Artigo 001 Gt03

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Artigo 001 Gt03
II Seminário Sobre Alimentos e Manifestações
Culturais Tradicionais
I Simpósio Internacional Alimentação e Cultura: aproximando o
diálogo entre produção e consumo
Universidade Federal de Sergipe 20 a22 de maio de 2014
VÍDEO PARTICIPATIVO, NARRATIVAS E OS ALIMENTOS TRADICIONAIS NO
PROCESSO ENSINO/APRENDIZAGEM
PARTICIPATORY VIDEO, NARRATIVES AND TRADITIONAL FOOD IN THE
PROCESS OF TEACHING/ LEARNING
Rita Simone Barbosa Liberato
Doutoranda em Educação/ Universidade Federal de Sergipe - UFS
Coordenadora de Pesquisas do Sesc/SE
[email protected]
Tânia Regina Barbosa de Sousa
Mestre em Letras - Vernáculas/UFS
Coordenadora de Ciências Humanas e Sociais –
Instituto Federal de Sergipe – Campus Aracaju
[email protected]
Resumo
O vídeo participativo vem sendo utilizado em muitos países como ferramenta para consulta e
desenho de políticas públicas efetivas. Sua produção baseia-se no registro de narrativas que
promovam o diálogo, respeito, senso de pertencimento e fortaleça a identidade dos povos e
comunidades tradicionais. Neste artigo, a autora defende que as falas que emergem dessas
produções atuam como um importante suporte no processo ensino/aprendizagem, promoção
da Segurança Alimentar e Nutricional – SAN e soberania alimentar, pois fomentam a
compreensão das práticas culturais, conhecimentos tradicionais em torno da produção,
distribuição e consumo de alimentos.
Palavras-chave: Vídeo Participativo, Alimentos Tradicionais, Gênero e SAN.
Abstract
Participatory Video has been used in many countries as a tool for drawing effective public
policies. Its production is based on the register of narratives that promotes the dialogue,
respect, sense of belonging and increase identities of different peoples and traditional
communities. In this article, the author argues that the dialogues that emerge from this kind of
video, act as a support in the process of teaching/learning, feeding the understanding of
cultural practices and traditional knowledge of food production, distribution and consumption
increasing the food security promotion and food sovereignty.
Keywords: Participatory Video, Traditional Food, Gender and Food Security.
INTRODUÇÃO
Peraí, é nosso direito! (Renato Barbieri, 2008); Uma Verdade Mais que Inconveniente
[Meet the Truth] (Claudine Everaert e Gertjan Zwanikken, 2008); O Alimento é Importante
[Food Matters] (James Colquhoun e Carlo Ledesma, 2008); Comida S/A [Food Inc] (Robert
Kenner, 2010); Gordo, Doente & Quase Morto [Fat, Sick & Nearly Dead] (Joe Cross, Kurt
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Engfehr, 2010); Garfos ao invés de Facas [Forks over Knive] (Lee Fulkerson, 2011); O
Veneno Está Na Mesa (Silvio Tendler, 2011); Faminto por Mudança [Hungry for Change]
(James Colquhoun, Laurentine Ten Bosch e Carlos Ledesma, 2012); Muito além do Peso
(Instituto Alana, 2012); Alimento para Todos [Food for All] [Marcelo Paolinelli, 2012). Estes
são alguns documentários realizados nos últimos anos, cujas narrativas focam a temática da
produção, distribuição e consumo de alimentos.
Percebe-se, portanto, que no mundo contemporâneo há um interesse na produção
cinematográfica sobre alimentação. No entanto, esse fenômeno não é fruto desse século. Em
1959, JOSUÉ DE CASTRO, autor do seminal livro Geografia da Fome, já realizava em
parceria com alguns cineastas, filmes que tratavam da fome no Brasil, Índia, Marrocos, Itália
e Espanha, conforme registro da Revista On Line (2013):
O Drama da Seca (Drama of the Drought) foi dirigido pelo brasileiro
Rodolfo Nanni, com música de Villa-Lobos e imagens de Portinari. Retrata a
seca e a miséria do
Sertão de Pernambuco e suas conseqüências. O
Drama da Fome (Il Dramma della Fame), realizado por Pio de Berti
Gambini, aborda a pobreza nos mangues do Recife. O terceiro não tem título
e, sob a direção de Noel Ballif, critica a mídia, por estar mais interessada em
acidentes e fatos diversos do que no problema crônico da fome, e aponta que
o problema não é a superpopulação, mas o pouco aproveitamento das terras
produtivas no globo.
Em 1963, Vidas Secas (NELSON PEREIRA DOS SANTOS) exibe o drama da fome
vivido por uma família nordestina. Em 1989, o documentário Ilha das Flores (JORGE
FURTADO) trouxe a problemática do acesso à alimentação para o centro da tela. Em 1993,
os recursos audiovisuais foram amplamente utilizados pelo Movimento Ação pela Cidadania
contra a Fome, a Miséria e pela Vida, que realizou inúmeras campanhas de mobilização,
coordenadas pelo sociólogo Hebert de Souza, Betinho. O resultado foi massivo e milhões de
pessoas contribuíram para a arrecadação de alimentos não perecíveis, que foram distribuídos
para centenas de famílias.
JOSÉ PADILHA (2003, p. 63), ao refletir sobre o papel da arte no combate a esta
mazela social, afirma que “livros, documentários e filmes que mostrem a realidade dessas
pessoas [que têm fome] de forma direta podem ajudar, uma vez que as tornam conhecidas e,
portanto, mais próximas dos nossos instintos biológicos básicos de partilha e de ajuda mútua”.
Seu filme Garapa (2009), gravado no Nordeste do Brasil, reunindo narrativas de famílias que
sofrem de insegurança alimentar, foi inspirado no trabalho de Josué de Castro, e “precisava
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falar dessa fome, oculta e crônica, que tem um peso social muito maior" (ACADEMIA
BRASILEIRA DE CINEMA, 2013).
Essa complexidade do tema e sua invisibilidade têm despertado a atenção de inúmeros
atores sociais, cineastas e cientistas e é notório, portanto, que a produção de trabalhos em
vídeo pode contribuir para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional - SAN, que é
a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos
de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de
saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e
ambientalmente sustentáveis (CONSEA, 2004, pág. 04).
Em oposição à SAN ocorre a Insegurança Alimentar e Nutricional – Insan, que se
manifesta quando o ser humano não consegue ter acesso aos alimentos de forma adequada e
segura. Seu estágio mais grave é portanto a fome, “que corrói silenciosamente inúmeras
populações do mundo” (CASTRO, 1946, p.35), mas que, paradoxalmente, não se constitui em
uma agenda permanente dos meios de comunicação oficiais. Por isso, produções artísticas,
videográficas e cinematográficas podem quebrar essa falta de visibilidade em relação ao
assunto, e disseminar narrativas mais transparentes de povos e grupos protagonistas, capazes
de instigar debates, políticas e o processo ensino/aprendizagem sobre as alternativas de
convivência com o semiárido, agroecologia, geração de renda, etc.
Este artigo, portanto, é composto com base na assertiva de que o vídeo participativo,
por promover o respeito pelo outro, pelo seu senso de pertencimento e identidade (SHIRLEY
WHITE, 2003), é um instrumento relevante para o registro das narrativas fortalecedoras da
manutenção da produção e consumo dos alimentos tradicionais e SAN. Para discorrer sobre
essa premissa, a autora utilizou informações oriundas de pesquisa bibliográfica, observação
participante e anotações dos seus diários de campo, quando realizou seis documentários
participativos: Nova Iorque, Canto e Babaçu, 15 min (2008); Segurança Alimentar e Cultura
Indígena no Brasil, 32 min (2009); A Força Maior, 20 min (2010); Dona Josefa a Guia da
Serra, 15min (2010); Mulheres Mangabeiras, 36 min (2011); Guardiãs do Queijo Coalho do
Sertão, 15min (2013). Por uma questão metodológica, este trabalho divide-se em quatro
partes. Na primeira, iremos tratar da análise da narrativa; na segunda, iremos discorrer sobre o
uso do documentário participativo como instrumento do processo ensino/aprendizagem para a
promoção da Segurança Alimentar e Nutricional – SAN e soberania alimentar; na terceira,
focaremos nas narrativas em torno do alimento tradicional como elemento fortalecedor da
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quebra do silêncio, e por último, mas não menos importante, iremos tecer a conclusão e
apontar sugestões para estudos futuros.
ANÁLISE DA NARRATIVA
Não há em parte alguma, povo algum sem narrativa (ROLAND BARTHES, 2008, p.
19), ela está presente no mundo como a própria vida. Não existe uma só narrativa no mundo
sem protagonistas, sem um ser participante, mesmo que em alguns casos um mesmo elemento
possa assumir diferentes personagens. Assim, nesse processo de codificação e decodificação
da linguagem, há comunicação, uma vez que há alguém que elabora a narrativa e um
destinatário que a recebe e interpreta de acordo com sua existência e relação com o mundo.
Logo, é necessário que haja um emissor da narrativa, um receptor e um meio. Em seus
estudos comunicacionais, analisando o meio, Marshall McLuhan afirma que o meio é a
mensagem. No entanto, esse pesquisador canadense não chegou a discutir, por exemplo, como
o filme pode ser um meio utilizado para a construção de uma narrativa com poder potencial
(JIM SPIGELMAN, 1969, p.74). Nesse caso, a forma como se interpreta o que seja o meio e a
mensagem são questões cruciais para que se compreenda a linguagem da narrativa.
Até o início do século XX, a concepção de linguagem era ainda a criada pelos gregos,
principalmente Platão e Aristóteles. Para o primeiro, a linguagem é um instrumento do ser.
Para o segundo, a linguagem é um instrumento, uma compreensão que se tem do mundo.
Somente na década de 20 aconteceu o chamado giro linguístico, que possibilitou o surgimento
de parâmetros para se perceber a narrativa dentro de perspectivas metodológicas
diferenciadas, em que se caracterizar a narrativa implicava se definir o discurso através dela,
ou seja, uma estrutura na qual se fala de um objeto e analisam-se elementos que, por sua vez,
são delimitados por características próprias. Esses elementos são intercomunicáveis e, para
que se mantenham suas características, é necessária uma interação entre eles, ou seja, que
exista uma morfologia da estrutura desses elementos.
Pela lógica da análise puramente estrutural, baseada na morfologia, que caracteriza um
objeto tal como ele é, FERDINAND SAUSSURE diz que é através da linguística que se deve
analisar a narrativa, já que para ele esse é um fenômeno da linguagem. Logo, pelo viés da
análise da estrutura, percebe-se que o foco maior está centrado no chamado mundo diegético
da narrativa, que apresenta diferentes níveis hierárquicos, o sema (menor de todos), que
acontece quando se estabelece as unidades básicas do discurso; e os sememas, componentes
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sequenciais formados pelo conjunto dos semas. Na análise pelo nível das ações, o
fundamental é se conhecer o personagem principal. Já na transfásica, todo o processo de
análise está centrado no limite do texto, não se considerando o contexto, ou seja, o importante
é o dado linguístico, o limite diegético, o texto em si.
Ao analisar a narrativa pela perspectiva do discurso, MICHEL FOUCAULT (1996, p.
05) afirma que “ao invés de tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem
além de todo começo possível”, elaborando, dessa forma, a ideia de que, na subjetividade da
linguagem, está implícito um ser, uma substância linguagem, e um sujeito que não é
linguagem. Para ele, nosso desejo é uma plena comunicação e é orientado pelo querer falar,
ter a posse do discurso. No desenvolvimento de seu pensamento sobre a narrativa, Foucault
também chama a atenção para o poder de controle da linguagem, orientada pelas ideias de
interdição, em que “não se pode dizer tudo que se quer em qualquer lugar” (p. 09), pois a
verdade que conhecemos nos é dada pelas instituições.
Suas ideias abriram espaço para uma discussão importante sobre a função do autor no
contexto da análise da narrativa. Foucault nos lembra que “será a partir de uma nova posição
do autor que recortará, em tudo que poderia ser dito, em tudo o que diz todos os dias, a todo
momento, o perfil ainda trêmulo de sua obra”(p. 29). Assim, a disciplina é quem orienta o que
deve ser dito, colocando em xeque a legitimidade da análise da narrativa, por isso deve-se ter
o cuidado de se fazer uma delimitação do campo de trabalho.
Já PAUL RICOEUR (1994, p. 85) enfatiza que “existe entre a atividade de narrar uma
história e o caráter temporal da experiência humana uma correlação que não é puramente
acidental, visto que apresenta uma forma de necessidade transcultural”. Essa afirmação é
crucial para uma reflexão mais orgânica sobre a análise da narrativa, uma vez que nem
mesmo Foucault, Barthes ou Vladimir Propp discutiram essa necessidade, pois abordaram
somente o que deveria ser narrado. Ricoeur provoca uma reflexão para o fato de que, quando
se foca somente no texto, essa análise é puramente diegética e as características morais e
políticas do texto não são aprofundadas. O giro hermenêutico de Ricouer aponta o aspecto de
que a compreensão do texto não está apenas nos sintagmas e no positivismo da compreensão
do texto sem um receptor, mas transcende tudo isso.
Chega-se, portanto à compreensão da importância da mímese, que é a representação
da realidade. Para RICOUER (1994, p. 101) :
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Imitar ou representar a ação, é primeiro, pré-compreender o que ocorre com o agir
humano: com sua semântica, com sua simbólica, com sua temporalidade. É sobre
essa pré-compreensão, comum ao poeta e a seu leitor, que se ergue a tessitura da
intriga e, com ela, a mimética textual e literária.
O narrador, portanto, configura, fomentando a segunda mímese, e o receptor
interpreta, gerando a terceira mímese. Neste percurso, CATHERINE RIESSMAN (1993),
discorrendo sobre sua experiência enquanto pesquisadora das relações de gênero e fertilidade
na Índia, lembra-nos que, não diferentemente dos demais pesquisadores ocidentais, fez uma
escolha na forma de ver e interpretar a totalidade das ações. No seu trabalho de campo,
buscou conhecer a rotina das pessoas da comunidade. Em suas próprias palavras:
Eu escaneei a praia (metaforicamente falando) e isolei certas imagens, que
são conhecidas em algumas comunidades por certas palavras – por do sol,
areia, ondas, pescaria (...) Parei e olhei um pescador puxando suas redes
gigantes e percebi que o sincronismo de seus movimentos eram fortalecidos
pelas entonações e ritmos do lugar (p. 09, tradução da autora)
Ao analisar sua “imagem escaneada” e a descrição dos fatos, RIESSMAN provoca
uma reflexão sobre uma nova realidade, a partir da sua própria representação das ações. Ela
busca, com essa metodologia, não cair no erro de divorciar a forma do discurso do contexto
narrativo (MIKHAIL BAKHTIN, 1986).
Em uma perspectiva mais crítica, EDWARD SAID (1979) nos lembra que o problema
do que pode ser ou não uma real representação é justamente o fato de que a representação é
uma interpretação da realidade de alguém sobre outro, sobre um objeto, um fato, uma
situação, sendo assim, intricada de cultura, de valores da decodificação de quem interpreta.
Portanto, buscando minimizar os desafios impostos por essa forma de ver e interpretar a
realidade de “outros”, alguns estudos vêm propondo o uso do vídeo participativo como uma
alternativa para que as narrativas sejam mais coerentes com as perspectivas dos sujeitos das
ações.
No caso da Segurança Alimentar e Nutricional, esse recurso é importante, pois traz
para a tela experiências sobre iniciativas locais, soberania alimentar e até mesmo desafios de
grupos que convivem com o flagelo da fome. Dessa forma, a máxima de McLuhan, o meio é a
mensagem, entra em contraposição com a proposta do filme como um meio em si, já que
possui certas estruturas para que se tenha um encadeamento coerente na construção de
narrativas, saberes e práticas, pois age como uma ponte entre diferentes sujeitos, que cara-acara com a câmera, narram suas experiências, seus aprendizados, desafios e histórias de vida.
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Para PAULO FREIRE (2007, p. 103) um “tema fundamental em nossa época é o da
dominação”, fortemente marcada pela presença dos meios de comunicação. Ou seja, a maioria
das grandes corporações de mídia, em todo o mundo, é hierarquicamente organizada
(CHOMSKY e HERMAN) e, raramente opera mais estreitamente para a construção conjunta
das notícias, fortalecendo assim, a sociedade de exclusão e verticalizada.
No entanto, “há alguns grupos trabalhando em uma perspectiva mais democrática e
participativa” (MICHAEL BERNARD, 2005), em que os sujeitos atuam na construção do
roteiro e edição das narrativas, selecionando as melhores sequências e cortando as que não
são significativas. Esta metodologia é conhecida como vídeo participativo e surgiu em
Newfoundland, Canadá, no ano de 1967. Segundo WENDY QUARRY (1994):
Quando Donald Snowden era o diretor do Departamento de Extensão da
Universidade de Newfoundland, foi divulgado pelo governo canadense um Relatório
de Pobreza no Canadá. Provocado pelo conteúdo do relatório, que descrevia a
pobreza em Newfoundland puramente do ponto de vista da concepção urbana,
Snowden teve a idéia de produzir uma série de filmes com a participação da
comunidade local. Ele pretendia discutir os múltiplos significados da pobreza,
dentre eles, o não acesso a informação. Juntamente com o cineasta Coin Low,
Snowden visitou cerca de cinco comunidades em diferentes áreas da província e, ao
final da pesquisa, a Ilha do Fogo foi escolhida como o melhor lugar para se iniciar o
que ficou conhecido como o Processo do Fogo (Citado por Don Snowden Program
for Development Communication, 2013, tradução da autora).
Com menos de cinco mil habitantes, a ilha representava o tipo de isolamento que
Snowden queria descrever em sua narrativa. Historicamente marcada por trezentos anos de
trabalho com a pesca artesanal a comunidade, ameaçada pelo surgimento da grande indústria
pesqueira, migrou para outras áreas do Canadá em busca de trabalho e melhores condições de
vida. Os poucos que ficaram estavam cada vez mais isolados, tanto pelas condições do relevo
[região rochosa] quanto pelo rígido inverno canadense. Diante desse quadro, e sem consultar
os cidadãos, o governo decidiu que as comunidades da Ilha do Fogo deveriam ser deslocadas
para outras regiões de Newfoundland, consideradas economicamente mais viáveis.
Isoladamente, os diversos grupos protestaram, pois não queriam essa mudança. Mas
esse protesto não teve eco, uma vez que enfrentavam vários desafios como a falta de
organização política e de comunicação. Após uma série de entrevistas realizadas, Snowden
percebeu que as narrativas tinham alguns ‘nós’ em comum: falta de informação, resistência
em relação à decisão do governo e falta de organização dos grupos. O cineasta Coin Low,
responsável pelo documentário, decidiu mostrar a todos os membros da comunidade as vinte e
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sete sequências das entrevistas realizadas e, então, constatou-se que embora as pessoas não se
sentissem confortáveis em discutir suas dificuldades uns com os outros, se reconheciam nas
diferentes narrativas de seus pares.
Com a permissão da população, os filmes foram enviados para o governo canadense e
o Ministro da Pesca, Aiden Maloney, se comprometeu a responder aos cidadãos. O governo
foi filmado para expor seu ponto de vista para as comunidades provocando assim um “fluxo
bidirecional de informação entre os membros da comunidade e o governo” (SPILGEMAN,
1969, p. 72 tradução da autora) e as comunidades tradicionais dos pescadores não foram
deslocadas, pelo contrário, várias estratégias foram construídas, desde então, para promover a
emancipação social, política e econômica dos pescadores e suas famílias.
Inspirados nessa ação - produção de filmes/reflexão - ação, o governo canadense,
através do seu Conselho de Cinema, criou o Challenge for Change (Desafios para a
Mudança), “um programa desenhado para fortalecer a comunicação, criar um entendimento e
promover novas idéias que provoquem a mudança social” (SPILGEMAN, p. 74). Nessa
perspectiva, portanto, a produção cinematográfica viria agir como um catalisador para a ação
social, e assim, para novas narrativas.
Seguindo essa metodologia conhecida como Fogo Process e no intuito de colaborar
para a construção de plataformas imagéticas, narrativas reveladoras de desafios enfrentados e
experiências de sucesso vivenciadas pelas comunidades tradicionais, no campo da SAN, a
autora deste artigo tem se dedicado, desde o ano de 2008, quando era estudante de mestrado
em comunicação e cultura na Ryerson University (Canadá) e assistente de pesquisa no Centro
de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional, sob direção da professora Cecília Rocha
(PhD), a realizar documentários participativos. Acredita-se que, dessa forma, pode-se
contribuir, mesmo que através de produções modestas, para a quebra do silêncio e da herança
histórica, que somente fortaleceu as desigualdades sociais.
Estudos indicam que condições similares de origens raciais, classe social e gênero são
comuns entre os grupos que vivenciam diariamente a Insan e a fome no Brasil (BENTO,
2003; BURLANDY, 2013; MALUF, 2009; ROCHA, 2009; e SILLIPRANDI, 2013), país
onde centenas de milhares de pessoas foram acossadas pelo uso da força bruta que consolidou
a sociedade patriarcal, o medo e o silêncio. JOSÉ MURILO DE CARVALHO (2008) afirma
que:
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Os índios brasileiros foram rapidamente dizimados. Calcula-se que havia na
época da descoberta cerca de 4 milhões de índios. Em 1823 restava menos
de 1 milhão. Os que escaparam ou se miscigenaram ou foram empurrados
para o interior do país. A miscigenação se deveu à natureza da colonização
portuguesa: comercial e masculina (...) Não havia mulheres para acompanhar
os homens. Miscigenar era uma necessidade individual e política. A
miscigenação se deu em parte por aceitação das mulheres indígenas, em
parte pelo simples estupro. No caso das escravas africanas o estupro era a
regra (p.21).
Alia-se a esse quadro o fato de que cerca de quatro milhões de africanos foram
escravizados no Brasil, em um processo que durou mais de três séculos, fortalecendo assim as
desigualdades sociais vivenciadas até os dias atuais.
Por isso, promover o diálogo sobre os desafios e as alternativas que diferentes
comunidades extrativistas, quilombolas e indígenas desenharam em suas comunidades, pode
contribuir para o fortalecimento da soberania alimentar, que é
o direito dos povos decidirem tudo que diga respeito a sua alimentação: o
que querem produzir, como querem produzir, que padrão de consumo
querem ter, a proteção da sua biodiversidade e dos seus hábitos. Por isso que
nós sempre nos referimos a soberania e segurança alimentar e nutricional, e
direito humano à alimentação (Renato Maluf, entrevista gravada em 2009,
pela autora).
As mulheres têm um papel crucial nesse processo de promoção da SAN e soberania
alimentar, já que são agentes ativas no processo de produção, distribuição e consumo dos
alimentos, especificamente no mundo rural, pois são elas as responsáveis pela
produção direta dos alimentos, por meio de hortas, dos pequenos animais e
da
transformação de produtos, como queijos, doces, paes (…) principais
envolvidas
com
as questões da saúde e educação dos filhos e filhas,
elas têm papel estratégico na promoção de hábitos saudáveis (SILIPRANDI,
2012, p. 188).
Por terem acumulado uma série de habilidades através de suas inúmeras experiências
consideradas vitais para a promoção de SAN, as mulheres são atrizes sociais de extrema
importância para a produção videográfica que objetiva emancipar grupos subalternos,
invisíveis e promover a igualdade de gênero, pois “normalmente seu conhecimento e sua
importância como sujeitos políticos são pouco valorizados e reconhecidos” (SILIPRANDI,
2013, p. 189).
Ao se trazer essas atrizes sociais para o centro das lentes, narrando suas experiências e
paradigmas diferenciados, articulados por suas vozes reveladoras da importância dos seus
saberes e práticas ancestrais, busca-se fortalecer a participação política das mulheres. Por isso,
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a fotografia não é usada no documentário somente como uma mero acessório técnico na etapa
da produção, mas como um registro da realidade. Assim, todas as entrevistas com os atores e
atrizes sociais citados abaixo, foram realizadas em seus próprios territórios. Nova Iorque,
Canto e Babaçu (2008), 15min, gravada em Nova Iorque, a 471 km de São Luís, contou com
a participação de cinco Quebradeiras de Coco Babaçu: Dona Sindola, Dona Socorro, Dona
Mana, Dona Arlete e Dona Maria do Aprígio, de 80 anos. Esta última na abertura do vídeo
afirma que “do babaçu se faz tudo (...) o carvão, o óleo, o sabonete, o sabão mesmo, de
verdade, se faz a parede da casa, se cobre a casa, se faz a esteira, se faz o cofo... tudo é da
palmeira... vale ouro o babaçu”.
Em Segurança Alimentar e Cultura Indígena no Brasil (2009), 28min, foram
entrevistados Yamany Pataxó, Cleonice Pankararu, Graça Pataxó, Geo Pataxó, Geralda
Soares e Araponga Pataxó, To’ê Pankararu, Ytxay Pataxó e Raimundo Cachimbo, que
relataram suas experiências e iniciativas para a promoção da SAN, no semi-árido de Minas
Gerais. O vídeo foi gravado na aldeia Cinta Vermelha-Jundiba, localizada no Vale do
Jequitinhonha, formada por duas etnias, Pataxó e Pankararu. Ao falar sobre o modelo de
agricultura sustentável, baseado na permacultura, Ytxay Pataxó, que é técnico agrícola,
explica:
A escola tradicional não passa um ensinamento de acordo com as
necessidades de cada comunidade, de cada grupo familiar, não é? (...) Então,
eu acho que esse não é o meu ramo. Estar destruindo o solo, a natureza,
colocando uma coisa que não é boa para as futuras gerações (...) Não só aqui
na comunidade, na aldeia, mas para a vizinhança poder ver que a gente está
com essa idéia de fazer a permacultura (...) uma forma de estar colaborando
com o nosso planeta, com o cuidado com as pessoas, com o lixo, pois uma
coisa muito grave hoje no nosso planeta é o lixo, não é?
Nesse modelo da permacultura, a produção acontece de forma mais sustentável,
valorizando a diversidade, dentro de circuitos de produção e consumo mais próximos,
estreitando laços e baseando-se no respeito, na cooperação e na emancipação entre os povos.
Como explica Cleonice Pankararu em sua entrevista, a Cinta Vermelha-Jundiba é “um
compromisso, uma obrigação nossa como indígena, como ser humano em defender a vida (...)
essa aldeia vai ser um espaço para isso”. Nesse mesmo vídeo, o cacique To’ê Pankararu,
analisando o problema da SAN e relacionando-o à falta de acesso à terra pelos grupos
indígenas, relata que ações emergenciais como a cesta básica do governo, muitas vezes não
consideram a soberania alimentar dos grupos. Por isso, para ele,
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a cesta básica [que o governo distribui] não complementa o que o índio está
precisando. É uma alimentação desconhecida para o índio. Por exemplo,
quando eles mandam uma cesta básica para os povos Maxakaly, eles
mandam um leite empacotado, muitas vezes com a validade vencida e não
tem um acompanhamento [de nutricionista]. Crianças pequenas são vistas
comendo um copo de leite em pó (...) o índio tem uma alimentação mais
nativa, uma alimentação que ele mesmo conhece. É por isso que eu falo que
se resume em terra.
No documentário Dona Josefa, a guia da serra (2010), de 15min, gravado no
quilombo da Serra da Guia, sertão sergipano a 250 km de Aracaju, 75 famílias sobrevivem
com acesso precário à água potável e a alimentos de qualidade. Nesse documentário, foram
entrevistadas três pessoas: Dona Josefa, parteira e rezadeira; Dona Helena, integrante da
comunidade e José Augusto, liderança jovem do grupo. Dona Josefa, 68 anos, é enfática ao
afirmar:
Eu queria que os governantes olhassem essas condições da gente e fizessem
umas barragens para guardar essa água limpa [do riacho] e boa que desce
dessa serra, uma água importante. Eles olham e não fazem nada (...) Eu
queria que meus netos, bisnetos e todos ficassem com uma vida digna,
excelente, que não se preocupassem em ir procurar água em outro lugar. O
carro pipa vem botar, quando eles vão pedir, reclamando, e colocando água
que não é de qualidade.
Ao narrar os desafios que enfrentou para criar seus filhos, Dona Josefa diz:
A coisa mais difícil (...) foi criar 23 filhos, sem ter como poder ter uma
alimentação positiva. A gente se criou aqui foi com batata de raiz de mato,
cipó, licouri - aquele coquinho redondinho, quebrava e dar aos filhos para
comer (...) plantar mandioca, arrancar, ralar no ralo espremer, fazer o beiju
numa pedra e dar aos filhos (...) para comer.
No documentário A Força Maior (2010), realizado na comunidade quilombola Pontal
da Ilha, a 22 km de Aracaju, foram entrevistados três pescadores: Seu Robério, José Carlos e
Barbosa e quatro mulheres marisqueiras: Dona Rosa, Dona Maria, Valquíria e Dona Gildete.
Em suas narrativas, inúmeros relatos desenham a relação do grupo com o mar, principal fonte
de sobrevivência, e revelam suas necessidades de acesso à água potável, à alimentação
adequada, ao saneamento básico, educação e transporte, dentre outros. Dona Valquíria, mãe
de cinco filhos, fala de sua rotina, marcada pela insegurança alimentar:
A gente acorda de manhã, lava os pratos, varre a casa e vai pegar o filé [de
camarão] para fazer aqui. Cuido na casa e pronto. Eu boto os meninos para
irem para a escola, pois o carro vem pegar aqui (...) A gente faz a comida e
dá café a eles quando tem, quando não tem eles comem lá no colégio, a
merenda. Às vezes, quando na escola não tem lanche para as crianças, elas
voltam com fome, chegam aqui e ficam chorando
para comer (...) Tem
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dias que a gente ainda tem o que comer, outros dias não tem nada. Hoje
mesmo eu não tenho nada. A gente foi para a praia, pegamos um bagre, mas
e a farinha e o açúcar, como é que fica? Eu com cinco filhos para dar
comida, reviro a casa toda (...) Só Deus mesmo, porque um pede uma coisa,
outro pede outra coisa, outro diz mãe eu quero comer .
Neste mesmo vídeo, Dona Maria, mãe de seis filhos, fala da sua experiência ao
cultivar uma horta no seu quintal, e afirma: “eu plantei ali pimentão, tomate, tem uns pezinhos
de capim santo, está tudo verdinho, tudo bonitinho”, em uma iniciativa que pode potencializar
a SAN naquele grupo quilombola. Seu Robério registra o apoio que a comunidade recebe do
programa Sesc Mesa Brasil, que atua no Pontal da Ilha desde 2010 levando, semanalmente,
alimentos que são distribuídos com as 150 famílias da comunidade. O Mesa é um trabalho de
combate ao desperdício de alimentos, um dos desafios para a SAN no Brasil, “pois busca
onde sobra e entrega onde falta. De um lado, contribui para a diminuição do desperdício, e de
outro reduz a condição de insegurança alimentar de crianças, jovens, adultos e idosos” (SESC,
2014).
Mulheres Mangabeiras (2011), 26 min, foi realizado em sete municípios sergipanos,
27 mulheres Catadoras de Mangaba foram entrevistadas. O vídeo mostra a luta diária pela
preservação da mangabeira e a tradição da atividade. Ao descrever a mangaba, Dona Nalva de
Capoã fala que a mangaba “é bem suave, doce, bem docinha, no finalzinho ela tem aquele
azedinho, mais é um azedinho bem gostoso”.
Já Dona Maria Evangelista narra a importância da mangaba para a promoção da
Segurança Alimentar e Nutricional delas, pois “a mangaba traz o sustento, ajuda muito na
mesa, no café, no açúcar, pra gente aqui é uma fruta poderosa. Quando eu sei que a mangaba
está sendo destruída, eu fico muito triste”. Dona Isa de Japoatã, sentada no quintal de sua casa
de taipa, onde também trabalha como artesã construindo cestos e tapetes de palha, explica:
Desde eu pequenininha, xixica, eu tinha parece que quatro anos de idade e vi
minha mamãe ir para mangabeiras com minha avó, e nós também íamos. Há
algum tempo era tudo mais difícil, num tinha bolsa família, num tinha bolsa
de nada, tudo era... ajuda de Deus porque bolsa família é ajuda dos homens
(…) Depois fui crescendo, fui ficando mais velha (…) aí me casei (…) e
minhas duas filhas pegaram no mesmo ramo, porque já viram eu nesse
mesmo ramo. Agora já não são só minhas filhas, já são meus netos também e
todo mundo nessa folia, filhos e netos e tudo, né?
Em 2013, no vídeo Guardiãs do Queijo Coalho do Sertão (15min), gravado nas
cidades de Monte Alegre, Porto da Folha e Nossa Senhora da Glória, em pleno sertão
sergipano, oito mulheres foram entrevistadas. Dona Carmelita Maria, a mais velha, diz:
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O queijo para mim foi uma coisa muito importante, porque sou mãe de 13
filhos (…) e sustentava meus filhos com esse queijo. Fazia o queijo e
levava para a feira para comprar o que precisasse, roupa, calçado, comida, de
tudo que precisasse. Então tenho que agradecer a Deus, por ter criado meus
filhos nessa luta. A vida do sertanejo é difícil. Só vive no sertão quem tem
opinião (…) porque aqui é com sacrifício.
Nesse mesmo percurso da narrativa, Dona Isabel explica:
Se não fosse o queijo, a vida da gente era mais difícil, porque a gente não
tem um emprego, a gente não tem um salário para dizermos: com esse
salário dá para eu sobreviver. A gente vive mais, por causa do queijo (…) E
eu gosto mesmo de fazer o queijo, eu amo fazer queijo, gosto mesmo de
zelar. Se não fosse ele, seria difícil viver, pois criei seis filhos com o
dinheiro do queijo, nunca me arrependi. E peço a Deus, pois acho que não
vou parar nunca, só quando eu morrer, mas ficarão meus filhos [com o
ofício].
Nessa coleção de narrativas, há tantos “nós” relativos às questões de SAN como o
acesso, geração de renda, gênero, alimentos tradicionais, água potável, que certamente o
conjunto dessas informações podem contribuir para o fortalecimento dos Conselhos e das
Redes formadas pelos inúmeros grupos que trabalham com agricultura familiar e soberania
alimentar. Muitos desses vídeos foram veiculados em canais locais de TV aberta (TV
Globo/Sergipe e Rede Brasil/Aperipê), festivais (CurtaSE e Fest´Afilm/França) e no Fórum
Social Mundial da Tunísia.
CONCLUSÃO
O documentário participativo, baseado na metodologia do ouvir e respeitar (PAULO
FREIRE, 2007) os ensinamentos dos diferentes atores e atrizes sociais sobre os desafios que
enfrentam e as soluções que buscam diariamente para o fortalecimento de suas famílias e
comunidades tradicionais, é relevante para a promoção da SAN e para a soberania alimentar,
uma vez que promove uma leitura imagética do espaço e do ser, fortalecendo a dialogicidade.
Através dos relatos, das imagens e até dos silêncios, um conjunto de significantes são
ingredientes que fomentam debates e propostas para o fortalecimento de redes de cooperação
e apoio às inúmeras comunidades que vivem situações de Insan. Betinho, desde os anos 90
em suas campanhas, já dizia através dos seus vídeos que “quem tem fome, tem pressa”. Com
a velocidade trazida ao mundo contemporâneo pelas novas tecnologias da informação e
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internet, os vídeos circulam mais rapidamente e podem ser compartilhados em inúmeros
espaços do globo.
Portanto, após a captura de entrevistas com equipamento e edição simples, em corte
seco, trilha sonora oriunda dos próprios grupos ou de suas regiões, e a aprovação pelas
pessoas envolvidas no processo, o vídeo passa a ter vida e poder circular por inúmeras redes
(inclusive virtuais), animar debates, inspirar ações ou simplesmente sensibilizar grupos em
diferentes esferas, atuando como um ingrediente motivador do processo ensino/aprendizagem.
Acompanhar os indicadores desse processo, mesmo que intangíveis, para aferir como as
diferentes comunidades dialogam com as narrativas dos vídeos e as utilizam em seu processo
de organização e reflexão e nas práticas para a manutenção da produção e consumo dos
alimentos tradicionais e de outras manifestações culturais na contemporaneidade, pode servir
de base para estudos futuros.
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