocabulário mais apurado, com alguns termos científicos (lembra de “Os sertões”?) e muito regionalismo; trabalha bem as frases curtas. GRACILIANO RAMOS E AS VIDAS SECAS GRACILIAnO RAMOS (Quebrângulo-AL. 1892 — Rio de Janeiro, 1953 Muito nessa época. Caetés, seu primeiro romance, saiu em 1933. São Bernardo, em 1934. Apaixonado por educação, Graciliano Ramos não conseguiu permanecer muito tempo em cargos políticos. No início de 1936, aceitou ser funcionário da instrução Pública de Alagoas. Sob a alegação de que era comunista, foi preso no mês de março. Ficou nove meses na prisão, sendo solto porque não havia provas: ele só entraria para O Partido Comunista anos depois, em 1945. Morreu no Rio de Janeiro, em 1953. CATEGORIAS Romances narrados em primeira pessoa (Caetés, São Bernardo e Angústia): evidencia-se a pesquisa progressiva da alma humana, ao lado do retrato e da análise social. Romance narrado em terceira pessoa (Vidas Secas): são enfocados os modos de ser e as condições de existência, segundo uma visão distanciada da realidade. 6 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Autobiografias (Infância e Memórias do Cárcere): o autor se coloca como problema e como caso humano; nelas transparece uma irresistível necessidade de depor. Um nordestino corajoso Em uma das cartas, de fevereiro de 1946, Graciliano comenta com grande coragem que a miséria se tornou para os dois um ganha-pão. Havia escrito Vidas Secas, em 1938, e Portinari pintado a tela Retirantes, em 1944: “Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo as deformações e a miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram. O que às vezes pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto: se elas desaparecessem, poderíamos continuar a trabalhar? Desejaremos realmente que elas desapareçam, ou seremos também uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças? Dos quadros que você me mostrou quando almocei em Cosme Velho pela última vez, o que mais me comoveu foi aquela mãe a segurar a criança morta. Saí de sua casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem miséria seria possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz, que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que faríamos cromas, anjinhos cor-de-rosa, e isto me horroriza. Felizmente a dor existirá sempre, a nossa velha amiga, nada a suprimirá. E seríamos ingratos se desejásse- mos a supressão dela, não lhe parece?” (Época, 06/01/03) Para o autor, o ofício do escritor não deve nunca ocultar a realidade sob um manto de ufanismo vazio, de exotismos ou de retórica oca; pelo contrário, o escritor deve voltar-se para aqueles que sofrem e expor-lhes o sofrimento. Isso significa fazer uma obra participante, uma obra que acredita na análise dos problemas sociais e humanos como forma de ajudar a resolvê-los. Tensão: Homem x meio Natural Social Gera violência, transfigura o que o homem tem de bom. Graciliano realiza uma síntese entre indivíduo e ambiente. Destaca-se: SENSO - estético - sociológico - psicológico Em Graciliano, o regional não caminha na direção do específico, do particular ou do pitoresco; ao contrário, as especificidades do regional são um meio para alcançar o universal. Suas personagens, em vez de traduzirem experiências isoladas, traduzem uma condição coletiva, a do homem explorado socialmente ou brutalizado pelo meio. VIDAS SECAS OU A ATROFIA DA PALAVRA POR JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA 7 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Num ensaio de 1943, Otto Maria Carpeaux propôs uma leitura surpreendente do livro publicado apenas cinco anos antes: “Não é o sertão o culpado; ‘Vidas Secas’ é o seu romance relativamente mais sereno, relativamente mais otimista. O culpado é – superficialmente visto, numa primeira aproximação – a cidade”. A oposição entre meio rural e meio urbano nada tem de nova. E parece mais interessante pensar que a cidade surge como a reserva de utopia em “Vidas Secas”. Na projeção de Sinhá Vitória e Fabiano, no parágrafo que encerra o romance, andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias”. Dimensão utópica. Entretanto caracterizar “Vidas Secas” pela serenidade e pelo otimismo constitui um achado que merece ser desenvolvido. Afinal, superficialmente visto, o romance começa com uma “mudança” (título do primeiro capítulo) e termina numa “fuga” (título do último capítulo). Nomes diversos para o mesmo destino de retirantes em busca da sobrevivência. Os 13 capítulos do livro emolduram as ações transcorridas entre duas secas, ou seja, o termômetro das vidas severinas de Fabiano, Sinhá Vitória, os dois filhos, a cachorra Baleia e o papagaio – “mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco”. Otimismo e serenidade? A observação de Carpeaux exige que se recupere a dimensão utópica disseminada por Graciliano Ramos em pequenos gestos de suas personagens. “Utopia” pode ser uma palavra excessiva para o estilo só-lâmina, de Graciliano. Mas o princípio esperança, esse não foi abandonado por Fabiano, até diante da iminência de nova estiagem: “Seria necessário mudar-se? Apesar de saber que era necessário, agarrou-se a esperanças frágeis. Talvez a seca não viesse, talvez chovesse”. Sinhá Vitória aprendeu a lição e, outra vez na estrada, resolveu acreditar que “talvez esse lugar para onde iam fosse melhor do que os outros onde tinham estado”. Embora infundada, a esperança retorna nos momentos mais adversos, alimentando uma crença relativamente serena que não se confunde com fatalismo, pois a esperança surge no fim do romance na possibilidade de superação de limites. Uma possibilidade frágil, já se viu. Mas muito distante da leitura consagrada, sintetizada por Álvaro Lins: “O final do livro é uma retirada, como o princípio fora uma chegada, dentro de uma fatalidade que o romance sugere (...)”. Porém, como descobrir em “Vidas Secas” um texto em alguma medida otimista? De um lado, a resposta se encontra no princípio. De outro, na extraordinária investigação linguística e epistemológica que confere unidade ao romance. Esse é um ponto fundamental. A interpretação dominante estabeleceu padrão oposto, mais uma vez expresso por Álvaro Lins: “(...) a novela, tendo sido articulada em quadros, os seus capítulos, assim independentes, não se articulam formalmente com bastante firmeza e segurança”. Ora, Graciliano não pretendia representar pobres retirantes; o que, numa abordagem tradicional, demandaria uma narrativa estruturada através de ações continuadas dos personagens. Pelo contrário, Graciliano esforçou-se por apresentar a pobreza em suas consequências mais graves: a atrofia da linguagem e a anemia do pensamento. A dificuldade no controle da linguagem e o consequente embaraço na ordenação do pensamento são os verdadeiros protagonistas de “Vidas Secas”. No primeiro capítulo, a sobrevivência da família é assegurada com a morte do papagaio: “ A fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida”. Os sinais de diálogo eram igualmente escassos: “Depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas”. Em todos os capítulos, observações semelhantes retornam obsessivamente, estruturando a narrativa em torno da relação entre palavras raras e pensamento inarticulado. O menino mais velho ficara intrigado com a palavra “inferno”, o que irritara sua mãe. Depois de um castigo que considerou injusto, buscou aconselhar-se com Baleia: “Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações e de gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a língua”. O filho mais velho aprendera como o pai, que “às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopeias”. Com tais recursos linguísticos, o pensamento pode se tornar tão hostil quanto o clima. O menino mais novo queria impressionar seu irmão e a cachorra. Fracassou, “fez tenção de entender-se com alguém, mas ignorava o que pretendia dizer. A égua alazã e o bode misturavam-se, ele e o pai misturavam-se também”. O filho mais novo aprendera com a mãe, que enfrentava idêntica dificuldade para expressar o desejo por uma cama de gente como a de Seu Tomás da bolandeira: “Isto lhe sugeriu duas imagens quase simultâneas, que se confundiram e neutralizaram”. 8 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Ora, essa arquitetura sutil se completa no último capítulo, “Fuga”, simétrico invertido do primeiro, “Mudança”. Nesse, os retirantes mudavam-se de uma fazenda a outra, mas em nada alteravam sua condição de “quase uma rês na fazenda alheia”. Rês, res: coisa, apenas. Naquele, ao contrário, os viventes buscavam fugir do círculo perverso, imaginando um lugar, “uma terra desconhecida”, a cidade grande. E como fazê-lo? Através do controle inesperado da linguagem. Nesse capítulo, “Fuga”, os personagens deixam de trocar palavras: eles realmente dialogam. “Sinhá Vitória precisava falar. (...) Chegou-se a Fabiano, amparou-o e amparou-se”. Nas páginas finais, Graciliano semeia diversas vezes a palavra decisiva: conversa. É através da linguagem que os viventes se fortalecem. E, pela primeira vez no romance, Fabiano “mostrou os dentes sujos num riso infantil”. Riso de quem era infans, de quem pouco falava e quase nada escutava. Agora, “as palavras de Sinhá Vitória encantavam-no. Iriam para diante (...)” A linguagem transformou “quatro sombras” numa família. E quem sabe no capítulo que não foi escrito os dois meninos recebessem nomes próprios. João Cezar de Castro Rocha é professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É autor de “Literatura e Cordialidade” (Eduerj) Folha de São Paulo ENREDO É a história de uma família de retirantes que vive em pleno agreste os sofrimentos da estiagem (...), pequena obra-prima de sobriedade formal (...), abre ao leitor o universo esgarçado e pobre de um homem, uma mulher, seus filhos e uma cachorra tangidos pela seca e pela opressão dos que podem mandar (...). O que havia de unitário nas obras anteriores (do autor), apoiadas no eixo de um protagonista, dispersa-se nesta em farrapos de ideias, no titubear das frases, nos “casulos da vida isolada que são os diversos capítulos”, enfim, na desagregação a que o meio arrasta os destinos inúteis de Fabiano, Sinhá Vitória, Baleia... (Alfredo Bosi -História Concisa da Literatura Brasileira) TEMPO As anotações sobre o tempo são bastante escassas, a duração da intriga não é determinada. Fabiano e os seus vêm não se sabe donde e caminham não se sabe para onde. Ignora-se quando chegaram, quanto demoraram, e durante quanto tempo terão de caminhar. “( ) dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentiu distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos; o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu espírito.” Essa notação permite inferir que o desenrolar da intriga abrangeu mais de um ano, o que é reforçado pela alusão ao negócio de criar gado de que Fabiano tinha de dar conta ao patrão. LINGUAGEM Num raro senso de adequação, a linguagem usada pelo romancista é concisa, despida, “seca” – por isso mesmo de alta eficiência expressiva. Narrativa em terceira pessoa. Embora tenhamos no livro a presença do diálogo-a-um, não é a personagem que ressalta nele, mas o narrador que se faz sentir pelo discurso indireto. Segundo Rui Morão, aliás, “não se compõe uma narrativa, compõem-se narrativas nucleares, seccionadas, desde que coisa alguma ocorre em perspectiva. Os fatos, de um modo geral, terminam em si, não surgindo para ocupar lugar numa cadeia de acontecimentos e quando, excepcionalmente, têm a faculdade de gerar consequências, a curto prazo essas se verificam ou a sua expectativa é desfeita, desarmando incontinenti a curiosidade do leitor. É o caso, por exemplo, da marcha inicial dos retirantes, da briga, na cidade, com o soldado, da aventura do menino mais novo que projeta imitar o pai a amansar a água alezã, da dramática preparação de Fabiano para o sacrifício de Baleia. Em todo o livro, por duas vezes apenas – no ressurgimento do soldado e na evolução do segundo ciclo da seca – a matéria de um capítulo continua a ser tratada em outro”. 9 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS No livro há a descrição de dois mundos: 1 Fabiano - Fabiano - Sinhá Vitória - O menino mais velho - Baleia e o papagaio 2 X Mundo composto pela sociedade - Seu Tomás da bolandeira - O patrão de Fabiano - O soldado amarelo Observação: Tanto as personagens do primeiro grupo como as do segundo vivem na mesma região, sofrendo todas a mesma seca. Atenção! Entre os dois mundos que acabamos de descrever “não há um sistema de trocas, senão um mecanismo de opressão e bloqueio.” O que parece ser importante para Graciliano Ramos é denunciar a desigualdade entre os homens, a opressão social, injustiça. São esses os temas de Vidas Secas, daí o ter-se afirmado no início desse estudo não podermos considerar o livro regionalista. Em momento algum o esmagamento de Fabiano e de sua família é explicado apenas pela seca ou qualquer fator geográfico. PERSONAGENS a) O Patrão de Fabiano: não tem necessidade de fugir da seca, pois ele que possui as terras e o dinheiro, ele que emprega os trabalhadores e faz deles meros escravos sem qualquer direito a uma vida digna e independente. – Opressor. O patrão atual, por exemplo, berrava sem precisão. Quase nunca vinha à fazenda, só botava os pés nela para achar tudo ruim O gado aumentava, o serviço ia bem, mas o proprietário descompunha o vaqueiro. Natural. Descompunha porque podia descompor, e Fabiano ouvia as descomposturas com o chapéu de couro debaixo do braço, desculpava-se e prometia emendar-se. Mentalmente jurava não emendar nada, porque estava tudo em ordem, e o amo só queria mostrar autoridade, gritar que era dono. Quem tinha dúvida? b) Seu Tomás da bolandeira: culto, sabia comunicar-se com precisão. Sua linguagem significa a cultura e a edu- cação. (I). Ele simboliza um status econômico de conforto, segurança (II). I. Lembrou-se de seu Tomás da bolandeira...Em horas de maluqueira Fabiano desejava imitá-lo: dizia palavras difíceis, truncando tudo e convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo. II. Era melhor esquecer o nó e pensar numa cama igual à de seu Tomás da bolandeira. Seu Tomás tinha uma cama de verdade, feita pelo carpinteiro, um estrado de sucupira alisado a enxó, com as juntas abertas a formão, tudo embutido direito, e um couro cru em cima, bem esticado. Ali podia um cristão estirar os ossos. c) O Soldado Amarelo: simboliza o governo, a entidade que humilha Fabiano e que condiciona o humilhado à incapacidade de reagir. “O soldado, magrinho, enfezadinho, tremia. E Fabiano tinha vontade de levantar o facão de novo. Tinha vontade, mas os músculos afrouxavam... Vacilou e coçou a testa. Havia muitos bichinhos assim ruins, havia um horror de bichinhos assim fracos e ruins. Afastou-se, inquieto. Vendo-o acanalhado e, ordeiro, o soldado ganhou coragem, avançou, pisou firme, perguntou o caminho. E Fabiano tirou o chapéu de couro. – Governo é governo. Tirou o chapéu de couro, curvou-se e ensinou o caminho ao soldado amarelo.” 10 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS d) Fabiano: condição animalizada dentro da sociedade a que pertence. Ignorante, bruto, mal articulava uma ou outra palavra só sabia grunhir. Affonso Romano de Sant’ana faz uma aproximação de Fabiano a Baleia. Segundo o estudioso, o pensamento de Fabiano, no capítulo que recebe seu nome, passa por três etapas. Primeiramente, ele se considera positivamente dizen- do: ‘– Fabiano, você é um homem.’ Depois se estuda com menos otimismo, e considerando mais realisticamente sua situação se corrige –’ Você é um bicho, Fabiano’. Ou seja: um indivíduo que não sendo exatamente um homem, pelo menos sabia se safar dos problemas. No entanto, poucas frases adiante, nova alteração se dá em suas considerações. E de homem que se aceitara apenas como um bicho esperto, ele se coloca como um animal: ‘o corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados. Parecia um macaco. Entristeceu.” Decaindo do ponto mais elevado da escala, passando a indivíduo apenas esperto e depois a um semelhante do animal, Fabiano termina por se aproximar de Baleia, a quem, em contraposição, em seu diálogo-a-um ele considera:’ – Você é bicho, Baleia ‘. Nesta frase estaria integrado o sentido duplo do termo ‘bicho’, aplicado a Baleia: animal/ esperteza, positivo/ negativo. Uma análise mais interessada nestes levantamentos poderia perfilar dento do livro todos os processos sistemáticos de zoomorfização dos animais, destacando principalmente os verbos e adjetivos conferidos a um e outro elemento numa mesma simbiose metafórica. e) Sinhá Vitória: aquela que alimenta pequenos sonhos, nunca realizados. Único apoio de Fabiano. É desumanizada pelo autor, é apresentada num mundo confuso. Num mundo não muito lúcido, entre concreto e abstrato. f) Baleia: ela é como uma pessoa da família. Brinca com os filhos e ajuda no trabalho (caçar preás). Fica doente e morre. Atenção: Há uma aproximação entre Sinhá Vitória e o papagaio. A identificação entre Vitória e o papagaio se acentua sobretudo no capítulo “Sinhá Vitória”, quando ela tenta perceber o sentido da comparação que seu marido fizera de seu modo de caminhar com o do papagaio: “Ressentido, Fabiano condenara os sapatos de verniz que ela usara nas festas, caros e inúteis. Calçada naquilo, trôpega, mexia-se como um papagaio, era ridícula.” “A partir daí a imagem dos pés de Vitória vai se fundindo à imagem do papagaio, até que estilisticamente a superposição se destaca em frases como essas: ‘Olhou os pés novamente. Pobre do louro’. Aí o adjetivo ‘pobre’ já não se refere exclusivamente ao papagaio que foi morto para matar a fome da família, mas descreve a própria Sinhá Vitória tão ‘infeliz’ como aquele ‘pobre louro’. No resto do capítulo, o autor usa de um processo de recorrência da imagem da ave, agora ampliando-lhe a área semântica, referindo-se à galinha, especialmente a ‘galinha pedrês’ devorada pela raposa.” g) Os filhos: são apresentados como coisas e não são individualizados por um nome. Assim como os demais, assemelham-se a espectros. As idades das personagens (todas!) não são mencionadas. COMENTÁRIO As personagens são focalizadas cada uma por sua vez, o que nos mostra o seu afastamento. Cada uma delas tem sua vida particular, acentuando a solidão em que vivem. Vidas Secas é, portanto, a dramática descrição de pessoas que não conseguem comunicar-se. Nem os opressores se comunicam com os oprimidos, nem cada grupo se comunica entre si. A nota predominante do livro é o desencontro dos seres. Os diálogos são raros e as palavras ou frases que vêm diretamente da boca das personagens são apenas xingatórios, exclamações ou mesmo grunhidos. A terra é seca mas sobretudo o homem é seco. Daí o título Vidas Secas. O discurso do narrador é igualmente construído 11 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS através de frases curtas, incisivas, enxutas, quase sempre períodos simples. Escritor extremamente contido, com o pavor da verbosidade, Graciliano prefere a eloquência das situações fixadas, à eloquência puramente verbal. O que há de libelo no livro se coloca na sua própria estrutura, e não em discursos das personagens ou do autor. Vidas Secas começa por uma fuga e acaba com outra. No início da leitura, tem-se a impressão de que Fabiano e sua família fogem da seca: “Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente. Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram-se as suas desgraças e os seus pavores.” O último capítulo. Fuga, descreve cena semelhante: A vida na fazenda se tornara difícil. Sinhá Vitória benzia-se tremendo, manejava o rosário, mexia os beiços franzidos rezando rezas desesperadas. Encolhido no banco do copiar, Fabiano espiava a caatinga amarela, onde as folhas secas se pulverizavam, torturadas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas arribações tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre. GRACILIANO RAMOS: UM MESTRE DA PALAVRA Sucinta, dura e descarnada: assim é a tessitura verbal de Vidas Secas. Sua obsessão pela redação gramaticalmente imaculada e elegante lembra Machado de Assis. Graciliano prima pela correção da escrita, embora faça concessões aos regionalismos, necessários para a veracidade da linguagem das personagens. Não admite populismos. Onomatopeias, monossílabos guturais e gestos aglutinam-se para demonstrar a revolta, a impotência e o mutismo das personagens diante da opressão social, política e econômica que devora os homens nordestinos. Praticamente não existem diálogos, daí a presença quase absoluta do monólogo interior. As personagens se comunicam por meio de exclamações, interjeições guturais, onomatopeias, muxoxos, resmungos e gestos. A comprovação da marginalidade linguística dos retirantes é uma das chaves decisivas para a compreensão do livro. Não era propriamente conversa, eram frases soltas, espaçadas, com repetições e incongruências. As vezes uma interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo. Na verdade nenhum deles prestava atenção às palavras do outro: iam exibindo as imagens que lhes vinham ao espírito, e as imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominá-las. Como os recursos de expressão eram minguados, tentavam remediar a deficiência falando alto. O estilo de Graciliano Ramos se caracteriza pela sobriedade no uso dos adjetivos; ele prefere dar nome às coisas, daí o critério na seleção dos substantivos. O acúmulo de orações coordenadas e de frases nominais, curtas e densas, sugere a pouca complexidade de pensamento e amplia as sugestões de revolta e desencanto: Falta de criação. Tinha lá culpa? O sarapatel se formara, o cabo abrira caminho entre os feirantes que se apertavam em redor: — “Toca pra frente”. Depois surra e cadeia, por causa de uma tolice. Ele, Fabiano, tinha sido provocado. Tinha ou não tinha? Salto de reiúna em cima da alpercata. Impacientara-se e largara o palavrão. Natural, xingar a mãe de uma pessoa não vale nada, porque todo o mundo logo vê que a gente não tem a intenção de maltratar ninguém. Um ditério sem importância. A obra São Bernardo, de Graciliano Ramos, apesar de pertencer à Segunda Geração Modernista, cujos propósitos, em prosa, ligam-se à denúncia social, à apresentação questionadora e crítica do Brasil, afasta-se, ao mesmo tempo, dela. Notamos, ao analisar o romance, que, se há denúncia, ela fica em segundo plano. Todo o romance envolve a tensão psicológica de Paulo Honório, que se desenvolverá, aqui, em dois planos: o Paulo Honório narrador, e o Paulo Honório personagem. Paulo Honório causa-nos o “estranhamento” por ser um herói problemático, buscando o entendimento na avaliação de si mesmo. A história é contada num tempo posterior aos fatos, ou seja, 12 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Paulo Honório, no passado, vivenciou uma série de experiências, que, agora, num tempo atual (já com cinquenta anos), pretende relatar em livro. Toda a narrativa se envolverá num processo de circularidade e alternâncias: no enredo central, teremos PauloHonório personagem; na narração, aparecerá o Paulo Honório avaliativo, distante dos fatos, buscando entender a si, ao mundo e até mesmo ao seu processo de criação. Inicialmente, o narrador explica ao leitor todo o seu processo de escritura, fazendo-o participar da obra. Em todo o primeiro capítulo do livro, Paulo Honório narrador expõe seu projeto de fazer a obra pela “divisão do trabalho”. Para tanto, “Padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, redator e diretor do ‘Cruzeiro’.” (p.7). Percebe-se que, por meio de um processo de metalinguagem, coloca-se o processo da escritura em discussão. Junto com ele, descobrimos que o processo de elaboração é falho (“O resultado foi um desastre.” p. 8), pois mascara seu autor: ele é um homem rústico, e não aquilo que estavam fazendo que ele parecesse (“... está pernóstico, está safado, está idiota. Há lá quem fale dessa forma!” – p. 9). Dessa maneira, Paulo Honório coloca-se como alguém simples, não afeito a técnicas narrativas normalmente consideradas sofisticadas, dai as referências à “língua de Camões”. É por isso que assumirá a escritura do romance que tratará de sua história, desde guia de cegos a proprietário da fazenda São Bernardo: narrativa que se pretende escrita de forma rústica para tratar de uma “alma agreste”, conforme ele se autoqualifica. Porém engana-se o leitor se imagina encontrar um texto desconexo, escrito por alguém que se diz semianalfabeto; ao contrário, deparamo-nos com um texto que, em termos de linguagem, poderia, inclusive, ser classificado como clássico: a linguagem é “enxuta”, sem preocupação descritiva ou abuso de linguagem figurada; é a nítida preferência pelo substantivo, pela informação direta, aproximando-se de uma linguagem referencial, bastante afastada daquilo que chamaríamos, tradicionalmente, de poético. Nesse sentido, poderíamos fazer uma comparação com Machado de Assis, pois é a mesma preferência pela análise psicológica, por conseguinte ocupando maior espaço na obra. É aí que encontramos a iconicidade: é a linguagem reveladora da personagem, ambos agrestes, áridos. Todavia essa simplicidade não nos leva a uma narrativa primitiva, linearmente organizada. O texto é carregado de digressões e processos metalinguísticos. O narrador quer criar a ilusão de que está escrevendo o texto sem planejamento, sem cálculo prévio, forjando um primitivismo literário num livro de memórias: Paulo Honório narrador conta a história de Paulo Honório personagem. Seu método seria algo semelhante à técnica narrativa impressionista, contando os fatos conforme vão surgindo na memória, daí a “desordem”, a falta de linearidade cronológica; por exemplo, ficamos sabendo que o filho de Madalena já havia nascido, porque o narrador o apresenta chorando: “O pequeno berrava como bezerro desmamado. Não me contive: voltei e gritei para d. Glória e Madalena: — Vão ver aquele infeliz. Isso tem jeito? Aí na prosa, e pode o mundo vir abaixo. A criança esgoelando-se! Madalena tinha tido um menino.” (p. 123). (Alice Home Page - Análises literárias - São Bernardo) JORGE AMADO (1912-2001) TEXTO DE JORGE AMADO PRÓPRIO, ESCRITO EM 92 SOBRE SI Gosto de escrever apenas pela manhã. Gosto de morar ora na Bahia, ora em Paris. Meu ideal de felicidade é Zélia. Sou mais condescendente com os erros do amor. Homem marcante: Cervantes. Mulher marcante: Zélia Gattai. Religião: nenhuma. Estilo musical: samba. Escritor: Manuel A. de Almeida. Partido político: nenhum. Sonho: ser nomeado cardeal. 13 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Primeiro amor: uma puta da Bahia que exercia no beco de Maria Paz, nos idos de 1927. Vício: comer. Superstição: todas. Símbolo da Bahia: Castro Alves; e do Brasil: Dorival Caymmi. Romance seu de que mais gosta: Dona Flor, Tenda, Tocaia Grande e Sumiço da Santa. Qualidade masculina: bondade. Qualidade feminina: a bunda. Ocupação preferida: vadiar. Para saber um pouco mais... Presença da mulher é eixo da vida e da carreira CYNARA MENEZES Quantos escritores foram capazes de concluir suas memórias com uma ode a ela, à flor de cacto, ao “pasto de miosótis”, à “mestra de meninos” à “luz de candeeiro”, à “peladinha” — enfim, ao órgão sexual feminino? Pois é assim que termina, à guisa de desejo final, a autobiografia de Jorge Amado, “Navegação de Cabotagem” (1992), “apontamentos para um livro de memória que jamais escreverei”, no dizer do escritor. “Na hora derradeira quero nela pousar a mão, tocar-lhe a penugem, a pétala do grelo, sentir-lhe a doce consistência, a maciez, nela depositar meu último suspiro”, escreve. A presença da mulher na obra de Jorge Amado é forte e quase tão importante quanto sua obra em si — não à toa, são elas o principal alvo das mais famosas adaptações feitas para o cinema e TV de seus livros: Tieta, Gabriela, Dona Flor, Tereza Batista. Mulheres do povo, morenas e sensuais, onde o escritor despejou toda a sua paixão pelo sexo feminino, personificada, na vida pessoal, na figura de Zélia Gattai, a companheira de mais de meio século (descendente de italianos, completamente diferente, pelo menos no físico, das heroínas criadas pelo marido; embora, como disse ele, possua “o dengue, o requebro, o samba no pé”). “A mulher é o eixo em vários romances de Jorge Amado. O homem tem um papel secundário”, diz a professora de literatura brasileira da Universidade Estadual de Feira de Santana Denise Ribeiro Patrício, autora de “Imagens de Mulher em Gabriela” (Fundação Casa de Jorge Amado). A professora aponta ainda a “positivização” que a figura feminina tem nos romances do escritor. “É uma mulata sensual bem diferente, por exemplo, da Rita Baiana de “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo, que destrói a vida do português Jerônimo, seu amante”, diz. “Já Nacib prospera a partir da presença de Gabriela em sua vida. Ela o trai apenas porque não domina o código de ‘esposa’.” Com Tieta, a heroína do romance homônimo, também é assim: a prostituta que volta, rica e disposta a ajudar a família. Ou Dona Flor, dona de casa dedicada e cheia de virtudes que, embora entediada com o segundo marido, só conhece a infidelidade quando reencontra o defunto redivivo Vadinho, seu primeiro amor. Sultão da literatura, Jorge Amado sabia como tratar suas mulheres — real e imaginárias. É ele mesmo quem diz, nos versos que escreveu para Gabriela, cantados por Djavan: “O que fizeste sultão, de minha alegre menina? / Palácio real lhe dei, um trono de pedraria / Sapato bordado a ouro, esmeraldas e rubis / Ametista para os dedos, vestidos de diamantes / Escravas para servi-la, um lugar no meu dossel / E a chamei de rainha e a chamei de rainha.” Grande divulgador da ideia da miscigenação, Jorge Amado fez de sua experiência particular um modelo de ‘ser brasileiro’ Jorge Amado nunca quis ser antropólogo, mas sempre o foi sem querer. Suas personagens são pessoas das ruas de Salvador, a Bahia que descreveu foi aquela que o pintor Carybé encontrou em Jubiabá (1935) e se deixou ficar; o mundo que criou na verdade já nasceu criado. Grande pregador da ideia da mestiçagem, Jorge Amado fez de sua experiência particular um modelo de “ser brasileiro. Oriundo de famílias enriquecidas pelo cacau, o escritor, sem jamais ter deixado o seu universo cultural, foi de encontro a outro. Nesse novo cenário está o cais de Salvador, o can- domblé, a capoeira, as festas religiosas, os heróis de cada dia. É assim que em seus livros, sem abandonar o mundo dos coronéis — como em Menino Grapiúna (1981), ou Tereza Batista Cansada de Guerra (1972) —, Jorge Amado adiciona um novo tempero dado pelo cotidiano mestiço da Bahia. Fortemente influenciado pela geração da “Academia dos Rebeldes” — esses jovens meninos que com seus 16 anos experimentavam a realidade para entender a literatura —, Jorge Amado acabou 14 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS sendo porta-voz de uma grande reviravolta. Com efeito, até os anos 30, as elites intelectuais nacionais eram profundamente influenciadas por teorias raciais que viam com descrédito o sangue negro que corria em nossas veias, e ainda mais a mestiçagem. Pensadores como Sílvio Romero, Tobias Barreto e Euclides da Cunha entendiam o cruzamento racial como fator de desequilíbrio e de degeneração; para não falar de Nina Rodrigues, médico radicado na Bahia, que acabou virando personagem de Jorge Amado, em Tenda dos Milagres (1969). Foi só após os anos 30 que deixamos de pensar que éramos gregos, latinos e espanhóis e passamos — sobretudo a partir da divulgação da obra de Gilberto Freyre — a falar sobre as virtudes e a originalidade da brasilidade. Em “Tenda dos Milagres” (1969), por exemplo, Jorge Amado apresenta não só a violência dos brancos, diante desses rituais de origem africana, como oferece o ingresso para um outro mundo, onde a mistura não é só de raças, mas também de religiões. Mas ele é mesmo o grande divulgador da mestiçagem. Em suas obras ela é tão evidente que muitas vezes não precisa ser afirmada. Todos sabem que Tereza Batista é mulata, assim como Tieta, e que Dona Flor é cabo verde (essa mistura particular de branco com negro e índio), mas não é o autor que usa os termos como definição. No seu universo parecem não caber classificações que descrevem a cor, mas não a relação; que delatam exclusivamente a violência, sem falar da convivência. O que Jorge etnógrafo encontrou na Bahia foi um mundo complicado de ser afirmado, mas fácil de ser reconhecido. Uma certa brasilidade que, se não pode ser entendida de forma absoluta, ajuda a pensar que há uma determinada especificidade na nossa convivência racial e mesmo no tipo de preconceito aqui existente. Convivência não quer dizer ausência de conflito: mistura não é sinônimo de falta de hierarquia. Ao contrário, esse universo complexo está todo lá: a pobreza, os coronéis e seus jagunços, a boemia, a religião que mistura santos católicos com orixás africanos. Assim como é certo que a mistura, seja cultural, religiosa ou biológica, ainda não se realizou entre nós de forma harmoniosa, é evidente que Amado — agora xamã — nos confunde com o mistério da literatura. OBRA: a) Obra inicial: O País do carnaval (1931). b) Ciclo do cacau: Cacau, Terras do Sem-Fim, São Jorge dos Ilhéus, Gabriela, Cravo e Canela, Tocaia Grande. c) Ciclo urbano: Suor, Jubiabá, Capitães da Areia, Mar Morto, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Os Velhos Marinheiros, Tenda dos Milagres. d) Ciclo da seca: Seara Vermelha. e) Obras ideológicas: O ABC de Castro Alves, O Cavalheiro da Esperança, O Mundo de paz, Os subterrâneos de Liberdade (3 volumes). “Na última fase, abandonaram-se os esquemas de literatura ideológica que nortearam os romances de 30 e 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no “saboroso”, no “gorduroso”, no apimentado regional.” Teresa Batista, cansada de guerra Tieta do Agreste O Sumiço da Santa Navegação de Cabotagem Com um estilo marcado pela simplicidade da linguagem e pela coexistência de realismoromantismo, Jorge Amado abordou tanto a zona rural quanto a urbana de Salvador, sempre preocupado em fixar tipos sociais marginalizados e, através deles, analisar as estruturas sociais e, com isso, “traçar um amplo painel do povo brasileiro, usando a Bahia como representação da diversidade étnica e social brasileira”, ressaltando o caráter multicultural e multirracial da nossa gente. “Jorge Amado é o romancista da vida popular, que retrata em sua ficção a maneira de ser da população baiana, seus costumes, sonhos, e também suas misérias.” O crítico literário Alfredo Bosi faz uma importante classificação da obra do autor: a) “Um primeiro momento de águas-fortes da vida baiana, rural e citadina (Cacau, Suor), que lhe deram a fórmula do “romance proletário”; b) Depoimentos líricos, isto é, sentimentais, espraiados em torno de rixas e amores marinheiros (Jubiabá, Mar Morto, Capitães da Areia); 15 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS c) Um grupo de escritos de pregação partidária (O Ca valeiro da Esperança, O Mundo da Paz); d) Alguns grandes afrescos da região do cacau, certamente suas invenções mais felizes, que animam de tom épico as lutas entre coronéis e exportadores (Terras do Sem-Fim, São Jorge dos Ilhéus); e) Mais recentemente, crônicas amaneiradas de costumes provincianos (Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos). Nessa linha formam uma obra à parte, menos pelo espírito que pela inflexão acadêmica do estilo, as novelas reunidas em Os Velhos Marinheiros. Na última fase, abandonam-se os esquemas de literatura ideológica que nortearam os romances de 30 e de 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no "saboroso", no "gorduroso", no apimentado do regional". Jorge Amado projeta-se para o futuro, preocupando-se em valorizar o homem. Suas personagens caracterizam-se, principalmente, pela busca incessante da liberdade (estado social ou de espírito), como forma de realização humana. Tendo nos marginais, prostitutas, jogadores, biscateiros, malandros, jagunços e capitães da areia seus principais tipos, o autor os cerca de muita simpatia e compreensão humana. Analisa-os sempre de maneira ideológica, justificando seus atos, tentando provar que são puros e bons. O inverso ocorre com as personagens burguesas, mais complexas em suas ambições e interesses. A elas o autor nega o carinho e o apoio com que trata aqueles; contenta-se em caricaturálos, aponta-lhes os defeitos, vícios e más-intenções, deixa-os ao sabor do destino, a menos que tenham decaído social ou economicamente, como Quincas Berro D'Água ou alguns coronéis empobrecidos. Considerações finais de Álvaro Cardoso Gomes: Vista, no conjunto, a obra de Jorge Amado apresenta altos e baixos. Sua grande virtude reside no fato de ter desenvolvido uma literatura de cunho social, acessível ao comum dos leitores. Há também o fato de que, nos altos momentos dos romances épicos, o autor conseguiu ser fiel a uma época. Contudo é preciso refletir que a grande facilidade de escrever, o abuso de clichês e lugares-comuns, o lirismo às vezes piegas e as soluções fáceis impedem que a obra de Jorge Amado atinja o nível que seria de se esperar de nosso mais festejado escritor moderno. No entanto é impossível desprezar o papel que exerceu em nossa época e, sobretudo, seu profundo humanismo, fruto de uma consciência sincera e sempre atuante. Atenção! Divisão caracterizada das "fases": 1a Fase: • • • • • Sentido político Caráter panfletário Maniqueísmo Neonaturalismo Linguagem simples, coloquial, popular, com uso de termos de baixo calão 2a Fase: • • • • Crônicas de costumes Caráter irônico Visão mais humanizada das classes marginalizadas Utilização de elementos do folclore e da tradição popular 16 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS JOSÉ LINS DO REGO (1901-1957) Paraibano, é considerado um dos melhores representantes da literatura regionalista do Modernismo. Em Recife, aproxima-se de José Américo de Almeida e Gilberto Freire, intelectuais responsáveis pela divulgação do modernismo no nordeste e pela preocupação regionalista. Mais tarde também conhece Graciliano Ramos, e depois vai para o Rio de Janeiro, onde participa ativamente da vida literária. Sua infância no engenho influenciou fortemente sua obra. Suas obras Menino de Engenho, Doidinho, Banguê, Moleque Ricardo, Usina e Fogo Morto compõem o que se convencionou chamar “ciclo da cana de açúcar”. Nessas obras, J. L. Rego narra a gradativa decadência dos engenhos e a transformação pela qual passam a economia e a sociedade nordestina. Sua técnica narrativa se mantém nos moldes tradicionais da literatura realista: linearidade, construção da personagem baseada na descrição dos caracteres, linguagem coloquial, registro da vida e dos costumes. O tom memorialista é o fio condutor de uma literatura que testemunha uma sociedade em desagregação: a sociedade do engenho patriarcalista, escravocrata. As obras mais representativas dessa fase são Menino de Engenho e Fogo Morto. A primeira é a história de um menino, órfão de pai e mãe, que é criado no Engenho Santa Rosa, de seu avô José Paulinho, típico representante do latifundiário nordestino. Há momento de grande emoção na obra, como a descrição da enchente, o castigo dos escravos, a descoberta da própria sexualidade. OBRA: O próprio autor classificou seus romances em três ciclos. a) ciclo da cana-de-açúcar: Menino de engenho (1932); Doidinho (1933); Banguê (1934); Fogo morto (1943). b) ciclo do cangaço, misticismo e seca: Pedra Bonita (1938); Cangaceiro (1953). c) obras independentes: O moleque Ricardo (1934); Pureza (1937); Riacho doce (1939) – independentes, mas relacionadas aos ciclos anteriores; Água-mãe (1941) e Eurídice (1947) – os únicos romances que não têm o Nordeste como cenário. Escreveu ainda crônicas e ensaios. Menino de Engenho − Narra a história de Carlinhos, que havendo perdido a mãe precisou morar com o avô Zé Paulino no engenho Santa Rosa. O narrador é o próprio Carlos de Melo. Suas memórias envolvem não só sua iniciação nas coisas do prazer, mas também sua situação de pobre menino rico pelo rompimento do elo familiar. Atenção! O narrador (1a pessoa) Carlos de Melo, já adulto, recorda-se de sua infância. Ele é órfão de mãe, assassinada pelo pai demente. Ele foi criado pela Tia Maria, no engenho do avô. Carlos cresce dividido entre os cuidados que recebe por ser doente e a liberdade que compartilha com os moleques do engenho, ouvindo histórias, assistindo a violências e desigualdades, iniciando-se no sexo. No final do livro, já adolescente, é mandado para o colégio interno, para “endireitar”. Escravos x Foreiros Narrador: a perspectiva amadurecida do narrador adulto é diferente da do Menino de Engenho. Há na obra traços autobiagráficos. Outros temas da obra de José Lins: misticismo, religiosidade popular, cangaço. A atmosfera de sua obra é de tristeza e decadência. O autor está mais preocupado em reunir flashes do passado do que em produzir uma análise aprofundada de sua realidade. Doidinho − É praticamente continuação do romance anterior. Carlinhos foi mandado para um internato e não suporta a escola e os colegas. Seu sonho é voltar para o Santa Rosa. Banguê − Carlos de Melo volta ao Santa Rosa, após dez anos de ausência, já homem feito e advogado. Tudo o incomoda: a decadência do engenho, a velhice do avô, sua impotência. A 17 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS monotonia toma conta da vida de Carlinhos, nada dá certo nem o amor por Maria Alice, que havia lhe proporcionado os melhores dias de sua vida. Usina − A vinda das usinas e suas máquinas faz com que a economia semifeudal do engenho entre em colapso. O império do coronel Zé Paulino transforma-se na usina Bom Jesus. Fogo Morto − É a obra-prima do autor. Retrata o momento de decadência total dos engenhos. O coronelismo é representado por Lula de Holanda Chacon; Antônio Silvino representa o cangaço, entrevisto como única saída para os pobres. O Mestre José Amaro, celeiro, homem de convicções democráticas, termina sendo preso, acusado de ser informante dos cangaceiros. Vitorino Carneiro da Cunha vive para a política local; é uma figura quixotesca dada a bravatas e discursos inflamados contra os poderosos e corruptores. Atenção! A divisão em três partes de Fogo morto [...] se unifica pelas interrelações humanas que se estabelecem, envolvendo análises de detalhes circunstanciais, para a visão sintética da paisagem física e humana na subregião açucareira. Caracterizada em si mesma, ela é, ao mesmo tempo, condicionada por toda a realidade humana e social da região nordestina. É como se os seus limites se dilatassem e logo se retraíssem, como presenças interferentes de múltiplos valores, circunstanciais e reações, num momento agudo de redefinição da condição e do destino humano naquela paisagem. Convergem assim para este romance os componentes fundamentais de toda a obra regionalista do autor, e não somente aqueles do ciclo da cana-de-açúcar. Suas personagens se apresentam como expressão de todas as dimensões do homem nordestino, preso a raízes telúricas profundas, ao mesmo tempo num esforço dramático de libertação, para o reencontro de uma justa condição humana. Antonio Candido e J. AderaldoCastello. Presença da literatura brasileira — Modernismo, São Paulo/Rio de Janeiro, Difel, 1979. RACHEL DE QUEIROZ Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, Ceará, em novembro de 1910. Viveu parte de sua infância na capital e parte, no interior, na fazenda dos pais. Depois da seca de 1915, que atingiu a propriedade familiar, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ficou por pouco tempo, transferindo-se para o Belém do Pará. De volta ao Ceará, em 1921, retomou os estudos regulares, como interna do Colégio Imaculada Conceição, formando-se professora em 1925. Ingressou no jornalismo como cronista em 1927. Em 1930, lançou seu primeiro romance, O Quinze, que recebeu o primeiro prêmio, concedido pela Fundação Graça Aranha. Em 1931, veio ao Rio de Janeiro para recebê-lo, onde travou contato com o Partido Comunista Brasileiro. Nos anos seguintes, participou da ação política de esquerda, pela qual foi presa em 1937. Sem abandonar a ficção, continuou colaborando regularmente com jornais e revistas, dedicando-se à crônica jornalística, ao teatro e à tradução. Foi, durante muito tempo, cronista exclusiva da revista O Cruzeiro. Em 1977, foi a primeira escritora a ingressar na Academia Brasileira de Letras, um grupo que, até então, tinha sido exclusivamente masculino. Embora more no Rio de Janeiro, tem retornado, com frequência, às suas raízes – a fazenda no interior do Ceará. Trecho do romance O QUINZE O fragmento mostra Chico Bento e família no terceiro dia da retirada em direção à capital, Fortaleza. “Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos vazios, descarnada nudez das latas raspadas. — Mãezinha, cadê a janta? — Cala a boca, menino! Já vem! — Vem lá o quê! Angustiado, Chico Bento apalpava os bolsos... nem um triste vintém azinhavrado... 18 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Lembrou-se da rede nova, grande e de listas que comprara em Quixadá por conta do vale de Vicente. Tinha sido para a viagem. Mas antes dormir no chão do que ver os meninos chorando, com a barriga roncando de fome. Estavam já na estrada do Castro. E se arrancharam debaixo dum velho pau-branco seco, nu e retorcido, bem dizer ao tempo, porque aqueles cepos apontados para o céu não tinham nada de abrigo. O vaqueiro saiu com a rede, resoluto: — Vou ali naquela bodega, ver se dou um jeito... Voltou mais tarde, sem a rede, trazendo uma rapadura e um litro de farinha: — Tá aqui. O homem disse que a rede estava velha, só deu isso, e ainda por cima se fazendo de compadecido. Faminta, a meninada avançou: e até Mocinha, sempre mais ou menos calada e indiferente, estendeu a mão com avidez. Contudo que representava aquilo para tanta gente? Horas depois, os meninos gemiam: — Mãe, tou com fome de novo... — Vai dormir, dianho! Parece que tá espritado! Soca um quarto de rapadura no bucho e ainda fala em fome! Vai dormir! E Cordulina deu o exemplo, deitando-se com o Duquinha na tipoia muito velha e remendada. A redinha estalou, gemendo. Cordulina se ajeitou, macia, e ficou quieta, as pernas de fora, dando ao menino o peito rechupado. Chico Bento estirou-se no chão. Logo, porém, uma pedra aguda lhe machucou as costelas. Ele ergueu-se, limpou uma cama na terra, deitou-se de novo. — Ah! Minha rede! Ô chão duro dos diabos! E que fome! Levantou-se, bebeu um gole na cabaça. A água fria, batendo no estômago limpo, deu-lhe uma pancada dolorosa. E novamente estendido de ilharga, inutilmente procurou dormir. A rede de Cordulina que tentava um balanço, para enganar o menino — pobrezinho! o peito estava seco como uma sola velha! — gemia, estalando mais, nos rasgões. E o intestino vazio se enroscava como uma cobra faminta, e em roncos surdos resfolegava furioso: rum, rum, rum... De manhã cedo, Mocinha foi ao Castro, ver se arranjava algum serviço, uma lavagem de roupa, qualquer coisa que lhe desse para ganhar uns vinténs. Chico Bento também já não estava no rancho. Vagueava à toa, diante das bodegas, à frente das casas, enganando a fome e enganando a lembrança que lhe vinha, constante e impertinente, da meninada chorando, do Duqinha gemendo: “To tum fome! dá tumê! Parou. Num quintalejo, um homem tirava o leite a uma vaquinha magra. Chico Bento estendeu o olhar faminto para a lata onde o leite subia, branco e fofo como um capucho... E a mão servil, acostumada à sujeição do trabalho, estendeu-se maquinalmente num pedido... mas a língua ainda orgulhosa endureceu na boca e não articulou a palavra humilhante. A vergonha da atitude nova o cobriu todo; o gesto esboçado se retraiu, passadas nervosas o afastaram. Sentiu a cara ardendo e um engasgo angustioso na garganta. Mas dentro da sua turbação lhe zunia ainda aos ouvidos: “Mãe, dá tumê!” E o homenzinho ficou, espichando os peitos secos de sua vaca, sem ter a menor ideia daquela miséria que passara tão perto, e fugira, quase correndo...” Atenção! Observe a diferença da linguagem do narrador e a das personagens: as personagens utilizam expressões e modismos populares (identifique-os!). Já o narrador utiliza uma linguagem culta. Na indústria da seca, quem sai mais prejudicado e quem lucra com a miséria? Reflita sobre a questão fazendo uma aproximação com a migração do Nordeste para o Sudeste. Há dois planos na obra: 1. Plano social: consiste na apresentação dos efeitos da seca sobre os sertanejos. 19 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS 2. Plano individual: baseado nas experiências de Conceição, que intenta definir sua identidade numa sociedade patriarcalista. Por isso mesmo, recusa-se a casar com um jovem proprietário rural, chamado Vicente, a quem ama mas com o qual não está disposta a viver, porque viver com ele significaria abandonar o seu mundo urbano e os seus interesses culturais (atitude de vanguarda!). Para ela, a seca era a grande causadora da desgraça do nordestino. A escritora não atinge um verdadeiro entendimento político para entender os horrores do Nordeste, isto é, não compreende que a miséria tinha razões mais fundas que o cataclismo da natureza. A obra harmoniza o social e o psicológico. Conceição interroga e investiga o seu destino, a verdade é que, visto a partir dele, o drama social dos flagelados parece diluir-se no pano de fundo da paisagem calcinada que a linguagem da autora recupera de um ângulo lírico e alvaivo, mas cheio de verdade e corrosão. Para você ter um melhor entendimento dessa obra singu- lar, observe a síntese do enredo e dos dois planos feito pelo estudioso Renato Lima para o JC Online - Virtual Book Store: OBRAS: Romances: O Quinze (1930) e João Miguel (1932) – seca; coronelismo: impulsos passionais | Caminho de Pedras (1937) e As três Marias (1939) – literatura engajada, esquerdizante, social e política, trata ainda da emancipação feminina | O Galo de Ouro (folhetim em “O Cruzeiro”) | Memorial de Maria Moura (1992; surpreende seu público e é adaptado para a televisão). Teatro: Lampião (1953), A Beata Maria do Egito (1958, raízes folclóricas), A Sereia Voadora. Crônica: A Donzela e a Moura Torta (1948), Cem Crônicas Escolhidas (1958), O Brasileiro Perplexo (1963, Histórias e Crônicas), O Caçador de Tatu (1967). Literatura Infantil: O Menino Mágico, Andira. Detentora de uma linguagem simples, fluente e uma narrativa dinâmica, aborda temas comuns à prosa regionalista da época, notadamente nas obras O Quinze e João Miguel, como a seca, o retirante, através de um estilo no qual convivem os aspectos psicológico e social. Após a experiência com a literatura engajada politicamente, em Caminho de Pedras, aos poucos o aspecto social vai perdendo espaço para a análise psicológica, como fica patente em As três Marias. ÉRICO VERÍSSIMO Autodenominado “contador de histórias”, parte de sua narrativa (Clarissa, Caminhos Cruzados, Música ao longe, Um lugar ao sol, Saga, Olhai os lírios do campo, O resto é silêncio), retrata a vida urbana da província de Porto Alegre, a crise da sociedade moderna, cuja nota marcante é a falta de solidariedade, o cotidiano caótico. Evidencia-se a preocupação do autor com aspectos morais, espirituais, existenciais da vida em sociedade. Em O tempo e o vento, em que se combinam os elementos mítico, histórico e social, o autor dá uma tonalidade mais épica, ao retratar o passado e a formação histórica do Rio Grande do Sul, por meio da saga das famílias Terra-Cambará e Amaral. Já em obras como O Senhor Embaixador, O Prisioneiro, Incidentes em Antares, destacam-se temas políticos e o tom de engajamento. Olhai os lírios do campo Olhai os Lírios do Campo é um dos romances mais famosos de Érico Veríssimo, um verdadeiro best-seller que resultou até em novela na Argentina. A narrativa da primeira parte é feita em flashback. Eugênio vai lembrando de momentos da sua vida enquanto se dirige ao hospital onde está Olívia. Eugênio era um menino tímido e medroso que teve uma infância pobre, era ridicularizado na escola e tinha como objetivo máximo a ascensão social; para isso, faria de tudo para um dia vencer na vida. 20 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Achava que o que tinha era feio e sem graça, das roupas até o seu próprio corpo. Não se entrosava com os demais colegas de classe e por isso devotava todo o seu tempo aos estudos. Sonhava em deixar de ser simplesmente o Genoca para ser o Dr. Eugênio Fontes. Tinha pena do pai, o alfaiate Ângelo, com quem não conseguia se comunicar facilmente. O seu irmão, Ernesto, não esmerava-se na educação e acabou perdido na vida. Com muito esforço, Eugênio consegue cursar Medicina. Na faculdade conhece Olívia – única mulher da turma. Na festa de formatura, os dois se aproximam e fazem sonhos e confissões juntos, sobre o futuro, e tornam-se grandes amigos. Durante a Revolução de 30, após uma operação-mal sucedida no hospital militar, Olivia convida Eugênio a sua casa e passam uma noite de amor. Dias depois, ela recebe uma proposta para trabalhar em Nova Itália, e novamente se entrega aos braços de Eugênio. Durante um atendimento médico, Eugênio conhece Eunice Cintra, filha de um riquíssimo proprietário. Eugênio casa-se com Eunice com objetivo único de ascender socialmente. O sogro trata de arranjar um emprego de fachada (“assinar documentos”) numa de suas fábricas. Eugênio começa a frequentar a alta sociedade, mas não se sente parte dela. O seu complexo de inferioridade aumenta ao ver os contrastes desse outro mundo, de emoções contidas, de meias-palavras. Conhece pessoas como Filipe Lobo, construtor obstinado a construir o “Megatério”, um arranha-céu, mas não se importava com a família. Infeliz e perturbado, Eugênio reencontra Olívia, que lhe apresenta a sua filha, fruto do último encontro dos dois, Anamaria. Ao chegar ao Hospital onde estava Olívia, recebe a noticias de sua morte. A segunda parte passa-se após a morte de Olívia e é intercalada com a leitura das cartas que ela escreveu para Eugênio sem nunca tê-la enviado. Eugênio toma coragem e separa-se de Eunice, apesar de todos os inconvenientes sociais. Vai além e passa a ser um médico popular, com ideias de socializar a medicina. Trabalha com o Dr. Seixas, um velho médico que sempre atendeu aos pobres. A memória de Olívia, nas cartas, nas fotos ou no olhar de Anamaria, fortalece-o quando pensa nas dificuldades. O original da obra, com correções a mão feitas por Érico Veríssimo, encontra-se hoje na gigantesca biblioteca de José Midlin. O Tempo e o Vento (síntese) O Continente – Considerado pela crítica o melhor dos três volumes, focaliza o período compreendido entre 1745 e 1895, tempo das guerras entre as fronteiras portuguesas e castelhanas; depois entre farrapos e imperialistas, durante o separatismo; finalmente, entre maragatos e florianistas, na Revolta da Armada de 1893. A família Terra tem como fundadora simbólica a personagem Ana Terra, que, solteira, tem um filho com o índio Pedro Missioneiro. Os irmãos dela, sentindo-se ultrajados pelo fato, matam Pedro, por ordem do pai. Anos depois, os castelhanos invadem a estância onde moravam, matam os pais e os irmãos de Ana, além de dois escravos, e a violentam. Escapam ela, o filho, a cunhada e a sobrinha, que partem em busca de nova vida. A partir daí tem-se o núcleo do qual sairão personagens descendentes de Ana e de seu filho. Bibiana, neta de Ana Terra, casa-se com o capitão Rodrigo Cambará, dando origem aos Terra Cambará, inimigos dos Amarais. Essa rivalidade está presente sobretudo no primeiro romance da trilogia. O Retrato – Situado entre 1909 e 1915, é uma continuação do romance anterior, mas já mostrando a decadência do código ético que sustentou a construção do Estado gaúcho. O Arquipélapo – A narrativa ocorre a partir de 1945, mas há várias digressões em que se retoma o passado. O protagonista, que já havia feito parte do volume anterior, Dr. Rodrigo Cambará, é um velho corrupto moral e socialmente, representando o último nível de degradação da família. Focalizam-se as revoluções de 1923 e de 1930, o Estado Novo e a Segunda Guerra Mundial. (Clenir Bellizi de Oliveira In: Arte literária Brasileira) 21 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS SÍNTESE DA SEGUNDA GERAÇÃO A) A ascensão e queda dos coronéis: Banguê e Fogo morto, de José Lins do Rego; Terras do sem fim e São Jorge dos Ilhéus, de Jorge Amado; e O tempo e o vento, de Érico Veríssimo. Esses relatos oscilam entre a saga (exaltação com traços épicos) e a crítica mais contundente, seja a ideológica (Jorge Amado), ou ética (Érico Veríssimo). No caso especifico de José Lins do Rego, predomina um tom nostálgico e melancólico diante das ruínas dos engenhos. Romances de temática agrária B) Os dramas dos trabalhadores rurais: Seara vermelha, de Jorge Amado, e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Ambos correspondem a uma impugnação da realidade latifundiária nordestina. C) O confronto entre o Brasil rural e o Brasil urbano, visível no choque entre Paulo Honório e Madalena, em São Bernardo, de Graciliano Ramos. A obra sintetiza o descompasso entre a mentalidade patriarcal-latifundiária e a urbana modernizada. Também de Graciliano Ramos, Angústia revela a solidão e a destruição de Luís da Silva, descendente da oligarquia, na teia complexa das relações citadinas. Por outro lado, tanto em A bagaceira, de José Américo de Almeida, romance inaugural do ciclo de 1930, quanto em O quinze, de Rachel de Queiroz, as personagens principais, Lúcio e Conceição - embora filhos das velhas elites agrárias foram modernizadas pela escolarização na cidade. Por isso, acabam questionando o horror da seca, da miséria e o atraso do latifúndio. Romances de temática urbana A urbanização ininterrupta do país levou os narradores a olharem para a nova realidade que se constituía, fosse sob o prisma da denúncia (Jorge Amado, Amando Fontes), da adesão crítica (Érico Veríssimo) ou de uma tristeza impotente (Cyro dos Anjos). Os núcleos temáticos abordados foram: A) As camadas populares, trabalhadores e marginais: Jubiabá, Capitães da Areia e Mar Morto, de Jorge Amado; Os Corumbás e Rua do Siriri, de Aman do Fontes. B) Os setores médios (pequena burguesia): A tragédia burguesa, de Otávio de Faria, Os ratos, de Dyonélio Machado, e toda a primeira fase de Érico Veríssimo, o chamado ciclo de Clarissa. Questões de Sala 01. Alguns dias antes estava sossegado, preparando látegos, consertando cercas. De repente, um risco no céu, outros riscos, milhares de riscos juntos, nuvens, o medonho rumor de asas a anunciar destruição. Ele já andava meio desconfiado vendo as fontes minguarem. E olhava com desgosto a brancura das manhãs longas e a vermelhidão sinistra das tardes. 22 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS O crítico Álvaro Lins, referindo-se a “Vidas Secas”, obra de Graciliano Ramos, da qual se extraiu o trecho anterior, afirma que, além de ser o mais humano e comovente dos livros do autor, é “o que contém maior sentimento da terra nordestina, daquela parte que é áspera, dura e cruel, sem deixar de ser amada pelos que a ela estão ligados teluricamente”. Por outro lado, merece destaque, dentre os elementos constitutivos dessa obra, a paisagem, a linguagem e o problema social. Assim, a respeito da linguagem de “Vidas Secas”, é correto afirmar-se que: a) Apresenta um estilo seco, conciso e sem sentimentalismo, o que retira da obra a força poética e impede a presença de características estéticas. b) Caracteriza-se por vocabulário erudito e próprio dos meios urbanos, marcado por estilo rebuscado e grandiloquente. c) Revela um estilo seco, de frase contida, clara e correta, reduzida ao essencial e com vocabulário meticulosamente escolhido. d) Apresenta grande poder descritivo e capacidade de visualização, mas apoia-se em sintaxe marcada por períodos longos e de estrutura subordinativa, o que prejudica sua compreensão. e) Marca-se por estilo frouxo e sintaxe desconexa, à semelhança da própria estrutura da novela que se constrói de capítulos soltos e ordenação circular. 02. No dia seguinte, Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de Sinhá Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros. Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria! (Graciliano Ramos, Vidas secas) Nesse trecho do capítulo “Contas”, de “Vidas secas”, Fabiano se mostra: a) surpreendentemente revoltado, pois em nenhuma outra passagem da novela há nele desejo de reagir contra quem o oprime. b) francamente indignado, mas, na sequência, mais uma vez não encontrará palavras e forças para enfrentar quem o oprime. c) perturbado e indeciso entre os cálculos dos juros feitos pelo patrão e aqueles feitos pela mulher. d) como alguém que se sente um bicho, para quem toda violência humana é equivalente às violências da natureza. e) irritado e desconfiado, mas, na sequência, terá certeza da trapaça e acabará por se impor diante do patrão. 03. A velha Sinhá não sabia mesmo o que se passava como seu marido. Fora ele sempre de muito gênio, de palavras duras, de poucos agrados. Agora, porém, mudara de maneira esquisita. Via-o vociferar, crescer a voz para tudo, até para os bichos, até para as árvores. Não podia ser velhice, a idade abrandava o coração dos homens. Pobre da Marta que o pai não podia ver que não viesse com palavras de magoar até as pedras. Por ela não, que era um resto de gente só esperando a morte. Mas não podia se conformar com a sorte de sua filha. O que teria ela de menos que as outras? Não era uma moça feia, não era uma moça de fazer vergonha. E no entanto nunca apareceu rapaz algum que se engraçasse dela. Era triste, lá isso era. Desde pequena via aquela menina quieta para um canto e pensava que aquilo fosse até vantagem. A sua comadre Adriana lhe chamava a atenção: — Comadre, esta menina precisa ter mais vida. Não fazia questão. Moça era para viver dentro de casa, dar-se a respeito. E Marta foi crescendo e não mudou de gênio. Botara na escola do Pilar, aprendeu a ler, tinha um bom talhe de letra, sabia fazer o seu bordado, tirar o seu molde, coser um vestido. E não havia rapaz que parasse para puxar uma conversa. Havia moças mais feias, mais sem jeito, casadas desde que se puseram em 23 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS ponto de casamento. Estava com mais de trinta anos e agora aparecera-lhe aquele nervoso, uma vontade desesperada de chorar que lhe metia medo. Coitada da filha. E depois ainda por cima o pai nem podia olhar para ela. Vinha com gritos, com despropósitos, com implicâncias. O que sucederia à sua filha, por que Deus não lhe dera uma sina mais branda?, pensava assim a velha Sinhá enquanto na tenda o mestre José Amaro batia sola. Aquele ofício era doentio. (José Lins do Rego, Fogo morto.) “Fogo morto”, de José Lins do Rego, é um romance característico: a) do regionalismo romântico do século XIX, como se comprova pela descrição da personagem idealizada pelo sofrimento exagerado. b) da ficção dos anos 30 e 40 do século XX, em que a observação do meio social não reduz o alcance da análise dos conflitos humanos. c) da experimentação dos anos 20 do século XX, uma vez que o autor critica os valores da família burguesa e sua inadequação aos padrões culturais. d) do regionalismo realista-naturalista de finais do século XIX, pois o comportamento das personagens é deter- minado pelo meio natural. e) da prosa de vanguarda dos anos 60 do século XX. 04. Inimigo da riqueza e do trabalho, amigo das festas, da música, do corpo das cabrochas. Malandro. Armador de fuzuês. Jogador de capoeira navalhista, ladrão quando se fizer preciso. Jorge Amado, Capitães da Areia O tipo cujo perfil se traça, em linhas gerais, neste excerto, aparece em Capitães da areia e em outros romances da literatura brasileira. Essa recorrência indica que: a) certas estruturas e tipos sociais, originários do período colonial, foram repostos durante muito tempo, nos processos de transformação da sociedade brasileira; b) o atraso relativo das regiões Norte e Nordeste atraiu para elas a migração de tipos sociais que o progresso expulsara do Sul/Sudeste; c) os romancistas brasileiros, embora críticos da sociedade, militaram com patriotismo na defesa de nossas personagens mais típicas e mais queridas; d) certas ideologias exóticas influenciaram negativamente os romancistas brasileiros, fazendo-os representar, em suas obras, tipos sociais já extintos quando elas foram escritas; e) a criança abandonada, personagem central do livro em questão, torna-se, na idade adulta, um elemento nocivo à sociedade dos homens de bem. 05. UNIRIO – 2008 TEXTO Gabriela, cravo e canela Só Gabriela parecia não sentir a caminhada, seus pés como que deslizando pela picada muitas vezes aberta na hora a golpes de facão, na mata virgem. Como se não existissem as pedras, os tocos, os cipós emaranhados. A poeira dos caminhos da caatinga a cobria tão por completo que era impossível distinguir seus traços. Nos cabelos já não penetrava o pedaço de pente, tanto pó se acumulara. Parecia uma demente perdida nos caminhos. Mas Clemente sabia como ela era deveras e o sabia em cada partícula de seu ser, na ponta dos dedos e na pele do peito. Quando os dois grupos se encontraram no começo da viagem, a cor do rosto de Gabriela e de suas pernas era ainda visível e os cabelos rolavam sobre o cangote, espalhando perfume. Ainda agora, através da sujeira a envolvê-la, ele a enxergava como a vira no primeiro dia, encostada numa árvore, o corpo esguio, o rosto sorridente, mordendo uma goiaba. — Tu parece que nem veio de longe ... Ela riu: — A gente tá chegando. Tá pertinho. Tão bom chegar. Ele fechou ainda mais o rosto sombrio: — Num acho não. — E por que tu não acha? — levantou para o rosto severo do homem seus olhos ora tímidos e cândidos, ora insolentes e provocadores. — Tu não saiu para vir trabalhar no cacau, ganhar dinheiro? Tu não fala noutra coisa. — Tu sabe por quê — resmungou ele com raiva. — Pra mim esse caminho podia durar a vida toda. Num me importava ... 24 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS No riso dela havia certa mágoa, não chegava a ser tristeza, como se estivesse conformada com o destino: — Tudo que é bom, tudo que é ruim também termina por acabar. Uma raiva subia dentro dele, impotente. Mais uma vez controlando a voz, repetiu a pergunta que lhe vinha fazendo pelo caminho e nas noites insones: — Tu não quer mesmo ir comigo pras matas? Botar uma roça, plantar cacau junto nós dois? Com pouco tempo a gente vai ter roçado seu, começar a vida. A voz de Gabriela era cariciosa mas definitiva: — Já te disse minha tenção. Vou ficar na cidade, não quero mais viver no mato. Vou me contratar de cozinheira, de lavadeira ou pra arrumar casa dos outros ... Acrescentou numa lembrança alegre:— Já andei de empregada em casa de gente rica, aprendi cozinhar. — Aí tu não vai progredir. Na roça, comigo, a gente ia fazendo seu pé-de-meia, ia tirando pra frente ... Ela não respondeu. Ia pelo caminho quase saltitante. Parecia uma demente com aquele cabelo desmazelado, envolta em sujeira, os pés feridos, trapos rotos sobre o corpo. Mas Clemente a via esguia e formosa, a cabeleira solta e o rosto fino, as pernas altas e o busto levantado. Fechou ainda mais o rosto, queria tê-la com ele para sempre. Como viver sem o calor de Gabriela? AMADO, Jorge. Gabriela, cravo e canela. São Paulo: Martins, s.d. pág. 82-3. No trecho Só Gabriela parecia não sentir a caminhada, seus pés como que deslizando pela picada muitas vezes aberta a golpes de facão..., a ação de Gabriela é descrita de forma atenuada nas expressões: a) b) c) d) e) “não sentir” / “deslizando” “a caminhada”/ “seus pés” “pela picada”/ “aberta a golpes de facão” “parecia” / “deslizando” “muitas vezes”/ “aberta” 06. Érico Veríssimo relata, em suas memórias, um episódio da adolescência que teve influência significativa em sua carreira de escritor. Lembro-me de que certa noite – eu teria uns quatorze anos, quando muito – encarregaram-me de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam “carneado”. (...) Apesar do horror e da náusea, continuei firme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo pode aguentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder ficar segurando esta lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? (...) Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto. (VERÍSSIMO, Érico. Solo de Clarineta. Tomo I. Porto Alegre: Editora Globo, 1978.) Neste texto, por meio da metáfora da lâmpada que ilumina a escuridão, Érico Veríssimo define como uma das funções do escritor e, por extensão, da literatura, a) b) c) d) e) criar a fantasia. permitir o sonho. denunciar o real. criar o belo. fugir da náusea. 25 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS GABARITO EXERCÍCIOS DE SALA 01. C 02. B 03. B 04. A 05. A 06. C Questões para Casa 01. O texto a seguir foi retirado da obra de Graciliano Ramos, Vidas Secas. Esse romance completou, em agosto de 2008, 70 anos de sua primeira publicação. É narrado em 3a pessoa (ao contrário das obras anteriores de Graciliano) e pertence a um gênero intermediário entre romance e livro de contos. Fabiano, uma coisa da fazenda, um triste, seria despedido quando menos esperasse. Ao ser contratado, recebera o cavalo de fábrica, peneiras, gibão, guarda-peito e sapatões de couro, mas ao sair largaria tudo ao vaqueiro que o substituísse. Sinhá Vitória desejava possuir uma cama igual à de seu Tomás da bolandeira. Doidice. Não dizia nada para não contrariá-la, mas sabia que era doidice. Cambembes podiam ter luxo? E estavam ali de passagem. Qualquer dia o patrão os botaria fora, e eles ganhariam o mundo, sem rumo, nem teria meio de conduzir os cacarecos. Viviam de trouxa amarrada, dormiriam bem debaixo de um pau. Olhou a caatinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim, desde que ele se entendera. E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo – anos bons, misturados com anos ruins. A desgraça estava em caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando para casa, trepando a ladeira, espalhando seixos com as alpercatas – ela se avizinhando a galope, com vontade de matá-lo. (Vidas Secas - Graciliano Ramos) Pode-se dizer que no primeiro parágrafo do texto o autor procurar expressar: a) b) c) d) e) a fazenda como lugar de produção agrícola. a boa relação entre patrão e empregado nos grandes latifúndios. a tristeza e melancolia da vida rural. a condição de insegurança do trabalhador rural, sem qualquer estabilidade. a necessidade de apetrechos especiais para o trabalho rural. 02. Fui devidamente matriculado no ginásio episcopal por minha mãe, que pagou a matrícula com o seu dinheiro. Andei macambúzio naqueles meses de princípios de 1920. Doía-me a ideia de ter de passar nove meses inteiros longe de minha gente e de minha casa. Um novo capítulo na minha vida estava por começar. Nunca minha terra natal me pareceu mais suave e bela que naquele verão do primeiro ano da década de 20. Eu saía em passeios de despedida pelas ruas da cidade, em casa olhava com uma ternura particular para a ameixeira-do-japão, que tanta coisa parecia dizer-me em seu silêncio. O meu “drama” era consideravelmente agravado por um fato sentimental da maior relevância. Eu estava então seriamente enamorado duma menina pouco mais moça que eu e que correspondia ao meu afeto. Chamava-se Vânia, tinha nas veias sangue italiano, um rosto redondo e corado e uma vivacidade que frequentemente embaraçava o Tibicuera de D. Bega. Chegou o dia da partida. Despedi-me de Vânia na véspera, com um simples aperto de mão. Combinamos a melhor maneira de manter uma correspondência secreta durante minha ausência. Juramo-nos amor eterno. VERÍSSIMO, Érico. Solo de clarineta. 5ª ed. Porto Alegre, Globo, 1974. P. 122-3 26 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS A partir da leitura do texto, é correto afirmar que: a) b) c) d) e) o texto é narrado em terceira pessoa. a predominância do tempo verbal marca a terceira pessoa. o texto mostra um emissor centrado em pronomes de terceira pessoa. o narrador não exterioriza suas opiniões ou sentimentos, mas apenas relembra fatos antigos. o texto mostra um emissor centrado em si mesmo, daí a predominância da primeira pessoa. 03. [Sem-Pernas] queria alegria, uma mão que o acarinhas-se, alguém que com muito amor o fizesse esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava “meu padrinho” e que o surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, u’a mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como um animal perseguido por outros mais fortes. A perna coxa se recusava a ajudá-lo. E a borracha zunia nas suas costas quando o cansaço o fazia parar. A princípio chorou muito, depois, não sabe como, as lágrimas secaram. Certa hora não resistiu mais, abateu-se no chão. Sangrava. Ainda hoje ouve como os soldados riam e como riu aquele homem de colete cinzento que fumava um charuto. (Jorge Amado. Capitães da areia.) O emprego da figura de linguagem conhecida como “prosopopeia” (ou “personificação”) põe mais em evidência a principal razão pela qual Sem-Pernas é estigmatizado. O trecho que contém essa figura é: a) b) c) d) e) A perna coxa se recusava a ajudá-lo. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. (...) depois, não sabe como, as lágrimas secaram. E a borracha zunia nas suas costas (...) Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. 04. Quando vou a São Paulo, ando na rua ou vou ao mercado, apuro o ouvido; não espero só o sotaque geral dos nordestinos, onipresentes, mas para conferir a pronúncia de cada um; os paulistas pensam que todo nordestino fala igual; contudo as variações são mais numerosas que as notas de uma escala musical. Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí têm no falar de seus nativos muito mais variantes do que se imagina. E a gente se goza uns dos outros, imita o vizinho, e todo mundo ri, porque parece impossível que um praiano de beira-mar não chegue sequer perto de um sertanejo de Quixeramobim. O pessoal do Cariri, então, até se orgulha do falar deles. Têm uns tês doces, quase um the; já nós, ásperos sertanejos, fazemos um duro au ou eu de todos os terminais em al ou el-carnavau, Raqueu... Já os paraibanos trocam o l pelo r. José Américo só me chamava, afetuosamente, de Raquer. (Queiroz, R. O Estado de São Paulo. 09 maio 1998 – fragmento adaptado). Raquel de Queiroz comenta, em seu texto, um tipo de variação linguística que se percebe no falar de pessoas de diferentes regiões. As características regionais exploradas no texto manifestam-se: a) b) c) d) e) na fonologia. no uso do léxico. no grau de formalidade. na organização sintática. na estruturação morfológica. 27 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS 05. A par do contraste entre casa-grande e senzala, comum a todas as regiões dependentes do trabalho escravo, a zona açucareira do Nordeste viveu também o contraste entre: a) os monarquistas escravocratas e os republicanos abolicionistas, tal como se desenvolve em “O Quinze”. b) a força do coronelismo conservador e a dos políticos modernos e arrojados, tal como se narra em “São Bernardo”. c) a cultura do homem do litoral, mais aberta, e a do homem do sertão, mais conservadora, tal como surge em “Menino de engenho”. d) o mandonismo dos grandes fazendeiros e a ação dos grupos de jagunços, tal como se narra em “Grande sertão: veredas”. e) o modo de produção arcaico do engenho e o mais moderno da usina, tal como se narra em “Fogo morto”. 06. Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. Tendo como base o trecho em questão, é correto afirmar que a viagem de Fabiano, Sinhá Vitória, os filhos e a cachorra Baleia caracteriza-se: a) b) c) d) e) pelo desânimo, pela aflição e pela imprudência. pelo sentimentalismo exacerbado e impactante. pelo otimismo, apesar da fome e da frustração. pela desventura, pelo infortúnio e pela privação. pela tragédia, pelo realismo e pelo esforço compensado. 07. TEXTO I Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um novilho amarrado ao mourão, suportando ferro quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não lhe pisava o pé não. (...) Tinha aqueles cambões pendurados ao pescoço. Deveria continuar a arrastá-los? Sinha Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo. Graciliano Ramos. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 23ª ed., 1969, p. 75. TEXTO II Para Graciliano, o roceiro pobre é um outro, enigmático, impermeável. Não há solução fácil para uma tentativa de incorporação dessa figura no campo da ficção. É lidando com o impasse, ao invés de fáceis soluções, que Graciliano vai criar Vidas Secas, elaborando uma linguagem, uma estrutura romanesca, uma constituição de narrador em que narrador e criaturas se tocam, mas não se identificam. Em grande medida, o debate acontece porque, para a intelectualidade brasileira naquele momento, o pobre, a despeito de aparecer idealizado em certos aspectos, ainda é visto como um ser humano de segunda categoria, simples demais, incapaz de ter pensamentos demasiadamente complexos. O que “Vidas Secas” faz é, com pretenso não envolvimento da voz que controla a narrativa, dar conta de uma riqueza humana de que essas pessoas seriam plenamente capazes. Luís Bueno. Guimarães, Clarice e antes. In: Teresa. São Paulo: USP, nº 2, 2001, p. 254 28 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS No texto II, verifica-se que o autor utiliza: a) linguagem predominantemente formal, para problematizar, na composição de “Vidas Secas”, a relação entre o escritor e o personagem popular. b) linguagem inovadora, visto que, sem abandonar a linguagem formal, dirige-se diretamente ao leitor. c) linguagem coloquial, para narrar coerentemente uma história que apresenta o roceiro pobre de forma pitoresca. d) linguagem formal com recursos retóricos próprios do texto literário em prosa, para analisar determinado momento da literatura brasileira. e) linguagem regionalista, para transmitir informações sobre literatura, valendo-se de coloquialismo, para facilitar o entendimento do texto. 08. A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada... Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens, sem nenhum dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras! Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com as suas maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que eram sempre castigados com mortes horríveis! O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus descritivos. Quando ela queria pintar um reino era como se estivesse falando dum engenho fabuloso. Os rios e florestas por onde andavam os seus personagens se pareciam muito com a Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco. José Lins do Rego. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 49-51 (com adaptações) Na construção da personagem “velha Totonha”, é possível identificar traços que revelam marcas do processo de colonização e de civilização do país. Considerando o texto, infere-se que a velha Totonha: a) tira o seu sustento da produção da literatura, apesar de suas condições de vida e de trabalho, que denotam que ela enfrenta situação econômica muito adversa. b) compõe, em suas histórias, narrativas épicas e realistas da história do país colonizado, livres da influência de temas e modelos não representativos da realidade nacional. c) retrata, na constituição do espaço dos contos, a civilização urbana europeia em concomitância com a representação literária de engenhos, rios e florestas do Brasil. d) aproxima-se, ao incluir elementos fabulosos nos contos, do próprio romancista, o qual pretende retratar a realidade brasileira de forma tão grandiosa quanto a europeia. e) imprime marcas da realidade local a suas narrativas, que têm como modelo e origem as fontes da literatura e da cultura europeia universalizada. 09. ENEM TEXTO I Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles meninos, moleques de todas as cores e de idades as mais variadas, desde os nove aos dezesseis anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações... AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento). TEXTO II À margem esquerda do rio Belém, nos fundos do mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro – ali os bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão. No trivial contentavam-se com as sobras do mercado. TREVISAN, D.35 noites de paixão: contos escolhidos. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento). 29 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são exemplos de uma abordagem literária recorrente na literatura brasileira do século XX. Em ambos os textos: a) b) c) d) e) a linguagem afetiva aproxima os narradores dos personagens marginalizados. a ironia marca o distanciamento dos narradores em relação aos personagens. o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social. o espaço onde vivem os personagens é uma das marcas de sua exclusão. a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta. GABARITO EXERCÍCIOS DE SALA 01. D 02. E 03. A 04. A 05. E 06. D 07. A 08. E 09. D Questões Complementares QUESTÕES 01 E 02 05 10 15 20 25 30 João de Adão continuou: — No dia que tu quiser tu tem lugar aqui nas docas. A gente tem um lugar guardado pra tu. — Por quê? — perguntou Boa-Vida, já que Pedro olhava apenas espantado. — Porque o pai dele era Raimundo e morreu foi aqui mesmo lutando pela gente, pelo direito da gente. Era um homem e tanto. Valia dez destes que a gente encontra por aí. — Meu pai? — fez Pedro Bala, que daquelas histórias só conhecia vagos rumores. — Teu pai, era. A gente chamava ele de Loiro. Quando foi da greve fazia discurso pra gente, nem parecia um estivador. Foi pegado por uma bala. Mas tem lugar pra tu nas docas. Pedro Bala riscava o asfalto com um graveto. Olhou João de Adão. — Por que tu nunca me contou isso? — Tu era pequeno para entender. Agora tu tá ficando um homem — e riu com satisfação. Pedro Bala riu também. Estava contente de saber a história de seu pai, porque ele tinha sido homem valente. .................................................................................................................................................... Pedro sorriu. Era outro que ia. Não seriam meninos toda vida... Bem sabia que eles nunca tinham parecido crianças. Desde pequenos, na arriscada vida da rua, os Capitães da Areia eram como homens, eram iguais a homens. Toda a diferença estava no tamanho. No mais eram iguais: o amavam e derrubavam negras no areal desde cedo, furtavam para viver como os ladrões da cidade. Quando eram presos apanhavam surras como os homens. Por vezes assaltavam de armas na mão como os homens. Por vezes assaltavam de armas na mão como os mais temidos bandidos da Bahia... Não tinham também conversas de meninos, conversavam como homens. (...) Só Pedro Bala não sabe o que fazer. Dentro em pouco será mais que um rapazola, será um homem e terá que deixar para outro a chefia dos Capitães da Areia. Para onde irá? Não poderá ser um intelectual como Professor, cujas mãos só viviam para pintar, não nasceu para malandro, como Boa-Vida, que não sente o espetáculo da luta diária dos homens, que só ama andar vagabundando pelas ruas, conversar acocorado nas docas, beber nas festas de morro. Pedro sente o espetáculo dos homens, acha que aquela liberdade não é suficiente para a sede de liberdade que tem dentro de si. Tampouco sente o chamado de Deus, como Pirulito o sentiu. Para ele as pregações do padre José Pedro nunca disseram nada. Gostava do padre como de um homem bom. Só as palavras de João de Adão encontravam acolhida no seu coração. Mas João de Adão mesmo sabe muito pouco. O que tem é músculos potentes e voz autoritária, e no entanto amiga, para chefiar uma greve. Tampouco Pedro Bala quer como Gato 30 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS enganar os coronéis de Ilhéus, arrancar o dinheiro deles. Quer qualquer coisa que não sabe ainda o que é, e por isso se demora entre os Capitães da Areia. 01. Da leitura do romance Capitães da Areia, especialmente do texto apresentado, depreende-se: (01) A inclinação natural para o delito iguala os Capitães da Areia aos demais bandidos que assustam a cidade. (02) A relação conflitiva entre as crianças e o meio social resulta na perda da sensibilidade que as caracteriza, gerando violência. (03) O ideal de impor sua individualidade leva os meninos a se insurgirem contra as leis e a moral do grupo, marginalizando-se. (04) A trajetória tumultuada dos Capitães da Areia tem origem nos dramas pessoais dos meninos e na hostilidade da convivência social, adversa a seus anseios. (05) A reflexão de Pedro Bala, na iminência de deixar o grupo, revela uma tendência pessoal para priorizar as questões coletivas, em detrimento de seus próprios interesses. (06) A ideia que Pedro Bala tem sobre liberdade desvia-o da lição deixada por seu pai, que morreu em defesa desse ideal. (07) A necessidade de lutar pela sobrevivência explica a precocidade que identifica a maneira de ser, de pensar e de agir dos Capitães da Areia. 02. Assinale a proposição ou proposições que evidenciam características presentes no texto. (01) Linguagem reveladora da condição sócio cultural da personagem. (02) Linguagem semanticamente próxima da realidade objetiva. (03) Estrutura em forma de monólogo. (04) Presença de um realismo voltado para uma problemática social. (05) Pontuação em desacordo com os padrões convencionais. (06) Predomínio de frases construídas segundo o processo sintático de coordenação. (07) Narrativa construída predominantemente com períodos curtos de acordo com o dinamismo do texto. QUESTÕES 03 E 04 A vida do Morro do Capa-Negro era difícil e dura. Aqueles homens todos trabalhavam muito, alguns no cais, carregando e descarregando navios, ou conduzindo malas de viajantes, outros em fábricas distantes e em ofícios pobres: sapateiro, alfaiate, barbeiro. Negras vendiam arroz-doce, mungunzá, sarapatel, acarajé, nas ruas tortuosas da cidade, negras lavavam roupas, negras eram cozinheiras em casas ricas dos bairros chiques. Muitos dos garotos trabalhavam também. Eram engraxates, levavam recados, vendiam jornais. Alguns iam para casas bonitas e eram crias de famílias de dinheiro. Os mais se estendiam pelas ladeiras do morro em brigas, correrias, brincadeiras. Esses eram os mais novinhos. Já sabiam do seu destino desde cedo: cresceriam e iriam para o cais onde ficavam curvos sob o peso dos sacos cheios de cacau, ou ganhariam a vida nas fábricas enormes. E não se revoltavam porque desde há muitos anos vinha sendo assim; os meninos das ruas bonitas e arborizadas iam ser médicos, advogados, engenheiros, comerciantes, homens ricos. E eles iam ser criados destes homens. Para isto é que existia o morro e os moradores do morro. Coisa que o negrinho Antônio Balduíno aprendeu desde cedo no exemplo diário dos maiores. Como nas casas ricas tinha a tradição do tio, pai ou avô, engenheiro célebre, discursador de sucesso, político sagaz, no morro onde morava tanto negro, tanto mulato, havia a tradição da escravidão ao senhor branco e rico. E essa era a única tradição. Porque a da liberdade nas florestas da África já a haviam esquecido e raros a recordavam, e esses raros eram exterminados ou perseguidos. No morro só Jubiabá a conservava, mas isto Antônio Balduíno ainda não sabia. Raros eram os homens livres do morro: Jubiabá, Zé Camarão. Mas ambos eram perseguidos: um por ser macumbeiro, outro por malandragem. Antônio Balduíno aprendeu muito nas histórias heróicas que contavam ao povo do morro e esqueceu a tradição de servir. Resolveu ser do número dos livres, dos que depois teriam ABC e modinhas e serviriam de exemplo aos homens negros, brancos e mulatos, que se escravizavam sem remédio. Foi no Morro do Capa-Negro que Antônio Balduíno resolveu lutar. Tudo que fez, depois foi devido às histórias que ouviu nas noites de lua na porta de sua tia. Aquelas histórias, aquelas cantigas tinham sido feitas para mostrar aos homens o exemplo dos que se revoltavam. 31 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Mas os homens não compreendiam ou já estavam muito escravizados. Porém alguns ouviam e entendiam. Antônio Balduíno foi destes que entenderam. (Amado, Jorge. Jubiabá. Livraria Martins Editora. p. 26-27) 03. O texto em destaque evidencia, através do narrador, um autor: (01) desejoso de manter-se distanciado do drama dos personagens. (02) crítico, que vê a literatura como arte engajada, política. (03) que vê equivalência entre a imagem do mundo construída pela narrativa de ficção e o seu referente – o mundo real. (04) isento de crítica social, embora cheio de compaixão pelos menos favorecidos. (05) da mesma classe social dos personagens sobre os quais escreve. (06) determinado a fazer o leitor consciente da realidade social dos menos favorecidos. 04. A obra de Jorge Amado, em sua fase inicial, aborda o problema da: a) b) c) d) e) seca periódica que devasta a região da pecuária do Piauí. decadência da aristocracia da cana-de-açúcar diante do aparecimento das usinas. luta pela posse de terras na região cacaueira de Ilhéus. vida nas salinas, que destrói paulatinamente os trabalhadores. aristocracia cafeeira, que se vê à beira da falência com a crise de 29. QUESTÕES 05 E 06 A nova linguagem Agora muito se discute a linguagem ou, antes, a falta de linguagem dos jovens, que não falam nem escrevem e ninguém sabe como se comunicam - queixam-se os mestres deles e os entendidos em geral. Ora, talvez se comuniquem por grunhidos e acenos como os chipanzés, ou por um curto vocabulário de nomes e verbos elementares, como os aborígines australianos. A crise é ameaçadora principalmente para nós que da palavra escrita e falada tiramos nosso pão de cada dia. Mas os meninos - eles - não se queixam. A privação ou pobreza linguística evidentemente não os afeta nem lhes tira a alegria, nem sequer lhes dá complexo de inferioridade perante os mais articulados. Ou, se de alguma coisa se queixam, é de que a falação em torno já está um saco, pô! QUEIROZ, Rachel de. In: O Estado de S. Paulo, 16 set. 2000. p. 20. Caderno 2. 05. A alternativa que evidencia uma afirmativa implícita no texto é: a) b) c) d) e) Os jovens estão num processo de involução no que concerne à linguagem articulada. Os professores têm manifestado preocupação com a pobreza da linguagem dos jovens. A linguagem dos jovens tem sido objeto de discussões ao longo da evolução do tempo. A articulista tem mantido contato com os jovens e observado a linguagem deles. Os comunicadores mostram-se compreensivos em relação à pobreza linguística dos jovens. 06. No texto, o termo usado em sentido conotativo é: a) b) c) d) e) “entendidos” (l. 02). “grunhidos” (l. 03). “aborígines” (l. 04). “falação” (l. 9). “saco” (l. 9). 07. (CONSULTEC) Olhou os pés novamente. Pobre do louro. Na beira do rio matara-o por necessidade, para sustento da família. Naquele momento ele estava zangado, fitava na cachorrinha as pupilas sérias 32 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS e caminhava aos tombos, como os matutos em dias de festa. Para que Fabiano fora despertar-lhe aquela recordação? Chegou à porta, olhou as folhas amarelas das catingueiras. Suspirou. Deus não havia de permitir outra desgraça. Agitou a cabeça e procurou ocupações para entreter-se. Tomou a cuia grande, encaminhou-se ao barreiro, encheu de água o caco das galinhas, endireitou o poleiro. (...) RAMOS Graciliano. Vidas secas. 67. ed Rio de Janeiro/ São Paulo. Record. 1994. p. 43. O neorrealismo (geração de 30) faz-se presente, no texto, através de: 01) relações sociais conflitantes. 02) uma visão determinista de homem. 03) personagens contestadores da injustiça social. 04) uma valorização da cultura popular nordestina. 05) um enfoque da realidade socioeconômica regional. 08. (UCSAL) O regionalismo que marca a literatura de Jorge Amado acabou por consagrar, por exemplo, tipos humanos diretamente envolvidos com a economia e a política que giravam em torno da exploração do cacau, assim como o regionalismo de: a) José Lins do Rego se debruçou sobre os coronéis do café e a crise da economia e da política cafeeira. b) Graciliano Ramos atingiu seu ponto culminante na análise dos protagonistas do romance ANGÚSTIA. c) FOGO MORTO consagrou personagens que viveram ou testemunharam a decadência dos engenhos de cana-de-açúcar. d) Mário de Andrade é o centro de seu romance MACUNAÍMA, cujas personagens vivem intensas aventuras nos sertões de Minas. e) O TEMPO E O VENTO consagrou o tipo do imigrante alemão na colonização dos estados do centro e do sul do país. 09. (FDC - BAIANA) A responsabilidade social do artista, já esboçada em termos programáticos em A ESCRAVA QUE NÃO É ISAURA, pode ser encontrada também neste romance, quando o ficcionista se apresenta como um “rapsodo”, isto é, como aquele que enfeixa as “frases” e os “casos” com a finalidade de narrar simbolicamente a história do “herói da nossa gente”. O trecho se refere a: a) b) c) d) e) Cobra norato. O país do carnaval. O mulato. Os sertões. Macunaíma. 10. Jorge Amado abre um de seus romances estampando suposta reportagem de um jornal de Salvador e também supostas “cartas à redação”, escritas por um secretário do Chefe de Polícia, por um Juiz de Menores, por uma costureira e por um padre. Com esse procedimento realista e “documental”, o escritor baiano introduz um romance em cujo centro estarão: a) os meninos que vivem sob o trapiche, nas areias da praia ou vagando nas ruas da cidade. b) as personagens envolvidas diretamente nas agitações que marcaram o ciclo econômico do cacau. c) os retirantes que, chegando à cidade, acomodam-se como podem e passam a enfrentar uma vida de piores provocações. d) os grevistas que, explorados pela ganância do patrão, não hesitam em tudo sacrificar por seus ideais revo- lucionários. e) Castro Alves e outras personagens históricas, numa biografia romanceada em que o autor homenageia o poeta abolicionista. 33 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS 11. (CONSULTEC – UNIDERP) Nunca tivera uma família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava de ‘meu padrinho’, e que o surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia levaram-no preso. Ele quer um carinho, uma mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr em sua perna coxa em volta de uma saleta. (...) A princípio chorou muito, depois, não sabe como, as lágrimas secaram. Certa hora não resistiu mais, abateu-se no chão. Sangrava e ainda hoje ouve como os soldados riam e como riu aquele homem de colete cinzento que fumava um charuto. Depois encontrou os Capitães da Areia (foi o Professor que o trouxe, haviam feito camaradagem num banco de jardim) e ficou com eles. Não tardou a se destacar porque sabia como nenhum afetar uma grande dor e assim conseguir enganar senhoras cujas casas eram depois visitadas pelo grupo já ciente de todos os lugares onde havia objetos de valor e de todos os hábitos da casa. AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 57 ed. Rio de Janeiro: Record, 1983, p. 34. O romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, pode ser considerado como uma das obras-primas da literatura Brasileira. O fragmento em destaque evidencia: a) o desrespeito dos policiais para com seus superiores, que sempre condenam atitudes irresponsáveis e desumanas. b) uma denúncia indireta da conduta de pessoas esclarecidas - como o “Professor” - que nem sempre demonstram interesse em praticar uma efetiva ação social. c) o descaso da sociedade - representada pelas “senhoras” - diante de injustiças sociais, como aquela que sofrem os menores abandonados. d) a astúcia dos meninos delinquentes que conseguem enganar legítimos representantes da Lei. e) uma tentativa, por parte do autor, de justificar o comportamento dos delinquentes juvenis em decorrência de sua condição humana. 12. (CONSULTEC - UNIDERP) Pela tarde apareceu o Capitão Vitorino. Vinha numa burra velha, de chapéu de palha muito alvo, com a fita verde-amarela na lapela do paletó. (...) Vitorino apeou-se para falar do ataque ao Pilar. Não era amigo de Quinca Napoleão, achava que aquele bicho vivia de roubar o povo, mas não aprovava o que o capitão fizera com D. Inês. — Meu compadre, uma mulher como a D. Inês é para ser respeitada. — E o capitão desrespeitou a velha, compadre? — Eu não estava lá. Mas me disseram que botou o rifle em cima dela, para fazer medo, para ver se D. Inês lhe dava a chave do cofre. Ela não deu. José Medeiros, que é homem, borrou-se todo quando lhe entrou um cangaceiro no estabelecimento. Me disseram que o safado chorava como bezerro desmamado. Este cachorro anda agora com fogo da força da polícia fazendo o diabo com o povo. REGO, José Lins do. Fogo Morto, 16, Ed. Rio de Janeiro. José Olympio. 1976, p. 214. Nesse trecho de Fogo Morto, as palavras do Capitão Vitorino revelam: a) b) c) d) e) descompromisso com a realidade que o cerca. disilusão diante de um mundo adverso. repúdio à violência, à covardia e à arbitrariedade. despreocupação com a conduta moral do ser humano. indiferença em face dos acontecimentos políticos. 13. (CONSULTEC -UNIBERP) Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo. Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. 34 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte! A desconfiança é também consequência da profissão. Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes. Se Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio. Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me exibe essas deformidades monstruosas. É horrível! Se aparecesse alguém... Estão todos dormindo. Se ao menos a criança chorasse... Nem sequer tenho amizade a meu filho. Que miséria! RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 27 ed. Rio de Janeiro: Record. 1997, p 170-1. Tendo em vista o contexto da obra em sua totalidade, pode-se afirmar que, nesse fragmento, o narrador-persona- gem revela: a) tendência para o excesso de detalhes. b) ansiedade em se libertar do passado. c) tentativa de corrigir seus erros. d) consciência de que o meio social influencia o indivíduo. e) desejo de isolar-se do mundo que o rodeia. 14. (CONSULTEC -UNEB) Bichos. As criaturas que me serviram durante anos eram bichos. Havia bichos domésticos, como o Padilha, bichos do mato, como Casimiro Lopes, e muitos bichos para o serviço do campo, bois mansos. Os currais que se escoram uns aos outros, lá embaixo, tinham lâmpadas elétricas. E os bezerrinhos mais taludos soletravam a cartilha e aprendiam de cor os mandamentos da lei de Deus. ........................................................................................................................................................ . Coloquei-me acima da minha classe, creio que me elevei bastante. Como lhes disse, fui guia de cego, vendedor de doce e trabalhador alugado. Estou convencido de que nenhum desses ofícios me daria os recursos intelectuais necessários para engendrar esta narrativa. (...) Além disso estou certo de que a escrituração mercantil, os manuais de agricultura e pecuária, que forneceram a essência da minha instrução, não me tornaram melhor que o que eu era quando arrastava a peroba. Pelo menos naquele tempo não sonhava ser o explorador feroz em que me transformei. Quanto às vantagens restantes – casas, terras, móveis, semoventes, consideração de políticos, etc. - é preciso convir em que tudo está fora de mim. RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 46 ed. Rio de Janeiro: Record. 1996. pp 182-3 Em relação ao texto, é correto afirmar: 01) 02) 03) 04) A narrativa está centralizada num enfoque objetivo da realidade exterior. A relação patrão x empregado é marcada pela justiça social. A personagem-narradora está consciente de sua superioridade intelectual e humana. A personagem-narrador revela-se como ser cujo crescimento humano não acompanhou o econômico. 05) A personagem mostra-se preocupado com questões de ordem religiosa. 15. (CONSULTEC - URRN) Não sentia a espingarda, o saco, as pedras miúdas que lhe entravam nas alpercatas, o cheiro de carniças que espetavam o caminho. As palavras de sinhá Vitória encantavam-no. Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nessa terra, porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de Sinhá Vitória, as palavras que Sinhá Vitória murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo 35 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS coisas difíceis e necessárias. Esses dois velhinhos acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, sinha Vitória e os dois meninos. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 71. ed. Rio de Janeiro: Record. 1996. p. 126 Em relação ao romance “Vidas Secas”, é uma caracte- rística que pode ser comprovada no fragmento transcrito: 01) 02) 03) 04) 05) concepção crítica de uma sociedade agrária injusta. perspectiva de mudanças concretas na vida dos personagens. visão fatalista da condição socioeconômica do retirante nordestino. incapacidade do homem para avaliar criticamente a própria vida. personagens marcados por um sentimento de apego à terra natal. Questões 16 a 18 (RUI BARBOSA). Relacione o fragmento transcrito em cada questão às características literárias da Geração de 30, indicadas nas proposições, identificando as que estão presentes em cada fragmento. (01) Consciência crítica das relações sociais. (02) Uso de uma linguagem marcadamente regionalista. (03) Determinismo do meio sobre o homem. (04) Personagem envolvido pelo fatalismo. (05) Narrativa caracterizada por um estilo seco, desprovido de sentimentalismo. 16. Além disso estou certo de que a escrituração mercantil, os manuais de agricultura e pecuária, que forneceram a essência da minha instrução, não me tornaram melhor que o que eu era quando arrastava a peroba. Pelo menos naquele tempo não sonhava ser o explorador feroz em que me transformei. Quanto às vantagens restantes - casas, terras, móveis, semoventes, consideração de políticos, etc. - é preciso convir em que tudo está fora de mim. Julgo que me desnorteei numa errada. ............................................................................................................................................................... Hoje não canto nem rio. Se me vejo ao espelho, a dureza da boca e a dureza dos olhos me descontentam. 17. Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feito pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair e depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz. Cordulina, no entanto, queria-o vivo. Embora sofrendo, mas em pé, andando junto dela, chorando de fome, brigando com os outros... E quando reencetou a marcha pela estrada infindável, chamejante e vermelha, não cessava de passar pelos olhos a mão trêmula: — Pobre do meu bichinho! Dia a dia, com as forças que iam minguando, a miséria escalavrava mais a cara sórdida, e mais fortemente os feria com a sua garra desapiedada. Só talvez por um milagre iam aguentando tanta fome, tanta sede, tanto sol. O comer, era quando Deus fosse servido. Às vezes paravam num povoado, numa vila. Chico Bento, a custo, sujeitando-se às ocupações mais penosas, arranjava um cruzado, uma rapadura, algum litro de farinha. Mas isso de longe em longe. 36 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS 18. Olhou a caatinga amarela, que o poente avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim, desde que ele se entendera. E antes de se entender, antes de nascer, sucedera o mesmo - anos bons misturados com anos ruins. A desgraça estava em caminho, talvez andasse perto. Nem valia a pena trabalhar. Ele marchando para casa, trepando a ladeira, espalhando com as alpercatas - ela se avizinhando a galope, com vontade de matá-lo. ............................................................................................................................................................... Tudo seco em redor. E o patrão era seco também, arrelia- do, exigente e ladrão, espinhoso como um pé de mandacaru. Questões 19 e 20. Associe o fragmento apresentado em cada questão às características relacionadas. Em seguida, marque o número correspondente à alternativa que indica as características presentes em cada texto considerando o seguinte código. 1) 2) 3) 4) 5) IeV II e IV III e V IV, V e VI I, II, III e VI. I. II. III. IV. V. VI. Relações humanas marcadas pela lei do mais forte. Comportamento humano influenciado pelo determinismo biológico. Presença de ironia. Homem sujeito à influência do ambiente. Concepção do homem como um ser guiado por forças circunstanciais. Similaridade entre o comportamento humano e o instinto animal. 19. Rodeou o chiqueiro, mexendo-se como um urubu, arremedando Fabiano. ............................................................................................................................................................... Evidentemente ele não era Fabiano. Mas se fosse? Precisava mostrar que podia ser Fabiano. ............................................................................................................................................................... Trepando na ribanceira, o coração aos baques, o menino mais novo esperava que o bode chegasse ao bebedouro. Certamente aquilo era arriscado, mas parecia-lhe que ali em cima tinha crescido e podia virar Fabiano. Sentou-se indeciso. O bode ia saltar e derrubá-lo. ............................................................................................................................................................... Pôs-se a berrar, imitando as cabras, chamando o irmão e a cachorra. Não obtendo resultado, indignou-se. Ia mostrar aos dois uma proeza, voltariam para casa espantados. 20. A família do Santa Fé não ia mais à missa aos domingos. A princípio correra que era doença no velho. Depois inventaram que o carro não podia mais rodar, de podre que estava. Os cavalos não aguentavam mais com o peso do corpo. Na casa-grande do engenho do capitão Tomás a tristeza e o desânimo haviam tomado conta até de dona Amélia. Não tinha coragem de sair de casa com aquela afronta, ali a dois passos, com um morador atrevido sem levar em conta as ordens do senhor de engenho. Todos na várzea se acovardavam com as ordens do cangaceiro. O governo mandava tropa que maltratava o povo, e a força do bandido não se abalava. (...) Todos temiam as represálias. Lula não lhe dizia nada, mas só aquilo de não querer mais botar a cabeça de fora, de fugir até das obrigações de sua devoção, dizia da mágoa que lhe andava na alma. 21. (UCSAL) Tenho certeza que não fiz obra de repórter e sim de romancista, como tenho a certeza que, se bem os meus romances narrem fatos, sentimentos e paisagens baianas, têm um largo sentido universal e humano mesmo devido ao caráter social que possuem, sentido universal e humano sem dúvida muitas vezes maior que os desses romances escritos em reação aos dos novos romancistas brasileiros e que se distinguem por não aceitarem nenhum caráter local nem social nas suas páginas, romances que no fundo não passam de masturbação intelectual (...) 37 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS (Jorge Amado. “Os romances da Bahia”, em apresentação a Capitães de Areia. S. Paulo. Martins, 4 a 1947) No trecho, o escritor Jorge Amado: a) aposta na tese de que a literatura é sobretudo documento, e é nessa condição que deve espelhar a realidade. b) opõe a ficção regionalista à prosa modernista dos anos 20, afirmando a superioridade daquela sobre esta. c) mostra preferência por escritores da geração de 30 que, com ele, põem o regional acima do universal. d) ataca os escritores novos que, ao contrário dos de sua geração, não apresentam uma sólida formação intelectual. e) defende a convicção de que o enfoque social de sua literatura regionalista atinge um sentido universal. 22. (UNIFACS) A fama da mesquinhez de seu Lula correra quatro cantos. E por isso não aparecia quem lhe quisesse plantar a várzea. O velho José Paulino, quando passeava por ali, e que olhava para o massapê coberto de grama, devia ter pena da terra parada, esquecida daquele jeito. D. Amélia, de cima de sua carruagem, enfeitada de trancelins, com os dedos duros de anéis de ouro, sentia o abandono da terra de seu pai, como se visse um filho no desamparo. O negro Macário tivera cavalos de força, do rego aberto, para dominar, para conduzi-los com seu chicote. Os cavalos magros que puxavam o cabriolé não davam trabalho às mãos trêmulas do velho boleeiro. A carruagem ia chegando. D. Amélia via subir no meio do mato verde o bueiro sujo do engenho. Fumaçara anos e anos, perderam-se pelo céu azul, pelas nuvens brancas, os rolos de fumo do bagaço queimado nas fomalhas. Lá estava a casa-grande. REGO. José Lins do. Fogo morto. 13 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972, p. 200. Identifique com V as afirmativas que têm comprovação no texto, e, com F, as demais. 1. 2. 3. 4. ( ( ( ( ) Retrato objetivo da realidade regional. ) Sinais evidentes da decadência do engenho. ) Crise da economia açucareira, provocando a perda da pose senhoril. ) Linguagem regionalista. 23. (UNEB) Considere os seguintes fragmentos: I. II. O engenho se arrastava na safra de quase nada. Mas ainda moía. Essas duas frases podem resumir a transição tecnológica e econômica a que o autor assistiu quando menino, e que representou em páginas inesquecíveis, misto de autobiografia e de criação ficcional. Num mundo arcaico e miserável, seco tanto na geografia quanto no silêncio das personagens, a família cumpre o destino dos deserdados, movida pela vaga esperança que se traduz nessas palavras finais da narrativa: Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. Está correta a seguinte afirmação sobre os dois fragmentos: a) pertencem ambos a um mesmo escritor regionalista, representativo da chamada “geração de 45”. b) em seus dois romances mais famosos, este ficcionista tematizou, num, o ciclo da cana-deaçúcar, e no outro a vida no sertão, entre os jagunços. c) a saga sulista encontrou em Érico Veríssimo seu maior narrador, assim como o fenômeno da migração atingiu a mais bela expressão com Graciliano Ramos. d) depois da fase inicial do Modernismo, Fogo Morto, de José Lins do Rego, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, marcam um regionalismo moderno e realista. e) no chamado “romance de 30”, José Lins do Rego, de um lado, e Jorge Amado, de outro, dedicaram-se a uma literatura regionalista a que não falta o pitoresco. 38 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Questões 24 e 25 (UESB) Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos – esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das covas podres. Os fantasmas estropiados como que iam dançando de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas. Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados. Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo. Adelgaçados na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciam-lhes aos joelhos, de mãos abanando. Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos doentes da alimentação tóxica – com os fardos das barrigas alarmantes. Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais. Meninotas, com as pregas da súbita velhice, careteavam, torcendo as carinhas decrépitas de exvoto. Os vaqueiros másculos, como titãs alquebrados, em petição de miséria. Pequenos fazendeiros no arremesso igualitário, baralhavam-se nesse anônimo aniquilamento. ALMEIDA, José Américo de. A Bagaceira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, p. 5. 24. Pode ser comprovada no texto a característica indicada em? 01) 02) 03) 04) 05) Denúncia contra a exploração do trabalhador agrário. Realidade apresentada de forma fragmentada, sem ordenação lógica. Meio físico como elemento nivelador de condições socioeconômicas. Universalização temática. O real visto sob uma ótica subjetivista. 25. A alternativa cuja expressão transcrita traduz a causa do problema focalizado no texto é: 01) 02) 03) 04) 05) “fantasmas estropiados” (l. 03) “espadas de fogo” (l. 06) “magreira cômica” (l. 09) “pregas da súbita velhice” (l. 14) “titãs alquebrados” (l. 15) GABARITO 01. 04-05-07 02. 01-02-03-04-07 03. 02-03-06 04. c 05. d 06. e 07. 05 08. c 09. e 10. a 11. e 12. c 13. d 14. 04 15. 03 16. 01+03+05 17. 02+03+04 18. 01+02+03+04+05 19. II e IV 20. IV e V 21. e 22. V-V-F-V 23. d 24. 03 25. 02 39 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Pós-Modernismo Geração de 45, Neomodernismo... Somos na realidade um novo estado poético, e muitos são os que buscaram um novo caminho fora dos limites do Modernismo. Assim Fernando de Loanda posicionou-se na Antologia publicada pela Revista Orfeu, chamada de Panorama da Nova Poesia Brasileira. Muitos estudiosos aceitam essa antologia como o marco iniciador da Geração de 45. Nomear essa fase da Literatura brasileira é uma tarefa difícil: Terceira Geração Modernista, Neomoder- nismo, Geração de 45, Neoparnasianos, Pós-modernismo ... O mundo intelectual deste período foi profundamente marcado pelo irracionalismo que norteara as vanguardas do início do século. O grande ímpeto irracionalista da Europa de após-guerra viria, no entanto, do existencialismo literário de Jean Paul Sartre e de Albert Camus, para quem o absurdo da vida só se resolve pela liberdade absoluta da escolha da essência para a nossa existência. Mas o racionalismo não deixou também de marcar este período. Suas origens modernas remontam principalmente a Edgar Allan Poe e Stéphane Mallarmé. Paul Valéry, continuando a linha programática e consciente desses dois poetas, escrevia: Prefiro infinitamente mais, escrever em plena consciência e inteira lucidez alguma coisa fraca, a produzir em estado de transe e fora de mim uma obra-prima entre as mais belas. A disciplina da composição começa a ser essencial à expressão lírica, a lucidez supera a inspiração. (Adaptado de Antônio Medina) Contexto histórico mundial Fim da Segunda Guerra Mundial; O neocolonialismo; Início da Era Atômica; Início da Pós-modernidade Criação da ONU; Publica-se a Declaração dos Direitos do Homem; Inicia-se a Guerra Fria; O final da Guerra Fria; O avanço tecnológico: os meios de comunicação audiovisual; A informática – Internet ...; Contexto histórico brasileiro Deposição de Getúlio Vargas; Início do processo de redemocratização do país; Legalização dos Partidos; Volta de Vargas (1951); Suicídio de Getúlio Vargas (1954); Eleição de Juscelino Kubitschek; Plano de Metas ostentando a ideologia do desenvolvimento; O governo Militar: censura, violência e mortes; Fim da Ditadura e da censura; Evolução das formas literárias curtas: o conto, o ensaio e a crônica; Aproximação: poema + música popular. A qualificação das letras. Para saber um pouco mais O que marca a Modernidade é a Era Industrial. O princípio dela era a esperança, o surgimento de uma nova sociedade, de uma nova arte, de um novo homem. Com ela surgem todos os “ismos”, ou seja os movimentos artísticos da época, o chamado Modernismo. Ex.: Impressionismo, Pós-impressionismo, 40 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Cubismo, Dadaísmo, Futurismo, Construtivismo, Surrealismo, etc. Ele surgiu com os pintores que não tiveram medo de ousar. A Arte Moderna representou a inovação das artes, define o início de uma nova época e de uma arte que rompe com os cânones da arte do passado, a arte acadêmica. O Pós-Modernismo trabalha com o sensorial, com o gestual. A arte deste período representa a nossa época, que está em crise e nela tudo se descompassa. É uma nova perspectiva da história da arte. A Vanguarda mexe com o século XX desde o princípio. Queria legar ao mundo a liberdade, por isso continua a existir a arte experimental, mesmo não produzindo o que era conhecido como obra de arte. Ela antecipa mas também reflete uma época. É uma contestação, queria o novo, o corte com o passado e o princípio de uma nova linguagem. A arte do passado preocupava-se com o estabelecido, com o consagrado. A arte contemporânea preocupa-se com o transitório, com o instável, o provisório, o processo, a incerteza, o lúdico, os limites precários em que vivemos. Não há mais estilos, “ismos”, é plural, e ao contrário das artes anteriores, que delimitava as linguagens ela as integra (pintura, desenho, música, teatro, etc.).” http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20071030103904AAEUAeb Atente para o que a estudiosa Jussara Malafaia Moraes diz sobre a Pós-Modernidade: O Conceito de Pós-Modernidade O que se chama de pós-modernidade ou pós-modernismo é um movimento sociocultural que ganhou impulso a partir da segunda metade do século XX. Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores) sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural.” SANTOS Jair Ferreira. O que é Pós-modernismo. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.7-8 Esse movimento caracteriza-se por uma severa crítica aos padrões éticos e estéticos que vigoraram no século passado e é típico das sociedades pós-industriais baseadas na informação. Passou a incorporar uma visão de mundo relacionada ao fim dos conflitos mundiais e à superação da “Guerra-Fria” Simbolicamente, pode-se dizer que surge com a explosão da bomba em Hiroshima e Nagazaki, fato que deixa o mundo perplexo diante do poder demonstrado pela ciência moderna e ganha impulso com os movimentos de contestação política na França de 1968. Atente para o que o Professor Jayme Barros disse acerca desse fecundo período: O antimodernismo: contra o desleixo e o anarquismo O apuro formal, a disciplina (neoparnasianismo) O pós-moderno – o engajamento da literatura: no processo revolucionário no espírito científico numa postura esteticista engajada O espírito científico-crítico a modernização da crítica literária a evolução dos estudos literários e linguísticos (a importância do ensino superior) os ensaios – literários, científicos, políticos A poesia Geometrização – depuração formal Disciplina – reabilitação do verso Exploração da palavra: o intelectualismo e o simbólico O experimentalismo: as vanguardas (concretismo, práxis, processo, tropicalismo). 41 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS A forma popularizante Violão de rua A pichação Os Poetas da praça A Poesia Marginal O Cordel. A influência da evolução dos meios de comunicação das múltiplas possibilidades de lazer da aceleração da vida urbana VANGUARDAS POÉTICAS a) Concretismo b) Práxis c) Processo Práxis d) Tropicalismo 1. Ruptura – discussão do novo Plano estético-ideológico Plano de construção - "construção de um conjunto estrutural não com uma técnica estereotipada, mas com uma técnica empírica..." 2. Abolição da frase discursiva o non-sense, o ilogismo a colagem, a montagem - "fatos e nomes, inventário de fragmentos de acontecimentos." "justaposição de frases feitas" a "enumeração caótica", a livre associação de ideias. a plurissignificação dos signos 3. Paródia na utilização do signo publicitário como uma antipropaganda da sociedade de consumo. 4. Aproveitamento dos recursos técnico-tipográficos exploração dos elementos gráfico-visuais 5. A utilização de signos diversos – verbais, não verbais, signos verbais de línguas diferentes. 6. Exploração dos recursos expressivos da palavra a palavra-símbolo sugerindo conotações diversas o semântico (o significado) 7. Engajamento sociopolítico na realidade brasileira e latino-americana. Autores: Lêdo Ivo, Pericles Eugênio da Silva Ramos, Darcy Damasceno, Fernando de Loanda, Geir Campos, José Paulo Paes, Ferreira Gullar, além de poetas consagrados, que apresentaram certa evolução, tais como Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Mário Quintana e Murilo Mendes. Principal nome: JOÃO CABRAL DE MELO NETO “- poesia caracterizada por dois traços essenciais: a concisão e a precisão. preocupação em organizar o texto dentro de um rigor na construção: poeta-engenheiro. contenção da subjetividade, ausência do sentimentalismo. Aspectos temáticos básicos: a autoanálise da composição poética (poemas metalinguísticos) o interesse pelos problemas sociais do Nordeste.” Temas ligados à Espanha e ao futebol. 42 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS OBRAS PRINCIPAIS: Pedra do sono (1942) O engenheiro (1945) O cão sem plumas (1950) Morte e vida severina (1965) A educação pela pedra (1966 TEXTOS Catar Feijão 1. geometrização a visualização – a leitura não horizontal Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2. Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a como o risco Morte e Vida Severina — O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba. Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, 43 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta, a de querer arrancar alguns roçado da cinza. Mas, para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em vossa presença emigra. O Carpina fala com o retirante que esteve de fora sem tomar parte de nada — Severino, retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, severina mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. 44 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida como a de há pouco, franzina mesmo quando é a explosão de uma vida severina. Observe o que a grande Professora Regina Luz diz sobre a Poesia Concreta, Social e Marginal: I. Poesia Concreta O movimento concretista começou no Brasil através da revista Noigrandes, publicada em 1952, por três paulistas com espírito revolucionário: Décio Pgnatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos. Só a partir de 1956, com a exposição de arte concreta em São Paulo é que a poesia concreta aparece no cenário como uma das mais criativas vertentes literárias da literatura brasileira. Ela manifesta-se como uma forte reação ao formalismo literário a que a poesia estava submetida. É um movimento de total renovação com objetivo de acabar de vez com o discurso tradicional e suas formas. CARACTERÍSTICAS DA POESIA CONCRETA: a. b. c. d. e. Abolição do verso tradicional, falta de linearidade, ausência de pontuação, ruptura com a sintaxe; Aproveitamento do espaço – do “branco da página” – e da disposição geométrica das palavras no papel; Exploração do significante quanto aos seus aspectos sonoros, visual e semântico. Uso de neologismo e estrangeirismo; ruptura com o tradicional começo, meio e fim; Alguns poemas podem ser lidos da esquerda para direita ou vice versa. Os escritores concretos não desenvolvem um tema em suas composições; consideram o texto um objeto, e não uma forma de expressar emoções. A poesia concreta surge como proposta para radicalizar a construção proveniente das linguagens geométricas. Elimina a transcendência, impõe-se com a racionalidade estética, almeja superar o atraso tecnológico do subdesenvolvimento nacional nos anos 50. Se comparada, O plano-piloto da poesia concreta tem a ver com o plano-piloto da construção de Brasília: “o esforço de produzir uma obra de arte total, ultramoderna, funcional, artificial, com o rigor matemático, valorização do espaço. O modelo instaurado pelos poetas concretos pressupõe uma produção que trabalhe com as seguintes questões: a consciência utilitária; a abertura da poesia à cultura dos meios de comunicação; a mudança do espaço de fruição do poema; a mudança da relação sujeito/objeto; a necessidade de construir um paideuma; a concepção de uma historiografia própria, na qual se inclui a revisão da literatura brasileira, com base na eficiência de certos procedimentos; a crise do verso; e a antidiscursividade (Iumma Maria Simon). Os poetas concretos propõem noções como “não linear”, “descontínuo”, “simultâneo”, “espaço”, e supe- ram três correntes da crítica presente nos anos 1950: “o velho impressionismo baseado nas livres associações psicológicas dos intérpretes, como Sérgio Milliet; a crítica sociológica do grupo de Antonio Cândido, da revista Clima, dos anos 1940; e um início de new criticism norte-americano, trazido para o Brasil principalmente por Afrânio Coutinho.” 45 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Diálogo Possível SAMPA Caetano Veloso Alguma coisa acontece no meu coração Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi Da dura poesia concreta de tuas esquinas Da deselegância discreta de tuas meninas Ainda não havia para mim, Rita Lee A tua mais completa tradução Alguma coisa acontece no meu coração Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto É que Narciso acha feio o que não é espelho E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho Nada do que não era antes quando não somos Mutantes E foste um difícil começo Afasta o que não conheço E quem vem de outro sonho feliz de cidade Aprende depressa a chamar-te de realidade Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas Da força da grana que ergue e destrói coisas belas Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba Mais possível novo quilombo de Zumbi E os Novos Baianos passeiam na tua garoa E novos baianos te podem curtir numa boa. Comentário Caetano, em 1965, quando, ao lado da mana Bethânia, viu seu coração vagabundo cruzar palpitante as avenidas que se cruzam (Avenida Ipiranga e a avenida São João) que sua canção ajudou a imortalizar e uma emoção diferente palpitou em seu peito. A letra é uma homenagem a São Paulo e suas personagens, a começar por Rita Lee, eleita a mais completa tradução da cidade, e sua banda, Os Mutantes, composta por ela e pelos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, responsáveis pela face mais rock’n roll do Tropicalismo e da música popular brasileira. O avesso do avesso do avesso do avesso é referência direta ao poeta concretista Décio Pignatari e sua luta pelo avesso. O irmãos Haroldo e Augusto de Campos surgem como “poetas de campos e espaços”. É a dura poesia concreta nas esquinas de Caetano. A citação dos escritores concretista estabelece uma relação entre a poesia e o cimento e formas da cidade tão concreta como São Paulo.Observa-se na letra o mergulho de Caetano na cultura paulistana, passando pela música, pela poesia, pelos movimentos de vanguarda, pela arquitetura, por questões ambientais, políticas e sociais. 46 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Escritores concretistas DÉCIO PIGNATARI (1927) [20.08.1927, São Paulo SP] Poeta, ensaísta, tradutor, contista, romancista, dramaturgo, publicitário e professor, nasce em Jundiaí, São Paulo. Filho de imigrantes italianos, cedo transfere-se para Osasco, onde mora até os 25 anos. Publica seus primeiros poemas na Revista Brasileira de Poesia, em 1949. No ano seguinte, estréia com o livro de poemas Carrossel, e, em 1952, funda o grupo e edita a revista-livro Noigandres, com os amigos e poetas irmãos Haroldo de Campos (1929 - 2003) e Augusto de Campos (1931). Em 1953, forma-se em Direito pela Universidade de São Paulo e, em seguida, viaja para a Europa, onde passa dois anos, mantendo contatos com diversos intelectuais. Em 1956, o grupo Noigandres lança oficialmente o movimento de poesia concreta, durante a Exposição Nacional de Arte Concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo, que no ano seguinte é realizada no saguão do Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro. Em 1956, o grupo lança o Plano-piloto para Poesia Concreta, síntese teórica de seu trabalho poético, traduzido em diversas línguas. Em 1965, ainda com Haroldo e Augusto de Campos, lança o livro Teoria da Poesia Concreta. Além de escritor, faz pesquisas na área de semiótica: em 1969, ajuda a fundar a Association Internationale de Sémiotique, na França, e, em 1975, participa do lançamento da Associação Brasileira de Semiótica - ABS. Em 1999, muda-se para Curitiba HAROLDO DE CAMPOS O poeta, tradutor e ensaísta Haroldo de Campos morreu em agosto de 2003 em São Paulo, aos 73 anos, lançou o movimento de poesia concreta em 1956. Nascido em 19 de agosto de 1929, em São Paulo, Haroldo de Campos formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1952, mesmo ano em que fundava, com Augusto de Campos e Décio Pignatari, o Grupo Noigandres, de poesia concretista. Desde 1950, publicou mais de 30 livros, como “A Máquina do Mundo Repensada”. Em 1992, ganhou o Prêmio Jabuti de personalidade literária do ano. Em 1999, o Prêmio Jabuti de poesia foi conferido para seu livro “Crisantempo: No Espaço Curvo Nasce Um” (1998). Considerado o “mais barroco” dos concretistas, Haroldo de Campos tem sua obra poética intimamente ligada ao movimento. A crença em uma “crise no verso” o levou ao experimentalismo, à busca de novas formas de estruturação e sintaxe, em curtos poemas-objeto ou longos poemas em prosa. Leia o poema Circum lóquio. Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo, Haroldo autorizou a reprodução do poema. Tanto que teve ilustração criada especialmente pelo grande Amilcar de Castro, também ligado ao movimento Concretista e falecido em 2003. AUGUSTO DE CAMPO Nascido em São Paulo em 1931, é poeta, tradutor, en- saísta, crítico de literatura e música. Em 1951, publicou o seu primeiro livro de poemas, O REI MENOS O REINO. Em 1952, com o irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari, lançou a revista literária “Noigandres”, origem do Grupo Noigandres que iniciou o movimento internacional da Poesia Concreta no Brasil. O segundo número da revista (1955) continha sua série de poemas em cores POETAMENOS, escritos em 1953, considerados os primeiros exemplos consistentes de poesia concreta no Brasil. O verso e a sintaxe convencional eram abandonados e as palavras rearranjadas em estruturas gráfico-espaciais, algumas vezes 47 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS impressas em até seis cores diferentes, sob inspiração da Klangbarbenmelodie (melodia de timbres) de Webern. Em 1956 participou da organização da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta (Artes Plás- ticas e Poesia), no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Sua obra veio a ser incluída, posteriormente, em muitas mostras, bem como em antologias internacionais como as históricas publicações Concrete Poetry: an International Anthology, organizada por Stephen Bann (London, 1967), Concrete Poetry: a World View, por Mary Ellen Solt (University of Bloomington, Indiana, 1968), Anthology of Concrete Poetry, por Emmet Williams (NY, 1968). A maioria dos seus poemas acha-se reunida em VIVA VAIA, 1979, DESPOESIA (1994) e NÃO (com um CDR de seus Clip-Poemas), (2003). Outras obras importantes são POEMÓBILES (1974 e CAIXA PRETA (1975), coleções de poemasobjetos em colaboração com o artista plástico e designer Julio Plaza. http://www.tanto.com.br/haroldodecampos-circunloquio.htm http://www.poesiaconcreta.com/poema/terra.html POESIA-PRÁXIS Tendência que surgiu com uma dissidência do grupo concretista. Mário Chamie, líder do gênero em 1067, afirmou: “as palavras não são corpos inertes, imobilizados a partir de quem as profere. As palavras são corpos vivos.Não vítimas passivas do contexto.” O autor práxis considera cada palavra como um ser atuante, uma fonte, um organismo que gera outras palavras. Outros poetas práxis: Mauro Gama, Armando Freitas Filho, Ailton Medeiros, José Guilherme Melquior, Camargo Meyer, Lousada Filho... TEXTO Crime 3 Fuma fuma tabaque bate: que pança? Dança curtido corpo de charque charco em corruto beiço tensão charuto e seu sangue soca seu peito soca e eis que ao lado o outro caboclo bate: disputa um ataque à bronca (ou em bloco) de ronco e lata. E na mão do primeiro o punhal se empunha se ergue chispando e em X pando desce: se crava cavo, na caixa de som (colchão murcho coração). POESIA SOCIAL A temática dessa poesia centra-se na denúncia das desigualdades sociais do país – suscitada especialmente pela ditadura militar – bem como em aspectos que abalavam o mundo, como a Guerra do Vietnã. Os autores reabilitaram o verso e o lirismo, utilizaram referências e linguagem mais próxima do cotidiano, fizeram da poesia um instrumento de participação social e política. A poesia social surgiu como uma espécie de contraposição ao movimento concretista. 48 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Autores FERREIRA GULLAR Ferreira Gullar (1930) é poeta, crítico de arte e ensaísta brasileiro. Abriu caminho para a “Poesia Concreta” com o livro “Luta Corporal”. Organizou e liderou o movimento literário “Neoconcreto”. Ferreira Gullar (1930) nasceu em São Luís, Maranhão, no dia 10 de setembro de 1930. Iniciou seus estudos em sua cidade natal. No início da década de 60, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde participou do Centro Popular de Cultura da extinta União Nacional do Estudante. Após a edição do A-I, em 1968, Ferreira Gullar é preso e exilado em Paris e depois em Buenos Aires. Em 1977, é absolvido pelo STF e retorna ao Brasil. A partir de 45, formou-se na poesia brasileira uma nova geração denominada neomodernista ou pós-modernista, reagindo contra o “trivial e o supérfluo”, cuja ideia foi divulgada na revista “A Ilha”. Ferreira Gullar iniciou sua obra sob os princípios da poesia concreta, logo renunciando os vanguardistas de São Paulo, numa luta para construir uma expressão própria. Em 1954 escreveu a “Luta Corporal”, livro que prenunciava a Poesia Concreta. Em 1956, depois de participar da primeira exposição de Poesia Concreta, realizada em São Paulo, organizou e liderou o grupo “Neoconcreto”, no qual participaram Lígia Clark e Hélio Oiticica. Após romper com os concretistas, aproxima-se da realidade popular e do pensa- mento progressista da época, todo ele ligado ao populismo. THIAGO DE MELLO Thiago de Mello nasceu na cidade de Barreirinha, no Amazonas, no dia 30 de março de 1926. Em Manaus, capital do Estado, fez seus primeiros estudos. Mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ), onde cursou a Faculdade de Medicina até o quarto ano. Acabou optando por deixar os estudos médicos e dedicou-se à poesia. Conhecido internacionalmente por sua luta em prol dos direitos humanos, pela ecologia e pela paz mundial, o autor foi perseguido pela ditadura militar implantada no Brasil em 1964. Foi obrigado a deixar sua terra, tendo se exilado no Chile, até a queda de Salvador Allende. Thiago de Melo foi adido cultural da Embaixada do Brasil no Chile onde travou amizade com o poeta Pablo Neruda, tornando-se um dos seus tradutores. Seus trabalhos foram publicados no Chile, Portugal, Uruguai, Estados Unidos da América, Argentina, Alemanha, Cuba, França e outros mais. Traduziu para o português obras de Pablo Neruda, T. S. Elliot, Ernesto Cardenal, César Vallejo, Nicolas Guillén e Eliseo Diego. Ao lado de Ferreira Gullar, Thiago de Melo é o principal representante da poesia social e engajada que se fez no Brasil na década de 1960 e 1970, no contexto do regime militar do Brasil e das ditaduras latino-americanas em geral. Com o livro Campo de Milagres, Thiago de Melo foi vencedor do prêmio Jabuti em 1991. Os traços principais de sua poesia são a luta contra a opressão, o amor à terra e à Amazônia, o sentimento de alteridade. Affonso Romano de Sant’Anna (Belo Horizonte MG 1937). Poeta, crítico e professor de literatura e jornalista. Filho de Jorge Firmino de Sant’Anna, capitão da Polícia Militar, e de Maria Romano de Sant’Anna, ambos de orientação protestante. Ainda pequeno, muda-se com a família para a cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, onde inicia seus estudos e se aproxima da literatura ao frequentar as bibliotecas públicas. Começa a carreira jornalística em 1953, publicando críticas de cinema e teatro no Diário Comercial e na Gazeta Mercantil. Em 1954, viaja por diversas cidades mineiras pregando o Evangelho em favelas, hospitais e presídios. De volta à capital mineira, conclui em 1962 o bacharelado em letras neolatinas na Universidade Federal de Minas de Minas Gerais e publica seu primeiro livro de ensaios, O Desemprego do Poeta. Organiza, com outros poetas mineiros, a Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte, em 1963. No ano seguinte, obtém o grau de doutor pela UFMG, com apresentação de tese sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Casa-se com a escritora Marina Colasanti (1938), em 1970, e vai residir no Rio de Janeiro. Ministra cursos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e, como professor convidado, dá aulas de literatura e cultura brasileiras em universidades da França, Alemanha e Estados Unidos. Assume a presidência da Fundação Biblioteca Nacional em 1990. Um ano depois, cria a revista Poesia Sempre, importante veículo de divulgação da poesia nacional no exterior. É nomeado, em 1995, para o cargo de secretário-geral da Associação das 49 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Bibliotecas Nacionais Ibero-Americanas. Colaborador assíduo da imprensa em toda sua carreira jornalística, escreve textos para os jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Correio Braziliense e O Estado de Minas. Tem poemas traduzidos para o espanhol, inglês, francês, alemão, polonês, chinês e italiano. Eles, por meio de suas habilidades artísticas, reestabeleceram o lirismo e fizeram da palavra um instrumento de denúncia social, de revelação das mazelas que assolavam a sociedade da época em que viveram. Assim, participando ativamente dessas questões, optaram por utilizar uma linguagem simples, que se aproximava do cotidiano, como bem nos demonstra o mestre Ferreira Gullar, em uma de suas criações: TEXTO I Agosto 1964 Ferreira Gullar Entre lojas de flores e de sapatos, bares, mercados, butiques, viajo num ônibus Estrada de Ferro – Leblon. Viajo do trabalho, a noite em meio, fatigado de mentiras. O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud, relógios de lilazes, concretismo, neoconcretismo, ficções da juventude, adeus, que a vida eu a compro à vista aos donos do mundo. Ao peso dos impostos, o verso sufoca, a poesia agora responde a inquérito policial-militar. Digo adeus à ilusão Mas não ao mundo. Mas não à vida, meu reduto e meu reino. Do salário injusto, da punição injusta, da humilhação, da tortura, do terror, retiramos algo e com ele construímos um artefato, um poema, uma bandeira. Do salário injusto, da punição injusta, da humilhação, da tortura, do terror, retiramos algo e com ele construímos um artefato, um poema, uma bandeira. O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão [...] 50 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS TEXTO II Carta aos mortos Amigos, nada mudou em essência. Os salários mal dão para os gastos, as guerras não terminaram e há vírus novos e terríveis, embora o avanço da medicina. Volta e meia um vizinho tomba morto por questão de amor. Há filmes interessantes, é verdade, e como sempre, mulheres portentosas nos seduzem com suas bocas e pernas, mas em matéria de amor não inventamos nenhuma posição nova. Alguns cosmonautas ficam no espaço seis meses ou mais, testando a engrenagem e a solidão. Em cada olimpíada há récordes previstos e nos países, avanços e recuos sociais. Mas nenhum pássaro mudou seu canto com a modernidade. Reencenamos as mesmas tragédias gregas, relemos o Quixote, e a primavera chega pontualmente cada ano. Alguns hábitos, rios e florestas se perderam. Ninguém mais coloca cadeiras na calçada ou toma a fresca da tarde, mas temos máquinas velocíssimas que nos dispensam de pensar. Sobre o desaparecimento dos dinossauros e a formação das galáxias não avançamos nada. Roupas vão e voltam com as modas. Governos fortes caem, outros se levantam, países se dividem e as formigas e abelhas continuam fiéis ao seu trabalho. Nada mudou em essência. Cantamos parabéns nas festas, discutimos futebol na esquina morremos em estúpidos desastres e volta e meia um de nós olha o céu quando estrelado com o mesmo pasmo das cavernas. E cada geração , insolente, continua a achar que vive no ápice da história. Afonso Romano de Sant’Anna 51 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS POESIA MARGINAL Mantendo ainda alguns traços do Concretismo, a poesia marginal é assim chamada porque no primeiro momento ela podia ser lida em diversos lugares, nos muros, nos postes, nas paredes e portas, banheiros públicos, etc. Em qualquer lugar que permitisse expressar a descontração, a subjetividade, o protesto e as propostas de seus autores. Era uma poesia que se encontrava fora do circuito editorial. Explorando todas as possibilidades do papel folhetos, jornais, revistas, manuscritos, a poesia chegou aos muros através de pichações, foi às praças, aliou-se à música, organizou exposições. A poesia que floresceu nos anos 70 é inquieta, anárquica: não se filia a nenhuma estética literária em particular. Os poetas jovens foram, principalmente, contra. Contra as portas fechadas da ditadura, contra o discurso culto, contra a poesia tradicional e/ou universal. A poesia saiu da página impressa do livro e ganhou as ruas. Ela podia ser lida nos muros, nos banheiros públicos, nas margens de outros textos em forma de uma carona literária. Ela estava em folhetos mimeografados, distribuídos de mão em mão, nos bares, nas praias, nas feiras, em qualquer parte. Recuperaram-se alguns laços com a produção do primeiro Modernismo (1922) poemas-minuto, poemas-piada; experimentaram-se técnicas, como a colagem e a desmontagem dadaístas; praticam-se formas consagradas, como o soneto ou o haicai: tudo foi possível dentro do território livre da poesia marginal. Constituindo um antagonismo total em relação aos recursos poéticos tradicionais e questionando veementemente o conceito de poesia, os marginais, assim como os concretistas, procuraram aproximar-se da comunicação visual e explorar a palavra em várias dimensões. A proximidade com as artes visuais e plásticas provoca um diálogo entre os poetas concretos e os poetas marginais. Técnicas próprias de outras artes passam a ser usadas para compor o poema colagens, desenhos, grafismos, fotografias (como ressaltado anteriormente), provocando uma linguagem visual fragmentária. Autores CHACAL (RICARDO CARVALHO DUARTE) Foi o primeiro a entrar na onda do livro impresso em mimeógrafo e distribuído de mão em mão. O livro se chamava Muito prazer, Ricardo (1972). Nele, os versos vão quase rentes à fala cotidiana, incorporando recursos como a linguagem dos jornais e as gírias, sempre com muita graça e suíngue. Sua obra foi reunida em 1983 na coletânea Drops de abril. Nascido no Rio de Janeiro em 1951, Chacal continua em plena atividade, fazendo leituras públicas e publicando poemas. Foi editor da revista de poesia O Carioca e também publicou os livros Comício de tudo (1986), Letra elétrika (1994) e A vida é curta pra ser pequena (2002). PAULO LEMINSKI Como dizia Haroldo de Campos, Leminski era um “Rim- baud curitibano com físico de judoca”. Esse poeta, nascido em Curitiba, no Paraná, em 1944, foi tradutor, professor de História e de judô, publicitário, romancista e músico. Sua poesia, altamente elaborada e construída, era sintética, concisa e debochada. Caetano Veloso dizia que ele misturava a poesia concreta com a literatura beatnik dos americanos dos ano 50. Foi letrista de MPB e publicou vários livros independentes – reunidos pela primeira vez em 1983, na coletânea Caprichos & relaxos. Em 1987, lançou Distraídos venceremos. Leminski morreu em 1989. Entre suas obras póstumas, estão L avie em close (1991) e Winterverno (1994). CACASO (ANTÔNIO CARLOS DE BRISTO) Criador da coleção Frenesi, escrevia artigos em jornais comentando a obra de Chacal, Ana Cristina e outros. Estreou em 1968, com o livro Palavra cerzida, em que revelava certa influência simbolista, bebida na obra de outros poetas como Cecília Meireles. Em 1970, sua poesia passa a ser mais descarnada, coloquial e humorada. Um de seus livros mais famosos é Beijo na boca (1975), em que faz referências ao romantismo brasileiro. Também fez letras para canções de Tom Jobim e Suely Costa, entre outros. Cacaso nasceu em Uberaba em 1944 e morreu em 1987, no Rio de Janeiro. 52 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS TEXTOS Relógio Com deus mi deito com deus mi levanto comigo eu calo comigo eu canto eu bato um papo eu bato um ponto eu tomo um drink eu fico tonto. Chacal Comentário Uma paródia da oração, demonstrando a solidão dos duros tempos. A rima dá o tom de prece. Notar, ainda, a grafia “mi” em vez de “me”, demonstrando o registro oral. Parada Cardíaca Essa minha secura essa falta de sentimento não tem ninguém que segure vem de dentro Vem da zona escura donde vem o que sinto sinto muito sentir é muito lento Paulo Leminski Comentário O eu-lírico mostra o paradoxo do sentimento dizendo que é da ausência que nasce o sentir. Leminski, de forte origem concretista, gosta de brincar com as palavras, com os significantes e significados, como o verso: “sinto muito” que dá ideia de desculpa ou do sentir muito. Grupo Escolar Sonhei com um general de ombros largos que fedia e que no sonho me apontava a poesia enquanto um pássaro pensava suas penas e já sem resistência resistia. O general acordou e eu que sonhava face a face deslizei à dura via vi seus olhos que tremiam, ombros largos, vi seu queixo modelado a esquadria vi que o tempo galopando evaporava (deu pra ver qual a sua dinastia) mas em tempo fixei no firmamento esta imagem que rebenta em ponta fria: poesia, esta química perversa, este arco que desvela e me repõe nestes tempos de alquimia. Comentário A figura do general nos remete à ditadura militar; de outro, o pássaro é o poeta que, mesmo sem forças, resiste. 53 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS No meio do poema, vemos a anáfora, ressaltando que o poeta estava atento à sua época. No 12o verso, a conjunção adversativa demonstra que apesar dos tempos duros, a poesia tem seu poder de luta Para saber um pouco mais O Cordel Atentemos para as lúcidas palavras do poeta José Walter Pires O que é Literatura de Cordel? Onde surgiu e quando? Em sintonia com os diversos pesquisadores, a literatura de cordel pode ser conceituada como uma manifestação literária popular, produzida em versos, impressa em folhetos, abordando uma variada temática e com estrutura formal tradicionalmente definida. A sua origem remonta aos mais diversos povos, mas para nós interessa a sua origem lusa, esta sem divergência nas pesquisas, no século XVII, tendo chegado ao Brasil pelos caminhos da Colonização, porém se consolidando, no Brasil, somente a partir do final do século XIX e daí para frente, sendo Leandro Gomes de Barros o timoneiro dessa arte que encontrou terreno fértil no Nordeste brasileiro. 1. Você, como professor, sociólogo, advogado, po- eta e membro da Academia brasileira de Cordel, pode-me dizer o porquê da literatura de cordel e a literatura popular, como um todo, não ser valorizada na Academia? Como diz o Professor e Mestre em Literatura, Aderaldo Luciano (Apontamento para uma História Crítica do Cordel Brasileiro, Editora Luzeiro Ltda. SP, 1964) por “falsa distinção entre o popular e o erudito... que reside na forma preconceituosa e excludente com que as elites intelectuais sempre trataram as produções que não saíssem de suas lides ou que não seguissem os seus ditames. Popular seria o produzido pelo povo, os iletrados... Erudito seria o produzido pela elite intelectual, detentora do poder. Foi essa a distinção construída e administrada pelos nossos banco escolares”, até hoje, completamos. 2. Quais as principais temáticas trabalhadas pelos cordelistas? Desde o desenvolvimento do que chamamos de cordel brasileiro, a temática foi variada. Tudo foi tema dos grandes e famosos cordelistas, passando pelos romances encantados, pelo cangaço, pelo fanatismo religioso, pelo folclore, pelo imaginário sertanejo, pelos fatos de gracejos, pelos heróis e desbravadores, os fatos históricos, políticos, incluindo-se as versões clássicas e as adaptações tão em voga nos nossos dias. Em tudo está presente o cordel, seja nos versos do poeta, sejam nas cantorias famosas. 3. Sobre a linguagem? Algumas peculiaridades? São muitas as particularidades para que o cordel seja verdadeiramente um cordel. Não é simplesmente empilhar veros, rimá-los e distribuí-los em estrofes. São essenciais a métrica, que deve ser observada verso poético. Nem todo verso é poético. Isso é condição intrínseca. A rima, que deve ser, além da sonoridade, ser rica no seu manejo.Sem isso o verso perde a melodia; por fim, a oração que imprime sentido ao todo da estrofe, com palavras bem encaixadas, sem va riação das categorias gramaticais, pois isso enfeia a criação e desvanece a sensação do belo. Enfim, essa linguagem não pode ser chula, sem expressividade. Não é ser eruditamas tem de ter elegância. No conjunto, a sintaxe do verso deve ser perfeita. 4. Patativa do Assaré é uma grande influência para os cordelistas ainda hoje? Cite alguns grandes poetas da atualidade. Poeta de expressão maior. Tinha lugar, sim, na Academia Brasileira de Letras, assim com outros poetas populares. Mas não o foram nunca. A ACB continua embalsamada nos seus mitos, no seu eruditismo, na sua empáfia. Que jeito? Que me perdoem os intocáveis imortais de lá. Mas voltando ao 54 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS poeta Patativa, ele não foi cordelista. Ele não editou livretos. Mas produziu os mais belos versos sertanejos, caipiras, até, porém, não figura entre os grandes cordelistas do Brasil. Um dos grande representantes da nossa literatura. Ele só teve um defeito, não físico, ele foi “popular”. Para citar alguns poetas cordelistas da atualidade não é difícil, mas cito alguns que me ocorrem: Os Irmãos Viana, Arieval de Klevisson, Rouxinol do Rinaré, Varneci, Moreira do Acopiara, Manoel Monteiro, Paulo de Tarso, Dideus, Gonçalo Ferreira, Presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel Brasileira de Codel, Marco Haurélio, entre nós, Antônio Barreto, Creusa Meira, Bule Bule, também cantador repentista, além de outros valiosos e produtivos poetas. Existem muitos outros. . 5. Como podemos levar a literatura de cordel para as escolas e as ruas das grandes cidades desse nosso grande Brasil? Tenho defendido que para o cordel chegar às Escolas tem de ter uma metodologia. Não será através de palestras, algumas oficinas, apresentações, leitura de cordéis. Antes, é preciso se despertar o gosto pela leitura diversificada da nossa literatura. Ler sem imposições. Nada de unidade didáticas. Não será por aí. Mas uma inserção planejada gradativa, sutil. Despertar o gosto. Não é formar poetas cordelistas. Mas despertar esse senso e incentivar os interessados. Construir é a palavra certa. Em minha escola nunca ouvi falar em cordel. E em literatura canônica em geral, só de maneira muito insossa. Pálidos professores! Meros teóricos. Nunca recitaram (salvo na remota infância) um verso qualquer. Levar o cordel às ruas em momentos certos será sempre oportuno, sem misturar ao frenesi das grandes festas. O cordel tem de ter espaços próprios, porém constantes. Falo, por exemplo, de cordéis nas estantes das grandes livrarias, nomes de poetas nos logradouros públicos, ampla divulgação nas Escolas, por aí... 6. Para fecharmos com “chave de ouro”, manda aí algumas poesias... Como o cordel é literatura brasileira sem distinção, mando para o momento, mando o poema (em linguagem de cordel), escrito para Moraes Moreira, na homenagem que recebeu, na Praça Castro Alves, no Encontro do Trios, no Carnaval de 2011. Depois mandarei outras. A PRAÇA, O POVO E O CANTOR Ao meu irmão Moraes Moreira, no carnaval de 2011 Quando chegares à Praça Fervilhante de emoções Serás proclamado Rei Aos gritos dos foliões Naquele ritmo frenético Que nasce do trio elétrico Receberás do poeta Na sua mão estendida A coroa dos teus sonhos Para ser oferecida Àquela “turba inquieta” Que na dança se liberta Com a festa merecida Serás ovacionado Pelo povo com carinho Que jamais esquecerá De quem abriu o caminho Como “cantor do Brasil Que canta em cima do trio” Como rebento do ninho Serás sempre carnaval Explodindo em cada esquina 55 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Das Avenidas e Praças Ao vislumbrar lá de cima A dança da multidão Fazendo tremer o chão Quando o trio se aproxima Pra sempre Moraes Moreira Compositor mensageiro Inspirado pelos deuses Para cumprir o roteiro Que trouxe desde menino Construindo o seu destino Como artista brasileiro Que deságues na Castro Alves As emoções da Avenida Num torvelinho de gente Totalmente embevecida Com o “bloco do prazer” E a sensação de poder Ver a Praça revivida Sentir no encontro dos trios A pureza da alegria No colorido das raças Ao amanhecer do dia Na saudosa quarta-feira Numa união verdadeira Ao soar da Ave Maria Vá lá, meu Rei, com a fé Que teu coração derrama Caia nos braços do povo Que a tua volta reclama E continues a cantar “Até o papo estourar” Colhendo os louros da fama. José Walter Pires Fevereirto/2011 PROSA JOÃO GUIMARÃES ROSA E tuas eternas canções Retomada e modificação radical da temática regionalista convencional da prosa. — Sertão não se limita aos aspectos geográficos. — Sertão amplia seus limites para simbolizar o Universo. “O sertão é o mundo, o sertão está em toda parte.” Conclusão: “O universalismo no regionalismo”. O sertanejo não é um homem de uma região específica; ele é o ser humano enfrentando problemas eternos e universais. Inovação no modo de trabalhar a palavra — recriação na fala do sertanejo (vocabulário, sintaxe). — aproveitamento de termos em desuso da língua portuguesa. 56 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS — criação de neologismos. — emprego da palavra emprestada de outros idiomas. Utilização na prosa, de recursos mais comuns à poesia (ritmo, aliteração, metáfora) OBRAS PRINCIPAIS — Sagarana (contos – 1946) — Corpo de Baile (novela – 1956) — Grande Sertão: Veredas (romance – 1956) — Primeiras estórias (contos – 1962) — Tutaméia-terceiras estórias (1967) Características Guimarães Rosa propõe, em sua obra, uma revalorização da linguagem e uma universalização do regional. Ele instaura uma profunda alteração no modo de enfrentar a palavra, criando um novo código de arte que desperta a carga musical e significativa das palavras. Considerando que a palavra é sempre um feixe de significações, com sons e formas, Guimarães Rosa destrói os limites entre a poesia e a prosa. Sua prosa se enriquece com os recursos da poesia: ritmo, aliterações, onomatopeias, rimas, vocabulário estranho (às vezes inventando palavras novas, às vezes resgatando vocábulos arcaicos), metáforas, associações raras. Mas a força da sua linguagem está associada ao universo mítico do sertanejo, que ele procurou conhecer muito bem. Veja o que Oscar Lopes disse a respeito da linguagem poética de Guimarães Rosa: As metáforas de Guimarães Rosa são tantas e tão originais que produzem um efeito poético radical. A gente lê, por exemplo, que “o sabiá veio molhar o pio no poço, que é bom ressoador”, e não fica apenas com uma admirável evocação acústica; as palavras “molhar” e “poço” descongelam-se, libertam-se da sua hibernação dicionarística ou corrente, e perturbam como um reachado todavia surpreendente. No trecho a seguir, retirado do conto O burrinho pedrês, de Sagarana, o autor faz poesia na prosa usando o ritmo e aliterações. Observe, também, as quadrinhas populares: As ancas balançavam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão... ‘Um boi preto, um boi pintado, cada um tem sua cor. Cada coração um jeito de mostrar o seu amor.’ Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança doido, dá de duro, dá de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando... ‘Todo ‘passarinh’ do mato tem seu pio diferente. Cantiga de amor doído não carece ter rompante...’ Pouco a pouco, porém, os rostos se desempanam e os homens tomam gesto de repouso nas selas, satisfeitos. Que de trinta, trezentos ou três mil, só está quase pronta a boiada quando as alimárias se aglutinam em bicho inteiro - centopeia -, mesmo prestes assim para surpresas más. Tchou!... Tchou!... Eh, booôi!... E, agora, pronta de todo está ela ficando, cá que cada vaqueiro pega o balanço de busto, sem-querer imitativo, e que os cabelos gingam bovinamente. Devagar, mal percebido, vão sugados todos pelo rebanho trovejante - pata a pata, casco a casco, soca soca, fasta vento, rola e trota, cabisbaixos, mexe lama, pela estrada, chifres no ar... João Guimarães Rosa 57 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Alfredo Bosi diz: ...suas estórias são fábulas, que velam e revelam uma visão global da existência, próxima de um materialismo religioso, porque panteísta, isto é, propenso a fundir numa única realidade, a Natureza, o bem e o mal, o divino e o demoníaco, o uno e o múltiplo. O sertão, para Guimarães Rosa, é assim: ora particular, pequeno e próximo; ora universal e infinito, pois “O sertão é o mundo”, ou melhor ainda, “o sertão é dentro da gente”. Tudo partilhando um maravilhoso “vir a ser”: “Mire veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam.” Grande sertão: Veredas (por Regina Luz) Riobaldo, narrador protagonista, cresceu na fazenda de seu padrinho (pai que não reconhecera sua paternidade). Essa condição lhe garantiu uma educação formal, mas sua verdadeira educação se dá quando se junta um bando de jagunços e começa uma longa viagem pelos sertões da GERAIS. Recontada em forma de monólogo, a narartiva se passa no interior de Minas, onde está situado o sertão real associado ao romance. Mas o sertã se expande para ultrapassar as fronteiras do sertão e se deter nas questões humanas: o que é bem? O que é mal? Riobaldo é o guia dos leitores na travessia e aprende a ver a beleza do sertão, enfrenta o medo e descobre o amor. Ele percebe que a vida é sempre uma situação de risco. Seguindo a simbologia de Dante Aleghieri na divina Comédia, o romance tem como espinha dorsal, uma viagem real vivida por Riobaldo e outra lembrada, refletida, contada para seu interlocutor silencioso. E essa viagem se faz em direção a Deus. Riobaldo preocupa-se com a salvação de sua alma. Riobaldo percorre as estradas da vida terrena, exterior, do norte de Minas, Goias e da Bahia e, ao mesmo tempo, o roteiro de Deus, interior passando pelo inferno, purgatório e paraíso. A gente viemos do inferno - nós todos - compadre meu Quelemém instrui. Duns lugares inferiores, tão monstro-medonhos, que Cristo mesmo lá só conseguiu aprofundar por um relance a graça de sua sustância alumiável, em as trevas de véspera para o Terceiro Dia. Senhor quer crer? Que lá o prazer trivial de cada um é judiar dos outros, bom atormentar; e o calor e o frio mais perseguem; e, para digerir o que se come, é preciso de esforçar no meio, com fortes dores; e até respirar custa dor; e nenhum sossego não se tem. Se creio? Acho proseável. A essência do inferno para Rosa é a traição, a desobediência, a separação de Deus. E o pecado não é, na verdade, uma ação, mas um estado de espírito que fundamenta as ações. O diabo é o homem arruinado. Deus é o princípio de nossas almas e as cria a sua semelhança. E Deus é o amor. Para Riobaldo, o amor é o princípio de todas as coisas: do bem e do mal. O dom de Deus é Diadorim e seu nome indica Dia ZEUS e dom, ou seja, o dom de Deus. A figura do rio, principalmente o São Francisco, e é uma constante em Grande Sertão Veredas. Ele é cruzado por Riobaldo quatro vezes. A respeito dos rios, Gimarães Rosa disse em entrevista: “O rio, portanto, conjuga eternidade: é uma figura da eternidade. A viagem de Riobaldo cruzando repetidamente o rio, uma primeira vez com o Menino, é, assim, uma viagem pela eternidade, pelo ale, pelo inferno, pelo purgatório e pelo paraíso. Por outro lado, o cruzar do rio repetidamente indica também a figura da cruz. Riobaldo segue Cristo pelo caminho da cruz. Ele é aquele que atravessa o rio (Riobaldo). No encontro com o menino, Riobaldo é ajudado pelo exemplo da travessia do rio, a iniciar sua viagem. O toque da mão do menino só dará seus frutos mais tarde. Riobaldo pensa mal do menino quando chegou à outra margem: À fé, era um rapaz, mulato, regular uns dezoito ou vinte anos; mas altado, forte, com as feições muito bruta. Debochado, ele disse isto: — “Vocês dois, uê, hem?! Que é que estão fazendo?...” Aduzido fungou, e, mão no fechado da outra, bateu um figurado indecente. Olhei para o menino. Esse não semelhava ter tomado nenhum espanto, surdo sentado ficou, social com seu prático sorriso. — “Hem, hem? E eu? Também quero!” — o mulato veio insistindo. E, por aí, eu consegui falar alto, contestando, que não estávamos fazendo sujice nenhuma, estávamos era espreitando as distâncias do rio e o parado das coisas. Mas, o que eu menos esperava, ouvi a bonita voz do menino dizer: — “Você, meu nego? Está certo, chega aqui...” A fala, o jeito dele, imitavam de mulher. Então, era aquilo? E o mulato, satisfeito, caminhou para se sentar juntinho dele. 58 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Na cena, a personagem tem a perfiguração do medo constante ligado ao amor que sentirá no futuro, por Diadorim (o menino). Vê-se na obra o poder corrosivo do tempo passado, que confunde os acontecimentos na mente do narrador, impedindo-o de separar o falso do verdadeiro, o vivido do imaginado. A opção pelo monólogo de caráter memorialista implica, no plano da narrativa, distribuição desordenada das sequencias, ligadas pelo ritmo fragmentário e caótico da memória. Dessa forma, a linguagem assume, para o narrador, um poder mágico. Contar a própria vida constitui a matéria narrativa, mas as dificuldades do viver e do narrar por distorcerem as duas práticas criam um texto ambíguo, tão enigmático quanto a vida, em que tudo é e não é, simultaneamente. Resumo Durante a primeira parte da obra, o narrador em primeira pessoa, Riobaldo, faz um relato de fatos diversos e aparentemente desconexos entre si, que versam sobre suas inquietações sobre a vida. Os temas giram em torno das clássicas questões filosóficas ocidentais, tais como a origem do homem, reflexões sobre a vida, o bem e o mal, Deus e o diabo. Porém Riobaldo não consegue organizar suas ideias e expressá-las de modo satisfatório, o que gera um relato bastante caótico. Até que em certo ponto aparece Quelemén de Góis, que o ajuda, em parte, e Riobaldo dá início à narrativa propriamente dita. Riobaldo começa a rememorar seu passado e conta sobre sua mãe e como conhecera o menino Reinaldo, que se declarava ser “diferente”. Riobaldo admira a coragem do amigo. Quando sua mãe vem a falecer, ele é levado para viver com seu padrinho na fazenda São Gregório, onde conhece Joca Ramiro, grande chefe dos jagunços. Selorico Mendes, o padrinho, coloca-o para estudar e após um tempo Riobaldo começa a lecionar para Zé Bebelo, um fazendeiro da região. Pouco tempo depois, Zé Bebelo, que queria por fim na atuação dos jagunços pela região, convida Riobaldo para fazer parte de seu bando, o que ele aceita. Assim começa a história da primeira guerra narrada em “Grande Sertão: Veredas”. O bando dos jagunços liderado por Hermógenes entra em guerra contra Zé Bebelo e os soldados do governo, mas logo Hermógenes foge da batalha. Riobaldo resolve desertar do bando de Zé Bebelo e encontra Reinaldo, que faz parte do bando de Joca Ramiro. Ele decide, então, juntar-se ao grupo, também. A amizade entre Riobaldo e Reinaldo se fortalece com o passar do tempo e Reinaldo o confidencia em segredo seu nome verdadeiro: Diadorim. Em certo momento dá-se a batalha entre o bando de Zé Bebelo e de Joca Ramiro, quando Zé Bebelo é capturado. Então ele é julgado pelo tribunal composto dos líderes dos jagunços, dos quais Joca Ramiro é o chefe supremo. Hermógenes e Ricardão são favoráveis à pena capital. No fim do julgamento, porém, Joca Ramiro sentencia a soltura de Zé Bebelo, sob a condição de que ele vá para Goiás e não volte até segunda ordem. Após o julgamento, Riobaldo e Reinaldo juntam-se ao bando de Titão Passos, que também lutou ao lado de Hermógenes. Após longo período de paz e bonança no sertão, um jagunço chamado Gavião-Cujo vai até o grupo de Titão informar que Joca Ramiro foi traído e morto por Hermógenes e Ricardão, que ficam conhecidos como “os judas”. Nesse ponto da narrativa, Riobaldo tem um caso amoroso com a prostituta Nhorinhá e, posteriormente, com Otacília, por quem se apaixona. Diadorim fica com raiva e, durante uma discussão com Riobaldo, ameaça-o com um punhal. Os jagunços se reúnem para combater “os judas” e, assim, começa a segunda guerra, organizada sob novas lideranças: de um lado, Hermógenes e Ricardão, assassinos de Joca Ramiro e traidores do bando; de outro, os jagunços liderados por Zé Bebelo, que retorna para vingar a morte de seu salvador. Em certo momento da narrativa os dois bandos se unem para tentar fugir do cerco armado pelos soldados do governo, mas o bando de Zé Bebelo foge na surdina do local e deixa Hermógenes e seu bando lutando sozinhos contra os soldados. Riobaldo entrega a pedra de topázio a Diadorim, o que simboliza a união entre os dois, mas ele recusa, dizendo que devem esperar o fim da batalha. Quando o grupo de Zé Bebelo chega às Veredas-Mortas, em dado momento Riobaldo faz um pacto com o diabo para que possam vencer o bando de Hermógenes. Sob o nome Urutu-Branco, ele assume a chefia do bando e Zé Bebelo deserta do grupo. Riobaldo pede para um jagunço entregar a pedra de topázio a Otacília, o que firma o compromisso de casamento entre os dois. O bando liderado por Riobaldo (ou Urutu-Branco) segue em caça por Hermógenes, chegando até sua fazenda já em terras baianas. Lá eles aprisionam a mulher de Hermógenes e, não o encontrando, voltam para Minas Gerais. Em um pri- meiro momento, acham o bando de Ricardão e Urutu-Branco o 59 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS mata. Por fim, encontram o grupo de Hermógenes no Paredão e há uma grande e sangrenta batalha. Diadorim enfrenta Hermógenes em confronto direto e ambos morrem. Riobaldo descobre, então, que Diadorim é, na realidade, a filha de Joca Ramiro e se chama Maria Deodorina da Fé Bittancourt Marins. CLARICE LISPCTOR Autora – Romances de tensão interiorizada → é uma ficção introspectiva no limiar do experimentalismo. [O poder narrativo dos fatos, perde espaço para as dúvidas da alma, para as contorções do espírito, para a necessidade premente de autorrevelação, a partir do questionamento de uma existência absurda e vazia]. – Emprego de fluxo de consciência → o narrador liberta seu pensamento, deixando-o fluir livremente e atingindo os abismos de seu inconsciente. – Sondagem Psicológica → análise profunda dos estados de alma das personagens e indagações existenciais reme- tendo a questionamentos metafísicos. – Emprego de monólogo interior → o narrador procura conversar consigo mesmo, analisando e indagando cada uma de suas atitudes, bem como sua atividade de escritor. – Epifania → eu/mundo: nasce dessa fusão representada pela ruptura da normalidade e monotonia cotidianas por um momento de iluminação súbita na consciência da personagem. – Sua obra → impacto que causa no leitor é o de perspectiva. – Seu olhar → os fatos ganham uma dimensão inusitada, intensa, absoluta e transcendente. De seu olhar meticuloso e hipersensível, o ínfimo parece cósmico; o silêncio, o mais agudo dos gritos. – Interesses → processos interiores e pela revolução que esses processos promovem nas relações do SER consigo mesmo e com o mundo Pessoa cotidiano de repente algo a faz estremecer, desequilibrar-se. Qual foi a razão? Que motivo? 60 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Uma revelação súbita, de algo fundamental, que permanecia adormecida Então, há a viagem interior, que resulta numa transformação íntima radical. A Hora da Estrela – 1977 CARACTERÍSTICAS 1. Emprego do fluxo de consciência → o narrador liberta seu pensamento, deixando-o fluir livremente e atingindo os abismos de seu inconsciente. 2. Sondagem Psicológica → análise profunda dos estados de alma das personagens e indagações existenciais remetendo a questionamentos metafísicos. 3. Emprego de monólogo interior → o narrador procura conversar consigo mesmo, analisando e indagando cada uma de suas atitudes, bem como sua atividade de escritor. 4. Pesquisa da linguagem. 5. Emprego da metalinguagem. 6. Anulação dos limites espaço-temporal. – Romance introspectivo, psicológico e de tendência existencial. – Epifania → nasce exatamente dessa fusão do Eu e do Mundo, representada pela ruptura da normalidade e monotonia cotidiana por um momento de iluminação súbita na consciência da personagem. O momento epifânico nos é dado pela possibilidade de um futuro para Maca, e completase no instante do atropelamento (a hora da estrela). – Náusea → a revelação da verdade conduz, por assim dizer, a essência de si mesmo e ao desprezo pelo mundo que cerceia o verdadeiro crescimento interior. Há o vômito. A Obra I. Linhas de sustentação do enredo envolvem aspectos: Filosóficos Sociais Estéticos → Linguagrem Conhecimento Comunicação Convencimento ↓ com a linguagem debatem-se: A existência humana Laços sociais Essa inquietação faz com que o Artista escreva e tente descobrir na escrita a sua própria identidade e a sua própria humanidade. 61 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Final É a morte que a protagonista atingirá uma consciência da vida real. A felicidade só surgirá nos instantes que antecedem sua hora de Estrela. A morte da protagonista desencadeia a morte do narrador, uma vez a própria história por ele contada chegou ao fim; não tem existência própria, é um narrador criado pela autora para proteger-se através dele. “Entre a realidade e o delírio, buscando o social enquanto sua alma a engolfava, Clarice escreveu um livro singular. Romance sobre o desamparo a que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos entregues.” A verdade é sempre um contato interior inexplicável. A verdade é irreconhecível. Portanto não existe? não, para os homens não existe. Questões de Sala 01. (Enem 2ª aplicação 2010) Açúcar O branco açúcar que adoçará meu café Nesta manhã de Ipanema Não foi produzido por mim Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. [...] Em lugares distantes, Onde não há hospital, Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome Aos 27 anos Plantaram e colheram a cana Que viraria açúcar. Em usinas escuras, homens de vida amarga E dura Produziram este açúcar Branco e puro Com que adoço meu café esta manhã Em Ipanema. GULLAR, F. Toda Poesia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1980 (fragmento). A Literatura Brasileira desempenha papel importante ao suscitar reflexão sobre desigualdades sociais. No fragmento, essa reflexão ocorre porque o eu lírico a) b) c) d) e) descreve as propriedades do açúcar. se revela mero consumidor de açúcar. destaca o modo de produção do açúcar. exalta o trabalho dos cortadores de cana. explicita a exploração dos trabalhadores. Querstões 02 e 03 62 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1993. p. 201-202. 02. Para a criação do poema “Lixo”, o autor lança mão de estímulos visuais: a) b) c) d) e) complexos. comutativos. concêntricos. contraditórios. vulgares 03. Quanto aos aspectos semânticos, a leitura de ambos os poemas leva à: a) b) c) d) e) reflexão. idealização. comicidade. objetividade. indiferença 04. Leia em trecho de Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto. — Severino retirante, deixa agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; (…) E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, Quanto ao gênero literário, é correto afirmar que o fragmento é: a) narrativo, que conta em prosa histórias do sertão nordestino. b) uma peça teatral, desprovido de lirismo e com linguagem rústica. c) bastante poético e marcado por rimas, sem metrificação. d) uma epopeia, que traduz o desencanto pela vida dura do sertão. e) dramático, que encena conflitos internos do ser humano. 63 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Questões de 05 a 08 (FUVEST) Zoo Uma cascavel, nas encolhas. Sua massa infame. Crime: prenderam, na gaiola da cascavel, um ratinho branco. O pobrinho se comprime num dos cantos do alto da parede de tela, no lugar mais longe que pôde. Olha para fora, transido, arrepiado, não ousando choramingar. (...) Periodicamente, treme. A cobra ainda dorme. (...) Meu Deus, que pelo menos a morte do ratinho branco seja instantânea! (...) Tenho de subornar um guarda, para que liberte o ratinho branco da jaula da cascavel. Talvez ainda não seja tarde. (...) Mas, ainda que eu salve o ratinho branco, outro terá de morrer em seu lugar. E, deste outro, terei sido eu o culpado. (Guimarães Rosa, fragmentos extraídos de “Ave, palavra”) 05. A situação do ratinho branco, preso na gaiola da cascavel, provocou no narrador: a) imediato sentimento de culpa, que o levou a declarar-se responsável pela situação. b) desejo imediato de intervenção, a fim de antecipar o previsível desfecho. c) reação espontânea e indignada, da qual veio a se arrepender mais tarde. d) compaixão e desejo de intervir, seguidos de uma reflexão moral. e) curiosidade e repulsa, a que se seguiu a indiferença diante do inevitável. 06. Por meio de frases como “A cobra ainda dorme”, “Talvez ainda não seja tarde” e “ainda que eu salve o ratinho branco”, o narrador: a) b) c) d) e) prolonga a tensão, alimentando expectativas. exprime a inevitabilidade dos fatos, ao empregar os verbos no presente. entrega-se a fantasias, desligando-se das circunstâncias presentes. formula hipóteses vagas, argumentando de modo abstrato. precipita a ação do tempo, apressando a narração dos fatos. 07. O último parágrafo permite inferir que a convicção final do narrador é a de que: a) b) c) d) e) a culpa maior está na omissão permanente. os atos bem-intencionados são inocentes. nenhuma escolha é isenta de responsabilidade. não há como discordar da lei do mais forte. não há culpa em quem aperfeiçoa as leis da natureza. 08. Leia um trecho de A Hora da Estrela, de C. Lispector: Será que eu enriqueceria este relato se usasse alguns difíceis termos técnicos? Mas aí que está: esta história não tem nenhuma técnica, nem de estilo, ela é ao deus-dará. Eu que também não mancharia por nada neste mundo com palavras brilhantes uma vida parca como a da datilógrafa. No texto, o narrador questiona-se quanto ao modo e, até, à possibilidade de narrar a história. De acordo com o trecho, isso deriva do fato de ser ele um narrador: a) b) c) d) e) iniciante, que não domina as técnicas necessárias ao relato literário. pós-moderno, para quem as preocupações de estilo são ultrapassadas. impessoal, que aspira a um grau de objetividade máxima no relato. objetivo, que se preocupa apenas com a precisão técnica do relato. autocrítico, que percebe a inadequação de um estilo sofisticado para narrar a vida popular. 64 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS 09. Obras de Clarice Lispector, João Antônio, Ligia Fagundes Telles, Dalton Trevisan e Guimarães Rosa mostram que é marcante, na literatura contemporânea. a) b) c) d) e) o romance urbano intimista e a poesia de caráter social. o conto de tendência naturalista e neorrealista. a produção de contos de tendência diversa (social, intimista, regionalista). o romance regionalista e a poesia intimista. o romance que atesta as violentas tensões urbanas e a poesia de tendência vária (social, metafísica, regionalista). 10. Ideograma: apelo à comunicação não verbal, o poema concreto comunica a sua própria estrutura: estrutura-conteúdo, o poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores. Com base no excerto, de Plano piloto para a poesia concreta, podemos afirmar que a base de comunicação que essa poesia busca repousa. a) b) c) d) e) na emoção máxima que deve estar contida num número mínimo de palavras. na fragmentação das palavras, em oposição à ordenação sintática do texto. na estrutura verbo-visual que o texto assume. no encadeamento lógico que deve interligar as palavras do texto. na emoção que o poeta deve disfarçar sob o embaralhamento proposital de palavras e conceitos. GABARITO EXERCÍCIOS DE SALA 01. E 02. D 03. A 04. E 05. D 06. A 07. C 08. E 09. C 10. B Questões para Casa 01. (PUC-SP) E o tucano, o voo, reto, lento como se voou embora, xô, xô! mirável, cores pairantes, no garridir; fez sonho. Mas a gente nem podendo esfriar de ver. Já para o outro imenso lado apontavam. De lá, o sol queria sair, na região da estrela-d’alva. A beira do campo, escura, como um muro baixo, quebrava-se, num ponto, dourado rombo, de bordas estilhaçadas. Por ali, se balançou para cima, suave, aos ligeiros vagarinhos, o meio-sol, o disco, o liso, o sol, a luz por tudo. Agora, era a bola de ouro a se equilibrar no azul de um fio. O Tio olhava no relógio.Tanto tempo que isso, o Menino nem exclamava. Apanhava com o olhar cada sílaba do horizonte. Os Cimos - Guimarães Rosa Sobre o trecho, do conto Os Cimos, de Guimarães Rosa, é incorreto afirmar que: a) é texto descritivo caracterizador da natureza, representada pela presença da ave e do amanhecer. b) utiliza recursos de linguagem poética como a onomatopeia, a metáfora e a enumeração. c) descreve o tucano, utilizando frase nominal e de encadeamento de palavras com força adjetiva. d) apresenta um estilo repetitivo que confunde o leitor e impede a manifestação da força poética do texto. e) pinta com luz e cor a linha do horizonte, onde em “dourado rombo, de bordas estilhaçadas”, nasce o sol. 65 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS 02. (UFRN-RN) O fragmento textual que segue, retirado da narrativa A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa, servirá de base para a questão. Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazen- do ausência: e o rio-rio-rio — o rio — pondo perpé tuo [grifo nosso]. Eu sofria já o começo da velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reu- matismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar o vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranquilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando ideia. ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976. No quadro do Modernismo literário no Brasil, a obra de Guimarães Rosa destaca-se pela inventividade da criação estética. Considerando-se o fragmento em análise, essa inventividade da narrativa roseana pode ser constatada através do (a): a) recriação do mundo sertanejo pela linguagem, a partir da apropriação de recursos da oralidade. b) aproveitamento de elementos pitorescos da cultura regional que tematizam a visão de mundo simplista do homem sertanejo. c) resgate de histórias que procedem do universo popular, contadas de modo original, opondo realidade e fantasia. d) sondagem da natureza universal da existência humana, através de referência a aspectos da religiosidade popular. e) Todas as afirmativas são corretas. 03. O apelo ao ideograma, ou apenas ao processo ideogramático de composição, a substituição do artesanato pela utilização de elementos plásticos e visuais, enfim, a desvinculação em relação à sintaxe, o poema de duas ou três palavras, reduziram, porém, ao extremo a área linguística. Essas palavras problematizam: a) b) c) d) e) a poética de vanguarda, representada pela poesia concreta de década de 50. a poesia modernista de 22, de que é particular exemplo o poema-piada. a poesia da geração de 45, universalizante e de apurado esmero formal. a poética da geração de 30, de temática social e linguagem discursiva. a poesia do pré-modernismo, oscilante entre as formas tradicionais e as inovadoras. 04. (...) eu sou eu, Getúlio dos Santos Bezerra e meu nome é um verso que vai ser sempre versado e se tem lua alumia e se tem sol queima a cara e se tem frio desaquece, ai dos bois de barro e uma caixa de fósforo e um garajau cheio de barro, apoio ou aboio tu, hem Amaro, ecô, ecô, ecô, nós que somos marinheiros larguemos a grande vela por isso que puxemos ferro, olcrê (...). O retratro contemporâneo, a exemplo do excerto lido, de Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro. a) liberta-se de formas ortodoxas de narrar; busca expressão adequada ao significado; não raro envereda pelo experimentalismo. b) despreza a noção de espaço e tempo da narrativa ortodoxa; desfaz as relações entre a palavra e seus significados potenciais; prefere a expressão marcada por pausas e pensamentos lógico. c) evita empregar a palavra conotativa; prefere a expressão marcada por pausas e pensamento lógico; liberta-se das formas ortodoxas de narra. d) não raro, envereda pelo experimentalismo; desfaz as relações entre a palavra e seus significados potenciais; prefere a expressão marcada por pausas e pensamento lógico. e) busca expressão adequada ao significado; evita empregar a palavra conotativamente; liberta-se das formas ortodoxas de narrar. 66 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS 05. Em Aracaju, atrás da igreja de São José, atrás do Carro Quebrado, tem um rio pelo nome de rio Tamandaí, um bicho imundo; bicho porco desgraçado, que quando se entra nele se sai com uma barba de lama. Apois, atravessando o apicum, entrando naquele mangue, se vê uma ruma de gente com uma varinha, pegando siri no rio Tamandaí. E tem umas capineiras altas, aonde a terra é mais seca, que se acha gente fazendo qualquer pior tipo de descaração. Povo de beira de maré é isso, come e faz senvergonhice, tudo tem um renque de filho que é uma enfieira, porque é tudo na facilidade. Como sugere o texto de João Ubaldo Ribeiro, e como lembram obras de José Cândido de Carvalho e de Bernardo Élis, a linguagem: a) na prosa de ficção moderna, derrama-se em excessos gongóricos e no uso reiterado de metáforas, de hipérboles, de antíteses. b) no romance intimista moderno, esforça-se por fixar limites insondáveis do ser humano, esteja ou não ele inserido em uma cultura típica de região. c) na literatura contemporânea, apropria-se de falares típicos e recria formas tradicionais de expressão, a fim de captar com rigor a realidade brasileira. d) no modernismo de 30, manteve-se fiel a tendência realista e buscou ser um retrato objetivo dos desequilíbrios sociais vigentes. e) na prosa de ficção da década de 20, foi inspirada por forte irracionalidade e pela ausência sistemática de relações entre significante e significado. 06. É uma característica fundamental da poesia de João Cabral de Melo Neto, a) b) c) d) e) a adjetivação frequente e fácil. a expressão de tom acentuadamente sentimentalista. a linguagem predominantemente conotativa. o vocabulário preciso e rigoroso. o estilo grandiloquente e retórico. 07. Na ficção regionalista de Guimarães Rosa, a) o virtuosismo da linguagem denota a preocupação de transcrever literalmente a fala sertaneja. b) os elementos regionais são condutores de um sentido profundo dos problemas existenciais do homem. c) o gênero épico é enfatizado pela narrativa sem interferências líricas. d) o folclore brasileiro é ressaltado em detrimento do caráter universal da obra. e) os conflitos e tensões das personagens individuais inexistem, uma vez que já interessa a complexidade da personagem maior, o sertão. 08. A sua poesia, que se estende de 1942 (Pedra do sono) a 1966 (Educação pela pedra), tem dado um exemplo fortemente persuasivo em volta às próprias coisas, como estrada real para aprender e transformar uma realidade que desafia sem cessar a inteligência. Assinale a alternativa que ilustra o texto, referente à poesia de João Cabral de Melo Neto. a) Quando meu rosto contemplo, o espelho se despedaça: por ver como passa o tempo e o seu desgosto não passa. b) E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração Um silêncio de martírios Um silêncio de prisão. c) O lápis, o esquadro, o papel: o desenho, o projeto, o número: o engenheiro pensa o mundo justo, mundo que nenhum véu encobre 67 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS d) A poesia é incomunicável. Fique quieto no seu canto. e) Não quero mais o Brasil não quero mais geografia nem pitoresco. Quero é perder-me no mundo para fugir do mundo. 09. Bem, mas o senhor dirá, deve de: e no começo – para pecados e artes, as pessoas – como por que foi tanto emendado começou? Ei, ei, aí todos esbarram. Com- padre meu Quelemén, também. Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, de que é exemplo o excerto, o tema do jagunço é tratado a partir de uma: a) visão existencial e universalizante do mundo sertanejo. b) perspectiva fielmente naturalista do modo de viver sertanejo. c) descrição realista do comportamento das personagens do mundo rural. d) criação de mitos e heróis na mesma linha da época romântica. e) narrativa factual, que dispõe as experiências das personagens em ordem linearmente cronológica. 10. O senhor sabe? Não acerto no contar, estou remexendo o vivido longe alto (...), querendo esquentar, demear, de feito, meu coração naquelas lembranças. Ou quero enfiar a ideia, achar o rumozinho forte das coisas, caminho do que houve e do que não houve. De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava (...): quem mói no asp’ro não fantaseia. Mas agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessos-segos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular ideias. Os excertos, de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, explicitam características da construção da narrativa nesse romance. Com base neles, é possível afirmar o seguinte: a) Como os fatos já ocorreram e estão desgastados pela memória da personagem, a narrativa limita-se a expor os acontecimentos, deixando de lado sua análise. b) A narrativa é conduzida de acordo com as solicitações do interlocutor, cujas longas falas expõem juízos a propósito dos fatos narrados. c) Os acontecimento estão dispostos segundo a ordem cronológica em que ocorrem, e o narrador dá destaque àqueles que foram emocionalmente mais significativos. d) O prazer de refletir dá origem à narrativa, que se desenvolve segundo o código particular do tempo da memória da personagem. e) O narrador busca relatar, descrever objetivamente os fatos, mais que interpretá-los, já que não conseguiu aprender seu verdadeiro significado. GABARITO EXERCÍCIOS DE SALA 01. D 02. A 03. A 04. B 05. C 06. D 07. B 08. C 09. A 10. D 68 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Questões Complementares 01. Devo registrar aqui uma alegria. É que a moça num aflitivo domingo sem farofa teve uma inesperada felicidade que era inexplicável: no cais do porto viu um arco-íris. Experimentando o leve êxtase, ambicionou logo outro: queria ver, como uma vez em Maceió, espocarem mudos fogos de artifício. Ela quis mais porque é mesmo uma verdade que quando se dá a mão, essa gentinha quer todo o resto, o zé-povinho sonha com fome de tudo, e quer mais sem direito algum, pois não é? (Clarice Lispector, A hora da estrela) Considerando-se no contexto da obra o trecho destacado, é correto afirmar que, nele, o narrador: a) assume momentaneamente as convicções elitistas que, no entanto, procura ocultar no restante da narrativa; b) reproduz, em estilo indireto livre, os pensamentos da própria Macabéa diante dos fogos de artifício; c) hesita quanto ao modo correto de interpretar a reação de Macabéa frente ao espetáculo. d) adota uma atitude panfletária, criticando diretamente as injustiças sociais e cobrando sua superação. e) retoma uma frase feita, que expressa preconceito antipopular, desenvolvendo-a na direção da ironia. 02. Clarice Lispector se enquadra no chamado Pós-Modernismo, desconstrói, em suas obras, a narrativa tradicional, como se pode observar no trecho destacado, em A hora da estrela. Ele se aproximou e com voz cantada de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe: – E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear? – Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de ideia.(...) – Eu não entendo seu nome – disse ela. – Olímpico? Macabéa fingiu enorme curiosidade, escondendo dele que ela nunca entendia tudo muito bem e que isso era assim mesmo. Mas ele, galinho de briga que era, arrepiou-se todo com a pergunta tola e que ele não sabia responder. Disse aborrecido: – Eu sei mas não quero dizer! – Não faz mal, não faz mal, não faz mal... a gente não precisa entender o nome. Acerca dessa obra de Clarice Lispector, assinale a alternativa correta: a) Macabéa, personagem central, costumava ir ao cinema uma vez por mês e tentava encarnar a vida das estrelas de Hollywood. No final da obra, finalmente, consegue esse intento, e vira estrela de cinema. b) A protagonista da história é uma menina do sertão que vai morar no Rio de Janeiro. Ela vivia num limbo pessoal, sem alcançar o melhor nem o pior. Ela somente vivia, expirando e inspirando, expirando e inspirando, ou seja, seu viver era ralo. c) Olímpico, a figura masculina central, tem em comum com Macabéa o fato de vir do Nordeste e ser pobre e tão ingênuo quanto ela. Devido às características que vê nela, apaixona-se assim que a encontra. d) Apesar da profundidade de sua narrativa e da grandeza do que busca mostrar, a linguagem de Clarice, nessa obra, é surpreendentemente simples, e, nos diálogos entre as personagens, a autora opta pela linguagem regional. e) Madame Carlota e Glória são personagens secundárias na história. No entanto ambas têm importância vital para a vida da protagonista, que conta com a ajuda delas em seus momentos de maior dificuldade. 03. Em relação a Laços de família, de Clarice Lispector, é correto afirmar: a) A denúncia dos componentes repressivos da instituição familiar volta-se principalmente para a educação moralista recebida pelas mulheres, como se vê em Feliz aniversário. 69 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS b) Em O crime do professor de matemática, o narrador ataca o poder de sedução dos professores, na defesa da valorização da moral familiar, alertando contra os perigos do mundo social. c) Em várias narrativas, a personagem feminina, vivenciando experiências cotidianas, em relação famílias, tem revelações fundamentais para sua vida interior. d) a força da personagem feminina, em contos como Amor, consiste em transformar suas relações pessoais e familiares a partir de um ato de revolta. e) com personagens pouco habituais, como a galinha e a pigmeia Pequena Flor, o narrador revela que não há valor na cultura primitiva, em comparação à vida das instituições modernas. 04. Considere o poema, de Ronaldo Azeredo: Esse texto I. explora a organização visual das palavras sobre a página. II. põe ênfase apenas na forma e não no conteúdo da mensagem. III. pode ser lido não apenas na sequência horizontal das linhas. IV. não apresenta preocupação social. Estão corretas: a) b) c) d) e) I e II. I, II e III. I e III. II e IV. todas. 05. Leia o texto transcrito, que pertence ao livro Muitas vozes, de Ferreira Gullar. Meu Pai meu pai foi ao Rio se tratar de um câncer (que o mataria) mas perdeu os óculos na viagem quando lhe levei os óculos novos comprados na Ótica 70 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Fluminense ele examinou o estojo com o nome da loja dobrou a nota de compra guardou-a no bolso e falou: quero ver agora qual é o sacana que vai dizer que eu nunca estive no Rio de Janeiro Assinale a alternativa correta. a) Em Meu pai, por enfatizar logo na abertura uma doença que terminaria por matar um homem, percebe-se uma crítica velada ao sistema de saúde do Brasil durante o Regime Militar (1964– 1985). b) O caráter narrativo do texto faz com que ele não pertença propriamente ao gênero poético, que se caracteriza por ser a expressão do eu. c) Ao tratar de um evento cotidiano, Ferreira Gullar renovou a poesia brasileira, de tendência dominantemente espiritual, introduzindo nela temas antes considerados menos nobres. d) Meu pai é uma exceção no livro Muitas vozes, já que nele não surge a forte crítica social que domina o livro. e) Em Meu pai, como em outros poemas de Muitas vozes, o poeta lança mão da memória pessoal de fatos cotidianos para construir uma reflexão sobre a fugacidade da vida. 06. Inimigo oculto dizem que em algum ponto do cosmos (Le silence éter nel de ces espaces infinis m’effraie)* um pedaço negro de rocha do tamanho de uma cidade - voa em nossa direção – perdido em meio a muitos milhares de asteroides impelido pelas curvaturas do espaço-tempo extraviado entre órbitas e campos magnéticos voa em nossa direção e quaisquer que sejam os desvios e extravios de seu curso deles resultará matematicamente a inevitável colisão não se sabe se quarta-feira próxima ou no ano quatro bilhões e cinquenta e dois da era cristã Ferreira Gullar *(O silêncio eterno desses espaços infinitos me assusta) 71 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS Identifique a opção que apresenta a explicação adequada para o efeito de sentido resultante do uso linguístico especificado. a) Nos versos “um pedaço negro de rocha” / “voa em nossa direção”, o uso do pronome possessivo “nossa” rompe o vínculo entre o eu lírico e os leitores. b) Em “dizem que” (verso 1), a expressão do sujeito gramatical, na terceira pessoa do plural, sem antecedente textual claro, evidencia que o eu lírico se vale de uma outra voz para expressar o fato. c) Nos versos “e quaisquer que sejam os desvios / e extravios / de seu curso”, o pronome possessivo “seu” se reporta ao verso “em algum ponto do cosmos”. (verso 2) d) O apagamento do objeto direto oracional em “não se sabe se” (verso 20) inviabiliza a referência a “inimigo oculto”. (título) e) A combinação da preposição “de” com o pronome “eles”, empregado como pronome possessivo em “deles resultará” (verso 17), encaminha textualmente as consequências das “curvaturas do espaço-tempo”. (versos 8-9) 07. Açúcar O branco açúcar que adoçará meu café Nesta manhã de Ipanema Não foi produzido por mim Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre. [...] Em lugares distantes, Onde não há hospital, Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome Aos 27 anos Plantaram e colheram a cana Que viraria açúcar. Em usinas escuras, homens de vida amarga E dura Produziram este açúcar Branco e puro Com que adoço meu café esta manhã Em Ipanema. A Literatura Brasileira desempenha papel importante ao suscitar reflexão sobre desigualdades sociais. No fragmento, essa reflexão ocorre porque o eu lírico: a) b) c) d) e) descreve as propriedades do açúcar. se revela mero consumidor de açúcar. destaca o modo de produção do açúcar. exalta o trabalho dos cortadores de cana. explicita a exploração dos trabalhadores. Questões 08 a 10 Poema obsceno 1 2 3 4 5 6 7 8 Façam a festa cantem e dancem que eu faço o poema duro o poema-murro sujo como a miséria brasileira Não se detenham: façam a festa 72 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 Bethânia Martinho Clementina Estação Primeira de Mangueira Salgueiro gente de Vila Isabel e Madureira todos façam a nossa festa enquanto eu soco este pilão este surdo poema que não toca no rádio que o povo não cantará (mas que nasce dele) Não se prestará a análises estruturalistas Não entrará nas antologias oficiais Obsceno como o salário de um trabalhador aposentado o poema terá o destino dos que habitam o lado escuro do país e espreitam. (GULLAR, F. Toda poesia. São Paulo: Círculo do Livro, s. d. p. 338.) 08. Considerando os recursos de composição do poema, assinale a alternativa correta. a) As negativas presentes nos versos 19 a 23 desqualificam o poema e seu potencial crítico. b) O termo comparativo “como” é utilizado para aproximar a experiência pessoal do eu lírico da miséria social brasileira. c) O uso do imperativo constitui uma metáfora da estrutura de opressão típica da época da ditadura. d) Os “que habitam o lado escuro do país – e espreitam” são uma metáfora dos militares responsáveis pela censura da produção artística. e) Os versos 19 a 23 são formas de adjetivação do termo “poema”, assim como “sujo” e “duro”. 09. Sobre o texto, considere as afirmativas a seguir: I. O verbo “socar”, aplicado ao fazer poético, revela a tendência metalinguística da poesia do autor. II. A conjunção adversativa “mas” (verso 21) estabelece oposição entre povo e poema. III. A alternância entre o imperativo afirmativo e o negativo representa a separação entre o eu-lírico (eu) e o povo (todos). IV. Em relação aos tempos verbais no poema, ao referir-se à “festa”, há o emprego do imperativo. Estão corretas, somente: a) b) c) d) e) I e II. I e IV. III e IV. I, II e III. II, III e IV. 10. Os poemas de Ferreira Gullar se caracterizam por seu engajamento social. Assim, em relação ao eu lírico, considere as afirmativas a seguir: I. Solidariza com os trabalhadores e os miseráveis. II. Considera o carnaval uma festa popular. III. Defende a revolução subterrânea. IV. Critica os cantores populares. Estão corretas, somente: 73 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS a) b) c) d) e) I e II. II e IV. III e IV. I, II e III. I, III e IV. Questões 11 e 12 (PUCCAMP) E desse modo ele se doeu no enxergão, muitos meses, porque os ossos tomavam tempo para se ajuntar, e a fratura exposta criara bicheira. Mas os pretos cuidavam muito dele, não arrefecendo na dedicação. — Se eu pudesse ao menos ter absolvição dos meus pecados!... Então eles trouxeram, uma noite, muito à escondida, o padre que o confessou e conversou com ele, muito tempo, dando-lhe conselhos que o faziam chorar. — Mas, será que Deus vai ter pena de mim, com tanta ruindade que fiz, e tendo nas costas tanto pecado mortal? — Tem, meu filho. Deus mede a espora pela rédea, e não tira o estribo do pé de arrependimento nenhum.. (Guimarães Rosa) 11. O trecho representa a seguinte possibilidade entre os caminhos da literatura contemporânea. a) ficção regionalista, em que se reelabora o gênero e se revaloriza um universo cultural localizado. b) narrativa de cunho jornalístico, em que a linguagem comunicativa retoma e reinterpreta fatos da história recente. c) ficção de natureza politizante, em que se dramatizam as condições de classes entre os protagonistas. d) prosa intimista, psicologizante, em que o narrador expõe e analisa os movimentos da consciência reflexiva. e) prosa de experimentação formal, em que a pesquisa linguística torna secundária a trama narrativa 12. (PUCCAMP) Liga-se a esse trecho de Guimarães Rosa a seguinte afirmação: a) É um exemplo de crise da fala narrativa, dissolvendo-se a história num estilo indagador e metafísico. b) É uma arte marcada pelo grotesco, pela deformação, que coloca em cena tipos humanos refinadamente exóticos. c) O autor recolheu lendas de interesse folclórico, que sabe recontar de modo documental, isento e objetivo. d) Um universo rude e um plano místico se cruzam com frequência em sua obra, fundindo-se um no outro. e) A miséria arrasta as personagens para a desesperança, reveando-se ainda na pobreza de sua expressão verbal. 13. Eu ouvi aquilo demais. O pacto! Se diz – o senhor sabe. Bobeia. Ao que a pessoa vai, em meia-noite, a uma encruzilhada, e chama fortemente o Cujo – e espera. Se sendo, há-de que vem um pé-de-vento, sem razão, e arre se comparece umaporca com ninhada de pintos, se não for uma galinha puxando barrigada de leitões. Tudo errado, remedante, semcompletação... O senhor imagi- nalmente percebe? O crespo – a gente se retém – então dá um cheiro de breu queimado. E odito – o Coxo – toma espécie, se forma! Carece de se conservar coragem. Se assina o pacto. Se assina com o sangue depessoa. O pa- gar é alma. Muito mais depois. O senhor vê, superstição parva? Estornadas!... Provei. Introduzi. (p.45) O demo, tive raiva dele? Pensei nele? Em vezes. O que era em mim valentia, não pensava; e o que pensava produzia eradúvidas de meenleios. Repensava, no esfriar do dia. A quando é o do sol entrar, que então até é 74 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS o dia mesmo, por seuremorso. Ou então, ainda melhor, no madrugal, logo no instante em que eu acordava e ainda não abria os olhos: eram só os minutos, e, ali durante, em minha rede, eu preluzia tudo claro e explicado. Assim: – Tu vigia, Riobaldo, não deixa o diabo te pôr sela... – isto eu divulgava. Aí eu queria fazer um projeto: como havia de escapulir dele, do Temba, que eu tinha mal chamado. Ele rondava por me governar? (ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.) A leitura revela um dos temas que permeia a ação do romance. Qual é ele? a) b) c) d) e) A coragem do herói em momentos de luta e perigo. A existência ou não do demônio, com o qual teria sido feito um pacto. O embate entre o bem e o mal que atormenta Riobaldo. A necessidade de confissão para alívio do espírito. A indicação do espiritual como refúgio para problemas pessoais. 14. — A quem estais carregando, irmãos das almas, embrlhado nessa rede? Dizei que eu saiba. — A um defunto de nada, irmão das almas, que há muitas horas viaja à sua morada. — E sabeis quem era ele, irmãos das almas, sabeis como ele se chama ou se chamava? — Severino Lavrador, irmão das almas, Severino Lavrador, mas já não lavra. — E de onde que o estais trazendo, irmãos das almas, onde foi que começou vossa jornada? — Onde a Caatinga é mais seca, irmão das almas, onde uma terra que não dá nem planta brava. — E foi morrida essa morte, irmãos das almas, essa foi morte morrida ou foi matada? (...) — E quem foi que o emboscou, irmãos das almas, quem contra ele soltou essa ave-bala? — Ali é difícil dizer, irmão das almas, sempre há uma bala voando desocupada. — E o que havia ele feito irmãos das almas, e o que havia ele feito contra a tal pássara? — Ter um hectare de terra, irmão das almas, de pedra e areia lavada que cultivava. — Mas que roças que ele tinha, irmãos das almas que podia ele plantar na pedra avara? — Nos magros lábios de areia, irmão das almas, os intervalos das pedras, plantava palha. No que tange à utilização de figuras de linguagem para a construção dos sentidos presentes no texto, analise as proposições. Em “... essa foi morte morrida ou foi matada?”, tem-se um pleonasmo que foi utilizado como recurso enfático do tipo de morte ao qual foi acometido o lavrador. II. Em “Ali é difícil dizer, irmão das almas, sempre há uma bala voando desocupada”, foi utilizada uma figura de linguagem conhecida como personificação. III. Ainda em relação ao mesmo verso, poder-se-ia utilizar uma conjunção explicativa, a exemplo de “pois” ou “porque”, antes da palavra “sempre”. IV. Tem-se, no décimo verso transcrito, “... o que havia ele feito contra a tal pássara?”, em que “pássara” foi utilizada como uma metáfora para “bala”. V. Pode-se afirmar que em “Nos magros lábios de areia” ocorre uma hipérbole, figura de linguagem que consiste em exagerar numa definição quando se pretende enfatizar um conceito. I. São verdadeiras, apenas: a) b) c) d) e) I, II e V I, II, III e IV II, III e V III, IV e V I e III 15. De um jogador brasileiro a um técnico espanhol Não é a bola alguma carta que se leva de casa em casa: 75 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS é antes telegrama que vai de onde o atiram ao onde cai. Parado, o brasileiro a faz ir onde há-de, sem leva e traz; com aritméticas de circo ele a faz ir onde é preciso; em telegrama, que é sem tempo ele a faz ir ao mais extremo. Não corre: ele sabe que a bola, Telegrama, mais que corre voa. João Cabral de Melo Neto (Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.br/futebol.html#jogador> Acesso em: 12 out. 2011.) Quanto às características do poema, analise as proposições. I. II. Estrutura-se em versos livres e brancos, sem métrica e sem rima, com linguagem conotativa. Descreve a bola com base na metáfora da carta, comparando os dois termos implicitamente pela rapidez. III. Possui sequências narrativas, marcada por verbos de ação, que relatam o percurso da bola. IV. Apresenta linguagem conotativa, como mostra a hipérbole no verso final da sexta estrofe. V. Possui predominantemente sequências descritivas, que retratam as características da bola de futebol. Estão corretas, apenas: a) b) c) d) e) I, II e V II, IV e V I e IV II e III III e IV 16. Considerando a natureza literária do poema e os elemen- tos envolvidos no processo de comunicação, assinale a alternativa incorreta. a) b) c) d) e) O referente do texto é a crítica ao jogador de futebol brasileiro que fica “parado”, “não corre”. O poeta simula a fala de um jogador brasileiro para um técnico espanhol sobre o futebol do Brasil. A internet, como canal de comunicação desse poema, permite sua ampla circulação, podendo atingir diversos leitores. A mensagem é poeticamente explorada na expressão “aritmética do circo”, que simboliza os bons dribles e lances do futebol. O eu lírico elogia a habilidade do jogador brasileiro, que conduz a bola “onde é preciso”, “sem leva e traz”, “ao mais extremo”. 17. Texto A A floresta se avoluma Movem-se espantalhos monstros riscando sombras estranhas pelo chão Árvores encapuçadas soltam fantasmas com visagens do lá-se-vai 76 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS O luar amacia o mato sonolento Lá adiante o silêncio vai marchando com uma banda de música Floresta ventríloqua brinca de cidade Texto B Falo somente por quem falo: por quem existe nesses climas condicionadas pelo sol, pelo gavião e outras rapinas: e onde estão os solos inertes de tantas condições caatinga em que só cabe cultivar o que é sinônimo da míngua. João Cabral de Melo Neto A visão de mundo dos poetas expressa-se através da descrição da natureza. Raul Ropp acentua .......... de nosso país, através de versos carregados de adjetivos. João Cabral descreve a aridez da terra e a exploração do homem, através de um vocabulário que evoca .......... . a) a beleza e os contrastes - a beleza e o exótico b) a riqueza e o mistério - a pobreza e a falta de perspectivas c) as dificuldades e as dores - a beleza e o exótico d) a riqueza e a exploração - a religiosidade e a pujança e) o mistério e as festas - a alegria do sertão 18. A gente nas calçadas — O ataúde que lhe preparam é mais estreito que sua cela. — Sepultura de sete palmos, não se poderá andar nela. — Como pôde existir imóvel quem tem a cabeça inquieta? — Não estranhará a sepultura quem pôde existir nessa cela. — Pôde ver o negro da morte durante o tempo da cadeia. O fragmento de “Auto do frade”, de João Cabral de Melo Neto, demonstra alguns recursos comuns à poética do autor. Assinale a alternativa correta que os identifica: a) versos octossilábicos, metáforas ligadas à terra, oposições violentas, regionalismo, visão trágica do mundo. 77 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS b) c) d) e) versos octossilábicos, metáforas ligadas à noite, oposições binárias, regionalismo, visão trágica do mundo. versos heptassilábicos, estrofes curtas, paradoxos, historicismo, visão trágica do mundo. versos decassilábicos, estrofes curtas, historicismo, visão dramática do mundo. versos octossilábicos, repetição de palavras e estruturas, oposições, diálogos. 19. Paisagem do Capibaribe (I) Aquele rio era como um cão sem plumas. Não sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água de copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água. Paisagem do Capibaribe (II) Entre a paisagem (fluía) de homens plantados na lama; de casas de lama plantadas em ilhas coaguladas na lama; paisagem de anfíbios de lama e lama MELO NETO, João Cabral de. “O cão sem plumas”. Barcelona: O Livro Inconsútil, 1950. Da leitura deste poema, podemos destacar: I. II. III. IV. a imagem regionalista de denúncia da miséria nor- destina. a arquitetura do poema. uma poesia engajada na temática social. o cão é o rio que carrega os detritos de sobrados e mocambos. Desses destaques, conclui-se que: a) b) c) d) e) são corretos os itens I, III e IV. os itens II e III são incorretos. somente o item IV é incorreto. somente o item II é correto. todos os itens são corretos. Questões 20 e 21 Mas desconfio que toda esta conversa é feita apenas para adiar a pobreza da história, pois estou com medo. Antes de ter surgido na minha vida essa datilógrafa (Macabéa), eu era homem até mesmo um pouco contente, apesar do mau êxito na minha literatura. As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins, porque o que amadurece plenamente pode apodrecer. (LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.) 20. O trecho lido demonstra uma característica peculiar à obra: a) Metalinguagem; b) Intertextualidade; 78 COLÉGIO ÁREA DE LINGUAGENS E CÓDIGOS / LITERATURA Módulo I VILAS c) Paradoxo; d) Fluxo da consciência; e) Discurso indireto livre; 21. Sobre o processo de narração do romance, marque a afirmativa correta. a) O narrador-autor reflete sobre sua escritura e une sua vida à de sua personagem, existindo com ela e para ela. b) Clarice enuncia ser a narradora, retomando questões próprias ao conjunto de sua obra. c) Sem qualquer empatia pela personagem, o narrador, da mesma classe social, recusa qualquer sentimento de culpa ou piedade por Macabéa. d) No relato de vida e morte de Macabéa, o foco narrativo detém-se nas conquistas e vitórias da personagem. e) Os fatos da vida da heroína, suas carências, são mostradas cruamente, sem qualquer reflexão. GABARITO 01. e 02. b 03. c 04. c 05. e 06. b 07. e 08. e 09. b 10. a 11. a 12. d 13. b 14. b 15. e 16. a 17. b 18. e 19. e 20. A 21. a DIÁLOGO ELETRÔNICO: Face: ZECARLOSBASTOSII [email protected] 79