Espero que o resgate a Chipre seja mesmo o novo
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Espero que o resgate a Chipre seja mesmo o novo
16 | Mercados | Jornal de Negócios | Quinta-Feira, 18 de Abril de 2013 18.04.13 O Eurogrupo tomou a decisão correcta ao envolver credores, accionistas e depositantes acima de 100 mil euros no resgate a Chipre, diz Thierry Philipponnat, secretário-geral da Finance Watch, uma ONG que aconselha entidades como o Parlamento Europeu. É hora de mudar o paradigma na resolução de problemas em bancos, sob pena de causar mais instabilidade na economia. 60% Nos depósitos superiores a 500 mil, o impacto poderá aproximar-se de 60%, com os depósitos a converteremse em acções do novo banco. TH I E RRY PH I LI PPON N AT, LÍDE R DA F I N AN CE WATCH “Espero que o resgate a Chipre seja mesmo o novo paradigma” ONG de Bruxelas elogia decisão do Eurogrupo e diz ser hora de acabar com o “subsídio dos Estados” à banca. Em caso de problemas, bancos devem resgatar-se pelos próprios meios EDGAR CAETANO [email protected] O envolvimento de accionistas, credores e depositantes acimade 100 mil euros deve fazer parte da resolução de problemas nabanca da Zona Euro, acredita Thierry Philipponnat,secretário-geralda FinanceWatch,umaONGsedeada em Bruxelas que presta aconselhamento aos eurodeputados sobreointeressepúblicoeomundo da alta finança. Philipponnat elogia a mudança de paradigma indicada pelo Eurogrupo no resgate aChipre e diz, em entrevista telefónica ao Negócios, que as críticasestãorelacionadascomadefesa dos interesses privada da indústriafinanceiraenãocomadefesado interesse público. O primeiro plano proposto tinhaumafalhagrave:aviolaçãodo espírito da garantia de depósitos abaixode100mileuros,aindaque lhe tenhamchamado umataxa. É grave porque um sistema financeiroébaseadoemconfiança,ese não cumpres as regras por ti próprio estabelecidas, o sistema irá ruir. Já a segunda proposta foi muito melhor, porque respeitou os depósitos abaixo de 100 mil e porque o Eurogrupo decidiu que seriamoscredoresasofrerperdas, enãooscontribuintes,oqueépositivo.Quandoumbancoentraem falênciae perde mais dinheiro do que aquele que é o seu capital, pode acontecer uma de duas coisas: ou os credores e accionistas perdem ou são os contribuintes a absorveremasperdas.Nocasode Chipre, decidiu-se que seriam os primeiros a absorver parte significativadas perdas. Claro que credores e depositantes – acimade 100 mil euros – aperderdinheironuncaéumasolução feliz, mas era a única possívelparaChipre.Eraissoouteriam de ser, umavez mais, contribuintes a entrar com o dinheiro. Com o devido respeito e sendo óbvio que ninguém gosta de ver credores ou depositantes a perder dinheiro, tomou-se a opção menos má. Sobretudo porque, por sinal, a maioria dos depósitos em Chipreeramdecidadãosrussos,atraídos pelas taxas de remuneração elevadas. Quando se deposita dinheiro num banco a 3%, 4% ou 5%,sobretudonummomentoem que as taxas de juro estão tão baixasemtodoolado,deveter-senoção que se está a assumir um risco. Não háalmoços grátis. Espero sinceramente que seja uma mudança de paradigma. Há uma directiva em discussão no ParlamentoEuropeuqueenvolve o “auto-resgate” (“bail-in”) dadívida dos bancos. Mas no terreno, emBruxelas,existeumaactividade fortíssima de lóbi contra o envolvimentodetítulosdecurtoprazoededívidasénior.Aprocurade isenções é umadefesa– natural – de direitos privados, mas se houver demasiadas isenções, não haverávolume suficiente de instrumentos para “auto-resgatar” um banco.Énecessáriaumadefinição Quando se deposita dinheiro num banco a 3%, 4% ou 5%, sobretudo num momento em que as taxas de juro estão tão baixas em todo o lado, deve ter-se noção que se está a assumir um risco. Jornal de Negócios | Quinta-Feira, 18 de Abril de 2013 | Mercados | 17 Interesse público na alta finança europeia Thierry Philipponnat lidera a Finance Watch, organização não-governamental que quer ver a indústria financeira a contribuir para o bem de toda a sociedade. A ONG foi criada em Junho de 2010, a pedido de membros do Parlamento Europeu (PE) que se queixavam de ter o corredor preenchido com lobistas a defenderem os seus interesses. Os eurodeputados quiseram ouvir “uma voz independente que fosse uma melhor representação do interesse público no campo da regulação financeira”. A Finance Watch é financiada de forma independente e presta aconselhamento ao PE, além de outras entidades. O interesse público, “que é mais do que a soma dos interesses privados”, é o “credo” da ONG. dos instrumentos “auto-resgatáveis”, respeitando a hierarquia de dívida subordinada, dívida júnior, sénior,esódepoisdepositantesacimade100mileuros.Nãoestouadizer que tudo tem de ser incluído, e só se envolve os instrumentos na medidaemquefornecessárioerespeitando a hierarquia dos instrumentos. É assim que deve ser em resgates a bancos. Caso contrário, se houversempre umagarantiade que o Estado intervirá para salvar todos, isso coloca riscos para a estabilidade e concorrência no sector. Os resgates aque nos habituámos levam a que bancos maiores tenhamumavantagemcompetitivasobre os bancos mais pequenos e isso não é algo que queiramos fomentarnaUnião Europeia. Osaccionistaseobrigacionistas dos bancos não querem essa mudançadeparadigma,claro,porque acreditam que se este se tornar o “modelo”,issoteráumimpactonegativo sobre o custo de financiamento dos bancos e, por consequência, nos lucros. O que, numa primeirafase,podeacontecer,mas não acredito que de formaexpressiva. Se não recorrermos ao “autoresgate”, trata-se de um subsídio eterno dos Estados. Os políticos não devem guiar-se por reacções imediatas dos mercados. Os interesses privados são importantes, mas há uma coisa mais importante: o interesse público. As acções caíram, mas... “c’estlavie”. Uma coisa é gerir uma crise no “calordabatalha”,nopicodacrise, outracoisaé planearregulação futura.Nãotemosquaisquerdúvidas que o “auto-resgate” dos bancos deveserparteintegraldaregulação futura,enãoéclaroquetodosestejamatrabalharnessesentido.Mas, claro,mudarregrasdestegénerono “calor da batalha” é mais difícil. Contudo,nósnaFinanceWatchestamoshabituadosaouviressetipo deargumentosporpartedaindústria financeira, na luta contra o “auto-resgate”.Jáouvimosmuitas vezes os argumentos sobre a esta- bilidadefinanceira:“Nãopodemos fazeristoouaquiloporcausadaestabilidade financeira”. A indústria fazumpoucodechantagemnoque aestasquestõesdizrespeito.Istoé, dizem que “se mexerem na forma comonosfinanciamos,serãoaeconomia e as pessoas a sofrer com isso”. Julgo que foi um bom momento paratomaradecisão. Adiar constantementenãoésolução.Haverásempredesculpasparanãofazer, agora, isto ou aquilo. Não vejo qualquerrazão paraque amudançadeparadigmanãoaconteçaagora e acredito que cada minuto que seperde,maisdifíciledolorososerá no futuro. Não colhe. Esse é, na realidade, umargumentocuriosoporparteda indústria, tendo em conta o facto de, em média, na Europa, apenas 28% dos activos de crédito dabancadizrespeitoaempréstimosaempresasnão-financeiraseafamílias. Orestoéespeculação,mercadosfinanceiros,eempréstimosaoutros bancos.NaFinanceWatchnãodefendemos que não existam quais- A indústria financeira faz um pouco de chantagem quando diz que se mudarem as condições de financiamento, serão a economia e as pessoas a sofrer. quergarantias públicas parao sector financeiro, mas se perpetuarmos esta situação em que a sociedadetemtodoopotencialparaperdas e nenhum potencial para ganhos, não vai funcionar. Tudo isto temtambémavercomaestrutura dos bancos. Se tivermos bancos simples, que executem de forma simples a actividade de recolha de depósitos e concessão de créditos, eseissoestiverseparadodasoutras actividades, os custos de financiamento baixarão, não aumentarão. Paranós, isso é chave. Esperoquesim.Eesperosobretudo que o Eurogrupo mantenha este raciocínio objectivo sobre aquilo que faz sentido e aquilo que nãofazsentido.NocasodeChipre, o raciocínio foi claro e correcto. É importante não fazer as coisas de formaqueassustetodaagente,mas o modelo que foi usado em Chipre foi o que faziasentido numasituação muito difícil. Mesmo Mario Draghi concordou com os moldes da segunda proposta, e com a necessidade de termos “auto-resgates”, o que é algo reconfortante.
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