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Excelência em Ensino Superior
bem perto de você
Revista da FARESE
v.2 n.1, 2010
Apoio:
Fundação
de Apoio à Ciência e Tecnologia
do Espírito Santo - FAPES
Secretaria
de Ciência e
Tecnologia
www.es.gov.br
REVISTA DA FARESE
Revista interdisciplinar semestral
Nota: As opiniões e conceitos emitidos, nos artigos publicados, nesta revista são de inteira
responsabilidade dos seus autores.
Tiragem: 100 exemplares
Coordenação Executiva:
Sandra Maria Guisso
Revisor de redação:
Vanda Nogueira Coser
Revisores de texto:
Carlos Alberto Lima
Dalva Câmara
Jaqueline Scalzer
Ozirlei Teresa Marcilino
Sandra Maria Guisso
Bibliotecária:
Débora do Carmo
Conselho Editorial:
Carlos Alberto Lima - Coopeavi
Charles Moura Netto - CBX
Dalva Câmara - FARESE
Gerlinde Merklein Weber - FARESE
Ismael Tressmann - FARESE
Jaquelini Scalzer - ESFA
José Roberto Gonçalves - Coopeavi
Luciene Perini - FARESE
Ozirlei Teresa Marcilino - Polo UAB-UFES
Rudson Franz Rudio - UNESC
Sandra Maria Guisso - FARESE
INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR
DA REGIÃO SERRANA
Presidente
Arildo Castelluber
Coordenação de Pesquisa e Extensão
Sandra Maria Guisso
Coordenação de Licenciatura
Arildo Castelluber
Coordenação de Ciências Gerenciais
Ozirlei Teresa Marcilino
Arte e Impressão:
Gráfica e Editora Quatro Irmãos Ltda.
Coordenação de Ciências Ambientais
Sandra Maria Guisso
REVISTA DA FARESE. v.2, n.1, 2010.
Semestral
1. Cultura – Periódico. 2. Educação – Periódicos. I. Instituto de Ensino
Superior da Região Serrana – FARESE.
CDU 002
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Faculdade da Região Serrana.
SUMÁRIO
05
Arildo Castelluber
Editorial
07
Charles Moura Netto
Nadja Valéria dos Santos Ferreira
Desenvolvimento Economômico e Educação Ambiental: Uma
Reflexão
12
Juliana da Silva Armine
Interfaces entre Direito Ambiental e Direito do Consumidor
22
Adriana Vieira Guedes Hartuwig
Cultura(s) e Interculturalidade: conceitos, questões e perspectivas
de construção de saberes
32
Ederson Abeldt
Carlos Francisco Meneghel
José Roberto Gonçalves
Audrey Ferreira Dias Leite
Viabilidade econômica de propriedades leiteiras no Município de
Santa Maria de Jetibá-ES
45
Arildo Castelluber
A história do Currículo mínimo dos Cursos de Licenciatura em
Matemática
55
Aline Ferreira Dias Leite
Audrey Ferreira Dias Leite
Uma questão de Ética: Resenha sobre o filme Fora de Controle
62
Normas para Publicação
EDITORIAL
A Revista da FARESE, criada em 2008, tem a finalidade de divulgar os
resultados dos trabalhos e pesquisas desenvolvidas pela nossa comunidade
acadêmica. O lançamento do primeiro número foi motivo de orgulho para todos nós
e agora nos sentimos vitoriosos por podermos continuar o trabalho que requer
muitos esforços de todos os envolvidos, visando manter a qualidade e a diversidade
dos artigos.
O segundo número da Revista FARESE apresenta contribuições relacionadas
à Cultura, à Educação, ao Direito, à Economia e à Ética, com discussões que muito
contribuem para o entendimento de nossa sociedade tão complexa.
A preocupação com o desenvolvimento econômico e a preservação
ambiental faz parte do universo dos pesquisadores Charles de Moura Netto e Nadja
V. dos Santos Ferreira. Estes apresentam uma proposta de educação que
proporcione o avanço tecnológico junto com a preservação ambiental.
No campo do Direito, Juliana da Silva Armine procura refletir acerca da
importância alimentar e da necessidade de uma produção de alimentos sustentáveis.
No campo da Cultura, Adriana Vieira Guedes Hartuwig procura refletir sobre
os conceitos de “Cultura" em seus diferentes contextos e tempos históricos.
Já os docentes José Roberto Gonçalves e Audrey Ferreira Dias Leite,
juntamente com os discentes Carlos Francisco Meneghel e Ederson Abeldt,
procuram apresentar algumas características de produção observadas nos rebanhos
do Município de Santa Maria de Jetibá-ES.
Na área da Educação Matemática, apresento o trabalho de pesquisa que
objetivou historiar o currículo mínimo da Matemática desde o parecer do Conselho
Federal de Educação em 1962 até os dias atuais.
Por fim, o leitor é brindado com uma resenha, produzida por Aline F. D. Leite
e Audrey F. D. Leite do filme “Fora do Controle", que aborda a ética e a moral.
Boa leitura!
Arildo Castelluber
Diretor da FARESE
DESENVOLVIMENTO
ECONOMÔMICO E
EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
UMA REFLEXÃO
Charles Moura Netto1
Nadja Valéria dos Santos Ferreira2
1
Professor da FARESE / Mestrando em
Técnologia Ambiental - FACHA
Instituto de Ensino Superior da Região Serrana
Rua Hermann Roelke, 230 - Centro
Santa Maria de Jetibá - ES - Brasil - CEP 29645-000
E-mail: [email protected]
2
Doutora em Educação - UFES
E-mail: [email protected]
Resumo
O mundo, nos dois últimos séculos,
passou por profundas transformações
técnico-científicas. Houve avanços
tecnológicos em todos os setores da
sociedade, resultando em um elevado
desenvolvimento econômico e, em
contrapartida na degradação ambiental.
Estas conseqüências levaram cientistas,
pensadores e ambientalistas, do Brasil e
do mundo, a repensarem valores éticos,
coletivos e, principalmente, numa
proposta de educação que proporcionasse adaptação a este avanço
tecnológico junto à preser vação
ambiental.
Palavras-chave: Desenvolvimento
Econômico, Degradação Ambiental,
Educação Ambiental.
Introdução
O trabalho se insere no contexto da
questão socioambiental que desperta
preocupações e crescente interesse social,
devido à condição de crescimento e
desenvolvimento econômico, pela
degradação de valores éticos e coletivos.
O homem também experimenta uma
levada queda de qualidade de vida
ocasionada pela rápida degradação
ambiental com: desmatamentos,
queimadas, deg radação do solo,
esgotamento das reservas naturais,
grilagem, conflitos agrários, megalópoles,
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07
08
crescimento econômico insustentável,
poluição ambiental, tão presentes na
mídia. A degradação ambiental e a
desigualdade social estão bastante
associadas, levando-nos à reflexão de que
a crise mundial não é só ambiental e sim
socioambiental (NOVICKI; MACCARIELLO, 2002). Guattari (1990) relata
que o planeta vive uma intensa
transformação técnico-científica tendo o
agravante dos aumentos dos fenômenos
de desequilíbrios ecológicos que, se não
forem revistos e mitigados ameaçam a
vida em sua superfície. Ao lado de tais
perturbações, o modo de vida dos
humanos evolui no sentido de uma
progressiva deterioração.
A questão sócio-ambiental emerge
como problema significativo, em nível
mundial, expressando um conjunto de
contradições entre o modelo dominante
de desenvolvimento econômico e a
realidade socioambiental. Segundo Jacobi
(2003) a questão ambiental cria situações
marcadas pelo conflito, esgotamento e
pela destruição que se expressam: nos
limites materiais ao crescimento
econômico; na desigualdade econômica;
na expansão urbana e demográfica; na
tendência ao esgotamento de recursos
naturais e energéticos não-renováveis; no
crescimento acentuado das desigualdades
socioeconômicas, que alimentam e
tornam acentuados os processos de
exclusão social; no avanço do
desemprego; na perda da biodiversidade e
na degradação crescente dos ecossistemas.
São todas situações que comprometem
a qualidade da vida humana, em
particular, ameaçam a continuidade da
vida global do planeta. Guattari (1990)
questiona a maneira de viver da sociedade
mundial, no contexto da aceleração das
mutações técnico - científicas e do
considerável crescimento demográfico.
De fato, a questão ambiental revela o
retrato de uma crise complexa que aponta
para a exaustão de um determinado
modelo de sociedade que produz,
desproporcionalmente, criando mais
problemas que soluções e, onde as
soluções propostas constituem-se em
nova fonte de problemas.
Educação ambiental: A construção de
um saber
A partir da Conferência Intergovernamental, organizada pela UNESCO e
em colaboração com o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente,
sobre Educação Ambiental, realizada em
Tbilisi (ex-URSS), em 1977, inicia-se um
amplo processo em nível mundial
direcionado para criar um fomento a uma
nova consciência sobre o valor da
natureza e para reorientar a produção de
conhecimento baseada nos métodos da
interdisciplinaridade e nos princípios da
complexidade.
No mundo e no Brasil, embora de
formas diferenciadas, essa consciência
ecológica cresceu e, gradualmente, foi se
materializando no seio da opinião
pública, nos movimentos sociais, nos
meios científicos, nos organismos do
terceiro setor e políticas públicas, nos
veículos de comunicação social, nos
organismos e bancos internacionais, nas
organizações civis e nas iniciativas
empresariais (DIAS, 1994).
Viola e Leis (1991) analisam a evolução
do movimento e da consciência
ambientalista mundial e brasileira.
Concluem que o movimento no Brasil,
iniciado a partir de minorias militantes
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ambientalistas, organizadas em torno da
denúncia de agressões ambientais e da
degradação de certos biomas , foi aos
poucos se ampliando, até evoluir à feição
multidisciplinar que hoje o caracteriza.
Segundo Lima (1999) a partir da
conferência de Tbilisi foram elaborados
os objetivos, princípios, metas, estratégias
e recomendações para a educação
ambiental. Entre os resultados da reunião
surgiram critérios orientadores para o
desenvolvimento da proposta que
sugerem que a educação deve:
a) ser atividade contínua, acompanhando o cidadão em todas as
fases de sua vida;
b) ter caráter interdisciplinar,
integrando o conhecimento de
diferentes áreas;
c) ter um perfil pluridimensional,
associando os aspectos econômico,
político, cultural, social e ecológico
da questão ambiental;
d) ser voltada para a participação social
e para a solução dos problemas
ambientais;
e) visar a mudança de valores, atitudes e
comportamentos sociais .
Especificamente no Brasil, Dias (1991)
relata que a escassez de recursos , as
divergências e a incompetência política ,
impediram a continuação daquela
importante proposta de EA pela
Conferência de Tbilisi e após tentativas
infrutíferas de instalar um plano
educacional por quase uma década. Na
véspera da II Conferência
Intergovernamental sobre Educação
Ambiental em Moscou (1987) o Plenário
do Conselho Federal de Educação (MEC)
aprovou Parecer 226/87 que considerava
necessária a inclusão da EA dentre os
conteúdos a serem explorados nas
propostas curriculares das escolas de 1º e
2º graus.
Ao nos referimos à educação
ambiental, contextualizamos numa forma
holística, a educação para a cidadania,
configurando-a como elemento crucial
para a consolidação de sujeitos cidadãos.
O desafio da construção da cidadania
para a população em geral, e não para um
g r u p o s e l e t o, e s t a b e l e c e p e l a
possibilidade de cada pessoa ser
portadora de direitos e deveres, e de se
converter, portanto, em ator coresponsável na defesa da qualidade de
vida.
O principal eixo de atuação da
educação ambiental deve buscar, acima de
tudo, a solidariedade, a igualdade e o
respeito à diferença através de formas
democráticas de atuação baseadas em
práticas interativas e dialógicas. Isto se
evidencia no objetivo de criar novas
atitudes e comportamentos diante do
consumo na nossa sociedade e de
estimular a mudança de valores
individuais e coletivos (JACOBI, 1997).
A educação ambiental transita por
vários campos do conhecimento, o que a
situa como uma abordagem
multidisciplinar, e a complexidade
ambiental (LEFF, 2001) reflete um tecido
conceitual heterogêneo, “onde os campos
de conhecimento, as noções e os
conceitos podem ser originários de várias
áreas do saber”(TRISTÃO, 2002). Neste
sentido, (LEFF, 2001) cita que podemos
redefinir a prática educativa como aquela
que, juntamente com outras práticas
sociais, está implicada no fazer histórico, é
produtora de saberes e política onde se
exerce a ação humana.
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09
O desenvolvimento com Educação
10
Ao falarmos de educação e meio
ambiente, coloca-se o problema das más
atitudes. Atitudes de agressão à natureza e
aos espaços coletivos são considerados
atitude negativas que a educação, como
um instrumento de socialização, deve
mu d a r, r e f o r ç a n d o a t i t u d e s d e
conservação e respeito à natureza. É
ainda corrente, em educação ambiental,
construirmos a imagem do mundo como
um lugar estático e constituído por um
meio ambiente físico que já está dado
desde sempre, onde os homens são os
usuários, consumidores que podem se
comportar melhor ou pior em relação ao
seu ambiente, confor me forem
sensibilizados pela educação. Dias (2001)
cita que o mundo, com as relações sociais
que constituem, não pode ser traduzido
num conjunto de comportamento, ao
contrário, o comportamento, e mesmo a
experiência subjetiva dos homens num
determinado momento histórico, são, em
grande parte, produzida socialmente.
Nestes tempos em que a informação
assume um papel cada vez mais relevante,
multimídia, internet, a educação para a
cidadania representa a possibilidade de
motivar e sensibilizar as pessoas para
transformar as diversas formas de
participação na defesa da qualidade de
vida. Nesse sentido cabe destacar que a
educação ambiental assume, cada vez
mais, uma função transformadora, na
qual a co-responsabilização dos
indivíduos torna-se um objetivo essencial
para promover um novo tipo de
desenvolvimento – o desenvolvimento
sustentável. Entende- se, portanto, que a
educação ambiental é condição necessária
para modificar um quadro de crescente
degradação socioambiental, mas ela ainda
não é suficiente, o que, no dizer de
Tamaio (2000), se converte em “mais uma
ferramenta de mediação necessária entre
culturas, comportamentos diferenciados
e interesses de grupos sociais para a
constr ução das transfor mações
desejadas”. O educador tem a função de
mediador na construção de referenciais
ambientais e deve saber usá-los como
instrumentos para o desenvolvimento de
uma prática social centrada no conceito
da natureza. A educação ambiental, nas
suas diversas possibilidades, abre um
estimulante espaço para repensar práticas
sociais necessárias para que os indivíduos
adquiram uma base de compreensão
essencial do meio ambiente global e local,
da interdependência dos problemas e
soluções e da importância e da
responsabilidade de cada um para
construir uma sociedade planetária mais
equitativa e ambientalmente sustentável.
Referências
DIAS, Genebaldo Freire. Educação
ambiental: princípios e práticas. 7. ed.
São Paulo: Gaia, 2001.
GUATTARI, Félix. As três ecologias.
Tradução Maria Cristina F. Bittencourt.
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LEFF, E. Epistemologia ambiental.
São Paulo: Cortez, 2001.
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Acesso em: 15 de mar 2010.
TAMAIO, I. A Mediação do professor
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TRISTÃO, M. As Dimensões e os
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VIOLA, Eduardo & LEIS, Hector. “A
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preser vacionista para o multissetorialismo orientado para o
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HOGAN, D. J. & VIEIRA, P. F.. Dilemas
socioambientais e desenvolvimento
sustentável. Campinas, SP: UNICAMP,
1995, p. 73-102.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
11
INTERFACES ENTRE
DIREITO AMBIENTAL E
DIREITO DO
CONSUMIDOR
Juliana da Silva Armine
Professora da FARESE / Especialista em Direito
Ambiental
Instituto de Ensino Superior da Região Serrana
Rua Hermann Roelke, 230 - Centro
Santa Maria de Jetibá - ES - Brasil - CEP 29645-000
E-mail: [email protected]
Resumo
O presente trabalho faz uma interface
entre o direito do consumidor e o direito
ambiental, destacando os pontos de
contato entre ambos, principalmente no
que se refere aos princípios embasadores
destes dois ramos do direito. Com base
nestas análises primeiras, passa-se a
discorrer sobre a influência do direito
ambiental no direito do consumidor, e
vice versa. Por fim, estabelece a
importância da segurança alimentar e a
necessidade de uma produção de
alimentos sustentáveis. A proposta é de
que a segurança alimentar seja um dos
aspectos da interface discutida no texto.
Introdução
12
No século XX e, sobretudo, no
período pós Segunda Guerra, com o
avanço tecnológico, a aceleração do
processo produtivo e o advento do
consumo em massa, surge uma nova
categoria vulnerável - a dos consumidores
- e a necessidade de protegê-la, o que dá
origem ao direito do consumidor.
Ao mesmo tempo, há o avanço da
indústria, das tecnologias e de um
desenfreado consumo. Desenvolvem-se e
intensificam-se os problemas ambientais,
ameaçando a sobrevivência do homem
no planeta.
No Brasil, os diversos modelos de
desenvolvimento aplicados, foram
responsáveis por uma série infinita de
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alterações introduzidas na natureza,
algumas delas praticamente irreversíveis,
uma vez que implicaram no
desaparecimento de espécies animais e
vegetais, não raro, únicas em todo o
mundo.
Assim, no final dos anos 60 e início da
década de 70, a humanidade toma a
consciência de toda essa problemática e
surge o movimento ambientalista, que
culminou, em 1972, com a Conferência
de Estocolmo, da Organização da Nações
Unidas – (ONU) e em 1992, com a ECO
92, documento resultante da Conferência
das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável, realizada no Rio de Janeiro, a
qual elenca como principais objetivos: a
conservação da biodiversidade e a
utilização sustentável dos recursos
naturais.
Entretanto, o direito do consumidor e
o direito ambiental surgem conjuntamente com o processo evolutivo do
homem. Pois os meios de proteção do
meio ambiente e ao consumidor são de
certa maneira correlatas, tendo em vista
que o direito do consumidor estabelece
meios de proteção ao uso de bens e
produtos, e o direito ambiental defende
todos os meios de proteção ao meio
ambiente dando ênfase ao
desenvolvimento sustentável.
2 Interfaces Entre Direito Ambiental
E Direito do Consumidor
2.1 Direitos Difusos
Uma vez que os interesses difusos são
uma espécie do gênero de interesses
meta-individuais. Podemos definir
aqueles como um vínculo extremamente
genérico entre pessoas em número
indeterminável e fatores conjunturais
transitórios, de caráter acidental, como
residir em área de alto índice de poluição,
por exemplo.
Ademais disso, atentar-se para o fato de
que o artigo 81 do Código de Defesa do
Consumidor – (CDC), define o conceito
de direito difuso como sendo os
“transindividuais, de natureza indivisível,
de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.
É mister observar, desta forma, que o
Direito Ambiental possui uma relação
com o Direito do Consumidor, porque
tanto um como outro fazem parte de um
conteúdo de direito difuso, uma vez que
eles são de derradeira importância e
interesse social.
2.2 Competência concorrente da
União, Estados e Distrito Federal
O princípio geral que norteia a
repartição de competência entre as
entidades componentes do Estado
Federal é o da predominância do
interesse, e é nesse contexto que
observamos que há um interesse mútuo
entre a União, os Estados e o Distrito
Federal de legislarem concorrentemente
em matérias que versem sobre a
responsabilidade por dano ao meio
ambiente e ao consumidor, conforme
artigo 24, VIII da CF/88.
Percebe-se então que o legislador
constitucional coloca a preocupação em
legislar sobre o meio ambiente e o
consumidor na mesma linha de interesse
das entidades, conectando ainda mais os
ramos de Direito Ambiental e de Direito
do Consumidor.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
13
2.3 Conexão entre os Princípios do
Direito Ambiental Brasileiro com o
Código de Defesa do Consumidor
2.3.1 Princípio da dignidade da pessoa
humana
14
A dignidade humana é um conceito
jurídico indeterminado com forte carga
de abstração. A pessoa é um bem a ser
protegido pelo Estado e a dignidade é o
seu valor. Trata-se de princípio absoluto,
que todo estatuto jurídico deve garantir.
A afirmação da dignidade humana, em
termos éticos, apresenta-se como
reconhecimento dos direitos fundamentais do homem. A dignidade da pessoa
humana é a base lógica dos direitos do
homem, pressupondo-se como condição
primária à vida, à integridade física e
psíquica, à liberdade, à igualdade e à
segurança.
É fundamental, para a concretização
da dignidade humana, a existência de
condições mínimas materiais para a vida.
Se um fornecedor coloca no mercado, por
exemplo, um produto de alta periculosidade, capaz de colocar em risco a
saúde e a segurança dos consumidores,
sem informar sobre os riscos de seu
manuseio fere diretamente o princípio da
dignidade humana, bem como se este
produto estiver fora dos padrões
ambientais exigidos por lei.
A Constituição Brasileira de 1988
elevou o princípio da dignidade da pessoa
humana à posição de fundamento da
República Federativa do Brasil. Dessa
forma, não fez outra coisa senão
considerar que o Estado existe em função
de todas as pessoas e não estas em função
do Estado.
2.3.2 Princípio do desenvolvimento
sustentável
O desenvolvimento sustentável é um
princípio tão basilar do Direito Ambiental
que faz direta conexão com Direito do
Consumidor, que a ONU, ao traçar os
Direitos Fundamentais dos Consumidores, incluiu o Direito a um Meio
Ambiente saudável, de tal forma que os
padrões ambientais viessem a contribuir
para as satisfações dos consumidores nos
desfrutes das utilidades dos bens e
serviços.
Assim, a Carta Magna ditou regras
para esse desenvolvimento em seu artigo
170, VI, VII, VIII, que orientam a ordem
econômica do país, bem como no art.
225, quando discorre sobre o dever de
todos de proteção do meio ambiente para
as gerações atuais e futuras, já que esta é
uma das finalidades da sustentabilidade.
Já no diploma consumerista, o
desenvolvimento sustentável encontra
respaldo no artigo 4º, III e V.
Art. 4º. A Política Nacional das
Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade,
saúde e segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a
transparência de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
(...)
III - harmonização dos interesses dos
participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os
princípios nos quais se funda a ordem
econômica (art.170 da Constituição
Federal), sempre com base na boa-fé e
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (GRIFO NOSSO).
(...)
V - incentivo à criação pelos
fornecedores de meios eficientes de
controle de qualidade e segurança de
produtos e serviços, assim como de
mecanismos alternativos de solução de
conflitos de consumo;
(...). (GRIFO NOSSO)
Bibiana Pinto conclui que:
Pela interpretação deste inciso,
III, do art.4º, deduzimos que
embora a Política Nacional de
Relações de Consumo não se
proponha, a versar sobre
proteção ambiental, ela deve ser
compatível com a mesma, sendo
portanto, essa proteção, uma
condição sine qua non, um prérequisito a ser observado.1
Dessa forma, o desenvolvimento
econômico em consonância com o meio
ambiente sempre pressupõe de certa
maneira um desenvolvimento
sustentável, que proporciona à sociedade
o suprimento de seus interesses e a
satisfação de suas necessidades, mediante
a utilização certa dos recursos ambientais,
garantindo tanto as presentes, como as
futuras gerações, uma forma de vida e de
consumo.
2.3.3 Princípio da Prevenção
Preconizado no artigo 225, §1º, IV, da
Constituição Federal - (CF) de 1988, é o
princípio da prevenção que informa tanto
o licenciamento ambiental como os
próprios estudos de impacto ambiental.
Ambos são realizados sobre a base de
conhecimentos já adquiridos sobre uma
determinada intervenção no ambiente.
Neste contexto, Antunes ressalta que:
O licenciamento ambiental,
como principal instrumento de
prevenção de danos ambientais,
age de forma a prevenir os
danos que uma determinada
atividade causaria ao ambiente,
caso não tivesse sido submetida
ao licenciamento ambiental.2
Em comparação, segundo o artigo 6º
do CDC, são direitos básicos do
consumidor: “I- a proteção da vida,
saúde, e segurança contra os riscos
provocados por práticas no fornecimento
de produtos e serviços considerados
perigosos ou nocivos”.
Ora, se o consumidor tem direito à
proteção contra os riscos (inclusive
ambientais) oriundos de práticas
comerciais consideradas perigosas ou
nocivas, evidentemente o que se deseja é
prevenir que tais riscos se tornem ações
ou fatores determinantes dessas práticas.
Ademais, tendo em vista que a maioria
dos produtos e serviços gera um impacto
ambiental, sabe-se também, que o
consumidor deve estar atento em dar
preferência a produtos que gerem menos
degradação ao meio ambiente ou aos
ecossistemas, pois somente dessa
maneira, pode-se ter um mundo melhor
para todos os seres que o habitam, ou
caso contrário, ter-se-á o fim, não só da
sociedade de consumo, mas também do
planeta. Ou seja, o princípio da prevenção
é, também, uma conduta a ser absorvida
pelo consumidor-cidadão.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
15
2.3.4 Princípio do Limite
Com assento ambiental constitucional
no artigo 225, §1º, V, este princípio é
citado com primazia por Anunes que o
delimita da seguinte forma:
A expressão mais notável da
aplicação do princípio do limite
faz-se quando a Administração
Pública estabelece padrões de
qualidade ambiental que se
concretizam em limites de
emissões de partículas, de
limites aceitáveis de presença de
determinados produtos na água,
etc.3
Dessa forma, se a Constituição
Federal de 1988 reza pela necessidade de
se controlar a poluição através do
emprego de técnicas, métodos e
substâncias que não extrapolem o limite
tolerável para uma sadia qualidade de
vida, o CDC protege (artigo 6º, I)
exatamente esse consumidor-cidadão que
poderá sofrer com os abusos cometidos,
se desrespeitado o princípio do limite.
Paulo de Bessa Antunes ressalta que
“o princípio do limite deve ser aplicado e
compreendido simultaneamente com o
princípio da prevenção”4. Tal necessidade
se torna visível, já que os limites devem
ser estabelecimentos exatamente em
função da necessidade de se prevenir
danos que comprometam o equilíbrio
ambiental.
16
2.3.5 Princípio da Educação e da
Informação
Tanto a educação, quanto a
informação, são direitos e princípios
postos pelo direito ambiental em vários
diplomas legais. É o que se percebe no
artigo 225, §1º, VI, da CF/88, quando se
incumbe ao Poder Público o dever de
“promover a educação ambiental em
todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a
preservação do meio ambiente” e no
artigo 4, V, da Lei 6.938/81, que
estabelece que a Política Nacional do
Meio Ambiente visará a difusão de
tecnologias, a divulgação de informações
ambientais e a formação de uma
consciência pública, para a preservação e
equilíbrio do meio ambiente.
Também na esfera consumerista,
podemos encontrar tal princípio no
artigo 6º, II, colocando como direitos
básicos do consumidor: “a educação e
divulgação sobre o consumo adequado
dos produtos e serviços (...)” e “a
informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade,
característica, composição, qualidade e
preço, bem como sobre os riscos que
apresentem” (inciso III). Ademais, ainda
encontramos no artigo 8º e 10º do CDC
normas de proteção à saúde e segurança
do consumidor, quanto ao dever de ser
informado sobre a nocividade de um
produto ou serviço.
Tendo em vista, por tanto, a
complexidade das questões ambientais, o
desenvolvimento só é possível se
equilibrarmos as relações entre as
dimensões sociais, políticas, ecológicas,
econômicas, espaciais e culturais, sendo
necessário, para isto, que exista uma
conscientização, que se inicie com a
educação ambiental, desde os ensinos
fundamentais até o superior, para que
todos saibam que são importantes as
relações de consumo, mas que também
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
elas somente existirão caso se apresente
um meio ambiente equilibrado e sadio,
onde todos os seres possam usufruir do
mesmo, desde as gerações atuais até as
posteriores.
opção por produtos que se mostrem
ecologicamente corretos, tanto nos
aspectos de poderem ser reciclados ou
substituídos, como na ótica de serem
evitados aqueles que não sejam
biodegradáveis ou degradáveis.
2.3.6 Princípio da responsabilidade
2.3.7 Princípio da participação
Apesar de ser difícil a tarefa de se
encontrar no Código de Defesa do
Consumidor, algum dispositivo que
responsabilize o consumidor em alguma
situação, o artigo 14, §3º, II, prevê essa
responsabilização, se por culpa exclusiva,
o consumidor der ensejo a um dano na
prestação de serviços. O que, ao
contrário, não é tarefa dispendiosa
encontrarmos o princípio da
responsabilidade preconizado no artigo
225, §3º, que responsabiliza,
objetivamente, o causador do dano
ambiental pelo suporte das sanções
penais e administrativas e pela reparação
daquele.
Nos ensinamento de Antunes, “pelo
princípio em tela, busca-se impedir que a
sociedade arque com os custos da
recuperação de um ato lesivo ao meio
ambiente causado por poluidor
perfeitamente identificado”5.
Assim, é importante que exista um
zelo, tanto dos consumidores quanto dos
fornecedores, no tratamento e destinação
das embalagens dos produtos, para que as
mesmas não contaminem nem ataquem o
meio ambiente, uma vez que identificado
o infrator as sanções legais poderão ser
interpostas.
Quando vamos além da responsabilidade quanto ao dano propriamente
dito, verificamos que existe uma
responsabilidade preventiva que o
consumidor tem que ter quanto à sua
Princípio de extrema importância, o
princípio da participação tanto no Direito
Ambiental como no Direito do
Consumidor, vem ratificar as diretrizes de
um Estado Democrático de Direito,
como o é o Brasil, uma vez que proporciona ao cidadão uma participação efetiva
na defesa de seus direitos. Mas para
entendermos melhor o sentido dessa
participação, vejamos o que dizem alguns
autores.
Segundo Mukai:
A participação popular na
proteção do meio ambiente está
prevista expressamente na
Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento
de 92. O princípio da
cooperação, uma atuação
conjunta do Estado e sociedade,
ocorre na escolha de prioridades
e nos processos decisórios. Ele
está na base dos instrumentos
normativos criados com o
objetivo de aumentar a informação e a ampliação de
participação nos processos da
política ambiental, dotando-a de
flexibilidade, legitimidade e
eficácia.6
Paulo Leme Machado complementa
este pensamento da seguinte forma:
Os indivíduos isolados, por mais
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
17
18
competentes que sejam, não conseguem
ser ouvidos facilmente pelos governos e
pelas empresas. Os partidos políticos e os
parlamentos não podem ser considerados
os únicos canis de reivindicações
ambientais.7
Constata-se, então que a participação
popular no Direito Ambiental, não se
trata da defesa processual do meio
ambiente, e sim, da participação no que
tange às consultas para a formação de
idéias, discussões que possam originar
normativas para a proteção ambiental, ou
seja, uma participação social.
É o que acontece no artigo 5º,III e
artigo 22, §2º, da Lei 9.985/00, quando se
faz necessária à consulta pública na
criação e gestão de unidades de
conservação, bem como no princípio 10
da Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável de 1992.
No mesmo sentido, outorga o artigo
55, §3º do CDC um direito de
participação ao consumidor através da
criação de comissões permanentes para a
elaboração, revisão, atualização das
n o r m a s r e l a t i v a s à p r o d u ç ã o,
industrialização, distribuição e consumo
de produtos e serviços.
Neste diapasão, não há que se
discordar, salvo melhor juízo, com a
autora Bibiana Graeff Chagas Pinto, que
faz, em seu artigo “A Conexão entre
Princípios do Direito Ambiental e o
CDC” a interface do princípio da
participação nos campos consumerista e
ambiental, utilizando a conexão existente
entre o artigo 55, §3º do CDC e o artigo
2º, X, da Lei 6.938/81.
Se o artigo 55, §3º do CDC, oferece
uma participação no âmbito
administrativo ao consumidor, através de
comissões permanentes de normatização,
o mesmo não o faz o artigo 2º, X da Lei
6.938/81 quando impõe a “educação
ambiental a todos os níveis do ensino,
inclusive a educação da comunidade,
objetivando capacitá-la para participação
ativa na defesa do meio ambiente”, já que
entendemos ser esta participação ativa
uma invocação aos meios processuais de
defesa ao meio ambiente (como a Ação
Civil Pública, Ação Popular etc.).
Ademais, não se confundem as
participações administrativas e processuais no âmbito do CDC, já que para esta
última é dispensado um único capítulo: da
defesa do consumidor em juízo, onde se
vê claramente a palavra “defesa” ligada a
“juízo”, dando uma idéia de participação
processual na defesa do direito.
Para finalizar, faz-se mais acertada,
portanto, a conexão existente entre o
diploma consumerista em seu artigo 55,
§3º e a legislação ambiental de nº
9.985/00, em seus artigos 5º, III e 22, §2º,
a fim de equiparar a compreensão de uma
participação social e/ou administrativa.
3 Segurança Alimentar – Um Aspecto
da Interface: Direito do Consumidor e
Direito Ambiental
O termo "Segurança Alimentar"
começou a ser utilizado após o fim da
Primeira Guerra Mundial. A experiência
da guerra, adquirida, principalmente, na
Europa, fez surgir a idéia de que um país
poderia dominar o outro controlando seu
fornecimento de alimentos. Desta forma,
a questão da produção de alimentos
adquiriu um significado de segurança
nacional para cada país, apontando para a
necessidade de formação de estoques de
alimentos, o que fortaleceu a idéia de que
a soberania de um país dependia de sua
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
capacidade de auto-suprimento de
alimentos.8
O juízo de que a questão alimentar
estaria estritamente ligada à capacidade de
produção manteve-se até a década de
setenta. Entendia-se que o problema da
fome e da desnutrição no mundo
desapareceria com o aumento da
produção agrícola.
No entanto, apesar desse aumento
significativo na produção alimentícia, a
desnutrição e a fome continuaram a
atingir grande parcela da população
mundial.
Assim, neste contexto, percebeu-se
que, mais do que a oferta, a capacidade de
acesso aos alimentos por parte dos povos
em todo o planeta mostra-se como a
questão crucial para a Segurança
Alimentar. Embora a fome e a
desnutrição, sejam as manifestações mais
cruéis da situação de insegurança
alimentar, e a incapacidade de acesso aos
alimentos a sua principal causa, outros
aspectos puderam ser também
identificados.
Um primeiro aspecto diz respeito à
qualidade dos alimentos e sua sanidade.
Outro aspecto refere-se ao respeito aos
hábitos e à cultura alimentar. No terceiro
aspecto está a sustentabilidade do sistema
alimentar, ou seja, a segurança alimentar
depende não apenas da existência de um
sistema que garanta, presentemente, a
produção, distribuição e consumo de
alimentos em quantidade e qualidade
adequadas, mas que também não venha a
comprometer a mesma capacidade futura
de produção, distribuição e consumo.9
Dentro dessa perspectiva propõe-se
uma concepção que busca ser, suficientemente, abrangente para dar conta de
todas as preocupações atinentes à
segurança alimentar. Desta forma
destaca-se a definição de Maluf, Menezes
e Marques:
Segurança Alimentar e
Nutricional é a garantia do
direito de todos ao acesso a
alimentos de qualidade, em
quantidade suficiente e de modo
permanente, com base em
práticas alimentares saudáveis e
respeitando as características
c u l t u r a i s d e c a d a p ovo,
manifestadas no ato de se
alimentar. Esta condição não
pode comprometer o acesso a
outras necessidades essenciais,
nem sequer o sistema alimentar
futuro, devendo se realizar em
bases sustentáveis. É
responsabilidade dos estados
nacionais assegurarem este
direito e devem fazê-lo em
obrigatória articulação com a
sociedade civil, dentro das
formas possíveis para exercê-lo.
Os atributos de qualidade dos
alimentos tornaram-se, também, um
requisito comercial em função da referida
demanda crescente por produtos
elaborados e da preocupação com a
segurança dos alimentos.
Com este intuito, referente à qualidade
dos alimentos, as entidades de defesa dos
consumidores lutam pela garantia dos
seguintes direitos:
a) direito de acesso a alimentos
seguros;
b) direito à infor mação,
inclusive face ao risco de
informações erradas e mesmo
enganosas;
c) direito à reclamar e à justa
compensação por danos;
d) direito à uma educação
alimentar que dote o
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
19
consumidor de habilidades e
conhecimentos que permitam
escolher e consumir de forma
segura e adequada os alimentos,
com vistas à introdução de
práticas saudáveis de
alimentação;
e) direito de ser escutado, através
da participação dos consumidores na formulação de políticas
públicas, na avaliação de normas
e regulamentos e na
implementação de ações
relativas aos alimentos;
f) direito a um ambiente
saudável com vistas a promover
um consumo sustentável, em
função dos impactos ambientais
da produção, do processamento
e do consumo (no aspecto do
descarte) de alimentos.11
As entidades de consumidores têm
destacado papel em campanhas de
segurança alimentar, notadamente nas
mais recentes dela, ligadas aos produtos
produzidos através do Organismo
Geneticamente Modificados – (OMGs).
de defesa em relação ao meio ambiente,
trivial entre os dois ramos do direito.
Assim sendo, é perfeitamente possível
e comum de se estabelecer uma interface
entre o direito ambiental e o direito do
consumidor, tendo em vista a conexão
existente entre ambos.
Notas
1
PINTO, Bibiana Graeff Chagas. A
Conexão entre princípios do Direito
Ambiental e o CDC. Caderno do
programa de pós-graduação em Direito.
Reflexões jurídicas sobre o meio
ambiente – Vol. III, nº VI. UFGS: Maio.
2005. p. 12.
2
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito
Ambiental. 7. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2005, p. 37.
3 Idem. p. 38.
4
ANTUNES, Paulo de Bessa. op. cit. p.
38.
5
ANTUNES, Paulo de Bessa. op. cit. p.
59.
4 Considerações Finais
6
20
O objetivo da pesquisa é relatar a
relação que há entre o direito ambiental e
o direito do consumidor, mostrando
assim a conformidade, a aderência, bem
como a relação em comum que se
vislumbra entre os dois ramos difusos do
Direito.
Ademias, conforme demonstrado
acima, os princípios de direito
estabelecido por cada ramo em separado,
possuem perfeita harmonia,
estabelecendo assim, pontos e objetivos
MUKAI, Toshio. Direito Ambiental
Sistematizado. 3. ed. São Paulo: Forense,
1998. p. 37.
7
MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 81.
8
MALUF, Renato S., MENEZES
Francisco, colaboração de MARQUES,
Susana Bleil (Partes 1) Caderno
'Segurança Alimentar'. Disponível em:
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
<www.dhnet.org.br/direitos/sos/alimen
tacao/tconferencias.html>. Acesso em
30.06.2006.
9
MALUF, Renato S., MENEZES
Francisco, colaboração de MARQUES,
Susana Bleil (Partes 1). Op. cit.
10
PINTO, Bibiana Graeff Chagas. A
conexão entre princípios do direito
ambiental e o CDC. Caderno do
programa de pós-graduação em Direito Reflexões jurídicas sobre o meio
ambiente- Vol.III, nºVI. UFRGS: maio.
2005.
Idem.
11
MALUF, Renato S., MENEZES
Francisco, colaboração de MARQUES,
Susana Bleil (Partes 1). Op. cit.
Referências
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito
ambiental. 7. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2005.
MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito ambiental brasileiro. 11. ed.
São Paulo: Malheiros, 2003.
MALUF, Renato S., Menezes Francisco,
colaboração de Marques, Susana Bleil
(Partes 1) Cader no 'Segurança
Alimentar'. Disponível em:
<www.dhnet.org.br/direitos/sos/alimen
tacao/tconferencias.html>. Acesso em
30.06.2006.
MUKAI, Toshio. Direito ambiental
sistematizado. 3. ed. São Paulo: Forense,
1998.
OLIVEIRA, Zacharias Bezerra de. O
que é consumo sustentável. Disponível
e m : < w w w. t e r r a z u l . m 2 0 1 4 . n e t /
article.php3?id_article=151 - 21k>
Acesso em: 23.05.2006.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
21
Adriana Vieira Guedes Hartuwig
CULTURA(S) E
INTERCULTURALIDADE:
CONCEITOS, QUESTÕES E
PERSPECTIVAS DE
CONSTRUÇÃO DE
SABERES
Resumo
Professora da FARESE / Mestranda em
Educação - UFES
Instituto de Ensino Superior da Região Serrana
Rua Hermann Roelke, 230 - Centro
Santa Maria de Jetibá - ES - Brasil - CEP 29645-000
3E-mail: [email protected]
22
O presente texto pauta-se na
necessidade de refletir sobre os diferentes
conceitos atribuídos ao termo cultura, em
diferentes contextos e tempos históricos,
bem como analisar a maneira como seu
conceito se expandiu gerando distintas
formas de situá-lo, defini-lo e interpretálo. A partir dos estudos no campo da
antropologia, lingüística, filosofia e
sociologia, iniciados no século XX, e
recentemente, os Estudos Culturais
começaram a surgir questionamentos
sobre o conceito eurocêntrico de cultura
que foi tomado como modelo de
referência mundo afora. Esses estudos
valeram para nos mostrar o entendimento
de que é mais adequado falarmos em
culturas no plural em vez de cultura no
singular.
O texto traz também os
conceitos que tentam incluir outras
narrativas culturais no campo da
educação, como o multiculturalismo e o
interculturalismo (interculturalidade,
intercultural). Considera-se que o
interculturalismo supera a proposta do
multiculturalismo. A crítica é que o
multiculturalismo reconhece a
pluralidade de culturas, porém não
propõe o diálogo entre as culturas. Por
fim, são apresentadas algumas reflexões e
questões sobre as relações entre educação
e cultura(s) demonstrando a relevância da
perspectiva intercultural na educação,
pois esta proposta possibilita a crítica da
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
racionalidade moderna e também
representa uma alternativa para analisar e
valorizar as diferentes manifestações de
culturas propondo uma ação dialógica,
considerada por Paulo Freire a verdadeira
atribuição da educação.
Palavras-chave: Cultura; Identidade;
Multiculturalismo, Interculturalismo;
Diálogo.
Introdução
A temática da diversidade de culturas é
uma das questões de primeira ordem
discutidas na atualidade. Esse debate tem
se intensificado por causa de alguns
movimentos provocados pelo fenômeno
da globalização, principalmente, os
intercâmbios culturais que transitam em
diferentes espaços, desde o campo da
informação até as migrações e lutas das
minorias que buscam o reconhecimento
de identidades culturais como estratégia
de luta pela inclusão. Alguns estudiosos e
intelectuais da educação argumentam que
esse movimento é uma resposta à ação da
modernidade que impôs sobre os
diferentes povos e coletivos um padrão
único e hegemônico de cultura.
São justamente esses intercâmbios
entre as identidades culturais que irão
provocar uma série de deslocamentos e
questionamentos a respeito da nossa
identidade e dos conceitos sobre os
“outros” e sobre as diferenças. A partir
daí surgem distintas abordagens culturais
no campo das Ciências Humanas e
Sociais que discutem o conceito de
identidade, cultura e outros termos
derivados como multi, pluri, trans e inter
cultural.
A crítica que se faz diante dessas
terminologias, é se tais conceitos
contribuem para fortalecer a lógica
cultural do “capitalismo selvagem” entendido aqui como a má distribuição
dos recursos naturais, culturais e bens de
consumo - ou podem oferecer a
fertilização teórica e prática de uma nova
forma de existência onde seja possível
uma convivência dialógica entre as
culturas.
Nesse sentido, o texto pauta-se na
necessidade de refletir criticamente sobre
os diferentes conceitos atribuídos ao
termo cultura, em diferentes contextos e
tempos históricos, e os conceitos que
tentam incluir outras narrativas culturais
no campo da educação, como o
multiculturalismo e o interculturalismo
(interculturalidade, intercultural).
Defende-se que o interculturalismo
supera a proposta do multiculturalismo
em sua versão liberal e também porque
não propõe a interlocução entre as
culturas.
O estudo das diferentes perspectivas
multiculturais, especialmente o das
propostas críticas e interculturais são
importantes porque trazem uma reflexão
contra um modelo de sociedade
hegemônico e excludente. Fazer essas
diferenciações é muito importante para
compreendermos as concepções que
direcionam a escolha de conhecimentos
escolares e o desenvolvimento de práticas
pedagógicas que influenciam diretamente
a formação de identidades tocando no
cerne da relação entre educação dos
povos e coletivos diversos e o padrão
único de civilização. A análise crítica das
racionalidades que interferem em nossa
existência humana nos move ao
aprendizado e à intervenção em
processos e mecanismos de discriminação, exclusão e desigualdade social.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
23
Como apreciação final, propomos
algumas reflexões acerca das relações
entre educação e cultura argumentando a
importância da interculturalidade na
educação, entendida como uma proposta
dialógica, plural e democrática já
sinalizada por Paulo Freire na década de
60. Com isso abre-se o espaço para
reeducar nossos olhares diante dos
coletivos culturais diversos inseridos na
escola e assim, reconhecer suas histórias
na história, no presente, fomentando uma
educação a favor da valorização e
equilíbrio dos saberes, sejam eles do
campo, da aldeia ou da cidade.
Cultura: Diferentes concepções,
contextos e Tempos Históricos
“O futuro depende da faculdade
que o homem terá para
transcender os limites das
culturas individuais.”
Edwuard T. Hall
24
Abordar o termo cultura exige de nós
a consciência de que estamos lidando
com um dos conceitos mais amplos e
polissêmicos da nossa língua, havendo
diversas maneiras de situá-lo, defini-lo e
interpretá-lo. Além disso, a expressão
cultura se configura como um tema
polêmico, pois muitos estudiosos e
pesquisadores das ciências sociais
chegam a afirmar que a busca por sua
definição incita mais perguntas do que
respostas.
Embora considera-se a natureza,
comumente, considerada um produto da
cultura, o significado etimológico da
palavra “cultura” é derivada do conceito
de natureza. Cultura provém do ato ou
maneira de cultivar a terra ou o seu
próprio cultivo, o cultivo do que cresce
naturalmente. Porém, a definição deste
conceito foi sendo expandido e adquiriu
vários sentidos distintos que refletem
diferentes pressupostos epistemológicos,
diversas concepções a respeito da
evolução humana e diferentes campos de
interesse – entre eles, a sociologia, a
antropologia, psicologia e a educação,
nosso principal foco de reflexão neste
texto.
O termo cultura passou a fazer parte
de nosso vocabulário há dois séculos,
tendo como sentido básico a referência à
formação do homem, ou seja, às suas
características humanas, significando um
ser social que necessitava ser cultivado
para tornar-se culto, refinado, em
evidente oposição a um inocente estado
original “de natureza”.
Para compreendermos como o
sentido de cultura foi expandido,
precisamos conhecer as características
políticas e econômicas da Europa no
século XVIII:
Características da política no século
XVIII:
?
permanência do absolutismo =
centralização do poder nas mãos do
monarca;
?
inexistência de prática dos poderes
legislativo, executivo e judiciário.
Características da economia no século
XVIII:
?
desenvolvimento das manufaturas;
?
tímido desenvolvimento da mão-deobra assalariada;
?
vestígios marcantes do regime de
servidão.
O mundo estava mudando... assim,
esse período foi marcado por grandes
realizações intelectuais, especialmente na
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
França, Inglaterra e Alemanha. Há um
significativo aumento da população e,
consequentemente, grande desenvolvimento das cidades. Milhares de pessoas
saem do campo e vão trabalhar em ateliês
de manufatura. A ideia de um novo
mundo construído por obra dos homens
foi sendo desenvolvido, um mundo novo,
moderno.
É nesse contexto que o vocábulo
“civilização” passou pertencer ao espírito
geral do iluminismo francês, com o ideal
moderno de autodesenvolvimento
secular e progressista. O civilizado se
opõe ao bárbaro, primitivo, selvagem.
Segundo as pesquisas de Williams
apud Silva (2009), a tensão entre “cultura”
e “civilização” foi um marco no século
XVIII e XIX devido à rivalidade existente
entre franceses e alemães. O modelo de
“civilização era a França – considerada
uma nação de civilizados – que tinha
como objetivo tanto o processo de
refinamento social como o ideal utópico
rumo ao progresso. “Cultura” era uma
noção alemã, chamada por alguns
intelectuais germânicos de Kultur,
referiam-se à sua própria contribuição
para a humanidade, entre elas, as maneiras
de estar no mundo, de produzir e apreciar
obras de arte e literatura, de pensar e
organizar sistemas religiosos e filosóficos
(VEIGA - NETO, 2003). Como destaca
Santos (2003) encontramos aqui a idéia de
cultura associada aos conhecimentos
impostos como universais alicerçados em
determinados critérios de valor, estéticos,
morais e cognitivos.
Bauman (2005), explica que o conceito
de “Cultura” baseado na noção
republicano-iluminista se originou num
“Estado sem nação”, que tentou afirmar
sua identidade tentando impor um pouco
de coesão num conglomerado de etnias,
dialetos e “culturas locais” – costumes,
crenças, mitologias, calendário. Desta
forma, entendemos que para garantir a
eficácia dessa afirmação, foram usados
todos os conhecimentos que eles
consideravam superiores e que os
diferenciava do resto do mundo. Com
efeito, a cultura é o mecanismo que mais
tarde será associado à “hegemonia”
moldando os seres humanos aos
interesses de novo tipo de sociedade.
Outro sentido de cultura muito
difundido nessa época por teóricos
evolucionistas do século XIX foi o de
transpor a teoria de Darwin sobre a
evolução do homem para o plano social e
cultural. Para esses pensadores, a
humanidade passaria por estágios de
evolução cultural, de sociedades
primitivas até ao modelo civilizado. Essa
visão justificava o estabelecimento de
uma escala de civilização que colocava no
topo as nações européias, e abaixo delas,
as demais nações cujos os povos eram
considerados primitivos e selvagens.
É a partir dessas idéias que surge a
diferenciação entre alta cultura e baixa
cultura. A alta cultura passou a funcionar
como modelo daquele que é culto, que
possui valores da cultura intelectual e
artística, ao contrário da baixa cultura sinônimo daqueles de cultura inferior,
popular.
Isso também explica a marca elitista da
concepção de cultura tão presente no
imaginário social, vinculada à cultura
culta, ao grau de instrução adquirida por
meio da escolarização capaz de propiciar
o acesso aos bens culturais gerais, às obras
artísticas e a comportamentos sociais
refinados. Entretanto, esta é uma
concepção equivocada a respeito do que
realmente significa o termo “cultura”,
pois não se pode dizer que um índio, o
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
25
negro, o camponês, dentre outros, não
possuem cultura.
Logo, “a cultura pode ser entendida
como tudo aquilo que é produzido pelo
ser humano” (CANDAU, 2002, p.72). Se
é assim, toda pessoa humana é produtora
de cultura independente de classe social a
qual pertence e do acesso à escolarização
formal.
A cultura é um fenômeno plural,
multifor me, heterogêneo,
dinâmico. Envolve criação e
recriação, é atividade, ação. É
considerada também como um
sistema de símbolos que fornece
as indicações e contornos de
grupos sociais e sociedades
especificas (CANDAU, 2002, p.
72)
26
Aprendemos com Geertz (1989), que
os seres humanos ao transitarem da
natureza para o mundo da cultura,
teceram eles mesmos suas teias de
significados, esse mesmo autor assume “a
cultura como essas teias e a sua análise;
portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa, à procura do
significado” (GEERTZ, 1989, p. 4).
Um conceito de cultura ainda muito
vigente entre nós é pensar a cultura como
um conjunto de características imutáveis
e acabadas, que permanece fixa ao longo
dos anos, além de outros traços como
genuidade, pureza, autenticidade. Porém
ela deve ser entendida como dinâmica
produzida e modificada no tempo
histórico, de acordo com a situação do
contexto social vivido.
A cultura, portanto é um processo
contínuo de construção reinventada,
recriada e transformada a todo momento,
a partir da interação social. Assim, não há
como ser humano e viver uma vida
humana fora do tecido social da cultura.
Somos seres naturais e fazemos parte da
natureza, mas a cultura é o que nos torna
humanos. Somos seres culturais
justamente por causa da nossa capacidade
de transformar a natureza em nós e para
nós criando sentidos, palavras, códigos,
símbolos que só possuem significados a
partir da interação e da reciprocidade que
geram nossos saberes e aprendizagens
próprios e locais, tão importantes como
os universais. Assim, precisamos
aprender a pensar “transversalmente” as
interações entre os universos de
referências individuais e sociais.
De Cultura para Culturas: O
Multiculturalismo e Interculturalidade
Além das contribuições de estudos no
campo da antropologia, lingüística,
filosofia e sociologia, iniciados no século
XX, recentemente, os Estudos Culturais
tem sido eficazes em questionar, ou até
mesmo desmoronar a racionalidade
moderna sobre o conceito eurocêntrico
de cultura.
Segundo Silva (2009), o campo de
teorização e investigação conhecido
como Estudos Culturais surgiram em
1964, no Centro de Estudos Culturais
Contemporâneos da Universidade de
Birminghan, na Inglaterra. A incitação
inicial surgiu a partir de inquietações
sobre a compreensão de cultura
dominante presente na crítica literária
Britânica, que refletia preceitos ligados à
cultura das chamadas “grandes obras” da
literatura e das artes em geral, e
logicamente, restrita à elite.
Assim, a desconstrução desse termo
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
teve início com a concepção de cultura
construída por Raymond Williams em
Culture and society (1958) e Richard
Hoggart em Uses of literacy (1957). Para
Williams, a cultura deveria ser entendida
como o modo de vida global de uma
sociedade, como experiência vivida de
qualquer agrupamento humano. Nessa
visão, não haveria graus de superioridade
e inferioridade entre as culturas e suas
produções e conhecimentos. Esses
estudos valeram para
mostrar a
importância de entendermos que é
melhor falarmos de culturas no plural em
vez de falarmos em Cultura no singular e
com letra maiúscula.
Os estudos culturais interpretam a
cultura como um conceito estratégico
para a afirmação da diferença e um campo
de luta política em torno de significados
sociais, nos quais os diferentes grupos
sociais, situados em diferentes posições
de poder, tentam e lutam para impor seus
significados à sociedade em geral para
marcar sua identidade.
A cultura é nessa concepção um
campo contestado de significação. O que está centralmente
envolvido nesse jogo é a
definição da identidade cultural
e social dos diferentes grupos. A
cultura é um campo onde se
define não apenas a forma que o
mundo deve ter, mas também a
forma como as pessoas e os
grupos devem ser. A cultura é
um jogo de poder (SILVA, 2009,
p. 134).
Nesse jogo de poder, a globalização
tem se mascarado como uma força capaz
de atingir uma totalidade homogênea e
uniforme, onde indivíduos locais seriam
transformados em seres planetários, com
linguagens, culturas e identidades gerais,
mas alguns fatos nos provam o contrário:
O b s e r va m o s u m a e x p l o s ã o d e
manifestações e expressões de grupos
dominados como forma de resistência
aos discursos hegemônicos.
A compreensão antropológica de que
nenhuma cultura pode ser julgada
superior a outra é que impulsionam os
chamados multiculturalismo e interculturalismo. Porém, o multiculturalismo é um
termo que também possui um desafio
conceitual, pois existem muitas
interpretações sobre o conceito de
multiculturalismo. Conhecer esses
conceitos nos permite questionar
concepções que historicamente fizeram
parte da produção de desiguais.
McLaren faz uma classificação do
multiculturalismo em quatro tendências:
o multiculturalismo conser vador
(baseado no legado colonialista de
supremacia branca deslegitima dialetos,
línguas, saberes e valores de outros
grupos étnicos), o humanista liberal (em
nome de uma humanidade comum
defende a igualdade intelectual entre
diferentes etnias e grupos sociais), o
liberal de esquerda (tende a essencializar
as diferenças não levando em conta que
estas são construções históricas, culturais,
atravessadas por relações de poder) e o
crítico e de resistência (questiona a
construção da diferença no contexto de
relações culturais e de poder).
Ao entender a cultura como conflitiva,
MacLaren (2000) afirma que é preciso
estar atento à questão da diferença.
Diferenças são determinadas por
processos históricos, pelas mentalidades e
ideologias, pelas relações de poder e
influenciam processos políticos e sociais.
“Como educadoras(es) e trabalhadoras(es) culturais, precisamos intervir
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
27
28
criticamente naquelas relações de poder
que organizam as diferenças”
(MCLAREN, 2000, p. 135).
Existem inúmeras críticas ao
multiculturalismo, principalmente em sua
versão liberal. Para alguns estudiosos, esse
termo abrange a questão do
reconhecimento das diversas culturas,
entretanto não há uma preocupação na
questão da inter-relação entre esses
grupos sócio-culturais, no sentido de
possibilitar um diálogo entre os diversos
sujeitos nas suas diferenças, para uma
troca de saberes.
O multiculturalismo também é
acusado de ser uma nova forma de
racismo, onde o “outro” diferente deve
ser “tolerado” e “respeitado”, como se
existisse uma situação permissividade
dada por aquele pertencente a uma
cultura superior. Dessa forma, a proposta
intercultural daria conta de preencher essa
lacuna deixada pelo multiculturalismo,
pois não acredita em uma supercultura
capaz de conceder respostas aos
problemas universais. A interculturalidade questiona e investiga quais são
estes problemas ditos universais e se abre
para o diálogo na busca solidária da
resolução das perguntas.
Candau (2002) sugere o
interculturalismo como a possibilidade de
promover a inter-relação entre diferentes
gr upos socioculturais afetando
principalmente a educação em todas as
dimensões, numa dinâmica de crítica e
autocrítica, valorizando a interação e a
comunicação recíprocas. Essa proposta
tem por base o reconhecimento do direito
à diferença e a luta contra as
discriminações e desigualdades sociais, e
nesse sentido, tenta promover relações
dialógicas entre aqueles que pertencem a
diferentes universos culturais, trabalhan-
do os conflitos presentes nesta realidade.
A educação intercultural trata-se de
um enfoque global que deve atingir a
cultura da escola e a cultura escolar, todos
aqueles que fazem parte desse processo,
ou seja, todas as dimensões do sistema de
ensino, e de todo o universo educacional.
Sendo assim, essa proposta contribui para
a construção de relações democráticas
que fortaleçam os diversos sujeitos
presentes nos diversos contextos
interculturais. Conforme Candau:
A promoção de uma educação
intercultural é uma questão
bastante complexa, que exige
problematizar diferentes
elementos da cultura escolar e
da cultura da escola e do sistema
de ensino como um todo. Tratase de uma abordagem educativa
que aponta para questões
radicais que têm a ver com as
funções da escola hoje.
(CANDAU 2002, p.100)
Considerações sobre a relação entre
Educação e Cultura(s)
Tomando como referência a origem
do caráter monocultural e dominador do
conceito de cultura citado anteriormente,
foi dada à educação a tarefa de levar os
“incivilizados” a alcançar as formas mais
elevadas da cultura, através da dominação
e da negação “do outro”, tido como
“estranhos”, “fora do ninho”.
A partir da situação política e
econômica da Alemanha no século XVIII
(um “estado sem nação”, tentando resistir
às imposições do absolutismo francês e
assistindo a decadência da aristocracia
alemã) a educação foi apontada como
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
saída para as gerações futuras apostando
na educação escolarizada capaz de
alcançar o ideal utópico de um novo
mundo. Sendo assim, o paradigma
pedagógico moderno foi construído sob
a base das três características essenciais do
conceito de cultura: único, elitista e
idealista.
Em termos gerais, a educação
brasileira se configurou como um espaço
classificatório, onde os alunos mais
“civilizados”, mais “capazes, mais
“competentes” eram bem sucedidos e
aprovados, recebiam boas notas e eram
bem classificados. Aqueles que não se
adequavam ao modelo idealizado estavam
condenados à exclusão e à reprovação.
Existem diferentes formas de abordar
a questão das relações entre educação e
cultura(s) no contexto escolar. A partir
dos anos 60, muitos paradigmas foram
formulados por estudiosos que se
propunham a explicar o fracasso escolar
de estudantes oriundos das chamadas
camadas populares ou determinados
grupos étnicos. Banks apud Candau
(2002) privilegia em sua análise dois
paradigmas: o da privação cultural e o da
diferença cultural.
O primeiro deles parte do pressuposto
de que o fracasso escolar desses alunos
ocorre devido à cultura em que estão
inseridos que os impede de ter acesso aos
conhecimentos da “alta cultura” ou
conhecimento das Humanidades. Os
defensores desse paradigma acreditam
que o problema se localiza na cultura de
origem desses alunos e não na cultura da
escola. Sendo assim, propõe que o que
deve ser mudado é a cultura do aluno e
não a cultura da escola. Nesse tipo de
paradigma a diversidade cultural é
reconhecida, porém a relação entre as
culturas são hierarquizadas e classificadas
em graus de superioridade e inferioridade.
O segundo paradigma se baseia na
concepção de que diferentes culturas
possuem linguagens, valores, símbolos, e
modos de comportamentos diferentes,
que precisam ser compreendidos tal
como existem. Seus defensores se opõem
ao paradigma da privação cultural e
afirmam que as relações entre as culturas
não podem ser analisadas numa
perspectiva hierarquizadora. Sendo
assim, também defendem que a cultura da
escola, construída e orientada a partir de
um modelo cultural hegemônico e
monocultural, é que precisa ser
modificada.
Como visto não basta reconhecer a
diversidade cultural, é preciso desfazer a
hierarquia entre as diferenças culturais,
que as concebem como superiores ou
inferiores. Paulo Freire, por meio de suas
experiências educativas a partir dos anos
60, nos recordava que o submetimento à
opressão levava à internalização da autoimagem de oprimido, de inferior.
Ao expor sua famosa frase: “Ninguém
educa ninguém, ninguém educa a si
mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo”, Freire (1970)
já fertilizava a idéia de uma proposta
educacional baseada no interculturalismo
quando em seus textos propunha a
verdadeira atribuição da educação: a
proposição de uma ação dialógica. Suas
preocupações quanto ao respeito à
cultura do aluno, ao diálogo e à liberdade,
oferecem respaldos elementares para a
compreensão das relações entre educação
e cultura(s).
Paulo freire defendia uma educação
que devesse se afastar de ações
manipuladoras e massificadoras e dizia
que toda educação deveria ser um
encontro entre os homens (e mulheres),
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
29
30
“que mediatizados pelo mundo, o
“pronunciam”, isto é, o transformam, e,
transformando-o, o humanizam para a
humanização de todos” (FREIRE, 1970,
p.43).
Para que a educação intercultural hoje
avance, precisamos enfrentar alguns
desafios, como o de reconciliar os saberes
dos(as) alunos(as) com a cultura escolar e
desconstruir o legado dessa educação que
nega a cultura do(a) aluno(a). A potência
da educação – não só no sentido da
escolarização, mas no sentido mais amplo
- consiste em dialogar os saberes e fazer
com que cada um deles encontre o
interesse e a relevância no outro.
Outro desafio que se destaca dentro da
perspectiva intercultural é a superação da
polarização entre igualdade e diferença.
No âmbito das políticas públicas e das
práticas pedagógicas, o reconhecimento
da diferença deve estar articulado com as
questões referentes à igualdade e ao
direito à educação de qualidade para
todos.
Na tentativa de articular educação e
cultura, os defensores da educação
indígena tem sido os que mais avançaram
na busca de articular políticas públicas e
propostas pedagógicas que trabalham e
buscam reconhecimento de sua cultura,
mesmo diante de inúmeros conflitos e
adversidades.
Ao assumir o olhar de que existem
diferentes culturas, nós educadores(as),
devemos nos questionar: Qual o nosso
olhar diante dos coletivos diversos
inseridos na escola? Como somos
formados e preparados para atuar neste
contexto? Como podemos superar as
visões e representações preconceituosas
sobre os diferentes?
Essas questões se colocam como
essenciais, pois se queremos combater os
preconceitos e as discriminações,
devemos primeiro entender como os
valores e as relações entre as culturas em
nosso sistema e a própria docência
contribuíram e ainda contribuem na
produção das desigualdades e
hierarquização das culturas por meio da
racionalidade moderna de ciência, de
progresso, conhecimento, cultura e
civilização, de avaliação e segregação.
Nessa dimensão a educação
intercultural se configura como uma
prática que propicia a democracia
valorizando os distintos saberes
t o r n a n d o - s e i n c e n t i va d o r a d a s
transformações indispensáveis na
geração da justiça social e da melhoria da
qualidade de vida.
Referências
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de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.
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15 jan. 2010.
31
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
Ederson Abeldt1
Carlos Francisco Meneghel1
José Roberto Gonçalves2
Audrey Ferreira Dias Leite3
1
Licenciados em Administração na FARESE;
2
Professor da FARESE/ Mestre e Doutor em
Entomologia - UFV
E-mail: [email protected];
3
Professora da FARESE/ Jornalista e Esp.
Gerenciamento e Consultoria de Empresas Rurais
pela UFV.
E-mail: [email protected]
Instituto de Ensino Superior da Região Serrana
Rua Hermann Roelke, 230 - Centro
Santa Maria de Jetibá - ES - Brasil - CEP 29645-000
32
VIABILIDADE ECONÔMICA
DE PROPRIEDADES
LEITEIRAS NO MUNICÍPIO
DE SANTA MARIA DE
JETIBÁ-ES
Resumo
Este trabalho foi realizado em 18
propriedades leiteiras localizados no
município de Santa Maria de Jetibá, com
objetivo de analisar algumas
características de produção observadas
nos rebanhos neste município. Para isso,
foram utilizadas as respostas obtidas em
questionários aplicados aos produtores e
analisadas a ocorrência de algumas
características relacionadas com o
produtor, a propriedade e o rebanho.
Também foram analisados a presença de
assistência técnica, as culturas forrageiras
predominantes, o tipo de estruturas
existente em cada propriedade, o
for necimento de concentrado e
suplementação mineral, a execução de
práticas de silagem de volumosos e o tipo
de comercialização do produto.
Consideraram-se a margem bruta e
margem liquida como indicadores de
eficiência econômica. O nível tecnológico
influenciou nos itens componentes do
custo de produção da atividade leiteira. A
margem bruta e liquida positiva, nos três
níveis tecnológicos analisados, indicaram
que a atividade leiteira no município é
viável através da realidade encontrada.
Palavras-chave: Custo de produção,
nível tecnológico, bovinocultura de leite.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
Introdução
A bovinocultura de leite é uma
atividade de suma importância para a
economia mundial, mesmo tendo sua
maior concentração em alguns países da
América do Sul e Europa. No ano 2008, a
produção mundial registrou 693 bilhões
de litros de leite, tendo um aumento de
12% em relação a 2007. Os quinze
maiores produtores mundiais em 2008
foram responsáveis por 63,4% da
produção, com destaque os 12% dos
Estados Unidos (FAO, 2008). O Brasil se
encontra no sexto lugar neste rank, com
27,579 bilhões de litros leite (IBGE,
2008).
A região Sudeste lidera na produção de
leite no Brasil, conquistou em 2007,
37,5% da produção nacional, tornandose muito superior a outras regiões
tradicionais na atividade leiteira, como a
região Sul e Centro Oeste, as quais
contribuíram com 28,7% e 14,6%,
respectivamente. O maior estado
produtor de leite do país, Minas Gerais,
alcançou um crescimento de 5,3% no ano
de 2008, comparado com o mesmo
período de 2007. Acompanhando o
aumento da produção de leite no Brasil no
ano de 2008 (5,5% em relação a 2007), a
região Sudeste onde se situa o Espírito
Santo obteve um crescimento e manteve
seu posto de maior captadora de leite do
país. (IBGE, 2008).
No estado do Espírito Santo, a
atividade leiteira possui um papel
importante na economia. No ano 2008
esta atividade teve a representatividade de
aproximadamente 9,95% da produção
nacional, com rebanho de aproximadamente 2.142.342 cabeças de vacas em
lactação. O município de Santa Maria de
Jetibá tem esta atividade como secundária
na maioria dos casos, já que possui maior
concentração de produtores na atividade
da avicultura industrial (postura),
horticultura e monoculturas (café e
gengibre). Mesmo assim o município
obteve uma representatividade de 0,24%
(aproximadamente 1,1 milhões de litros
de leite anual) em relação à produção
estadual e possui um rebanho de
aproximadamente 2.034 cabeças de vacas
em lactação (IBGE, 2008).
O estudo da viabilidade de qualquer
atividade é primordial a elaboração do
custo de produção. Na bovinocultura de
leite não é diferente, sendo analisada a
soma dos valores de todos os recursos
(insumos) e operações (serviços)
utilizados no processo produtivo
(LOPES E CARVALHO, 2000). O custo
de produção na teoria neoclássica é
dividido em dois grupos: custos fixos e
custos variáveis. Os custos fixos são todos
aqueles que ocorrem quando se toma a
decisão de produzir e que não podem ser
evitados mesmo que a quantidade
produzida seja nula (depreciação das
benfeitorias, máquinas e cercas
destinadas à produção de leite). Os custos
variáveis são todos aqueles que, como o
nome indica, dependem da quantidade
produzida (custos da alimentação do
rebanho) (PEIXOTO; MOURA;
FARIA, 2000).
De acordo com Martins (2003), além
da divisão do custo de produção entre
fixos e variáveis, também podem ser
divididos em diretos e indiretos. Os
custos diretos são todos os custos que se
conseguem identificar com as obras, do
modo mais econômico e lógico (mão de
obra, alimentação, etc.), já os custos
indiretos são todos os outros custos que
dependem do emprego de recursos, de
taxas de rateio, de parâmetros para débito
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
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às obras.
A bovinocultura de leite em Santa
Maria de Jetibá embora não seja a
principal atividade econômica do
município, possui um importante papel
para a sociedade, uma vez que contribui
para a sustentabilidade de várias famílias
na região e é uma possível estratégia para
diversificação rural nas propriedades.
Sendo assim, objetivou-se com este
trabalho o estudo da viabilidade
econômica da atividade de produção de
leite no município.
Metodologia
34
Os dados desta pesquisa foram
coletados durante o mês de maio de 2009,
em 18 propriedades, denominadas
sistemas de produção de leite, localizadas
no município de Santa Maria de Jetibá ES. A escolha das propriedades foi levada
em consideração o rank de quantitativo
mensal (1999 a 2008) dos maiores
compradores de rações na Cooperativa
Agropecuária Centro Serrana (Coopeavi)
e os produtores que são referência na
atividade no município. Este levantamento foi realizado através de um relatório de
comercialização de rações da linha de
bovinos na região de Santa Maria de
Jetibá, pela Coopeavi, onde foram
identificados 140 produtores atuantes em
compras, dentre estes se destacou os 15
maiores compradores de rações desta
linha (bovinos) os quais se integraram na
análise deste estudo como os três maiores
produtores da região os quais possuem
produção de ração própria.
Ao chegar às propriedades leiteiras
avaliadas, através de um questionário
realizou-se o levantamento do inventário
completo dos bens, apurando-se o valor e
a vida útil de cada ativo, posteriormente
agrupou-se em: benfeitorias, máquinas,
veículos, equipamentos, alimentação,
sanidade (práticas aplicadas no controle
sanitário, vacinas, tipo de ordenha,
adoção de práticas higiênicas e número de
ordenhas), ser viços (familiar ou
contratada), rebanho, produção diária,
produção (período das águas e seca),
implementos agrícolas e meios de
comercialização utilizados.
De acordo com metodologia proposta
por Gonçalves et al. (2000), foram
contabilizados os valores de receita
originados na propriedade, porém
somente considerados os valores da
venda de leite, não sendo considerados os
valores originados da vendas de bezerros,
descarte de animais e resíduos desta
atividade. Foram utilizadas duas
estruturas de custo de produção: custos
totais de produção, que envolvem os
custos fixos e variáveis, utilizados por Reis
(1999), e despesas operacionais proposto
por Matsunaga et al. (1976).
Para estimar a influência do nível
tecnológico sobre o custo de produção de
leite, os 18 sistemas de produção foram
enquadrados em níveis tecnológicos:
baixo (1), médio (2) e alto (3). O
enquadramento baseou-se nas
informações obtidas no inventário, na
sofisticação de equipamentos, como, por
exemplo, máquinas agrícolas novas ou
seminovas e nas observações feitas
durante a visita. No nível tecnológico alto
(3), foram enquadrados os sistemas de
produção que possuíam ordenhadeira
mecânica do tipo de leite canalizado,
investimentos constantes em máquinas e
implementos agrícolas e instalações
sofisticadas. Nesse nível, foi levada em
consideração a média de produção de leite
encontrada por animal, o que leva a
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
deduzir que estas médias altas por animal,
se devem a um nível mais tecnificado da
genética adotada pelos produtores. No
nível baixo (1) foram enquadrados os
sistemas de produção que não possuíam
máquinas, equipamentos e implementos
agrícolas, ordenhadeira mecânica e com
pequenos investimentos em instalações.
Para encontrar um possível perfil
genético foi avaliada a média de produção
por animal na propriedade, o que leva a
afirmar que os níveis de genética
trabalhados por este nível provavelmente
sejam de animais sem perfil de alta
produção. No nível tecnológico médio,
foram enquadrados os sistemas de
produção intermediários.
A metodologia utilizada para o cálculo
de margem bruta e margem líquida foi
adotada por Reis e Guimarães (1986). Os
itens que compõem o custo de produção
do leite foram divididos em: mão-deobra, alimentação, sanidade, ordenha e
despesas diversas (LOPES E LOPES,
1999).
Os índices produtivos e econômicos
foram comparados por meio de análises
descritivas, utilizando o aplicativo MS
Excel e agrupados em tabelas.
Resultados e Discussão
Nas 18 propriedades leiteiras avaliadas
constatou-se que a alimentação do
rebanho além do fornecimento de ração
balanceada e suplementação mineral,
45% recebia complementação a pasto e
55% utilizam com silagem. Nestas
propriedades, pode-se constatar que 11%
utilizam o sistema de criação no método
intensivo (animais confinados em
instalações apropriadas), que consiste em
um dos meios de criação mais
recomendados para o gado de alto padrão
racial (alto potencial produtivo), exigindo
assim adoções de melhores tecnologias
no seu manejo, como também a utilização
de mão de obra especializada
(SARCINELLI; VENTURINI; SILVA,
2007). O método de criação intensivo é
utilizado no município de Santa Maria de
Jetibá, em duas propriedades, as quais se
caracterizam como os maiores
produtores da região.
Das propriedades leiteiras avaliadas
89% utilizam o método de criação semiintensivo, o qual consiste no método de
criação mais utilizado entre os
bovinocultores que possuem animais
com um bom padrão racial. Este sistema
se caracteriza em manter o gado no pasto
e reforçar a sua alimentação em regime de
confinamento parcial, quando necessário,
permitindo maior estabilidade de
produção (SARCINELLI; VENTURINI
e SILVA, 2007). Os valores de
investimentos em estruturas para os
animais neste sistema são menores em
r e l a ç ã o a o m é t o d o i n t e n s i v o,
possibilitando a redução de custo com
manejo dos animais e utilização de mão
de obra.
Nos 18 sistemas de produção
analisados além dos tipos de alimentações
já mencionados, identificou-se a
utilização de volumosos provenientes de
capineiras (capim triturado servido verde
no cocho), combinadas com 44% ao
fornecimento do milho (planta com
espiga em ponto de pamonha triturada) e
11% a cana-de-açúcar. Neste contexto,
55% fazem o processamento de silagem
com estes volumosos e 45% utilizam o
alimento na forma in natura. Através dos
resultados encontrados, observa-se que o
cultivo de volumoso na forma de
capineira predomina nas propriedades, o
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
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36
que reflete em baixos investimentos na
produção de volumosos, a fim de reduzir
consequentemente os seus custos com a
alimentação. As propriedades que
utilizam, na dieta das vacas em lactação, o
milho na forma de silagem, embora
aumente o custo de produção estão
fornecendo um alimento mais energético
para os animais e consequentemente mais
apropriados para produção de leite.
Resultados semelhantes foram relatados
pelo SEBRAE-PI (2005) em
levantamentos realizados na bacia leiteira
de Parnaíba-PI, onde a maior utilização
da alimentação é à base de ração
balanceada, silagem e suplementação
mineral. Estes tipos de alimentação do
rebanho possuem um alto valor
nutricional, tornam a conversão alimentar
muito mais benéfica à produção de leite,
refletem em um bom estado de saúde para
os animais e consequentemente
proporcionam economia, praticidade e
produtividade para o produtor
(BARUSELLI, 2008).
Os 18 sistemas de produção de leite de
Santa Maria de Jetibá se caracterizaram
com um nível tecnológico médio, onde na
sua grande maioria foram encontrados
equipamentos e máquinas com médio
grau de tecnificação. As propriedades
avaliadas demonstraram estruturas
voltadas à atividade agropecuária, mesmo
que a grande maioria dos equipamentos
não seja destinada unicamente para a
bovinocultura leiteira no município, onde
a centralização de recursos destina-se a
o u t r a s a t iv i d a d e s ( av i c u l t u r a e
horticultura). Nas propriedades avaliadas
neste estudo 89% realizam todas as
vacinações obrigatórias (aftosa e
brucelose) e 11% além das obrigatórias
fazem uso de outras vacinas (raiva,
carbúnculo, IBR/BUD, leptospira,
mastite, entre outras). De acordo com os
percentuais encontrados nas vacinações
obser va-se que existe um baixo
investimento por parte dos produtores na
prevenção de doenças em seus rebanhos.
A grande maioria utiliza somente as
vacinas obrigatórias, ou seja, as que são
exigidas por órgãos federais, desta forma
os gastos com as vacinações obtém
valores insignificantes na composição no
custo de produção desta atividade. No
que refere ao controle de ectoparasitas
(carrapatos, moscas do chifre) e
endoparasita (vermes, nematódeos) em
torno de 94,4% realiza esta prática (77%
básico e 16,6% completo) e os poucos
que não utilizam relatam que não vem
sendo adotada por tratar-se de sistema de
total confinamento dos animais e pouca
ação destes agentes parasitas.
Neste estudo, observou-se que 83%
das propriedades avaliadas utilizam a
ordenha manual e 17% a mecânica, e em
geral, 89% fazem duas ordenhas diárias e
11% três ordenhas. De acordo com estes
resultados nota-se o profissionalismo dos
produtores desta atividade leiteira na
região com a adoção de três ordenhas
diárias, o que indica o alto potencial de
produção do plantel e maior
produtividade. De acordo com Erdman e
Varner (1995) o aumento nas ordenhas,
de duas para três, proporcionou um
aumento de 3,5 kg leite/dia, além do
aumento na quantidade de proteína e
gordura produzida, o que vem a melhorar
a qualidade do leite produzido para
fabricação de derivados (manteiga, queijo,
etc.). Através desta prática, o aumento da
produção viabiliza a utilização da mão de
obra empregada na atividade.
Na avaliação dos serviços empregados
na atividade leiteira em Santa Maria de
Jetibá, observou-se que 72% empregam a
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
mão de obra familiar e 28% a contratada.
De acordo com relatos dos produtores da
região, a atividade leiteira no município é
utilizada como uma estratégia de
diversificação na sua propriedade. Já no
que se refere aos serviços de mão de obra
especializada, nenhuma das propriedades
possuem gastos com técnicos agrícolas e
agrônomos, e as vezes que precisam
como são associados da Coopeavi, não
possuem gasto. A assistência veterinária
embora também seja fornecida pela
cooperativa, 33% das propriedades
remuneram um profissional desta área.
Conforme se nota, os sistemas de
produção analisados, fazem somente a
adoção de serviços prestados por
veterinários, o que na maioria das vezes
corresponde a prática de utilização destes
serviços para âmbitos sanitários,
higiênicos e de saúde do animal, ou seja,
medicação corretiva em animais.
Na análise dos itens de benfeitorias,
foram avaliados os investimentos feitos
em cada sistema de produção. Diante dos
resultados encontrados foi possível
chegar aos seguintes percentuais: 100%
dos sistemas possuem casa sede, o que
leva em consideração que a propriedade
passa por supervisão de um gerente ou
administrador que pode ser o próprio
fazendeiro; 22% casa para vaqueiro; 17%
centro de manejo (local onde as vacas são
alimentadas e ordenhadas); 67% depósito
para armazenagem; 83% utilizam cochos
de sal (saleiros); 17% possuem sala de
ordenha; 11% tanque de imersão e tanque
de resfriamento; 78% possuem açude;
5,6% barragem de águas; 78% poços
artesianos; 11% poços tubulares; todos
possuem energia elétrica em seus sistemas
de produção; 61% adotam o sistema de
bebedouro coletivo e 89% possuem
cercas para a contenção de animais na
propriedade.
Esta boa estruturação das
propriedades para atividade leiteira em
Santa Maria de Jetibá se dá em grande
parte a outra atividade empregada em
larga escala na região que é a horticultura.
Resultados semelhantes foram encontrados por Silvestre (1997), na região de
M u z a m b i n h o - M G, a f i r m a n d o a
importân-cia de uma boa estruturação
das propriedades para prática da atividade
leiteira. De acordo com Campos (2007) o
objetivo básico para a construção de
instalações para a exploração de bovinos
leiteiros é abrigar os animais e o homem
(mão de obra), das intempéries climáticas,
proporcionando melhores condições
naturais de conforto, facilidade de
manejo, de movimentação de animais de
máquinas e equipamentos de forma
racional e econômica, facilitando com
isso a produção, a conservação e
distribuição do produto.
Os dados de produção das
propriedades avaliadas foram levados em
consideração o número total de animais e
a produção média de leite no período das
águas e seca. Com relação ao número de
animais, 34% é composta por vacas em
lactação, 16% composta por vacas secas,
2% de reprodutores, 33% novilhas, 11%
bezerras fêmeas e 4% de bezerros
machos. De acordo com os resultados
encontrados, obser va-se a maior
porcentagem de animais com objetivo de
produção de leite, o que indica a
focalização dos produtores para esta
atividade, já que a prática de engorda ou
corte para bovinos no município torna-se
inviável devido o tamanho das
propriedades e o relevo da região ser
muito acidentado.
A produção média de leite nos 18
sistemas de produção em Santa Maria de
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
37
38
Jetibá está bem equilibrada com 48,7% no
período das águas, onde a oferta de
alimento para os animais é maior e
conseqüentemente os preços menores e
51,3% no período da seca, época de maior
escassez de alimento e melhores preços
do leite. Esta diferença favorável ao
período da seca em relação ao período das
águas refere-se à estratégia dos
produtores da região (programação de
partos na época seca), em obter os
melhores retornos financeiros com o
maior preço do produto nesta época de
entressafra, aumentando a viabilidade
econômica da atividade na região.
Re s u l t a d o s s e m e l h a n t e s f o r a m
observados por Moreira (2002), na região
Nordeste do país, onde se observou
menor sazonalidade entre os períodos da
seca e das águas. Segundo o autor, não
basta ter apenas um maior número de
vacas em lactação é necessário manter
uma alimentação constante e de qualidade
para os animais durante o ano todo,
através deste método as oscilações
alimentares são menores e consequentemente as alterações na produção também
diminuem.
De acordo com Baruselli (2005), o
período das águas inicia a partir de
outubro/novembro, sendo a época onde
se concentram as maioridades chuvosas,
proporcionando maior desenvolvimento
das forrageiras utilizadas na alimentação
do rebanho (piquetes de pastagens,
capineiras, etc.) o que vem a possibilitar
reduções no custo de produção. Já o
período da seca consiste no intervalo
entre os meses de abril/maio a
setembro/outubro, onde as pastagens
tornam-se mais escassas, forçando assim
o produtor utilizar um maior
fornecimento de volumosos processados
(triturado) e ensilados, como alternativa
ou suplementação alimentar para seu
rebanho. Esta prática eleva os custos com
alimentação de sua produção.
A média de produção de leite dos 18
sistemas de produção de Santa Maria de
Jetibá está em níveis satisfatórios
comparados, por exemplo, a pequenas
propriedades rurais que tenham entre
suas opções de produção a prática da
bovinocultura de leite. Ao confrontar
estes resultados com bacias leiteiras no
país, o volume encontrado está muito
abaixo da realidade nacional. No entanto,
sua realidade é muito parecida com as
pequenas propriedades leiteiras no Brasil
que compunham a grande maioria de
produtores de leite do país. Resultados
semelhantes foram relatados pelo
EPAGRI (1998), fazendo uma correlação
com a região Oeste de Santa Catarina,
onde se observou na sua grande maioria
as propriedades analisadas uma produção
de leite com cerca de 900 litros dia.
A forma de comercialização adotada
pelos 18 sistemas de produção de leite
analisados neste estudo, se concentram
em 48,2% na venda in natura e 51,8%
destinados a produção de derivados
(queijos, manteigas entre outros) na
própria propriedade. Já em relação ao
transporte da produção in natura apenas
5,6% utilizam o fretamento de veículos
terceirizados. Desta forma, o preço
médio recebido pelos produtores é de R$
1,10, com as formas de pagamento à vista
e 3 0 d i a s, t e n d o 5 5 % e 4 5 %
respectivamente. De acordo com
Loureiro (2009), os preços recebidos
pelos produtores de Santa Maria de Jetibá,
estão muitos além dos praticados em
outras regiões do estado do ES, mais
tradicionais na pecuária leiteira, como
também os meios de comercialização
nestas regiões, onde a grande maioria dos
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
produtores concentra suas vendas para as
cooperativas leiteiras.
As oportunidades de comercialização
do leite que os produtores de Santa Maria
de Jetibá possuem é a venda direta ao
c o n s u m i d o r, c o m é r c i o s l o c a i s,
cooperativa de laticínios, atravessadores,
usinas de pasteurização. No entanto,
somente está sendo explorada a
comercialização direta aos consumidores
(89%), para atravessadores (24%), para
cooperativa de laticínios (8%) e o
comércio local (4%). Logo, esta forma de
comercialização do leite explica o preço
médio recebido pelos produtores da
região ser muito além do preço médio
recebido pelos pecuaristas do ES que é de
R$ 0,50/litro de leite (IBGE, 2008).
Re s u l t a d o s s e m e l h a n t e s f o r a m
encontrados na bacia leiteira de TeresinaPI, onde o maior percentual da
comercialização do leite se concentra no
consumidor direto (SEBRAE-PI 2005).
Neste estudo ficou constatado que o
número médio de vacas em lactação em
cada nível tecnológico torna-se bastante
característico, já que exemplos como o
nível (1) mostra realmente a baixa
produtividade encontrada na propriedade. Isso nos leva a constatar que o
produtor deste nível possui poucos
animais em fase de lactação e na sua
maioria, animais de baixa produtividade.
Já no caso do nível (2) possuem médias
intermediárias de produção. Neste caso
os produtores possuem animais de
melhor genética em relação ao nível (1) e
na sua maioria animais de média para alta
produção. No nível (3) observa-se um
maior volume de leite produzido dentre
os sistemas de produção analisados,
como também as maiores médias de
produção em relação ao total de vacas, o
que corresponde a animais de melhor
genética produtiva. Tudo isso comprova
na relação vaca lactação/vaca total (%)
que possui percentual abaixo do nível (2)
que se afirma na utilização de animais de
maior produtividade, o que pode
acarretar em maior produção em menor
número de vacas (Tabela 1).
Tabela 1. Quantitativo de produção mensal de litros de leite distribuídos em três níveis nos 18 sistemas de produção
de leite localizados na microrregião de Santa Teresa, no município de Santa Maria de Jetibá-ES.
O coeficiente econômico e financeiro,
que compõe o custo de produção dos 18
sistemas de produção de leite em Santa
Maria de Jetibá foi determinado através
dos valores de mão-de-obra, sanidade e
alimentação do rebanho. De acordo com
Hofer e Shikida (2000), basicamente dois
destes pontos são os maiores
responsáveis pelo custo de produção, que
consistem na mão de obra e alimentação
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
39
dos animais, os quais correspondem por
cerca de 25,12% e 53,64%, respectivamente.
Na tabela 2, pode-se avaliar a
rentabilidade mensal de cada nível com a
comercialização correspondente à venda
de leite nas propriedades analisadas.
Conforme Lopes et al. (2006), em estudos
realizados em pequenas propriedades
produtoras de leite no Sul de Minas
Gerais este tipo de receita na atividade é
responsável pela maior porção significativa do negócio (58,92%). No entanto, em
se tratando do levantamento realizado em
Santa Maria de Jetibá, esta porcentagem
torna-se muito maior, já que as
propriedades que exercem atividade
leiteira no município, possuem em sua
grande maioria animais destinados à
lactação e posteriormente ao abate, sendo
pouco utilizada a prática de venda de
animais em grande escala, na região.
Observa-se no item de composição dos
fluxos de saídas que os valores referentes
ao nível 2, são superiores aos outros
níveis, não havendo correlação ao total de
produção de cada nível. Este resultado
deve-se ao valor encontrado com os
investimentos feitos pelos sistemas de
produção que compõe este nível serem de
bens (máquinas) e equipamentos com
vida útil inferiores às tecnologias dotadas
pelo nível 3, elevando assim a taxa de
depreciação dos mesmos. Isto se portou
muito superior aos demais, aumentando
assim os valores com investimentos, já
que a utilização de equipamentos com
menor período de vida, o desgaste dos
mesmos é bastante antecipada, tendo
assim a necessidade da sua substituição
em períodos mais curtos que o nível 3.
Estes valores se fizeram importantes para
a definição do saldo dos fluxos, que
caracteriza os valores individuais da
margem bruta e líquida de cada nível em
valores presentes (R$).
Tabela 2. Coeficientes econômicos e financeiros da atividade leiteira em 18 sistemas de produção
localizados na microrregião de Santa Teresa, no município de Santa Maria de Jetibá-ES.
40
O acompanhamento do custo de
produção é fundamental para se avaliar a
rentabilidade econômica e financeira do
empreendimento. Se o preço do leite se
mantiver abaixo do custo de produção
por longo período, o produtor é forçado a
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
melhorar a eficiência produtiva,
principalmente pela adoção de novas
tecnologias, sob pena de ter de trocar de
atividade econômica (ALVES e ASSIS,
2000).
Na avaliação do item outros
coeficientes, onde pode ser considerado
como um bom indicativo da viabilidade
de cada nível da atividade observou-se
inicialmente que os valores recebidos
pelos sistemas de produção no município
de Santa Maria de Jetibá, estão muito
acima da média estadual (R$ 0,50/litro de
leite), onde a maior média de preço
recebido pelos produtores no ES em 2007
não se comparou aos valores encontrados
na região de Santa Maria de Jetibá (IBGE,
2008). Estes valores se baseiam segundo
relatos dos produtores entrevistados, que
grande parte da população do município
por ter uma forte relação com o campo,
tem preferência por leite produzido no
mesmo dia entregue em domicílio,
embora em alguns casos esta comercialização seja informal.
Na avaliação do custo operacional,
nota-se que estes resultados tornaram-se
muitos característicos para cada nível,
onde o nível 1, portanto obteve um
menor custo de produção em relação aos
demais níveis, e conseqüentemente em
menores índices de margem bruta e
líquida. Mesmo assim diante dos sistemas
de produção avaliados foi observado que
todos obtiveram valores positivos no final
do exercício (Tabela 2).
Segundo Uliana (2009), mesmo os
sistemas de produção avaliados ter
demonstrado viabilidade da atividade, em
Santa Maria de Jetibá a bovinocultura de
leite é inviável, já que o relevo do
município não corresponde a mais
adequada para este fim e a cultura adotada
pelos produtores da região é priorizar o
cultivo de hortaliças e a criação de aves
industriais. Além disso, os investimentos a
serem realizados para atividade são de
alto risco, já que os preços recebidos pela
produção, geralmente oscilam com
freqüência, o que não dá segurança para o
exercício desta atividade.
Após análise dos 18 sistemas de
produção de leite do município de Santa
Maria de Jetibá, nota-se que:
?
A maioria das propriedades já se
preocupa com a qualidade da
alimentação dos animais fazendo a
adoção de métodos mais tecnificados
(ração balanceada, suplemento mineral
e volumosos de qualidade);
?
As estruturas disponíveis para a
atividade leiteira (benfeitorias, sistemas
de criação, máquinas, equipamentos,
e t c. ) c o r r e s p o n d e m a n í ve i s
tecnológicos médios;
?
Os sistemas de produção têm em
grande parte a utilização de mão de
obra no sistema familiar (redução de
custo com mão de obra)
?
Maioria por animais nos sistemas de
produção apresentam perfil destinado
à lactação (menores oscilações de
produção);
?
O mercado interno do município de
Santa Maria de Jetibá ainda permite a
prática de vendas para consumidores
diretos, o que acarreta em melhores
preços (maior rentabilidade). Este
cenário tende a permanecer por muito
tempo, uma vez que a exigência
mínima da Organização Mundial de
Saúde de consumo per capita de leite e
derivados no Brasil está muito abaixo
do consumo da população.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
41
Conclusão
p.11-12, 2005.
Através dos resultados obtidos no
presente trabalho, concluímos que a
atividade leiteira é viável nos 18 sistemas
de produção analisados, por grande parte
já obter em suas propriedades um nível
tecnológico médio, e o mercado interno
de Santa Maria de Jetibá ainda permitir o
recebimento de preços do leite em níveis
muito superiores encontrados no
mercado estadual, o que acarreta em
melhores margens de lucro. Ressalta-se
que na avaliação realizada com este
trabalho tomou-se somente como base os
dados relatados pelos produtores
responsáveis pelos sistemas de produção
analisados, sendo assim a incrementação
dos sistemas que não foram citados neste
trabalho ou a adoção de novos sistemas
de produção em propriedades de Santa
Maria de Jetibá, necessita inicialmente da
realização de novos estudos, para a
avaliação de pontos importantes como: se
o mercado interno deste município
suportaria uma maior oferta de leite, ou
seja, se haveria demanda suficiente para
um possível aumento na produção; os
valores a serem investidos para a elevação
do nível tecnológico, já que como toda a
atividade agropecuária apresenta riscos
eminentes para o ing resso sem
planejamento.
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42
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44
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
A HISTÓRIA DO
CURRÍCULO MÍNIMO DOS
CURSOS DE
LICENCIATURA EM
MATEMÁTICA
Arildo Castelluber
Resumo
Diretor da FARESE / Doutorando em Educação
- UFES
Instituto de Ensino Superior da Região Serrana
Rua Hermann Roelke, 230 - Centro
Santa Maria de Jetibá - ES - Brasil - CEP 29645-000
E-mail: [email protected]
Trata-se de um capítulo da dissertação
de mestrado intitulada “Os currículos de
matemática em universidades públicas da
região sudeste e os professores egressos
do IMPA” apresentada em 2003 na
Universidade Federal do Espírito Santo –
UFES. O trabalho de pesquisa objetivou
historiar o currículo mínimo de
matemática desde o Parecer do Conselho
Federal de Educação, número 295, de 14
de novembro de 1962, até os dias atuais
(2003), passando por importantes
reuniões promovidas pela Sociedade
Brasileira de Matemática -SBM, que
culminaram na reunião conjunta da
Sociedade Brasileira de Matemática-SBM
e a Sociedade Brasileira de Matemática
Aplicada-SBMAC SBM/SBMAC, em
fevereiro de 1985, finalizando com uma
proposta de um currículo mínimo para os
cursos de Licenciatura em Matemática no
Brasil.
Palavras-chave: Currículo; História da
Educação; Licenciatura em Matemática.
1 Introdução
A proposta de trabalho no Mestrado
em Educação foi conhecer os currículos
prescritos de Licenciatura em Matemática
em universidades públicas da região
sudeste e as influências dos professores
egressos da Associação Instituto de
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
45
Matemática Pura e Aplicada- IMPA
como foi a evolução do currículo mínimo
nesses currículos.
da licenciatura em Matemática no Brasil
O IMPA desde a sua criação em 1952,
nos últimos anos da história da educação.
vem sendo um pilar importante na
formação de professores e pesquisadores
para o ensino superior do Brasil,
2 A evolução do currículo mínimo
formando profissionais que atuam nas
principais universidades públicas do país,
Em 14 de novembro de 1962, o currículo
principalmente nos cursos de
mínimo para os cursos de Licenciatura
Bacharelado e Licenciatura em
em Matemática foi regulamentado por
Matemática, ratificando, assim, o
meio do Parecer nº. 295, para ser
importante papel desse instituto no
ministrado durante quatro anos, no total
ensino da matemática.
de 2.200 horas/aula.
A fim de analisar os currículos das
Com base nas informações deste parecer,
Licenciaturas em Matemática nas
elaborou-se a Tabela 1 com as disciplinas
principais universidades públicas da
do currículo mínimo:
região sudeste, procurou-se entender
Tabela 1 - Currículo mínimo da Licenciatura em Matemática
constante no parecer número 295 de14/11/1962
DESENHO GEOMÉTRICO E GEOMETRIA DESCRITIVA
FUNDAMENTOS DE MATEMÁTICA ELEMENTAR
FÍSICA GERAL
CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL
GEOMETRIA ANALÍTICA
ÁLGEBRA
CÁLCULO NUMÉRICO
Fonte: Parecer 295.
Nota: Dados trabalhados pelo autor
46
Este parecer cita a inclusão da disciplina
“Fundamentos de Matemática Elementar” para uma análise e revisão dos
assuntos lecionados nos cursos dos
Ginásios e dos Colégios da época.
Em publicações do Noticiário da
Sociedade Brasileira de Matemática, de
abril e maio de 1978, de abril de 1979 e
abril de 1985, obtivemos informações
sobre reuniões importantes sobre a
evolução do currículo da Licenciatura em
Matemática no Brasil.
Descrevemos a seguir alguns eventos
publicados por este noticiário.
2.1 A Reunião Interamericana sobre o
Ensino da Matemática
No Noticiário Brasileiro de
Matemática de 30 de abril de 1965, o
artigo intitulado “Melhoramento do
Ensino da Matemática no Brasil”, cita a
reunião Interamericana sobre o ensino da
matemática realizada no Rio de Janeiro
promovida pela “National Science
Foundation” de 30 de novembro a 2 de
dezembro de 1964. Esta reunião
objetivou o melhoramento do ensino da
matemática no Brasil.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
Neste noticiário sobre a reunião, o
professor Alfredo Pereira Gomes da
Universidade do Recife apresentou um
relatório referente ao ensino da
Matemática no Brasil. O segundo tópico
apresentado na época foi uma proposta
de elaboração de um novo currículo da
Licenciatura dando aos futuros
professores uma preparação adaptada às
necessidades do ensino.
O autor cita que após a “Lei das
Diretrizes e Bases - LDB”, referindo-se à
LDB de 1961, os programas das
Licenciaturas em Matemática ficaram
mais maleáveis mediante a instituição de
um “currículo mínimo” obrigatório,
como parte de um currículo pleno
definido por cada faculdade.
O autor faz menção à importância da
inclusão da Álgebra e do Cálculo
Numérico que representavam inovações
com importantes conseqüências na
atualização da formação do professor de
Matemática.
No sexto tópico sobre o assunto
“Ensino Universitário Elementar Cursos de pós-graduação”, o autor
relatou que a modernização do ensino da
Matemática no nível Universitário vinha
sendo feita por meio de várias atividades,
dentre as quais destacou a criação de
Institutos de Matemática, para o ensino e
pesquisa, atuando em paralelo com as
faculdades. Destaca ainda a posição de
destaque do Instituto de Matemática Pura
e Aplicada-IMPA que exerceram
influência na orientação matemática dos
jovens universitários brasileiros.
2.2 O I Simpósio sobre o ensino da
Matemática
Continuando a pesquisa nos noticiá-
rios da Sociedade Brasileira de Matemática - SBM, encontramos um artigo que
trazia assuntos importantes acerca de
currículos da Licenciatura em
Matemática. (MACHADO, 1978).
Em 1977 a nova diretoria da SBM
convidou três professores: Elza Furtado
Gomide (USP), Luiz Adauto da Justa
Medeiros (UFRJ) e Hilton Vieira
Machado (UnB) para formarem a
comissão de ensino da SBM que
organizou o I Simpósio sobre o Ensino da
Matemática.
Esse encontro realizado em abril de
1978, em Brasília, apoiada pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico
e Te c n o l ó g i c o - C N P q t r a z i a
recomendações quanto ao ensino da
matemática no 1o e 2o g raus,
promovendo a discussão da estrutura da
Licenciatura em Ciências e a Habilitação
em Matemática e sobre a abertura prevista
da própria Licenciatura em Matemática
em termos da formação básica de
professores de 1º e 2º graus, de programas
e de currículos.
O parecer da comissão foi amplamente
divulgado e encaminhado pela SBM ao
Conselho Federal de Educação - CFE e
demais órgãos responsáveis pelo ensino,
como possível subsídio a estudos e
planejamentos (Noticiário da SBM,
1979).
2. 3 O II Simpósio sobre o ensino da
Matemática
A comissão de ensino da SBM
promoveu no Rio de janeiro, em
novembro de 1978, o I Simpósio sobre o
ensino da matemática, com o apoio da
Academia Brasileira de Ciências
(Noticiário da SBM, 1979).
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
47
Neste encontro, várias instituições de
ensino estiveram representadas por
dezenove professores que formalizaram
recomendações específicas para o ensino
superior e sobre os aspectos mais
relevantes do ensino elementar.
Essa reunião procurou dar continuidade aos debates e conclusões do I
Simpósio sobre o Ensino da Matemática,
sugeria ainda a integração da matemática
com disciplinas de outras áreas afins e
uma atenção a certos tópicos de
matemática considerados clássicos, como
a Geometria Euclidiana e o estímulo à
resolução de problemas.
Recomendou-se um núcleo comum
inicial para os cursos de bacharelado e
Licenciatura em Matemática, composto
das disciplinas de Cálculo Diferencial e
Integral, Geometria Analítica, Álgebra
Linear, Estruturas Algébricas e Física.
Sugeriu-se ainda a realização de outra
reunião a ser promovida pela SBM, para
estudar o currículo mínimo do Bacharelado em Matemática e outros assuntos
profissionais deste curso, devido a sua
importância na formação de
pesquisadores, professores universitários
e matemáticos aplicados.
Esse simpósio ressaltou a necessidade
de implantação de cursos de Licenciatura
em Matemática habilitando o professor
para o ensino da 5ª série em diante. Este
curso de Licenciatura em Matemática
deveria ser separado do núcleo comum da
Licenciatura em Ciências.
Com base nas informações do II
Simpósio, que recomendou o currículo
mínimo para a Licenciatura em
Matemática, elaborou-se a tabela com as
disciplinas apresentadas a seguir:
Tabela 2 - Currículo mínimo da Licenciatura em
Matemática, proposto pelo 2º Simpósio sobre o Ensino da
Matemática, no Rio de Janeiro, novembro de 1978.
CALCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL
GEOMETRIA ANALÍTICA
ÁLGEBRA LINEAR
ESTRUTURAS ALGÉBRICAS
COMPUTAÇÃO
FÍSICA I
CÁLCULO DAS FUNÇÕES DE UMA VARIÁVEL COMPLEXA
ANÁLISE REAL
EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
GEOMETRIA EUCLIDIANA
ALGEBRA E ARITMÉTICA ELEMENTAR
PROBABILIDADE E ESTATÍSTICA
48
Fonte: Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática, 1979.
Nota: Dados trabalhados pelo autor.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
A disciplina de computação foi
indicada para as escolas que dispusessem
de Centros de Computação. Nessa época
poucas escolas dispunham deste recurso.
Esta proposta de currículo diferenciava
da proposta do Parecer 295/62 pela
inclusão das disciplinas de Álgebra
Linear, Cálculo das Funções de Uma
variável Complexa e Computação.
Alterou a denominação da disciplina de
Álgebra para Estruturas Algébricas e
eliminou as disciplinas de Desenho
Geométrico e Geometria Descritiva,
Fundamentos de Matemática Elementar
e Cálculo Numérico.
O professor Hilton Vieira Machado faz
uma observação importante ao lembrar
que a comissão de ensino da SBM
paralelamente aos I e II Simpósios se
envolveu sistematicamente na área de
ensino da Matemática no Brasil
promovendo, participando e mesmo
financiando algumas atividades. Segundo
o autor, essa atuação teve efeito
catalisador em níveis de instituições, de
regiões e nacional (Noticiário da SBM,
1979).
Os professores que participaram deste
encontro foram Antônio Assis de
Car valho (UNESP-RC), Antônio
Gervásio Colares (UFCE), Aristides C.
Barreto (PUC RIO), Celso Volpe
(UNESP-SJRP), Edson Durão Júdice
(UFMG), Elon Lages Lima (IMPACNPq), Elza F. Gomide (USP), Hilton
Vieira Machado (UnB), João Bosco
Pitombeira (PUC-RIO), Lúcia A . Tinoco
(UFRJ), Luiz Adauto da Justa Medeiros
(UFRJ), Luiz R. Dante ( UNESP-RC),
Manfredo Perdigão do Carmo (IMPACNPq), Matilde G. Gus (UFRS), Paulo F.
Lima (UFPE), Remo L. Brunelli
(UFMG), Renata Watanabe (UN.
MACKENZIE), Standard Silva (UFES) e
Ubiratan D'Ambrozio (UNICAMP). No
encontro, o IMPA foi representado por
dois professores: Elon Lages Lima e o
Manfredo Perdigão do Carmo.
Os egressos do IMPA nesta reunião
foram três professores: Aristides C.
Barreto (Doutorado 1964), Luiz Adauto
da Justa Medeiros (Doutorado 1965) e
Standard Silva (Mestrado 1975), Essas
cinco pessoas ligadas ao IMPA
representaram 26,3% do total dos
participantes.
2.4 O III Simpósio sobre o ensino da
Matemática
O III Simpósio foi promovido pela
SBM com o apoio da Academia Brasileira
de Ciências no Rio de Janeiro em maio de
1979 e reuniu cerca de trinta matemáticos
e educadores para debater o ensino da
matemática em nível do 3º grau, com
ênfase no curso de Bacharelado.
Os quatro assuntos de pauta foram:
problemas gerais do ensino universitário;
Licenciatura em Matemática - recomendações complementares; objetivos do
curso de Bacharelado em Matemática e
currículo mínimo do Bacharelado.
Com base nas informações do III
Simpósio, que recomendou o currículo
mínimo para o Bacharelado em
Matemática, elaborou-se a tabela abaixo
com estas disciplinas.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
49
Tabela 3 - Currículo mínimo proposto para o Bacharelado em Matemática no
3º Simpósio sobre o Ensino de Matemática, Rio de Janeiro, maio de 1979.
CALCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL
GEOMETRIA ANALÍTICA
ÁLGEBRA LINEAR
ESTRUTURAS ALGÉBRICAS
COMPUTAÇÃO
FÍSICA
CÁLCULO DAS FUNÇÕES DE UMA VARIÁVEL COMPLEXA
ANÁLISE REAL
EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
GEOMETRIA EUCLIDIANA
PROBABILIDADE E ESTATÍSTICA
EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
CALCULO NUMÉRICO
Fonte: Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática, 1979.
Nota: Dados trabalhados pelo autor.
50
A proposta deste currículo
recomendava a presença de disciplinas
optativas em campos como: Cálculo
Numérico, Processamento de Dados,
Física-Matemática, Probabilidade e
Estatística, Economia Matemática,
Matemática Pura, Educação Matemática,
etc., que permitiriam a formação de
matemáticos capazes de interagir com
outras áreas.
Na especialização (opção) em
Matemática Pura, além das disciplinas
acima, sugeriu-se as disciplinas:
Geometria Diferencial, Introdução à
Topologia e Mecânica Racional.
Nesta proposta de currículo mínimo a
disciplina de Álgebra e Aritmética
Elementar sugerida anteriormente no II
Simpósio foram eliminadas do núcleo
comum, pois se tratavam de conteúdos do
1o e 2o graus. A disciplina de Geometria
Euclidiana também foi eliminada.
Os participantes desta reunião foram
Adilson Gonçalves (UFPE), Alberto C. P.
Azevedo (CNPq), Antônio Carlos do
Patrocínio (UNICAMP), Antônio
Fernandes Ize (UFSCARLOS), Antônio
Gervásio Colares (UFCE), Arnoldo de
Hoyos (UNICAMP), Arthur Oscar
Lopes (UFRS), Augusto J. M. Wanderley
(UFRJ), Carlos Alberto Barbosa Dantas
(USP), Carlos Isnard (IMPA), Djairo
Guedes de Figueiredo (SBM, Presidente),
Djalma Pessoa (IMPA), Helon Lajes Lima
(IMPA), Elza Furtado Gomide (USP),
Genésio Lima dos Reis (UFGO), Geraldo
Severo de Souza Ávila (CAPES),
Guilherme M. de La Penha (SESUMEC), Heitor Gurgulino de Souza (CFE,
CNPq), Hilton Vieira Machado (UNB),
Jack Schechtman (IMPA), João B.
Pitombeira de Carvalho (PUC-RIO),
João Lucas Marques Barbosa (FCE), Luiz
Adalto da Justa Medeiros (UFRJ), Matilde
Groisman Gus (UFRS), Paulo Figueiredo
Lima (UFPE), Paulo Roberto Grossi Sad
(UFMG), Sérgio Alves (FINEP),
Standard Silva (UFES), Walter da Bona
Castelan (UFSC). Nesta reunião
estiveram quatro representantes do
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
IMPA: os professores Carlos Isnard,
Djalma Pessoa, Elon Lajes Lima e Jack
Schechtman.
Os egressos do IMPA participantes
dessa reunião foram sete professores:
Adilson Gonçalves (Mestrado 1967),
Artur Oscar Lopes (mestrado em 1974 e
doutorado 1977), Augusto J.M.
Wanderley (mestrado em 1978), Genésio
Lima do Reis (mestrado em 1968 e
doutorado 1978), Luis Adauto da Justa
Medeiros (doutorado em 1965), Paulo
Roberto Grossi Sad (mestrado 1974 e
doutorado em 1977) e Standard Silva
(mestrado em 1975).
Comparando-se o número de
participantes deste encontro com a
reunião do 2º Simpósio em 1978 houve
um aumento de dois para quatro de
representantes do IMPA e um aumento
de três para sete de egressos do IMPA,
totalizando 11 professores com alguma
formação no IMPA, que representaram
37,9 % do total dos participantes.
2.5 A Reunião Conjunta
SBM/SBMAC de 1985
Em 26 e 27 de fevereiro de 1985
realizou-se no Rio de Janeiro, a Reunião
Conjunta SBM/SBMAC (Sociedade
Brasileira de Matemática Aplicada
Computacional) que tratou de assuntos
pertinentes ao ensino de graduação e de
certos aspectos da política universitária
(Noticiário da SBM, 1985).
Os grupos de trabalho discutiram três
assuntos: estruturas curriculares dos
cursos de graduação em matemática;
for mação básica nos cursos de
Engenharia e Computação; e problemas
atuais das universidades: política
científica em nível de pós-graduação e
pesquisa.
O grupo de trabalho de Estrutura
Curricular dos cursos de graduação em
Matemática recomendou no primeiro
tópico um Núcleo Comum à Licenciatura
e o Bacharelado, composto das seguintes
disciplinas: Cálculo Diferencial e Integral,
Geometria Analítica, Álgebra Linear,
Estr uturas Algébricas, Física e
Computação.
No segundo tópico intitulado
“Licenciatura em Matemática Currículo”, a SBM recomendou as quinze
disciplinas para o curso de Licenciatura
em Matemática. A Tabela 4 mostra como
ficaram estabelecidas as disciplinas do
currículo mínimo.
Tabela 4 - Currículo mínimo para a Licenciatura em Matemática, proposto
pela reunião conjunta SBM/SBMAC, Rio de Janeiro, Fevereiro de 1985.
CALCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL
GEOMETRIA ANALÍTICA
ÁLGEBRA LINEAR
ESTRUTURAS ALGÉBRICAS
COMPUTAÇÃO
FÍSICA
CÁLCULO DAS FUNÇÕES DE UMA VARIÁVEL
COMPLEXA
ANÁLISE REAL
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
51
EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
GEOMETRIA EUCLIDIANA
ÁLGEBRA E ARITMÉTICA ELEMENTARES
PROBABILIDADE E ESTATÍSTICA
RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS (OPTATIVA)
MODELAGEM MATEMÁTICA (OPTATIVA)
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA (OPTATIVA)
Fonte: Noticiário da SBM, 1985.
Nota: Dados trabalhados pelo autor.
52
Também nessa reunião acrescentaramse à proposta anterior três disciplinas
optativas: a História da Matemática, a
Resolução de Problemas e Modelagem
Matemática. Como recomendações
gerais, a comissão pretendia dentre outras
coisas:
a) Sugerir ao CFE que a disciplina
Geometria Descritiva e Desenho do
currículo mínimo obrigatório para
Licenciatura em Matemática fosse
substituída por uma disciplina obrigatória
de Geometria Euclidiana e Desenho;
b) Elaborar e divulgar junto ao MEC,
professores de 3º grau e instituições de
ensino de graduação uma lista mínima de
bibliografias para a biblioteca de
matemática para as escolas de 3º grau.
As disciplinas de Análise Real,
Equações Diferenciais Ordinárias e
Probabilidade e Estatística sugeridas para
o currículo mínimo do Bacharelado na
Reunião do Simpósio de 1979, mantémse nesta proposta de currículo mínimo
para a Licenciatura em Matemática.
Os participantes desta reunião foram
Adilson Gonçalves (UFPE), Alciléia A.
H. de Mello (IME-USP), Antônio
Gervásio Colares (UFCE), Aristides C.
Barreto (PUC-RJ), Arthur Darezzo Filho
(UFSCAR), Carlos Antônio de Moura
(LNCC), Carlos Augusto M. Barbosa
(UFCE), Carlos Frederico Palmeiras
(PUC-RJ), Claus Ivo Doering (UFRS),
Djairo Guedes de Figueiredo (UNB),
Geraldo Severo Àvile (UnB), Gilberto
Frederico Loibel (ICMSC-USP), Gilda de
La Roque Palis (PUC-RJ), Imre Simom
(IME-USP), Ivan Tribuzy (UAM), Jair
Koiller (UFRJ), João Pitombeira de
Carvalho (PUC-RJ), João Lucas M.
Barbosa (UFCE), Keti Tenembleti
(UnB), Luis Adalto da Justa Medeiros
(UFRJ), Luís Carlos Guimarães (UFRJ),
Luís Carlos Pavlu (UFSCAR), Manfredo
Perdigão do Carmo (IMPA), MartinTygel
(UNICAMP), Pedro Mendes (UFMG),
Tomasz Kowaltowski (UNICAMP),
Wellinghton Santiago da Rocha (UnB).
O único representante do IMPA foi o
professor Manfredo Perdigão do Carmo,
dentre dez professores egressos do
IMPA: Adilson Gonçalves (mestrado em
1967), Aristides C. Barreto (doutorado
em 1964), Carlos Frederico Palmeira
(doutorado em 1976), Claus Ivo Doering
(mestrado em 1974), Gilda De La Roque
Palis (doutorado em 1974), Ivan Tribuzy
(mestrado em 1971), Keti Tenemblat
(doutorado em 1972), Luis Adauto da
Justa Medeiros (doutorado em 1965),
Luis Carlos Guimarães (mestrado em
1974) e Pedro Mendes (doutorado 1972).
Comparando o número de
participantes desta reunião com o III
Simpósio em 1979, constatou-se que
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
houve uma redução de quatro para apenas
um representante do IMPA compensando com um aumento de sete para dez
egressos do IMPA, totalizando onze
pessoas envolvidas com o IMPA.
Em relação de professores dos três
encontros observou-se que foram apenas
nove os professores que participaram do
II Simpósio (1978) e do III Simpósio
(1979). Cinco professores participaram
do III Simpósio (1979) e da Reunião
Conjunta (1985). Constatou-se que
apenas três professores participaram das
reuniões entre 1979 a 1985: Antônio
Gervásio Colares, João Bosco Pitombeira
de Carvalho e Luiz Adauto da Justa
Medeiros.
Observou-se também que o número de
professores ligados ao IMPA nas duas
últimas reuniões não se alterou. No
entanto, nesse último encontro
representou 40,7% do total dos
participantes, visto que o número de
participantes reduziu de vinte e nove para
vinte e sete. Analisando o número de
representantes diretos e de egressos do
IMPA nas três reuniões, observa-se que
houve um crescimento a cada encontro
chegando a 40,7% no último encontro.
Este número é significativo considerando
o aspecto qualitativo dos profissionais
com formação no IMPA. Supõe-se com
isso que vários posicionamentos nas
reuniões tiveram influências diretas
destes profissionais, principalmente no
que se refere ao currículo da Licenciatura
em Matemática.
A influência deles foi marcada na
reunião de 1978 no III simpósio, pois
dentre as disciplinas sugeridas para o
currículo mínimo do Bacharelado,
observa-se que as disciplinas de Análise
Real, Equações Diferenciais Ordinárias,
Probabilidade e Equações Diferenciais,
estão presentes até os dias atuais no
programa de Mestrado em Matemática
Pura do IMPA.
2.6 O currículo mínimo atual da
Licenciatura em Matemática
E o currículo mínimo atual? Para
responder a pergunta, pesquisamos o
Parecer CNE/CES nº. 1.302, aprovado
em 06 de novembro de 2001, que
estabelece os seguintes conteúdos básicos
comuns aos cursos de Licenciatura em
Matemática: Cálculo Diferencial,
Geometria Analítica, Álgebra Linear,
Fundamentos de Álgebra, Fundamentos
de Análise e Fundamentos de Geometria.
A parte comum deve ainda incluir:
a)Conteúdos matemáticos presentes na
Educação básica nas áreas de Álgebra,
Geometria e Análise;
b)Conteúdos de áreas da Matemática,
que são fontes originadoras de problemas
e campos da aplicação de suas teorias; e
c)Conteúdos da Ciência da Educação,
de História e Filosofia das Ciências e da
Matemática.
Nesse parecer recomenda-se ao aluno
licenciando o uso do computador como
instrumento de trabalho desde o início do
curso incentivando sua utilização para o
ensino da Matemática.
Para comparar o currículo mínimo
oficial atual com a proposta de currículo
da Reunião Conjunta SBM/SBMAC de
1985 incluímos a História, a Computação
e a Física, ao núcleo comum apresentado
acima e construímos a Tabela 5.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
53
CALCULO DIFERENCIAL
GEOMETRIA ANALÍTICA
ÁLGEBRA LINEAR
FUNDAMENTOS DE ÁLGEBRA
COMPUTAÇÃO
FÍSICA
FUNDAMENTOS DE ANÁLISE
FUNDAMENTOS DE GEOMETRIA
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
Fonte: PARECER CNE/CES 1302/2001.
Dados trabalhados pelo autor.
Ao compararmos o currículo mínimo
proposto pela Reunião Conjunta
SBM/SBMAC de 1985 com o currículo
mínimo atual observou-se que todas as
disciplinas do currículo atual estão
presentes no currículo da Reunião
Conjunta de 85, sendo que esta apresenta
um número maior de disciplinas.
3 À Guisa de Conclusão
54
A SBM com a participação ativa do
IMPA na Reunião Conjunta da
SBM/SBMAC de 1985 recomendou a
inclusão de disciplinas nos currículos
mínimos das Licenciaturas em
Matemática. Observou-se que essas
disciplinas e também os programas e os
conteúdos sugeridos pela Reunião estão
presentes nas propostas curriculares das
universidades públicas da Região Sudeste
em estudo, a saber, Universidade de São
Paulo, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Universidade Federal de Minas
Gerais e Universidade Federal do Espírito
Santo, até os dias de hoje.
A partir das análises é possível inferir
que o IMPA teve uma participação
significativa na construção da história do
currículo mínimo dos cursos de
Licenciatura em Matemática, por meio de
participações de seus egressos em
importantes reuniões promovidas pela
SBM nas últimas décadas do século XX.
4 Referências
MACHADO, Hilton Vieira. A comissão
de ensino da SBM - Um retrospecto.
Noticiário da Sociedade Brasileira de
Matemática, Rio de Janeiro, Ano X,
número 1, p.29-32, maio 1978.
REUNIÃO conjunta SBM/SBMAC.
Noticiário da Sociedade Brasileira de
Matemática. Brasília-DF, ano X,
número 1, p. 3-18, abr. 1985.
SEGUNDO Simpósio sobre o Ensino da
Matemática. Noticiário da Sociedade
Brasileira de Matemática, Rio de
Janeiro, ano XI, número especial, p. 9-15,
abr. 1979.
TERCEIRO Simpósio sobre o Ensino da
Matemática. Noticiário da Sociedade
Brasileira de Matemática, Rio de
Janeiro, ano X, número 1, p. 33-41, maio
1978.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
UMA QUESTÃO DE ÉTICA
RESENHA SOBRE O FILME
FORA DE CONTROLE
Aline Ferreira Dias Leite1
Audrey Ferreira Dias Leite2
1
Mestranda em Serviço Social - PUC/SP
Rua Monte Alegre, 984 São Paulo - SP, 05014-000
E-mail: [email protected]
2
Professora da FARESE/ Jornalista e Esp.
Gerenciamento e Consultoria de Empresas Rurais
pela UFV.
Instituto de Ensino Superior da Região Serrana
Rua Hermann Roelke, 230 - Centro
Santa Maria de Jetibá - ES - Brasil - CEP 29645-000
E-mail: [email protected]
Resumo
O trabalho consiste numa resenha
sobre ética e moral, baseada no filme:
“Fora de Controle”, além de conceitos
bibliográficos sobre os mesmos.
Objetivamos é ressaltar simulações que
ocorrem no dia-a- dia das pessoas e, como
os comportamentos adotados por estas
refletem nas ações de outros membros da
sociedade. Contudo, é notável que seja
preciso ter domínio das suas atitudes e
ações para que a ética esteja presente em
todos os instantes da vida de um ser
humano, sem entrar em conflito com a
liberdade e o direito do individuo. Com
este assunto não queremos focar apenas o
ou certo ou errado, pois não estamos aqui
para julgar, e sim, analisar questões,
comportamentos e fatos reais de acordo
com conceitos filosóficos da ética. É
importante frisar que existem vários
prismas de análise e estamos abordando
apenas um: o ponto de vista social.
Palavras-chave: ética, comportamento,
filme “Fora de Controle”.
Apresentação
O trabalho se inicia com a contextualização dos fundamentos ontológicos e
sócio-históricos da ética. Para identificarmos os fundamentos do homem, ou
seja, o conjunto de atributos que fazem
dele um ser específico, o que contribuirá
para a discussão da temática sobre a ética,
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
55
o significado da moral em nossa
sociedade e a liberdade.
Ética
56
Primeiramente passamos pelos
fundamentos do ser social, pautada numa
compreensão de que a ética é uma
construção histórica dos homens.
Podemos afirmar que os homens
expressam o modo de ser existente na
realidade sócio-histórica. Um Ser Social
que em seu convívio passou a desenvolver
valores e hábitos que são construídos
dentro das relações sociais cotidianas da
sociedade.
O homem, para construir a si mesmo
em busca de um novo ser, deu o primeiro
passo, rompendo com o padrão imediato
e instintivo que estabelecia com a
natureza. E nesse processo, ele começa a
criar novas possibilidades de se
comportar como um ser ético, pois se
transformou em ser social capaz de
construir mediações, dominando a
natureza e a si mesmo. Entretanto,
continuou a se relacionar com ela, pois
precisava da natureza para sobreviver e
assim vai adaptando-a ao contexto social.
Seguindo esta lógica, o homem
definido aqui como ser social, surge da
natureza e da construção das capacidades
essenciais ao seu processo de
humanização, sendo o ser social autor e
produto de si mesmo, indicando a sua
historicidade. A história é composta por
relações dos homens entre si e com a
natureza, dotados de objetividades sóciohistóricas. E nessa perspectiva,
afirmamos que “o ser social fundamentase em categorias ontológicas-sociais, pois
os modos de ser que o caracterizam são
construções sócio-históricas (...)”.
(BARROCO, 2008:20).
Em muitos aspectos o homem se
diferencia dos animais, dotados de razão e
se desenvolve como um ser consciente,
universal e livre, sendo capaz de produzir
situações ou objetos, sem a necessidade
física, mas, pensando num objetivo a ser
alcançado e também a sua utilidade. É
através de sua autoconsciência de sujeito
que transforma a natureza, e a essas
capacidades transformadoras que, de
acordo com Marx, podemos caracterizar
como “trabalho”, ou seja, “ a necessidade
eterna de efetivar intercâmbio entre o
homem e a natureza, e, portanto, manter a
vida humana”. (BARROCO, citando
MARX, 21:2008).
Através do trabalho, o homem cria,
naturalmente, mecanismos e alternativas
de interação com outro ser e dentro deste
contexto, passa a surgir a necessidade de
regras, normas, para regular a vida em
sociedade. Normas que também podem
ser definidas através dos costumes das
tradições e da história.
O homem, através da razão, é capaz de
responder às suas necessidades de forma
que as respostas possam sempre
sugestionar novas perguntas, num
processo incessante de transformações,
tanto da natureza como dos próprios
homens. A esta ação podemos denominála como práxis, seguindo os pensamentos
de Vasquez: “a práxis é a categoria central
da filosofia que concebe a ela mesma
como interpretação de mundo, mas
também como guia de transformação”.
(1977).
A ação da práxis realizada pelo homem
começa a partir do domínio que o mesmo
exerce sobre a natureza, através de um
modo que é específico e próprio do ser
humano, no qual rompe o domínio da
natureza para instituir-se como ser de
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
projetos e um mundo de liberdade.
Elaborou-se o conceito de que o
homem é um ser de projetos. Podemos
dizer também que através do trabalho, ele
projeta a sua finalidade, visando obter um
determinado resultado com direção já
programada. Finalidade que contém uma
intenção e um conjunto de valores
direcionados ao que se julga melhor em
relação ao presente. Portanto, o homem
possui um conjunto de atributos que
fazem dele um ser específico, cujas
capacidades são criadas pelos próprios
homens em seu processo de
desenvolvimento. Portanto, podemos
afirmar que o homem é criador de si
mesmo e que a história é este processo de
autocriação.
Neste movimento, é importante tecer
o conceito de ética. A ética é, antes de
tudo, concebida como práxis, ou seja, a
prática social dos homens que transforma
e apresenta uma nova realidade.
Na origem dos termos que compõem a
ética, encontramos, de uma maneira geral,
a idéia de costume, associados ao termo
“ethos” como morada, internalização de
costumes à tradição, complementada pelo
conceito “physis” e “práxis”.
O sentido de “ethos” como morada
traz o sentido de um lugar onde o homem
irá permanecer, criar hábitos e construir
seu abrigo protetor. O “ethos” vem surgir
como costume, como um estilo de vida e
ação. Nesse sentido, o ser social consegue
na constância natural e permanente de
realizar algo, transformar o mundo em
habitável de tal modo que passa a atender
as suas necessidades. O homem, ao
romper com o domínio da natureza
(physis) constrói um espaço de abertura
para a criação e efetivação de seus
projetos e necessidades. Ele rompe com
as necessidades instituídas pela natureza
para atender as suas necessidades que
foram e são criadas no dia a dia. E na
construção desse movimento, o homem
proporciona a criação incessante de
hábitos, costumes, regras, normas e leis
para a vida em sociedade.
É no costume que se expressa as
características de internalização das
regras, das normas e hábitos de tal
maneira, que possamos compreender
com a busca do domínio de si mesmo, a
busca contínua de se satisfazer.
Toda ação do homem é composta por
ação ética. Ao mencionarmos ação,
estamos falando de práxis, ou seja, de
ações que se articulam entre nossos
hábitos e costumes, visando
transformações da realidade, criação de
algo e situações novas.
Seguindo os pensamentos de Ferreira
(2007), a ética é uma linguagem, é uma
forma de dar significado à vida, à forma
de um saber demonstrativo. Surge daí um
movimento de constituição de uma
linguagem universal, codificada e
socialmente reconhecida. O homem
passa a criar os espaços que tem e a
instituir regras para as coisas e situações
cotidianas, o que deverá ocorrer no
espaço da ética.
A Moral
A moral está associada ao particular, ao
comportamento individual de cada ser
social que nasce dentro de cada individuo.
São as decisões tomadas por cada pessoa,
de acordo com o lugar em que vive e
ocupa dentro da sociedade.
A moral busca traduzir a realidade, o
uso da razão, com o objetivo de saber se
os hábitos, costumes, leis e regras estão
dentro do que a sociedade prega como
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
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certo.
O campo da moral é o campo que nos
permite atribuir valorações às coisas e
julgar as ações como certas/erradas,
bem/mal etc., e de acordo com nossos
comportamentos e atos cometidos por
outras pessoas. A moral influencia no
comportamento e nas decisões do
homem, e ela nos permite possuir a
consciência de nos responsabilizarmos
por nossas escolhas.
A ética, já é mais ampla e universal, sua
significação mais abrangente e , embora
seja pouco parecida com a moral, não são
sinônimas. A ética é considerada uma
necessidade de saber o certo e o errado
sobre todas as ações do homem,
voltando-se para a reflexão e o agir do ser
social.
A ética não se limita apenas aos
costumes, mas à liberdade e à
racionalidade.
“A reflexão ética (...) é um espaço
específico de reflexão sobre o modo de
ser constitutivo do homem como sujeito
ético, ou seja, sujeito racional capaz de
escolher valorações e ações que
conduzem à liberdade, entendida como
um bem”. (CURSO DE
CAPACITAÇÃO ÉTICA AGENTES
MULTIPLICADORES, 2003:19).
Liberdade
58
Depreende-se que a liberdade possui
um valor ético fundamental, uma reflexão
histórica e critica, que tem como objetivo
estudar os significados e fundamentos da
moral.
A partir das objetivações criadas pelo
homem, em que ele constrói alternativas
atribuindo-as a valorações dos fatos. Ele
também cria possibilidades alternativas
de escolha, e a essas, segundo Marx,
denomina-as de liberdade. Agir com
liberdade é agir eticamente, é poder
escolher, conscientemente, entre várias
alternativas. A liberdade é conquistada, é
resultado de atividades humanas que
respondem as suas necessidades.
Pensando de acordo com as
afirmações anteriores, percebe-se que a
liberdade não é fato absoluto, pois se os
homens têm desejos e necessidades
diferenciadas projetam-nos de forma
diferente, a liberdade para cada um
acontecerá de maneira diferente, pode até
na maioria das vezes, causar conflito, pois
o desejo de um poderá impedir a
realização do desejo do outro.
Filme: Fora de Controle
Dirigido por Roger Michelli, EUA,
2002.
Numa cidade de Nova York, os carros
de Gavin Banek (Ben Affleck) e Doyle
Gipson (Samuel L. Jackson), sofrem uma
colisão, quando Banek, um advogado,
precisa ir ao tribunal para levar uma
procuração que dá à empresa do sogro, o
direito de administrar uma fundação com
capital de milhões de dólares.
Banek estava com muita pressa,
portanto, não tinha tempo para negociar
sobre a colisão e deixou um cheque em
branco para Gibson consertar seu carro e
foi embora. O carro de Banek estava em
condições de prosseguir, mas o de
Gipson estava totalmente destruído, o
que o impediu de se retirar rapidamente,
daquele local.
Devido a este acidente, Gipson chegou
atrasado ao tribunal, onde lutava pela
guarda dos dois filhos. Quando conseguiu
chegar à audiência, em que estava
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
atrasado apenas vinte minutos, tudo
estava encerrado. O juiz havia definido a
guarda das crianças à sua ex-mulher, que
iria residir com os infantes em outra
cidade distante.
Por outro lado, Banek tinha uma
audiência importantíssima, que selaria o
futuro da empresa de advocacia em que
trabalhava, mas na hora de apresentar a
procuração em que uma fundação
transmitiria à empresa em que trabalhava
o direito de administrar o seu capital, ele
não achou o documento e concluiu que
poderia ter perdido no local do acidente.
Deste momento em diante, cada um
destes homens se sentem cada vez mais
prejudicados e farão todo o possível para
prejudicar um ao outro em uma luta
insana e fora de controle. Numa batalha
em que não medirão as consequências
para conquistar o que desejam e
complicar a vida do outro, como forma de
vingança.
Ao analisarmos o filme, percebemos
que o contexto social em que está
engajado, demonstra dois mundos
diferenciados, marcados pelo “status
sociais” e divisão de classes. Um
personagem é vendedor de seguros e
passa por dificuldades financeiras, já o
outro, exerce advocacia numa grande
empresa que lhe permite possuir um
padrão de vida elevado. Embora ambos
possuam mundos sociais distintos, as
situações de conflito vivenciadas por eles
se cruzam em alguns momentos, que
a c a b a m p e r d e n d o a ve r d a d e i r a
identidade, e por um determinado
período, os seus valores e os significados
que atribuem aos fatos, mudam
drasticamente.
O filme expressa o comportamento
pessoal e profissional dos personagens,
atitudes que levantam uma série de
questionamentos, como: o que somos, em
que acreditamos? Onde estão nossos
valores morais? Como eles foram
criados? A partir de qual construção
histórica e cultural estes seres foram
formados? A liberdade existe?
Temos como exemplo um advogado
que não obtém o sucesso ao tentar
recuperar a pasta com a procuração de
volta, até o final do dia, eles travam uma
verdadeira luta sem escrúpulos,
evidenciado o lado do ser humano que é
capaz de tudo.
O filme nos faz refletir, se estivermos
diante de uma oportunidade de
abocanhar milhões de dólares, como
devemos agir diante de nossos princípios
éticos? Como eles foram formados? É
possível cometer atitudes que podem
levar até a morte?
Entre outras situações, Banek pede
ajuda a um poderoso “hacker” para
manipular o crédito de Gipson e levá-lo à
falência, e este por sua vez, de
temperamento instável, causa um
acidente, quase fatal, com o carro do rival,
mesmo sendo, constantemente alertado
de seus erros por um amigo. Sem contar
que Banek ainda tem uma amante no
trabalho, que foi descoberta por sua
esposa, que aceita que o marido tenha
vida extra-conjugal, como também,
aprova as atitudes desleais cometidas pelo
pai para conseguir ganhar as causas
defendidas e assim, possuírem um padrão
de vida elevado.
Banek sente-se pressionado, pois o
tempo limite para apresentar a
procuração está encerrando. Situação que
o deixa mais nervoso e preocupado com o
desfecho da ação. Então, resolve contar
para seu chefe/sogro o ocorrido. O sogro
não acredita e o denomina como
incompetente, e que eles seriam
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60
obrigados, por outros meios, a forjar uma
procuração, pois não podiam perder a
administração daquela fortuna. Diante de
tais circunstâncias, Banek começa a
questionar a atitude do sogro e a
vasculhar as pastas do escritório,
descobrindo assim, inúmeras
irregularidades que a empresa comete
para estar no topo da pirâmide social.
Mas, neste momento, ele continua ainda
agindo de maneira a atingir Gibson, pois
não aceita a situação que vivencia. Para
isso, resolve atingir o seu ponto fraco,
criando uma cilada para que perca, de vez,
o contato com os filhos e a ex-esposa,
levando-o a ficar detido.
No final do dia, Gipson é liberado da
prisão, sua esposa e seus filhos mudam
para outra cidade. Banek não conseguiu
receber a pasta em tempo hábil, mas seu
sogro já havia forjado o documento e o
apresentado. Apesar de terem utilizado de
todos os meios sórdidos, ambos não
obtiveram sucesso em suas ações. Estas
foram necessárias para que ambos
pudessem analisar e refletir os seus
comportamentos, e se estes valores que
apresentaram até então, são importantes
ou se devem ser descartados. Observa-se
que ambos conquistaram uma liberdade,
que até então, não a tinha, pois no início,
não escolheram alternativas, pois não
analisaram a situação de forma crítica e
nem pensaram nas consequências de suas
atitudes. Posteriormente, há todo um
conflito vivenciado nas irregularidades
que foram reveladas. Eles puderam fazer
uma análise e optar qual caminho seguir;
seja ele de conflitos, roubos, golpes, uso
de bebidas, honestidade, reparação de
erros ou estar preparados para viverem
em família.
No tocante aos acontecimentos
apresentados pelo filme, percebe-se,
nitidamente, que os valores são
construções sócio-históricas. Se o
homem do século XXI age de modo
diferente do homem do século passado é
porque a cultura em que se encontra
inserido é outra; os padrões sociais
vividos, as relações entre outros seres, a
valorização do trabalho e os
relacionamentos familiares têm hoje
outro significado que contribuem para as
atitudes e comportamentos modernos. A
essência do indivíduo é construída através
da história, e se esta história é marcada por
desamor, violência, disputas, riquezas etc,
são os valores que irão dominar a vida do
homem. Então, diz-se que esses
comportamentos são advindos da
conduta moral do indivíduo.
A moral é um sistema de
normas, princípios e valores,
segundo o qual são
regulamentadas as relações
mútuas entre os indivíduos ou
entre estes e a comunidade.
Estas nor mas, de caráter
histórico e social, devem ser
a c a t a d a s l i v r e e
conscientemente, por uma
convicção íntima e não de
maneira mecânica e impessoal.
( BA R RO C O, 2 0 0 3 a p u d
VASQUEZ).
A partir do momento em que os
personagens levam um susto e passam a
refletir suas ações, eles começam a
analisar seus comportamentos e atitudes,
passando a julgar suas ações práticas e as
dos outros como corretas e incorretas e, o
mais importante, o reconhecimento e o
julgamento de valores das próprias ações,
deparando-se com situações que os
colocam em dúvidas sobre a melhor
escolha, criando projeções para a vida a
partir de valores que julgam positivamen-
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
te ou negativamente. Ao adotar posturas
que são valoradas como positivas de
acordo com sua cultura, eles acreditam
estar agindo em consonância com os seus
princípios morais. Quando estas ações
interferem num campo maior e atingem o
maior número de indivíduos e a sociedade
positivamente, dentro de parâmetros
estabelecidos pela lei, eles adotam uma
postura que podemos dizer ser ética.
Revela-se, enfim, que o campo das
objetivações ético-morais apresentado
neste drama, ocorreu a partir da
organização do trabalho e da vida social
de cada indivíduo. Organizações
construídas pelo conjunto dos modos de
seres éticos e morais edificadas pela longa
trajetória do filme, observa-se que Banek
e Gipson não agiam como “sujeito éticomoral”, pois não apresentavam
capacidade de discernir entre os valores
do bem/mau, certo/errado, justo/injusto
etc. Eles não assumiam que outras
pessoas poderiam estar sofrendo e sendo
prejudicados diante dos atos por eles
praticados. Em suas relações não existia
respeito ao outro e nem responsabilidade
por seus atos perante os outros seres
sociais; demonstrando apenas a existência
dos desejos e das paixões singulares,
sendo incapazes de pensar no outro e
como afirma Barro, 2008: “(...) sair da
condição de indivíduo egoísta, voltado
para si mesmo”.
estaremos a caminho de uma ética
efetivada para nós no tempo presente e no
futuro. Sendo assim, somos capazes de
construir a nossa própria história e
constituir a ética.
Referência
BARROCO, Maria Lucia S. Ética e
serviço social: fundamentos sóciohistóricos o. São Paulo, Cortez, 2008.
_________________. Ética e serviço
social: fundamentos ontológicos. São
Paulo, Cortez, 2001.
_________________. Ética e
sociedade, Curso de Capacitação Ética
para Agentes Multiplicadores. Conselho
Federal de Serviço Social. Brasília,
CFESS, 2000. Módulo I.
FERREIRA, Anderson D'arc. Filosofia
e ética. Belo Horizonte, FEAD, 2007.
VÁSQUEZ, A.S. Filosofia da práxis.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
Filme: Fora de controle. Ano de
Lançamento (EUA): 2002. Direção:
Roger Michell.
Conclusão
Depreende-se que precisamos saber
quem somos, buscar e construir nosso
caminho levam ao nosso lado amigos,
bem como, a alteridade e o respeito
mútuos. Se formos capazes de ter o
domínio de nossas próprias vidas,
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
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2 Avaliação das contribuições
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62
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2.3 As contribuições serão enviadas para
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3 Encaminhamento
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Carta de encaminhamento assinada
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Declaração de Responsabilidade;
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Termo de Transferência de Direitos
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(NBR 6022:2203); citações em
documentos (NBR 10520:2002); numeração progressiva de documentos (NBR
6024:2003) e resumo (NBR 6028:2003),
bem como com a norma de apresentação
tabular do IBGE, publicada em 1993
(última edição).
4.2 A contribuição deve ser redigida em
português, espanhol ou inglês, com estilo
de redação claro e coerente na exposição
das idéias, observando o uso adequado da
linguagem. Deve ser digitada em extensão
".doc" (Word), impressa em três vias e
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Na etiqueta do disquete ou CD-ROM
deverão constar: título do trabalho,
autoria.
4.3 O texto deve estar configurado para
papel A4, digitado em fonte garamond
12, com margens superior, inferior, direita
e esquerda de 3cm, folhas devidamente
numeradas no canto superior direito,
alinhamento justificado, parágrafo em
bloco e entrelinha com espaço 1,5.
4.4 Na primeira lauda do texto deverá
constar:
a)título, digitado na mesma fonte do
texto, em tamanho 14, em letras
maiúsculas, com alinhamento centralizado e em negrito. Deve ser breve,
específico e descritivo;
b)nome completo do(s) autor(es),
logo após o título na mesma fonte do
texto;
OBS: A titulação e vinculação
institucional, endereço postal completo,
telefones e endereço eletrônico dos
autores, deve vir inseridos em notas de
rodapé da primeira lauda.
4.5 Na segunda lauda deverá constar:
a)resumo, de caráter informativo,
expondo o objetivo, metodologia,
resultados e conclusões da contribuição, contendo até 250 palavras,
digitado em espaço simples, estruturado em um único parágrafo;
b)palavras chaves, no mínimo 03 e no
máximo 05, que identifiquem o
conteúdo do artigo.
4.6 O texto, iniciado a partir da terceira
lauda, deverá estar estruturado conforme
as características específicas da contribuição (artigo, resenha, relato de projeto
ou de pesquisa), com paginação
numerada no canto superior direito.
4.7 As citações de fontes no texto podem
ser diretas e indiretas devem conter
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010
63
sempre: sobrenome do autor, seguido do
ano de publicação da obra, observados os
seguintes critérios de estrutura:
?
com até 3 linhas, devem estar incluídas
no corpo do texto, respeitando o
tamanho da fonte do texto e entre
aspas;
?
com mais de três linhas, devem vir em
parágrafo isolado, recuado da
margem esquerda em 4cm, fonte
tamanho 10, sem aspas e com
entrelinha espaço simples.
4.8 As notas contidas no artigo deverão
ser do tipo explicativo, usando chamada
numérica para remeter para o final do
artigo, limitando-se ao mínimo possível.
4.9 As ilustrações devem ser numeradas
consecutivamente com algarismos
arábicos, na ordem de citação no texto e
de acordo com sua tipologia (tabelas,
gráficos, quadros, desenhos, etc.) e
apresentar título conciso. Devem ser
utilizadas somente quando indispensáveis
à compreensão e clareza do texto e na sua
legenda deve ser usada fonte garamond
tamanho 10 e entrelinha simples.
64
4.10 A lista de referências deve ser
estruturada atendendo às regras da NBR
6023:2002, sendo de inteira responsabilidade do autor sua exatidão e
adequação, devendo constar da lista
apenas as obras que foram citadas no
corpo do texto.
Na indicação de autoria das obras
citadas, o sobrenome dos autores deve ser
em caixa-alta, com os nomes e prenomes
apresentados de forma abreviada.
As referências poderão sofrer alterações
de ordem normativa, com vistas a manter
o padrão mínimo exigido pela NBR
6023:2002 e deverão estar à disposição da
revista para caso de consulta pela equipe
de normalização.
Exemplos de referências:
a)Livros
FEIL, I. T. S. Alfabetização: um desafio
novo para um novo tempo. 13. ed.
Petrópolis: Vozes, 1991.
b)Capítulos de livro ou partes de
coletânea
FERREIRO, E. A escrita como sistema
de representação. In: ____.Reflexões
sobre alfabetização. 24. ed. São Paulo:
Cortez, 2001. p. 10-16.
c) Artigos em periódicos
CASTELLAR, S. M. V. Educação
geog ráfica: a psicogenética e o
conhecimento escolar. Cadernos Cedes,
Campinas, v. 25, n. 66, p. 209-225,
maio./ago. 2005.
d)Textos da Internet
RIBEIRO, V. M. Alfabetismo funcional:
referências conceituais e metodológicas
para a pesquisa. Educação &
Sociedade., Campinas, v. 18, n. 60, 1997.
D i s p o n í v e l
e m :
http://www.scielo.br/scielo.php?.
Acesso em: 10 out. 2006.
Revista da FARESE, Santa Maria de Jetibá, ES, v. 2, n.1, jan./jul. 2010

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