Fundamentar a Didáctica das Artes Visuais: Seis Propostas para o

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Fundamentar a Didáctica das Artes Visuais: Seis Propostas para o
Fundamentar a Didáctica das Artes Visuais: Seis Propostas para o Presente Milénio
Paisagem
Ensino
Integração
Simultaneidade
Sensação
Paradoxo
Leveza
Rapidez
Exactidão
Visibilidade
Multiplicidade
Consistência
Prefusão
História
Competências
Indigência Cultural
Competências
Espaço
Abarcamos cada vez mais uma grande panóplia de media, e podemos ser cada vez mais entendidos
taxonomicamente pelas relações que nos ligam às imagens bem como pelas imagens que se ligam a nós.
Como uma espécie de obsessão e necessidade “[…] de criar substitutos, efígies, avatares e duplos para
nós e para os nossos. (Acedido em: www.e-flux.com, a: 12-02-2010). Sabemos que a cultura visual trabalha muito sobre as margens, num entendimento e análise critica de um contexto criador de conceitos
que revestem as próprias imagens, a sua natureza, a sua produção, a sua semelhança, o sermos feitos da
sua mesma massa transdisciplinar. Em que as práticas digitais contemporâneas mostram e mostram-se
cada vez mais pelos resíduos deixados pelas comunicações quotidianas em blogs, news feeds e redes
sociais, como se de um arquivo de critérios específicos de pluralidade e sensações se tratasse, reflexo
de uma “[…] exaustão do impulso modernista dirigido para o futuro, desencanto e monotonia do que
é novo, esgotamento de uma sociedade que conseguiu neutralizar na apatia aquilo que a fundamenta: a
mudança. (Lipovetsky, 1988: 11-16)
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“A principal diferença entre a situação hodierna e a de épocas passadas está em que nos encontramos
num ponto do tempo posterior à Revolução Francesa e ao Liberalismo do século XVIII, e toda a ideia
que formulamos, todo o impulso que sentimos, estão impregnados desse liberalismo.” (Hauser, 1995: 991)
“A Arte, os Homens, mudaram de século, na busca da paisagem em múltiplas leituras, noutras tantas invenções. Quando, por abordagens diversas, se chega à conclusão que a paisagem faz parte do património,
forçoso é aproximar “a invenção do património” à nova invenção da paisagem. […]
A multidimensionalidade das paisagens não cessa de ser afirmada, ampliada, através de abordagens várias,
que vão da técnica à poética. […]” (Gaspar, 2003: 8)
“A Redução da leitura a consumo é claramente responsável pelo «aborrecimento» que muitas pessoas
sentem face a textos modernos, filmes e pinturas de vanguarda, consideradas «ilegíveis»: aborrecer-se significa não se ser capaz de produzir o texto, de expandi-lo, de fazê-lo funcionar. […]” (Barthes, 1971: 16)
“With the lights out it’s less dangerous/Here we are now/Entertain us!” (Smells Like Teen Spirit, Nirvana,
Nervermind, 1991, Composição: Kurt Cobain/Dave Grohl/Krist Novoselic)
“Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens educam-se entre si, mediatizados
pelo mundo.” (Freire, 1970: 7)
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A primeira paisagem que da qual temos que falar é sobre aquela que mudamos. E aquela que tentamos
mudar. O ensino das Artes Visuais não é uma história das Artes Visuais.
“Neste período de “democracia de massa” há uma tentativa de articular reivindicações e exigências em
nome de grupos […]” (Hauser, 1995: 960) cada vez mais específicos, extremados, diminutos, e até individualizados. O ensino apresenta-se cada vez mais especializado, numa tentativa de se fazer corresponder,
cada vez mais, às expectativas do mercado profissional. Afastando-se de fornecer formas de saber pensar
e de criar consistência e referencias nesse mesmo pensamento. Estando este ainda repleto de profundos
antagonismos e de tal forma ameaçado, por uma pertença ideia de integração num processo de personalização, imaterialidade e diluição ”[…] que acabam por se ver unificadas as maiores contradições. O
acento recai agora na simultaneidade dos conteúdos, na convergência constante dos diferentes períodos
de tempo, na fluidez amorfa da experiência interior, na relatividade de espaço e tempo, ou seja, na impossibilidade de diferenciar e definir os meios através dos quais a mente se move.” (Hauser, 1995: 970) Verificando-se a necessidade de desenvolver a formação do cidadão culturalmente. O monopólio da Arte, seja
do ponto de vista do autor seja do público, constitui-se como um capital indispensável à legitimação do
poder simbólico das instituições nacionais publicas e privadas. Do mesmo modo, a não acessibilidade por
parte da comunidade a este mundo poderá condenar a sociedade a uma posição desprivilegiada face aos
mercados culturais estrangeiros, assim como, a um empobrecimento exponencial do nosso já reduzido
capital cultural. Uma educação para o futuro deve ter presente o que está em jogo quando falamos de
cultura. Sobre aquilo em que apostamos quando fomentamos o ensino de arte no nosso país.
A importância de uma perspectiva ligada à sensação, numa época em que se praticam brutalidades e
se recomenda o mínimo possível de coação perante o máximo possível de opções; surge, muitas vezes,
como veiculo para o desencadeamento de situações que para a sua implementação muito ficam a dever
à dissidência e à força. Mas também ao reconhecimento das contradições e desfasamento de um conjunto de entidades tidas como neutras ou mesmo progressistas, como a arte e o ensino, as quais, em relação aos seus parâmetros, agora bastante deturpados, surgem como elementos chave de uma indigência
cultural e “[…] de reprodução alargada e ideológica, da servidão que o sistema mercantil tem promovido
sistematicamente.” (Debord, 1967: 15)
“Esta construção de uma situação é simultâneamente uma unidade de comportamento temporal. É feita
de gestos contidos no cenário de um momento, tendo por base esse cenário, mas também eles mesmos.
Resultando noutras formas de cenário e em outros gestos. Devendo cada participante […] formular
desejos precisos de ambientes para os realizar procurando a sua aplicação possível em situações construídas.” (Debord, 1967: 24)
A frase chave, segundo Paul Virilio na obra Cybermonde: La Politique du Pire de 1999, é uma frase de
Hörderlin: “Mas onde está o perigo, aí também cresce o que salva.” Por outras palavras, onde se encontra o maior perigo; aí também se encontra a salvação. A salvação está à beira do precipício, e cada vez
que alguém se aproxima do perigo aproxima-se da salvação. É o paradoxo da sociedade moderna […].”
(Virilio, 1999: 30)
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Propõe-se, para fundamentar a didáctica das Artes Visuais, uma tentativa de desenvolver uma capacidade
crítica a par de envolvente técnica e tecnológica. Considerando que estas acabam sempre por ser importantes, contudo, não terão que ser consideradas primordiais. Assim, ao professor e ao alunos, pede-se que
estejam atentos a todos os fenómenos ocorridos na sociedade e, a partir do seu interior, que consigam
problematizá-los e afectá-los aos seus objectivos de ensino/aprendizagem e aprendizagem/ensino. A
sociedade contemporânea exige um alerta permanente para todo o tipo de problemáticas - do domínio
cultural (público) ao afectivo (privado). Este legado tem permitido construir identidades que se podem
situar em dois universos contíguos, embora diferentes, de pensamento. O primeiro incorpora o modelo
reactivo - de exaltação permanente pelos fenómenos de massas explicáveis e panfletários. O segundo,
menos desesperado assenta no diálogo e na compreensão de modo a que dos problemas surjam outros
problemas, sem fim à vista, sem certezas absolutamente nenhumas.
Importa assim saber que aos professor e aluno contemporâneo é-lhes exigido um elevado nível de
participação social quer de forma directa ou indirecta, como acontece em outras áreas da produção e
participação artística. Aprendendo a estar com os outros através da nossa capacidade de participar com
objectos e opiniões que reivindiquem a sua existência particular. Esperando-se deles (tanto do professor
como do aluno), mais dúvidas do que certezas.
Clarificar e problematizar a linguagem como objectivo de comunicar cada vez melhor, dimensionando
responsabilidades e competências.
Assim, ao focalizarmos as nossas prioridades no reconhecimento da importância de comunicar, torna-se
inevitável o cruzamento de linguagens e de médiuns. E um elevado nível de expectativas que poderemos
converter em preocupações éticas, sociais, políticas e económicas. Depositando um elevado nível de
optimismo em ralação à comunicação com os outros mas, também constatando e problematizando constantemente a possível insustentabilidade de determinado processo comunicacional. A leveza de acreditar
pode sempre coincidir com o peso da frustração de uma proposta incompreendida. Este sistema dialéctico proposto por Italo Calvino nas lições que compõem o livro “Seis Propostas para o Próximo Milénio”
reflecte sobre alguns dos valores comunicacionais (= educacionais) a serem conservados no presente
milénio (Almeida, V. & Almeida, P, 2004: 1-2):
Leveza
“[…] Como em água profunda um corpo grave, […] na vida tudo o que escolhemos e avaliamos como
leve não tarda a revelar o seu peso insustentável. Talvez só escapem a esta condenação a vivacidade e a
mobilidade da inteligência […] que pertencem a outro universo que já não é o do viver.
Nas alturas em que o reino humano me parece mais condenado ao peso, penso que […] deveria voar
para outro espaço. Não estou a falar de fugas para o sonho ou para o irracional. Quero dizer que tenho
de mudar o meu ponto de vista, tenho de observar o mundo a partir de outra óptica, outra lógica, e
outros métodos de conhecimento e de análise. As imagens de leveza que procuro não deverão deixar-se
dissolver como sonhos pele realidade do presente e do futuro. […]
Existe uma leveza do pensamento, tal como todos sabemos que existe uma leveza da frivolidade; aliás, a
leveza do pensamento pode fazer a frivolidade parecer pesada e opaca.
[…] Assim, temos de recordar-nos de que se nos impressiona a ideia do muno construído de átomos
sem peso é porque temos experiência do peso das coisas; tal como não poderíamos admirar a leveza da
linguagem se não soubéssemos admirar também a linguagem dotada de peso.
[…] A leveza para mim está associada à precisão e à determinação, e não ao vago e abandonado por
acaso.” (Calvino, 1990: 17-44)
Rapidez
A relatividade do tempo assume “[…] o significado de um mito de fundação desta sociedade assente na
transformação. […] Vendo bem até na propriedade estilística se trata de rapidez na adaptação, e agilidade
da expressão e do pensamento. […]
Contudo o tema que nos interessa aqui não é a velocidade física, mas sim a relação entre a velocidade
física e a velocidade mental. […]
O século da motorização impôs a velocidade como um valor mensurável, cujos recordes marcam a
história do progresso das máquinas e dos homens. Mas a velocidade mental não se pode medir e não
permite comparações nem corridas, nem pode dispor os seus resultados numa perspectiva histórica. A
velocidade mental vale por si, pelo prazer que provoca em quem for sensível a este prazer, e não pela
utilidade prática que dela se possa obter. Um raciocínio rápido não é necessariamente melhor que um
raciocínio ponderado; pelo contrário; mas comunica uma coisa especial que reside precisamente na sua
prontidão. […] Devendo considerar uma mensagem de imediatismo obtida à força de ajustamentos
pacientes e meticulosos; uma intuição instantânea que mal é formulada assume logo o carácter definitivo
do que não poderia ser de outra forma; mas igualmente o tempo que passa sem outra intenção que não
seja a de deixar os sentimentos e os pensamentos alicerçarem-se, amadurecerem e libertarem-se de toda
a impaciência e de toda a contingência efémera. […]” (Calvino, 1990: 53-70)
Exactidão
“[…] Exactidão para mim quer dizer sobretudo três coisas:
1 Um projecto da obra bem definido e bem calculado;
2 A evocação de imagens visuais nítidas, incisivas, memoráveis;
3 Uma linguagem o mais precisa possível como léxico e na sua capacidade de traduzir as nuances do
pensamento e da imaginação. […]
Às vezes parece-me que uma epidemia pestífera atingiu a humanidade na faculdade que mais a caracteriza, ou seja, o uso da palavra, uma peste da linguagem que se manifesta como perda de força cognitiva
e de imediatismo, como um automatismo com a tendência para nivelar a expressão nas fórmulas mais
genéricas, anónimas e abstractas, para diluir os significados, para embotar os pontos expressivos, para
apagar toda a centelha que crepite do encontro das palavras com novas circunstâncias. […]
E acrescentarei que não é só a linguagem que me parece atingida por esta peste. Também as imagens, por
exemplo. Vivemos debaixo de uma chuva ininterrupta de imagens; os mais poderosos media não fazem
senão transformar o muno em imagens e multiplicá-lo através de uma fantasmagoria de jogos de espelhos; imagens que em grande parte estão privadas da necessidade interna que deveria caracterizar toda a
imagem, como forma e como significado, como força de se impor à atenção, como riqueza de significados
possíveis.
Grande parte desta nuvem de imagens dissolve-se imediatamente, tal como os sonhos que não deixam
marcas na memória; mas não se dissolve uma sensação de estranheza e mal-estar.
Mas talvez a inconsistência não esteja nas imagens ou só na linguagem: está no mundo. A peste atinge a
vida das pessoas e a história das nações, torna todas as histórias informes, causais, confusas, e sem pés
nem cabeça. O meu mal-estar é pela perda de forma que constato na vida […].” (Calvino, 1990: 73-75)
Visibilidade
“Podemos distinguir dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra e chega à imagem visual
e o que parte da imagem visual e chega à expressão verbal. O primeiro processo é o que se verifica
normalmente na leitura: lemos por exemplo uma cena de um romance ou a reportagem de um acontecimento no jornal, e conforme a maior eficácia do texto somos levados a ver a cena como se desenrolasse
diante dos nossos olhos, ou pelo menos fragmentos e pormenores da cena que emerge do infinito.
No cinema a imagem que vemos no écran também passou por um texto escrito, a seguir foi «vista»
mentalmente pelo realizador; e depois reconstruída no seu plano físico no set para ser definitivamente
fixada nos fotogramas do filme. Um filme é portanto o resultado de uma sucessão de fases, imateriais
e materiais, em que as margens vão tomando forma; neste processo «o cinema mental» da imaginação
tem uma função que não é menos importante que a das fases de efectiva realização de sequências como
vão ser registadas pela câmara e depois montadas […]. Este «cinema mental» funciona sempre em todos
nós - e sempre funcionou, já antes da invenção do cinema - e nunca deixa de projectar imagens na nossa
visão interior. (Calvino, 1990: 103)
Multiplicidade
“[…] Pelo contrário, respondo eu, quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinação de
experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca,
um inventário de objectos, um inventário de objectos, um catálogo de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.
Mas talvez seja outra a resposta que levo mais a peito: oxalá fosse possível uma obra concebida fora do
self, uma obra que nos permitisse sair da perspectiva limitada de um eu individual, não só para entrar
noutros eus semelhantes ao nosso, mas também para fazer falar o que não tem palavra, o pássaro que
pousa no beiral, a árvore na Primavera e a árvore no Outono, a pedra, o cimento, o plástico… […].”
(Calvino, 1990: 145)
Consistência
A sexta lição não chegou a ser escrita por Italo Calvino. O que se sabe é que iria referir-se a Bartleby de
Hermann Melville.
Segundo o “Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie” de André Lalande, o substantivo consistência remete-nos para um pensamento que não é nem fugaz e inatingível, nem contraditório; para
uma consistência lógica de uma determinada doutrina argumento. Em suma, um sistema de axiomas é
considerado consistente se não se contradisser.
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O levantar da questão da identidade da arte ganhou pertinência a partir dos anos 60. Esta, tal com sempre, liga determinada forma comunicativa ao meio sócio-cultural que a gera. Sendo, tal como disse Tolstoi
«uma acção por meio da qual a pessoa que experimenta um sentimento o transmite intencionalmente
aos outros.» Sendo estas mesmas condições socioculturais que induzem a ver nas coisas “[…] qualidades
anteriormente insuspeitadas, como Gombrich amplamente demonstrou. Segundo Uberto Eco, no caso
de anotação gráfica, a codificação também acontece por “convenção” tendo porém que” (Massironi, 1982:
22)
“[…] a noção de «convenção» gráfica não é coextensiva à da «ligação arbitrária», mas é, porém, coextensiva à de «ligação cultural».
Pode agora falar-se de Código Icónico como um sistema que faz corresponder a um sistema de veículos
gráficos, unidades perceptíveis e culturais codificadas, ou unidades pertinentes de um sistema semântico
que depende de uma precedente codificação da experiência perceptiva.” (Massironi, 1982: 95)
Entendendo a história como um momento vertical em que tudo pode coincidir cumulativamente, no
mesmo espaço, ao mesmo tempo e como uma única acção. Requere-se que se considere uma profunda
alteração dos padrões actuais de ensino. “No abandono da sua domesticação social. No que neste se desenvolve ou permite desenvolver. E no seu uso desregrado e sem sensibilidade, de uma espécie de teoria
positivista, por um lado, e capitalista por outro.” (Hauser, 1995: 960)
No texto “Born to be Famous”, João Fernandes (AAVV, 2002: 154) afirma que: ”uma escola é hoje
avaliável, não só pelas características do ensino nela ministrado, mas também pelo sucesso daqueles que
a frequentaram num mundo especializado de afirmação e legitimação das competência e capacidades
que é suposto essa mesma escola ter desenvolvido ou permitido desenvolver. Vivemos numa época em
que os alunos encontram reduzidíssimas possibilidades de transformação da instituição escolar em função
da sua imaginação e criatividade idiossincráticas, sendo muitas vezes a escola que definirá os padrões de
actuação pelos quais os seus alunos se tornaram reconhecíveis.”
Neste contexto, o ensino segundo Lyotarde “deverá continuar a fornecer ao sistema social as competências correspondentes às suas exigências próprias, que são a manutenção da sua coesão interna.
Anteriormente esta tarefa comportava a formação e a difusão de um modelo geral de vida, que legitimava frequentemente a narrativa da emancipação. No contexto da deslegitimação, as instituições de
ensino são doravante solicitadas a formar competências em vez de ideias […] a transmissão de saberes
já não surge destinada a formar uma elite capaz de guiar a nação na sua emancipação, antes fornece
ao sistema os jogadores capazes de assegurar convenientemente o seu papel nos lugares pragmáticos
de que as instituições necessitam. Se as finalidade do ensino […] são funcionais, quais serão as dos
destinatários?”Abarcamos cada vez mais uma grande panóplia de media, e podemos ser cada vez mais
entendidos taxonomicamente pelas relações que nos ligam às imagens bem como pelas imagens que se
ligam a nós. Como uma espécie de obsessão e necessidade “[…] de criar substitutos, efígies, avatares e
duplos para nós e para os nossos. (Disponível em: www.e-flux.com, em: 12-02-2010). Sabemos que a cultura visual trabalha muito sobre as margens, num entendimento e análise critica de um contexto criador
de conceitos que revestem as próprias imagens, a sua natureza, a sua produção, a sua semelhança, o sermos feitos da sua mesma massa transdisciplinar. Em que as práticas digitais contemporâneas mostram e
mostram-se cada vez mais pelos resíduos deixados pelas comunicações quotidianas em blogs, news feeds
e redes sociais, como se de um arquivo de critérios específicos de pluralidade e sensações se tratasse,
reflexo de uma “[…] exaustão do impulso modernista dirigido para o futuro, desencanto e monotonia do
que é novo, esgotamento de uma sociedade que conseguiu neutralizar na apatia aquilo que a fundamenta:
a mudança. Somos apanhados numa vaga de […] declarações fragmentárias, de entrevistas, de confidências, de «tomadas de palavra» culturais, regionais, locais, de bairro, de escola, de grupos restritos. Democratização sem precedentes da palavra: cada um de nós é incitado a […] falar […] para […] um […]
emissor, cada um de nós pretende dizer alguma coisa a partir da sua experiência íntima, tornar-se locutor
e ser ouvido. […] Quanto mais os indivíduos se exprimem menos há que dizer, quanto mais se solicita a
subjectividade , mais anónimo e vazio o efeito se revela. Paradoxo reforçado ainda pelo facto de ninguém
se interessar, no fundo, por tal profusão de expressão, é verdade que com uma excepção significativa: a
do próprio emissor ou criador. (Lipovetsky, 1988: 11-16)
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Roland Barthes, no ensaio “Réquichot e o Seu Corpo” de 1973, encontrou uma possível resposta: “Ser
moderno é saber o que é que já não é possível”. A evidente aceleração, a evidente rapidez, a evidente
imediaticidade - de todos os dados presentes e disseminados nas novas tecnologias digitais - e a nossa
tentativa evidente, perante o confronto, de os conseguir processar e pensar, numa constante confusão de
alteridade, faz com que José Bragança de Miranda, professor catedrático em Ciências da Comunicação,
especialidade de Comunicação e Cultura, na disciplina de «Teoria da Cultura», na Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e ensaísta português, refira a «mistura», a «hibridização» de todas as diferenças, “[…] de todas as categorias quase invisíveis, mas enormemente estruturantes, como aquelas que opunham presença e ausência, longe e perto, real e irreal, perdurável e efémero,
original e cópia.
Donna Haraway, também referida por ele no artigo: Mapear a Cibercultura, pertencente ao Projecto
Tendências da Cultura das Redes em Portugal, do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens
(CECL) da Universidade Nova de Lisboa, acedido em: http://www.cecl.com.pt, a 12-01-2010, autora do
ensaio: “A Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist-Feminism in the Late Twentieth Century”
publicado em 1985, afirmava que: «A tecnologia não é neutra. Estamos no interior do que fazemos e
o que fazemos está dentro de nós. Vivemos num mundo de ligações – e tem importância aquelas que
fazemos e desfazemos». A tecnologia actual tem pelo menos a vantagem de ter dado nova visibilidade e
consistência a essa «matriz», sendo certo que crescentemente as formaliza e se apropria delas. Alterando-as e tornando-as diferentes. Daí, segundo afirma, a necessidade de arriscar novas formas de pensar, à
altura da rapidez eléctrica, e àquela que parece ser a sua consequência mais visível: a nova imediaticidade,
que tende a perturbar divisões de há muito estabelecidas. Pondo apenas à prova e confrontando, novas
realidades. E como deveram, também ser, as novas vivências sobre e com estes novos dispositivos de
representação.
Onde reside o realismo? Na representação fidedigna ou na representação verídica? Um espécie de alegoria sobre o papel do real no processo de criação artística. Onde está o realismo? O que é? Produz uma
representação absolutamente realista ou absolutamente verosímil?
“[…] A observação frequente que algo gera o seu contrário, o seu antípoda positivo ou negativo. Mas
é notável que o primeiro elemento não desaparece e apenas, por assim dizer, se transmuta, ou seja,
altera-se quanto ao seu valor inicial e passa a desempenhar um outro papel. Por exemplo, quantas vezes
deparamos com a transmutação do desprendimento em relação a si, o altruísmo, em puro egoísmo
e sujeição do outro, quantas vezes do racional surge o irracional, etc.? […] Essa consciência de que o
negativo raramente é só negativo e de que o positivo raramente é só positivo […] atitude que assenta
na compressão da transmutação dos sentimentos morais como um processo natural fazendo parta da
história das culturas.” (Nietzche, 1886: 5).
Por outras palavras: uma era em que se age, cria e onde dentro de pouco tempo se poderá, e até onde
já se quer, vir a atingir a beleza total - se ela não tentou existir desde sempre - a partir de uma visão positiva de caos, complexidade e nos espelhos percepcionais por ela possibilitados. Nicolas Bourriaud, de 44
anos, fundador e ex-director do influente Palais de Tokyo, de Paris, hoje curador de arte contemporânea
de um dos mais importantes e influentes museus de arte contemporânea do mundo, a Tate de Londres,
escreveu no site oficial da Tate Trienal 2009, acedido em: www.tate.org.uk/britain/exhibitions/altermodern/
manifesto.shtm, a: 22-12-2009, que: “O papel histórico do modernismo, enquanto fenómeno saído do
domínio da arte, reside na sua capacidade de nos catapultar para fora da tradição; incorpora um êxodo
cultural, uma fuga ao confinamento do nacionalismo e etiquetamento identitário, mas também [uma fuga]
ao ‘mainstream’, cuja tendência é reificar pensamento e prática. Sob a ameaça do fundamentalismo e da
uniformização orientada para o consumismo, ameaçada pela massificação e o abandono à força da identidade individual, a arte precisa hoje de se reinventar a si mesma, e, isto, à escala planetária.” Usando só o
nosso presente. O nosso mesmo espaço.
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