Evangelho segundo S. Marcos 5,1-20.

Transcrição

Evangelho segundo S. Marcos 5,1-20.
Evangelho segundo S. Marcos 5,1-20. – cf.par. Mt 8,28-34; Lc 8,26-39
Chegaram à outra margem do mar, à região dos gerasenos. Logo que Jesus desceu do barco,
veio ao seu encontro, saído dos túmulos, um homem possesso de um espírito maligno. Tinha
nos túmulos a sua morada, e ninguém conseguia prendê-lo, nem mesmo com uma corrente,
pois já fora preso muitas vezes com grilhões e correntes, e despedaçara os grilhões e quebrara
as correntes; ninguém era capaz de o dominar. Andava sempre, dia e noite, entre os túmulos e
pelos montes, a gritar e a ferir-se com pedras. Avistando Jesus ao longe, correu, prostrou-se
diante dele e disse em alta voz: «Que tens a ver comigo, ó Jesus, Filho do Deus Altíssimo?
Conjuro-te, por Deus, que não me atormentes!» Efectivamente, Jesus dizia: «Sai desse
homem, espírito maligno.» Em seguida, perguntou-lhe: «Qual é o teu nome?» Respondeu: «O
meu nome é Legião, porque somos muitos.» E suplicava-lhe insistentemente que não o
expulsasse daquela região. Ora, ali próximo do monte, andava a pastar uma grande vara de
porcos. E os espíritos malignos suplicaram a Jesus: «Manda-nos para os porcos, para
entrarmos neles.» Jesus consentiu. Então, os espíritos malignos saíram do homem e entraram
nos porcos, e a vara, cerca de uns dois mil, precipitou-se do alto no mar e ali se afogou. Os
guardas dos porcos fugiram e levaram a notícia à cidade e aos campos. As pessoas foram ver
o que se passara. Ao chegarem junto de Jesus, viram o possesso sentado, vestido e em perfeito
juízo, ele que estivera possuído de uma legião; e ficaram cheias de temor. As testemunhas do
acontecimento narraram-lhes o que tinha sucedido ao possesso e o que se passara com os
porcos. Então, pediram a Jesus que se retirasse do seu território. Jesus voltou para o barco e o
homem que fora possesso suplicou-lhe que o deixasse andar com Ele. Não lho permitiu.
Disse-lhe antes: «Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez
por ti e como teve misericórdia de ti.» Ele retirou-se, começou a apregoar na Decápole o que
Jesus fizera por ele, e todos se maravilhavam.
São Siluane (1866-1938), monge ortodoxo
Escritos
“Viram o possesso sentado junto de Jesus, vestido e curado, ele que tinha sido possuído
por uma legião demónios”
O objectivo de toda a nossa luta é tornarmo-nos humildes. Os nossos inimigos, os demónios,
caíram pelo orgulho e atraem-nos para a sua queda. Nós, porém, irmãos, sejamos humildes, e
veremos a glória do Senhor, já nesta terra (Mt 16, 28), porque o Senhor dá-Se a conhecer aos
humildes por meio do Espírito Santo. A alma que provou a doçura do amor divino está
totalmente regenerada e torna-se completamente diferente; ama o seu Senhor e tende para Ele,
dia e noite, com todas as suas forças.
Até determinado momento, permanece tranquila em Deus depois, começa a sofrer pelo
mundo. O Senhor misericordioso concede à alma, ora o repouso em Deus, ora um coração que
sofre pelo mundo inteiro, a fim de que todos os homens se arrependam e cheguem ao paraíso.
A alma que conheceu a doçura do Espírito Santo deseja que todos acedam ao mesmo
conhecimento, porque a doçura do Senhor não permite à alma ser egoísta, antes lhe concede
um amor que irradia do coração.
Concílio Vaticano II
Constituição dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, 17
"Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez por ti, na
Sua misericórdia".
Assim como o Filho foi enviado pelo Pai, assim também ele enviou os Apóstolos (Jo 20,21)
dizendo: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, baptizai-as em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo, ensinai-as a observar tudo aquilo que vos mandei. Eis que estou convosco
todos os dias até ao fim do mundo” (Mt 28,19-20). A Igreja recebeu dos Apóstolos este
mandato solene de Cristo, de anunciar a verdade da salvação e de a levar até aos confins da
terra. (Act 1,8). Faz portanto, suas as palavras do Apóstolo: “ai de mim, se não prego o
Evangelho” (1Co 9,16), e por isso continua a mandar incessantemente os seus arautos, até que
as novas igrejas se formem plenamente e prossigam, por sua vez, a obra da evangelização...
Com efeito, é impelida pelo Espírito Santo a cooperar para que o desígnio de Deus, que fez de
Cristo o princípio de salvação para todo o mundo, se realize totalmente. Pregando o
Evangelho, a Igreja atrai os ouvintes a crer e confessar a fé, dispõe para o baptismo, liberta da
escravidão do erro e incorpora-os a Cristo, a fim de que n’Ele cresçam pela caridade, até à
plenitude. E a sua acção faz com que tudo quanto de bom encontra no coração e no espírito
dos homens ou nos ritos e cultura próprios de cada povo, não só não pereça mas antes seja
sanado, elevado e aperfeiçoado, para glória de Deus, confusão do demónio e felicidade do
homem.
A todo o discípulo de Cristo incumbe o encargo de difundir a fé, segundo a própria medida.
Mas se todos podem baptizar os que acreditam, contudo, é próprio do sacerdote aperfeiçoar,
com o sacrifício eucarístico, a edificação do corpo, cumprindo assim a palavra de Deus,
anunciada pelo profeta: “do Oriente até ao Ocidente grande é o meu nome entre as gentes, e
em todos os lugares é sacrificada e oferecida ao meu nome uma oblação pura” (Mal 1,11). É
assim que a Igreja simultaneamente ora e trabalha para que toda a humanidade se transforme
em Povo de Deus, corpo do Senhor e templo do Espírito Santo, e em Cristo, cabe ça de todos,
se dê ao Pai e Criador de todas as coi sas toda a honra e toda a glória.
Venerável Charles de Foucauld (1858-1916), eremita e missionário no Saará
Meditação 194 sobre os Evangelhos
“Vai para tua casa, para perto dos teus; anuncia-lhes tudo o que o Senhor fez por ti”
Assim que desejamos seguir Jesus, não nos surpreendamos se ele não o permite
imediatamente, ou mesmo se ele não o permite nunca... Com efeito, ele vê mais longe do que
nós; ele quer, não somente o nosso bem, mas o bem de todos...
Seguramente partilhar a sua vida, com e como os apóstolos, é um bem e uma graça, e
devemos sempre esforçarmo-nos por nos aproximar desta imitação da sua vida. Mas... a
verdade, a única perfeição, não é levar este ou aquele estilo de vida, é fazer a vontade de
Deus; é levar o género de vida que Deus quer, onde ele quer, e levá-lo como ele próprio o
teria levado...
Quando ele deixa a escolha a nós próprios, então sim, procuremos segui-lo passo a passo o
mais exactamente possível, partilhar a sua vida tal como ela foi, como o fizeram os seus
apóstolos durante a sua vida e depois da sua morte: o amor leva-nos a esta imitação... Quando
a sua vontade nos quiser algures, vamos onde ele quiser, levemos o género de vida que a sua
vontade nos designar, mas em qualquer lugar aproximemo-nos dele com todas as nossas
forças e sejamos em todos os estados, em todas as condições, como ele próprio seria se ele
tivesse sido conduzido aí, se a vontade do seu Pai o tivesse aí colocado como nos colocou a
nós.
Evangelho segundo S. Marcos 5,21-43. – cf.par. Mt 9,18-26; Lc 8,40-56
Depois de Jesus ter atravessado, no barco, para a outra margem, reuniu-se uma grande
multidão junto dele, que continuava à beira-mar. Chegou, então, um dos chefes da sinagoga,
de nome Jairo, e, ao vê-lo, prostrou-se a seus pés e suplicou instantemente: «A minha filha
está a morrer; vem impor-lhe as mãos para que se salve e viva.» Jesus partiu com ele, seguido
por numerosa multidão, que o apertava. Certa mulher, vítima de um fluxo de sangue havia
doze anos, que sofrera muito nas mãos de muitos médicos e gastara todos os seus bens sem
encontrar nenhum alívio, antes piorava cada vez mais, tendo ouvido falar de Jesus, veio por
entre a multidão e tocou-lhe, por detrás, nas vestes, pois dizia: «Se ao menos tocar nem que
seja as suas vestes, ficarei curada.» De fato, no mesmo instante se estancou o fluxo de sangue,
e sentiu no corpo que estava curada do seu mal. Imediatamente Jesus, sentindo que saíra dele
uma força, voltou-se para a multidão e perguntou: «Quem tocou as minhas vestes?» Os
discípulos responderam: «Vês que a multidão te comprime de todos os lados, e ainda
perguntas: 'Quem me tocou?’» Mas Ele continuava a olhar em volta, para ver aquela que tinha
feito isso. Então, a mulher, cheia de medo e a tremer, sabendo o que lhe tinha acontecido, foi
prostrar-se diante dele e disse toda a verdade. Disse-lhe Ele: «Filha, a tua fé salvou-te; vai em
paz e sê curada do teu mal.» Ainda Ele estava a falar, quando, da casa do chefe da sinagoga,
vieram dizer: «A tua filha morreu; de que serve agora incomodares o Mestre?» Mas Jesus,
que surpreendera as palavras proferidas, disse ao chefe da sinagoga: «Não tenhas receio; crê
somente.» E não deixou que ninguém o acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão
de Tiago. Ao chegar a casa do chefe da sinagoga, encontrou grande alvoroço e gente a chorar
e a gritar. Entrando, disse-lhes: «Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não
morreu, está a dormir.» Mas faziam troça dele. Jesus pôs fora aquela gente e, levando consigo
apenas o pai, a mãe da menina e os que vinham com Ele, entrou onde ela jazia. Tomando-lhe
a mão, disse: «Talitha qûm!», isto é, «Menina, sou Eu que te digo: levanta-te!» E logo a
menina se ergueu e começou a andar, pois tinha doze anos. Todos ficaram assombrados.
Recomendou-lhes vivamente que ninguém soubesse do sucedido e mandou dar de comer à
menina.
Orígenes (c. 185-253), sacerdote e teólogo
Homilias sobre o Levítico, nº 4
“Se conseguir, nem que seja tocar-Lhe nas vestes, ficarei curada”
A propósito do oferecimento dos primeiros frutos da terra, a Lei dizia: “Tudo o que nele tocar
tornar-se-á santo” (Lv 6, 11). Cristo imolado é o sacrifício único e perfeito, simbolizado e
prefigurado por todos os sacrifícios da Antiga Lei. Aquele que toca a carne deste sacrifício
fica imediatamente santificado; se estiver impuro, fica purificado; se estiver ferido, o
ferimento é curado. Foi o que compreendeu a mulher que sofria de um fluxo de sangue. […]
Porque compreendeu que estava verdadeiramente em presença da carne do Santo dos Santos,
aproximou-se. Não se atreveu a tocar na própria carne, porque ainda não tinha compreendido
o que é a perfeição; mas tocou nas franjas das vestes que tocavam naquela carne santíssima.
E, porque lhes tocou com fé, “saiu uma força” da humanidade de Cristo, que a purificou da
sua impureza e a curou da sua maldade. […]
Não te parece, pois, que este texto da Lei deve ser entendido da seguinte maneira: se alguém
tocar na carne de Jesus com as disposições que referimos, se, cheio de fé e de obediência, se
aproximar de Jesus como do Verbo encarnado, esse toca a verdadeira carne do sacrifício e é
santificado.
São Jerónimo (347-420), presbítero, tradutor da Bíblia, doutor da Igreja
Comentário ao Evangelho de Marcos, 2
“Sou Eu que te digo: levanta-te!”
“Não deixou que ninguém o acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago.”
Podemos perguntar por que motivo leva Jesus sempre estes discípulos, e por que motivo deixa
os outros. Já quando Se transfigurou no monte estes três o acompanhavam. […] Os escolhidos
são Pedro, sobre quem foi construída a Igreja, bem como Tiago, o primeiro apóstolo a receber
a palma do martírio, e João, o primeiro a enaltecer a virgindade. […]
“Entrou onde a criança jazia e, tomando-lhe a mão, disse: «Talitha qûm!», isto é, ‘Menina,
sou Eu que te digo: levanta-te!’ E logo a menina se ergueu e começou a andar.” Desejemos
que Jesus nos toque, também a nós, e começaremos imediatamente a andar. Quer por sermos
paralíticos, quer por termos cometido más acções, deixámos de andar; talvez estejamos
deitados na cama dos nossos pecados como em verdadeiro leito. Mas, assim que Jesus nos
tocar, ficaremos curados. A sogra de Pedro estava com febre; Jesus tomou-lhe a mão, ela
levantou-se e começou imediatamente a servi-los (Mc 1, 31). […] "E mandou dar de comer à
menina.” Pela graça, Senhor, toca-nos na mão, a nós que estamos deitados, levanta-nos do
leito dos nossos pecados, faz-nos andar. Quando tivermos começado a andar, manda que nos
dêem de comer. Deitados, não podemos andar e, se não estivermos de pé, não poderemos
receber o corpo de Cristo, a Quem pertence a glória, com o Pai e o Espírito Santo, pelos
séculos dos séculos.
São João Crisóstomo (c. 345-407), padre em Antioquia e, seguidamente, Bispo de
Constantinopla, Doutor da Igreja
Homilias sobre São Mateus, n° 31, 1-3 (trad. Véricel, O Evangelho Comentado, pp. 155-156)
«Por quê todo este alarido e tantas lamentações? [...] Está a dormir.»
«Ao chegar a casa do chefe da sinagoga, encontrou grande alvoroço e gente a chorar e a
gritar. Entrando, disse-lhes: «Por quê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não
morreu, está a dormir.» Mas faziam troça Dele.» Assim nos ensina Jesus a não temer a morte,
porque não é uma verdadeira morte: de agora em diante, não é mais do que um sono. E, como
Ele próprio ia morrer, prepara os seus discípulos, ressuscitando outras pessoas, para que
tenham confiança Nele e não se assustem quando Ele morrer. Porque, desde a vinda de Cristo,
a morte tornou-se apenas um sono.
No entanto, faziam troça Dele; mas Ele não se indignou com esta falta de confiança no
milagre que ia operar; não lhes censurou os sorrisos, para que esses mesmos sorrisos, tal como
as flautas e os restantes preparativos, tornassem bem óbvia a morte da menina. Vendo, pois,
os músicos e a multidão, Jesus fê-los sair a todos; e fez o milagre na presença dos pais [...],
como se a acordasse do sono [...].
É evidente que, agora, a morte já não é mais que um sono; hoje, esta é uma verdade mais
brilhante do que o sol. «Mas explica-me por que não ressuscitou Jesus o meu filho!» Pois não,
mas ressuscitá-lo-á, e em muito maior glória. Porque esta menina, que fez regressar à vida,
morreu de novo, enquanto que o teu filho, quando Ele o ressuscitar, permanecerá imortal.
Portanto, que mais ninguém chore, nem se lamente, nem critique a obra de Cristo. Porque Ele
venceu a morte. Por que derramas lágrimas inúteis? A morte tornou-se num sono: por quê
gemer e chorar?
Pregador do Papa: «Que triste é ver os jovens... tristes»; «há muitíssimos»
Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap., sobre a liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 30 de junho de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, ofmcap.-- pregador da Casa Pontifícia -- sobre a liturgia do próximo
domingo, XIII do tempo comum.
***
Talitá kum, menina, levanta-te!
XIII Domingo do tempo comum (B)
Sabedoria 1, 13-15-2, 23-35; 2 Coríntios 8,7.9. 13-15; Marcos 5, 21-43
A passagem do Evangelho deste domingo está cheia de cenas que se sucedem rapidamente em
lugares diferentes. Está, antes de tudo, a cena às margens do lago. Jesus está rodeado de uma
grande multidão quando um homem se joga aos seus pés e lhe dirige uma súplica: «Minha
filha está a ponto de morrer; vem, impõe tuas mãos sobre ela, para que se salve e viva». Jesus
deixa seu discurso pela metade e se põe em caminho com o homem até a sua casa.
A segunda cena acontece no caminho. Uma mulher que sofria hemorragias se aproxima de
Jesus às escondidas para tocar seu manto, e se sente curada. Enquanto Jesus falava com ela,
da casa de Jairo chegam a dizer-lhe: «Tua filha morreu. Para que incomodar o Mestre?».
Jesus, que ouviu tudo, diz ao chefe da sinagoga: «Não temas, somente tem fé».
E eis aqui a cena crucial, na casa de Jairo: grande confusão, gente que chora e grita, como é
compreensível ante o falecimento recém ocorrido de uma adolescente. «Entra e lhes diz: “Por
que vos desesperais e chorais? A menina não morreu; está dormindo”. [...] Ele, depois de
mandar todos para fora, toma consigo o pai da menina, sua mãe e os seus, e entra onde estava
a menina. E tomando a mão da menina, lhe diz: “Talita kum”, que quer dizer: “Menina,
levanta-te”. A menina se levantou ao instante e se pôs a andar, tinha doze anos. [...]. E lhes
insistiu muito em que ninguém o soubesse; e lhes disse que lhe dessem de comer».
A passagem do Evangelho sugere uma observação. Volta-se a discutir continuamente sobre o
grau de historicidade e fiabildiade dos Evangelhos. Assistimos recentemente ao intento de pôr
no mesmo nível, como se tivessem a mesma autoridade, os quatro evangelhos canônicos e os
evangelhos apócrifos dos séculos II-III.
Mas esta tentativa é simplesmente absurda e demonstra também boa dose de má fé. Os
evangelhos apócrifos, sobretudo os de origem gnóstica, foram escritos várias gerações depois
por pessoas que haviam perdido todo contato com os fatos e que, além disso, não se
preocupavam nem minimamente por fazer história, mas só por colocar nos lábios de Cristo os
ensinamentos próprios da escola delas. Os evangelhos canônicos, ao contrário, foram escritos
por testemunhas oculares dos fatos ou por pessoas que haviam estado em contato com as
testemunhas oculares. Marcos, de quem lemos este ano o Evangelho, esteve em estreita
relação com o Apóstolo Pedro, de quem refere muitos episódios que o tiveram como
protagonista.
A passagem deste domingo nos oferece um exemplo desse caráter histórico dos Evangelhos.
O nítido retrato de Jairo e seu pedido angustiado de ajuda, o episódio da mulher que encontra
a caminho de sua casa, a atitude céptica dos mensageiros para com Jesus, a tenacidade de
Cristo, o clima das pessoas que choram pela menina morta, o mandato de Jesus referido na
língua original aramaica, a comovedora solicitude de Jesus de que se dê algo de comer à
menina ressuscitada. Tudo faz pensar em um relato que remete a uma testemunha ocular do
fato.
Agora, uma breve aplicação do Evangelho do domingo à vida. Não existe só a morte do
corpo, também está a morte do coração. A morte do coração existe quando se vive na
angústia, no desânimo ou em uma tristeza crônica. As palavras de Jesus: Talitá kum, menina,
levanta-te! Não se dirigem portanto só a rapazes e moças mortos, mas também a crianças que
vivem.
Que triste é ver os jovens... tristes. E há muitíssimos ao nosso redor. A tristeza, o pessimismo,
o desejo de não viver, são sempre coisas más, mas quando se vêem ou se ouvem jovens
expressar isso, o fato oprime o coração ainda mais.
Neste sentido, Jesus continua ressuscitando também hoje a meninas e meninos mortos. Ele o
faz com sua palavra e também enviando-lhes seus discípulos, que, em Seu nome e com Seu
mesmo amor, repetem aos jovens de hoje aquele grito Seu: Talitá kum: menina, levanta-te!
Volta a viver.
[Traduzido por Zenit]
ZP06063001
Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI]
Der Gott Jesu Christi
“Jovem, Eu te ordeno, levanta-te”
“Vós não me entregareis à mansão dos mortos” (Ps 16, 10). Esta palavra da Escritura cumprese em Jesus, que ressuscita ao terceiro dia, antes de se iniciar a decomposição. A morte de
Jesus condu-lo ao túmulo, mas não à corrupção. É a morte da morte […]. Essa vitória sobre o
poder da morte, no próprio momento em que ela parece irrevogável, é um ponto capital do
testemunho bíblico […]: o poder de Deus, que respeita a sua criação, não está dependente da
lei da morte.
É certo que a morte é a forma fundamental do mundo, tal como ele é actualmente. Mas a
vitória sobre a morte, a sua supressão real e não apenas em pensamento, é hoje, como foi
sempre, uma aspiração e uma busca do homem. A ressurreição de Jesus declara-nos que esta
vitória é efectivamente possível, que a morte não fazia parte da estrutura da criação, da
matéria, no princípio e de forma irreversível […]. E diz-nos também que é impossível
alcançar a vitória sobre as fronteiras da morte por via de métodos clínicos aperfei çoados.
Essa vitória só se dá pelo poder criador da Palavra de Deus e do Amor. Estes são os únicos
poderes com força suficiente para alterar a estrutura da matéria de uma forma tão radical, que
as fronteiras da morte se tornem ultrapassáveis. […]
A fé na ressurreição é uma profissão de fé na existência real de Deus e uma profissão de fé na
sua criação, no “sim” incondicional que caracteriza a relação de Deus com a criação e com a
matéria […]. É isso que nos autoriza a cantar o aleluia pascal no meio de um mundo sobre o
qual paira a sombra ameaçadora da morte.
S. Cirilo de Alexandria (380-444), bispo, doutor da Igreja
Comentário sobre S. João
"Tomou a menina pela mão e disse-lhe...: «Levanta-te!»"
Até para ressuscitar os mortos, o Salvador não se contenta com agir através da palavra que, no
entanto, é portadora das ordens divinas. Como cooperante, se assim se pode dizer, dessa obra
tão fantástica, ele toma a sua própria carne, a fim de mostrar que ela tem o poder de dar a vida
e para ensinar que ela lhe está intimamente ligada; ela é verdadeiramente a sua carne e não um
corpo estranho. Foi o que aconteceu quando resuscitou a filha do chefe da sinagoga; ao dizerlhe: "Menina, levanta-te", tomou-a pela mão. Como Deus que é, deu-lhe a vida através de
uma ordem poderosa, mas deu-lhe a vida também através do contato com a sua santa carne,
testemunhando assim que uma mesma força divina age tanto no seu corpo como na sua
palavra. De igual forma, quando chegou a uma cidade chamada Naim, em que iam enterrar o
filho único de uma viuva, também tocou no caixão dizendo: "Jovem, eu te ordeno, levanta-te!
(Lc 7, 13-17).
Assim, não só confere à sua palavra o poder de ressuscitar os mortos mas também, para
mostrar que o seu corpo dá a vida, toca nos mortos e, através da sua carne, faz a vida passar
para os cadáveres. Se o simples contato com a sua carne sagrada devolve a vida a um corpo
que se decompõe, que proveito não encontraremos nós na sua vivificante Eucaristia quando
fizermos dela o nosso alimento? Ela transformará totalmente no bem que lhe é próprio, quer
dizer, na imortalidade, aqueles que nela tiverem participado.
Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja
Tratado sobre são Lucas 8, 40-56 (SC 45, p.249)
«Eu te ordeno, levanta-te!»
Antes de ressuscitar uma defunta, querendo despertar a fé, Jesus começa por curar a mulher
que padecia de hemorragias. Esse fluxo estancou para nosso esclarecimento: enquanto Jesus
se aproxima de uma, a outra já está curada. Assim, para acreditarmos na nossa vida eterna,
celebramos a ressurreição temporal do Senhor que viveu a sua Paixão…
Os criados de Jairo que dizem: «Não importuneis o Mestre» não acreditam na ressurreição
predita na Lei e consumada no Evangelho. Por isso, Jesus não leva consigo senão poucas
testemunhas da ressurreição que vai ter lugar. A multidão, essa, ri-se de Jesus quando diz: A
menina não morreu, está a dormir». Os que não crêem riem-se. Que chorem, pois, os seus
mortos aqueles que os julgam mortos. Quando se tem fé na ressurreição, não se vê na morte
um fim, mas um descanso…
E Jesus, pegando na mão da menina, curou-a; depois ordenou que lhe dessem de comer. É
uma constatação da vida para que não se possa pensar numa ilusão mas na realidade. Fel iz
aquela a quem a Sabedoria segura pela mão! Queira Deus que Ela também pegue na nossa, à
hora de actuarmos. Que a Justiça segure a minha mão; que o Verbo de Deus pegue nela, que
me introduza no seu recolhimento e afaste o meu espírito do erro, recuperando aquele a quem
salva! Que Ele mande dar-me de comer: o pão do céu é o Verbo de Deus. A Sabedoria que
colocou sobre o altar os alimentos do Corpo e Sangue do Filho de Deus, disse: «Vinde e
comei do meu pão e bebei do vinho que preparei!» (Pr 9, 5).
Evangelho segundo S. Mateus 5,43-48.
«Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos:
Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos
do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e
faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. Porque, se amais os que vos amam, que
recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? E, se saudais
somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos?
Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.»
Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897), carmelita, doutora da Igreja
Poesia 17 «Viver de Amor»
«Deixa-lhe também o manto»
Viver de Amor, é dar sem medida
Sem reclamar salário aqui na terra.
Ah ! sem contar eu dou-me bem segura
De que, quando se ama, não se conta !...
Ao Coração Divino, transbordante de ternura
Dei tudo... ligeiramente eu corro
Nada tenho senão a minha única riqueza
Viver de Amor.
Viver de Amor, é dissipar o medo
Afastar a lembrança das faltas do passado.
Dos meus pecados não encontro vestígios,
Num breve instante o amor queimou tudo.
Chama divina, ó dulcíssima Fornalha!
No teu centro fixo a minha morada
É no teu fogo que eu canto alegremente:
«Vivo de Amor!...»
«Viver de Amor, que estranha loucura !»
Diz-me o mundo, «Ah! cessa de cantar,
«Não percas os teus perfumes, a tua vida,
Aprende a empregá-la utilmente!...»
Amar-te, Jesus, que perda fecunda!...
Todos os meus perfumes são teus para sempre,
Quero cantar ao sair deste mundo:
«Morro de Amor!»
Gregório de Narek (c. 944-c. 1010), monge e poeta arménio
Livro de orações, nº 74
“A fim de serdes verdadeiramente filhos do vosso Pai […], pois Ele faz brilhar o sol
sobre os pecadores e sobre os justos”
Numerosas são as minhas ofensas e ultrapassam toda a conta,
Mas nem por isso tão espantosas como a tua misericórdia.
Múltiplos os meus pecados,
Mas sempre diminutos, comparados com o teu perdão. […]
Quem poderá lançar a treva
Sobre a tua luz divina?
Poderá uma reduzida obscuridade rivalizar
Com os teus raios, grande como és?
Poderá a concupiscência do meu frágil corpo
Ser comparada com a Paixão da tua Cruz?
O que serão aos olhos da tua bondade,
Deus Omnipotente,
Os pecados de todo o universo?
São como uma bolha de água
Que, à queda da tua chuva abundante,
Logo desaparece. […]
Tu fazes brilhar o sol
Sobre os justos e os pecadores
E chover sobre todos indistintamente.
Uns vivem em grande paz, na expectativa da recompensa; […]
Mas, àqueles que preferiram a terra,
Perdoas-lhes por misericórdia,
E dás-lhes, como aos primeiros, um remédio de vida,
Esperando sempre que a Ti regressem.

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