Sonhos despedaçados
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Sonhos despedaçados
Programa Moçambique Colecção Pesquisas Sonhos despedaçados As condições de vida, necessidades e capacidades dos sobreviventes de minas e Explosivos Remanescentes de Guerra em Moçambique Outubro 2013 Equipa técnica Dados recolhidos por: André Lucas Nhamajabo, Bernardete Marangabassa, Samuel Tauzene, Dinéria da Telma Armando, João António Chaúque, Mário Eugénio Júnior, Samuel Eugénio Sarange, Saquina Cossa Motoristas: Fernando Luis, Moisés Sono, Fernando Alberto Supervisores da avaliação: Saskia Schoolland, Luis Wamusse (RAVIM) Lançamento de dados: Acacio Julio Mugunhe, Adelaide de Jesus Nhamtumbo Tembe, Jorge Mário Binguane Análises estatísticas: Acacio Julio Mugunhe and Sergio Ndimande Apoio técnico: Elke Hottentot, Technical Advisor on Victim Assistance Aude Brus, Technical studies and researches coordinator Apoio logístico e operacional: Demining team of Handicap International Mozambique Publicação Autora: Saskia Schoolland Grupo de Leitura: Yann Faivre, Robert Burny, Elke Hottentot, Aude Brus Edição: Elodie Finel, Knowledge Management, Handicap International Mozambique Tradução: Sandra Tamele, SM Traduções Revisão: Rufina Nhacula Criação gráfica e layout: Vincent Caudry, Image In Creation based on the visual identity of the Federation Publications of Handicap International IC&K, Frédérick Dubouchet e Maude Cucinotta Créditos das fotografias: Aderito Ismael, Elodie Finel and Saskia Schoolland O relatório integral da avaliação está disponível mediante simples solicitação: Handicap International Moçambique Morada: Avenida Agostinho Neto n°49, C.P. 4331 Maputo Tel: +258 21 486 298 - Email: [email protected] e no Internet: www.hi-moz.org/download/FullStudyVA.pdf A versão electrónica desta publicação esta disponível: em português: www.hi-moz.org/download/SonhosDespedacados.pdf em inglese: www.hi-moz.org/download/ShatteredDreams.pdf ÍNDICE AGRADECIMENTOS 4 PREFÁCIO 5 SÍNTESE 6 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA 9 Introdução Definições chave Dados chave Enquadramento legal e datas chave Apresentação da avaliação Moçambique Handicap International Concepção da avaliação 10 11 12 13 15 18 20 21 VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE 27 Considerações gerais Perfis dos sobreviventes de minas/ERG em Moçambique Impacto do acidente Percepção (própria e da comunidade) 28 30 38 42 NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES 47 Serviços Saúde Reabilitação Apoio psicossocial Protecção social e padrões de vida Educação Trabalho e emprego Direitos 48 50 52 55 57 61 63 64 RECOMENDAÇÕES PARA O PLANO DE ACÇÃO NACIONAL PARA AV 65 Recomendações gerais Por sector de intervenção Por eixo de intervenção 66 68 74 ANEXOS 79 Para mais informações sobre a AV Glossário Acrónimos 80 81 83 AGRADECIMENTOS Este relatório é dedicado ao André, ao Tiago, à dona Maria, ao Alfredo, ao Bernardo, ao Manuel, ao Domingos e a todos aqueles que viram os seus sonhos destruídos quando pisaram uma mina terrestre. Apanhou-os de surpresa e transformou dramaticamente as suas vidas. A maioria ainda era jovem quando isso lhes aconteceu no contexto de uma guerra civil. Apesar de para muitos o acidente ter ocorrido há 20 anos, ainda se faz sentir como se tivesse sido ontem e a maioria deles não recebeu os devidos meios e/ ou apoio para caminharem pelos seus próprios pés. A entrevista para a avaliação, em muitos casos, representou a primeira vez que alguém de fora da comunidade testemunhou o trauma que os assolou. O reconhecimento de que eles existem de facto e que alguém se preocupa com o seu sofrimento tocou-os. A equipa de investigação espera sinceramente que as suas necessidades sejam traduzidas em acções concretas e acesso a serviços, para melhorar a sua qualidade de vida e a participação integral e abrangente na sociedade. A avaliação foi implementada com o apoio do Governo Australiano (AusAID), com a Parceria das Nações Unidas para a Promoção dos Direitos das Pessoas com deficiências (UNPRDP) e o Ministério de Negócios Estrangeiros Holandês, aos quais gostaríamos de manifestar os nossos sinceros agradecimentos. Expressamos a nossa gratidão aos entrevistadores locais que tiveram que viajar longas distâncias para identificar os sobreviventes e que recolheram e ouviram as suas histórias com empatia. Manifestamos o nosso apreço para com as autoridades nacionais e provinciais, postos administrativos ao nível distrital, líderes comunitários e guias que facilitaram a implementação da avaliação e ajudaram a identificar os sobreviventes. Mas, acima de tudo, profundo respeito pela criatividade e força dos sobreviventes para se adaptarem em circunstâncias adversas. “É a primeira vez que alguém vem me ver por causa do que aconteceu, e isso aconteceu há 21 anos. Obrigado por me reconhecer. Fico feliz que o governo está a tomar a nossa situação em consideração, mesmo para uma mulher velha como eu” 4 PREFÁCIO Moçambique passou por quase 30 anos de guerras, durante o qual as minas e outros explosivos foram colocados em todo o país. 10 Anos luta contra o colonialismo (19641974) e, após um curto período de paz, a violência armada começou novamente no centro de Moçambique a evoluir para uma guerra civil de quase duas décadas (1976-1992). Como um resultado de ambas as guerras, as minas se tornaram num problema de grande dimensão onde muitas pessoas foram feridas e mortas por minas e outros explosivos remanescentes de guerra (ERG). Em 1998, o país ratificou o Tratado de Proibição de Minas, também conhecido como “Tratado de Otava” e se tornou um dos primeiros e principais países, dando prioridade à missão de desminagem. Em 2003, Moçambique tinha alcançado a destruição de seus arsenais e até o final de 2014 o país vai declarar-se um “país livre de minas”. Durante as Conferências de Revisão do Tratado de Proibição de Minas de Nairobi (2004) e Cartagena (2009), o Governo Moçambicano identificou a assistência às vítimas como sua nova prioridade. Se a ameaça de minas terrestres e outros explosivos remanescentes de guerra estão a desaparecer, as dificuldades das vitimas de minas/ERG permanecem e exigem um compromisso de longo prazo por parte das principais instituições de resposta, tais como o Instituto Nacional de Desminagem, o Ministério da Mulher e Acção Social, o Ministério da Saúde, a sociedade civil e outros prestadores de serviços. O Governo já demonstrou um forte compromisso em relação às pessoas com deficiências através da ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assim como da aplicação de uma resposta global baseada nas suas necessidades, de criação de um Conselho Nacional para a Área da Deficiência (CNAD) e de aprovação e implementação de Planos Nacionais de Acção plurianuais e transversais para a Área da Deficiência (PNAD). A área da deficiência é complexa e multifacetada. As necessidades podem variar de uma pessoa para outra e de um contexto para outro. Os resultados da Avaliação das capacidades e necessidades das vitimas de Minas/ERG em Moçambique, transcritos nesta publicação, irão dar uma melhor compreensão das questões específicas desta parte da população das pessoas com deficiência, permitindo assim que os Ministérios envolvidos possam definir e implementar políticas necessárias e acima de tudo, que estas instituições estejam mais claras nas acções a serem desenvolvidas para uma sociedade inclusiva em Moçambique. Congratulamo-nos com este Relatório de Avaliação das Necessidades e Capacidades, pois nos permitirá desenvolver um Plano de Acção Nacional para Assistência as Vítimas, com respostas específicas, abrangentes, eficientes e adequadas às necessidades das vítimas de minas/ERG. Por uma sociedade Moçambicana aberta e inclusiva! Dr Miguel Aurélio Maússe Director Nacional da Acção Social Minstério da Mulher e da Acção Social Outubro de 2013 5 SÍNTESE As minas terrestres e explosivos foram usados durante as duas guerras que assolaram Moçambique durante um período de quase 30 anos. Provocaram muitos acidentes, apesar de existirem poucos dados fiáveis sobre o número total de sobreviventes de minas e Explosivos Remanescentes de Guerra (ERG), uma vez que a maioria dos acidentes não são comunicados às esquadras de polícia locais nem reportados ao Instituto Nacional de Desminagem (IND). Moçambique espera cumprir a sua obrigação no âmbito do artigo 5º do Tratado de Interdição de Minas de destruir todas as minas anti-pessoais até ao fim de 2014, com isso a ameaça de mais acidentes e mortes desaparece, mas ainda têm que ser desenvolvidas respostas adequadas para garantir a inclusão dos sobreviventes que estão vivos actualmente. Apesar de Moçambique ter estado na linha de frente do processo de ratificação do Tratado de Interdição de Minas (MBT) e da Convenção sobre Bombas de Fragmentação (CCM), a prioridade política e financeira foi dada às operações de desminagem, relegando a assistência às vítimas (AV) para questão secundária ao longo dos últimos 20 anos. A recolha de dados, incluindo avaliações de necessidades, é uma medida chave de implementação no âmbito do artigo 5º da CCM e do Tratado de Interdição de Minas. Até ao momento, ainda não foi realizada uma avaliação global de necessidades dos sobreviventes de minas/ERG em Moçambique. Por esse motivo, a Handicap International em parceria com a RAVIM (Rede para Assistência às Vítimas de Minas), envolvendo, entre outros, o Ministério da Mulher e Acção Social (MMAS), o Ministério da Saúde (MISAU), o Instituto Nacional de Desminagem (IND) e o Conselho Nacional para a Área da Deficiência (CNAD), conduziu uma avaliação por forma a conseguir apresentar todos os dados necessários para permitir a elaboração de um Plano de Acção Nacional para Assistência às Vítimas em linha com o Plano Nacional na Área da Deficiência (PNAD), para prestar assistência e garantir os direitos dos sobreviventes de minas/ERG entre o grande grupo de pessoas com deficiências. A avaliação foi implementada entre Setembro de 2012 e Maio de 2013 em 12 distritos das províncias de Inhambane e Sofala, com base num número relevante de sobreviventes de minas/ERG para apresentar informação representativa ao nível nacional. Foi aplicada uma abordagem mista, com uma parte quantitativa visando os sobreviventes de minas/ERG e um grupo de controlo de membros da comunidade do mesmos sexo e idade que os sobreviventes, para avaliar a vulnerabilidade relativa dos sobreviventes de minas/ ERG. Complementada por um estudo qualitativo visando as vítimas de minas/ ERG (sobreviventes e famílias afectadas) e outros actores, para reunir informação adicional e opiniões de pessoas directa ou indirectamente responsáveis por prestar apoio aos sobreviventes. De todos os sobreviventes de minas/ERG avaliados, 80,1% sofreram o acidente durante a guerra há mais de 20 anos atrás e 79,4% são do sexo masculino. Um terço foi atingido por uma mina/ERG durante o serviço militar, dois terços enquanto realizavam actividades da sua rotina diária. As constatações da avaliação indicam que os sobreviventes que vivem em áreas rurais remotas tendem a enfrentar uma situação socioeconómica semelhante à da população em geral, apesar de permanecerem em desvantagem. Três em cada quatro sobreviventes vivem abaixo do limiar da pobreza1, tal como os membros da sua comunidade. No entanto, a qualidade do seu alojamento, acesso a condições sanitárias básicas e à água é inferior e, conforme expectável, enfrentam mais limitações funcionais em comparação com os membros da sua comunidade. Apesar O Limiar da Pobreza está estabelecido, a nível internacional, em 1,25 Dólares Americanos pelo Banco Mundial 1 6 de, na maioria dos casos, a agricultura ser a única opção para sustentar as suas famílias, eles enfrentam mais dificuldades para cultivar as suas terras, construir as suas casas e cuidar de si próprios e das suas famílias. A maioria dos sobreviventes trabalha, embora menos do que os membros da comunidade do mesmo sexo e idade, devido às suas deficiências e aos obstáculos que encontraram, assim como tendem a viver de uma pensão com mais frequência do que os seus pares. Em termos de acesso a serviços básicos de saúde, nível de formação e participação comunitária, não foram identificadas diferenças significativas entre ambos os grupos. Ao nível do sistema de serviços, foram encontradas unidades de reabilitação em más condições devido a existência de equipamentos velhos e/ou obsoletos e à falta de matéria-prima para produzir ou reparar meios de compensação. É preciso muito trabalho e investimento para melhorar a sua prestação de serviços, com uma acção paralela assente na comunidade de forma a aumentar o conhecimento sobre os serviços disponíveis e o acesso aos mesmos. Um número significativo de sobreviventes tem necessidade de meios de compensação adequados para melhorarem a sua mobilidade. Poucos sobreviventes tiveram acesso a sistemas de protecção social básicos e nem receberam nenhum tipo de apoio para lidarem com as consequências do acidente, ou mesmo opções de trabalho mais adequadas às suas capacidades. Deveriam ser desenvolvidas Estratégias de Acompanhamento Social Personalizado para ajudarem os sobreviventes a acederem aos serviços. Precisam de ser desenvolvidas políticas inclusivas, respectivos mecanismos e um sistema de encaminhamento forte e eficiente para lhes assegurar os seus direitos humanos básicos que lhes permitirão melhorar a sua qualidade de vida. Os sobreviventes ainda lutam para viverem integralmente as vidas que desejam, apesar de o acidente ter acontecido há muito tempo. Deveriam ser desenvolvidas abordagens psicológicas para os ajudar a lidar com o traumático impacto do acidente, de forma a obterem o máximo de auto-suficiência, auto-estima e autonomia. O governo demonstrou o seu envolvimento nas questões relacionadas com a deficiência. Concebeu e aprovou políticas, leis e programas nacionais para promover a inclusão de pessoas com deficiência. Também ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com deficiências (UNCRPD) e aderiu ao seu protocolo opcional em Janeiro de 2012; no entanto, até à data, foram alocados recursos insuficientes para a implementação das referidas leis. Os provedores de serviços públicos, em geral, não sabem como incluir pessoas com deficiências. Não estão suficientemente preparados e equipados para remover obstáculos. O pessoal não está capacitado para satisfazer as necessidades específicas de pessoas com deficiências. Apenas alguns provedores de serviços possuem uma base de dados sobre as pessoas com deficiências entre os utilizadores e quando existem, não são realizadas actualizações regulares. Por isso, é difícil monitorizar e avaliar o progresso feito na área da inclusão nesses serviços. Devem ser desenvolvidas e implementadas estratégias claras sobre como promover a inclusão social e a capacitação de pessoas com deficiências e garantir o acesso aos seus direitos. Os direitos das pessoas com deficiências deveriam ser divulgados a nível nacional. A capacidade das Associações de Pessoas com Deficiências (APcD) deveria ser desenvolvida de forma a defender os interesses dos sobreviventes e das outras pessoas com deficiências, monitorizar a implementação de políticas e desenvolver estratégias de divulgação para comunicar e informar melhor o seu púbico alvo. 7 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA INTRODUÇÃO 10 DEFINIÇÕES CHAVE 11 Vítimas de minas/ERG Pessoas com deficiência 11 11 DADOS CHAVE 12 ENQUADRAMENTO LEGAL E DATAS CHAVE 13 APRESENTAÇÃO DA AVALIAÇÃO 15 Objectivo geral Objectivo especifico Passos chave MOÇAMBIQUE Sobre as Minas Terrestres/ERG Sobre as Vítimas Sobre a Assistência às Vítimas HANDICAP INTERNATIONAL Sobre a Assistência às Vítimas Em Moçambique CONCEPÇÃO DA AVALIAÇÃO Metodologia Área de implementação Amostragem 15 15 16 18 18 18 19 20 20 20 21 21 23 25 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA Introdução Esta publicação é o resultado de uma avaliação de necessidades e capacidades realizada pela Handicap International em parceria com a RAVIM, a Rede Nacional de Apoio à Vítima. O seu objectivo é apresentar dados precisos e recomendações sobre Assistência às Vítimas (designada como AV ao longo da presente publicação) para tornar possível o desenvolvimento de um Plano de Acção Nacional para Assistência às Vítimas (PANAV) para defender os direitos dos sobreviventes de minas/ERG em Moçambique. Os resultados da avaliação irão proporcionar a todas as partes interessadas a informação necessária para desenvolver respostas adequadas que possam melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes de minas/ERG e garantir os seus direitos. Apesar da presente avaliação abordar apenas as necessidades, capacidades e condições socioeconómicas dos sobreviventes2, a AV visa incluir e apoiar também pessoas com deficiências devido a outras causas. Está em linha com a posição oficial do governo de Moçambique, que afirma que as necessidades dos sobreviventes devem ser tratadas dentro de um enquadramento mais amplo da área da deficiência. As conclusões irão contribuir para o Plano de Acção Nacional para Assistência às Vítimas (PANAV) e as suas actividades serão inseridas nas políticas nacionais existentes (ex. o PNAD). A publicação está dividida em 4 capítulos: Princípios e Valores de Referência fornecem o histórico necessário para compreender a situação das vítimas de minas/ERG, o contexto, as datas chave, definições e contexto legal, bem como os objectivos e a concepção da avaliação de necessidades e capacidades. Vítimas de minas/ERG em Moçambique, como intitulado, apresenta a situação dos sobreviventes e vítimas de minas/ERG em Moçambique, hoje, em comparação com os outros membros de sua comunidade, através dos resultados baseados em evidências da avaliação. Necessidades identificadas pelos sectores apresentam os resultados qualitativos e quantitativos e sua análise, apresentada pelos sectores abrangidos em Assistência às Vítimas (Serviços em geral, saúde, reabilitação, apoio psicossocial, protecção social e os padrões de vida, Educação, Trabalho e Emprego). E, finalmente, as Recomendações para o Plano de Acção Nacional para Assistência às Vítimas são apresentados também pelos mesmos sectores de intervenção e os eixos de intervenção, de acordo com o Plano de Ação de Cartagena e a publicação Recomendações para Planos de Acção Nacionais para Assistência às Vítimas3 de 2009, reeditado em 2011 e 2013 em Português. Esta limitação da Avaliação de Necessidades aos Sobreviventes foi decidida apenas devido ao contexto muito específico de Moçambique, onde a maioria dos sobreviventes sofreram o acidente há mais de 20 anos atrás e, como tal, enfrentam desafios específicos em comparação com a população com deficiência em geral. 3 EmPortuguês: www.hiproweb.org/uploads/tx_hidrtdocs/VA_Recomendacoes_light.pdf Em Inglês: www.hiproweb.org/uploads/tx_hidrtdocs/HI-RecommendationsEng-WEB.pdf 2 10 Definições chave Vítima de Mina/ERG De acordo com a Convenção sobre as Bombas de Fragmentação, a definição de vítima actualmente aceite a nível internacional é: “todas as pessoas que foram mortas ou sofreram danos físicos ou psicológicos, perdas económicas, marginalização social ou limitação significativa da realização dos seus direitos como consequência do uso de bombas de fragmentação”. O grupo de vítimas é composto por vítimas directas e indirectas: As vítimas directas são as pessoas feridas ou mortas, também denominadas por fatalidades. 11 As vítimas directas também são sobreviventes, que são pessoas feridas por minas /ERG e que sobreviveram ao acidente. Vítimas indirectas são os familiares das pessoas feridas ou mortas por minas/ERG, bem como as famílias que vivem em áreas afectadas por minas/ERG. SOBREVIVENTES VÍTIMAS Sobreviventes de Minas/ERG pessoas que sobreviveram a um acidente com minas/ERG Vítimas de minas/ERG (definição estrita) subgrupo limitado aos sobreviventes e famílias que foram directamente afectados por minas terrestres (incluindo famílias de pessoas que morreram num acidente com mina/ERG) As vítimas de minas/ERG (definição geral) incluem os três grupos: sobreviventes, vítimas (pessoas directamente afectadas por minas/ERG, famílias) alargando-se às comunidades afectadas pela presença de minas Pessoas com deficiências Os acidentes com minas/ERG resultam frequentemente numa deficiência, devido à perda de um membro ou outra limitação. Como tal, é importante discutir sucintamente o entendimento de deficiência por parte da Handicap International. A organização define pessoas com deficiências de acordo com o Processo da Produção do Impedimento (Processus de Production du Handicap)4, ou seja como “as pessoas que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interacção com várias barreiras (ambientais, culturais, físicos) podem impedir a sua plena e efectiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros”. Esta definição está em linha com as principais convenções e classificações internacionais, que definem amplamente a deficiência, não simplesmente como incapacidade, ferimento ou doença - mas sim como uma complexa interacção entre as condições de saúde de uma pessoa e factores ambientais ou contextuais. No final da presente publicação encontra-se um glossário mais abrangente, pág. 81. Fougeyrollas P., Cloutier R., Bergeron H., Cote J., St-Michel G. Classification québécoise : Processus de production du handicap. Lac St Charles : Réseau International sur le Processus de Production du Handicap (RIPPH), 1998. www.ripph.qc.ca 4 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA Dados chave A próxima secção apresenta dados relativamente à prevalência da deficiência e às políticas, bem como sobre a assistência às vítimas e o contexto socioeconómico em Moçambique. As minas terrestres foram colocadas durante as duas guerras que assolaram Moçambique por quase 30 anos (o acordo de paz foi firmado em 1992) Na altura da resolução da segunda guerra, Moçambique estava entre os países mais pobres do mundo. Esteve fortemente dependente da ajuda internacional durante décadas. O que está a mudar e o país está a desenvolver-se a um ritmo acelerado. No entanto, Moçambique ainda se encontra entre os dez lugares inferiores de IDH5. A expectativa de vida é de 51 anos (OMS, 2011) Rendimento Nacional Bruto per Capita: 510 US$ (Banco Mundial, 2012); o limiar da pobreza nacional: 1,25$ por dia, o salário mínimo na agricultura: 85 $ por mês (Governo do Moçambique, 2013). 30 anos de conflito armado danificaram ou destruíram cerca de 40% das unidades de saúde do país. Moçambique visa cumprir a sua obrigação de destruir todas as minas anti-pessoais, no contexto do artigo 5º do Tratado de Interdição de Minas até ao fim de 2014. Não existem bases de dados precisas ou censos disponíveis com o número total de sobreviventes de minas/ERG e pessoas feridas ou mortas em Moçambique. Uma política nacional6 para pessoas com deficiências foi aprovada em Moçambique em 1999, com o objectivo de incluir a deficiência no sector público e nas políticas públicas; foi estabelecido um Conselho Nacional para a Área da Deficiência (CNAD) para avaliar o primeiro Plano Nacional de Acção na Área da Deficiência (PNAD 20062010) e para desenvolver o PNAD II (20122019). Moçambique ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com deficiência e aderiu ao seu protocolo opcional a 30 de Janeiro de 2012. Existe um pequeno parágrafo sobre AV no Plano Nacional na Área da Deficiência 2012-2019, mas desde Maio de 2012, ainda não foi identificado financiamento para implementar o plano. Em 2009, o primeiro inquérito a nível nacional - realizado pela Fundação Norueguesa para Pesquisa Científica e Industrial (SINTEF)7 em parceria com o Fórum das Associações Moçambicanas dos Deficientes (FAMOD) e com o Instituto Nacional de Estatística (INE) - estimou o número de pessoas com deficiências em 6% da população, equivalente a 1,4 milhões de pessoas em todo o país. O mesmo inquérito nacional da SINTEF indicou que acidentes com minas e outras situações relacionadas com a guerra estavam na raiz da deficiência de 6,8% das pessoas com deficiências em Moçambique, tornando essa na terceira causa após acidentes laborais e rodoviários. A RAVIM defendeu e prestou assistência aos sobreviventes de minas/ERG no acesso aos serviços de saúde e reabilitação e participou na implementação de actividades de reintegração socioeconómica. HDI: Índice de Desenvolvimento Humano ver Pág. 81 Através do Decreto 20/99 do Conselho de Ministros, o Governo de Moçambique produziu a sua primeira Política Nacional sobre a Deficiência em 1999. 7 SINTEF, FAMOD & INE, Living Conditions Among People with Disabilities in Mozambique, Oslo, 2009 5 6 12 Enquadramento Legal e datas chave Na arena internacional tem havido um reconhecimento crescente dos direitos das vítimas de minas/ERG. A Assistência às Vítimas é uma parte integral de dois acordos internacionais de desarmamento, particularmente o Tratado de Interdição de Minas de 19978 (MBT) e a Convenção sobre Bombas de Fragmentação9 (CCM). Tabela 1: Visão global das datas de ratificação dos vários tratados pelo governo de Moçambique ANO Enquadramento legal internacional Moçambique 1997 Tratado de Interdição de Minas (MBT) Ratificado a 25 de Agosto de 1998 2004 1ª Conferência de Revisão dos Estados Partes do MBT Plano de Acção de Nairobi (NAP) 2006 Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências (UNCRPD) Assinado em 2010, Ratificado a 30 de Janeiro de 2012 2006 Protocolo Opcional da Convenção dos Direitos das Pessoas com deficiências Adesão a 30 de Janeiro de 2012 2008 Convenção sobre Bombas de Fragmentação (CCM) Ratificada a 14 de Março de 2011 2009 2ª Conferência de Revisão dos Estados Partes do MBT Plano de Acção de Cartagena (CAP) 2010 1ª Reunião dos Estados Partes da CCM Plano de Acção de Vienciana10 Em 1999, entrou em vigor a Convenção sobre a Proibição da Utilização, Armazenagem, Produção e Transferência de Minas Anti-pessoais e sobre a sua Destruição, frequentemente denominada como Tratado de Interdição de Minas (MBT) ou Tratado de Otava. O objectivo primário da Convenção era “pôr fim ao sofrimento e às mortes causadas pelas minas anti-pessoais, que matam ou mutilam centenas (...)”. O tratado estipula que todos os Estados Partes são obrigados a proibir a transferência e uso de minas anti-pessoais e a destruir as quantidades armazenadas, a solicitar cooperação internacional e prestar assistência às vítimas, bem como garantir medidas de transparência. O artigo 6.3 do MBT aborda o dever de cada Estado Parte de prestar assistência às vítimas de minas terrestres. Refere “Cada Estado Parte em condições de fazê-lo proporcionará assistência para o tratamento e a reabilitação de vítimas de minas e sua reintegração social e económica, bem como para programas de consciencialização sobre minas.” 8 Texto integral do Tratado de Interdição de Minas: http://www.icbl.org/index.php/icbl/Treaty/MBT/ Treaty-Text-in-Many-Languages/English 9 Texto integral da Convenção sobre Bombas de Fragmentação: http://www.clusterconvention.org/ documents/full-text-enfres 10 Texto integral do Plano Nacional de Acção de Vienciana: www.clusterconvention.org/the-convention/ action-plan 13 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA / Enquadramento Legal e datas chave Logo, a AV não era uma obrigação em pé de igualdade com os outros pilares da acção sobre as minas e não estava claro quem constitui uma vítima e quem é o responsável último pela prestação da assistência. Esta lacuna foi rectificada pelo Plano de Acção de Nairobi (NAP) em 2004. Esse plano de cinco anos (2005-2009) proporcionou orientação - entre outros - sobre a AV e obrigou todos os Estados Partes a empreenderem esforços no âmbito da AV. Além disso, durante a segunda Conferência de revisão do MBT em 2009 em Cartagena, Colômbia, dez anos após a sua entrada em vigor, os Estados Partes adoptaram o Plano de Acção de Cartagena (CAP). As acções relacionadas com AV implicavam, uma vez mais um esforço redobrado por parte dos Estados Partes para prestar AV e destacavam a necessidade de considerar a AV dentro dos enquadramentos mais amplos de deficiência, direitos humanos e desenvolvimento. Esta evolução da AV orientou o desenvolvimento de um entendimento ainda mais abrangente deste pilar da acção sobre as minas na Convenção sobre Bombas de Fragmentação (CCM) de 2008. Apesar de Moçambique ter estado na linha de frente durante o processo de ratificação do Tratado de Interdição de Minas (MBT) e da Convenção sobre Bombas de Fragmentação (CCM), a prioridade política e financeira foi dada às operações de desminagem, relegando a AV para o lugar de questão secundária ao longo dos últimos 20 anos. Desde a primeira Conferência de Revisão do MBT em Nairobi (2004) e da seguinte em Cartagena (2009), que Moçambique identificou a AV como a componente mais débil do seu programa de acção sobre minas e afirmou a necessidade de um maior compromisso por parte das partes interessadas na AV a nível nacional, incluindo do Instituto Nacional de Desminagem (IND), do Ministério da Mulher e da Acção Social (MMAS), do Ministério da Saúde (MISAU), da sociedade civil e dos provedores de serviços. 14 Apresentação da avaliação Objectivo geral Objectivos específicos Recolher todos os dados necessários para avaliar as necessidades dos sobreviventes de minas/ERG e possibilitar a elaboração de um plano de acção abrangente para apoiar e garantir os direitos das vítimas, de forma a assistir o governo Moçambicano a tomar medidas no âmbito das acções 23 e 25 do Plano de Acção de Cartagena. Avaliar e descrever as necessidades dos sobreviventes de minas/ERG em Moçambique com base num número relevante de sobreviventes de minas/ERG. Fornecer dados sobre a situação socioeconómica dos sobreviventes (idade, género, literacia, rendimento, oportunidades económicas, família, alojamento) em comparação com os membros da comunidade local. Fornecer dados sobre a participação social de sobreviventes nas comunidades e o seu nível de aceso aos serviços existentes (saúde, reabilitação, apoio psicológico, educação, formação profissional e segurança social) em comparação com os membros da comunidade local. Fornecer informação qualitativa sobre as perdas emocionais, sociais e financeiras de sobreviventes e família de pessoas que foram feridas ou mortas por uma mina ou por ERG. Fornecer informação qualitativa sobre as necessidades, estratégias de adaptação e sobrevivência de sobreviventes e família de pessoas que foram feridas ou mortas por uma mina ou por ERG. Fornecer informação para reforçar a capacidade das APcD dedicadas à AV para negociarem os direitos dos sobreviventes de minas/ERG e para se envolverem mais em planeamento, implementação e monitorização com base nas necessidades. 15 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA / Apresentação da avaliação Passos chave 1ª Etapa: Preparação da avaliação (Outubro de 2012 - Fevereiro de 2013) Desenvolvimento do enquadramento e dos instrumentos de pesquisa. Recolha de informação relevante sobre questões centrais (assistência à vítima, sobreviventes, território, partes interessadas chave e preparação logística). Apresentação às partes interessadas do território e autorização da Avaliação por parte dos mesmos (Comissão de Bioética do Ministério da Saúde, Ministério da Mulher e da Acção Social, Instituto Nacional de Desminagem e Secretário Permanente, Direcção Provincial de Saúde e Acção Social das províncias de Inhambane e Sofala. Pré-teste e adaptação dos instrumentos de pesquisa. Identificação e formação das equipas de avaliação. Informar todos os postos administrativos ao nível distrital - em pessoa - sobre a avaliação para eles informarem os líderes comunitários locais e facilitar a identificação de sobreviventes. 2ª Etapa: Recolha de dados (Fevereiro de 2013 - Março de 2013) Identificação dos sobreviventes de minas/ ERG através dos postos administrativos, líderes comunitários locais, secretários comunitários, dos próprios sobreviventes, APcD e da base de dados de desminagem da Handicap International. Questionário quantitativo a sobreviventes e a membros da comunidade (grupo de controlo) para avaliar o acesso aos serviços, situação socioeconómica, necessidades e capacidades; realizado nas suas casas. Entrevistas detalhadas com provedores de serviços em centros de saúde e reabilitação, serviços sociais e educacionais e ONG activas nos distritos. Discussões de grupo com sobreviventes e familiares de pessoas feridas ou mortas por minas/ERG sobre a perda emocional, social e financeira que se segue a um acidente com minas/ERG, acesso aos serviços e participação comunitária; realizadas numa localização central. 16 3ª Etapa: Análise de dados (Abril – Maio de 2013) Análise estatística dos dados quantitativos reunidos. Análise das entrevistas e dos relatórios dos grupos de discussão. 4ª Etapa: Etapa feedback sobre os resultados (Outubro de 2013) Publicação do relatório. Seminário para apresentar os resultados e as recomendações às partes interessadas. Redacção do relatório. Lenha O acidente aconteceu no dia 12 de Junho de 1982. Eu estava a recolher lenha para minha mãe cozinhar. Tinha doze anos e ainda estava na escola primária, foi durante a guerra. Quandoacordei, estava no hospital e percebi que não tinha uma das pernas. O meu pai estava lá comigo. Nessa fase, eu não percebi o impacto que o acidente ia ter na minha vida. No começo osmeus amigos não queriam brincar mais comigo, eu saí da escola e senti vergonha de mim mesmo. Eu sempre quis trabalhar nas minas da África do Sul, como o meu tio, e ter a minha própria casa e construir uma família. Mas devido a esta situação eu não fui capaz de realizar esse sonho, sinto-me limitado. Comecei a ir para a machamba com a minha família, paracontribuir para a renda da família. Hoje eu tenho uma esposa e seis filhos. Se eu tivesse uma prótese, eu teria as minhas duas mãos livres. Se eu também tivesse algumas cabeças de gado, eu podia cultivar um pedaço maior de terra e podia fazer algum dinheiro extra para poder mandar os meus filhos para a escola. Agora só temos o suficiente para comer e comprar sabão e açúcar aqui no mercado local. Muitas vezes penso que se eu não tivesse tido o acidente, não estaria assim. 17 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA Moçambique Sobre as Minas Terrestres/ERG Sobre as Vítimas As minas terrestres foram usadas durante as duas guerras que assolaram Moçambique por quase 30 anos. As minas foram importadas a partir de muitos países e usadas por diversas partes durante essas guerras para mutilar e decapitar o lado oposto, formar barreiras, criar medo entre os civis e controlar o movimento da população. Existem poucos dados fiáveis sobre o número total de acidentes em Moçambique, uma vez que a maioria não são comunicados às esquadras de polícia locais nem reportados ao Instituto Nacional de Desminagem (IND). Por isso, o número total de acidentes está muito abaixo do número real. Durante a primeira guerra, na luta contra o colonialismo (1964-1974), o exército português colocou minas terrestres na fronteira norte para impedir a FRELIMO - grupo político moçambicano antiportugueses - de atravessar a fronteira a partir da Tanzânia. A independência foi conquistada em 1974. Após um período muito curto de paz, começou novamente a violência armada no centro de Moçambique (1976 - 1977), desta vez pelas forças militares da antiga Rodésia. Este breve cenário de ataque militar estrangeiro marcou o início da violência militar que evoluiu para uma guerra civil entre o governo liderado pela FRELIMO e os soldados da RENAMO durante quase duas décadas (1976-1992). Ambos os lados recorreram bastante ao uso de minas terrestres. Dessa forma, por um período de 16 anos, foram colocadas minas ao longo de todo o país, atingindo de forma mais directa e intensa a população rural. Como resultado das duas guerras, muitas pessoas foram amputadas por minas/ERG; estimase que cerca de um milhão de pessoas tenham morrido como resultado da luta e da fome e cinco milhões de civis tenham sido desalojados11. É sabido que o número de acidentes diminuiu ultimamente, à medida que as Áreas Suspeitas Perigosas (SHAs) se tornam mais conhecidas pela população, a contaminação das minas reduziu drasticamente e a educação para o risco contribuiu para diminuir os comportamentos de risco. O Monitor de Minas Terrestres reportou que houve um mínimo de 2444 acidentes registados até 201112: 20 acidentes em 2009 (16 mortos, 4 feridos), 36 acidentes em 2010 (6 mortos, 27 feridos, 3 em situação desconhecida) e 9 em 2001 (3 mortos, 6 feridos). O que demonstra que as minas terrestres e os ERG ainda são uma realidade trágica, com impacto na vida de civis 20 anos após o fim da guerra13. “Moçambique”. Governo. 4 de Novembro de 2011. Recolhido a 4 de Março de 2012. www.the-monitor.org/index.php/cp/display/region_profiles/theme/2019 - Agosto de 2013. 13 ICBL, Landmine Monitor 2010, Otava, Ottawa, 2009. 11 12 18 Tabela 2: Panorâmica dos acidentes em Moçambique reportados através de diferentes estudos Estudo Número de acidentes Estudo do Impacto de Minas Terrestres (2001)14 - Inquérito mais abrangente 2.145 Acidentes até 2001 (sem discriminação do número de mortos e feridos) Registados no IND 299 acidentes entre 2002 e 2011 (80 mortos, 216 feridos; 3 em situação desconhecida) RAVIM (2009) 542 sobreviventes na província de Maputo Equipa de Desminagem da HI (2010) 323 sobreviventes em 12 distritos das províncias de Inhambane e Sofala Estudo nacional sobre a Deficiência da SINTEF (2009) Minas e acidentes de guerra considerados como causa de 6,8% de situações de deficiência em Moçambique 15 (2009) Sobre a Assistência às Vítimas Foi feito um enorme progresso na área da desminagem. Desde 1999, Moçambique está a envidar esforços para cumprir a sua obrigação no âmbito do artigo 5º do Tratado de Interdição de Minas de destruir todas as minas anti-pessoais antes o fim de 2014. Depois, Moçambique irá entrar numa nova fase na qual a ameaça de minas e ERG será vista como um capítulo encerrado. No entanto, mesmo após a última mina ter sido retirada e o último pedaço de terra suspeita ter sido libertado, deve continuar a ênfase nas vítimas. Considerando a situação sombria enfrentada pela maioria dos sobreviventes, torna-se claro que é necessário um novo ênfase nas vítimas e que os esforços de assistência às vítimas devem ser bastante melhorados. A recolha de dados, incluindo a realização de uma avaliação de necessidades e capacidades, constitui parte das medidas de implementação chave no âmbito do artigo 5 da CCM e dos Planos de Acção de Vienciana e Cartagena do MBT. De forma a responder às necessidades das vítimas, as partes interessadas na AV precisam de saber, com maior precisão, quem são as vítimas e quais os desafios que enfrentam. Uma resposta de AV eficaz e eficiente não pode ser executada isoladamente, mas sim, tem que ser parte de uma estratégia mais ampla de saúde pública, desenvolvimento e redução da pobreza. Como tal, de forma a garantir uma abordagem abrangente à inclusão dos sobreviventes a todos os níveis da sociedade, um Plano de Acção Nacional para Assistência às Vítimas/Deficiência deveria incluir acções que visem a prestação de serviços nos(as) seguintes sectores/áreas de políticas públicas: saúde, reabilitação, apoio psicológico e psicossocial, educação, bem como trabalho, emprego e protecção social. A responsabilidade da AV em Moçambique é partilhada entre o IND, o MISAU e o MMAS. República de Moçambique, Inquérito de Impacto de Minas, Maputo, 2001, “Landmine Impact Survey,” August 2001. - www.sac-na.org/pdf_text/mozambique/start.pdf 15 SINTEF, FAMOD & INE, Living Conditions Among People with Disabilities in Mozambique, Oslo, 2009 14 19 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA Handicap International Sobre a Assistência às Vítimas Em Moçambique A Handicap International tem prestado Assistência às Vítimas desde os primeiros dias da sua existência. Em 1982, as suas primeiras actividades incluíram a criação de centros ortopédicos e protésicos em campos de refugiados na fronteira Tailândia/ Cambodja. A Handicap International desempenhou um papel chave na fundação da Campanha Internacional para a Interdição de Minas Terrestres (ICBL), pela qual partilhou a atribuição do Prémio Nobel da Paz, no seguimento da assinatura do Tratado de Interdição de Minas em 1997. A Handicap International é um membro fundador da Coligação contra as Bombas de Fragmentação, e faz activamente campanha pela Convenção sobre Bombas de Fragmentação, que entrou em vigor a 1 de Agosto de 2010. A organização também é membro fundador e coordenador do Monitor de Minas Terrestres e Bombas de Fragmentação, o qual, ao longo dos últimos dez anos, tem monitorizado esses dois tratados internacionais e produzido relatórios anuais sobre a sua implementação. Publicou diversos relatórios sobre a situação dos sobreviventes, entre os quais o inovador relatório Voices from the Ground16 Esses relatórios contribuíram para a formulação de políticas para garantir a inclusão social e os direitos humanos daqueles afectados pelas desastrosas consequências de minas/ ERG. É, de facto, a missão da Handicap International trabalhar ao lado de pessoas com deficiências e da população vulnerável em geral, para promover o respeito pela dignidade e pelos direitos fundamentais, para tomar medidas e sensibilizar por forma a responder às suas necessidades básicas e melhorar as suas condições de vida. A Handicap International tem trabalhado em Moçambique ao longo dos últimos 27 anos. Tem sido um dos parceiros estratégicos do governo nacional para coordenar e executar operações de desminagem nas províncias de Inhambane e Sofala. Ao nível nacional, estas províncias são consideradas as mais afectadas por minas/ERG. Nos anos 90, a Handicap International apoiou o Ministério da Saúde (MISAU) no desenvolvimento de uma rede de serviços de reabilitação ao longo do país, resultando na instalação de dez centros ortopédicos provinciais e 60 centros de fisioterapia. A Handicap International também fundou um Serviço de Medicina Física e Reabilitação (SMFR) e criou um centro de formação nacional para os profissionais da área da reabilitação. Actualmente, a Handicap International está a apoiar o Ministério da Mulher e da Acção Social (MMAS) no desenvolvimento e implementação de métodos para melhorar o acesso a serviços sociais e de saúde para os sobreviventes de minas/ERG e pessoas com deficiências em geral nos municípios de Matola e Maputo. Voices from the Ground, Landmine and Explosive Remnants of War Survivors Speak Out on Victim Assistance, Handicap International-2009: www.hiproweb.org/uploads/tx_hidrtdocs/Voices_from_the__ Ground-report.pdf 16 20 Concepção da Avaliação17 Metodologia A avaliação foi implementada entre Outubro de 2012 e Maio de 2013. Para conseguir apresentar uma panorâmica das condições de vida dos sobreviventes de minas/ERG e o seu acesso aos serviços num contexto rural, combinámos métodos quantitativos e qualitativos. A parte quantitativa, através de um questionário, visou os sobreviventes de minas/ERG alvo e usou um grupo de controlo18 para determinar a vulnerabilidade relativa dos sobreviventes de minas/ERG. O questionário da avaliação incluía 83 perguntas, abordando: Aptidões de adaptação e impacto psicológico do acidente. Participação comunitária e discriminação sentida. Obstáculos e facilidades no acesso aos edifícios públicos. Posição socioeconómica do sobrevivente e da sua família (rendimento/gastos/posses do agregado familiar/material de construção da casa/acesso à água/meios usados para cozinhar/iluminação). Consciência dos direitos e participação em APcD. Consentimento esclarecido. Informação sobre o sobrevivente (coordenadas GPS, localização geográfica, estado civil, número de filhos, posse de documentos de identificação, línguas faladas). Necessidades e prioridades dos sobreviventes para melhorarem a qualidade de vida. Circunstâncias do acidente, ferimento, tipos de ferimento, deficiência (escala de Washington). Nível e acesso aos serviços (educação/ saúde/reabilitação/psicológicos/sociais/ formação profissional e curandeiros tradicionais). Uso, acesso e nível de satisfação relativamente aos meios de compensação. 17 O relatório integral está disponível mediante simples solicitação (vide página 2), para obter uma descrição mais detalhada da metodologia 18 Grupo de Controlo (também designados como “(outros) membros da comunidade”: cada vez que um sobrevivente foi entrevistado, uma pessoa da mesma idade e sexo habitando nas vizinhanças do agregado familiar também foi entrevistada num momento diferente. 21 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA / Concepção da Avaliação / Metodologia A parte qualitativa visou as vítimas de minas/ERG (sobreviventes e famílias afectadas) e outros intervenientes relevantes (provedores de serviços, líderes comunitários, Organizações Não Governamentais) para reunir informação adicional e opiniões das pessoas directa ou indirectamente responsáveis por prestar apoio aos sobreviventes. Discussões de grupo com as vítimas Sobreviventes e familiares das pessoas feridas ou mortas, seleccionados aleatoriamente entre o grupo de sobreviventes entrevistados durante a parte quantitativa. Foram convidados pelos entrevistadores da avaliação para participarem num grupo de 8-12 pessoas por distrito e foi-lhes oferecido um valor diário para transporte e refeição ligeira. Sempre que possível, pelo menos metade do grupo foi constituído por sobreviventes enquanto a outra metade por familiares de pessoas feridas ou mortas por minas/ERG e um número homogéneo de homens e mulheres. Esta actividade foi coordenada e monitorizada pelo supervisor local. A discussão de grupo aconteceu numa localização central, apenas após a conclusão dos questionários quantitativos. As discussões de grupo focaram-se em: Percepções, opiniões, crenças e atitudes em relação aos desafios enfrentados pelas vítimas de minas/ERG. Apoio psicológico e social sentido após o acidente e durante a sua recuperação. Como os sobreviventes se sentem sobre a sua participação e inclusão social nas suas comunidades. Necessidades e expectativas em relação aos provedores de serviços e/ou sistemas de apoio. Como o acidente afectou a inclusão económica e auto-suficiência. Entrevistas detalhadas com outros actores: De forma a medir o nível de inclusão dos sobreviventes de minas/ERG e das suas famílias, foram entrevistados outros actores na comunidade, incluindo líderes comunitários (líderes tradicionais e religiosos), representantes de APcD, instituições públicas/privadas (ONG locais, postos administrativos) bem como provedores de serviços (hospitais, escolas, serviços sociais). Foram entrevistado sobre : Informação sobre a prestação de serviços, disponibilidade, acesso e funcionamento dos serviços, métodos de ensino adaptados. Número de profissionais capacitados. Conhecimento em matéria de deficiência. Disponibilidade de medicamentos, materiais e equipamento, transporte de emergência à disposição. Integração e acessibilidade física aos serviços. Sensibilização entre o pessoal (professores, líderes comunitários, etc.). Disponibilidade e qualidade dos dispositivos de mobilidade. Políticas específicas disponíveis. Orçamento para a generalização do acesso aos serviços. Atitudes, percepção, crenças em relação aos desafios enfrentados pelos sobreviventes de minas/ERG. 22 Área de implementação A avaliação foi implementada nas províncias de Inhambane e Sofala Estas foram seleccionadas por serem as mais afectadas por minas/ERG (vide tabela 3). Constituem metade de todas as áreas contaminadas em Moçambique. Em cada uma das duas províncias, foram seleccionados seis distritos19. A selecção foi baseada no histórico de contaminação de minas/ERG e critérios de planeamento do programa, tais como bom acesso e segurança. Tabela 3: Distribuição das áreas minadas por províncias, base de dados do IND. Foram seleccionados os seguintes distritos: Províncias Área (m2) Maputo 1.027.260 Gaza 1.647.250 Inhambane 2.498.463 Sofala 6.290.346 Manica 3.455.593 Tete 1.813.284 Zambezia Declarada livre de minas Nampula Declarada livre de minas Niassa 592.661 Cabo Delgado 309.109 TOTAL 17.633.366 19 Inhambane: Govuro, Inhassoro, Vilankulo, Massinga, Morrumbene, Homoine Sofala: Chibabava, Machanga, Buzi, Gorongosa, Nhamatanda, Dondo Em conjunto, formam um território de fronteira, o que facilitou a coordenação logística da avaliação, vide na página seguiente. Os distritos são unidades territoriais responsáveis pela organização e funcionamento da administração pública local. 23 PRINCÍPIOS E VALORES DE REFERÊNCIA / Área de implementação Map: Estágios de desminagem da Handicap International nas províncias de Inhmabane e Sofala CHEMBA 24 CAJA MARINGUE CHERINGOMA MARROMEU GORONGOSA SOFALA GONDOLA MUANZA NHAMATANDA DONDO BEIRA Livre de minas BUZI Desminagem durante 2013 CHIBABAVA Desminagem depois de 2013 MACHANGA GOVURO INHASSORO MABOTE VILANKULO INHAMBANE MASSINGA FUNHALOURO MORRUMBUENE CHIBUTO PANDA HOMOINE INHAMBANE JANGAMO INHARRIME ZAVALA Amostragem20 O método Triola21 foi usado para definir o tamanho da amostra de sobreviventes na avaliação para conseguir resultados representativos da população global de sobreviventes no país, com base nos dados do Monitor de Minas (2444 acidentes registados até 201122). Esta fórmula estatística indica que teriam que ser entrevistados um mínimo de 292 sobreviventes de minas/ERG para obter uma amostra representativa para produzir informação fiável ao nível nacional. A amostra foi baseada no número calculado de sobreviventes de minas/ ERG divididos por distrito, significando que foram entrevistados uma média de 25 sobreviventes23 por distrito. No caso de se encontrar um número inferior de sobreviventes num determinado distrito, esse número foi compensado ao entrevistar mais sobreviventes nos distritos onde foram identificados mais sobreviventes. Grupo de controlo Foi realizada uma avaliação de controlo/ caso para comparar as pessoas identificadas como sobreviventes de minas com as de controlo. Foi seleccionado um controlo do mesmo grupo, idade e sexo por cada caso identificado. Critérios de amostragem Os sobreviventes foram identificados com base em métodos de amostragem tipo bola de neve/referência em cadeia. Foi pedido a vários actores para identificarem sobreviventes de minas/ ERG, incluindo líderes comunitários, postos administrativos nos distritos, providores de serviços, membros da comunidade local, organizações representativas, APcD e os próprios sobreviventes de minas/ERG. Além disso, foram identificados mais através da base de dados das equipas de desminagem da Handicap International, que contêm dados sobre alguns dos distritos. Critérios de inclusão Foram incluídos na avaliação tanto sobreviventes civis como militares. Sempre que possível, as mulheres foram priorizadas na avaliação, uma vez que elas são uma minoria entre o grupo geral de sobreviventes de minas terrestres/ERG. Diversos estudos demonstram, no entanto, que elas tendem a ser mais vulneráveis que os homens24. Os sobreviventes de armas ligeiras e de pequeno calibre e as pessoas com deficiências devido a outras causas foram excluídas da avaliação. Não foi entrevistado mais do que um sobrevivente do mesmo agregado familiar. 20 Para uma descrição completa da metodologia, o relatório inicial pode ser baixado: www.hi-moz.org/download/FullStudyVA.pdf 21 TRIOLA Mario F. Elementary Statistics 2006, Revised 22 www.the-monitor.org/index.php/cp/display/region_profiles/theme/2019 23 Não foram aplicados critérios rígidos de amostragem uma vez que não existe nenhuma base de dados abrangente ou censo que teria permitido o uso de um grupo-alvo estratificado (por género ou idade, por exemplo). 24 Bine, A.C. & Masslberg, Gender Sensitive Victim Assistance, The Journal of Mine and ERW Action, 15.2 Summer 2011 25 VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE CONSIDERAÇÕES GERAIS 28 Vulnerabilidade relativa dos sobreviventes de minas/ERG comparada a outros membros da comunidade Os sobreviventes de Minas/ERG não são um grupo homogéneo Vítimas de minas/ERG como um grupo alargado devem beneficiar de AV 28 29 29 PERFIS DOS SOBREVIVENTES DE MINAS EM MOÇAMBIQUE 30 Repartição por sexo e idade Ano, idade e circunstância em que ocorreu o acidente com mina/ERG Situação familiar Nível de escolaridade Documento de identificação Profissões e actividades realizadas Situação socioeconómica IMPACTO DO ACIDENTE Deficiência Impacto económico Impacto psicológico PERCEPÇÃO (PRÓPRIA E DA COMUNIDADE) Auto-percepção dos sobreviventes Percepção dos sobreviventes pela sua comunidade 30 30 30 31 32 33 34 38 38 40 40 42 42 44 VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE25 Comparado a outros membros da comunidade (grupo de controlo)26 Considerações gerais Vulnerabilidade relativa dos sobreviventes de minas/ERG comparada a outros membros da comunidade Os resultados da avaliação sublinham que os sobreviventes de minas/ERG que vivem nas zonas rurais mais remotas no geral enfrentam uma situação socioeconómica similar à dos seus pares na comunidade, embora continuem desfavorecidos. Três em quatro sobreviventes vivem abaixo da linha da pobreza; o mesmo que os outros membros da comunidade. A qualidade da habitação, acesso a condições sanitárias básicas e água potável são significativamente menos para os sobreviventes. A maioria trabalha, embora menos do que os membros da comunidade. Frequentemente eles vivem de uma reforma, enfrentam limitações funcionais (dificuldades visuais, de mobilidade, de memória ou concentração) e mais dificuldades em dar conta das actividades da vida quotidiana (buscar água, apanhar lenha para cozinhar e a maioria das vezes, precisam de assistência ou de contratar alguém para construir ou reabilitar as suas casas). A maioria das pessoas incluídas na avaliação trabalham na agricultura. É um trabalho muito intenso e ainda é realizado com métodos tradicionais e equipamento básico (enxadas e catanas). Poucos possuem equipamento ou têm conhecimento das tecnologias mais recentes, para melhorar a sua produtividade ou têm acesso a mercados formais. Mesmo assim, os sobreviventes e líderes da comunidade confirmam que, devido às limitações funcionais, os sobreviventes estão desfavorecidos quando comparado a outros membros da comunidade. Eles têm menos equipamento para melhorar a sua produtividade (charrua e bois, etc.) e não podem cultivar a mesma quantidade de terra que outras pessoas na comunidade. A maior parte do tempo só conseguem cultivar alimentos para sua própria subsistência e não conseguem vender o excedente para gerar receita. Eles carecem de facilidades de transporte e a maioria das estradas continua por pavimentar. Aliada à mobilidade limitada e pouco acesso a estratégias de protecção social básica, pode facilmente levar a uma armadilha de pobreza27. Em termos de nível de escolaridade, acesso a serviços básicos de saúde e participação na comunidade, não foram identificadas diferenças significativas entre os dois grupos. No geral, toda a população (sobreviventes e membros da comunidade) enfrentou os mesmos efeitos da guerra. Em Moçambique, devido ao nível de contaminação com minas/ERG a ameaça de minas anti-pessoal é uma realidade de todos os membros da comunidade. O que pode explicar porque uma proporção relativamente elevada de sobreviventes de minas/ERG também têm alguma posição como líderes da comunidade e participam nas actividades comunitárias quase da mesma maneiro do que outros membros da comunidade. Embora tenham sido entrevistados maioritariamente sobreviventes de minas/ERG, as vítimas de minas (isto é, famílias das pessoas mortas ou feridas por uma mina/ERG) participaram em grupos focais na parte qualitativa da Avaliação. 26 Para mais detalhes sobre a metodologia da avaliação, o relatório completo está disponível, consulte a página 2. 27 Vide o glossário pág. 81 25 28 Os sobreviventes de Minas/ERG não são um grupo homogéneo Existem claras diferenças no nível de rendimento, nível de deficiênça e a medida em que o acidente afectou a sua vida quotidiana. O que deve ser levado em consideração quando se desenvolver respostas VA adequadas; devem ser identificados subgrupos relativamente à sua situação socioeconómica, acesso a direitos básicos e limitações funcionais. Grupos com perdas severas de mobilidade e/ ou que vivem abaixo da linha da pobreza devem ser priorizados. Vítimas de minas/ERG como um grupo alargado devem beneficiar de AV A assistência às vítimas não deve beneficiar somente aos sobreviventes, mas também aos familiares de pessoas que tenham ficado inválidas ou tenham sido mortas por minas ou ERG. Embora esta avaliação se tenha focado mais nos sobreviventes, revelou que a maioria das vítimas reporta dificuldades em aceder a assistência socioeconómica, carecem de oportunidades de emprego além de perdas sociais, emocionais e financeiras. Encontram-se dependentes da boa vontade de terceiros e estão expostas à pobreza. Embora a maioria dos sobreviventes sejam homens, as mulheres constituem o maior grupo de vítimas indirectas, sendo as esposas, mães, irmãs e filhas (e subsequentes cuidadoras) dos homens feridos/inválidos/mortos por minas e ERG. Especialmente quando o falecido era o chefe da família. Alguns receberam apoio da família; outros tentam aceder ao apoio das autoridades mas reportam não conseguir obter nenhum tipo de assistência. Elas tentam encontrar pequenos trabalhos para sustentar a família, mas quase nunca é suficiente para se sustentarem e/ou mandarem as crianças para a escola. As crianças reportam perder os pais e de repente tornarem-se o principal gerador de receita e terem que tomar conta dos irmãos e irmãs. Algumas reportam ter algum tipo de pensão no início, mas que parou e que já não conseguem ter acesso. Fora a perda socioeconómica, ainda há a perda emocional de um ente querido. As pessoas que perderam o parceiro sentem que de repente carregam toda a responsabilidade e carecem de apoio emocional. 29 VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE Perfis dos Sobreviventes de Minas em Moçambique A descrição abaixo contém os resultados das partes quantitativas (questionários) e qualitativas (grupos focais e entrevistas de profundidade) da Avaliação28. O “sobrevivente típico” é do sexo masculino e sofreu um acidente com uma mina/ERG na casa dos vinte anos durante a guerra, quer enquanto esteve um soldado ou como civil. Repartição por sexo e idade Da amostra total de sobreviventes, a maioria é do sexo masculino (79 %) e um quinto (21%) são do sexo feminino. O sobrevivente mais jovem identificado na nossa avaliação tinha 19 anos de idade e o mais velho 81. Da amostra total entrevistada, a maioria tem mais de 40 anos de idade (86,4%) Gráfico 1: Idade dos sobreviventes de minas/ERG incluidos na avaliação Menos de 30 anos 30 a 39 A maioria dos sobreviventes (80,1%) sofreu o acidente durante a guerra, um terço (35%) como soldado. A maioria sofreu o acidente entre 1987 e 1992 (46,2%); ou entre 1982 e 1986 (29,9%). 14% sofreram um acidente com mina/ERG depois de 1992, Após o acordo geral de paz. 33% dos acidentes aconteceram enquanto se realizavam Actividades da Vida Quotidiana (ADL) ta como buscar lenha para cozinhar, buscar água ou trabalhar nas machambas. Quando as pessoas sofreram o acidente, a maioria (73,3%) encontrava-se em idade produtiva, entre 15 e 39 anos, enquanto 14,9% ainda eram crianças (com menos de 15 anos de idade) Gráfico 2: Ano do acidente Antes de 1982 4% 30% 1982 a 1986 46% 1987 a 1992 14% 1993 ou depois 3% Não me lembro 6% 10,6% 32,9% 40 a 49 28,9% 50 a 59 16,9% 60 a 69 70 a 79 Ano, idade e circunstância em que ocorreu o acidente com mina/ERG 4% Situação familiar A maioria dos sobreviventes está em relações estáveis e têm vários filhos. A sua situação familiar é similar à de outros membros da comunidade. 80 a 89 0,3% Não sei 3,3% Estado civil A maioria dos sobreviventes (77 %) é casada ou está numa relação, 8% nunca se casaram, 4% estão separados e 10% são viúvos. A este respeito, não existe uma diferença significativa com o grupo de controlo. Vide Concepção de Avaliação p. 21 ou o relatório completo da Avaliação: www.hi-moz.org/download/ FullStudyVA.pdf 28 30 Gráfico 3: Estado civil dos sobreviventes de minas/ERG e do grupo de controlo COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS 7% 10% Viúvo(a) Separado 2% de uma união 4% 61% 56% Numa união 1% 6% 8% Casado 23% 21% Estrutura do agregado familiar A maioria dos sobreviventes tem filhos (86 %). 45% dos quais têm entre 4 e 6 filhos. Os sobreviventes têm tendência a ter mais filhos do que outros membros da comunidade, mas a diferença é pequena e não é significativa. Gráfico 4: Número de filhos dos sobreviventes de minas/ERG contra os membros da comunidade COMUNIDADE 7a9 filhos 4a6 filhos Menos o igual a 3 filhos 29 COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Ensino pré-universitario completo 6% 4% Ensino pré-universitario incompleto 5% 4% Ensino secundário completo 3% 2% Ensino primário completo SOBREVIVENTE DE MINAS 6% 5% 9% 10% 70% 68% Ensino primário incompleto Alfabetizado 3% 7% 3% 4% 15% 20% 33% 28% 31 Gráfico 5: Dentre os sobreviventes de minas/ERG e o grupo de controlo que frequentou a escola: nível máximo de escolaridade obtido Ensino secundário incompleto 13 o mais 2% filhos 2% 10 a 12 filhos O sobrevivente médio não terminou a escola primária e não atingiu o nível de escolaridade desejado. A maioria desistiu da escola devido à situação socioeconómica da sua família por causa da guerra ou nunca chegou a frequentar a escola. Não existe diferença significativa entre os membros da comunidade e os sobreviventes de minas/ERG. Um em cada três sobreviventes nunca frequentou a escola (33%). Quase que não existe diferença com o grupo de controlo (34%). Divorciado 2% Solteiro (nunca casou) Nível de escolaridade29 45% 47% Nível de escolaridade obtido, capacidade para ler e escrever, género e alfabetização e perfil linguístico. VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE / Perfis dos Sobreviventes Dos 67% dos sobreviventes que frequentaram a escola, a maioria (68%) desistiu da escola primária. Somente 10% (n=21) concluíram o ensino primário e somente 3% (n=3) continuaram até ao ensino secundário. O mesmo padrão foi revelado noutros membros da comunidade. 11,1% dos que frequentaram a escola eram analfabetos e quase todos (95% dos sobreviventes e 88% dos outros membros da comunidade) reportam que não concluíram o ensino até ao nível que desejavam. A maioria dos sobreviventes (42%) menciona que não conseguiu concluir a escola porque a família não possuía recursos financeiros suficientes ou porque tinham que cumprir o serviço militar obrigatório durante a guerra (35%). Do grupo total de sobreviventes, 58,4% fala ou entende Português e todos falam uma ou várias línguas locais mais comuns. Não existe uma diferença significativa com o grupo de controlo. O facto de somente uma pequena maioria falar Português pode ser explicado pelo facto de ter sido ensinada na escola e que os sobreviventes e outros membros da comunidade não conseguiram concluir o ensino primário. Este facto também constitui um importante obstáculo para a população rural no geral em termos de acesso a informação “oficial”, maioritariamente disponível em Português. No geral, não existe diferença significativa entre os membros da comunidade e os sobreviventes de minas/ERG em termos de escolaridade. Os membros da comunidade enfrentaram dificuldades similares aos sobreviventes de minas/ERG embora se saiam ligeiramente melhor uma vez que um grupo um pouco maior conseguiu concluir o ensino secundário e uma pequena percentagem confirmou conseguir concluir a escolaridade até ao nível desejado (12%). No geral um padrão similar poderia ser explicado pelo facto de todos os entrevistados enfrentarem as mesmas dificuldades no acesso à escola devido à guerra, o limitado desenvolvimento económico associado e pouco acesso ao ensino nessa altura. Gráfico 6: Motivos para desistência da escola por parte dos sobreviventes de minas/ERG e membros da comunidade. COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Serviço militar 22% Motivos financeiros 12% Tinha que ajudar nas tarefas 35% 22% 11% 9% Era demasiado longe 4% 6% Os meus pais não me levaram 2% 6% Não possuía meios financeiros 39% 30% Outro 0% 1% Documento de identificação A maioria dos sobreviventes tem alguma forma de documento de identificação (88%). Não existe uma diferença significativa com o grupo de controlo (89%). 32 Profissões e actividades realizadas No geral, a maioria dos sobreviventes trabalha e a agricultura é sua principal forma de sustento. Existem diferenças significativas com os membros da comunidade que trabalham mais e frequentemente têm os seus próprios negócios. Os sobreviventes trabalham significativamente menos (p<0,05) relativamente ao grupo de controlo. O que pode ser parcialmente explicado pela sua invalidez e/ou falta de mobilidade. Embora a maioria dos sobreviventes trabalhe (74 %) comparando com (93%) dos membros da comunidade. A maioria dos sobreviventes trabalha nas suas machambas (66%) e um em cinco sobreviventes trabalha como mão-deobra (18 %). Somente uma quantidade muito pequena de sobreviventes tem um trabalho assalariado (7%). Os membros da comunidade têm com uma frequência significativamente maior (p<0,05) o seu próprio negócio ou trabalham para si próprios (8%). No geral, a maioria dos entrevistados trabalha nas suas machambas. A agricultura é a principal actividade nas zonas rurais onde a avaliação foi implementada. O rendimento financeiro desta actividade é usado para adquirir bens que não podem ser produzidos localmente. As actividades realizadas durante o ciclo agrícola são primariamente voltadas para a produção de alimentos para satisfazer as necessidades básicas da família e membros da comunidade. O trabalho é principalmente realizado com enxadas e catanas manuais. Com a receita que obtêm do comércio, compram mercadoria como sal, sabão, óleo de cozinha, peixe seco e roupa. Gráfico 7: Percentagem de sobreviventes de minas/ ERG e membros da comunidade por categoria profissional COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Desempregado 0% 2% 33 Voluntário 1% 1% Estudante 0% 0% Reformado 0% 1% Tenho um pequeno negócio 8% onde vendo coisas 0% Trabalha na Machamba 53% 66% Doméstico 1% 3% Trabalho remunerado 9% 7% Trabalha por conta própia 25% 18% Outro 2% 3% FOCO: diferenças entre sobreviventes que sofreram como soldado ou como civil Significativamente mais sobreviventes civis (p<0.05) trabalham quando comparado a sobreviventes que são antigos militares. Os sobreviventes civis também trabalham com frequência significativa nas suas machambas do que os antigos militares sobreviventes e reportam significativamente mais (p<0.05) que tiveram que mudar de profissão devido ao acidente. O que pode em parte ser explicado devido à possibilidade de um sistema de pensão que os sobreviventes que sofreram quando eram soldados têm direito (embora nem todos recebam de facto uma pensão). VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE / Perfis dos Sobreviventes Situação socioeconómica Três em cada quatro sobreviventes vivem abaixo da linha de pobreza nacional. No geral, não existem grandes diferenças na distribuição de receita e acesso a alimentos entre os sobreviventes e membros da comunidade. No entanto, as condições de habitação dos sobreviventes são mais precárias do que outros membros da comunidade. Poucos sobreviventes trabalham, comparado a outros membros da comunidade e mais sobreviventes vivem dependendo da pensão. Os civis que sofreram um acidente com minas/ERG têm menos acesso a uma quantidade de alimentos suficiente para alimentar as suas famílias do que aqueles que foram feridos quando eram soldados. Situação de rendimento O rendimento dos participantes foi calculado para representar o consumo per capita a nível de uma família, para poderse comparar à linha de pobreza nacional, 37,5 dólares americanos por mês ou 1,25 dólares americanos por dia (OMS, 2008) por membro da família. No geral, os números mostram que em Moçambique 54,7% das pessoas que vivem em zonas rurais vivem abaixo da linha da pobreza. O que foi confirmado pela presente avaliação: três de quatro sobreviventes (76%) vivem abaixo da linha nacional de pobreza comparando a 79% do grupo de controlo. É interessante ver que os sobreviventes vivem ligeiramente melhor. O que pode em parte ser explicado pelo facto de ser mais provável que recebam algum tipo de pensão. O que será melhor explicado abaixo. A distribuição geral do rendimento para sobreviventes e o grupo de controlo mostrou padrões similares, não havia diferenças significativas entre os dois grupos. O facto de a maioria da população viver abaixo da linha de pobreza nacional, não é surpreendente que, considerando que Moçambique continua entre os dez últimos países no Índice de Desenvolvimento Humano. Gráfico 8: Distribuição de rendimento/por mês a nível familiar para sobreviventes e outros membros da comunidade COMUNIDADE Menos o igual a 33$ SOBREVIVENTE DE MINAS 79% 76% Entre 33$ a 66$ 7% 14% Entre 66$ a 133$ 11% 9% Mais ou 2% igual a 133$ 0% 34 Segurança social Significativamente mais sobreviventes (p<0,05) do que o grupo de controlo recebem uma pensão ou algum tipo de segurança social, com 38% dos sobreviventes versus 11% de outros membros da comunidade. Entre os sobreviventes que recebem uma pensão, a maioria (76%) consegue mais de 33$ por mês, enquanto um em cada cinco (18%) recebe entre 3,30 e 17 dólares americanos mensalmente. Deve-se notar que este valor é representado por agregado familiar e não é dada uma subdivisão per capita. Gráfico 10: Valor da pensão, quando recebida por sobreviventes de minas/ERG ou grupo de controlo COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Mais de 33$ 56% 76% Entre 16,5$ 0% e 33$ 6% Entre 3,3$ e 16,5$ 18% 44% 35 Gráfico 9: Percentagem de sobreviventes de minas/ ERG e grupo de controlo que recebe uma pensão COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Nada 62% 89% Reforma/ 3% seguro privado 6% Segurança social 6% 8% Reforma 2% de invalidez 24% FOCO: Soldados vs. Civis Surpreendentemente, não houve diferença significativa no rendimento ou acesso a fundos de pensão entre sobreviventes do exército e civis. 47% dos antigos combatentes não recebe nenhuma pensão. O que pode em parte ser explicado por dificuldades em legalizar a sua situação ou o tipo específico de função/contrato na altura do acidente. O reconhecimento e montante da pensão dependem do nível de invalidez; categoria profissional (patente) e número de anos de serviço. A junta médica do Ministério da Defesa avalia o nível de invalidez e um montante é atribuído com base na análise e categorias estabelecidas. VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE / Perfis dos Sobreviventes Acesso a alimentos Mais de metade dos sobreviventes (66%) afirmam que nem sempre têm comida suficiente. Somente 16% confirma ter sempre comida suficiente para alimentar as suas famílias. A este respeito, não existe uma diferença significativa com o grupo de controlo (63%). Esta está alinhada à constatação de que a maioria dos sobreviventes e membros da comunidade vive abaixo da linha de pobreza e que portanto nem sempre têm acesso suficiente a comida para alimentar as suas famílias. Embora exista uma diferença significativa (p<0,05) entre os sobreviventes que sofreram o acidente como militares ou como civis. Os “civis” reportam com significativamente maior frequência (p<0,05) que nem sempre têm comida suficiente, comparando a ex-soldados. A maioria dos sobreviventes (76,6%) obtém os seus alimentos a partir da sua própria produção. Condições de habitação Casas: As casas dos sobreviventes encontram-se em estado mais precário. Elas com frequência significativamente maior (p<0,05) não têm janelas e pavimentos de terra nas casas, comparando aos membros da comunidade. Os membros da comunidade, com frequência significativamente maior (p<0,05) possuem janelas de vidro, coberturas de zinco, pavimentos de cimento e paredes de cimento ou tijolos, que implicam uma situação socioeconómica melhor. No contexto rural, as casas são construídas de forma que as pessoas têm casas diferentes para os diferentes familiares ou funções (como se fossem compartimentos separados). Os sobreviventes possuem, com frequência significativamente maior (p<0.05) “uma casa” (um compartimento) comparando aos membros da comunidade. O grupo de controlo tinha, com maior frequência (p<0,05) instalações sanitárias melhoradas comparando aos sobreviventes. Os sobreviventes reportaram com maior frequência (p<0,05) que não têm instalações sanitárias e pelos seus requisitos rudimentares de saneamentos devem ir para campos de fecalismo a céu aberto (18%). Significativamente mais sobreviventes (p<0,05) reportam que as suas instalações de saneamento não são adequadas para eles. Gráfico 11: Condições das instalações sanitárias para sobreviventes e membros da comunidade COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Open 1% backed 1% Campo de fecalismo a céu aberto 9% 18% 73% 74% Tradicional Sanita com cisterna no interior 17% 7% Gráfico 12: Acesso a água para sobreviventes de minas/ ERG e membros da comunidade COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Água pluvial 4% 0% Rio/nascente/barragem fonte/lago 12% 22% Água de poço sem bomba 32% 26% Poço protegido ou furo com bomba manual 29% 33% Água canalizada fora do terreno 18% 13% Água canalizada no quintal 2% 3% Água canalizada em casa 3% 2% 36 Acesso a água e electricidade doméstica: Significativamente mais sobreviventes (p<0,05) só têm acesso a água não potável relativamente ao grupo de controlo. Eles reportam significativamente mais (p<0,05) que só têm acesso a água do poço/fonte ou água da chuva. As formas de cozedura de alimentos e de iluminação da casa são equivalentes para os sobreviventes e o grupo de controlo, com a maioria a usar lenha para cozinhar e petróleo para iluminar a casa. Posses do agregado: As perguntas avaliaram a posse de diferentes itens no agregado como forma alternativa de avaliar a situação socioeconómica e diferenças entre sobreviventes e membros da comunidade. Os itens variaram entre básicos, tais como mesa e cadeiras, e itens tais como geleira, tractor, painel solar. Não existe diferença significativa entre os membros da comunidade e os sobreviventes. Os membros da comunidade detinham significativamente mais (p<0,05) “itens de luxo”, tais como uma bicicleta, um painel solar, gado, um rádio, uma máquina de costura, uma enxada ou uma charrua. O que sugere que possuem melhores condições para cultivar as machambas e mostra que apesar do mesmo padrão de rendimento, estão relativamente melhor do que os sobreviventes. Quase todos nos dois grupos possuem um pequeno terreno (94%). Estas constatações podem ser explicadas parcialmente pelo facto de os sobreviventes enfrentarem mais dificuldades na construção das suas próprias casas devido às suas limitações funcionais. Eles frequentemente precisam contratar uma pessoa para poder ajudá-los a construírem a casa e para as quais nem sempre têm dinheiro. O mesmo aplica-se às instalações sanitárias. O acesso a água também é um obstáculo uma vez que devido à sua limitação física eles têm maiores dificuldades em transportar água e levam muito tempo, e eles reportam que às vezes perdem a casa no caminho de regresso a casa. Gráfico 13: Posses dos agregados de sobreviventes de minas/ERG comparando a outros membros da comunidade COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Serra 1% 0% Charrua 9% 3% Carro 2% 1% Ar condicionado 2% 1% 55% 50% Mesa e cadeiras 13% 13% TV Conta bancária Máquina de costura Glocier 37 18% 18% 3% 12% 7% 3% 49% 56% Telemóvel Telefone fixo Paneil solar Fogão 2% 2% 18% 10% 13% 9% Rádio Sofá 29% 10% 5% Bicicleta Gado 19% 74% 86% 98% 96% Machado Lareira 45% 19% 10% Axe Carroça 41% 8% 3% 94% 94% VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE Impacto do acidente Deficiência Tal como pode ser esperado os sobreviventes no geral enfrentam mais limitações físicas do que os membros da comunidade. A maioria dos sobreviventes sofreu a amputação de um dos membros inferiores e sofre com a perda de mobilidade pois tem mais dificuldades em tomar conta de si próprios. Mais de um em cada dois sobreviventes sofreu a amputação de um membro inferior em consequência do acidente (61%); 11,5% sofreu a amputação de um membro superior. Em 14,2% das pessoas, o acidente afectou a sua visão. Um quinto dos sobreviventes (20,3%) tem cicatrizes resultantes do acidente. Uma pequena minoria sofreu amputação de dois membros inferiores (3,1%) ou amputações de dois membros superiores (0,3%). No geral, 16,1% tem impedimentos múltiplos devido ao acidente. Foi usada a escala de Washington para verificar o nível de impedimento também em comparação ao grupo de controlo. De acordo com a metodologia da escala de Washington, se uma pessoa tiver pelo menos uma resposta afirmativa nas perguntas de triagem, então a pessoa será considerada com deficiência. Houve diferenças significativas (p<0,05) com os sobreviventes a enfrentarem maiores dificuldades do que o grupo de controlo relativamente à visão (dificuldade visual), subir ou andar de escadas (dificuldade de mobilidade), dificuldades de memória ou concentração e cuidarem de si próprios, tal como tomar banho ou vestir-se (Actividade da Vida Quotidiana: ADL30). O que leva à conclusão que todos os sobreviventes no geral encontram maiores limitações físicas do que os membros da comunidade. still children (under 15 years old). Tabela 4: Nível de impedimento para sobreviventes de minas/ERG na Escala de Washington Sem dificuldade Um pouco dificil Muito dificil Incacidade total Q1 Dificuldades visuais 71,4% 19,3% 7,6% 1,7% Q2 Dificuldades auditivas 87,4% 10,3% 2% 0,3% Q3 Dificuldades de mobilidade 19,9% 18,9% 57,8% 3,3% Q4 Dificuldades de memória ou concentração 67% 27,3% 5,3% 0,3% Q5 Dificuldades de tomar banho ou vestir-se 65% 20,7% 13,7% 0,7% Q6 Dificuldades de compreender ou fazer-se compreender 91% 6,3% 2,7% 0% Actividades da vida quotidiana (ADLs) é um termo usado nos cuidados sanitários para referir às actividades diárias de cuidados pessoas no local de residência da pessoa, ambientes exteriores ou ambos. 30 38 Os sobreviventes enfrentam maiores dificuldades para se cuidarem de si próprios e dos familiares. Eles vão com menor frequência às compras, buscar água, apanhar lenha e cuidarem de familiares, incluindo filhos. Estas diferenças foram significativas (p< 0,05) e mostram que os sobreviventes tendem a estar mais vulneráveis ou numa posição dependente relativamente a outros membros da comunidade. Dois braços amputados/atrofiados 0,3% Lesões 1,7% Surdez parcial 1,7% Estilaços 2,7% no corpo Duas pernas 3,1% amputadas/atrofiadas 3,7% Ligeira deficiência 4,1% visual Dedos amputados 4,4% Cegueira num olho 6,4% Cicatrizes Uma perna amputada/atrofiada Lavandaria Fazer Rancho Cartar água 11,5% 20,3% 61% SOBREVIVENTE DE MINAS 36% 35% 21% 45% 37% 25% 32% 55% Apanhar lenha 39% 35% Cozinhar 36% 41% Cuidar de familiares, incluindo criança Surdez 1,4% Um braço amputado/atrofiado COMUNIDADE Limpezas Gráfico 14: Tipo de deficiência sofrido devido ao acidente com mina/ERG Cegueira total Gráfico 15: Actividades domésticas desempenhadas por sobreviventes vis-à-vis o grupo de controlo 39 94% 83% VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE / Impacto do acidente Impacto económico Impacto psicológico O acidente teve um impacto significativo sobre a forma de sustento das suas famílias, quase metade dos sobreviventes encontrase incapaz de desempenhar as mesmas actividades profissionais (40,9%). 28,2% passaram por dificuldades em desempenhar o mesmo trabalho e 16,6% tiveram que parar de trabalhar. No geral, 17,8% dos sobreviventes recebia algum tipo de assistência. Quando os entrevistados eram inquiridos se voltavam a pensar no acidente, um em cada cinco (26%) reportam pensar frequentemente e um em quatro (21%) afirma que “sempre”voltam a pensar no acidente. Existem diferenças significativas (p<0.05) entre os sobreviventes e os membros da comunidade relativamente a questões associada à saúde mental. Mais sobreviventes sentem-se tristes ou têm vontade de chorar sem um motivo específico, vivenciam mudanças de humor, depressão ou raiva sem um motivo específico ou sentam-se muito tempo a pensar. O que mostra que o acidente provocou uma mudança significativa no estado mental dos sobreviventes e que muitos ainda não se adaptaram com a sua situação. O que revela que o acidente é um acontecimento traumático para os sobreviventes de minas/ ERG e que a memória e o impacto do acidente ainda afecta a sua vida diária e o bem-estar vivenciado. Muitos afirmam enfrentar dificuldades, voltam a pensar no acidente e dizem: se não tivesse sofrido o acidente eu não estaria assim. Gráfico 16: Consequências do acidente sobre as actividades profissionais dos sobreviventes de minas/ERG Foi demitido 0,3% Teve que parar de trabalhar 16,6% Dificuldades em executar o trabalho 28,2% Já não pode fazer o mesmo trabalho Não afectou nada 40,9% 9,3% Gráfico 17: percentagem de sobreviventes sobre a frequência com que voltam a pensar no acidente Nunca 5% Muito raramente 14% 32% Ás vezes Frequentemente Sempre Outros 1% 26% 21% 40 Graphic 18: Bem-estar psicológico dos sobreviventes e membros da comunidade SOBREVIVENTES DE MINAS/ERG MUITO FREQUENTEMENTE 30% SOBREVIVENTES DE MINAS/ERG FREQUENTEMENTE 25% COMUNIDADE, MUITO FREQUENTEMENTE COMUNIDADE, FREQUENTEMENTE 20% 15% 10% 5% 41 ivo hum nen foca dos sem nen sem Sen tem -se su dos rimi Sen tem -se op mot ivo mot hum e hu anç mud Têm luga mo as d a fa ge d r, lo n hora rant e Que r viv er e Perda do(a) companheiro(a)/amigos A maioria dos sobreviventes teve que reestruturar a vida devido ao acidente, muito reportaram que logo a seguir ao acidente sentiram-se abandonados e discriminados, também dentro da família e entre amigos. Muitos foram abandonados pelos cônjuges pouco depois do acidente, frequentemente sem nenhuma explicação. Assim, além do acidente, também tiveram que lidar com a rejeição social, deixando-os profundamente marcados. Eles tiveram que mor a míli ens ar sap mot Sen tam - se d u edo mm Sen te nte pe dura fom e sem o de ríod otiv o mm Não sen te Tris teza se utro o tem p rent e apa casa ar-s e em fech Des ejam ivo 0% reconstruir uma família, em alguns casos com pessoas que também se encontravam em situação desprivilegiada. A maioria reporta que depois de algum tempo melhorou e alguns dos amigos voltaram. Outros expressam uma imensa gratidão pelas pessoas ou familiares que tomaram conta delas. Elas mencionam que se um familiar específico (mãe, pai, tio, irmão) não tivesse estado presente para tomar conta deles, teriam morrido de sofrimento. VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE Percepção (própria e da comunidade) O grupo de sobreviventes aparenta estar dividido em dois grupos relativamente à participação na comunidade e discriminação sentida. Metade sentese na mesma posição e com as mesmas possibilidades que outras pessoas na comunidade. A outra sente-se mais prejudicada, com menos oportunidades e enfrenta mais dificuldades ou discriminação. Auto-percepção dos sobreviventes Dependência Antes do acidente, os sobreviventes de minas/ERG sentiam-se livres para ir onde quisessem e contribuíam para o rendimento familiar. Depois, dependem dos familiares ou da boa vontade de terceiros. O que lhes confere uma sensação de impotência. Sentem-se feridos pela incapacidade de garantir o bem-estar das suas famílias e criar as condições certas para alimentar e mandar as crianças para a escola. Sentir-se invisível e inútil para a sociedade Se o acidente teve um impacto sobre a sua produtividade, muitos reportam que sentemse inúteis ou mal recebidos na sociedade. É particularmente cruel para eles visto que muitos sofreram o acidente enquanto lutavam pelo seu país. Eles contribuíram para uma causa maior, eram importantes e agora que têm uma deficiência sentem-se postos de parte e negligenciados, também pelas autoridades. Muitos sobreviventes sentem que já não conseguem contribuir da mesma forma o que faz com que se sintam como um fardo para a sua família. Eles sentem-se sem valor e culpados por não conseguirem contribuir tanto como outros familiares ou como gostariam. Preconceito e Estigma 39% dos sobreviventes vivenciou alguma forma de discriminação, onde 61% afirma que ninguém nunca se referiu a eles de forma pejorativa. Alguns sobreviventes reportam ter recebido apoio dos membros da sua comunidade, vizinhos e familiares e participarem normalmente nas actividades da comunidade. Eles sentem que têm as mesmas oportunidades e não estão a ser tratados de forma diferente a outras pessoas. Para aqueles que se sentem discriminados, quase metade sofre frequentemente (39 %) e a outra metade vivencia de forma mais acidental (58%). Eles sentem que as pessoas olham para elas de forma diferente ou riem-se nas suas costas. São sujeitas a humilhação e violência e grande parte das vezes sentemse impotentes. Não têm força para se defenderem, principalmente por sentirem os movimentos limitados e por não poderem fugir no caso de perigo. Em muitos casos os sobreviventes vivenciam uma combinação de duas reacções, encontram pessoas que os tratam bem, apoiam e cuidam deles e em menos ocasiões pessoas que gozam com eles, agem com agressividade (violência) ou culpam-nas pelo acidente. Mesmo assim, a maioria ainda participa em actividades da comunidade e é convidada tal como outros membros da comunidade. 42 Percepção da participação na comunidade Um em cada dois sobreviventes (52%) sente que tem o mesmo estilo de vida das outras pessoas na sua comunidade e não enfrenta necessariamente mais dificuldades. 40% sentem que poderiam ser eleitos líderes da comunidade e 30,1% já detiveram um cargo de líder comunitário. O outro grupo tem a sensação de que a vida é mais difícil para eles (16 %), sentem-se sós no sofrimento (16 %) ou têm pena de não poderem fazer as mesmas coisas que antes (12 %) ou sentem-se discriminados pelos membros da sua comunidade (2%). Os sobreviventes e membros da comunidade participam quase da mesma forma nas festividades da comunidade, rituais, casamentos, visitas familiares, frequentam o mercado local e a igreja. Embora poucos sobreviventes tenham participado nas festividades da comunidade e significativamente mais membros da comunidade visitam frequentemente a família. No geral, os padrões de participação mostraram fortes similaridades. Três em cada dez sobreviventes (29%) sentem que não existe diferença na forma como as pessoas olham para eles e para outros membros da comunidade. Um em quatro (26 %) sente-se apoiado pela comunidade e que pode contar com ela quando precisar de ajuda. Um em dez (8 %) sente que recebe um tratamento especial e recebe cuidados melhores. E um em três (37 %) sente que as pessoas têm pena deles, evitam olhar para eles ou têm ares de superioridade. Gráfico 19: Percepção dos sobreviventes de minas/ERG sobre se têm a mesma qualidade de vida que as outras pessoas na sua comunidade É a mesma coisa 52% É mais difícil 16% Sinto-me só no meu sofrimento 16% Sinto-me desprezado pela comunidade 2% Já não faço as mesmas coisas que antes 12% 43 Não sei 1% Outros 1% Gráfico 20: percepção dos sobreviventes de minas/ERG sobre como são vistos pelos membros da comunidade Não olham para mim de forma différente 29% Têm pena de mim Evitam olhar para mim 27% 7% Ajudam-me quando preciso Cuidam melhor Têm-me desprezo 26% 8% 3% VÍTIMAS DE MINAS/ERG EM MOÇAMBIQUE / Percepção Percepção dos sobreviventes pela sua comunidade Membros da comunidade31 A maioria dos outros membros da comunidade (51,9%) reporta que não vêm diferença entre os sobreviventes de minas/ ERG e outras pessoas; outros dizem que são pessoas alegres (37%). Somente uma pequena minoria, um em dez, diz que pensa que os sobreviventes sejam tristes ou ressentidos ou desiludidos com a vida. A maioria confirma participar nas actividades da comunidade (77,6%) ou nos conselhos da comunidade (46,5%), podem ser eleitos como líder da comunidade (53,1%) e têm as mesmas oportunidades que outras pessoas (58,1%). Os membros da comunidade avaliam os seus maiores problemas para os sobreviventes de minas/ERG são que eles não conseguem desempenhar as mesmas actividades que antes do acidente (74%) ou que ficaram com os movimentos limitados (22,7%). Esta percepção dos sobreviventes de minas/ ERG pode ser explicada em parte pelo facto de as minas anti-pessoal terem durante muito tempo sido uma ameaça para a população no geral residente em zonas rurais e portanto próximo da sua própria realidade. Percepção dos sobreviventes pelos líderes comunitários Os líderes comunitários reportam que os sobreviventes participam nas actividades comunitárias e alguns são membros activos do conselho da comunidade. Poucos reportam terem percebido algum nível de discriminação, mas que grande parte das vezes a comunidade tem pena dos sobreviventes e tenta prestar assistência ou ajudá-los sempre que possível. A maioria dos líderes comunitários diz que se eles testemunharem algum tipo de discriminação, vão interferir e defender os sobreviventes. Apesar das histórias populares que a invalidez também pode ser provocada por algum tipo de maldição, todos os líderes comunitários têm uma opinião muito clara sobre aquilo que provoca a deficiência. Eles dizem que os sobreviventes não têm as mesmas oportunidades que outros membros da comunidade. Na sua opinião, os sobreviventes têm maiores limitações de movimentos e não têm a mesma força Eles sentem que os sobreviventes estão isolados no seu sofrimento. Portanto, incapazes de desempenhar todas as actividades como gostariam e portanto obrigados a fazerem esforços adicionais para as actividades quotidianas. Quase todos os membros da comunidade (95,5%) entrevistadores tiveram contacto com sobreviventes de minas/ERG. 31 44 Mãe e filha Estava a fugir dos bandidos armadas quando pisei numa mina anti-pessoal, eu tinha a minha filhinha às costas, ela perdeu o pé, eu perdi a minha perna. Naquele momento tudo mudou. Eu tinha 29 anos e tinha que reconstruir a minha vida. O meu marido deixou-me com os nossos seis filhos. Ele deixou-me assim mesmo, nem despediu. Acho que ele pensou que eu já não lhe servia para nada. Isto é realmente o que muitas pessoas pensam. No início a minha família também pensava da mesma maneira. Levou algum tempo a consegui o apoio deles. Quando penso nesses tempos dói. Mas sobrevivi, eu tinha que fazer tudo sozinha. Ainda é difícil e às vezes quando me deito à noite, volto a pensar no acidente. A minha maior preocupação é como vou dar de comer aos meus filhos. Tenho a minha própria machamba para cultivar, mas é duro, as minhas muletas pesam muito e não são do tamanho certo. Elas não são adequadas para mim. Vejam as minhas mãos, têm bolhas em todo lado e dói-me até aqui no braço, mas não tenho escolha. Se eu tivesse alguns bois, as coisas seriam mais fáceis e eu conseguiria produzir mais. Agora a minha filha tem 18 anos, ela tem um bebezinho e sonha de ter a própria família e voltar à escola e abrir o seu próprio salão de cabeleireiro, mas tenho medo que ela não consiga. Ela sente-se limitada e não consegue movimentar-se facilmente. Nos dias de calor ou quando o clima muda, a amputação dói. Nunca recebemos nenhum tipo de assistência do governo. Mas não posso queixar-me, estamos vivas e desde que consigamos alimentar-nos estamos bem. No domingo quando vou à igreja rezo para Deus proteger a mim e aos meus filhos e evitar que eles cometam erros. 45 NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES SERVIÇOS Necessidades dos sobreviventes Necessidades identificadas por provedores de serviços Acessibilidade dos serviços SAÚDE Acesso/Necessidade Barreiras Provedores de Serviços de Saúde REABILITAÇÃO Foco: Meios de compensação (usos, necessidades e mobilidade) Acesso/Necessidades Barreiras Provedores APOIO PSICOSSOCIAL Acesso/Necessidade PROTECÇÃO SOCIAL E PADRÕES DE VIDA Acesso/Necessidades aos serviços e programas sociais Barreiras Provedores de Protecção Social Foco: Necessidades para melhoria da qualidade de vida EDUCAÇÃO Acesso/Necessidades serviços de ensino Provedores TRABALHO E EMPREGO Acesso/Necessidades formação vocacional e serviços de emprego Barreiras DIREITOS Acesso aos direitos Barreiras 48 48 49 49 50 50 50 51 52 52 53 54 54 55 55 57 57 57 58 59 60 60 60 62 62 62 63 63 63 NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES Serviços No geral, os serviços públicos não estão suficientemente preparados e equipados para atender pessoas com deficiências e o pessoal não foi especificamente formado para atendê-las. Poucos serviços mantêm dados sobre a frequência de pessoas com deficiências e actualizam-os regularmente. Consequentemente, é difícil monitorar e avaliar o progresso feito na prestação de serviços. Muitos serviços reportam que existe algum tipo de coordenação com a comunidade, embora a maioria das vezes sem um foco específico nas pessoas com deficiências. Necessidades identificadas pelos sobreviventes A maioria exprimiu necessidades relacionadas a melhores meios de compensação, para melhorar a sua mobilidade. Também habitualmente expressas: apoio ou acesso a pequenos créditos para poder iniciar o seu próprio negócio; apoio para melhoria da qualidade de habitação. Também há forte necessidade de gado ou material para facilitar a prática agrícola e melhorar a sua produção. Uma necessidade final e importante é o acesso a água. Uma vez que em muitos casos as pessoas têm que andar longas distâncias e devido à invalidez têm maiores dificuldades em transportar água. Para avaliar o nível das necessidades e uso dos serviços de reabilitação, saúde, serviços sociais e assistência psicossocial, foram feitas duas perguntas: aos sobreviventes e membros da comunidade, o que precisaram nos últimos cinco anos, e para os sobreviventes, o que estava disponível e o que usaram? Gráfico 21: Necessidades de serviços expressas pelos sobreviventes de minas/ ERG e membros da comunidade nos últimos cinco anos COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Serviços de saúde 91,5% 88% Médicos tradicionais Escolas 45,4% 33,9% 14% 16,9% Serviço de 1% reabilitação 15,6% Serviços 2,7% sociais 4% Centro de formação 3,1% vocacional 3% Serviços 1,4% psicológicos 2,3% 48 Fora a necessidade de serviços de reabilitação, como esperado, os sobreviventes e os membros da comunidade quase que expressam as mesmas necessidades de serviços de saúde, ensino, sociais, vocacionais e psicológicos. Os sobreviventes exprimem grande necessidade de clínicos gerais (83,7%), manejo da dor (44,5%), especialistas (39,3%) e, surpreendentemente uma menor necessidade de serviços de reabilitação (21,6%) e fisioterapia (10,7%). Todos estes dados serão desenvolvidos nos parágrafos abaixo sobre cada tipo de serviços. Gráfico 22: Utilização e disponibilidade dos serviços por sobreviventes de minas/ERG SERVIÇO DISPONÍVEL UTILIZAÇÃO DO SERVIÇO Terapia 20% da fala 1,7% Terapia 0% ocupacional 4,7% Fisioterapia Serviços de prótese Especialista Manejo da dor Clínico geral 59,4% 10,7% 30,8% 21,6% 45,8% 39,3% 44,5% 84,3% 91,6% 83,7% Necessidades identificadas por provedores de serviços A maioria das vezes o pessoal dos serviços públicos tinham opiniões muito claras sobre o que é necessário para melhorar o acesso aos seus serviços e qualidade de vida das pessoas com deficiências. Especialmente os assistentes sociais estavam bem cientes dos direitos das pessoas com deficiências e conseguiram mencionar itens específicos da principal convenção. No geral o pessoal mencionava que os direitos das pessoas com deficiências deviam ser disseminados a nível nacional e dentro das comunidades. Eles mencionam que o acesso físico aos edifícios públicos deve ser melhorado e os funcionários públicos devem ser formados para atender pessoas com deficiências. A maioria menciona que devem ser desenvolvidos programas para ajudar e empoderá-los a ter acesso ao ensino, emprego e saúde, e a importância de responder à necessidade de meios de compensação adequados e apoio psicossocial para melhorar a auto-estima dos sobreviventes/pessoas com deficiências. Acessibilidade dos serviços Quando inquirida sobre se enfrentam barreiras para entrar em lugares públicos, a maioria das pessoas enfrentou dificuldades com escadas (49,5%), transporte inadequado (30,4%) ou edifício público sem rampas (19,7%). 34,8% afirmaram não enfrentar nenhum problema. 49 NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES Saúde32 A maioria dos sobreviventes tem acesso a cuidados básicos de saúde. Embora os cuidados médicos mais especializados estejam menos disponíveis e de acesso mais difícil. Acesso/Necessidade A avaliação mostra progresso na instalação de serviços sanitários básicos nas zonas rurais. A maioria dos sobreviventes (88%) precisa e tem acesso aos serviços básicos de saúde, com quase nenhuma diferença entre os sobreviventes e os membros da comunidade local. O que pode ser explicado em parte uma vez que os postos de saúde e centros de saúde podem ser encontrados próximo das comunidades dos sobreviventes. Metade dos sobreviventes não encontrou dificuldades significativas (48%) em aceder aos serviços básicos de saúde. Comparando ao grupo de controlo, os sobreviventes reportam significativamente maior necessidade de cuidados especializados (39,2%). Apenas a metade destes consegue ser atendida. Alguns sobreviventes presentes na discussão de grupo conseguem fabricar equipamento feito por eles com meios locais. Muletas feitas de madeira; um saco de arroz vazio, luvas de cozinha e almofadas de assento fabricadas pelos próprios facilitam o gatinhar pelo chão. Muitos queixam-se de dores no corpo e dores com a mudança de tempo. Não foi devidamente identificado se as pessoas sentiam que receberiam o tipo de apoio certo ou acesso a meios de compensação se fossem ao serviço de saúde. Barreiras A necessidade mais recorrente expressa é a de meios de compensação melhores. A maioria afirma que os serviços estão longe e que não têm dinheiro suficiente (24%) ou transporte adequado (32,3%) para chegarem à unidade sanitária. As pessoas vão a pé ou apanham chapa (transporte público local). Leva entre 30 minutos e três horas. O sentimento geral é que estão abandonados à sua própria sorte. O acesso aos serviços e informação parece estar fora das suas realidades e possibilidades. TABELA 5: Subdivisão das respostas pelo pessoal dos serviços de saúde sobre os serviços/estratégias específicas em vigor SIM NÃO Base de dados, 25% diferenciação das pessoas com deficiências 75% Pessoas formadas para trabalhar com pessoas com deficiência 50% 50% Acesso físico 75% 25% Língua de sinais 25% 75% Prioridade no atendimento 92% 8% Atendimento gratuito 50% 50% Meios de compensação para uso interno 83% 17% Ligação com a comunidade activa 75% 25% Assistência psicológica disponível 33% 67% Conhecimento dos direitos das pessoas com deficiência 33% 67% Na questão de acesso aos serviços de saúde, os serviços de reabilitação encontram-se no seu próprio capítulo pág. 52 32 50 Provedores de Serviços de Saúde Foram realizadas dez entrevistas com provedores de cuidados de saúde a nível distrital e provincial; das quais três com pessoal dos centros ortopédicos, três com enfermeiros de um Centro de Saúde de nível 1, cinco com o médico chefe do Centro de Saúde (nível 2); uma com o director do hospital rural. O Ministério da Saúde é responsável pela atenção médica e reabilitação física através de 10 centros ortopédicos e habitação em sete centros residenciais. (Centros de trânsito geridos pelo MMAS). Na maioria dos serviços de saúde, o pessoal entrevistado não recebeu formação específica para atender pessoas com deficiências. Quase não há trabalhadores que saibam a língua de sinais. As pessoas com deficiências recebem assistência apropriada, mas a assistência médica gratuita não é sempre aplicada ou é desconhecida pelos trabalhadores. A maioria dos centros de saúde têm meios de compensação para uso interno. A maioria dos serviços de saúde tem rampas para facilitar o acesso para as pessoas com deficiências embora a maioria afirme que a qualidade destas rampas pode ser melhorada e nem todas as salas de consulta e sanitários são acessíveis. A ligação comunitária aparenta estar bem desenvolvida e em alguns casos existe uma estreita ligação com o programa de acção social. A maioria do pessoal já ouviu falar dos direitos das pessoas com deficiências, mas não consegue mencionar aspectos específicos, além do atendimento. Espião Durante a guerra fui espião, eu não era um oficial do exército, mas um civil, eu costumava informar sobre as tácticas de grupos rivais. um dia quando estava a caminho da machamba pisei numa mina. Nunca esquecerei esse dia, mudou a minha vida para sempre, foi 12 de Junho de 1986. Perdi a minha perna, mas também perdi ali a minha vida. Eu ainda era jovem, mas a partir daquele dia já não me podia movimentar livremente. Primeiro cheguei ao hospital provincial e mais tarde fui transferido para o hospital militar na capital. No hospital até fui bem atendido. Quando voltei o meu irmão mais novo tomou conta de mim, vivo com ele até hoje. Se estou vivo devo isso a ele. No princípio ainda podia fazer alguma coisa, mas depois perdi a visão. Não foi por causa do acidente, aconteceu simplesmente. Durante algum tempo eu tinha um triciclo, mas os pneus já não funcionam e não tenho dinheiro para reparar. Na altura que recebi era bom, eu podia pedir às crianças da aldeia para me empurrarem em todo o lado e podia ficar com os meus amigos, mas agora estou preso em casa, já não posso ir a nenhum lado. Sinto muita gratidão pelo meu irmão. Ele estava a trabalhar na África do Sul, mas agora também está desempregado. As coisas são mais difíceis, mas eles tratam-me como parte da família, eu como a mesma comida e eles tomam conta de mim. Também, na comunidade tratam-me bem, nunca senti nenhum tipo de discriminação com eles. Mas sinto-me só, sonho ter uma mulher para tomar conta de mim, mas não tenho meios, portanto nunca vai acontecer. Entristece-me. Antes as pessoas chegavam a vir aqui e perguntavam-me coisas, mas até agora não vi nenhum benefício, fora o triciclo de há muitos anos. Estou desiludido, não contigo, mas nada muda. 51 NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES Reabilitação FOCO: Meios de compensação (usos, necessidades e mobilidade) Metade dos sobreviventes usa um meio de compensação, principalmente próteses ou muletas. Metade reporta que este material já não é adequado. Existe pouca procura pelos centros de reabilitação, embora a maioria dos sobreviventes necessite de algum tipo de dispositivo assistencial para melhorar a sua mobilidade. Gráfico 23: Tipo de meios de compensação usado pelos sobreviventes de minas/ERG Muleta auto-fabricada 3% Triciclo 1% Óculos 2% Bengala 28% Prótese Uso de meios de compensação 54% dos sobreviventes de minas/ERG usa um meio de compensação. A maioria usa prótese (38 %), muletas (27 %) ou uma bengala (28%), uma pequena minoria de 3% usa muletas de madeira fabricadas pelos próprios devido à falta de material adequado. A maioria recebeu os meios de compensação do hospital (58,3%) ou de algum serviço governamental ou social (16%). Outros receberam-nos através da família ou uma ONG. Uma pequena minoria teve que pagar pelos aparelhos; entre 3,3$ e 33$ (11,9%), enquanto a maioria (88,1%) recebeu-os gratuitamente. Necessidade de meios de compensação Dos sobreviventes que usam meios de compensação, mais da metade (56%) reporta que não são adequados para eles. A maioria dos sobreviventes faz ela própria a manutenção dos dispositivos (37%). Noutros casos eles são mantidos pelos serviços de saúde (32%) ou carecem de qualquer manutenção (18%). 38% Muletas 27% Cadeia de rodas 2% Gráfico 24: Motivos para os meios de compensação não serem adequados É de má qualidade Muito pesada 5% Não é do tamanho certo 11% Aleija 26% Está estragada Não é adequada 52 24% 32% 1% Gráfico 25: Manutenção dos meios de compensação Eu faço sozinho 37% Serviços de saúde Sem manutenção 32% 18% Não sabe 1% Carpinteiro/oficina 12% Mobilidade Quando pedimos aos sobreviventes para avaliarem a sua mobilidade, metade desta população (55 %) considera a sua mobilidade como boa e afirma que consegue ir a qualquer lugar por si próprios. 9% podem movimentar-se com a ajuda de outra pessoa, um em cinco sobreviventes (20%) precisa sempre de ajuda para se movimentar e 11% só fica em casa. Quando inquirido sobre o que as pessoas precisam para permanecer com uma boa mobilidade, 1 em 4 sobreviventes (27%) necessita de prótese, quase 1 em 4 sobreviventes (23%) precisa de muletas ou uma bengala e quase 1 em dez (8%) necessita de uma cadeira de rodas. Acesso/Necessidades Olhando para a procura pelos serviços de fisioterapia e serviços ortopédicos, aparentam não reflectir a necessidade real (Gráfico 22, pág. 49). Um em cinco (21,6%) exprime a necessidade de serviços de reabilitação. Daqueles que expressam esta necessidade, 30,8% foram atendidos. Somente 10,6% dos sobreviventes afirmou necessitar de serviços de fisioterapia, daqueles que exprimiram esta necessidade, mais de um em cada dois foi atendido (59,4%). Embora isto ainda reflicta um número muito reduzido de sobreviventes que realmente tiveram acesso a serviços de fisioterapia. Gráfico 26: Avaliação da mobilidade por parte dos sobreviventes de minas/ERG Bem, consigo andar para todo lado sonzinho Vou para todo o lado com um pouco de ajuda 55% 9% Sempre preciso de ajuda, sintome com movimentos limitados Preciso de muito esforço para ir a algum lado 20% 11% Outro 5% Gráfico 27: Necessidades dos sobreviventes para poderem melhorar a sua mobilidade Cadeira de rodas 8% Muletas 11% Prótese 27% Bengala Triciclo Bicicleta Motocicleta Consulta médica Nada Outro 12% 5% 6% 4% 2% 13% 10% 53 NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES / Reabilitação Barreiras Provedores Os resultados mostram que os sobreviventes nem sempre reportam as necessidades que têm dos serviços. Uma vez que metade afirma que os seus meios de compensação são de qualidade insuficiente e/ou já não são adequados. Também demonstra falta de conhecimentos dos serviços a que têm direito e/ou consciência da disponibilidade ou funcionamento real destes serviços. 96,7% dos sobreviventes reporta que estes serviços não existem próximo da sua comunidade, o que também pode explicar a reduzida procura, estando os serviços baseados nas capitais provinciais. A maioria dos sobreviventes tem dificuldades em deslocar-se para distâncias longas, devido à falta de transporte público e privado acessível e o mau estado das estradas (a maioria não está alcatroada e está coberta de areia) Durante a avaliação, os serviços de reabilitação foram encontrados em muito mau estado. Apesar de os trabalhadores estarem motivados, queixaram-se de falta de material para produzirem aparelhos ortopédicos há pelo menos os dois últimos anos. O equipamento de produção estava ultrapassado (grande parte é ainda de 1986), é difícil obter peças e a produção de meios de compensação não foi actualizada de acordo com os recentes desenvolvimentos. Se os trabalhadores conseguem produzir próteses, na maioria das vezes continuam a ser feitos de material pesado e sem sofisticação. Não existe nenhum tipo de serviço de ligação comunitária em vigor para chegar às pessoas com deficiências nas suas comunidades e muitas são deixadas sem atendimento. Foi chocante testemunhar que em alguns casos o centro de reabilitação estava junto ao hospital provincial (recentemente reconstruído) e estava nas traseiras do hospital em estado total de abandono. O edifício era de difícil acesso devido à estrada de areia; não havia sinalização. Tinha janelas partidas, equipamento antigo e falta de material de produção. O que é consistente com o resultado do estudo SINTEF33, que demonstra que mais de 70% das pessoas com deficiências exprimem a necessidade de serviços de reabilitação, quando somente 25% recebe efectivamente estes serviços (menos de 15% para os serviços ortopédicos). 33 SINTEF, FAMOD & INE, Living Conditions Among People with Disabilities in Mozambique, Oslo, 2009 54 Apoio psicossocial Acesso / Necessidade Um quinto dos sobreviventes entrevistados recebeu algum tipo de apoio profissional para lidar com o acidente; nesse caso era principalmente de alguém que os atendeu no hospital (16,1%). Gráfico 28: Estrutura de apoio reportada pelos sobreviventes depois do acidente Minha comunidade 2% Minha família Médico tradicional 1% Minha espiritualidade/ religião Aceitei o meu destino Superei a situação 34% 18% 20% 22% Não tinha opção 1% Outra 2% A maioria dos sobreviventes reporta que conseguem viver graças ao apoio dado pela família (34%), 22% considerava que tinha superado a situação, 20% tinha-se conformado, enquanto 18% obtinha forças da prática ou grupos religiosos. A necessidade de assistência psicológica (vide o gráfico 21, página 48: 2,3%) aparenta ser muito acima do reportado, considerando o impacto psicológico do acidente. Um em dois sobreviventes (47%) continua a pensar muito sobre a forma como o acidente afectou a sua vida. A maioria (72,7%) reporta que o acidente provocou tristeza. Eles reportam que perderam parte dos seus sonhos (28,3%) ou que ainda sentem mágoa (14,5%) por causa disso (várias respostas possíveis). Eles apresentam muitos dos sintomas de trauma, tal como memórias recorrentes, flashbacks, pesadelos, sentimento de raiva e perda da auto-estima. Especialmente quando gostariam de realizar algo e são confrontados com os seus limites provocados pelo acidente. Então a memória do acidente e a forma como afectou as suas vidas volta e eles sentem-se paralisados/ destruídos. Uma vez que a maioria dos acidentes ocorre numa idade mais madura, as pessoas têm grandes dificuldades em adaptar-se a um corpo mutilado. Aceitar e enfrentar as pessoas que olham para o seu corpo mutilado e para a sociedade de forma deficiente exige um “renascimento psicológico”, para os quais poucos receberam o apoio necessário. Os resultados da avaliação relativos à necessidade de assistência psicológica estão de acordo com os resultados do estudo SINTEF e uma avaliação das necessidades entre sobreviventes de minas/ERG no Cambodja34, onde o apoio emocional é classificado como importante na síntese da assistência. As constatações demonstram que os sobreviventes ainda têm dificuldade em viver as vidas que desejam. Para a maioria deles, o acidente foi um acontecimento traumático. No entanto, uma pessoa pode viver um acontecimento assim traumático enquanto outros não sofreriam de trauma resultante do mesmo acontecimento. Nem todas as vítimas ficarão realmente traumatizadas psicologicamente. Handicap International, Victim Assistance in Cambodia, The Human Face of Survivors and their Needs for Assistance, 2011 34 55 NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES / Apoio psicossocial Veja abaixo no MEMO, uma breve explicação do trauma para contextualizar a necessidade de apoio especializado nesta direcção, que até ao momento não é normalmente reconhecida como uma necessidade básica para a pessoa com deficiência. Houve uma diferença significativa entre os sobreviventes e membros da comunidade a nível de dificuldade vivenciado. O que surpreendeu a equipa da avaliação, também devido ao facto de a maior parte das vezes o acidente ter ocorrido há 20 anos e aparentava ainda desempenhar um papel importante na vida da maioria das vítimas. Evidencia sinais de trauma, tal como explicado abaixo e clama por uma resposta apropriada. A avaliação demonstrou que as vítimas de minas/ERG têm necessidades existenciais, a necessidade de ser reconhecido, valorizados e aceites. Memo O trauma psicológico é um tipo de danos psiché que ocorre em consequência de um acontecimento gravemente perturbador. Um acontecimento traumático envolve uma única experiência, ou um acontecimento ou acontecimentos constantes ou repetitivos que oprimem completamente a capacidade da pessoa lidar ou integrar as ideias e emoções envolver-se nessa experiência. Tal como nos casos de acidente com minas/ERG. A sensação de opressão pode ser retardada durante semanas, anos ou até décadas, uma vez que a pessoa tem dificuldades em lidar com as circunstâncias imediatas. O trauma psicológico pode levar a consequências negativas a longo prazo e as vítimas de trauma, jovens ou idosas, organizam grande parte das suas vidas em torno de padrões repetitivos de reviver e repelir memórias, recordações e efeitos traumáticos. O trauma pode ser provocado por uma variedade de acontecimentos, mas existem alguns aspectos comuns. Frequentemente ocorre uma violação das ideias familiares da pessoa sobre o mundo e dos seus direitos humanos, colocando a pessoa num estado de confusão mental extrema e insegurança. O que também foi visto quando pessoas ou instituições de quem dependem para sobrevivência, violam ou traem, desiludem a pessoa de alguma forma imprevista. A maioria das vítimas recebeu pouca assistência para conseguir lidar e adaptar as suas vidas às suas novas circunstâncias. 56 Protecção Social e Padrões de Vida Acesso/Necessidades aos serviços e programas sociais A maioria dos sobreviventes não tinha sido incluída nos programas de protecção social. Existe uma diferença significativa (p<0,05) entre sobreviventes e membros da comunidade, onde os sobreviventes são atendidos pelos serviços sociais com maior frequência. 13% dos sobreviventes foram atendidos ou visitados por um funcionário dos serviços sociais, comparados a 5% dos membros da comunidade. Somente 8% dos 13% de sobreviventes que beneficiavam dos serviços sociais receberam um meio de compensação e 6,8% receberam algum tipo de apoio monetário ou alimentar. No entanto, a maioria (78%) dos sobreviventes não recebia nenhum benefício ou assistência. As necessidades expressas dos serviços sociais (4%) tal como ilustrado no gráfico 21 página 48, aparenta estar abaixo do real, considerando que três em cada quatro sobreviventes e membros da comunidade vivem abaixo da linha da pobreza. Barreiras Esta necessidade não expressa pode ser em parte explicada pela falta de conhecimento ou dificuldade em ter acesso a informação sobre o programa. Apesar do facto de a pessoa com deficiência ser um dos seis grupos prioritários para os programas sociais do Instituto Nacional de Acção Social (INAS), aparenta que até agora somente uma pequena minoria desta população foi abrangida. Gráfico 29: Tipo de benefícios recebidos dos serviços sociais COMUNIDADE SOBREVIVENTE DE MINAS Kit de reintegração 0% 2% Substituto do 0% leite materno 0% Contribuição 6% para transporte 1% Meio de compensação 6% 8% Cesta básica 3% 0% Assistência 2% alimentar básica 2% Transferência 2% financeira 3% Outros 2% 6% Nunca 57 92% 78% NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES / Protecção Social e Padrões de Vida Provedores de Protecção Social Foram realizadas 11 entrevistas a representantes da acção social, das quais sete directores distritais da acção social e quatro quadros técnicos da acção social. Tabela 6: Subdivisão das respostas pelo pessoal dos serviços sociais sobre os serviços/estratégias específicas em vigor SIM NÃO Identificação de grupos vulneráveis em vigor 82% 18% Disponível uma base de dados com as pessoas atendidas 9% 91% Pessoas formadas para trabalhar com a pessoa com deficiência 100% Disponível pelo menos um trabalhador que fala a língua de sinais 27% 73% Os trabalhadores têm conhecimento dos direitos da pessoa com deficiência 91% 9% Programas de inclusão social em vigor 64% 36% Ligação bem definida entre a DPMAS e INAS 27% 73% Em vigor um programa para facilitar o acesso aos serviços por parte da pessoa com deficiência 18% 82% Elaboradas estratégias especiais para trabalhar com a pessoa com deficiência em vigor Estabelecidas parcerias com ONG 100% 46% 54% Em Moçambique, o Ministério da Mulher e da Acção Social (MMAS) é responsável pelo sector da Deficiência, com o INAS como seu principal órgão operacional. A primeira estratégia do INAS deu prioridade à abordagem e participação comunitária de grupos vulneráveis no seu próprio desenvolvimento. Os quatro objectivos principais do MMAS para 20102014 relativamente à pessoa com deficiência são i) ratificar a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com deficiência (assinada em Outubro de 2010, ratificada em Janeiro de 2012), ii) implementar a estratégia nacional para a inclusão da pessoa com deficiência no sector público, iii) o Plano Nacional para a Deficiência (PNAD) iv) e a nova Estratégia Básica para Protecção Social. A Estratégia Nacional para Protecção Social Básica (ENSSB), aprovada em Agosto de 2011, inclui a pessoa com deficiência entre os grupos prioritários do novo programa. Todo o pessoal entrevistado na SDSMAS (acção social a nível distrital) durante a avaliação, reportam que existe um mecanismo de identificação de grupos vulneráveis. Em alguns casos estão estabelecidas boas ligações de trabalho com líderes comunitários e em alguns é realizado um programa de consciencialização nas comunidades. Embora a maioria dos trabalhadores mencione a falta de recursos (humanos) e transporte, portanto não conseguem “abranger todo o distrito”. A maioria não mantém uma base de dados do número de pessoas com deficiências atendidas ou não conseguem discriminar a pessoa com deficiência dentro da sua base de dados. Em alguns casos mencionam que a pessoa com deficiência beneficia da protecção social básica (apoio alimentar ou financeiro) ou consegue receber meios de compensação através da acção social (e INAS). Embora em muitos casos seja 58 reportado que nem todos os pedidos de meios de compensação podiam ser honrados. Fora da ligação burocrática para candidatura a meios de compensação e apoio da protecção social, não está definida a colaboração entre a acção social e o permanente do INAS. Embora os permanentes do INAS sejam quem identifica os grupos vulneráveis dentro da comunidade. Os trabalhadores da acção social não foram especificamente formados para trabalhar com a pessoa com deficiência. No geral não está a ser aplicada nenhuma estratégia específica com vista à inclusão e empoderamento da pessoa com deficiência. De louvar que todos os trabalhadores entrevistados têm conhecimento e têm um bom conhecimento de direitos da pessoa com deficiência. Gráfico 30: Necessidade expressa para melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes Casa de banho melhorada O% Dinheiro O% Formação profissional O% Máquina de costura 1% Acesso a um trabalho remunerado 1% Material para construir casa 2% Electricidade 2% Assistência médica 2% Nada 3% Ropas 3% Acesso à água potável 3% Bolsa para crianças Equipamento para trabalhar na machamba Pensão 4% 6% 8% Bicicleta 10% Motocicleta 11% Comida Gado 59 13% 19% Meios de compensação 24% Habitação melhorada 25% Próteses Apoio financeiro para abrir meu próprio negócio / acesso ao crédito FOCO: Necessidades para melhoria da qualidade de vida Quando inquiridas sobre as necessidades para melhorar a sua qualidade de vida, três em cada dez (36%) sobreviventes expressam a necessidade de apoio financeiro, um microcrédito ou empréstimo para investir em melhores aptidões para produção ou na criação de negócio próprio. Um em dois (52%) sobreviventes exprimiu a necessidade de meios de compensação ou próteses com maior qualidade para melhorar a sua mobilidade. Um em cada quatro sobreviventes reporta a necessidade de melhorar a qualidade das suas casas. 28% 36% NECESSIDADES IDENTIFICADAS PELOS SECTORES Educação Acesso/Necessidades serviços de ensino A maioria dos sobreviventes tem dificuldades em manter os filhos na escola, embora o equipamento de ensino se encontrem vizinhos. Devido à sua condição socioeconómica, muitos acabam por tirar os filhos da escola contra a vontade, forçados, na maioria das vezes a repetir a sua própria história. Para o maior grupo de vítimas: as famílias de pessoas mortas por uma mina/ ERG, as crianças reportam ter perdido repentinamente os seus pais e terem-se tornado no principal gerador de rendimento e terem que tomar conta dos seus irmãos e não conseguir frequentar a escola nem conseguir pagar para os outros. Alguns porque o cônjuge abandonou, deixando-o sem apoio. Durante as entrevistas de profundidade também foi reportado que a criança com deficiência tem dificuldade no acesso ao ensino devido à falta de meios de compensação e transporte adequado. Só em poucos casos são aplicadas estratégias de serviços de proximidade à comunidade para buscar activamente por crianças com deficiências para garantir a sua inclusão. Foram lançados Programas de Educação Inclusiva e as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza podem receber um atestado da pobreza através do qual são isentos das propinas. Mesmo assim, a maioria das vítimas reportam que têm dificuldades em manter os filhos na escola. Os pais reportam que ainda enfrentam muitos custos ocultos, que nem sempre conseguem suportar, particularmente quando as famílias são numerosas. Provedores Foram realizadas dez entrevistas a directores de escolas ou directores pedagógicos das quais cinco em escolas primárias e cinco numa escola secundária. Tabela 7: Subdivisão das respostas pelo pessoal dos serviços de ensino sobre os serviços/estratégias específicas em vigor SIM NÃO Aplicada sensibilização e mobilização da comunidade 70% 30% Aplicado programa especial para inclusão da criança com deficiência 30% 70% A criança com deficiência frequenta e é incluída nos serviços de ensino 50% 50% Professores/pessoal formado para trabalhar com a pessoa com deficiência 30% 70% Disponíveis trabalhadores que falam a língua de sinais 20% 80% Os trabalhadores têm conhecimento dos direitos da pessoa com deficiência 80% 20% Rampas de acesso ao edifício 40% 60% Instalações sanitárias adaptadas 100% 60 O Ministério da Educação (MINED) promove os direitos de todas as crianças ao ensino básico, incluindo aquelas que tenham dificuldades de aprendizagem ou com deficiências físicas. Foi criando um departamento do ensino especial e em 1998 foi lançado um “Programa Escola Inclusiva” para promover a integração das crianças com necessidades especiais no ensino regular, para fornecer formação contínua e melhorar a coordenação entre os actores para inclusão da pessoa com deficiência no ensino. Mesmo assim, a maioria das escolas reporta que não possui programas especiais em vigor para incluir e atender melhor as crianças com deficiências. Alguns reportam que costumavam realizar algum tipo de programa de consciencialização dentro da comunidade, realizar reuniões com líderes comunitários e pais para convencê-los da importância da frequência do ensino. Embora a maioria do pessoal não tenha sido especificamente formada para atender crianças portadoras de deficiência tirando o módulo de inclusão dentro do seu currículo universitário. Metade das escolas visitadas possui rampas para facilitar o acesso; nenhuma das escolas tinha instalações sanitárias adaptadas. 61 NEEDS IDENTIFIED BY SECTORS Trabalho e Emprego Por causa do acidente, a maioria dos sobreviventes teve que encontrar novas formas para sustentar as suas famílias. Poucos receberam assistência para adequarem melhor o seu trabalho às suas capacidades. Acesso/Necessidades formação vocacional e serviços de emprego Para a maioria dos sobreviventes que vive nas zonas rurais, a agricultura é a única oportunidade para se sustentarem ou sobreviverem. Embora estejam a ser aplicadas políticas para promover a inclusão da pessoa com deficiência no mercado formal, poucos sobreviventes de facto conseguem. No geral os sobreviventes reportam nas discussões de grupo que não têm as mesmas oportunidades de acesso a um trabalho assalariado, se já tentaram são facilmente descartados quando surgem vagas. O acesso a um centro de formação profissional aparenta estar fora da realidade da maioria dos sobreviventes. Os sobreviventes afirmam que estes serviços não existem próximo da sua comunidade (3,7% afirma que existe na sua proximidade) ou não têm conhecimento da existência destes serviços. Não existe uma diferença significativa com o grupo de controlo. O que é consistente com a constatação do diagnóstico local das pessoas com deficiências nas zonas suburbanas de Maputo e Matola35 onde os programas de formação vocacional beneficiam 2,5% da população e três quartos deles não têm conhecimento da existência deste programa. 35 36 Barreiras No geral os sobreviventes sentem que não têm as mesmas oportunidades que outras pessoas nas suas comunidades. Estão com os movimentos limitados e não conseguem desempenhar as mesmas actividades de antes, o que é muito difícil de lidar. A única oportunidade que têm de sustentar as suas famílias é a agricultura. Embora ao mesmo tempo reportem que não conseguem transportar pesos pesados, não conseguem andar longas distâncias ou às vezes só conseguem trabalhar “sentados” devido à falta de meios de compensação. A consequência é que eles conseguem cultivar culturas para a sua própria sobrevivência, mas não conseguem cultivar uma porção de terra maior que lhes permitiria também vender produtos e gerar algum rendimento. A maioria sente que lhes foi negado acesso ao mercado formal de trabalho e postos de lado ou negligenciados quando surgem oportunidades. Outros reportam que devido ao acidente não conseguem continuar o ensino nem obter habilidades qualificação. Eles sentem que isto teria aumentado as suas oportunidades. Para muitas pessoas é muito difícil sair da armadilha da pobreza36. Muitos têm sonhos de melhorar as suas condições. Eles reportam que se tivessem alguns meios ou ‘capital inicial’ sentem que poderiam melhorar as suas condições de vida e adaptarem melhor a forma de sustento às suas capacidades físicas. Eles vêm os pares ou familiares como sendo capazes de construir as suas casas, têm oportunidades e uma situação socioeconómica melhor. Alguns reportam sentirem-se revoltados e que têm dificuldade em testemunhar isso, uma vez que também poderiam estar bem. Handicap International, Situação das Pessoas com Deficiência em Maputo e Matola, Maputo 2010 Vide o glossário pág. 81 62 Direitos No geral poucos sobreviventes são membros de uma APcD ou tem conhecimento dos seus direitos e Convenções que garantem os direitos da pessoa com deficiência. Se os sobreviventes forem membros de uma APcD, têm maior probabilidade de ser antigo combatente. Acesso aos direitos Um em quatro sobreviventes é membro de uma APcD (24,7%). A maioria (83,6%) é membro da ADEMIMO (uma associação de militares com deficiência). O que leva a um número significativamente maior (p>0.05) de antigos combatentes sobreviventes membros de uma APcD e com conhecimento das principais convenções, que garantem os seus direitos. Um terço (29,5%) deles tornou-se membro em 1994, logo a seguir à guerra, possivelmente em defesa do seu interesse. No geral somente alguns, um em nove sobreviventes, tem conhecimento das principais convenções que garantem os direitos das pessoas com deficiências. Menos (9%) já ouviram falar do Tratado de Otava, embora seja um dos principais a respeito. Quase metade deles (43,8%) têm conhecimento de que têm prioridade na frequência ao ensino, nos hospitais, bancos e transportes devido à sua deficiência. Um em cada três recebe algum tipo de prioridade na realidade. Barreiras Em várias ocasiões os sobreviventes enfrentam barreiras e obstáculos enquanto tentam ter acesso aos seus direitos e sentem que não são vistos como ‘cidadãos completos’. Por exemplo, o direito a carta de condução é-lhes às vezes negado, apesar de várias tentativas. Muitas pessoas aparentam desistir antes, prevendo possíveis decepções. A sociedade civil organizada (ONG) até agora aparenta não ter-se apropriado a Convenção da pessoa com deficiência, ratificada em 2012. Comparados aos provedores de serviço público,menos pessoal têm conhecimento dos direitos da pessoa com deficiência. Fora o pequeno número de ONG, não foi desenvolvida nenhuma componente especial no âmbito dos seus projectos ou estratégias para incluir melhor a pessoa com deficiência como beneficiária dos seus programas de apoio social. 63 RECOMENDAÇÕES PARA O PLANO DE ACÇÃO NACIONAL PARA AV RECOMENDAÇÕES GERAIS 66 Sobre a concepção do próprio PANAV 67 POR SECTOR DE INTERVENÇÃO 68 Saúde Reabilitação Apoio psicossocial Protecção Social e Padrões de Vida Educação Trabalho e Emprego 68 69 70 71 72 73 POR EIXO DE INTERVENÇÃO 74 Empoderamento da sociedade civil: as Associações de Pessoas com Deficiências (APcD) Transversalização da AV no quadro legal existente Acompanhamento Social Personalizado 74 75 76 RECOMENDAÇÕES PARA O PLANO DE ACÇÃO NACIONAL PARA AV Recomendações gerais As seguintes recomendações apresentadas baseiam-se nos resultados da avaliação e têm a finalidade de fornecer informação útil para a elaboração do Plano de Acção Nacional para Assistência à Vítima (PANAV). As recomendações estão agrupadas de acordo com as principais áreas temáticas da AV: saúde, reabilitação, apoio psicológico, protecção social e padrões de vida, ensino, trabalho e emprego. À medida que são feitas recomendações aos provedores de serviço e conforme mencionado na introdução, a AV deve enquadrar-se no quadro geral para a deficiência. Assim, a maioria das recomendações são por escrito para responderem “ ao grupo de pessoa com deficiência no geral”. Se as recomendações forem específicas para vítimas ou sobreviventes, serão mencionadas como tal. À medida que Moçambique esforça-se para cumprir a obrigação do artigo 5 do Tratado de Proibição de Minas, a ameaça de minas anti-pessoal terá desaparecido em grande parte; portanto as recomendações focamse menos nos cuidados de emergência e mais na inclusão social e acesso aos serviços por parte das vítimas de minas/ ERG. Identificar subgrupos dentro do grupo de vítimas com base em critérios como: nível de deficiência; múltiplas deficiências; viver abaixo da linha da pobreza. Priorizar a sua assistência e inclusão social, levando como ponto de partida as necessidades e capacidades identificadas. Construir, disseminar, promulgar e monitorar o PANAV entre os departamentos dos Ministérios envolvidos e seus níveis descentralizados e outros actores envolvidos (APcD, ONG). A AV também deve incluir as famílias das pessoas feridas ou mortas como beneficiários elegíveis a assistência para lidar com a perda financeira, social e emocional. Com atenção às necessidades específicas das mulheres, o maior grupo de vítimas indirectas. Comunicar e disseminar os direitos da pessoa com deficiência a nível nacional e dentro das comunidades locais, seleccionadas as estratégias de comunicação mais apropriadas (novelas, cartazes, letras de música, peças teatrais, panfletos). 66 Sobre a concepção do próprio PANAV O PANAV deve estar ligado ao desenvolvimento dos quadros mais alargados de deficiência, direitos humanos e estratégias nacionais (tais como o CNAD, PNADII, PARPA e BSPS37). Garantir a recolha de dados em todos os principais Ministérios envolvidos na prestação de serviços às vítimas e pessoa com deficiência no geral para conseguir monitorar o progresso e avaliar a prestação dos serviços. Conceber e implementar respostas sectoriais em torno das necessidades das vítimas e da pessoa com deficiência; uma abordagem transversal entre os diferentes Ministérios envolvidos (saúde, acção social, educação, trabalho). Designar um mecanismo directivo nacional inter-ministerial, com múltiplos actores para supervisionar a elaboração do PANAV e para monitorizar a sua implementação. Incluir os principais ministérios governamentais responsáveis pela programação de respostas adequadas, APcD, ONG, vítimas e outros actores relevantes. Conceber Termos de Referência (TdR) sobre as responsabilidades e resultados esperados dos principais actores envolvidos no desenvolvimento do PANAV. 37 Todos os acrónimos estão detalhados na pág. 83 Garantir e alocar recursos (inter)nacionais para garantir a implementação do PANAV em todos os diferentes Ministérios responsáveis. Avaliar os recursos adicionais necessários para conseguir implementar o PANAV na totalidade. Elaborar o PANAV com objectivos e indicadores Específicos, Mensuráveis, Alcançáveis, Relevantes e com Prazos (SMART) para melhorar a qualidade de vida das vítimas de minas/ERG e da pessoa com deficiência. Foram feitos muitos avanços relativos à redacção de políticas e ratificação de acordos internacionais para melhorar o acesso aos serviços e direitos humanos da pessoa com deficiência em Moçambique. O desafio que resta é alocar orçamento, conceber e implementar estratégias apropriadas de inclusão social e empoderamento em coordenação sistemática entre todos os actores e monitorar e avaliar o progresso na prestação de serviços pelos Ministérios, além da sociedade civil e das APcD. Todas estas acções devem ser transformadas em políticas que resultem em melhor qualidade de vida para os sobreviventes para permitir que participem activamente na sociedade. 67 RECOMENDAÇÕES PARA O PANAV Por sector de intervenção As recomendações abaixo baseiam-se nos resultados da avaliação , com as recomendações dos provedores dos serviços relevantes, quando entrevistados. Quando inquiridos sobre o que era necessário para melhorar as condições de vida e atendimento da pessoa com deficiência, os provedores de cuidados de saúde mencionam os seguintes aspectos: Saúde Melhorar a acessibilidade dos serviços de saúde através da eliminação de barreiras e obstáculos, incluindo acesso a salas de consulta e sanitários. Garantir que as urgências, cuidados médicos contínuos e medicamentos sejam gratuitos para sobreviventes de acidentes com dispositivos explosivos e minas/ERG. Garantir com actores médicos especializados relevantes, que os hospitais de referência tenham equipamento e artigos médicos adequados. Melhorar a disponibilidade de meios de compensação para uso interno nas estruturas de saúde. Disseminar os direitos da pessoa com deficiência a uma escala maior. Formar o pessoal de saúde e outros funcionários públicos para atenderem melhor as necessidades e capacidades da pessoa com deficiência. Melhorar o acesso físico aos serviços de saúde e outros edifícios. Melhorar a inclusão da pessoa com deficiência nos serviços públicos e oportunidades de emprego. Instalar apoio psico-social para a pessoa com deficiência. Melhorar a referência entre o hospital e outros provedores de serviços (tais como acção social, assistência psicossocial). Formar profissionais de saúde nas questões específicas para atendimento dos sobreviventes e das suas famílias e sobre os direitos da pessoa com deficiência. Melhorar o acesso a serviços especializados (reabilitação, cirurgia reconstrutiva, manejo da dor e terapia ocupacional). Relatório da Avaliação esta disponível em linha em inglês e português, bem como o relatório inicial da Avaliação com a metodologia completa, vide pág. 2. 38 68 Reabilitação Garantir a recolha de dados junto dos sobreviventes para monitorizar o progresso e avaliar a prestação de serviços. Melhorar o acesso físico aos serviços de reabilitação, eliminar barreiras e obstáculos, melhorar a sinalização. Alocar os recursos técnicos, humanos e financeiros para garantir a prestação de serviços de reabilitação física. Garantir a rede de suprimentos e estoques de material para poder produzir meios de compensação e próteses. Quando exequível, actualizar o equipamento usado para produzir aparelhos ortopédicos e melhorar a qualidade do material usado. Montar e fazer seguimento do manejo e referência de casos aos serviços relevantes (fisioterapia, manejo da dor, terapia da fala, apoio psicossocial). Formar o pessoal nas técnicas e sistemas de referência mais recentes, Reabilitação Baseada na Comunidade (RBC) e as mais recentes políticas para a pessoa com deficiência. Promover a disponibilidade, conhecimentos e uso de meios de compensação entre sobreviventes e as suas famílias. Desenvolver estratégias de indentificação na comunidade para buscar sobreviventes dentro das suas comunidades, identificar as suas necessidades relativas aos serviços de reabilitação e meios de compensação, facilitar o seu transporte e alojamento. Realizar estudos sobre satisfação do cliente entre sobreviventes sobre os serviços de reabilitação existentes em colaboração com as universidades/ faculdades de medicina locais. Garantir a manutenção dos aparelhos ortopédicos. É necessário ensinar aos serviços de reabilitação uma abordagem “pacote duplo”: por um lado, reinstalar e melhorar os próprios serviços de cima para baixo e por outro, desenvolver estratégias de proximidade com a comunidade para ir directamente às pessoas necessitadas, de baixo para cima. A avaliação mostra uma lacuna na qualidade e oferta de meios de compensação e serviços de reabilitação. A falta de equipamento impediu o fabrico de meios de compensação durante pelo menos os dois últimos anos. O nível actual de prestação de serviços pode ser considerado um passo atrás na facilitação da inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. A disponibilidade de meios de compensação é altamente importante para reduzir as limitações e restrições da actividade na participação social, este equipamento tem um elevado potencial de quebrar o ciclo vicioso da deficiênciapobreza e portanto, é a principal prioridade. O que pode ser visto como uma hierarquia lógica da gravidade, como a primeira na lista deve ser aplicada para garantir o nível seguinte. Quando os serviços de reabilitação forem reinstalados, devem ser concebidos e implementados ao mesmo tempo programas de proximidade com a comunidade para identificar pessoas com deficiências necessitadas. Também deve estar disponível transporte e alojamento para facilitar o acesso, além de serviços de fisioterapia. 69 RECOMENDAÇÕES PARA O PANAV Apoio psicossocial Conceber projectos-piloto para inclusão do apoio psicossocial para as vítimas nos principais hospitais de referência, além da criação de apoio de pares a nível distrital para alcançar o máximo de autosuficiência, auto-estima e autonomia. Garantir que o pessoal esteja formado/ preparado para prestar assistência às vítimas para que possam lidar com o impacto psicológico do acidente e com as dificuldades enfrentadas. Conceber um módulo de formação para formar psicólogos e assistentes sociais na área de apoio psicossocial para as vítimas e como formar grupos de apoio de pares. Capitalizar (processo de aprendizagem) as metodologias de êxito sobre apoio psicossocial e advogar a implementação a uma escala nacional. Os resultados da avaliação demonstraram pessoas traumatizadas e uma forte necessidade de assistência psicológica, mesmo quando os acidentes tenham ocorrido há mais de 20 anos. O que apresenta um desafio real para os serviços existentes, uma vez que a psicologia actualmente continua a ser uma disciplina recente em Moçambique e que as primeiras turmas de estudantes estão a sair das universidades. Portanto: Devem ser estabelecidas parcerias entre os serviços públicos de saúde e as ONGI para desenvolver abordagens psicológicas inclusivas e apropriadas para a pessoa com deficiência e as vítimas. Boas práticas podem ser retiradas das abordagens psicossociais em desenvolvimento e incluídas nos hospitais em Moçambique para atender às pessoas que vivem com o HIV e SIDA. O contexto rural local, valores socioculturais e dificuldades específicas enfrentadas pelas vítimas devem ser levadas em consideração e desenvolvidas respostas em estreita colaboração e em consulta com a própria população alvo. Estas intervenções psicossociais não devem ser realizadas isoladamente e devem fazer parte de estratégias de Acompanhamento Social Personalizado (vide o Glossário na p. 81) O apoio psicológico e psicossocial deve ser potencializado nas políticas de trabalho e rendimento, e nas estratégias de ensino e formação. O sofrimento das vítimas deve ser reconhecido pelas autoridades nacionais para ganhar visibilidade e auto-estima. Como ter sofrido um acidente com minas/ERG é particularmente perturbador, tornaram-se numa vítima de armas de guerra. Se as autoridades não trabalharem para a sua inclusão social ou acesso, nem reconhecerem abertamente o seu sofrimento, elas caem numa armadilha mortal de invisibilidade social. 70 Protecção Social e Padrões de Vida Garantir a recolha de dados sobre as vítimas através do Ministério da Mulher e Acção Social (MMAS) e o seu instituto nacional (INAS) para conseguir monitorizar o progresso e avaliar a prestação de serviços para as vítimas. Alocar os recursos técnicos, humanos e financeiros para garantir a prestação de serviços de segurança social, acesso a meios de compensação e inclusão social. Garantir que as vítimas mais necessitadas (múltiplas deficiências/vivem abaixo da linha da pobreza) sejam incluídas nos programas de protecção social e recebam assistência em prioridade. Prestar assistência às vítimas na orientação e acesso a serviços complementares o mais cedo possível (reabilitação, apoio psicológico e de pares, ensino e emprego). Conceber e implementar estratégias de Acompanhamento Social Personalizado (vide o glossário página 81) em estreita colaboração com os provedores de serviços e as vítimas, priorizar as áreas de vida mais necessitadas em termos de assistência, permitir e prestar assistência às pessoas no seu próprio desenvolvimento. Conceber estratégias para o MMAS e o INAS trabalharem em estreita parceria para identificar vítimas nas suas comunidades e promover a sua inclusão social. Garantir que o “Fundo de Desenvolvimento Distrital” esteja disponível para as vítimas e submeter relatórios sobre o número de candidaturas de vítimas concedidas. Apoiar as vítimas na obtenção do atestado de pobreza, também para serem isentos do pagamento de propinas. Formar os trabalhadores do MMAS para conseguirem atender às vítimas e à pessoa com deficiência, compreendendo as suas dificuldades específicas. Empoderar e incluir a pessoa com deficiência para participar no seu próprio desenvolvimento. Dos provedores Necessidades identificadas pelo representante de acção social para atender melhor à pessoa com deficiência e melhorar a sua qualidade de vida: Garantir meios de compensação suficientes e serviços de reabilitação funcionais. Disseminar os direitos da pessoa com deficiência a uma escala maior e consciencializar entre provedores de serviços. Melhorar o acesso aos serviços de ensino e de saúde, emprego, apoio financeiro para a pessoa com deficiência. Conceber e implementar apoio psicossocial para a pessoa com deficiência. Formar aos funcionários da Acção Social sobre as questões e o atendimento da pessoa com deficiência. Alocar recursos humanos e financeiros suficientes para poder atender a pessoa com deficiência. Incluí-las nas estratégias de protecção social. 71 RECOMENDAÇÕES PARA O PANAV Educação Garantir que a criança com deficiência e filhos de vítimas tenham acesso a oportunidades de ensino nas suas comunidades (ex. bolsas). Conceber e reforçar estratégias para evitar os números de desistência entre filhos de vítimas. Melhorar a acessibilidade, acesso a transporte e fornecimento de meios de compensação adequados para a criança com deficiência. Conceber um módulo de formação para professores e directores de escolas alinhado ao módulo existente sobre a educação inclusiva em seu currículo de formação. Formar professores de acordo com este módulo para abranger as necessidades de aprendizagem e psicológicas específicas e como incluir os seus pais e colegas de turma/pares. Conceber e Implementar actividades de proximidade comunitária para identificar crianças com deficiências ou pais abaixo da linha da pobreza. Melhorar a acessibilidade aos serviços de ensino, eliminar barreiras e obstáculos. A acessibilidade da escola deve incluir a facilitação de movimento dentro da unidade sanitária e o desenvolvimento de sanitários acessíveis. Garantir a recolha de dados para a criança com deficiência por forma a conseguir monitorar o nível de inclusão no sistema de ensino. Dos provedores As sugestões abaixo foram feitas pela direcção das escolas entrevistadas para incluir melhor a criança com deficiência nos serviços de ensino e melhorar as condições de vida da pessoa com deficiência: Formar aos professores sobre como incluir e lidar com a criança com deficiência. Bolsas para filhos de pais com deficiências que não tenham meios para mandar os filhos para a escola. Apoio psicossocial para a criança com deficiência/melhoria da auto-estima. Consciencialização sobre os direitos da pessoa com deficiência. Meios de compensação disponíveis. Criar uma base de dados sobre a participação da criança com deficiência dentro dos serviços de ensino. Melhorar o acesso físico às escolas. Mobilização e consciencialização comunitária. 72 Trabalho e Emprego Uma vez que a maioria das vítimas trabalha na agricultura, apoiar as vítimas na melhoria da sua produtividade no cultivo (ferramentas modernas, conhecimentos sobre novos métodos e oportunidades e gado para cultivar machambas maiores) e garantir a sua mobilidade com meios de compensação para terem as “mãos livres” (vide as recomendações sobre Reabilitação, pág. 69) Enquanto se concebem abordagens para melhorar a situação socioeconómica e/ou emprego das vítimas, levar em consideração a idade dos sobreviventes de minas/ERG, o facto de viverem distantes e terem dificuldades de acesso ao transporte. Garantir que a norma de 5% de inclusão da pessoa com deficiência – incluindo sobreviventes – nos provedores do serviço nacional seja alcançada e partilhar a monitoria e avaliação. Capacitar os assistentes sociais, agentes polivalentes e outros trabalhadores de campo para apoiarem as vítimas a definirem um plano de acção realista para a inclusão económica e informar, orientar e referi-los para os serviços relevantes. Garantir que as vítimas sejam incluídas nos serviços de rendimento (serviço técnico, vocacional, ensino e formação, provedores de micro-finanças, serviços de colocação de emprego, programas de emprego) Oportunidades de formação (tal como estágios com formadores mestres ou “empresas” locais, formação comunitária e serviços de pares) devem estar voltadas para o mercado e de forma acessível. Formação e orientação empresarial está disponível para as vítimas iniciarem ou desenvolverem actividades de auto-emprego. Água O poço está a um quilómetro da minha casinha. Digo, é muito longe para mim com as minhas muletas! Tenho que controlar o balde de água que carrego na cabeça. Eu penso que leva 30 minutos a pé até ao poço. Mas a viagem de volta para casa com o meu balde de água é muito difícil. Quando dou um passo com a minha única perna e uma das minhas muletas o meu corpo abana um pouco. E se o balde de água na minha cabeça estiver cheio, estou a perder água... O regresso para a minha casa leva muito mais tempo. A outra dificuldade é a estrada. Tem tantos buracos na estrada de areia e muitas pedras. Em qualquer momento tenho que evitar perder o equilíbrio. Ao longo dos anos aconteceu várias vezes eu não estar concentrada nos meus passos durante um segundo só e acabar com o meu pé numa pedra ou buraco. Quando acontece às vezes perco metade da água no meu balde. Mais ou menos leva-me três horas a ir buscar água. Mas quando volto posso descansar um bocado. Quando olho para o balde cheio de água às vezes sinto-me feliz. Fervo um pouco da água para cozinhar para mim e para a minha filha. Para os vegetais e mandioca não tenho que ir longe. É mesmo ao lado da minha casinha onde tenho uma pequena machamba. Eu faço um pouco de dinheiro ao vender alimentos a outras pessoas na aldeia. Estou sozinha, eu tinha marido, mas ele deixou-me. Às vezes vem visitar, mas ele mora com a outra mulher. Há outros homens, mas só querem aproveitar-se de mim e depois fogem, não gostam de uma mulher deficiente. A minha vida é assim. 73 RECOMENDAÇÕES PARA O PANAV Por eixo de intervenção Empoderamento da sociedade civil: as Associações de Pessoas com Deficiências (APcD) Poucos sobreviventes são membro de uma APcD. Dos que são membros de uma APcD, a maioria são antigos-combatentes e mesmo assim poucos conhecem os seus direitos. Por exemplo, a UNCRPD assinada pelo Governo Moçambicano. Uma percentagem limitada consegue mencionar aspectos desta Convenção, embora estes acordos os afectem de forma imediata. As APcD devem melhorar a sua capacidade de lutar pelos direitos dos grupos que eles representam e fazer lobbies para o acesso aos serviços. Assim eles devem: Advogar os interesses da sua população alvo nos encontros nacionais, estar envolvidos na planificação baseada por necessidades e monitorar estreitamente e reportar a implementação da UNCRPD, programas e políticas em prol das vítimas e da pessoa com deficiência. Implementar a campanha nacional para consciencializar sobre os direitos das vítimas e da pessoa com deficiência. Organizar eventos e reuniões a nível distrital/provincial para o diálogo e consciencialização. Conceber estratégias de comunicação específicas, usando linguagem acessível, dialogar com os seus membros e consciencializar a pessoa com deficiência sobre os seus direitos humanos, os seus benefícios ou avanços no campo da pessoa com deficiência. A maioria dos sobreviventes encontrados no campo tinha telefones celulares, que podem ter uma oportunidade em encontrar formas criativas para comunicar com eles. Garantir que as estratégias de comunicação sejam inclusivas para todos os tipos de deficiência. Estabelecer parcerias ou relações com organizações dos direitos humanos e actores relevantes. Conceber mecanismos de lobby para acesso aos direitos humanos básicos. Reportar e acompanhar casos de violação dos direitos humanos ou negligência severa, abandono e discriminação aos Ministérios apropriados e advogar o acesso aos serviços apropriados. Prestar assistência às vítimas que sofreram um acidente com minas/ERG enquanto estavam no exército e que não receberam a compensação ou pensões apropriadas para terem acesso aos seus direitos. Identificar, formar e orientar um grupo de vítimas para representar as vítimas no desenvolvimento do PANAV, facilitar o seu transporte e alojamento. 74 Transversalização da AV no quadro legal existente O governo demonstrou a sua preocupação com o problema da deficiência, ao conceber e aprovar políticas nacionais, legislação e programas para promover a inclusão da pessoa com deficiência e ao ratificar a UNCRPD e teve acesso ao protocolo opcional em Janeiro 2012. No entanto, até agora não foram alocados ou investidos recursos suficientes para implementar esta legislação. Portanto prioritário: Identificar e alocar recursos. Formar aos trabalhadores e provedores de serviço para prestarem assistência e estarem preparados a atender a pessoa com deficiência. Os direitos da pessoa com deficiência devem ser disseminados à escala nacional. Devem ser concebidas e implementadas abordagens adaptadas com vista ao empoderamento da pessoa e inclusão social. Precisam ser criadas bases de dados, e actualizá-las regularmente, para permitir a monitoria e avaliação. Embora a pessoa com deficiência seja um dos grupos prioritários do MMAS, não houve nenhum avanço claro que permita com que as pessoas tenham acesso a medidas de segurança social e meios de compensação. A Acção Social, em estreita colaboração com o INAS, podem desenvolver e implementar estratégias claras sobre como promover a inclusão social e empoderamento da pessoa com deficiência e garantir o acesso a Medidas Básicas de Segurança Social. Podiam ser desenvolvidas estratégias para tirar partido do trabalho de campo dos permanentes do INAS para poder identificar pessoas com deficiências nas suas comunidades e responder às suas necessidades em estreita colaboração com o MMAS. O acesso à Segurança Social Básica é um passo necessário para permitir a autonomia. Apesar do decreto 53/2008 que orienta a remoção de barreiras arquitectónicas nos edifícios e serviços públicos para facilitar o acesso das pessoas com deficiências, ainda assim, muitos sobreviventes encontram problemas de acessibilidade fora do agregado. É necessário investimento para tornar os edifícios mais acessíveis Além de muito investimento para incluir a pessoa com deficiência para lhe permitir a total participação na sociedade. 75 RECOMENDAÇÕES PARA O PANAV Acompanhamento Social Personalizado39 Devem ser concebidas estratégias Acompanhamento Social Personalizado em estreita colaboração com os provedores de serviços e as vítimas. Estas estratégias têm que levar em conta a idade e género da vítima. enquanto se concebe uma resposta apropriada deve ser levado em consideração que a maioria das vítimas sofreu o acidente há mais de 20 anos. Agora têm uma idade mais avançada, vivem em zonas rurais remotas com estradas de areia não alcatroadas e com difícil acesso ao transporte. A maioria tem pouca ou nenhuma escolaridade formal. As respostas devem ser adaptadas às necessidades, que podem ser resumidas do seguinte modo: Levando assim em consideração que o nível de vida de uma pessoa também é definido pela capacidade de exercer a opção e afectar o curso da sua vida; empoderando as vítimas para participarem no seu próprio desenvolvimento. É importante que enquanto se concebe o plano e políticas de AV, todas as áreas de vida (trabalho, ensino, saúde, lazer, situação psicossocial etc.) das vítimas sejam avaliados. Enquanto se desenvolve a assistência, o círculo de influência (familiares e estrutura de acompanhamento) devem ser incorporados em ajudá-los a recuperar e melhorar as suas condições de vida. Apoio financeiro para iniciarem o próprio negócio Melhorar a qualidade da habitação Meios de compensação de boa qualidade para melhorar a sua mobilidade. 76 39 Vide o glossário na pág. 81 Lojista O acidente aconteceu enquanto estava no serviço militar, durante a guerra, tive que abandonar a escola para cumprir o serviço. Eu estava com três colegas, todos fomos atingidos quando a mina explodiu, perdi a minha perna, o meu colega perdeu o braço e infelizmente o terceiro faleceu. Eu fui transferido para o hospital militar onde recebi tratamento e próteses, que uso até hoje. Quando voltei para a minha cidade, decidi superar a minha situação e que iria construir um futuro para mim e para a minha família. Havia um senhor na aldeia que sabia como usar a máquina de costura, eu pedi para ele me ensinar. Arranjei o dinheiro para o meu primeiro investimento. Sou privilegiado porque recebi uma pequena pensão por causa do acidente. Comprei a máquina de costura e comecei o meu próprio negócio como costureiro. Olha para esta camisa; eu faço todos os tamanhos. Daí cresci, abri a minha própria loja onde vendo arroz para a comunidade. Actualmente estou cheio de planos; quero ganhar dinheiro e mandar os meus filhos para a universidade. Vês este palco? Acabei de construir, é uma ideia nova. Vou dar espectáculos aqui, quase não acontece nada na comunidade. Eu convidei um cantor famoso e na minha casa podem entrar 300 pessoas, eu vou cobrar a entrada, vender refrescos e cerveja e alugar aquela salinha para uma pessoa vender comida durante o espectáculo. A única coisa que me irrita mesmo é que o meu próximo investimento é um carro para eu poder guiar e transportar mercadoria, que é muito pesada para transportar. Tenho todos os papéis, segui todos os procedimentos, mas quando estava quase a ter a minha carta de condução eles de repente negaram. Disseram-me que um deficiente não pode guiar! Acreditas? Ainda estou zangado e a tentar formar de arranjar. Vou conseguir, mas estou indignado com a discriminação das autoridades oficiais. O meu maior tesouro na vida é a minha mulher. Sem o apoio dela não teria conseguido chegar tão longe e conseguir construir tudo isto. 77 ANEXOS PARA MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A AV 80 GLOSSÁRIO 81 ACRÓNIMOS 83 ANEXOS Para mais informações sobre a AV Bine, A.C. & Masslberg, A, Gender sensitive Victim Assistance, Journal of ERW and mine Issues, 15.2 Summer 2011 Handicap International, Full circle of impact; the Fatal Footprint of Clustermunitions on Communities and People, 2007 www.hiproweb.org/uploads/tx_hidrtdocs/ Full_report_Circle_of_Impact_2007.pdf Handicap International, Voices from the Ground: Landmine and Explosive Remnants of War Survivors Speak out on Victim Assistance, 2009 www.hiproweb.org/uploads/tx_hidrtdocs/ Voices_from_the__Ground-report.pdf Handicap International, Victim Assistance in Cambodia, The Human Face of Survivors and their Needs for Assistance, 2011 www.hiproweb.org/uploads/tx_hidrtdocs/ Voices_from_the_Ground-report.pdf Handicap International, Recommendations for National Action Plans on Victim Assistance, 2011-2015 In English: www.hiproweb.org/uploads/tx_ hidrtdocs/HI-RecommendationsEng-WEB.pdf In Portuguese: www.hiproweb.org/uploads/ tx_hidrtdocs/VA_Recomendacoes_light.pdf Handicap International, People with disabilities in the suburban areas of Maputo and Matola, Maputo 2010 In English: www.hiproweb.org/uploads/ tx_hidrtdocs/Relatorio_GB_BD.pdf Synthesis in Portuguese: www. hiproweb.org/uploads/tx_hidrtdocs/ SyntheseDiagnosticoLocalDeficienca Maputo2010_01.pdf Victor Igreja, The Monkeys’ Sworn Oath Cultures of Engagement for Reconciliation and Healing in the Aftermath of the Civil War in Mozambique, PhD thesis, 2007 https://openaccess.leidenuniv.nl/bitstream/ handle/1887/12089/front.pdf?sequence=6 SINTEF Health Research & INE & FAMOD, Living Conditions among People with Disabilities in Mozambique: A National Representative Study, January 2009 www.sintef.no/home/Publications/ Publication/?pubid=SINTEF+A9348 Washington University, Applying the capabilities approach in examining disability, poverty and gender, paper produced for conference on promoting women’s capabilities, examining Martha Nussbaum capabilities approach, University of Cambridge, 2002 www.awid.org/Library/Applying-thecapabilities-approach-in-examiningdisability-poverty-and-gender 80 Glossário Acompanhamento Social Personalizado40 “O acompanhamento social personalizado pode ser definido como uma iniciativa voluntária e interactiva que utiliza métodos participativos com a pessoa que pede ou aceita ajuda, com o objectivo de melhorar a sua situação, as suas relações com o meio, transformá-los até. [...] O acompanhamento social de uma pessoa baseia-se no respeito e no valor intrínseco de cada indivíduo, enquanto actor e sujeito de direitos e deveres40 .” Baseia-se na análise global da vida de uma pessoa e tem em vista fomentar o seu Empoderamento ao ajudá-las a formular e organizar melhor a preparação e realização de um projecto Armadilha da Pobreza A armadilha da pobreza está definida como “todo mecanismo auto-reforçante que provoca a persistência da pobreza. Se persistir de geração para geração, a armadilha começa a reforçar-se se não forem tomadas medidas para quebrar o ciclo”41. Assistência à Vítima De acordo com o Tratado para Proibição de Minas e a Convenção sobre Bombas de Fragmentação, a assistência à vítima inclui (sem se limitar)’recolha de dados de acidentes, cuidados de emergência e continuados, reabilitação física, apoio psicológico e integração social, integração económica e legislação e políticas públicas para garantir a total e igual integração e participação dos sobreviventes, suas famílias e comunidades na sociedade. Bombas de fragmentação De acordo com a Convenção sobre Bombas de Fragmentação, uma bomba de fragmentação é uma bomba convencional concebida para dispersar ou lançar submunições explosivas cada uma com peso inferior a 20 quilogramas e inclui estas sub-munições. Incluem munições e submunições explosivas, avariadas, não detonadas e abandonadas. Explosivos Remanescentes de Guerra (ERG) Significa um dispositivo não detonado e abandonado, exclui minas, armadilhas explosivas e outros dispositivos. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) O HDI é uma medição comparativa de expectativa de vida, literacia, formação e condições de vida dos países em todo o mundo. É uma forma padrão de medir o bem-estar, sobretudo o bem-estar infantil. É usado para definir se o país é desenvolvido, em vias de desenvolvimento ou subdesenvolvido, e também para medir o impacto das políticas económicas na qualidade de vida. O IDH é estimado e reportado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Minas terrestres anti-pessoal De acordo com o Tratado para Proibição de Minas: uma mina concebida para explodir em consequência da presença, proximidade ou contacto de uma pessoa e que incapacite, fira ou mate uma ou mais pessoas. Handicap International, Acompanhamento social personalizado: Reflexões, método e ferramentas de uma abordagem em trabalho social de proximidade, 2009: http://www.hiproweb.org/uploads/ tx_hidrtdocs/GuideASPPORBD_01.pdf 41 Costas Azariadis and John Stachurski, “Poverty Traps,” Handbook of Economic Growth, 2005, 326 40 81 ANEXOS/ Glossário Minas terrestres anti-carro Serviços de apoio De acordo com o Tratado para Proibição de Minas, as minas anti-tanque são munições concebidas para serem colocadas por baixo, no ou perto do solo ou outro superfície para explodir na presença, proximidade ou contacto de uma pessoa ou viatura. Concebidos como serviços individuais complementares, permitem que cada pessoa tenha acesso aos serviços principais, de acordo com as suas necessidades e opções, a nível comunitário como qualquer outra pessoa. Um serviço de apoio ajuda a garantir a transversalização efectiva da pessoa com deficiência. Por exemplo, equipamento compensatório, intérpretes de língua de sinais, transporte adaptado, etc. Pessoa com Deficiência A Convenção dos Direitos da Pessoa com deficiência define deficiência como: aqueles que tenham dificuldades físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais de longa duração que, na interacção com várias barreiras, pode prejudicar a participação completa e efectiva na sociedade em termos de igualdade com as outras pessoas. Serviços Gerais Estes serviços respondem às necessidades básicas de todas as pessoas (ensino, saúde, emprego, serviços sociais e/ou segurança social). Devem estar inteiramente acessíveis para garantir a participação social, dignidade e oportunidades iguais dos cidadãos. A pessoa com deficiência tem as mesmas necessidades básicas e portanto o mesmo direito de ter acesso a estes serviços como outros cidadãos. Serviços específicos/ especializados Estes serviços são exclusivos a uma determinada parte da população deficiente, de acordo com as suas necessidades específicas (ex. ensino especializado, serviço de reabilitação física etc.) Estes serviços podem ser considerados uma extensão dos serviços principais, mas permanecem “abertos” para fora ao estabelecer um número máximo de portas de acesso para outros tipos de serviços. Sobreviventes Sobreviventes são pessoas feridas em consequência directa das minas terrestres e ERG. Vítimas De acordo com o Tratado de Proibição de Minas e a Convenção sobre Cluster de Munições, vítimas são todas as pessoas que foram mortas ou sofreram ferimentos físicos ou psicológicos, perda económica, marginalização social ou limitação substancial da realização dos seus direitos” provocados pelo uso de armas de guerra. À esta luz, existem dois tipos de vítimas: Vítimas directas são pessoas feridas em consequência directa das minas terrestres e ERG; Vítimas indirectas incluem famílias e comunidades das pessoas mortas ou feridas em consequência directa das minas terrestres e ERG. Também inclui comunidades afectadas por minas e ERG que sofrem economicamente ou de outra forma devido à presença de contaminação. Zona Minada De acordo com o Tratado de Proibição de Minas, as zonas minadas são zonas perigosas devido à presença ou suspeita da presença de minas. 82 Acronyms ADL ADEMIMO APcD AV BSPS CAP CCM CNAD DPMAS ENSSB ERG FAMOD FRELIMO HI HIV AIDS ICBL-CMC INAS IND INE KAP MBT MMAS MISAU MoU NAP ONG ONGI PANAV PARPA PNAD PNUD RAVIM RBC RENAMO SDSMAS SHA SINTEF SMART SMFR TdR UNCRPD UNHCR Actividades da Vida Quotidiana Associação dos Deficientes Militares de Moçambique Associação de Pessoas com deficiências Assistência à Vítima Programa de Apoio do Sector Comercial Plano de Acção de Cartagena Convenção sobre Cluster de Munições Conselho Nacional para Deficiência Direcção Provincial da Mulher e Acção Social Estratégia Nacional para Segurança Social Básica Restos de Dispositivos Explosivos de Guerra Fórum de Associações da Pessoa com deficiência em Moçambique Frente de Libertação de Moçambique Handicap International Infecção pelo Vírus de Imunodeficiência Humana – Sindroma de Imunodeficiência Adquirida Campanha Internacional para Proibição de Minas Antipessoal e Coligação para Cluster de Munições Instituto Nacional de Acção Social Instituto Nacional de Desminagem Instituto Nacional de Estatística Conhecimentos, Atitudes e Práticas (método de estudo) Tratado para Proibição de Minas Ministério da Mulher e Acção Social Ministério da Saúde Memorando de entendimento Plano de Acção de Nairobi Organização Não Governamental Organização Não Governamental Internacionais Plano de Acção Nacional para Assistência às Vítimas Programa de Acção para Redução da Pobreza Absoluta Plano Nacional para a Área da Deficiência Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Rede para Assistência à Vítima de Minas Reabilitação Baseada na Comunidade Resistência Nacional de Moçambique Serviço Distrital de Sáude e Mulheres e Acção Social 83 Zonas Suspeitas Perigosas Fundação Norueguesa para a Investigação Científica e Industrial Específicos, Mensuráveis, Alcançáveis, Relevantes e com Prazos Serviço de Medicina Física e Reabilitação Termos de Referência Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com deficiência Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados Mozambique Programme Research collection Sonhos despedaçados Esta publicação resulta de uma avaliação de necessidades e capacidades realizada pela Handicap International em parceria com a RAVIM, a Rede Nacional de Apoio às Vítimas. O seu objectivo é apresentar dados precisos e recomendações sobre Assistência às Vítimas para tornar possível o desenvolvimento de um Plano de Acção Nacional para Assistência às Vítimas para defender os direitos dos sobreviventes de minas/ERG em Moçambique. Os resultados da avaliação irão proporcionar a todas as partes interessadas a informação necessária para desenvolver respostas adequadas que possam melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes de minas/ERG e garantir os seus direitos no quadro mais amplo da deficiência. A publicação está dividida em 4 capítulos: Princípios e Valores de Referência fornecem o histórico necessário para compreender a situação das vítimas de minas/ERG, bem como os objectivos e a concepção da avaliação. Vítimas de minas/ERG em Moçambique apresenta a situação dos sobreviventes e vítimas de minas/ERG em Moçambique, hoje, através dos resultados baseados em evidências. Necessidades identificadas pelos sectores, apresenta os resultados qualitativos e quantitativos e sua análise, apresentada pelos sectores abrangidos em Assistência às Vítimas. Recomendações para o Plano de Acção Nacional para Assistência às Vítimas, apresentadas pelos mesmos sectores de intervenção e os eixos de intervenção, de acordo com o Plano de Ação de Cartagena. HANDICAP INTERNATIONAL Programa Moçambique Avenida Agostinho Neto no49 - C.P. 4331 Maputo Tel. +258 21 486 298 Fax. +258 486 302 [email protected]