Laudo Antropolgico do Grupo Autodenominado Tumbalal Bahia

Transcrição

Laudo Antropolgico do Grupo Autodenominado Tumbalal Bahia
Laudo Antropológico do Grupo Autodenominado Tumbalalá – Bahia
Os Tumbalalá
“Aqui é o tronco da aldeia e não é rama de Turká”.
Análise do processo da constituição da identidade indígena dos aldeados
do Pambu.
Mércia Rejane Rangel Batista
UFPB/UFRJ
Volume I
Julho – 2001
Rio de Janeiro
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“A ema gemeu no tronco do juremá
Foi um sinal bem triste, morena (...)
Você bem sabe que a ema quando canta
Vem trazendo no seu canto um bocado de azar”.
O canto da ema
(Ayres Vianna – João do Vale)
“Lá tem um pau
Que se chama a juremeira
Flores brancas e
Sementes pretas”
“Deus nos salve o meu cruzeiro
Deus nos salve a rainha
Deus nos salve a minha luz
Deus nos salve a jurema da aldeia Tumbalalá
Naê, naêoá”.
(Linhas do Toré Tumbalalá)
“Tuxí, Tuxá, Tumbalalá
Nação Turká
Caboclo de arco e flecha
Do tronco do Juremal.
(Rima recebida por Acilão, década de 40)
“Tuxí, Turká, Tumbalalá
Aldeia Costa Mar
Do tronco do Juremá”
(Rima ouvida na aldeia Tumbalalá)
“São três aldeias aqui amigas”.
“A aldeia é como um pau que a gente corta e ele broia”.
“Aldeia é onde dá o tronco”.
“Em primeiro lugar o cruzeiro, o cruzeiro é o símbolo da aldeia.
Quando vai dançar o toré tem que procurar o cruzeiro,
Se não tiver tem que levar e localizar o cruzeiro pra poder dançar.”
“Toda a vida sempre foi Tumbalalá. Ele falava que Assunção era lugar de
índios.
Aqui na Bahia ele falava que tinha esse dois lugares de índio.
Era na ilha (da Assunção) e aqui no Pambu.”
(Frases registradas durante o trabalho de campo junto aos Tumbalalá)
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Sumário
1 – Introdução ..........................................................................................................5
2 – Possibilidades e Limites da Construção desse Laudo Antropológico ................9
3 – Aporte Histórico .............................................................................................. 13
3.1. – Informações Históricas sobre o aldeamento de Rodelas ........................... 18
3.2. – Dados Históricos sobre o Pambú ............................................................... 30
3.2.1. – Pambu .......................................................................................................31
3.2.2. – Missão Velha e Pambú ............................................................................ 36
3.2.3. – Santo Antônio .......................................................................................... 37
4 – Os Tumbalalá .................................................................................................. 39
4.1. – Testemunhos de Tuxá ................................................................................ 53
4.2. – Versões das Lideranças Tumbalalá ............................................................ 58
5 – Pequena Etnografia sobre a esfera ritual entre os Tumbalalá ........................ 64
5.1. – O toré e o trabalho de mesa ...................................................................... 64
6 – Conclusão ....................................................................................................... 73
Bibliografia ............................................................................................................ 76
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Anexos
Anexo I –
Documentos Relativos ao Processo Nº 08620.2083/2000.
Anexo II –
Correspondência e documentação sobre e dos Tumbalalá.
Anexo III –
Mapas de Localização.
Anexo IV –
Índice das Fotografias.
Anexo V –
Fichas do Levantamento Realizado junto aos Tumbalalá
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1. Introdução
Este Laudo Antropológico do Grupo Autodenominado Tumbalalá – Bahia Os Tumbalalá - “Aqui é o tronco da aldeia e não é rama de Turká”. Análise do
processo da constituição da identidade indígena dos aldeados do Pambu, é o
resultado final do trabalho desenvolvido ao longo desse semestre. Iniciamos um
contato com a Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas – CGEP – Funai, em
junho de 2000, onde se colocava a possibilidade de realizar pesquisas
antropológicas que visassem atender ao pleito formulado pelos Tumbalalá.
Basicamente o grupo demandava o reconhecimento oficial da identidade indígena,
enquanto que, para o órgão responsável tratava-se de esclarecer a legitimidade
de tal demanda. Foi nesse contexto que aceitamos a tarefa e que agora se
cristaliza na presente peça.
O presente laudo fundamenta-se no trabalho de campo desenvolvido
durante o período do trabalho de campo, entre os dias 12 e 28 de fevereiro de
2001. O objetivo maior foi poder conversar com todos aqueles que se dizem
membros da aldeia.
O primeiro momento na localidade do Pambu foi aplicado em contatos mais
superficiais com alguns dos moradores. E, principalmente, com uma reunião onde
convidamos todos aqueles que podem ser chamados de representativos junto ao
grupo. Com tal movimento tivemos por meta esclarecer a abrangência do trabalho
que pretendíamos desenvolver, além de esclarecermos qualquer dúvida. Talvez
seja importante acrescentar que já tínhamos tido oportunidade de visitar os
Tumbalalá durante a execução de pesquisa junto aos Truká.
Diante das diversas versões que já circulavam no interior das localidades
(Pambu, Pedra Branca, Projetos), além do exemplo do processo Truká,
interessava-nos definir a etapa de trabalho que estava sendo desenvolvida. O
trabalho é de um Laudo Antropológico e não, como muitos imaginavam, uma
discussão sobre identificação de terra indígena. Além do que, não estávamos
imbuídos do poder definidor de verdades que pudessem envolver limites,
pertencimentos, cargos e autoridades.
O que foi acordado entre os presentes à reunião do dia 14 é que todos se
encarregariam de convidar todos os que fossem reconhecidos como sendo
Tumbalalá e que passaríamos a trabalhar no mesmo local onde estávamos
realizando a reunião, o que se justificava por ser o local onde se dança o toré,
além de possuir a casa na qual se realiza o trabalho da jurema e que nos permite
uma privacidade na hora das entrevistas. Por todas essas razões é que o São
Miguel tornou-se o lugar escolhido. Além do que, não iríamos realizar entrevistas
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em qualquer outro local para evitar que se fosse privilegiar uns em detrimento de
outros. É claro que poderíamos abrir exceções desde que fossem justificáveis.
Nos propomos a assistir ao toré e ao trabalho da jurema para efeitos de
registro tendo em conta o Laudo que deveríamos elaborar. Fomos então
confrontados com a existência de dois terreiros (São Miguel e Missão Velha)
associados a dois núcleos aglutinadores nas demandas dos Tumbalalá e a
escolha de um dos terreiros poderia ser percebido como a escolha de uma das
lideranças. Tentamos explicar que tal não estávamos fazendo, pois que o São
Miguel era um local já visitado anteriormente e pela antigüidade e localização
poderia ser visto como sendo mais representativo, o que não precisaria se
estender para seus representantes, como também não precisaria ser a negação
do outro terreiro e liderança. Aliás, esse era um momento em que não precisaria
ser preciso se debruçar sobre tais disputas internas e que estas diziam respeito
ao espaço articulador interno do grupo.
Finalmente, como as entrevistas buscaríamos um momento particular com
cada adulto, chefe de família e que permitiria, dentre outras coisas, levantar os
dados genealógicos, os momentos de maior destaque na história da família,
incluindo aí o local de nascimento, de moradia, de trabalho, a compra e a perda de
terras. E que tentaríamos ouvir um pouco sobre o que identificava essas pessoas
a identidade Tumbalalá.
Agradecemos todo o apoio já recebido e o que viríamos a receber.
Explicamos finalmente que não tínhamos muita noção do tamanho da tarefa,
porém, pretendíamos permanecer até o final do mês e que passaríamos todos os
dias disponíveis na casa/terreiro do São José e que conversaríamos com todos os
que aparecessem e assim o desejassem. Não era nosso papel proibir ou descartar
nenhum entrevistado e que tal questão, caso houvesse, deveria ser resolvida pela
comunidade.
A partir do dia 15 iniciamos o trabalho de entrevistas que foi encerrado no
dia 27, com um total de 187 fichas produzidas. Procuramos garantir privacidade
durante as entrevistas e com a autorização concedida individualmente realizamos
gravações, o que resultou em aproximadamente 30 horas. Assistimos o toré no
São Miguel no dia 17 e no dia 24, quando realizamos gravações e fotografias. No
dia 24 assistimos ao toré realizado no terreiro da Missão Velha quando
observamos os mesmos procedimentos. No dia 21 participamos do ritual da
jurema realizado no São Miguel quando pudemos fotografar e gravar as diversas
cantigas e diálogos que são parte integrante desse tipo de ritual. Tivemos a
preocupação de deixar claro que o nosso papel não era de fiscal ou de censor e
que a observação seria guiada pelas observações realizadas pelo próprio grupo.
Diante da importância revelada pelo grupo face as construções da igreja do
Pambu, do cruzeiro do São Miguel, do cruzeiro da Missão Velha e da localidade
chamada terreiro do toré, fizemos então visitas e registros fotográficos. São
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marcos na percepção que o grupo possui face ao processo de construção de uma
identidade coletiva e indígena.
A maior parte dos entrevistados é marcada pela compreensão de que esse
local foi no passado uma aldeia de índios, afirmação ouvida quando os avós e os
pais contavam a história do povoado e do seu entorno. Ao mesmo tempo, muitos
dos informantes fazem referência a uma avó, ou uma bisavó, ou mesmo um avô
ou bisavô que tendo sido um índio brabo terminou capturado e incorporado a
família dos não-brabos. O passado é marcado por alguém submetido ao dente do
cachorro e daí se recupera uma ascendência indígena. Ao mesmo tempo esse ser
“fantasmagórico” não é um transmissor de elementos culturais, sendo apenas
alguém usado na reprodução biológica do vínculo familiar. Porém, existe também
a noção de que vivem numa terra que foi aldeia e os hábitos ainda estão muito
presentes, por isso o terreiro e o dançar são elementos tão facilmente exibidos e
destacados.
Por outro lado ao nos depararmos com as disputas em torno do cruzeiro
que é efetivamente Tumbalalá podemos compreender o exercício de construção
do que é ser Tumbalalá, algo que não está ainda definido com clareza para os
próprios membros. Para muitos é importante se pertencer a uma família que seja
identificada como tradicional, ou dos que sempre viveram aqui, além do que estar
vinculado ao exercício do toré e do particular pode ser considerado relevante para
muitos. O lugar do individuo vai ser determinado, para muitos, pela existência de
um ascendente reconhecido como sendo índio, além de uma prática presente, o
que pode garantir o direito a identidade e ao futuro.
Durante os meses de março e abril nos preocupamos em organizar o
material coletado, proceder a digitação do diário de campo, das fichas com os
dados manuscritos, além da longa tarefa de degravação das entrevistas, e de
todas as linhas registradas ao longo dos trabalhos de Toré e de Mesa.
Concomitante, realizamos algumas investigações junto aos arquivos da
Biblioteca Nacional, do Museu Nacional e do Instituto Arqueológico, Histórico e
Geográfico do Rio de Janeiro. Buscávamos localizar documentos e/ou registros
sobre a instalação e o funcionamento do Aldeamento do Pambu. O resultado
como poderá ser visto é bem inferior ao desejado. Pois, basicamente não
ampliamos o conjunto de informações que já dispúnhamos quando iniciamos o
trabalho. Não foi possível estender a pesquisa aos arquivos existentes na cidade
de Salvador/Bahia, que talvez reserve algumas surpresas. Fomos guiados, no
entanto, por uma percepção que nos parece correta, qual seja, temos atestado a
existência inicial de aldeamentos indígenas anteriores a chegada dos missionários
na região identificada como submédio São Francisco. É o que se pode depreender
do registro do frei Martin de Nantes. Da mesma maneira podemos perceber que
essa região foi marcada pela instalação de aldeamentos missionáros, em especial,
nas ilhas e nas margens do rio. Nesse sentido o Pambu aparece precocemente
nos registros e o aldeamento, se bem que não nos foi possível acompanhar o seu
desenvolvimento, é correta afirmar sua existência. Por isso, mesmo sem
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descuidar da importância da documentação histórica, terminamos investindo numa
concentração sobre o processo contemporâneo e buscamos nele a discussão
sobre as balizas que estão condicionando a emergência desse grupo.
Finalmente, dispendemos os meses de maio, junho e julho no processo de
leitura e redação do presente laudo. Em alguns momentos nos foi possível
submeter os rascunhos do laudo a leitura e discussão de colegas da profissão que
nos ajudaram a melhor refletir sobre o processo Tumbalalá. É claro que o texto
final, e suas eventuais falhas e incorreções, é de nossa inteira responsabilidade.
Porém, certamente se mérito houver, deve-se a generosidade de tantos
ouvintes/leitores que colaboraram nesse processo.
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2. Possibilidades e Limites da Construção desse Laudo Antropológico
Ao aceitarmos a tarefa nos deparamos com as dificuldades inerentes à
construção de uma peça como é um laudo. Por essa razão buscamos estabelecer
uma balisa que fornecesse os parâmetros necessários ao nosso texto.
Basicamente nos apoiamos na coletânea “A perícia antropológica em processos
judiciais”. E foi a partir dos pontos levantados por Oliveira (1994:111-139) que
construímos nosso trabalho. Vamos destacar alguns pontos do texto e para tal
passaremos a transcreve-los, mesmo que seja algo um pouco extenso. Passemos
então.
Em Oliveira coloca-se a questão de se:
“o antropólogo pode efetivamente assegurar que um determinado grupo
humano é (ou não) ‘indígena’, isto é, mantém relações de continuidade com
populações pré-colombianas? Ou ainda, pode o antropólogo estabelecer,
tendo em vista tal grupo étnico, qual é precisamente o território que lhe
corresponde?”. (1994:116)
A resposta é afirmativa, pois que o antropólogo dispõe de competência
específica para discorrer e analisar tais assuntos.
Porém, o encontro entre a Antropologia e o Direito em meio aos processos
nem sempre é tranqüilo. É sobre tal campo de confluência que o autor volta a
levantar questões, em especial, sobre as expectativas que podem recair no
exercício antropológico. Por essa razão o presente texto chama-se “Os
Instrumentos de Bordo: Expectativas e Possibilidades do Trabalho do Antropólogo
em Laudos Periciais”, e se propõe a discutir questões de grande relevo para o
trabalho que nós desenvolvemos.
Passemos então a elas: a primeira questão versa sobre a problemática da
definição de um grupo étnico:
“A primeira questão que focalizarei incide sobre a problemática da definição
de um grupo étnico. De acordo com as concepções mais antigas do
evolucionismo e do funcionalismo, as unidades sociais em que vivem os
povos indígenas são pensadas de um modo naturalizado (vide Oliveira,
1988:25-35), segundo o modelo das ciências naturais. As expectativas do
senso comum relativas à atuação do antropólogo nos laudos periciais
caminham igualmente na mesma direção. Tal como os estudiosos da natureza
são capazes de, através da morfologia de animais e plantas, produzir a
identificação e classificação de um exemplar do mundo natural, também o
antropólogo deveria ser um especialista capaz de identificar e classificar,
pelas formas culturais que adotassem, os homens concretos dentro de
unidades sociais a que pertenceriam. Talvez a tarefa pudesse até ser
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substancialmente simplificada, pois como um animal falante, o próprio homem
seria capaz de auto-classificar-se.” (id. Ibid. : 118)
Porém, o que o texto coloca e problematiza é a complexidade da realidade.
Embora o senso comum almeje uma reprodução igual a ela mesma, o que temos
são formas culturais que quando comparadas aos organismos envolvidos em
transmissões genéticas, revelam heterogeneidade e irregularidas, e onde as
unidades sociais não são equivalentes das espécies naturais, com fronteiras
claramente delimitadas.
“E, principalmente, as unidades sociais mudam com uma velocidade e com
uma radicalidade sem precedentes no âmbito do processo de evolução
natural. As unidades sociais abandonam velhas formas culturais, recebem (e
reelaboram) algumas de outras sociedades, e ainda criam formas novas e
distintas. Nesse quadro de mutabilidade e instabilidade, como seria possível
assegurar que as unidades de que se fala são ainda as mesmas?” (id. ibid.:
118)
Considerando-se que os laudos periciais tem finalidades práticas, não se
trata apenas de poder dizer se uma etnia continua sendo percepida enquanto uma
unidade mesmo que apresente variações, “mas sim de afirmar (ou não) que,
considerando o momento presente e as alterações que sofreu, ela ainda continua
a ser uma etnia indígena?” (id. ibid.: 118) O que é preciso saber é se tais etnias
podem ser caracterizadas como indígenas.
Como faz ver Oliveira, em algumas situações o trabalho do antropólogo
encontra-se facilitado, em especial quando recai sobre grupos que mantém uma
forte distintividade face a padrões culturais da sociedade nacional. Porém, em
muitas outras situações a investigação pode ser mais difícil, pois que diante de
grupos étnicos que não apresentam uma língua e uma cultura visivelmente
contrastante com a sociedade regional, “têm sua condição de indígenas passível
de ser questionada em duas linhas (em parte complementares)”. (id. ibid.: 119)
“De um lado o senso comum argumenta que o elo de continuidade histórica já
foi rompido e que tais grupos com a aceleração do processo de aculturação,
acabaram por tornar-se inteiramente assimilado, e, portanto indistintos dos
restante da população brasileira. Tratar-se-ia então de ‘descendentes’ ou
‘remanescentes’, que ainda que conservassem elementos de memória ou
fragmentos (folclorizados) de costumes não poderiam mais ser caracterizados
como ‘índios’.
De outro lado, argumenta-se também, a cultura originária de um dado grupo
foi de tal forma modificada, sofrendo um tal desvirtuamento, que já nada lhe
resta de típico ou autêntico. Tratar-se-ia então de uma simples manipulação
da identidade étnica, onde em decorrência de vantagens materiais bem
definidas surgiriam ‘falsos índios’ e culturas indígenas ‘inautênticas’ ou
‘forjadas’.” (id. ibid.: 119)
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A solução apontada por Oliveira encontra-se na retomada do conceito
antropológico de grupo étnico. Em Max Weber já encontra-se a compreensão que
os elementos que compõem o fenômeno étnico (descendência comum, visão de
mundo, língua própria ou religião), não são suficientes para gerar uma
comunidade étnica. Para Weber a unidade de ação, isto é, o próprio grupo étnico,
só pode resultar em uma unidade quando se instaura uma vontade política. Do
mesmo modo, com a já clássica definição proposta por Fredrik Barth (1969) de
grupo étnico, que temos nos afastados da acepção do senso comum. Como nos
diz Oliveira:
“Os elementos específicos de cultura (como os costumes, os rituais e valores
comuns) podem sofrer grandes variações no tempo ou em decorrência e
ajustes adaptativos a um meio ambiente diversificado. O que importa,
contudo, é a manutenção de uma mesma forma organizacional, a qual
prescreve um padrão unificado de interação entre os membros e os não
membros daquele grupo. A metáfora utilizada é de um vaso (uma forma
organizacional ou padrão de interação), que aceitaria líquidos de diferentes
cores e texturas (os elementos da cultura) sem no entanto mudar sua
natureza básica.” (id. ibid.: 120)
Finalmente, devemos considerar que Barth afirma que um grupo étnico só
pode ser definido segundo critérios de pertencimento e exclusão por ele mesmo
elaborado. Ou seja, que um grupo étnico deve existir enquanto um conjunto de
categorias nativas utilizadas pelos próprios atores sociais. (Oliveira, 1994:120) Por
essa razão, seguindo o texto de Oliveira, deve-se buscar na realização dos laudos
periciais o antropólogo deve privilegiar a pesquisa sobre as categorias e práticas
nativas, pelas quais o grupo étnico se constrói simbolicamente, bem como as
ações sociais nas quais ele se atualiza. (id. ibid.:121).
Utilizando-se de um exemplo etnográfico não-brasileiro, o caso dos
Ndendeuli, Oliveira vai mostrar quão equivocado pode ser uma tentativa de
demonstração de uma continuidade atribuída a um grupo étnico através de uma
reprodução identica a si mesmo. Como é dito, ao final da rápida exposição:
“O exemplo citado mostra claramente como são equivocadas as expectativas
usuais do senso comum face ao processo de definição de uma identidade
étnica. Existir uma identidade que unifique e singularize uma população não é
de maneira alguma uma necessidade cultural, o que obviamente também é
verdade para povos indígenas (inclusive do Brasil) que ainda não passaram
por um processo de territorialização (vide Oliveira, 1993). Longe de ser um
aprofunda expressão da unidade de um grupo, um etnônimo resulta de um
acidente histórico, que freqüentemente é conceitualizado como um ato falho,
associado a um jogo de palavras e com efeito de chiste. Muitas vezes um
grupo dominado não é mantido como uma unidade isolada, mas é incorporado
a outras populações (igualmente dominadas ou, inversamente, frações da
população dominante), sendo dividido, subdividido e somado a outras
unidades de diferentes tipos. Esquartejado, montado e remontado sob
modalidades diversas e em diferentes contextos situacionais, qual a
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continuidade histórica e cultural que um tal grupo dominado pode ainda
apresentar?” (Oliveira, 1994:123)
Por isso não podemos pretender recompor a continuidade histórica dos
povos indígenas do presente. Como nos diz Oliveira “a única continuidade que
talvez possa ser possível sustentar é aquela de, recuperando o processo histórico
vivido por tal grupo, mostrar como ele refabricou constantemente sua unidade e
diferença face a outros grupos com os quais esteve em interação.” (id. ibid.: 123)
Depois de tão extensa digressão e apoiando-nos no que foi dito acima,
passaremos então a construção propriamente dita do laudo antropológico
Tumbalalá. Faremos uma pequena incursão histórica sobre a região, sobre o
povoado e sobre o grupo vizinho, que encontra-se já reconhecido. Finalmente,
procuraremos identificar o modo de ser, no atual momento, Tumbalalá, o que para
nós coloca-se como uma disputa em torno do passado, da história, e do
conhecimento adquirido capaz de garantir o exercício dos rituais religiosos.
Por isso, embora não desprezando a importância da pesquisa documental,
nos debruçamos sobre o caso Tumbalalá procurando relacioná-los com os Tuxá e
com os Truká e também explicar as razões de se ter instaurado a demanda pelo
reconhecimento oficial apenas em 1999.
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3. Aporte Historico
Os Tumbalalá formam um grupo indígena com uma população total de
difícil precisão no momento. Durante o trabalho de campo pudemos entrevistar
187 chefes de família, quase sempre correspondendo a um grupo doméstico
residindo em separado de outro chefe de família. Poderíamos avaliar como sendo
da ordem de 1500 indivíduos residentes na região e que reivindicam uma
identidade indigena, sem precisar os que vivem espalhados pela região. Estão em
processo de etnogênese, como se pode depreender da correspondência enviada
a Funai e que deu origem ao presente estudo antropológico.
“Nós, povo Tumbalalá da Aldeia de Nossa Senhora da Conceição do Pambu,
municípios de Abaré e Curaçá, Estado da Bahia, membros da nação Tapuia
Kariri, vimos mais uma vez a presença de V. Exª requerer a constituição de
um grupo técnico designado por esse órgão indigenista oficial para realizar os
trabalhos de reconhecimento étnico, identificação e delimitação de nossa terra
tradicional.” 1
Habitam a região do submédio São Francisco (povoado do Pambú), às
margens do rio São Francisco, ao norte do estado da Bahia. Estão localizados
numa região que sofreu intensamente o processo de ocupação dos agentes
colonizadores, através da propagação de fazendas de gado, tendo como
contraponto os missionários das diferentes ordens religiosas, envolvidos na luta
evangelizadora. Embora localizados no estado da Bahia, acreditamos que a
descrição feita anteriormente quanto a situação da região na qual localiza-se o
grupo indígena Truká é válido, apesar de estarmos no estado de Pernambuco.
A terra Indígena Truká localiza-se no município de Cabrobó, Estado de
Pernambuco. É formada pelo Arquipélago da Assunção compreendendo a ilha
grande e mais de 72 ilhas e ilhotas nas adjacências do rio São Francisco. A Terra
Indígena Truká é tradicionalmente ocupada pelo povo indígena Truká.
A Terra Indígena Truká fica na região conhecida por sertão de Cabrobó ou
sertão de Rodelas. A conquista do sertão do São Francisco deu-se mediante dois
agentes colonizadores: os representantes de ordens religiosas que vieram fazer
trabalho de catequese com os índios habitantes da região e os sesmeiros (ou
curaleiros) que foram as pessoas que receberam datas de sesmarias para formar
fazendas de gado. Fazendas e currais foram instalados na borda do rio São
Francisco desde Pernambuco até a Bahia. O principal foco de penetração das
fazendas de gado foi a Bahia, tendo ali se iniciando no final do século XVI, alcança
o rio São Francisco na metade do século XVII, subindo suas margens com ações
simultâneas de povoamento. A expansão dos currais prossegue em direção ao
norte chegando ao Piauí, daí retornando ao seu ponto de partida.
1
Carta endereçada ao Presidente da Funai em 30 de dezembro de 1999. O documento faz parte do Anexo II.
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Poder-se-ia dizer que na trilha dos curraleiros seguiram os missionários,
primeiro os jesuítas, depois os capuchinhos, franciscanos, beneditinos e
carmelitas, os quais estabeleceram seus aldeamentos nas margens do São
Francisco. Registros do final do século XVII destacam o conflito desde cedo
instalado entre missionários e curraleiros pelos controle das terras e da mão-deobra representada pelo índio aldeado. Após a expulsão dos holandeses, a Coroa
portuguesa cria a Junta das Missões para orientar e repartir a administração das
aldeias indígenas entre as ordens religiosas, consolidando-se, desse modo, a
presença missionária no sertão do baixo São Francisco.
O aldeamento da Assunção onde hoje se localiza a Terra indígena Truká foi
formado a partir de uma aldeia de índios Caririrs. Não é conhecida a data exata de
sua fundação, sabe-se, porém, que o frei Martin de Nantes ao visitar a região em
1671, fez referência a existência de aldeamento missionário na Ilha do Pambu. Os
padres carmelitas entre 1680 a 1701 estiveram incumbidos da administração dos
índios habitantes da Ilha do Pambu, entre outras missões de Pernambuco.
As primeiras referências à invasão da atual ilha de Assunção, então
chamada de ilha Pambú, são dos primeiros anos da década de 70 do século XVII,
quando o frei Nantes, deixou de fundar um aldeamento no local para evitar a
presença intensa de “proprietários” e do gado. Invasões gradativas da Ilha de
Assunção e ilhotas adjacentes aparecem em meados do século XIX. Um ofício do
diretor da Aldeia de Assunção, datado de 23 de julho de 1857 dirigido ao Diretor
Geral dos Índios da Província de Pernambuco, dá notícia de arrendamento
realizado sobre parte da ilha grande que vinha causando grande opressão aos
índios com perseguição e ameaças de expulsão das terras. O mesmo diretor faria
menção explícita às ilhas e ilhotas como parte do patrimônio da aldeia, solicitando
que o Presidente da Província ordenasse à Câmara de Cabrobó fazer a entrega
delas aos índios. Apesar das muitas tentativas de tomada do patrimônio do
aldeamento por parte dos moradores não indígenas de Cabrobó, há registros até
1870 que comprovam a persistência de índios no arquipélago.
Sobre o aldeamento de Santo Antônio do Pambú são poucas as referências
históricas. Talvez a mais importante já tenha sido citada no parágrafo anterior e
refere-se ao testemunho do frei Martin de Nantes que descreve o trabalho
missionário e refere-se a Missão do Pambú como sendo tapuias cariris, devido a
língua comum que falavam.
Segundo Rubert em 23 de novembro de 1700, o rei determinou que se
desse a cada uma das Missões uma légua de terra em quadra, de tal forma que
se pudesse prover o sustento dos missionários e dos índios, além de se exigir que
em cada aldeia existisse no mínimo cem casais. Dois anos depis, o Conselho
determinou que as Aldeias de Índios passassem a ser governadas pelos maiorais
das próprias nações, assistidos pelos missionários, pois que os capitães-mores
revelaram-se um grande fracasso. Após as convulsões provocadas pela invasão
holandesa, época em que os conventos foram, em parte, ocupados e
despovoados e os índios empregados na guerra, os franciscanos, não tendo mais
15
missões, em 1679, por disposição da Junta das Missões, reassumiram algumas
aldeias. O quadro é o seguinte:
1)
2)
3)
4)
5)
São Miguel de Una;
Santo Amaro na Alagoa do Norte;
Catu, na Bahia, com 2 missionários. Fundaram novos aldeamentos no Sertão.
Santo Antônio de Itapicuru de Cima (+/- 1689);
Nossa Senhora das Neves de Sahi (1697).
Aceitaram a
6) de Ssma. Trindade de Maçacará (fundação jesuítica e em 1695 ainda eram
dirigidos pelos jesuítas).
7) em 1697 aceitaram o aldeamento de São João Batista de Rodelas;
8) aceitaram uma aldeia em Camaragibe.
Quanto as missões dos Capuchinhos Franceses, a obra máxima sob tal tópico
continua sendo Martin de Nantes e sua Relação Sucinta... de 1706. Quando os
capuchinhos foram retirados do trabalho missionário no Brasil e recolheram-se em
Lisboa, a ordem estava encarregada das aldeias de Aracapá, São Pedro, São
João da Roela e Boldrina, mais tarde chamada Taypu. Porém, o prefaciador da
obra e que se encarregou de realizar as nostas, Barbosa Lima Sobrinho, fornece
uma informação diferente, pois cita Poquim (Pacatuba), Aramurus (Traipu),
Rodelas, Ilha das Vacas e Aracapá.
A Relação de Nantes é interessante porque encontramos registros sobre a
ocupação do sertão do São Francisco no final do século XVII. O autor chegou ao
Brasil em 1671, tendo então seguido para uma aldeia a 70 léguas de Pernambuco,
localizada numa nação de índios denominados Carirís, com os quais morava um
missionário capuchinho, o padre Teodoro de Lucé. Nantes então ficou durante 8
meses nessa aldeia e ficou sabendo por um índio que havia no rio São Francisco
uma grande quantidade de aldeias da nação Cariri e então transferiu-se para lá.
Ele primeiro voltou até a capital, e só então partiu para o rio, acompanhado por um
índio de 15 anos e que tinha demonstrado interesse em conhecer os cariris de
outra região. Durante o início da sua viagem teve ele a companhia do padre
Francisco de Domfront, que estava regressando da sua missão dos rodelas.
É importante destacar que determinar com total precisão onde se instalou cada
uma das aldeias/missão, já que além de ser difícil localizar pois as referências são
vagas, temos também os movimentos de deslocamento, fechamento e reuniões
de populações de diferentes aldeias numa só. O que pretendemos destacar é a
certeza de que, em certos momentos, a missão de Rodelas respondeu por
diferentes aldeamentos, incluindo ai a do Pambu.
Após essa primeira etapa de trabalho, nas duas aldeias de Uracapá e Cavalo,
Nantes parte para a fundação de outra aldeia. Ele passa então por Pambú, onde
encontra com alguns moradores, que lhe solicitam a fundação de uma aldeia na
16
Ilha do Pambú, pois ali existia uma “bonita aldeia de cariris”. Ele, no entanto,
termina optando pela fundação da aldeia de Uracapá, principalmente porque em
Pambú ele sofreria de forma mais inensa a presença de proprietários e do gado.
Nantes (1979:35 e ss). Passado algum tempo, em 1677, dois padres,
possivelmente Carmelitas ou Capuchinhos Franceses, fundaram uma aldeia cariri
na Ilha do Pambú. Basicamente, sua relação vai informar das dificuldades em se
realizar o trabalho, pis contava-se com a oposição sistemática dos sesmeiros e
curraleiros, interessados em diminuir a autoridade dos padres, para desta forma
obterem ascendência sobre os aldeados o que permitiria dispor de mão-de-obra e
também mais terras.
Em 1700, o bispo de Olinda, no seu relatório, cita as missões capuchinhas
dentro de seu bispado, que eram a da ilha de São Pedro, de índios Aramurus; a
de Rodelas, de índios Cariris; a de Aracapá, igualmente de Cariris, cujo
misisonário administrava outra aldeia; a da ilha da Árvore, também de Cariris. Em
cada uma destas aldeias havia um missionário. Na aldeia de Pambu, sob o
arcebispado da Bahia, em 1695 constam 3 missionários. Também entre os Cariris
da Paraíba havia uma missão dos capuchinhos, fundada em 1670 por Frei
Teodoro de Lucé, onde esteve, de início, Fr. Martin de Nantes.”
Segundo Frei Venâncio Willeke
Nome das Missões Padroeiros
01.Itapicuru
de
1
Cima
02.Massacará
03.Bom Jesus da
Jacobina
04.Saí
05.Juazeiro
06.Rodelas5
07.Massarandupió7
08.Jeremoabo
09.Pambu
10.Curral dos Bois8
11.Aracapá
12.Camamu
13.Salitre
14.Paigui
15.Catu9
16.Aricobé
17.Alagoas
18.Palmar
19.Una ou Iguna
Santo Antônio & N. S. da Saúde2
Fundadas(
F)
ou
Aceitas(A)
1689 (F)
Devolvidas(
D)
ou
Extintas(E)
1834 (E)
SS. Trindade
Bom Jesus da Glória
1689 (F)
1706 (F)
1854 (E)
1847 (E)
Nossa Senhora das Neves
Nossa Senhora das Grotas
São João Batista
Santo Antônio de Arguim
Nossa Senhora das Brotas
Nossa Senhora da Conceição
São Francisco e Santo Antônio
São Francisco
Nossa Senhora do Desterro
São Gonçalo
Santa Cruz
Santo Antônio
Nossa Senhora da Conceição
Nossa Senhora da Vitória
Santo Amaro
São Miguel
1697 (F)
1706 (F)
1697 (A)6
1831 (A)6
1702 (F)
1702 (A)6
1702 (F)
1703 (A)6
1703 (A)6
1703 (A)6
1703 (A)6
1719 (?)
1739 (F)
1679 (F)
1695 (F)
1679 (A)
1863 (E)
1840 (E)
? (D)
? (D)
1718 (E)
? (D)
1843 (E)
? (D)
? (D)
? (D)
? (D)
?
1860 (E)
1761 (E)
1699 (D)
1742 (D)
17
20.Coripós
21.Zorobabé
22.Unhunhu
23.Pontal
24.Pajeú
25.Cariris
Nossa Senhora do Pilar
Nossa Senhora do Ó
Nossa Senhora da Piedade
Nossa Senhora dos Remédios
Santo Antônio
Nossa Senhora do Pilar
1702 (A)
1702 (F)
1705 (F)
1705 (F)
1741 (F)
1705 (F) 10
1761 (E)
1761 (E)
1761 (E)
1761 (E)
1761 (E)
1724 (D)
1-As missões 1-7 constam em Notícia Geral de toda esta capitania da Bahia,
desde o seu descobrimento, até o presente ano de 1759, por José Antônio Caldas,
edição fac-similar, Bahia 1951, p. 60ss.
2-As missões ficavam nos seguintes Estados: nº 1 Sergipe resp. Bahia; nº 2-13 e
15 Bahia; 14 provavelmente Piauí; 16, outrora Pernambuco e hoje Bahia; 17-18
Alagoas; 19-24 Pernambuco; 25 Paraíba.
3-“Fundada” significa criada pelos franciscanos; “aceita” = assumida de outra
ordem.
4-“Devolvida” = entregue ao bispo; “extinta” = promovida a paróquia ou extinta.
5-Em 1758 era dos Capuhinhos.
6-Estas missões passaram poucos anos sob a administração franciscana, assim
como Arachá e Cararu.
7-Esta missão foi, durante algum tempo, dos Carmelitas.
8-Não confundir esta missão com a homônima dos Jesuítas entre Sentosé e
Malhadinhas.
9-Catu não aparece nos documentos franciscanos mas sim nos Documentos
Históricos, Rio de Janeiro 1942 (LV), p. 268.
10-As aldeias se compunham de índios destes grupos gerais. Nº 1-7 Tupinambá;
nº 2-5, 11, 24, 25 Cariri, Caibre; nº 6 Procá; nº 10 Guaimoré; nº 19-22 Tapuia.
Note-se que na descrição feita por Willeke do trabalho desenvolvido pelos
franciscanos durante o período de colonização vamos encontrar a ênfase do
porque estabelecer aldeamentos na região do submédio São Francisco. Observe
o item 3º, o que nos explica a presença do aldeamento da Assunção.
“Localização dos aldeamentos. Concentração no vale do São Francisco por
diversos motivos:
1º - o ouro atraía exploradores e aventureiros de toda a espécie, com grande
perigo da escravização para inúmeros índios;
2º - os sesmeiros queriam incorporar junto com a terra os índios;
3º - pontos prediletos para localização dos aldeamentos formavam as numerosas
ilhas do rio São Francisco por serem naturalmente defendidas da invasão dos
inimigos selvagens e civilizados. Ficavam, nas ilhas, as missões franciscanas de
Coripós, Aracapá, Pontal, Unhunhu, e Zorobabé.
4º - o rio São Francisco liga o norte ao sul do país. (pág. 81)
18
“A mudança de um aldeamento era, às vezes, aconselhada, senão exigida,
por se acharem esgotadas as terras e caças ou para evitar maus vizinhos.
Esta mudança, porém, dependia da permissão do governo.
É provável que os franciscanos tenham transferido uma ou outra missão,
desde que a recebiam de ordens religiosas, indispostos com vizinhos
importunos.
Extinguindo-se uma missão, os aldeados gostavam de recolher-se a outras
aldeias, como no caso de Jeremoabo.” Willeke (1974:88)
3.1. Informações Históricas Sobre o Aldeamento de Rodelas
Levantamento sobre a região passa pela história do chamado Sertão de
Rodelas, logo, da Aldeia do Rodela, tema que foi explorado em várias publicações
e estudos. Temos que enfatizar não só a proximidade geográfica, como também a
relação entre Aldeia do Rodela e o Termo Pambú. Passemos então aos dados
desse levantamento realizado.
Thomé de Souza em 1549 chegou ao Brasil para fundar a cidade de São
Salvador da Bahia de Todos os Santos. Chegam também, Garcia d´Ávila, os
Jesuítas, os mestres de obras, além de 320 soldados e 600 degredados. O
descobrimento da aldeia dos índios Rodela, ocorreu entre 1641 e 1646 e deu-se a
partir da expansão dos currais dos Ávila. O ciclo das missões catequéticas se
inicia com frei Francisco de Domfront entre 1670 e 1671 e se encerra com o
capuchinho italiano frei Luiz de Gúbio em 1862.
O primeiro Garcia d´Ávila, após 60 anos no Brasil, quando faleceu (em
1609) deixa em testamento, vastos domínios para o seu neto. Já era então
possuidor de muita terra ocupada por vastos currais, além de número expressivo
de rendeiros. Porém, a expansão territorial dos herdeiros da Casa da Torre
continua e com Garcia d´Ávila II, sertanista e capitão, que lutou na última fase da
guerra holandesa, conquistou o sertão de Rodelas, no rio São Francisco, em
1646. Em todos os documentos consultados reconhece-se que essa conquista
custou muito sangue indígena.
“Dizem o Capitão garcia D´Ávila e o padre Antônio Pereira que eles têm
descoberto o Rio de São Francisco lá em cima no sertão, onde chamam
aldeias de Rodelas, a qual terra descobriram eles suplicantes com muitos
trabalhos que passaram de fomes e sedes, por ser todo aquele sertão falto de
águas e mantimentos, abrindo novos caminhos por paragens onde nunca os
houve com muito risco de suas vidas e dispêndios de muita fazenda, resgates
que deram ao gentio para o poder obrigar ao conhecimento e povoação das
ditas terras em que despenderam mais de 2 mil cruzados de fazendas e
roupas com todas aquelas aldeias, que são muitas, e por meio das ditas
dádivas os ditos índios como naturais e senhores das ditas terras lhas
entregaram, e como tais as povoaram de gado”. Fonseca (1996:47)
19
Deparamo-nos, porém, com um problema – onde, inicialmente, se localizou
e onde teve vida a Missão de Rodelas, administrada pelo capuchinho francês, fr.
Francisco de Domfront? As aldeias eram muitas, tratava-se de uma nação, a dos
Procás, que povoava as duas margens do rio e as ilhas. O São Francisco dividia
em duas partes o sertão dos rodelas: a do norte, que se estendia ao Piauí e
pertencia à Capitânia de Pernambuco e a do sul, que compreendia uma larga faixa
do território baiano, à margem direita, com as famosas aldeias de Jacobina e
Geremoabo. Em território tão vasto é difícil indicar com exatidão o lugar da missão
fundada por Domfront. É provável que tenha se localizado na região ocupada pela
atual Belém de São Francisco em Pernambuco e arredores.
O Governador João de Lencastro autorizou a demarcação de terras para as
aldeias administradas pelo Centro Missionário de Rodelas, o que terminou
resultando na expulsão dos padres jesuítas por parte dos herdeiros da Casa da
Torre, que se opunham a tal medida. O Governador colocou nestes termos a
situação física das referidas aldeias:
1. Para a Aldeia de Achará, situada na ilha do mesmo nome (Achará, Axará,
Acará – grafam-se as três denominações indistintamente), sinalava a ilha de
Achará, sede da aldeia, a ilha das Éguas, a ilha de Uxucu e a ilha de Caburé, e
mais uma légua em quadra de terra firme do lado da Bahia, a ser demarcada
imediatamente defronte da ilha de Achará.
2. Para a aldeia de Rodelas à qual se anexava a aldeia de Arnhipó, sinalava as
ilhas de Jetinã, Vacayuviri, Viri Pequeno, Pedra e Araticu, e mais uma légua
em quadra de terra firme do lado da Bahia a demarcar-se imediatamente
defronte da ilha de Jetinã.
3. Para a aldeia de Sorobabé, situada na ilha do mesmo nome, à qual se anexava
a aldeia de Caruruz, sinalava essa mesma ilha e duas ilhas adjacentes, e mais
uma légua e meia em quadra de terra firme do lado da Bahia, a demarcar-se
em frente à ilha do Sorobabé.
Note-se que a descoberta não diz respeito unicamente a aldeia que deu nome
à cidade baiana de Rodelas e sim ao conjunto das aldeias do Rodela, que eram
muitas. A catequese dessas aldeias iniciada em 1671, situava-se, nos primeiros
tempos, no aldeamento desse nome, onde era o centro das missões, e incluía os
agrupamentos indígenas das ilhas vizinhas, Jetinã, Araticum e outras menores,
tudo isso a cargo de um único missionário. O padre assistia em Rodelas e visitava
as ilhas. Mais adiante, com os jesuítas, viria a incluir as aldeias das ilhas de
Acará, atualmente com o nome de ilha da Missão e Sorobabé, a primeira defronte
ao lugar hoje chamado Porto da Missão na Bahia e Belém do São Francisco em
Pernambuco.
Com os jesuítas aumentaria o número de missionários, de modo que havia um
no centro de Rodelas, onde também residia o Superior, um em Axará e um
terceiro em Sorobabé, ao lado de cada um dos quais estava um irmão, em regra
20
estudante, para auxiliar no trabalho de catequese. Com os capuchinhos italianos,
a posição residencial dos missionários não foi a mesma dos jesuítas. Certas,
nessa fase, eram as residências de padres em Rodelas e Acará. Já não aparece a
aldeia de Sorobabé, que, sem dúvida, continuou com os franciscanos. Assim, sob
o signo de boi e vaqueiro, beira-rio e caatinga, cacimba e paciente jordanear,
nasceria Rodelas para o mundo civilizado, enquanto começava a morte de seus
índios dia a dia mais reduzidos em quantidade.
Uma outra aldeia de índios Rodela ficava na ilha do Pambú ou Assunção, esta
na jurisdição de Cabrobó, segundo registro de Nelson Barbalho. Motivos para
termos dificuldades contemporâneas na questão de localização precisa de antigos
aldeamentos, incluindo aí a identificação. Vejamos a citação de Nantes:
“Um fidalgo me deu um excelente índio, o padre Anastácio me
emprestou outro e eu parti a pé, acompanhado de dois índios que o
padre Anastácio me confiou e de nosso negro, e do índio que eu havia
trazido da Paraíba. Chegamos a Rodelas depois de oito dias de
viagem. O padre Francisco de Domfront, de quem já falei, recebeu-nos
com muita alegria e caridade. Depois de um dia de descanso, seguimos
para Pambu, a cerca de vinte e duas léguas acima pelo curso do rio S.
Francisco. Tendo chegado cerca de meio dia à capela de Pambu,
construída pelos portugueses, toda de taipa, fomos descansar...
reúnem-se aí, pelo Natal e pela Páscoa, vindos de trinta légua e mais
em redor, para cumprirem as suas devoções... Tendo eu dizia, chegado
a Pambu, fomos descansar... Cegou então um homem honesto,
português, chamado Francisco Rodrigues... O português me perguntou
o motivo de minha presença. Declarando-o, ele manifestou toda a sua
alegria e pediu para que me instalasse na ilha do Pambu, bem defronte,
onde havia uma bonita aldeia de cariris”.
Destaque-se a coincidência de nomes – Pambu – terra firme da Bahia e ilha
de Pambu, locais diversos com o mesmo nome, ainda hoje existentes. Há, a
povoação baiana de Pambu e a ilha de Pambu, território pernambucano, hoje
denominado ilha da Assunção. Ainda hoje existe a capela do Pambu, com o seu
afamado Santo Antônio do Pambu, em terras baianas no município de Curaçá.
É certo que a povoação de Jatinã e a ilha de Jatinã integraram a Missão de
Rodelas por muitos anos, até o desdobramento das áreas juridicionais de
Pernambuco e Bahia, em 1728.
Havia uma aldeia, uma bonita aldeia na ilha de Pambu e sem dúvida a
capelania em Pambu – terra firme. Pambu, atual povoado do município de
Curaçá, foi terra importante nos velhos tempos. Elevado a freguesia em 1714,
quando se deu a criação da primeira vila do século, que foi a de Jacobina, em
1722, estava incluído na sua jurisdição e em 1724 era elevada à categoria de
distrito. Em 1872 foi conduzido à categoria de Vila e Julgado.
21
A nação procás, ou rodela, estava espalhada dos dois lados do rio e nas
ilhas.
“Já se disse que a missão alcançava, desde os primeiros dias, com fr.
Francisco Domfront, além do centro, localizado na aldeia de Rodelas, os
aldeamentos das ilhas Jatinã, Araticu e outras, menores, para citar as
relacionadas ao tempo de Francisco de Domfront. Possivelmente, também o
aldeamento de Jatinã, em Pernambuco. A partir da administração dos
jesuítas havia, além dessas, as aldeias de Arnipó e Caruru, em terra firme
baiana, e a das ilhas de Acará e Sorobabé. A aldeia de Caruru, que ficava
bem mais perto de Curral dos Bois que de Rodelas, e não se falava que fosse
da nação procás, em razão de dificuldades (desavença com os curraleiros), foi
anexada à de Sorobabé. Ainda com os jesuítas e na passagem dos
carmelitas, aparece também o nome da aldeia de Curumbabá, já referida, cuja
situação física se perdeu, sabendo-se apenas, segundo o registro adiante
indicado, que se localizava em terra firme do lado da Bahia, a qual, todos os
caminhos levam a entender-se como sendo a própria aldeia do Rodela.
Curumbabá seria, quem sabe, seu nome original, que os descobridores
mudaram portuguesmente em homenagem ao guerreiro Rodela, herói na
guerra contra os holandeses ou porque – com se há de saber? – aí se
apresentasse quando do descobrimento, à frente dos seus guerreiros, aquele
mesmo herói que Garcia d´Ávila talvez conhecesse. Os outros nomes originais
permaneceram inalterados – Arnipó, Sorobabé, Acará, e seus naturais eram
também gente da nação procás, que veio a receber o nome português de
Rodela. O padroeiro desse Curumbabá, era São João Batista, o mesmo da
aldeia do Rodela, hoje cidade de Rodelas, à qual correspondem, igualmente,
as indicações de localização. Não parece haver dúvida sobre a dupla
denominação. Além de serem os mesmos o orago e a localização, é a mesma
a nação – procás. Depois disso, no escrito em que é incluída a aldeia de
Curumbabá, falta o nome da aldeia do Rodela, não recusado em qualquer
outro relatório. Quer dizer, ao tempo dos jesuítas mudou-se o nome da aldeia,
que assim continuou com os carmelitas. Quando da expulsão dos jesuítas, lá
estava nessa Curumbabá, o índio Francisco Rodela tentando defender os
seus missionários. Aliás, na era dos missionários italianos desaparece, em
definitivo, o nome – Curumbabá e reaparece o nome – Rodela. (id. Ibid:
37/38).
“Lista das noves missões de que os carmelitas descalços tinham tomado posse ou
iam tomar, enviada a Dom Pedro II pelo fr. André de S. Batista em 20 de setembro
de 1702.
1 – A missão de S. João de Curumbabá, em que assistiram os muitos reverendos
padres da Companhia de Jesus, a qual fica em terra firme da parte da Bahia, a
nação dos índios que nela assistem se chama porcaz.
2 – A missão de Arinhipó, da mesma nação de índios, em terra firme, foi
administrada pelos Reverendos Padres da Companhia, dista uma légua da acima
referida.
22
3 – A missão da ilha de Axará com invocação de Nossa Senhora de Belém da
mesma nação de porcaz, na qual assistiram os Reverendos Padres da Companhia
de Jesus”.
“O apostolado missionário teve início nos dois centros principais: Rodelas e
Aracapá. No primeiro nasceram Axará, Caruru e Sorobabé (estes dois foram
incorporados num só aldeamento, denominado nos documentos como Caruru
no Zorobabé). A Aldeia de Rodelas era formada por seis ou sete ilhotas, entre
as quais Setinã, a maior, e Araticu. Nelas viviam os setecentos índios
catequizados para os quais os missionários pediam uma légua quadrada de
terras às margens do rio do lado da Bahia”. (Fonseca: 1996:39
Seguindo Barbosa Lima Sobrinho temos a informação que em 1749, na
relação das aldeias de Pernambuco, na Informação Geral da Capitania de
Pernambuco e publicada no volume XXVII dos Anais da Biblioteca Nacional,
encontravam-se na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Rodelas,
que tinha como sede a ilha de Assunção, antiga Pambu, as seguintes aldeias,
incluídas na jurisdição pernambucana:
-
Aldeia da Missão de S. Francisco do Brejo, situada na Ribeira do Payaú, o
missionário é religioso franciscano, tem várias nações tapuias.
Aldeia de Nossa Senhora do Ó, situada na ilha do Sorobabé, o missionário é
religioso franciscano, tem duas nações de tapuias, porcás e brancarurus.
Aldeia de Nossa Senhora de Belém, na ilha de Acará, o missionário é
capuchinho italiano, tem duas nações de tapuias, porcás e brancarurus.
Aldeia do Beato Serafim, situada na ilha da Varge, o missionário é capuchinho
italiano, tem duas nação de tapuias, porcás e brancarurus.
Aldeia de Nossa Senhora da Conceição de Pambu, o missionário é
capuchinho italiano, tem uma nação de tapuias cariris.
Aldeia de S. Francisco, situada na ilha de Aracapá, o missionário é capuchinho
italiano, tem uma nação de tapuias cariris.
Aldeia de S. Felix, situada na ilha do Cavalo, o missionário é capuchinho
italiano, tem uma nação de índios cariris.
Aldeia de Santo Antônio, na ilha Irapuá, o missionário é capuchinho italiano,
tem uma nação de índios cariris.
Aldeia de Nossa Senhora da Piedade, situada na ilha de Inhamuns, o
missionário é religioso franciscano, tem uma nação de tapuias e cariris.
Aldeia de Nossa Senhora do Pilar, na ilha de Coripós, o missionário é religioso
franciscano, tem uma nação de tapuias coripós.
Aldeia de Nossa Senhora dos Remédios, situada na ilha do Pontal, o
missionário é religioso franciscano, tem uma nação de tapuias tamaquiús.
Aldeia de Senhor Santo Cristo, situada em Araripe, o missionário é religioso
capuchinho italiano, tem uma nação de tapuias ialna. (42)
23
Observemos que as aldeias do São Francisco eram quase todas nas ilhas, e
assim, em territórios pernambucano. Mesmo a Missão de Rodelas, sediada em
terra firme da Bahia, incluía os ilhéus da proximidade.
Pietro Vittorino Regni apresenta para o mesmo período uma relação quase
idêntica, das aldeias administradas pelos capuchinhos italianos.
“As missões capuchinhas do São Francisco eram as seguintes:
1 – Nossa Senhora de Belém, situada na ilha de Axará, o missionário é
capuchinho italiano, tem duas nações tapuias: procás e brancarurus.
2 - Aldeia do B. Serafim, situada na ilha da Vargem, o missionário é capuchinho
italiano, tem duas nações tapuias: procás e brancarurus.
3 – Aldeia de N. S. da Conceição, situada na ilha do Pambu, o missionário é
capuchinho italiano, tem uma nação de tapuias cariris.
4- Aldeia de S. Francisco, situada na ilha de Aracapá, o missionário é capuchinho
italiano, tem uma nação de tapuias cariris.
5 – Aldeia de S. Felix, situada na ilha do Cavalo, o missionário é capuchinho
italiano, tem uma nação de tapuias cariris.
6 – Aldeia de S. Antonio de Irapuá, o missionário é capuchinho italiano, tem uma
nação de tapuias cariris”.
Registrou-se fartamente a convivência da nação procás, ou rodelas, com a
nação brancarurus. Em mapa geral das missões sujeitas à jurisdição da Bahia,
José Antônio Caldas lista 35 aldeias das quais 13 administradas pelos jesuítas, 5
pelos franciscanos, 4 pelos capuchinhos, 5 pelos carmelitas, 8 pelos padres dos
hábitos de S. Pedro. É apresentado com destaque o registro da aldeia de
Rodelas, na Bahia e a de Porto da Folha, em Sergipe.
“Rodelas, Termo de Pambu, Paróquia de S. Antônio de Pambu, padroeiro S. João
Batista, diocese da Bahia, Capitania de Sergipe d´El-Rei, Comarca de Jacobina;
terra possuída: uma légua, 200 almas, tribo procás, distancia da Bahia 170 léguas
– esta, a situação de 1749.
Ia-se pelo ano de 1713, quando os capuchinhos italianos receberam as
missões do São Francisco, iniciando-se pela Missão de Rodelas, de onde, em
1696 haviam sido expulsos os jesuítas. Até 1713 a administração foi dos
carmelitas. Com os capuchinhos italiano, a aldeia de Sorobabé já não integra a
área da Missão de Rodelas, ali permanecendo, um franciscano.
Em J. Capistrano de Abreu um mapa de aldeia de índios oferece a mesma
informação, com diferença para o nome da tribo indígena que se registra como
sendo piriás:
“Rodelas – termo de Pambu, paróquia de S. Antônio do Pambu, padroeiro S.
João Batista, diocese Bahia, missão dos Capuchos italianos, capitania
Sergipe, comarca Jacobina, extensão de terra, uma légua, 200 almas, gentios
24
que a habitavam, piriás, distância da Bahia 170 léguas. Nunca foi vila”.
Antonil registrou a distância como 80 léguas e Vieira como sendo de 120
léguas. O nome da tribo – piriás, que pode ser também priás, muito
semelhante aos procás. Quanto a terra “possuída”, não se encontra
nenhuma documentação que apoie tal afirmação, é provável que tenha se
limitado a tentativa de demarcação por parte dos jesuítas, que resultou na
expulsão dessa ordem religiosa.
Quem eram os índios Rodelas ao tempo do descobrimento? Uns dizem –
tapuias, e é certo porque o nome define o índio do sertão, em oposição ao tupi,
que é do litoral. Outros afirmam que são ramo do tapuia cariri, gente da etnia gê.
Os cariris, mais numerosos, subiam nordeste acima até a Paraíba, alcançavam a
margem direita e desciam a Jacobina e Canabrava, enquanto os Rodela, de
menor população, eram beiradeiros e ilhéus no vale do Rio São Francisco.
Hohenthal em relatório sobre os índios Tuxá, encaminhado ao SPI, em 1960,
registra a seguinte informação: “Aronderas (Rodelas, Rodeleiros). Uma tribo
´tapuya´, que viveu ao longo do Rio São Francisco no século XVII, segundo Piso
MarcGraf Martius comenta em seus Beitrage que essa tribo não podia ser
identificada por seu nome, desde que rodela significava simplesmente um
ornamento labial em português, mas Barbosa Lima Sobrinho sugere que esse
nome vem de um pequeno escudo de forma circular que usavam os índios dessa
região. De acordo com Accioli de Cerqueira, os Rodeleiros foram, durante algum
tempo, aliados dos Acroás, reduzidos pelos jesuítas em 1751. Os acroás em
outros tempos chegavam até a Comarca do Rio São Francisco. Pinto classificava
os Rodelas como cariri, mas não apresenta justificativa para essa classificação.
(45/46). Pode-se então afirmar pouca coisa, a não ser que estamos em região em
que o processo de aldeamento inicia-se no século XVII, em meados, com a
participação de diversas ordens religiosas, que entraram em conflito com os
chamados curraleiros. Que alguns autores vão identificar a tribo Rodela como
sendo da nação procás e que a aldeia do Rodela pode ser identificada com a
aldeia de Curumbabá, ao mesmo tempo que podemos afirmar que sob o nome
Rodelas recaiam diversos outros locais de aldeamentos, não exclusivamente o
que passou a ser identificado como município de Rodelas.
O problema é que faz-se necessário separar Rodelas, a aldeia indígena
baiana, da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Rodelas, na ilha de
Assunção, Cabrobó, Pernambuco, bem como da região cariri, denominada Sertão
de Rodelas.
“Em documento de 1700 encontramos o nome de S. Francisco de Rodelas,
referindo-se à aldeia de Pambu. Como haviam freqüentes deslocamentos de
índios de aldeia para aldeia, a critério, ora do governo, ora do sesmeiro, ora
dos próprios missionários, poderia ter ocorrido que algumas famílias dos
índios Rodela, que segundo o registro inicial, eram tapuias do grupo procás e
habitavam nas proximidades, por exemplo nas ilhas da Vargem, Acará, Jatinã,
Sorobabé e outras, além de em terra firme em Jatinã, Tacuruba e Pajeú, tudo
isso da jurisdição de Pernambuco, e Rodelas e Arnipó, na Bahia, fossem
25
deslocadas para a ilha do Pambu, onde, segundo Nelson Barbalho, tinha
assento a mais importante aldeia dos Rodelas. Ou poderiam ter sido
reduzidos e confinados na ilha, índios Rodela acaso esparsos. Também
poderiam já aí se encontrarem, quando da chegada de Martinho de Nantes,
sem que este atentasse para a sua coexistência lado a lado com os cariris,
como estavam, na vizinhança, em convivência com os brancarurus.”
Em documentos de 1757 faz-se referência aos índios Rodela de Cabrobó,
não antes disso em termos de documentação localizada. Porém, em 1672 os
índios da ilha hoje denominada Assunção foram chamados de cariris – em
Martinho de Nantes na sua Relação:
“Manifestou toda a sua alegria e me pediu para que me instalasse na ilha de
Pambu, bem defronte, onde havia uma bonita aldeia de cariris”. Cinco anos
depois, em 1677, “o padre Anastácio de Audierne e o padre José
Chateaugontier haviam chegado e fundado cada um a sua aldeia de cariris,
também no rio abaixo, o primeiro no Pambu e o padre José a duas léguas
para cima”.
Note-se que não se registra aldeia no povoado baiano de Pambu, somente
uma capela portuguesa. Essa antiga e influente povoação entrou em decadência
a partir do século XIX, ao ponto de perder a condição de vila e julgado. Somente
na ilha de Pambu, depois batizada por ilha de Assunção, não em terra firme
baiana ou pernambucana em frente à ilha, fala-se na aldeia que fora inicialmente
chamada de cariris e em data não definida passou a ser indiferentemente
denominada, nos documentos oficiais de Pernambuco, ora aldeia de N. S. da
Conceição, ora aldeia de Rodelas, ora Rodelas de Cabrobó e, parece que por via
disso, entrou no registro histórico como aldeia de Rodelas. Essa ilha, com cerca
de cinco léguas de comprimento e entre três e seis quilômetros de largura, está
defronte de Pambu, no lado baiano, e de Cabrobó, no lado pernambucano.
(Fonseca.1996:50/51).
A região que se chamou Sertão de Rodelas, seguindo diversos autores,
estava á margem esquerda do rio São Francisco, “banda de Pernambuco”, desde
o rio Pajeú até o rio Carinhanha, indo para o centro até à Paraíba e Piauí, com
incursões ligeiras à margem direita. É uma vasta região que cobre nos dias de
hoje trechos localizados em quatro estados. O certo é que os curraleiros do São
Francisco aprofundaram-se até alcançar terras hoje integradas aos Estados do
Maranhão, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte e que a área referenciada
coincidia com as terras dos Ávila.
Para Fonseca a denominação de Sertão de Rodelas para essa enorme
extensão territorial é puramente teórica. E se tentar depreender da denominação
uma vinculação exclusiva com um grupo indígena, então todo o Sertão de Rodelas
seria o território exclusivo dos chamados índios do Rodela. O que nos parece
bastante improvável.
26
Os documentos situam os índios Rodela, que são o ramo “beradeiro” e
“ilhéu” dos tapuias, nos terrenos férteis e irrigados naturalmente pela enchente
anual do rio São Francisco dos dois lados e suas ilhas, entre a foz do Pajeú e
Cabrobó de um lado, do outro entre Sorobabé e Pambu, não mais que isso. Por
sinal, foi aí que prosperaram as missões de catequese, primeiro com os
capuchinhos franceses, depois com os jesuítas, continuados pelos carmelitas,
depois com os capuchinhos italianos. As diferentes denominações para as várias
tribos da região, deixam claro que muitos povos indígenas a ocupavam, e isso
eqüivale a entender que o designativo rodela para tanto espaço pertencente a
tanta gente, é algo que se pode ter como simbólico.
Já Rodelas, a aldeia baiana, tem esse nome desde o seu descobrimento em
1646 e o transferiu à cidade. Está à margem direita do lago de Itaparica nas
proximidades do local onde, à margem do rio, foi descoberta como aldeia e veio,
depois de passar pela escala de vila, a ser cidade.
A colonização e o
povoamento no São Francisco, como em toda a área dominada pela Casa da
Torre, se deu por via do arrendamento de terras. Os colonizadores só tinham
como alternativa o papel de rendeiro e dependente. (Fonseca, op. cit.:53)
A origem dos nomes – Rodelas, Rodela, Rodeleiro. Nelson Barbalho diz que
“o vocábulo rodela provém do formato de um escudo circular usado pelos tapuias
com arma de guerra. Já Souza Ferraz, citado por Barbalho, diz que a foi a forma
material desse instrumento bélico, semelhante a uma pequena roda – rodela -,
que deu o nome a um dos mais valorosos combatentes da tribo – o índio
Francisco. Ao prenome Francisco foi acrescentado o nome Rodela, passando a
chamar-se Francisco Rodela. Mas, como a tribo era substantivo coletivo,
continua, a expressão começou a ser usada no plural e, assim, o índio guerreiro
ficou sendo chamado Francisco Rodelas. E a região em que dominavam aqueles
indígenas, recebeu o topônimo de Sertão de Rodelas. Quem habita a região de
Rodelas é rodeleiro. (citado por Fonseca,op. cit.:55)
Barbalho diz que as comunidades da nação rodeleira receberam
denominações distintas, algumas ligadas à geografia regional, outras fundadas em
fatores diversos. Os índios da ilha de Cavalo, de Aracapá e Pirapora, o de Cariris.
Na ilha de Assunção, foi situada a mais importante aldeia dos tapuias, a qual
recebeu a denominação de Aldeia de Rodelas.
Nantes deu aos índios da ilha de Pambu (depois Assunção) o nome de
cariris, da mesma forma que aos das ilhas de Aracapá e Cavalo, e não os
denominou rodelas ou os disse da nação procás na ilha. Serafim Leite e Barbosa
Lima Sobrinho, em 1639, o índio Rodela destacava-se na luta contra o invasor
flamengo. Provavelmente não recebera ainda o nome de Francisco, uma vez que
a referência nominal limitava-se a – índio Rodela. Não se explica a aposição do
nome. Em 1646 temos o requerimento de uma sesmaria nas recém descobertas
terras dos índios chamados Rodela. Em resumo, a referência histórica fixou-se no
chefe – o índio Rodela, segundo se lê em Serafim Leite. E foi a partir dele, que o
nome se estendeu à tribo guerreira dos Rodela, vindo a pluralizar-se ao tempo do
27
descobrimento – “aldeias dos índios rodela, que são muitas”. No requerimento da
sesmaria, cinco anos da ação heróica, se dizia aldeias dos índios Rodela. Mais
tarde o cacique se batizaria, recebendo o nome de Francisco, sendo,
possivelmente, fr. Francisco de Domfront o autor do batizado.
O nome de Sertão de Rodelas dado à extensa região ocupada pelos cariris,
procás e tantas outras nações tapuias de diversas línguas, que pode ter-se
originado tanto do nome do chefe guerreiro Francisco Rodela, quanto da nação
dos Rodela.
Barbalho põe o índio Francisco Rodela na aldeia dos Rodelas de Cabrobó,
ponto que parece equivocado à Fonseca, pois o índio Francisco Rodela não era
cacique na aldeia de Assunção, mas na aldeia de Rodelas, terra baiana. – “Nesse
mesmo mês de agosto de 1674, dia 29, segundo o livro de Registro de Patente, do
Estado do Brasil, arquivado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, são
nomeados capitães os índios Francisco Rodelas, encarregado da chefia da aldeia
dos Rodelas, em Cabrobó, e Thomé de Urarã, encarregado do comando dos
cariris da ilha de Aracapá, sendo ambos os documentos assinados pelo
governador-geral Afonso Furtado de Castro do Rio e Mendonça, Visconde de
Barbacena”. (in Barbalho, Nelson, Cronologia Pernambucana, Volume 4°, tópico
622, página 157).
O documento completo diz: “Patente de Cap. dos Índios da Aldea do Rodella
no Ryo de S. Francisco provida em Francisco Rodella. Affonso Furtado de Castro
de Mendonça. Por quanto convem prover o posto de capitam da Aldea do Rodella
no Ryo de Sam Francisco, e que seja em pessoa de valor e experiencia militar:
tendo eu consideraçam ao bem que todas estas partes concorrem na de Francisco
Rodella, Índio de naçam: esperando delle que em tudo o de que for encarregado
do serviço de Sua Alteza se sucederá muito conforme as obrigações que lhe
tocarem a confiança que faço de seu procedimento... Hei por bem de o elleger e
nomear como em virtude da presente elejo e nomeio Capitam da referida Aldea
para que como tal o seja, use e exerça com todas as honras, graças, franquezas e
liberdades que lhe tocam e costumam gozar os mais capitaens de semelhantes
aldeas deste Estado. Pelo que ------ (danificado) por me tido e ordeno aos oficiais
maiores e menores ----- (danificado) ordenanças deste Estado ----- (danificado)
honrem e estimem e refutem por tal Capitam da referida Aldea e os mais índios
della façam o mesmo e obedeçam como devem, e são obrigados. Para firmeza do
que lhe mandei passar a presente sob meu sinal e sello de minhas armas a qual
se registrará nos livros a que tocar. Antonio Garcia a fez nesta cidade do Salvador,
Bahia de Todos os Santos, em os vinte e nove dias do mez de agosto. Anno de
mil seiscentos e settenta e quatro. Bernardo Vieyra Ravasco a fiz escrever.
Affonso Furtado de Castro Ryo de Mendonça.
Desta mesmo se passou outra no mesmo dia e hora Capitam dos kariris da
Ilha de Arracapá em Thomé de Urarã”.
28
O ponto destacado é que a aldeia dos Rodelas no Rio São Francisco foi a
sede da Missão de Rodelas. Quanto a aldeia dos Rodela em Cabrobó (Ilha de
Assunção, ex-Pambu), trata-se de outra história, em alguma medida,
independente da história dos chamados índios rodeleiros. É a tese defendida por
Fonseca (59).
Independente da nossa capacidade em distinguir e identificar os antigos
grupos indígenas que habitavam a região chamada Sertão de Rodelas, no período
compreendido no processo de incorporação da região, podemos registrar fatos
sobre os chamados índios cariri: Regni diz que “os cariris do sertão baiano e do
médio e baixo S. Francisco se mantiveram em bom relacionamento com os
portugueses, como foi observado pelo Pe. Fernam Cardim que os descreveu
como amigos destes”. O mesmo pode-se afirmar quanto aos índios Rodela, que
acolheram muito bem os descobridores. E que a partir de 1671 iniciou-se a
catequese dos índios Rodela, com a presença de missionários, e com o início de
conflitos envolvendo os curraleiros.
Para alguns estudiosos os Rodela fariam parte da nação cariri, cuja língua se
aproximava. Para outros estaríamos diante de um grupo gê, e teriam
originalmente o nome procá, constituindo-se assim uma nação distinta. Nação
aqui entende-se como povos que formam um grupo lingüístico distinto. As
informações são muito escassas e não nos permite aventar nada mais sólido.
Os índios do sertão do nordeste eram chamados de tapuias, em
contraposição aos índios do litoral, que eram chamados tupi, existindo rivalidade
entre eles. Porém, os chamados tapuias não formavam uma etnia, não tinham
uma língua comum, não eram um povo, senão muitos. Com o nome de rodelas,
era indicado um grupo de índios distintos dos cariris, que viviam na beira rio São
Francisco dos dois lados, nas margens de seus afluentes e nas ilhas, numa área
limitada entre Sorobabé e Pambu, na Bahia, Pajeú e Cabrobó em Pernambuco.
Segundo Regni “entre os indígenas localizados nas ilhas ou às margens do
S. Francisco ou espalhados pelo sertão nordestino, o grupo mais importante era o
dos cariris. A eles se juntaram outras tribos gês, como os procás, chamados
também rodelas”. (67 – Regni, Pietro. Os capuchinhos na Bahia, volume 1, pág.
133)
“Em 31 de julho de 1639, D. Francisco Mascarenhas, Conde da Torre, já
instalado na Bahia, com sua esquadra vinda da Europa para atacar
Pernambuco e tentar arrasar em definitivo o Brasil-Holandês, resolvendo tática
diferente, em combinação com o governador-geral, manda que Felipe
Camarão marche por terra, com seus índios, a fim de, atravessando o rio São
Francisco, penetrar no Sertão de Rodelas e, na aldeia indígena ali existente,
procurar entendimento com seu chefe, o Índio Rodela, convocando mais
guerreiros para a luta e requisitando-lhes bastimentos, depois do que,
devidamente preparado, desça dos sertões pernambucanos e invada a Mata
do Litoral... “ (Nelson Barbalho citado por Fonseca, pág. 68)
29
Os Capuchos Franceses – As Missões entre Rodelas e Aracapá – Se
podemos determinar o início da Missão de Rodelas, porém, não podemos fazer o
mesmo quanto ao início do trabalho do fr. Francisco de Domfront. Sua chegada
ao Brasil deu-se em 1699 e sua presença em Rodelas é registrada em 1671.
Continuou sua missão entre os Rodela seguramente até 1677, quando Martinho
de Nantes refere-se a ele indicando-o como vizinho, talvez até 1685, quando todas
as aldeias que estavam a cargo dessa ordem passam aos jesuítas. Está
registrado sua volta à França entre 1686 e 1687:
“Com relação a atividade desenvolvida por fr. Francisco de Domfront entre os
Rodelas, sabemos somente o que é relatado por fr. Martinho de Nantes. Em
1677, ele se achava certamente naquela missão. E é igualmente certo que,
pelo fim de 1686, não trabalhava mais aqui no Brasil. Os documentos daquela
época não falam de outros capuchinhos franceses que o tenham substituído
ali, por isso, é lícito se supor que seus sucessores imediatos foram os jesuítas,
cuja atividade no sertão dos Rodelas remonta a 1685, ao tempo da visita do
padre João de Barros e de seus confrades à missão francesa de Aracapá”.
(Frei Agatângelo do Crato, citado por Fonseca, pág. 81)
Continua dizendo que graças aos poucos documentos, não se pode detalhar
a origem das missões na bacia do São Francisco, nem o papel desenvolvido ali
por fr. Francisco de Domfront e de Anastácio d´Audierne. “Juntar-se-ia aos padres
Martinho de Nantes e Anastácio de Audierne, nas ilhas da região de Pambu /
Aracapá, o padre José Chateaugontier logo em seguida à vinda de fr. Audierne em
1677. Isolado em Rodelas, 22 léguas abaixo de Pambu, ficava fr. Francisco de
Domfront. Lá em baixo, 60 léguas de Rodelas, mais isolado ainda estava fr.
Teodoro de Lucé. Por volta de 1685 o padre Francisco de Domfront era
substituído em Rodelas pelos jesuítas em 1686, o padre Martinho de Nantes viria
para a Bahia, onde fundou o Convento da Piedade, sendo substituído em sua
missão são-franciscana por fr. Bernardo de Nantes. Em 1702 deixou o Brasil o
último missionário capucho francês, sem substituição por membros da mesma
ordem. Não podemos deixar de mencionar a perseguição encetada pela Casa da
Torre contra o trabalho de catequese desenvolvido por essa ordem religiosa na
região em discussão. Os franceses foram-se, mas a perseguição do curraleiro-mor
e seus rendeiros continuou, voltada agora contra os sucessores na obra da Igreja,
especialmente os carmelitas e os jesuítas. Vejamos como se davam as práticas
de catequese e colonização nessa região. Para tal vamos transcrever trecho de
Martinho de Nantes:
“Pelo coronel Francisco Dias d´Àvila, a quem pertenciam as terras do São
Francisco, numa extensão de trinta léguas para baixo e mais de cem para
cima, recebi ordem do governador da Bahia, em cumprimento da qual fui
obrigado a partir com os índios das quatro aldeias (em rodapé indicam-se
Rodelas, Pambu, Ibó e Aracapá), aos quais se reuniram outras aldeias. Eu
quis escusar-me, porque com a minha ausência ficavam as aldeias sem
pastor. O padre Anastácio não podia vir em todas as ocasiões precisas, tão
30
prontamente, para socorrê-los espiritualmente, e nem tão pouco o Padre José.
Mas os índios que deviam seguir para a guerra protestaram dizendo que lá
não iriam sem mim, e alegaram razões justas. Diante disso, parti com eles e
todos os portugueses, formando 120 homens todos a cavalo.” (Fonseca, pág.
84)
Missão dos Jesuítas em Rodelas e o processo de expulsão. Serafim Leite,
padre e historiador da Ordem nos informa que o fundador das Missões de Rodelas
foi o Padre João de Barros. Em 1669 os padres jesuítas saíam das Missões de
Jacobina e em 1673 a retomavam, com a reconstituição da Aldeia de Sta. Teresa,
em Canabrava. Nesse interregno a ordem vai passar pela Missão de Rodelas. “O
fundador das Missões de Rodelas, da Companhia, foi o P. João de Barros, que já
desde 1699 fala da Aldeia de Sorobeba, com a qual estava em contato”. (87)
3.2. Dados Históricos Sobre o Pambu
Utilizamos nesse item o trabalho de um historiador regional, que dedicou todo um
volume ao estudo da região de Curaçá. Para Lopes, a região de Curaçá sempre
foi vista como um refúgio de índio. Nessas terras eles se asilavam, fugindo das
perseguições dos portugueses.
“Belchior Dias Moréia, caçador de minas de metais preciosos, o primeiro a se
saber, rastejar pelas terras das bandas das caatingas do sertão de corassá.
Andou na Serra da Borracha, registrou que nela havia salitre, e caminhou pelo
Riacho Curaçá. Isso no finalzinho do século XVI. Muito depois, lá pelos anos
de 1640, trouxeram o boi. E o boi foi invadindo o mato. Os vaqueiros fazendo
currais, levando o boi para mais longe, tomando conta de tudo, espantando o
índio. Os índios se enfezando e matando bois e vaqueiros. Teve briga, briga
longa.” Lopes (2000:6)
O trabalho dos missionários é fundamental no desenho que vai ser realizado
nessa região. Os padres se envolviam na missão de salvação das almas dos
índios. O frei Martin de Nantes e frei Anastácio d´Audierne (ambos chegaram ao
Brasil em 1671, ano em que frei Nantes instalou a Missão de Pambu) acorreram à
região. O frei Martin de Nantes instalou uma missão em Pambu, para aldear os
índios que viviam nas ilhas e às margens do rio São Francisco.
“A missão pegou fama. Era o único lugar onde havia padre, em toda a região
do submédio São Francisco. Porque não achava certo o que os fazendeiros
faziam com os índios, o frei foi duramente perseguido e depois mandado
embora. Alguns anos mais tarde, vieram os missionários franciscanos e
Pambu ficou mais famoso.” (id. ibid.: 2000: 6)
31
O Pambu foi elevada a paróquia em 1714, a distrito da Vila de Jacobina em
1724, a julgado em 1743 e a vila em 1832. Segundo Lopes, durante muito tempo
Pambu foi o centro de tudo. Pois que possuia padre e juíz. E Curaçá não existia.
Pambu, elevado a vila, ganhou área territorial, município enorme.Pelo Decreto de
6 de julho de 1832, Pambu foi elevado à condição de vila, abrangendo a área que
ia do riacho Curaçá até Santo Antônio da Glória, próximo à cachoeira de Paulo
Afonso. Caatinga adentro desvia-se com Geremoabo e Monte Santo.
“Em 1853 levaram a sede da vila pra Capim Grosso e a Sede da freguesia foi
junto.” A transferência da sede da vila e da freguesia para Capim Grosso se
deu em decorrência da Resolução de 6 de junho de 1853. Segundo o
engenheiro Halfeld que percorreu todo o rio São Francisco, em missão de
estudo, registrou a existência de 59 casas e cerca de 300 habitantes no
povoado de Capim Grosso ou sítio do Bom Jesus, no ano de 1853. Em
Pambu, nessa mesma ocasião, havia “cerca de 30 casas, que quase todas em
péssimo estado e a Vila parece despovoada de seus habitantes, dos quais
conta-se em mais ou menos 140 que vivem aparentemente em pobreza e
miséria”. Na mesma época Petrolina contava com 48 casas e Juazeiro com
287 casas cobertas de telhas e 1328 habitantes. In: Atlas e Relatório. Pág.
283. Rio de Janeiro, 1860. (op. cit: 2000:9)
Capim Grosso virou comarca, e mudou de nome passando a se chamar de
Curaçá; Ato de 3 de julho de 1890, o governador do estado eleva Capim Grosso à
categoria de comarca, desanexando-a da comarca de Juazeiro. Dois anos depois,
entretanto, a comarca é extinta e Curaçá volta a ser termo da comarca de
Juazeiro. Em 10 de julho de 1890, pelo Ato nº 59, a sede da vila e o município
passam a denominar-se Curaçá. O porquê da mudança, hoje, não se sabe. (IBGE
– Sinopse Estatística).
3.2.1. PAMBU
“O nome sabe-se que veio dos índios, mas o que significa? A notícia que
temos é que os primeiros padres e portugueses que andaram na região, nos
idos dos tempos, já falavam no Pambu. Neste lugar, por volta de 1660, os
portugueses construíram uma capela toda de taipa, onde reuniam-se ‘pelo
Natal e na Páscoa, vindos de trinta léguas e mais ao redor, para aí cumprirem
as suas devoções’, como deixou escrito o jesuíta (? Sic) de nome Martinho de
Nantes, que chegou a Pambu em 1671, com o intuito de aldear índios nessa
região. Ele disse também que essa capela era o abrigo de um capelão que
fazia assistência à região, percorrendo ‘para mais de cem léguas para cima e
trinta para baixo, a confessar os habitantes, (...) dizendo missa de dez em dez
léguas...”. (Nantes, op. cit. p. 35.)
“Tão logo chegou ao Pambu, o frei Nantes construiu uma casa e com barro,
madeira e cobertura de palha, uma igreja, onde se instalou um pequeno sino.
32
Para isso utilizou o trabalho de índios e a ajuda de um fazendeiro que lhe
ofereceu um boi em troca de algumas missas. (Idem, p. 38) Aí o frei fundou
sua base para o trabalho de aldeamento, de catequese dos índios e de
assistência religiosa aos fazendeiros e vaqueiros que já habitavam na região.
Bem defronte do lugar onde o frei se estabelecera, em uma ilha, ‘havia uma
bonita aldeia de cariris’.” (Idem, p. 36).
“Os fazendeiros e os vaqueiros se ocupavam com o trabalho de criação de
gado e habitavam, uns longe dos outros, espalhados nos ermos das
caatingas, vivendo em solidão. Os índios, fustigados pelos criadores, situavam
suas aldeias principalmente às margens do rio e nas ilhas, sobrevivendo de
pequenos cultivos, da caça e da pesca. Com a chegada do religioso,
passaram a visitar Pambu com mais freqüência, uns por curiosidade, outros
em busca dos serviços religiosos e alguns que para lá acorriam, vez ou outra,
fugindo da solidão dos ermos. Pouco a pouco, o lugar foi sendo transformado
em ponto de confluência de portugueses, mestiços e índios em domesticação.
Assim, surge o primeiro núcleo não exclusivamente indígena de toda a região
do submédio São Francisco: a missão do Pambu.”
“Pambu tinha poucos moradores. Seu povo morador era formado quase só
por índios que o frei havia aldeado. O religioso é que saía em suas andanças
de missão, percorrendo as ilhas e fazendas, nas dificuldades da correnteza
das águas e das caatingas sem caminhos bons. Mas, nas ocasiões especiais,
os moradores da região para lá se encaminhavam para a comemoração dos
dias santos e para fazerem adoração às santidades. O dia da solenidade da
morte de Cristo era o de maior comparecimento.”
“Nos anos primeiros da existência de Pambu, o que havia de importância para
o povo era apenas a capela e o padre. Não havia outra coisa. O frei ensinava
catecismo, a escrita, a escrita e a leitura aos indiozinhos. Os índios grandes
ficavam curiando aquela coisa que não entendiam, desconfiados. As missas
que o frei rezava chamavam a atenção da gente. Não havia outro lugar onde
coisa semelhante acontecesse em toda a região. Desse jeito, de pouco em
pouco, a missão foi ficando importante, criou fama e mereceu atenção
política.”
“Os índios e os criadores não se uniam. Viviam em arrelia por causa de terra,
por causa da criação que os índios, vez por outra caçavam, e por outras
coisas. O frei Nantes se intrometia, aconselhando, resolvendo. Muitas vezes
não conseguiam apaziguar. A convivência entre índios, criadores e o frei era
cheia de conflitos. O frei entrava em discórdia com os índios por causa da
reação destes às normas que ele impunha; os criadores se lançavam contra
os índios, matando-os, corrompendo suas mulheres, invadindo suas terras e
destruindo suas plantações; os índios flechavam o criatório dos criadores,
argumentando que tinham direito por serem donos da terra e, ora por outra,
33
enraivecidos, matavam a quem encontrassem nos currais (fazenda, sítio); os
criadores – que eram portugueses – julgando-se superiores e donos de tudo,
botavam-se contra o frei Nantes, acusando-o de colocar-se a favor dos índios.
Outras vezes os criadores astuciavam intrigas e jogavam os índios contra o
frei e o frei, que queria ser meio termo, tomava pancada de um lado e do
outro, ora se posicionando contra os criadores, ora se colocando contra os
índios.”
“O trabalho do frei tinha três objetivos: converter os índios ao cristianismo,
torná-los submissos ao rei, ensinando-os a conviver com os portugueses e
reforçar nos portugueses e mestiços a fé e os costumes cristãos.”
“No final do século XVII, após muitos conflitos entre os jesuítas e os
fazendeiros, tendo estes à frente o chefe militar e político de toda a região e
dono da Casa da Torre, o segundo Francisco Dias D’Avila, a situação do frei
na região ficou complicado, com muitas ameaças e até tentativas de
assassinato. Também o rei de Portugal não estava vendo com bons olhos a
presença de capuchinhos franceses no Brasil e tomou medidas limitando o
trabalho que desenvolviam. Em conseqüência desses aspectos, o frei foi
forçado a se retirar. Vieram substituí-lo padres da Ordem de Santa Teresa,
que permaneceram por curtíssimo período em Pambu e posteriormente, os
missionários franciscanos, no início do século XVIII.”
“Pelo que sabemos, depois que o frei foi forçado a ir embora, a missão do
Pambu ficou um período sem assistência religiosa e os padres da Ordem de
Santa Teresa, que o substituíram, não davam a importância necessária ao
trabalho missionário. O rei de Portugal, informado sobre isso por Garcia
D’Avila Pereira, na época mandatário da Casa da Torre, que possuía o
domínio de quase todo território regional, mandou substituí-los pelos
capuchinhos franciscanos.”
“Pambu foi a segunda localidade, na região do médio São Francisco, onde os
franciscanos instalaram missão. A primeira foi em Saí, em 1697 e a terceira no
rio Salitre, em 1703. O trabalho deles em Pambu iniciou-se em 1702. Ao
chegarem, nomearam logo um padroeiro para o luar. Escolheram Nossa
Senhora da Conceição e rebatizaram o aldeamento indígena com o nome de
Aldeia de Nossa Senhora da Conceição do Pambu.”
“Ao contrário dos jesuítas, que se preocupavam também com as questões
materiais e sociais dos índios, os capuchinhos franciscanos limitavam suas
preocupações com as questões espirituais. A purificação e a salvação das
34
almas de seus assistidos, fossem eles índios ou portugueses. Aos
portugueses pregavam a caridade e a observância aos valores morais; aos
índios e mestiços pregavam a obediência e a submissão e a ambos a
necessidade da veneração. Não deixaram registros sobre conflitos. Será que
eles deixaram de existir?”
“A instalação da missão dos franciscanos impulsionou a importância do
Pambu como centro povoador da região. Já em 1714 é elevado à condição
paróquia (distrito eclesiástico) e, no civil, em 1724, foi elevado à condição de
distrito da Vila de Jacobina, sob a jurisdição da Ouvidoria de Sergipe, ficando
assim até 1742. Nessa época é criada a Ouvidoria de Jacobina e Pambu a ela
fica vinculado, sendo promovido em 1743 à condição de julgado (território de
atuação de um juiz).”
“A ascendência do Pambu, em tão pouco tempo, mostra bem o prestígio que
gozou. Isso foi possível devido à inexistência de outras aglomerações na área
em que estava situado e pelo prestígio da missão que atraía a atenção da
população e das autoridades. Contando com capela, com padre, com juiz e
com santo milagroso, assumia notoriedade em imensas áreas das caatingas.”
“Durante todo o século XVIII, Pambu foi, pelo que apareceu nos registros, o
centro povoador mais importante do médio São Francisco. Nos primeiros anos
do século XIX, Sento Sé começa a disputar-lhe o prestígio, ao sediar comarca
com jurisdição sobre seu território. Juazeiro, que também era sede de missão
desde 1706, desponta, não em prestígio político ou judicial, mas em termos
econômicos. Situada em um ponto de ligação entre Salvador e amplas regiões
nordestinas, por aí todo o transporte era realizado, o que ampliava suas
possibilidades. Também o lugarejo, localizado na área territorial do Pambu,
conhecido pelo nome de Capim Grosso, ganha significância. Mas, mesmo
diante do florescimento de outras localidades, Pambu ainda fazia manter sua
preponderância, sendo elevado à posição de vila em 1832 e instalando sua
primeira escola em 1835. Provavelmente tenham sido estes os últimos atos
que assinalaram sua importância.”
“Por esta ocasião, ao que tudo indica, a missão dos franciscanos já havia sido
devolvida e seu destaque como centro religioso minguou-se em decorrência
do aparecimento de outras localidades que contavam com a presença de
padres, inclusive em sua vizinhança, como era o caso da Ilha de Assunção,
onde fora fundada a Vila dos Índios de Nossa Senhora de Assunção, com
igreja e tudo o mais.”
35
“Mas não foi só isso. Pambu não conseguira, devido a vários fatores,
dinamizar-se. Seu prestígio, por todo este período, mantivera-se graças à
inexistência de outras localidades, o que o transformava também em centro
civilizatório. Não conseguira expandir-se populacionalmente, mantendo seus
habitantes dispersos ao longo do rio e nas caatingas; nunca chegara a
desenhar-se como centro comercial, sua localização o impedia de estabelecer
porto e, ademais, ficava mal localizado do ponto de vista da ligação com as
outras localidades.”
“Assim, à medida em que lugarejos surgiam, Pambu mergulhava no
isolamento. Até mesmo o motivo que lhe dera existência desaparecera devido
ao próprio trabalho dos missionários: a desindianização e o atendimento dos
remanescentes indígenas na ilha de Assunção. A exclusividade jurídica lhe
escapava e, desse jeito, passava a manter-se apenas pela tradição e pela
fama de Santo Antônio. Não tinha mais o que oferecer como atrativo,
restando-lhe somente o santo milagroso. É nesse contexto que, em 1853,
perde a condição de sede de vila e de paróquia para Capim Grosso (Curaçá).
Daí em diante Pambu mergulha no esquecimento e cai totalmente em
importância.”
“Em 1952, Chorrochó, distrito de Curaçá, é transformado em município
compreendendo a área que abrangia Pambu, Ibó, Lagoa de José Alves e
Abaré. Pambu permanece na condição de povoamento de Chorrochó até o
ano de 1962, quando com a elevação de Abaré à condição de município a ele
passa a pertencer, também como povoado. Embora Pambu seja hoje um
povoado de Abaré, pelas ligações históricas e culturais e também por estar a
menos de 80 metros da área do município de Curaçá, vincula-se mais a este.
Por outro lado, a população de Curaçá não entende o motivo de Pambu não
se incluir na área do seu município e o reivindica.” (Pambu dista 110 km da
sede do município de Curaçá, 16 km do povoado curaçaense de Pedra
Branca – rio acima – e 12 km de Ibó, distrito de Abaré).
“Nos dias atuais, Pambu possui aproximadamente 100 habitantes e, bem
contadas, 43 casas, das quais apenas 20 são habitadas regularmente, um
bar, um posto telefônico, uma escola de primeiro grau menor, uma igreja, um
cemitério em ruínas e um campo de futebol. As casas foram construídas
voltadas umas para as outras, formando um quadro, no centro do qual está
localizada a igreja, símbolo do lugar. Às suas costas, à esquerda, o rio São
Francisco que, nesse ponto, expõe-se em bela paisgem de águas corredeiras
e ilhas. Nos outros quadrantes a caatinga, paupérrima em vegetação, o solo
pedregoso e de relevo acidentado. O cemitério, embora mal cuidado, estampa
duas sepulturas que chamam a atenção pelos traços arquitetônicos. O povo é
acolhedor e simpático, parecendo ser formado por uma só família. À
tardezinha, as crianças brincam e abrem os ouvidos com a maior atenção para
36
a conversa dos mais velhos. A pequena agricultura, a pecuária e a
aposentadoria dos velhos são as principais fontes de renda, senão as únicas.”
“Indiferentes às formalidades administrativas e políticas do estado, os
pambuenses denominam seu lugar pelo nome histórico de Aldeia do Pambu e,
muitos, senão quase todos, se dizem índios da nação tumbalalá sem,
entretanto, saberem o significado da palavra. O desejo que têm é serem
reconhecidos pela FUNAI. Embora, desde tempos imemoriais, alguns
habitantes da área dançassem toré na Missão Velha, atualmente esta dança
vem envolvendo grande parte dos moradores do Pambu, da Missão Velha e
adjacências, em um renascimento histórico e cultural das tradições de seus
ancestrais. Mais que uma simples dança, o toré implica em revivificar o
passado dos ancestrais indígenas; reencontrá-los através da encarnação de
seus espíritos; ouvir seus conselhos; receberem orientações para tratamento
de saúde; disciplinar os participantes integrando-os ao grupo e aprender pelos
encantos e linhas, os modos indígenas de viver. Segundo os pajés e as
pessoas que já se identificam como índias, aquele que tiver sangue índio é
forçado, pelos espíritos dos antepassados, a se integrar ao grupo e participar
do toré. ‘Não é preciso chamar, destá que quem tiver sangue índio vem’.
Dizem eles, que basta uma pessoa de sangue índio assistir o toré para se ver
livre das perturbações da vida ou doenças. Dizem também que Santo Antônio
do Pambu é deles, pois apareceu nas aldeias que lhes pertence e afirmam
que o santo era rico, que tinha muita terra e ouro, mas que os padres,
aproveitando-se da inocência dos índios antigos, pegaram tudo.”
“Um dos cacique disse que desde ‘há muito tempo não sabiam que Pambu
era aldeia, mas que um pajé da nação trucá, da aldeia da ilha da Assunção,
através de um encanto, descobriu. O encanto fez essa revelação e exigiu que
eles iniciassem a dançar o toré e que eles obedeceram’.”
3.2.2. MISSÃO VELHA e PAMBU
“Missão Velha fica na vizinhança de Pambu, a uns 300 metros, e não possui
casas agrupadas. Na verdade é uma área onde existem sítios e roças. Dizem
os mais velhos que tem esse nome por ter sido lá o local onde, inicialmente,
os jesuítas estabeleceram a missão. Há três pistas que dão sentido a esta
suspeita: nessa localidade existe uma área que deixa aparecer resquícios de
construção com certo alinhamento; o próprio nome Missão Velha, o que
pressupõe a existência de uma missão nova e, por último, a história do
aparecimento de Santo Antônio, o que implicou na construção de uma capela
em novo local, conforme vem sendo dito através dos tempos. O certo é que,
em Missão Velha, se encontram dois terreiros de toré e também, além dos
alicerces já mencionados, encontra-se um terreiro onde, dizem os atuais
moradores, dançavam os índios antigamente. Missão Velha já se situa
integralmente no município de Curaçá.”
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3.2.3. SANTO ANTÔNIO
“Não se sabe quando o santo apareceu. Segundo indica o livro de João
Matos, ocorreu antes de 1714. Os franciscanos, ao chegarem em Pambu, em
1702, nomearam Nossa Senhora da Conceição como padroeira da aldeia, o
que nos faz supor que por esta época ainda não houvesse ocorrido o
aparecimento do santo. O que sabemos é que há muito e muito, corre de boca
em boca, atravessando os tempos, a história que diz que acharam o santo
dentro de uma moita de cachacumbi sobre uma pedra. Na pedra, segundo a
história, havia uma inscrição que dizia assim: ‘SANTO ANTÔNIO DO PAMBU,
COMBATIDO E NÃO VENCIDO’. Com o achado, o povo todo caiu em
admiração e espanto. Os padres levaram a imagem para a capela e a
colocaram no altar. No outro dia, quando chegaram lá, o santo não estava.
Procuraram e o encontraram novamente dentro da moita, sobre a pedra. Por
várias vezes botaram o santo no altar e ele sempre voltava. O povo foi se
admirando com aquilo. O santo ganhou fama, começou a fazer milagres e o
povo, rio acima e rio abaixo, caatinga adentro, caatinga afora, alastrou a
notícia. O jeito que os padres encontraram foi fazer uma capela nova para ele,
com o altar erguido bem no lugar onde fora achado.”
“Trata-se da capela erguida em homenagem a Santo Antônio do Pambu,
construída em tempos imemoriais, provavelmente ainda no século XVIII. As
paredes da nave são de pedra e medem aproximadamente 70 cm. Segundo o
Sr. José Plínio, a torre foi construída em 1902 e, nos meados desse século,
foram realizadas ampliações nas laterais próximo ao altar. O seu estado de
abandono já é secular. Em 1846, o seu vigário, Frei Paulo Maria Genoveva,
escrevia: ‘a respeito da relação do estado deste Matriz cumpre-me dizer a V.
Exa. que a dita Matriz se acha em um estado assaz deplorável, até de não se
puder mais celebrar o santo sacrifício da missa para não ficar vítima extinta
das iminentes ruínas que ameaçam cada dia de vê-la caída por terra, e
justamente o meu digníssimo antecessor, para remover os perigos que podia
acontecer às ovelhas estando dentro da dita Matriz assistindo aos Atos da
nossa Santa Religião e os mais que seguem, foi servido mandar tirar fora a
cobertura da Igreja, que era de telha de barro, que pelo grande peso que fazia
as paredes já se desaplumavam do alinhamento que foram edificadas’. In:
Matos, Descripção... p. 34-5.”
“Com o tempo a popularidade do santo cresceu cada vez mais ao ponto de
chegar a destronar Nossa Senhora da Conceição e ascender à condição de
padroeiro do lugar. Daí em diante, aqueles que construíram novas casas o
fizeram ao redor da capela do padroeiro, provocando a transferência do local
da missão.”
“A fama do santo atraía o povo que ia lá, vê-lo, venerá-lo, pagar promessa e
Pambu, com isso, angariava mais fama. Como, à época, as dificuldades de
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locomoção eram muitas e os fiéis se encontrassem espalhados e distantes,
alguns devotos intentando tirar esmolas para obras pias, ‘viajavam com ele
pelas localidades vizinhas. Aí tinha vez que o povo tomavam um soninho e o
santo vinha embora sozinho’. Há quem diga que, na fuga, o santo deixava o
rastro no chão, o jeito dos pezinhos. Houve um homem desaforado que o
desafiou, depois que, por várias vezes, haviam tentando levá-lo para um
determinado local, sem sucesso: ‘quero ver esse santo fugir agora’. O homem
foi a Pambu, pegou o santo e o colocou dentro do alforje, amarrou bem a boca
e partiu. Não andou 600 metros, morreu. Quando acharam seu corpo foram
logo aos alforjes. Que nada! O santo havia desamarrado tudo e ido embora. O
povo se abismou. Daí para frente a temência tomou conta de todos e
ninguém mais teve coragem de retirá-lo de Pambu, de seu altar. No lugar
onde acharam o corpo do homem que tentara carregar o santo à força,
construíram uma capela e dentro dela um cruzeiro. Esta capela fica bem em
cima de um pequeno morro, voltada para a igreja onde reina Santo Antônio.
Deram-lhe o nome de Capela da Santa Cruz e fica numa área da Missão
Velha. Essa capela passou a ser ponto de veneração, de pagamento de
promessa. O povo vai lá, leva ex-voto, escreve seus nomes e faz desenhos de
mãos, de pernas, etc. nas paredes, com o maior respeito.”
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4. Os Tumbalalá
Desde a década de 80 temos assistido a um aumento significativo nos
estudos que tem como objeto a etnicidade entre os povos indígenas do nordeste
brasileiro. O foco tem recaído sobre o processo atual de etnogênese, ou
emergência étnica.
No caso dos Tumbalalá estamos assistindo a um processo de emergência,
com movimentos que possibilitem a formação de fronteiras étnicas, que permitam
ao grupo no processo de constituição a demarcação de circuitos preferencias em
meio ao conjunto social no qual está inserido.
Podemos dizer que os Tumbalalá partilham de um sentimento de
coletividade que se projeta na idéia de uma origem comum. É o que podemos
depreender do discurso desses informantes. Note como o sentido de um passado
comum é trazido ao primeiro plano e tornar-se marca de um destino e de um
futuro coletivo:
“Se aqui é uma aldeia? Pra mim acho que é, pelo que ouço falar. Minha avó
dizia que aqui era aldeia antigamente... e ela dizia que era índia... Se sou
índio? Eu sou porque sou herdeiro da minha avó. A gente mora tudo aqui.
Minha avó falava que aqui era terra e aldeia. A mãe dela era índia braba e ela
sempre freqüentava os torés”. (Ficha nº 008)
“Aqui é uma aldeia, eu alcancei aqui uma aldeia. Eu já alcancei meu avô,
minha mãe e meu pai e eles diziam vamos para o trabalho, para a aldeia
Tumbalalá, no pé desse cruzeiro, era dos velhos. Nós sempre nos criemos
nessa aldeia aqui”. (Ficha nº 010)
Para os Tumbalalá estamos diante de um momento em que, confrontados
com uma memória e uma prática reconhecidas por ele como sendo indígenas,
vivem uma situação de reivindicações e disputas em torno do projeto daquilo que
deve ser entendido como a história e os direitos Tumbalalá. Não podemos deixar
de indicar a profunda ligação existente, embora hoje alvo de negações, entre os
Tumbalalá e os Truká, grupo indígena que se localiza em arquipélago vizinho ao
espaço ocupado pelos Tumbalalá. (Ver no Anexo III – Mapa de Localização)
Estamos diante de um ponto que nos parece relevante, digamos a provável
novidade na demanda apresentada pelos Tumbalalá corresponderia a uma
etnogênese recente? Do nosso ponto de vista a resposta é negativa, embora
tenhamos que fazer algumas ressalvas. Passemos então a uma explicação. Em
primeiro lugar não podemos nesse momento escrever sobre os Tumbalalá e
ignorar a história Truká, pois que os dois grupos mantiveram uma forte ligação no
passado recente. Vamos deixar uma das lideranças atuais falar sobre isso:
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“A amizade com Acilão surgiu dos trabalhos dos Truká, da Assunção”.
(Quando conheceu Acilon?) Bem, quando ele pegou esse negócio dos
encantos ele pegou a caminhar pra cá, pra qui. Botava a canoinha n’água e
chegava aqui. Ele vinha pra cá porque sabia que tinha trabalho, quem fazia
era pai e ele depois morreu e me deram e fiquei aqui até hoje.” (Ficha nº 001)
“Meu pai falava que minha avó, minha bisavó dançava toré, quer dizer que
ficou pai contando causo... e os brancos foram ao Rio (de Janeiro) dizer que
aqui não tinha índio, aqui só tinha nego na Assunção. Ai veio o Tubal Viana.
Ele chegou ai e disse Acilon vim aqui a busca de índios... eu quero índio, se
você não me amostrar índio, então nem que seja um pequeno, a questão está
acabada. Ai o velho Acilon ficou se batendo... disse seu João eu vim aqui
porque chegou um doutor que veio saber se aqui tinha índio. Ai ele veio e nós
fizemos uma três canoas de índios, e ai papai passou e ele disse me caça um
índio velho de cabelo especado (...) ele disse agora Acilon, agora eu tou
satisfeito, eu achei o que andava caçando... ai ele disse, já vi tudo, agora vai
ter colégio, vai ter tudo o que uma aldeia precisa e é tudo para aprender a ler
para ajudar o Presidente.” (Ficha nº 006)
“Acilon dizia que a aldeia lá o nome dela se chama Tumbalalá... Já existia a
história, existia o toré...” (Ficha nº 002)
Então, para essas lideranças a história do grupo está ligada a história dos
Truká e ao momento em que Acilão, a grande liderança da Assunção, buscou
ajuda do lado da Bahia e ficou prometido que depois de se “levantar a aldeia da
ilha” eles partiriam para levantar a aldeia do Pambu.
Porém, por outro lado, diante de todas as dificuldades que surgiram na
história da luta Turká, como foi em 1920, o então Bispo de Pesqueira vendeu a
Ilha de Assunção a diversos interessados alegando tratar-se de patrimônio
pertencentes á sua diocese. A intervenção do SPI deu-se nos anos 40 com a
instauração de ação judicial visando a anulação da venda e a reintegração de
pose em favor dos índios. É um período de grande instabilidade. Os índios
recorrem ao SPI e desenvolvem suas tradições e a identidade étnica que então é
reafirmada pelo etnônimo Truká. Líderes indígenas como Acilon foram
fundamentais neste processo de resgate da história do grupo e de sua origem
calcada na aldeia missionária. Como a ação judicial permaneceu indefinida,
prolongou-se a difícil situação dos índios sujeitados aos pretensos proprietários da
ilha de Assunção. Nas décadas de 50 e 60 os Truká enfrentaram novas perdas
com a morte do líder indígena Acilon e a venda de outra parte da ilha da Assunção
ao governo do estado de Pernambuco. Os índios permaneceram morando na ilha
na condição de colonos dos projetos de colonização agrícola estabelecidos pela
Companhia de Revenda e Colonização – CRC -, e, depois pelo Departamento de
Produção Vegetal – DPV – e a Companhia de Sementes e Mudas de Pernambuco
– SEMEMPE. Uma parte dos índios terminou se retirando da ilha e passando a
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viver na periferia da cidade de Cabrobó, nas ilhotas ou em locais mais distantes,
pois não se adequavam as exigências feitas pelas companhias.
Nos anos 80, os Truká reacendem suas reivindicações com achegada das
primeiras equipes técnicas da Funai à área para estudo da situação fundiária e
reconhecimento do grupo, porém todas elas tenderam a apresentar soluções
parciais. O movimento conhecido como Retomada marca o novo momento do
grupo com iniciativas concretas em prol da recuperação das terras invadidas. Em
1999 instala-se o processo de recuperação de todo o Arquipélago de Assunção
como território tradicional Truká.
É nesse sentido que dizemos que a etnogênese Tumbalalá não é nova,
pois ela se constrói ligada ao processo Truká, embora não se possa reduzí-la a
ela. Para os chamados “baianos”, a relação com a história Turká é bem simples e
clara. Acilon quando enlouqueceu e desenlouqueceu instaurou o trabalho do Toré
e do Particular. Como eles eram vizinhos e também se identificavam, foram
chamados a participar dos rituais e de todo o processo de luta que se instaurou. A
promessa é que, após conquistado o Aldeamento da Assunção, eles, os aldeados
do outro lado do rio passariam a contar com a força dos Turká para iniciarem sua
luta.
Por outro lado, temos uma situação nova, já que os Truká conseguiram o
atendimento a todas as demandas instauradas em termos de identificação da terra
indígena, o que implicou num deslocamento dos ocupantes das ilhas e ilhotas do
Arquipélago da Assunção. Ora, parte desses ocupantes eram Tumbalalá e pela
primeira vez se instaurou uma situação de conflito e confronto, envolvendo de um
lado os Truká (reconhecidos oficialmente pela Funai) e do outro lado os Tumbalalá
(não reconhecidos pela Funai).
Uma situação não-satisfatória, porém já
acomodada, pois que os Tumbalalá vinham ajudando os Truká na luta, só que de
forma seletiva, com a presença de alguns moradores do Pambu partilhando dos
momentos de Retomada e até sendo premiados com a acomodação dentro da Ilha
da Assunção, como foi o caso de Odila de Paulo. Se os Tumbalalá não saíram
ganhando enquanto uma totalidade, também não tinham perdido coletivamente.
Porém, quando do processo de identificação e delimitação da terra indígena Truká
(instaurado em fevereiro de 1999) formou-se um quadro de perda das únicas
terras agricultáveis naquela região, qual seja, as ilhas e ilhotas do rio São
Francisco.
Por essa razão temos agora um movimento em que ao mesmo tempo que
se projeta no passado uma descendência comum, articula-se uma projeção de
significados que propicia uma ação política. É no âmbito dessa questão que
podemos compreender a disputa que se instalou no seio da comunidade. Num
certo sentido, é nesse esforço de definição de uma história válida que o grupo
étnico-indígena se configura com clareza para os observadores externos e se
afunila um campo de valores que passa a reger as ações e as compreensões
destas. Deixemos um pouco os Tumbalalá falar:
42
“Pra mim seja porque a da Ilha da Vila foi aprovada também eu tou
achando que aqui é do mesmo jeito, porque eu tenho assistido, danço
aqui... não tem diferença nenhuma. Tem diferença no nome, porque aqui
é uma e lá é outra, mais sobre as danças, as linhas, as coisas funcionam
como os outros, tudo é igual.” Eu não sei dar explicação , talvez o povo
mais velho pudesse dar alguma explicação. Os mais velhos como era o meu
pai, do tronco eu já sou da rama mais nova. Se eu sou índia? Eu penso,
porque toda a minha família é de um jeito só, tou pensando que sê, não sei se
vai ser provada. Minha família é toda de um jeito só, não tem mistura
nenhuma, é tudo de um jeito só...Eu na minha cabeça dá assim, que na aldeia
é onde dá o tronco. (Ficha nº 009)
Esse povo aqui tá puxando agora mais sempre puxaram para a aldeia do
Pernambuco.... o povo da Ilha desabaram tudinho para Juazeiro para aqui e
para acolá e eles que ficaram sustentando a aldeia daqui e dacolá, daqui
esse povo daqui porque a força da aldeia de lá sempre foi esse povo daqui....
Porque aqui nunca deixaram de dançar toré aqui, nesse cruzeiro, eles
vinham de lá e numas retomadas que houve lá na ilha eles tavam dentro vindo
daqui, agindo por eles tudo por conta que via os de lá fracassado. A aldeia
que sustentou foi a daqui e nasci e me criei vendo. Tem uma Odila que agora
está reassentada lá mais a brincadeira dela sempre foi aqui, toda vida aqui....
ela é a índia forte, andou mais o Cacique da Ilha da Assunção, ela foi mais ele
pro Rio de Janeiro, representante deles lá. Pois é Acilon, ela foi mais ele para
o Rio de Janeiro e conto porque vi. Ela foi mais ele pro Rio de Janeiro se
apresentando como a representante da Truká. Hoje ela anda por aqui mais tá
lá reassentada na Ilha da Assunção, foi uma grande... (Ficha nº 29)
Eu vou falar o que eu sei, quando eu era menina eu via uma velhinha dizer
que tava no lugar da nossa avó e que morreu com cento e tantos anos, eu
ouvia ela dizer que aqui existiu uma aldeia e que vinha uns índios dos
Turká folgarem no terreiro aqui.... então lá era uma aldeia e os índios
tinham uma aldeia aqui. Eu perguntava – onde era essa aldeia? – era aqui,
aqui no Pambu..... Eu já sabia que existia aldeia, só que eu não entendia, não
tinha quem me ajudasse.... Aí quando eu perguntei a ele ele me disse, esse
cruzeiro é do Truká. Esse cruzeiro foi Acilon que botou, ele não podia
dançar lá e aí ele botou aqui pra gente dançar aqui e ajudar ele lá. Aí eu disse
– Mas aqui não tem uma aldeia? Aí ele disse – Dizem que tem. Eu disse –
Dizem não, tem. E para que o senhor não trabalh O trabalho da aldeia
Tumbalalá não é aqui não. Aqui é o trabalho Truká. Aí eu disse tá bom,
você tá me pedindo eu vou então até ela, ela não tem conta com nada a para
essa aldeia? Vamos trabalhar pra essa aldeia... um dia você vai saber. Mais
ela nunca soube, porque ela nunca trabalhou como Tumbalalá, só trabalha
com Truká, só trabalham com Truká e pronto. Trabalham com Tumbalalá eu,
eu trabalho e achei que quisesse botar um cruzeiro em minha casa, mais eu
não gosto de estar na frente de ninguém. Eu tou com meus preparos tem mais
de 30 anos. ... Eu no Truká eu trabalhei muito, eu fui quem ajudei no
Truká, eu ajudava no Truká, muita gente aqui não sabe não, sabe não, mais
pergunte a Deodato, pergunte a Deodato, ele sabe. Deodato, Prosperina,
Antônio Bingô, aquela menina a Adalgiza, tudo trabalhando junto. Eu
trabalhava muito... Ô O(r)dila me admirô você sendo uma mestre e você
dando uma palavra desse, que aqui não é rama de Truká, aqui não é rama
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de Truká não. Aqui é o tronco, aqui é o tronco da aldeia, agora ela passa
pra lá por causa da corrente, porque a corrente vem e transita pra lá.... Porque
essa daqui só não levantou porque não se quis, não teve quem trabalhasse,
levantasse, porque eu disse não espere a Truká levantar não, o senhor aja
para Tumbalalá. Disse que não sabia. Então vou caçar quem sabe, quem tem,
quem foi dado. Tem o trabalho de Turká, tem o trabalho de Tumbalalá,”(Ficha
nº 33)
Quando realizamos pesquisas juntos aos Turká (iniciada em fins da década
de 80 e que se prolongou até 1991) fomos, aos poucos, levantando as
informações pertinentes a questão da história Truká, que ligavam-se a identidade
Truká. Em vários momentos nos defrontamos com indivíduos que se faziam
presentes, tanto na memória, como também no cotidiano do grupo, e que se
diziam Tumbalalá.
Na concepção de vários Turká, os Tumbalalá são índios da Aldeia do
Pambu, localizada na margem baiana do rio São Francisco, que não foram ainda
identificados pela Funai. Contudo, participaram, em diversos momentos, da luta
travada pelos Turká, existindo, inclusive, a promessa de Acilon Ciriaco da Luz (a
grande figura na luta contemporânea Turká) de depois de resolvido o problema
Truká, que seria iniciada a luta pelos e com os Tumbalalá.
Vejamos como alguns Tumbalalá falam sobre esse momento:
Vamos falar primeiro dos baianos. Em alguns momentos vai-se fazer uma
alusão, carregada de maldade e que nunca se explicita claramente, quando
referem-se ao fato de Acilon ter resgatado um grupo de moradores do outro lado
do rio S. Francisco, na margem baiana, para participar dos Toré e dos outros
rituais. O alvo dos comentários é Odila, mulher que acompanhou a luta dos Turká
e que viajou com Acilon para o Rio de Janeiro. Quando perguntada sobre a
história da Aldeia Turká, diz:
“nós sempre gostamos de Toré e, embora, não sejamos moradores da Ilha 2 ,
nós somos remanescentes da grande aldeia que existiu há muito tempo atrás,
que tinha como terra um bom pedaço daquela margem... Você sabe disso
olhando para aquela paredona que ainda hoje está lá de pé (fala das ruínas
da Igreja na Ponta da Ilha da Assunção).”
O que se pode perceber é que por parte dos Truká não existe nenhum
questionamento quanto a identidade indígena reivindicada pelos Tumbalalá. Ao
contrário, algumas famílias Tumbalalá encontram-se abrigadas dentro do
aldeamento Truká, como é o caso da extensa família de Odila. Ao mesmo tempo,
2
Quando colhemos esse depoimento, em 1990, Odila ainda vivia no povoado do Pambu. Atualmente, após a
retomada de Xinxa, ela está vivendo, juntamente com grande parte da família, dentro da Área Indígena Truká,
tendo sido incorporada como membro do grupo indígena.
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percebe-se que existe uma clareza quanto ao que deve ser a terra Tumbalalá e
não se confunde com terra Truká.
Não somente agora, mais em momentos anteriores, é patente a
semelhança em termos de práticas e de história que une os Turká e os Tumbalalá.
A memória remete ao momento de existência de um aldeamento indígena.
Resgata-se a figura de um Capitão e Protetor dos índios. A esfera ritual é
bastante assemelhada, sendo composta de Toré e Particular, e onde cada grupo
define e reafirma sua ligação com elementos ancestrais.
A busca do
reconhecimento oficial manteve os dois grupos bastante ligados, embora os
resultados sejam bastante diferentes, pois os Truká estão reconhecidos desde
meados da década de 80, enfrentando uma luta de expansão daquilo que vem a
ser a Terra Truká, enquanto que os Tumbalalá continuam numa luta enorme,
buscando que o órgão tutor os reconheça e possam então implementar ações
visando recupera aquilo que chamam da sua terra.
De um modo geral todos os que nos procuraram se dizem parte do antigo
aldeamento do Pambu, e utilizam as ruínas desse período como base de
referências à memória de ocupação dos seus ascendentes. Segundo Aprígio,
índio velho, durante muito tempo o pessoal daqui ficou desligado da aldeia, da
história da aldeia, até que um dos seus filhos encontrou um pote com ossos e um
cachimbo, e deu os achados para um professor de Ibó, José Múcio, e isso foi em
1988. E daí em diante começaram ou recomeçaram a caminhar e buscar os
direitos do aldeamento.
Falam muito sobre Mané Ramos, que é chamado de Mestre do Pambú,
sendo um antigo Capitão do Aldeamento. Segundo Aprígio, Acilon mandou fazer
um cruzeiro e colocar no terreiro no Pambu, de forma que os dois cruzeiros, o de
Acilon na Ilha da Assunção e o do Pambu ficavam um de frente para o outro.
Indagado de quando teria sido a colocação do cruzeiro no Pambu, ele nos diz que
nasceu em 1924 e nessa época tinha mais ou menos 15 anos, o que significa
1939 para mais ou para menos. Mesmo antes de Acilon e da colocação do
cruzeiro eles já trabalhavam no Pambu, no cabo do maracá, que é para dar força
para a aldeia. Receberam as informações de que ali era uma aldeia e que eles
eram da aldeia de um antigo da Aldeia (Mané Ramos, que é percebido como um
encanto).
Note como independente da avaliação ser positiva ou negativa, termina-se
fazendo referência ao processo que se desenrolou do outro lado do rio, na Ilha da
Assunção e a ligação deste com a situação vivida pelos Tumbalalá.
“Com certeza. Aqui é uma aldeia porque quando eu nasci, quando eu me
entendi já foi vendo meu pai falar que aqui era uma aldeia... porque meu avô
era o chefe mesmo porque ele dançava aqui o toré, aí então tenho que dar
valor a essa aldeia porque foi onde reconheci que o tempo era uma aldeia...
Chefe era o velho João Silivina, o pai de Aprígio, e o meu pai trabalhava com
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ele. Acompanhava, mais é índio, ele acompanhava né... Aqui nunca foi o
Truká é bem verdade. Os Truká vinha trabalhar. Porque minhas tias Alventina,
Petrina, Teresinha, Clara, Alta, Antonia tudo trabalhava. Morava na Assunção
mais vinha trabalhar aqui. Que eram filhas do lugar, de João Martiliano da
Silva, que era meu avô João Pandé, chamavam ele João Martiliano, ele era
baixinho... Não se confunde com a do outro lado do rio. O índio deve ajudar
uns aos outros, se precisar a gente vai. A gente não foi pra lá quando dessas
retomadas. Eles também podem vir pra cá batalhar por nós”. (Ficha nº 052)
“Aqui é uma aldeia Tumbalalá. Eu sei porque desde criança me alcancei os
meus tios Aprígio e Luís e muitos e muitos diziam que aqui era uma aldeia
Tumbalalá e que nós somos da aldeia. O Pambu também é aldeia Tumbalalá.
Quando eu me entendi esse cruzeiro já existia. Eu alcancei com ele já
assentado nesse lugarzinho. Eu acredito que ele tem mais de 20 anos mais
velho que eu. .... Todos são Tumbalalá. Basta participar pra ser Tumbalalá...
todos os que deram o nome para senhora são Tumbalalá”. (Ficha nº 073)
Note-se que a história vivida e contada pelos índios do Pambu, os
Tumbalalá, encontra-se inapelavelmente ligada a figura e a história de Acilon, que
é chamado pelo seu Aprígio de Acilão. Pois na luta empreendida por Acilon para
“levantar sua aldeia” transmitiu-se também a certeza aos moradores do Pambu, de
que estavam todos partilhando da mesma história e da mesma luta, o que
significou que a partir de Acilon passamos a falar e a viver a história dos aldeados
do Pambu.
Vejamos o que tem a dizer, hoje em dia, Odila, nascida em 31/07/917
Tanto ela como os filhos são nascidos/registrados em Abaré, na Bahia.
São pensados pelo atual Cacique (Quinca Birô) como sendo nascidos na beira rio
e ajudaram ao finado Capitão Acilon a levantar a aldeia.
O seu filho Manoel nos diz que até a época anterior a morte de Antônio
Bingô eles chegaram a pegar um pedaço de terra dentro da Ilha da Assunção,
perto de onde hoje fica o Posto Indígena. Então, na época, muita gente veio em
cima, querendo entrar na terra e o finado Antônio dizia que não, que fossem lutar
e esperar por um outro pedaço de terra, porque eles tinham dançado muito toré
com o finado Acilon e por isso eles tinham direito mais que ninguém. Foi só o
finado morrer para eles tomarem a terra deles e dizerem que não existia nome de
baiano nenhum.
Manoel ainda acreditou que a questão fosse resolvida porque Deodato
disse que iria separar um pedaço mais embaixo. Só que após três viagens à toa,
Ceniro lhe disse que não perdesse seu tempo porque o velho Deodato não tinha
intenção de separar terra nenhuma. Inclusive, muita gente ouviu-o dizer que
podendo cuidar dos seus (filhos) não iria cuidar dos outros. E que Ceniro lhe disse
para não dizer nem fazer tal coisa porque iria trazer problemas.
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Odila diz que na época do Acilon eram eles que faziam todo o trabalho e
Deodato não balançava o maracá. Seu Verbino fala que eles fizeram a bobagem
de entregar tudo que era deles para Deodato tomar de conta e a culpa foi deles
mesmos. Comenta que na época dos doutores, eles disseram que eles tinham
direito porque eram da Aldeia Tumbalalá, que fazia parte da Grande Aldeia da
Assunção.
Apesar de termos que falar dos Tumbalalá partindo ou fazendo referência a
Acilon, logo, aos índios da Assunção, isto é, os Turká. Hoje é perceptível um
movimento instaurado entre os índios do Pambu, no sentido de se distinguirem e
produzirem uma identidade consciente da diferença entre eles e os Turká. Daí que
marquem no planto do ritual, que é o plano fundador tanto entre os Turká como
também entre os Tumbalalá, as diferenças dentre os personagens presentes.
Listamos os Encantos que são reivindicados como sendo dos Tumbalalá:
. a Princesa Rosa, que é das águas.
. a Princesa Dalva.
. o brabio João Lara.
. Manel Panema.
. Vaqueiro João.
. Maria Salomão.
. e é claro Mané Ramos.
Segundo os antigos o Rei da Jurema é daqui, dessa região, como também
a Mãe D’Água e dona Joaninha. O velho U-Ká é Mestre de todas as aldeias.
Passam então a cantar algumas linhas que demonstrem aquilo que estão nos
contando:
A jurema influrou (enflorou)
A jurema influrou
A jurema tem dois galhos
Que é dos índios
Trabalhar.
Cadê meu maracá
Que eu quero trabalhar
Eu quero trabalhar
Na Aldeia Tumbalalá
Que é que tem
Meus índios
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Que não querem trabalhar
Quando vem um Mestre na Aldeia.
Oh Mãe criadora dos índios
Oh Pai que morreu na cruz
Viva Jesus nosso Pai
Viva a corrente da Jurema.
Depois das linhas terem sido cantadas, passam a falar da memória de
ocupação. Dizem que a extensão na margem do rio, ponta da Ilha da Assunção,
tira daí até Ponta Branca, o que dava cinco léguas. Daí vai até Campos Novos,
chegando no Pambu. Numa linha reta, fechando o desenho você tem 25
quilômetros.
Quanto ao número de índios da aldeia do Pambu nos é dito que têm muito
índio, só que muitos se dizem não-índios, o que significa que assumindo a
identidade indígena eles avaliam algo em torno de 200 famílias, que estão
espalhados pelas fazendas. No povoado são apenas 30 famílias.
Seu Aprígio recorda as palavras ditas pelo Dr. Tubal Viana, Inspetor do SPI
que visitou os Truká na década de 50, e que dizia a Acilão para não chamar
ninguém para dentro da aldeia, porque é o sangue que chama. E é por isso que
“se eu não ganhar com a verdade, com a mentira não carece.”
Segundo seu Luis Fatum, irmão de seu Aprígio, os índios do Pambu fazem
o Toré no Sábado, e também realizam o trabalho que chamam de mesa. Peço
para que ele nos descreva o que vem a ser o trabalho de mesa. “Senta os guias
(são os cachimbos feitos com a raiz da Jurema que chamam de quakí), faz a cura
(bebida com cachaça, alho, junco), faz a jurema, acende as velas, defuma o
ambiente, e se faz o cruzeiro no aribé”. Tanto o toré como o trabalho de mesa são
feitos no mesmo lugar, na casa dele que é onde Acilão mandou assentar o
cruzeiro. A regularidade é semanal para o Toré e varia quanto ao trabalho de
mesa. No toré pode acontecer o processo de possessão, só que é uma
brincadeira, enquanto que o trabalho de mesa é da experiência, e é quando os
encantos vem para explicar muitas coisas, tudo aquilo que os índios precisam.
O mestre Mané Ramos disse que a aldeia é de Luis Vieira Fatum, que é de
indescendência Carirí, da Aldeia Cariri.
- E a senhora aprendeu a dançar toré com quem?
- Com os antigos... eu lembro o toré que vi cantado pela cabocla Luisinha, tia
do velho João Pachola alí da Ilha da Assunção. Formaram uma brincadeira de
viola e com pouco tinha umas caboclas: comadre Nenê, a cabocla Maria dos
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Anjos, a cabocla Luisinha, a cabocla Cordolina e a cabocla Maria Cordolina e
daqui a pouco uma falou para outra, vamos formar uma brincadeira? Aí ela
cantou: canta canário com a folha solta, oi baixa Jurema. Oi isso aí eu era
pequenina e ficou na minha cabeça, aí depois o pai daquela Lurdes, de João
Alvino, pegou a dançar Toré, a cabocla Luisinha vinha aqueles estrondos,
daqueles Silivino, eu não conhecia, eu morava alí em cima, e ela dizia eu vou,
eu vou espiar o Toré, tinha aí um maluco que dizia não vá não, pois dizem que
uma mulher lá irama. Eu disse irama seca. Ele disse que 10 homens pegam
uma mulher iramada e não sustentam e aí eu disse uma doidice, porque 10
homens pegar numa mulher e não sustentar. Mais eu disse eu vou,um dia saí,
eu tinha 2 meninos e fui lá pra casa de João Silvino e achei a irmã finada de
Odília, a Orcila, no terreiro manifestada, quando eu cheguei ela marcou
carreira para eu e eu pensei é agora, porque 10 homens não sustentam,
imagina eu. Ai ela disse Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo, aí eu
respondi, ela me pegou assim pelo meu braço, me sentou e disse, mais não
foi ela foi o Mestre dela, pegou um maracá e deu dois sustentos aqui no meu
braço e disse sustente. E aí me perguntaram se eu já tinha trabalhado em
Toré algum dia, eu disse não, o primeiro que estou vendo é esse. Eu tinha
visto na brincadeira pouca. Aí vai João Silivino e me disse que esse batido de
maracá que bateram no meu braço fica para sempre. Aí peguei a caminhar
para Toré, de todo jeito, e acho bom.
- E eu ia dar Toré em Atikum, dei umas 6 viagens em Atikum, boa. O toré
deles é igual ao nosso, eles bebem Jurema, hoje não sei, mais no meu tempo
eles bebiam Jurema e bebiam a cachaça, mais era queimada para trabalhar.
- E como é a história de aqui ter um povo chamado Tumbalá?
- Eu não sei e sabendo porque Quezinha, a avó de Cícero Marinheiro,
explicava e cantava a linha de, nós era muito colega, na casa de farinha
tirando a goma ela cantava a linha “lá no mato tem um pau, que se chama a
juremeira, flor branca semente preta, pra levar para a juremeira, viva os
Tumbalalá! Foi o que achei aqui. Muitos aqui dizem que não.
- Luiz Velho começaram e cortaram Aprígio começaram e cortaram, dessa
verba, tem freguês aqui que nunca bateram um maracá e tem terra hoje em
dia. Tem alguns Truká que servem mais tem outros que não. Lurdes de Acilon
é ruim. Tem hora que fala por nós e em outras horas fala contra nós. Quando
dona Diana veio, o pai de Lurdes (Antônio Cirilo), Lurdes nunca foi gente, e eu
nessa época tinha um belo cabelo, aí ela chegou e disse para mim Maria
Carla solta o cabelo, aí vai Antônio Cirilo e disse Baiano aqui não tem direito
na Ilha da Vila, aí Lurdes de Joao Alvino perguntou, como é?
- Falam que na época que Acilom estava cercado dos contra, vendo a hora de
morrer na mão deles, que defendia e protegia era os baianos (os Tumbalalá) e
os da Serra (Atikum), que ele morreu na Ilha da Favela, numa casa construída
com madeira tirada e levada pelos baianos. E que Antônio Cirilo sempre ficou
contra eles. Que quiseram tirar o direito da filha de Acilom porque ela tinha
ficado alguns anos fora da Ilha, e como é que fica quem ficou quase 20 anos
fora? (Está se referindo a Lurdes de Cirilo que morou em São Paulo). Insinuase que foram deixados de fora, na época de Diana por culpa de Antônio Cirilo.
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A derrota dele é a desunião e a inveja, a culpa é essa. Diz que ele roubou o
nome de Acilom. Hoje quem manda é a Lurdes!
Os Tumbalalá tem a tradição do trabalho de caboclo, tanto é que sabem
distinguir o que é de caboclo e o que não é. O Capitão Mané Ramos era
daqui, de Tumbalalá, quem conhece Mané Ramos? Eu conheço! E ele não
era aleijado. Ele era pai do caboclo Elias e avô do Mané Ramos que vivia aqui
e esse era aleijado. Cícero fala que andou com o finado Alonso (Aronso) e o
Capitão Mané Ramos. Trata-se de um sonho, uma visão, com os encantos.
Ele é que era o Capitão da Aldeia Tumbalalá! E hoje ele baixa no trabalho dos
Tumbalalá e não é o aleijado não! A informante diz que Acilon hoje em dia é
bonzinho, não tem mais aleijão não, porque eu vi no trabalho. Cilão ficou tão
bom...
Os Tumbalalá gostam de marcar propriedade/posse da história e da
identidade face aos Turká. Quando pedimos que nos dessem alguns nomes dos
encantos, na roda formada pelos dois irmãos Fatum, por Cícero Marinheiro, sua
sogra e a mestra do trabalho, quando cantavam algumas linhas que citavam
certos nomes, eram rejeitados porque citavam nomes que são da Assunção. Os
Tumbalalá buscam marcar um Panteão próprio e diferente do comportamento dos
Turká. Falam, em certos momentos, de Acilão como alguém que recebeu a aldeia
como missão, entregue pelos encantos, e como recusou foi punido, por isso
enlouqueceu. E que depois, começou a juntar índios de várias partes, para
acompanhá-lo no trabalho de aldeia (fazer toré, beber jurema, regimar). Que
Acilão juntou primeiro alguns colaboradores e só depois é que atravessou o rio,
procurando os “aldeados do Pambú”.
Note-se que a história do nome Tumbalalá está marcada por controvérsias.
Para Lurdes, filha e herdeira de Acilon, diz que foram os encantos que entregaram
o nome, na forma de uma mensagem, de uma visão, o nome Tuur-Ká e
Tumbalalá, na forma de uma rima ou de uma linha.
Registramos tal versão quando da pesquisa realizada entre os anos de
1988-1991 e está na nossa dissertação de mestrado. Diz: Tuxí, Tuxá, Tumbalalá,
Nação Tuur-Ká.
Para seu Luis Fatum o nome ele já sabia, pois foi ele que recebeu a
revelação. Acilão apenas confirmou. Na descrição do seu encontro com o encanto
Mané Ramos, fica claro o fato de ser ele o escolhido, e o papel de Acilão é apenas
de um auxiliar, coadjuvando e explicando o que tinha acontecido e a existência da
aldeia.
Acilão mandou assentar o cruzeiro, emparelhado com o dele, bem em linha
reta, e aí ficou fundado o terreiro do toré dos Tumbalalá. Só que os aldeados do
Pambu trabalhavam toda a vida, muito antes da fundação desse terreiro. Além do
que eles enchiam três canoas com os índios e iam cruzando o rio, no escuro, de
noite, dançar na Assunção. O que está sendo dito, segundo nossa avaliação, é
que eles eram convocados porque tinham força e pureza e que tal qualidade
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estava faltando, estava fraca, na Assunção. Seu Luis Fatum e o irmão Aprígio nos
contam, por sugestão de Ugo, a história da visita do Dr. Tubal Viana. Usam-se a
expressão “cabeça seca” como indicadora da polêmica sobre a existência ou não
de índios na Assunção. E que por ordem do Marechal Rondon se enviou Tubal e
que este era um homem muito conhecedor das coisas de índio e que este exigiu
de Acilão a apresentação de indivíduos que fossem realmente índios, isto é, não
tivessem, pêlos no peito, nem cabelo de nego. E que então Acilão pegou uma
canoinha e foi atrás do pai dos irmãos Fatum pedir ajuda, isto é, que eles fossem
lá para que Tubal ficasse satisfeito. A descrição é ótima, porque se diz que o
Inspetor estava dentro da rede e os caboclos desfilavam em fila indiana, sendo
então avaliados. Até que o pai dos Fatum passou e Tubal mandou que parasse e
“voltasse aquele velho de cabelo duro”. E lhe perguntou o nome e quantos filhos
ele tinha. Ele disse que cinco, só que uma filha não morava mais com ele. E que
Tubal zangado perguntou se estava querendo deserdá-la do que era dela (a
aldeia) seria sempre. (que efetivamente consta da listagem do inspetor Viana,
documento no processo Funai e efetivamente a lista foi construída privilegiando o
fenótipo indígena).
Tuxí
Tuxá
Oi Tumbalalá
Nação Turká
Caboclo que não tem flecha
Como pode trabalhar
Tem um arco
Tem uma flecha
Lista de Nomes coletados pelo inspetor Tubal Viana, do SPI, quando em visita de
trabalho a Ilha da Assunção.
1. Maria Rosa da Conceição
2. Antonio Cirilo
3. José Acilon Gomes
4. Miguel Delfino
5. Maria das Dores da Silva
6. Antonio da Silva
7. Celina Cirilo
8. Pedro Cirilo
9. Jovem Cirilo dos Santos
10. Emiliano Francisco de Barros
11. Adelina Maria
12. João Vieira Fatum (Conhecido como João de Silivina, pai de Aprígio e
Luís)
13. Firmino Lourenço Favela
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14. Alventina Maria de Santana
15. Sabina Maria da Conceição
16. José Ciriaco
17. Maria da Conceição dos Santos
18. Berto Cirilo dos Santos
19. João Batista Sabino
20. Emídio Sabino
21. Maria Carmelita de Santana
22. Joana das Graças
23. Geralda Maria da Conceição
24. João Francisco dos Santos
25. Maria Filomena
26. Antonio Francisco Cirilo
27. Maria Luiza de Barros.
E os Tumbalalá? Tumbalalá era uma aldeia que existia para o lado da Bahia,
sendo que todas as outras aldeias deviam obediência a aldeia desta ilha
(Assunção), porque esta era a mais importante. A área de abrangência da
Aldeia da Assunção era de 5 léguas. (Entrevista com Idelfonso Marcula, Diário
de Campo, pgs. 49-53)
Aí todos os caboclos são mestres
E Velho Uká é um doutor
Ai sou parente da Rainha
E serei um governador
Tuxí
Tuxá
Oi
Tumbalalá
Nação Turká
Cadê os meus camaradas
Que cantava aqui mais eu
Eles cantava primeiro
Em Segunda cantava eu
Se eu trabalho no encanto
E o meu descanso é no agreste
Eu trabalho é devagar
Na região da bia (abelha) mestra
Daí-me licença senhora
De na tribo eu trabalhar
Que eu vou (3 x)
52
É no encanto do mar
Mais um dia eu me deparei
É trabalhar na juremá (op. Cit. 69)
Note que temos versões diferentes, que no entanto não se anulam. Pelo
contrário, elas lançam luzes sobre o processo de etnogênese Tumbalalá. Não
importa muito se a história da luta pelo reconhecimento do grupo – levantar a
aldeia ou reconhecer a aldeia – começa a ser contada pelas ações empreendidas
por Odila e João de Silivina, sendo guiados por Acilão da Assunção, ao longo das
décadas de 40. Ou se podemos contar a história a partir das ações instauradas
pela liderança de Antônio de Lourenço, e em contraposição aos Truká. Porque
temos aí a idéia de uma coletividade vinculada a um passado comum, a um local
de residência e ao conjunto de práticas que são referendadas como significadoras
de uma qualidade distintiva. O fato de termos aí posta a questão de uma busca de
recursos materiais, inclusive, além do direito a recuperação da terra, não implica
em uma identidade indígena falseada. Pois é no confronto e nos embates que se
podem fazer expressivas identidades indígenas e étnicas, que se encontravam
potencializáveis, porém, não constrangida a uma exibição. É nesse sentido que
podemos falar em identidades criadas, pois que são resultados de processos que
ao serem instaurados constroém um diálogo a partir de elementos que estando
presentes são selecionados e acionados.
“Homem o que sei do meu entendimento pra cá eles dançam o toré, tenho 31
anos, alcancei já foi vendo eles lutando e dançando o toré e meus avós
também. Alcancei muito meu avô e minha avó já alcancei nessa função
dançando. E ai há muitos anos vivendo isso e aí aprendendo também com
eles dançar, já dancei muito com eles também... nós queremos que a aldeia
seja reconhecida pra trazer alguma coisa praqui que a região aqui é meia
fraca. E trazer um posto médico pra atender as pessoas é o que nós
precisamos aqui, terra pra trabalhar que a gente veve aqui no sofrimento que
num tem onde trabalhar né. E trazer mais coisas que precisar da aldeia. E
Deus ajudar que a terra, água e apoio da Funai pra continuar a vida pra frente.
Pra todo índio da aldeia.... e ai ficou meio esquecido porque agente nunca
tinha achado uma pessoas sérias pra tocar o barco pra frente né pra realizar a
aldeia porque eu sei que ela é muito grande né mais tava em ponto de
esquecimento e agora a gente quer tocar pra frente pra ver se a coisa
melhora né nessa aldeia e tudo mais.” (Ficha nº 084)
53
4.1. – Testemunho de Tuxá
É importante notar que se no discurso assinala-se uma busca por bens e
serviços, por outro lado, notamos também que a existência do grupo, ou dos
elementos que permitem a esse conjunto agora emergir enquanto um grupo
indígena, já se encontravam presentes. Senão, como podemos interpretar essa
presença dos terreiros do toré existentes há tanto tempo? Ou como podemos
compreender o depoimento colhido junto as lideranças Tuxá. A entrevista foi
realizada com seu Bidu – Cacique Tuxá de Nova Rodelas, Bahia. Dia 28/02/01.
Estavam presentes Cícero e Avelina, Tumbalalá, o motorista da Prefeitura. Depois
chegou Sandro e depois fomos para a casa de Ormando, com a presença de um
sobrinho e de um neto deste.
A gente foi a Tumbalalá depois que tomamos conhecimento do pessoal
Tumbalalá procurando sua reivindicação , como nós somos de uma aldeia , a
terceira aldeia reconhecida desse nordeste e a primeira na Bahia , tomando
conhecimento que Tumbalalá pode até fazer parte da nossa tribo , eram 12
aldeias na época da descoberta e a gente foi historiar, observar e
acompanhar, fazer parte também daqueles rituais. Passamos uma noite, todo
mundo feliz, todo mundo brincando. Cantos parecidos, cantos mesmos,
cantos de lá é canto daqui e o Pajé não dançou, o Pajé é muito observador,
ficou sentado a noite toda num banco observando. Amanheceu o dia a gente
veio para casa e no outro dia a gente foi para Paulo Afonso, com o
administrador de Paulo Afonso querendo saber o que foi que nós
encontramos. Cícero Marinheiro passou por aqui e fomos até lá, Cícero foi por
Pernambuco parece né e nós fomos por aqui para lá também e lá nós nos
encontramos. E aí seu Bidu e seu Ormando, o que é que viram na Tumbalalá.
Eu disse João não tem diferença, nós observamos avançamos na noite, fomos
na casa do segredo, onde se faz o segredo, tem tudos a ver, é igual. Então o
que é diferente é o que todos nós sabe, os povos todos do nordeste não é
mais o que era antes, mas em tradição é igual a nossa tradição. Então merece
sentar com eles, dá conhecimento a Brasília e vê se faz, pede o
reconhecimento daquele povo. E outros lugares, pela fundação de saúde eu
faço minha declaração em relação a Tumbalalá. Sempre o mais velho que faz
a apresentação lá e sendo o mais velho e conhecedor disso que venho de
tronco, tive nos Tumbalalá vi o povo, vi o que tem, o material que a gente usa
mesmo, como fazer a fórmula, com o que, lá tão sempre bebendo Jurema que
é o vinho tinto do índio. Aonde tem índio que faz seus rituais, mantém seus
rituais, lá suas religião lá na aldeia e não tem Jurema, então é diferente. É
outro tipo de religião que ele tem. Mas a religião do índio é com Jurema
porque.. deixou para o costume do índio, então não tem outra coisa. Então tá
aí e já tenho dito que a gente torce para que isso aconteça.
Apesar da nossa amizade e do nosso conhecimento, o próprio João
Valadares, o administrador gosta muito do modo de Cícero, de seu Aprígio e
seu Luís, aprecia muito o seu cacique, uma pessoa que sabe se expressar e
se conduzir. Não gostou foi do outro porque ele já conhece o outro (eu
pergunto se o outro é seu Antônio e ele responde) é o Antônio e o Manoel que
na época foi o escolhido.
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Joao Valadares já disse que vai se tornar o Tumbalalá por causa disso, que
João já tomou conhecimento.
Conversa com Ormando
Os Kantaruré, eles lá. Eu mesmo não sabia que tinha essa aldeia deles ali. Eu
sabia antigamente que tinha o Brejo do Burgo. Era uma aldeia que toda uma
vida desde menino eu ouvia meu avö falando e os outros falando que era uma
aldeia. Mais essa daqui dos Kantaruré nunca tinha ouvido falar, mais depois
de um certo tempo eles começaram a reunir lá e brincando lá e aqui e
começaram um conhecimento com Bidu, ai daí nós comecemos a nos
encontrar em Paulo Afonso e daí foi começando a entrosar mais a amizade, a
camaradagem e chegou ao ponto que nós ia para Brasília, eu ia mais Bidu e
Carlito ia lá de Mirandela e Afonso ia dali do Brejo do Burgo aí eles foram
junto com nós. Eu nunca nunca para dizer que num assisti ao trabalho deles
assim, dentro da aldeia deles não. Já assisti dentro de outras aldeias, como
na aldeia ali da Quixaba no tempo que Zé Vino estava aí um dia nos fumos e
eles tiveram junto com nós e brincando com Zé Vino. Mais tá dizendo que eu
assisti um trabalho deles dentro da aldeia para ver o fundamento eu podia, eu
nunca assisti. É como também lá nos Tumbalalá, eu tive lá bem verdade,
brincaram o toré, certo. É tudo tem a ver com comunidade de aldeia, agora
também não cheguei a ver a religião, a principal, num cheguei a assistir. Para
ver se vem de tronco mesmo, nunca assisti, mais sobre a brincadeira deles é
de aldeia de índio esse outro problema dessa pessoa que tá mais com ele
num pode. Não pode porque, se ele é Tumbalalá os outros também são
Tumbalalá. Como é que pode dentro de uma aldeia um ser Tumbalalá e o
outro não ser, então o que é que é. Não pode. Se são tudo de um sangue só,
de uma triba só.
- Eu peço para falar um pouco da época do Capitão João Gomes, que ajudou os
Truká.
Para começar a minha avó era descendente dos Truká. Meu avô casou com
ela e trouxe para aqui, para os Tuxá. Mais daí então quando meu avo
começou a procurar o direito dele ai ele ia até o Rio de Janeiro. Eu não era
nem nascido. Minha mãe já era nascida só que era criancinha, que quando ele
foi a primeira vez para o Rio a velha estava doente a mãe de minha mãe e ele
foi com ela e deixou lá com a família, nos Truká. E ele foi para o Rio, então
dessa viagem, você veja como os caboclos eram naquele tempo que saiu de
casa e deixou a mulher já para morrer e foi para essa viagem passou um ano
lá, com um ano foi que ele retornou, quando chegou ela já tinha morrido, né. E
aí ele ficou lutando, andando, e procurando os direitos dele daqui porque ele
ia na Assunção. Então com o tempo Antônio Ciliro que foi o primeiro que
conheci lutando pela Assunção, aí ele começou a viajar mais meu avô, foram
ao Rio de Janeiro, meu avô com ele procurando os direito dele lá porque aqui
a gente já era reconhecido. Ele ia com ele ao Rio de Janeiro, foi umas duas
vezes, ele ao lado dele dando força a ele, a Antônio Ciliro. Então depois de
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um tempo aí ajuntou-se Acilon junto com Antônio Ciliro e começaram a lutar
pelos direitos foram para Recife, andaram parece que Acilon não andou em
Brasília, no Rio, foi Antônio Ciliro. Eles andaram, andaram aqui muitas vezes.
Onde tinha uma pessoa que falasse direito, falasse a favor eles iam lá. Meu
avô sempre ajudando eles por causa de, uma que era o mesmo sangue e
outra a mulher dele era de lá e ele tinha que dar uma força também, inté que
chegou a época se prontificaram mesmo dentro da luta Antônio Ciliro mais
Acilon e aí começaram a procurar os direitos deles e aí meu avô nessa parte
ele afastou, eles já estavam feitos na coisa né. Já sabiam procurar os direitos,
aí meu avô já ficava de retaguarda. Quando eles precisavam eles vinham
aqui, ter uma palestra com ele, procurar estavam com um sentido de fazer
qualquer coisa e aí procuravam ele como é que podia ser e ele dava como é
que podia fazer, então ficaram assim até que meu avô morreu.
- E na questão da religiosidade, como é que foi isso ? (é o Sandro que
pergunta)
o problema da religião, os Truká eles nunca perderam não. Os Truká antigo
nunca perderam não porque não foi como os Kiriri não, eles tinham os
trabalho dele e quando eles começaram a reunir, para trabalhar para renovar
a aldeia eles já estavam feito, tinham o seguimento deles certo como os
Tumbalalá também, eles já tinham, todos eles já tinham. Foram uma aldeias
que perderam vamos dizer assim a procuração, procurar os direitos naquelas
épocas, os brancos começaram a invadir eles se afastaram. Mas que a ciência
eles ficaram com ela. Nós, nós, com se diz, os índios nordestino não tem mais
a aparência de índio, mais nossa aldeia nunca perdeu toda a vida eles
sustentaram. O branco invadindo as terra, tomando as terras, mais a ciência
deles eles nunca deixaram de não cumprir, com as obrigações deles né.
Como se diz, já Mirandela índio como se diz índio, agora não que já estão
braiado, mais quando conheci eles tavam puro, eram puro, perderam a
ciência, eles não sabiam de nada e vieram aprender com nós aqui, nós é que
foi, eles vieram procuraram a nós, eu e Bidu e o cacique nesse tempo era o
Compadre João Onório, e a gente nós fiquemos até assim, eu mesmo fiquei
meio sirieiro (acho que é declinação de sério, cismado talvez) de num querer
ensinar para eles, (Sandro fala, exemplo de Atikum) por causa de que quando
os índios daqui foram ensinar os Atikum aí o pagamento que eles queriam dar
era matar o que foi ensinar, uma briga danada entre eles lá. Nós conversando
um dia, só nós mesmo aqui, lembre do finado Roque e Antônio de Anária, o
pagamento que eles queriam dar era matar eles, através da ciência eles
queriam já estavam querendo saber mais que os outros. Aí os meninos,
compadre João mesmo disse – ele é sangue da gente, será que queria
mesmo. Aí nós convidemos que eles viesse, aí nós fizemos um trabalho, eu
dei todos os pontos a eles, para eles fazer lá, dentro da aldeia deles, um
trabalho junto com nós e eu disse vocês ficam por aqui e lá é aldeia porque eu
sei que lá é aldeia, então nessa estrada vocês vão até que vocês encontram.
E foi mesmo, chegaram lá e começaram a cuidar , como a gente tinha
ensinado a eles e hoje estão feitos.
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- Eu pergunto sobre o apoio que João Gomes, e da cabocla Luisinha, que
ajudaram a firmar.
É verdade, e foi também Roque e Antônio de Anária. É veja só, os Tumbalalá
eles começaram, estão começando. Mais as vezes dentro da ciência eles tem
um ponto que eles ainda não estão feitos naquele ponto, justamente é como
na Ilha da Assunção, eles dançavam o Toré mais dentro da ciência tinha um
ponto, como se diz, seguindo direito e fazendo como devia ser, aí a cabocla
foi, Luísa, Mestre Antônio teve lá também e daí como a ajuda dele e nós
começaram a trabalhar e foram seguindo e hoje tão tudo feito.
Volta seu Ormando e ele diz – posso bem dizer que com idade de 12 anos eu
vinha nessa luta com meu avô, e nessa época os índios não queria lutar com
medo dos brancos matar e ele andava sozinho, aí minha mãe dizia, pai leve
Ormando, ele não serve de nada, mais serve ao menos para fazer companhia
ao senhor, ai eu ia, pequeno, fui crescendo andando mais ele, andando até
que fiquei homem feito e aí um dia eu disse para ele, meu avô eu não vou
mais andar nessa vida não, vou procurar outro ramo e ele ficou na luta e
quando eu cheguei por conta para receber esse cargo de Pajé eu já sabia de
tudo, eu já assistia dentro dos trabalhos da ciência a todo uma vida desse
taminhinho aí, que nessa época eles não aceitava meninos desse tamanho,
de menor eles não aceitava nenhum, na ciência eles não aceitava. Quando
eles viam menino eles diziam vá embora, vá dormir, não vem para cá não. E
eu tinha uma tia e eu era muito pegado com ela, era tia de minha mãe, eu era
muito pegada com ela e ela gostava muito de mim. Naquele tempo o povo
usava aquelas saionas bem grande, aí eu agarrado com ela e quando era o
dia dos trabalho e o trabalho era mesmo na casa em que nós morava ai eu já
estava mesmo com vontade de assistir eu ficava por alí. Os outros iam dormir
e eu ficava por ali, encostado na veia e quando era na hora eu agarrava nas
saias da velha, sentava ali encostadinho a ela e quando a mestra via dizia
Bernardina – ela se chamava Bernardina – bote esse menino para ir embora.
Ela dizia – não pequena, o bichinho que ficar aqui e aí a velha me cobria com
uma saiona e eu ficava até que eles viram que não tinha jeito mesmo, não
dava corda de tirar eu do meio deles afrouxaram e fiquei fiquei, continuei
andando com eles e toda vez que tinha um trabalho eu ia, até que chegou eu
me casei, quando eu me casei eu me afastei. Meu sogro era da cabeceira da
mesa, era um caboclo muito general, sabia muito e um dia ele chegou para
mim e disse – Compadre, o senhor não freqüenta mais o trabalho ? eu disse
não estou dando um tempo. Sempre que tinha um trabalho ele passava lá em
casa, dizia, nós já vamos. As vezes eu ia as vezes não ia. Quando foi eu
comecei a trabalhar. Fui trabalhando, trabalhando, até que quando chegou a
época que ele reconheceu que tava para desaparecer, aí ele falava juntava na
casa dele e dizia – eu, Bidu (era filho), compadre Antônio Vieira (era
sobrinho), as meninas – ele sempre dizia olhe eu já estou perto de
desaparecer, as vezes ele falava assim – qual é de vocês que quer ficar com
a minha ciência ? e eu ficava de parte ali e eles não falavam nada, ficavam
calados, e eu ficava me mordendo com medo de abrir a boca e dizer uma
coisa e eu como genro não queria dizer eu quero ficar com a sua ciência . Eu
esperava que ele dissesse, porque eram mais de perto, um era filho e outro
57
era sobrinho. Ai quando chegou a hora dele morrer ninguém disse nada. As
vezes eu falo para eles hoje em dia o que falta por causa de vocês não terem
uma experiência se declarado, naquela hora, bom meu pai ou meu tio eu
quero ficar com sua ciência seu saber, ele tinha deixado mais ninguém se
manifestava. Ai eu fiquei ele morreu minha tia também morreu, já tinha
morrido já, ficou só a cabocla Maria Clara e a cabocla Inácia e Maria Pequena.
Elas ficaram trabalhando, trabalhando, mais uma morava no Juazeiro e vinha
aqui de saltada, as vezes vinha passava uma semana, até um mês e nisso
voltava de novo que era a cabocla Maria Inácia, as outras morava aqui. Aí foi
indo, foi indo, morreu uma depois morreu a outra aí pronto e agora, o que é
que vamos fazer, (alguém diz, o que é que vamos fazer?) quem é que vai
levantar o trabalho, ai fiquemos, nessa época Bidu já estava por dentro
também, já estava acostumado e o meu compadre João Honório era um
caboclo que trabalhava no centro nunca perdeu um trabalho aí um dia eu
disse oxe compadre e agora o que é que vamos fazer, vamos ficar parados,
não vamos brincar mais não ? vamos, nós vamos, o senhor não tem coragem
de enfrentar não, ele me disse. Nós vamos nos ajuntando e eu não tenho
medo não. Ai comecemos a trabalhar, eu e ele Bidu e os homens e as
mulheres, porque voce sabe nessa parte se ajunta mais mulher para o
trabalho. Ai comecemos e apareceu um doutor aqui na primeira vez que saiu
um doutor nas equipes volantes nas cidades, era doutor Mário, era doutor
Mário ?, parece que era e doutor Rovésio e Dalvanete e tinha um doutor que
esqueci o nome dele e ele consultando o povo lá no Posto ai depois ele
procurou não tem Pajé aqui na aldeia não? Aqui a gente não tem Pajé não,
aqui a gente só tem mãe de terreiro e tinha o Capitão, mais ele já faleceu.
Fazia pouco tempo que meu avo tinha falecido e ele disse, pois então tá bom
de criar um Pajé na tribo e já muita aldeia lá no sul já tem. Por aqui não tinha
em canto nenhum Pajé e nem Cacique aí os caboclos me falaram – o doutor
disse que tá bom de criar na aldeia um Pajé e um Cacique, lá paro o sul já
tem. Eu disse quem é que vai ser esse Pajé e esse Cacique? O Pajé vai ser
você e o Cacique a gente bota outro. Eu disse, eu não quero e não quero
sabe porque eu dizendo a eles, eu num quero o camarada para receber esse
encargo de Pajé, é obrigado o camarada, a pessoa bem por dentro das
ciências e também Ter um respeito muito grande e ser respeitado pela
comunidade, não é só dizer que coloca um Pajé e não querer atender o que
ele diz, respeitar. Nesse tempo eu ainda era novo e mesmo eu ainda sou um
homem novo e bom é um mais velho, tem muito mais velho que eu aqui. Não
o bom é você, mesmo, eles diziam. Não, vamos caçar um outro mais velho, eu
dizia. E eles, não num tem outro mais velho não. Só quem pode ser é você
mesmo. Aí quando foi na hora do toré, nos tivemos um toré de noite, aí ele, o
doutor, nós dancemos, dancemos, aí o doutor ele procurou aos índios. Qual é
o índio que vocês acha que pode receber o cargo de Pajé? E eles diziam é
Ormando, é Ormando. Aí depois vinha chegando um caboclo de viagem,
vinha chegando naquela hora. Ai (o doutor) foi e disse – qual é o índio que
você acha que pode ser o Pajé da aldeia? Ai ele chegou e bateu no meu
ombro e disse – esse aqui. E aí todo mundo apoiou dizendo é esse ai mesmo.
E eu fiquei desde essa época, já tem mais de 30 anos. Ai fiquei sem Cacique
porque não tinha cacique ainda. Já o cacique quem botou foi eu sozinho, que
era o índio que me acompanhava, era o que trabalhava, que sabia mais da
ciência junto comigo, era compadre João Honório, eu disse, o senhor vai ficar
como Cacique. Ele ficou como cacique um bando de tempo até que chegou a
58
época dessa infeliz barragem que veio nos destruir aí ele deixou porque ele
era como eu não sabia ler e é obrigado a viajar muito. Aí um dia ele chegou a
mim e disse compadre procure outro índio para ser o cacique, eu vou deixar,
você sabe nós vamos entrar agora nessa batalha aí e deve ser uma pessoa
que saiba ler, mais experiente. Mais aí eu já andava mais Bidu, já tinha feito
um bocado de viagem para Recife, para Brasília, aí eu falei a Bidu, nesse
caso quem pode ficar é você porque você é mais experiente na coisa e sabe
ler, aí ele ficou até hoje como Cacique. Aí eu hoje digo, nessa época não tinha
nem um pajé nessas aldeias aqui nem Mirandela nem Brejo, nenhuma tinha
aqui nem Pajé nem Cacique. Primeiro Pajé e Primeiro Cacique foi aqui de
nossa Aldeia. Aí eu vejo hoje um Pajé vai em Brasília ai lá ele faz um
documento dizendo sou o Pajé geral do Nordeste, eu não apoio isso de
maneira nenhuma porque para você ser um Pajé Geral é obrigado você sair
por todas as aldeias procurar o Pajé e o Cacique a comunidade se aceita ele
de Pajé Geral. Não é o camarada chegar lá e abrir a boca e dizer sou Pajé
Geral de todas as aldeias. E outra para a pessoa ser um Pajé Geral de todas
as aldeias é obrigado estar presente em todos os problemas em todas as
aldeias, tá defendendo. Eu não vejo ele fazer isso. Ele só é pajé da aldeia dele
4.2. Versões das Lideranças Tumbalalá
Podemos então passar ao último ponto que queremos aqui tratar – as
versões apresentadas pelas duas lideranças quanto a história e a filiação dos
Tumbalalá. Passemos ao depoimento de Cícero Marinheiro:
- O que eu sei é que quando eu era muito pequeno, porque eu fui quase
criado pela minha avó que viva dentro de casa e ouvindo ela cantar eu
procurei saber o que era aquele canto, o que significava aquele canto e ela
disse que era um canto dos índios e que nós era índio e que nós morava
dentro de uma aldeia e que falou que aqui existia a dança do toré e que
quem dançava o toré ela até chamava de meu tio João de Silivino e que era
no São Miguel que eles dançavam o toré e que o pai dela era índio, era de
indescendência indígena e que nós tinha essa religião que era o toré.... (grifo
nosso)
Note que a narrativa é iniciada pelo reconhecimento de que se está
vivendo em uma terra que é uma aldeia e que os antecessores são índios, com
um conhecimento e uma prática indígena. O toré está profundamenteimpregnado
na memória do grupo como sendo uma prática antiga, anterior mesmo ao início do
processo entre os Truká e que não foi ensinada por nenhum outro grupo ou por
nenhuma outra pessoa. Dança-se o toré nessa aldeia há muito tempo e ele é
pensado como uma religião nativa. Continuemos a transcrever o depoimento:
Mãe Odilia muito antes porque ela era uma parteira e foi ela quem pegou os
filhos da minha mãe, é por isso que chamo ela de mãe Odilia e também já
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ouvia falar que ela era uma índia, que dançava o toré. Minha mãe falava, meu
pai falava que ela era uma das chefes do toré daqui da aldeia Tumbalalá...
Maria Pandé era uma cabocla e dançava o toré com Silivino e com as filhas....
Aqui era uma aldeia eu descobri quando comecei a trabalhar no toré. O
trabalho do toré, os cantos e com a manifestação, o encanto, de que quando
ele chegava ele dizia que aqui era uma aldeia, inclusive tem os mestres da
aldeia que é Manel Ramos, João Cura, o vaqueiro João, a Princesa Dalva, a
Princesa Rosa, Maria Salomão, são os encantos que a gente conhece. E ai foi
quando cheguei a realidade que aqui era uma aldeia.
É muito importante destacar esse mecanismo presente ao discurso de
aferição da legitimidade da identidade reivindicada. A avó dançava, dizia que o
lugar era uma aldeia e, ao mesmo tempo, é quando se começa a participar que se
passa a ter acesso ao conhecimento e ao reconhecimento dessa condição. O
melhor testemunho passa a ser aquele que é dado pelos encantos. É o mesmo
proceso com o qual nos defrontamos entre os Truká e entre os Tuxá, dois grupos
com os quais tivemos oportunidade de trabalhar. A fonte na qual se busca
informações e verificações constitui-se em espiritos que explicam, corrigem,
determinam, punem e gratificam os seus parentes vivos e encarnados.
- E o Manel Ramos. Como você entende que ele é o mestre da aldeia?
(pergunta nossa). Eu penso que era uma pessoa que comandava a aldeia,
inclusive é um dos encantos que já conversei com ele, já procurei com ele se
ele era aleijado ou não.... Penso que o tamanho, seu Luís que é uma pessoa
entendida e sempre conversa com o encanto, através dele eu sei que a
aldeia tem um espaço longo vai de Ibozinho até o Riacho dos Campos Novos,
um riacho que fica acima de uma propriedade chamada Matinha e seguindo
esse riacho tem uma lagoa chamada de Campos Novos que é tirando direto,
que é onde fica, vai até lá a aldeia.
Muitos informantes identificam o encanto citado acima como sendo o “dono”
da aldeia e é relevante perceber que a noção do espaço legítimo ao antigo
aldeamento se faz pelas informações prestadas pelo encanto ao líder do grupo.
Embora estejamos destacando apenas alguns depoimentos, no anexo V
disponibilizamos mais de uma centena de depoimentos, e neles podemos ver o
quanto que essas noções se configuram coletivamente. A certeza de que
estamos numa terra de aldeia, de que os atuais moradores são legítimos herdeiros
daqueles que viveram antes. Que os encantos referendam tal pretenção e que é
no contato com o mundo dos encantos que se pode aprender uma verdade.
- Tem algumas famílias que você reconhece como sendo da aldeia. Me liste?
(pergunta nossa)
- São as famílias que a gente reconhece como sendo de origem daqui. São as
família Fatum, Santana, família Santos e Anunciação. São as mais conhecidas
que eu tenho conhecimento que são originais daqui.
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- A história de Santo Antônio o que eu já ouvi falar pelos mais velhos é que o
aldeamento, o local, uma sede para os encontros pros padres fazer
missa então se encontrava todos os índios da região, os portugueses que
tinha na época se reuniam todos naquele local. Então ali era o local que tinha
tudo. Antes de Santo Antônio tinha Nossa Senhora da Conceição, aí então
houve uma guerra no Pambu dos índios com os Portugueses, dizem que
nessa guerra morreu 500 pessoas e então os índios fugiram, no momento da
guerra os que escaparam fugiram, saíram de um lugar pra outro distante.
Então quando tudo se acabou eles voltaram, estavam as casas tudo
derrubada, caídas né. Então quando chegaram ali que voltaram encontraram
numa pedra a imagem de Santo Antônio, então nessa pedra dizem que tinha
uma Nome, umas letras dizendo – Santo Antônio do Pambu combatido não
vencido. Então a partir desse tempo começaram a festejar as novenas de
Santo Antônio, que é do final de dezembro até o dia 05 de janeiro, dia de Reis.
A memória sobre o aldeamento comporta inclusive a história milagroasa do
aparecimento do Santo. Santo Antonio é consierado como milagroso e é
consagrado não só pelos moradores, que se dizem morando em terra do santo,
mas pelos devotos espalhados por diversos locais. Podemos dizer que o Pambu
é um centro de peregrinação e a igreja (ver fotografia nº 2, dentre outras) constituise num marco para todos na regiao. Porém, como já deve Ter sido registrado não
se desvincula o santo, a igreja, do aldeamento e dos índios.
- Entendo que Acilom foi uma pessoa muito importante na história Truká como
na história Tumbalalá também, porque a família Fatum não tinha uma
sabedoria, um grande entendimento, que sabia que aqui era aldeia, mais
antes não sabia que Nome tinha essa aldeia né. Então através de Acilom
eles levantaram o Nome da aldeia e Acilom sempre dava uma força para
eles que eles continuassem lutando na aldeia, continuasse lutando na nossa
aldeia, que um dia a gente ia conseguir. Até inclusive ele prometia né que
quando trabalhasse lá, fizesse o levantamento da aldeia dele ele vinha ajudar
aqui. Foi quando ele faleceu e os que ficaram não se interessaram o tanto que
ele se interessava. Inclusive seu Luís e seu Aprígio, e mais seu Luís tem um
respeito muito grande por seu Acilon né, que através do que ele fala de seu
Acilon aquelas pessoas que são como eu muito interessados na aldeia
também sintam tirar de Acilon uma grande figura, uma grande pessoa, uma
pessoa importante, dentro da aldeia Truká e Tumbalalá.
Temos então uma tentativa de, no momento presente, acomodar a história
de Acilon ao processo Tumbalalá. Vamos encontrar tantas variações que servem
como marco de reconhecimento da múltiplas possibilidades que se encontram
disponíveis na história e na memória. A cada contexto podemos ressalvar ou
obscurecer certos personagens e aspectos. Certamente, tanto os Tuxá, quanto os
Truká e os Tumbalalá sempre fazem referência ao Acilão. Tanto pode ser num
tom mais crítico como também mais ameno. O certo é que Acilão, aparentement
percebeu a força dos Tumbalalá e os agregou na luta Truká, sempre com a
promessa de ajudá-los futuramente. Só que o futuro chegou e implicou numa
61
expansão Truká em detrimento da existência plena dos Tumbalalá. Esse é um dos
focos de disputa instalado dentro dos Tumbalalá. A partir de que marco
começamos a contar a historia? Os irmãos Fatum recuam a época do pai, grande
amigo de Acilão, enquanto que Antonio de Lourenço prefere colocar-se como esse
marco. É um processo bastante compreensível e que só faz reforçar a idéia do
esforço vivido nesse momento.
- Me fala um pouco sobre a história desse cruzeiro. (pergunta nossa).
- A história desse cruzeiro com seu Luís que é a pessoa com quem eu mais
converso sobre o cruzeiro me conta que ele teve um sonho que tava em
Pambu, no sonho ele tava em Pambu, então encontrava com um índio e esse
índio dizia a ele como era as coisas, onde era isso e onde era aquilo. Então
ele disse que o índio dizia uma coisa a ele que ele não entendia pelo Nome e
ai então ele conversou com seu Acilon que tinha tido esse sonho e tudo e seu
Acilon disse é Luís, que lá é aldeia como todos vocês sabem, mais esse
Nome que ele disse é que era aldeia Tumbalalá, então você como teve
essa visão, você tem o direito de fazer um cruzeiro e assentar lá pra
vocês dançar o toré. Então ele diz que ele fez o cruzeiro e assentou esse
cruzeiro, inclusive disse que tinha presente um índio de Águas Belas e então
ele assentou esse cruzeiro aqui junto com a família dele e esse índio que tava
junto com ele. Por que antes não tinha, dançava toré em qualquer lugar, não
tinha o cruzeiro no local certo. Então foi daí que partiu e foi feito o cruzeiro no
São Miguel.
Estamos diante da narrativa que reconhece o direito ao cargo ocupado por
seu Luís, o chefe, porque recebeu através do sonho, a mensagem do encanto,
que forneceu o etnônimo e o direito á luta. É bastante compreensível que um
postulante e concorrente tente deslegitimar e instaurar outra narrativa. O que nos
importa é perceber que estamos diante de um conjunto que é o mesmo, apenas
contado de maneira distinta: Truká, Acilão, Toré, Cruzeiro, Etnônimo, Luta e
Chefe.
- Você acha que esse movimento que vem desde a época de seu Silivino,
passa pelo seu Luís e Aprígio e chega até você, eles todos andavam atrás de
que, o que procuravam? (pergunta nossa).
- Acho que ele estava procurando a terra porque uma aldeia sem terra não
pode acontecer. Porque o principal da aldeia é terra, porque em 1o lugar tem
que preservar nossos costumes e nossas tradições e também os locais como
os locais sagrados que é lugar de respeito, onde foram enterrados nossos
antepassados, Eu ouvi de muitas pessoas que o lugar mesmo da aldeia não é
aqui, o lugar da aldeia é até o nome diz Missão Velha, que o centro é aquele
areal onde tem as coisas. Como você entende esse tipo de afirmação?
- Eu sei que o centro antigamente da aldeia era lá, não onde hoje é o Pambu,
mas encostado, do lado de cá do riacho, era onde ficava a vila né. Como
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então o que aconteceu na guerra, com falei, então as coisas mudaram, ai
quando encontraram Santo Antônio, no local, não foi no mesmo local que
tinham as casas, encostado sendo pra baixo do riacho onde hoje é a vila.
Encontraram Santo Antônio ali e onde construíram uma nova vila. Mais não é
dizer que os índios todos moravam naquele local, era uma parte, como
acontece hoje. Por exemplo, a morada de Manoel Ramos não era na vila, não
era na vila, era mais abaixo onde hoje e a vila do Pambu. Depois pra lá, então
é isso que vejo. Ele quando teve essa visão com Manoel Ramos ele montou o
cruzeiro aqui porque era o lugar onde morava ele, o pai dele e nessa época os
próprios índios, a maioria, era contra porque muitos não tinham ainda noção
do que é que era, nem aquela coisa, então só era mais a família e os vizinhos
perto.
A novidade vivida hoje pelos Tumbalalá, pode ser circunscrita ao aspecto
de independência (com as limitações) do atual movimento. Não mais se está
fazendo parte de um movimento de reivindicação do outro, como foi durante tantos
anos com os Truká. E num certo sentido, terminou-se instaurando uma pauta
própria que implicou na necessidade do grupo não só se abastecer de elementos
tirados do passado, porém, buscar forjar outros que os projete num futuro melhor.
No momento em que os Truká recomeçaram a lutar para retomar terras na ilha da
Assução, mais uma vez se buscou ajuda junto aos Tumbalalá. Só que a troca
ficou sempre desigual, pois que a ajuda Truká foi a de receber Odila na Ilha e não
procurar ajudar os que estavam vivendo nas margens. É daí que Cícero e outros
começam a buscar um caminho próprio e a história passa a ser contada e
procurada na Bahia, ao invés de Pernambuco.
- Foi a partir, depois da retomada que teve em Xinxa, a gente começou a
conversar entre nós, só eu seu Aprígio e seu Luís e começamos a conversar
mais. Ai então quando fomos conversando esse tempo todo e chegou o
momento em que tivemos que sair e depois disso teve a retomada de Cícero
Caló. Eles já vinham conversando, só que não deu. Agora a gente começou a
fazer reunião com o grupo, não é o grupo que tá ai hoje que nem sabe o que é
aldeia, que não sabia de nada. Era um grupo pequeno, era o grupo da qui do
São Miguel, da Foice, Salgado, do Porto da Vila. Não existia, do Pambu, de
dentro da Vila do Pambu só existia eu e minha esposa, não existia outras
pessoas. (...) Ai já veio gente do Pambu e a gente decidiu que ia até Paulo
Afonso da DR pra procurar direitos. Então quando a gente tá ali, todo
organizado, surgiu um rapaz no Pambu chamado Marco Trombone que
chegou num carro lá na casa de João de Plínio e procurou – aqui é uma
aldeia?. Ele disse – i é. – quem são as pessoas as pessoas mais velhas aqui
na aldeia? Ai ele disse – Aprígio e Luís, ele tem uma sobrinha aqui e eles
sempre andam pra lá e o toré é aqui em cima. Eu vou indicar Aprígio e Luís
porque o pai deles não é mais vivo nem também os vizinhos são. Orôncio não
é, Mestre Paulo não é, Moisés não é, nem o pai deles é. (...) Então ele o levou
até lá na minha casa, conversou comigo, ai eu disse – como é que a gente
faz pra conseguir. Ai ele disse – não, eu vou encaminhar as coisas como é
que vai ser. Você está falando com a pessoa certa. Ai então ele disse que ia
tentar uma reunião, uma vinda dos Tuxá pra qui. Ele tava trabalhando com os
Tuxá. E nós nem tinha ido a Paulo Afonso, a gente tava organizado, mais não
tinha ido ainda. Ai então ele foi e conseguiu trazer as lideranças Tuxá aqui,
63
seu Bidu, cacique, seu Ormando, Pajé e um sobrinho de Bidu que eles tratam
por Dotô e outro índio apelidado por Padilha. Ai veio Ugo Maia, Márcio
Mascarenha, Mascarenha? Parece que é isso. E essas quatro lideranças
Tuxá. Chegaram cedo aqui, começaram a bater papo com a gente e depois
fomos fazer o toré. Então, os índios Tuxá passaram a noite todinha dançando
o Toré com a gente, menos o Pajé. O Pajé ficava de lado, só observando né.
Então, depois disso, Marco Trombone marcou uma reunião com João
Valadares, que ia com umas lideranças Tumbalalá até lá e as liderança Tuxá.
Então lá perante as lideranças Tuxá e Aprígio e Luís e Marco Trombone teve
uma reunião com João Valadares, então a gente falou qual era o problema da
gente e as lideranças Tuxá disseram para João – Olhe, se tem índio aqui no
Nordeste, então eles são índios, porque eles tem tudo, tem ritual, tem os
cantos, até a dança, tudo é parecido com o da gente. E na verdade eles
são de família indígena. Eles tem o toré e preservaram até hoje o toré. Ai daí
foi feito um documento, que foi enviado para a Funai em Brasília. Depois a
gente teve uma resposta que não tinha prova que exista esse aldeamento, ai
daí foi surgindo algum documento.
E passemos ao depoimento de Antônio de Lourenço:
eu conheço como aldeia do tempo dos indescendentes. Nós sabia assim
porque nossos bisavores, nossos avores, nossos tios diziam assim nós tamos
dentro de um tribo mais não sabemos o nome. Foi quando surgiu aqui o
trabalho de seu Acilão Ciriaco da Luz por causa de branco querer massacrar
eles ali na Ilha e ai ele corria aqui pros baianos porque ele tinha os amigos,
que nem nós tem na Truká, parente aqui. Ficava por aqui 15 dias, 20 dias, de
acordo com a agressão lá. Ai ele combinou com seu João de Silivina pra fazer
esse cruzeiro pra nós trabalhar pra dar força aos Truká........ Depois a gente
trabalhava na Ilha do Camaleão mais o velho Deodato e ficamos trabalhando
por Truká por Truká. Eu num acreditava em índio e nem sabia, dançava era
por farra.... Então Truká se foi nas maior questão, tudo que se foi e nós
fiquemos trabalhando por aqui, foi quando foi morrendo a metade, depois
ainda veio mais de fora... . Ai eu fui na casa de uma pessoa que fez o trabalho
e disse – você só tem corrente e suas correntes você tem que trabalhar. Ou
você vai morrer enforcado ou queimado ou vai morrer ganhar a caatinga
porque você não queria trabalhar.... , isso foi quando? Toda a vida eu
trabalhava, mais eu comecei a trabalhar lá nas matas em 74, aí eu desci pro
rio e o meu cruzeiro tem 4 anos que eu infinquei, que eu abri mesmo o
trabalho no terreiro. Proque a natureza me deu o trabalho e desenvolveu o
que tenho foi dado por natureza. Eu não tenho trabalho de seu ninguém. Não
tenho trabalho de Truká... Aí foi eu que desenvolvi a aldeia. Um dia dei o
nome da aldeia a essa mulher a.... Então eu quero meus direitos, meus
direitos. Quero que a gente reconheça a aldeia, nós ser reconhecido como
índio e nós ter nosso direito. Já tou velho... A sede da aldeia é naquelas
areias. O Pambu não é a sede. Eu sei de tudo, da raiz, das ramas, dos
troncos. E o que tenho eu recebi dos encantos. Se não for aprovado foram
eles que erraram. Pambu foi na segunda grupação, porque a aldeia não é
Pambu é Bambu..
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5. Pequena Etnografia sobre a esfera ritual entre os Tumbalalá
5.1. o toré e o trabalho de mesa
O toré entre os Tumbalalá é identificado como uma dança ou uma função.
Alguns se referem ao processo chamando de obrigação ou “saber pular”. Os
Truká chamam-no de “folguedo dos índios”. Em ambos este ritual é encarado
enquanto uma diversão, algo típico dos “caboclos” ou dos “índios” e de forma
simplificada consiste na reunião de um grupo de participantes que se dividem
entre as seguintes funções: cantadores ou puxadores e assistidores, que se
reúnem num em local determinado, aberto, chamado de terreiro, tendo por
objetivo um “divertimento”. (Ver fotografia número 15).
O Toré, numa primeira descrição, consiste numa reunião de um grupo que
se distribui em duas filas paralelas, que pode se transformar em uma única fileira e
que evolui ao compasso da batida de maracás e do silvo dos apitos. (Ver
fotografias número 18, 33 e 34).
Nos torés a que assistimos vamos encontrar um banco que fica do lado
oposto aonde se situa o cruzeiro, no qual ficam sentados os chamados cantadores
ou puxadores, que se encarregam de cantar as linhas ou toadas. Estas pessoas
se constituem em personagens de destaque no grupo. (Ver fotografias número 21
e 32).
Os participantes podem estar vestidos de forma cotidiana ou utilizando que
é chamado de farda do Toré, que consiste numa saia e num peitoral, ambos feitos
com fibras de caroá 3 trançadas. A maioria dos participntes mesmo que não esteja
fardadas estarão carregando o maracá, para enquanto dançam, marcar o
compasso e alguns estarão também com apitos. (Ver fotografias 14, 17, 19, 20,
31, 35, 38, 39, 40)
Segundo diversos relatos os Tumbalalá, pelo menos uma parte, tem o
costume de dançar o toré aos sábados num dos dois terreiros. Com a
intensificação do processo de reivindicação encontramos agora uma adesão maior
por parte dos membros, que expressam a consciência de que ser índio é ter uma
“representação” e o toré preenche tal expectativa.
A dança consiste numa coreografia variada, indo da simples marcação de
uma batida com o pé direito e o arrastar do pé esquerdo, deslocando-se o corpo
para o lado até trocar-se de posição com o parceiro do lado, até operações mais
3
cro.á sm (tupi karauatáBot Planta bromeliácea brasileira, de fibras têxteis, que substituem as do
cânhamo, juta etc. ( Neoglaziovia variegata), também chamada caroá-verdadeiro, carauá, coroá,
caruá, croá. 2 Fibra sedosa, resistente, das folhas dessa planta, usada no fabrico de cordame,
tecido grosseiro e papel. 3 Tecido feito com essas
fibras. 4 Planta bromeliácea acaule e ornamental ( Dyckia altissima).)
65
complexas, onde onde se agacham, se levantam, batem o pé direito e vão
puxando sua fileira para o final, de forma a se constituir numa evolução
sincronizada.
No caso dos cantadores/puxadores, eles se constituem enquanto o ponto
onde se inicia e termina cada evolução feita. Para cada linha cantada,
acompanha-se com um determinado tipo de coreografia. As linhas cantadas não
obedecem a uma seqüência fixa, com exceção da primeira e da última, que
devem ser as mesmas ditadas pela tradição. Quando uma linha termina grita-se
“viva” a alguma pessoa ou entidade, por exemplo, aos índios aldealdos, a Nossa
Senhora, e a Deus, além do velho U-Ká.
Passemos a transcrever algumas das linhas que gravamos quando
assistimos um toré realizado no terreiro do São Miguel.
A 1ª linha:
Naê, naê,
Virgem Nossa Senhora
Viva a Deus
Nossa Senhora
Aos encantos,
Aos Tumbalalá
A aldeia do Pambú
2ª linha
Ah Senhor Mestre
Ó, daí-me a licença
Oi, pra eu forgar (folgar)
Ô mais o mestre U-Ká
A, reina...
3ª linha
O velho U-Ká Neném
Ô velho U-Ká Neném
Mais foi neném
4ª linha
Ai Velho U-Ká Neném
Ô reina, ô reina
Velho U-Ká era um velho
Que morava nas aldeias
Que andava nas aldeias
Ai Velho U-Ká venha logo.
Viva a Deus e a Mãe de Deus
Viva Senhor de Santo Antônio
Viva a Aldeia de Tumbalalá
5ª linha
Cadê meu maracá?
66
Que eu quero trabalhar
Na Aldeia Tumbalalá
6ª linha
lá tem um pau que se chama a juremeira
flores brancas e sementes pretas
ôi, alevanta na juremera
ôi lá no mato tem um pau
ai que se chama a juremera
com flores brancas e sementes pretas
7ª linha
Oi pisa, pisa
Oi nós vamos beber o vinho
Distribuição da bebida feita com a jurema, dentro da casa. O terreiro fica desocupado e os
participantes fazem uma fila e entram na casinha, recebem a jurema, bebem e saem.
8ª linha
Deus nos salve tua luz
Deus nos salve
Nos guarde a aldeia Tumbalalá
O toré continua, com as linhas sendo cantadas e dançadas. Observamos
que a distribuição da jurema é feita uma única vez, e se alguém quiser mais um
pouco pode se dirigir a casa e tomar um pouco. Até que o toré seja encerrado não
observamos nenhuma sequencia pré-deerminada na seleção das linhas. Porém,
no encerramento se canta a linha de despedida do velho U-Ká.
O toré é um momento privilegiado pelo próprio grupo, enquanto capaz de
(re) definir uma identidade para o grupo em face daqueles que estão colocados
fora da fronteira do grupo. O toré pode ser então percebido como um “emblema”
de uma identidade diferencial, tendo a vantagem de ser transportável para
qualquer lugar ou situação. Os Tumbalalá tem exercitado o seu toré, apresentadoo em localidades próximas e nas reuniões indígenas. Desta maneira, ser um
participante do toré, implica em se fazer parte de uma determinada comunidade,
versus outras comunidades, com outros rituais de pertencimento.
Diferente do que foi observado por nós junto aos Truká, os Tumbalalá, nos
dois terreiros fazem uso da bebida preparada com a jurema 4 , que é servido aos
participantes. (Ver as fotografias 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16)
O toré se constitue então, num momento em que se torna possível uma
forte articulação interna, no sentido de um sentimento grupal, capaz de garantir as
vitórias do grupo. O ritual (tanto o toré quanto o tabalho de mesa) é colocado de
forma semelhante aos Truká e diferente quando pensamos nos Tuxá. O toré é
4
ju.re.ma-pre.ta sf Bot Arbusto rico em acúleos e pêlos grandulosos, da família das Leguminosas
( Mimosa hostilis), próprio do Nordeste. Pl: juremas-pretas. ju.re.ma sf (tupi iuréma)
1 Bot Árvore leguminosa-mimosácea brasileira ( Acacia jurema), cuja casca tem propriedades
adstringentes e narcóticas.. 3 Folc Bebida sagrada, capitosa, feita da jurema-branca, servida em
reuniões especiais e secretas, benéfica apenas aos que têm sangue índio.
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ainda o elemento diacrítico, capaz de ser identificado e identificar o grupo, tanto
ao nível regional, quanto na relação com as agências governamentais. Já o
trabalho de mesa assume para o grupo a função de espaço exclusivo aos
integrantes do grupo, de maneira que só é possível vivenciá-lo se for identificado
enquanto um membro do grupo Tuxá.
O trabalho de mesa, ou de caboclo, ou ainda a mesa de jurema, é um ritual
restrito a alguns participantes. Diferente do toré, pressupõe-se que é um “trabalho”
que exige menos gente e maior concentação. Não é que se proíba, porém, é o
momento em que temos uma predominância do complexo da jurema, pois que o
seu recipiente (alguidar) ocupa o centro da “mesa”. Façamos uma descrição
simplificada, apenas par dar noção do que se trata. A juremeira é a bebida
primordial para este ritual. Ela é obtida através da efusão da casca da raiz da
Jurema, que foi arrancada com antecedência, acompanhada de orações. Este é
um momento em que se pede permissão à árvore e a entidade que ela corporifica
(morada do velho U-Ká ?) para se fazer tal colheita.
Existem muitos tipos de Jurema, mas só uma árvore de Jurema serve, pois
ela traz a força e o conhecimento necessários aos seus seguidores. Este tipo
especial de Jurema tem estas qualidades porque é “coisa de índio”. Depois de
arrancada a raiz, algumas horas antes do trabalho de mesa começar, a raiz da
jurema é raspada até que a casca que recobre esta raiz se solte e então é
esmagada entre duas pedras, até se tornar uma massa pastosa. Esta massa é
colocada dentro do alguidar com água e o mestre vai espremendo e provando até
que fique boa. Temos então a juremeira pronta.
O trabalho se inicia à noitinha e prolonga-se até quase o amanhecer, dando
um total de 8 a 10 horas de trabalho ininterrupto. O trabalho que assistimos foi
ralizado dentro de uma casinha reservada especialmente para isso. Pelo que
pudemos investigar não existe a necessidade de se realizar nessa casa, porém,
sempre acontece dentro de uma construção, em oposição ao Toré, que é pensado
para acontecer ao ar livre, no terreiro, que pode possuir ou não um cruzeiro.
Enquanto isso os membros começam a arrumar a “mesa”, que consiste num
plástico estendido ao chão, recoberto por uma toalha, que irá delimitar o espaço
da chamada “mesa”. Será ao seu redor que todo o trabalho se desenrolará. (Ver a
seqüência de fotos de nº 23-29) O alguidar da jurema preparada será colocado no
centro, em torno do qual se instalará os cachimbos, chamados de quakí, os
maracás, as poções de fumo, uma cruz, as velas, além da cura, que consiste
numa bebida preparada com cachaça, alho, e diversas ervas, que se faz presente
também entre os Truká.
Todo o ambiente é defumado, iluminado com as velas e preparado para o
trabalho, que é um ritual aparentemente simples e repetitivo. Todos os
participantes ficam ao redor da mesa, sentados no chão ou em pé. Existe um
homem que se encarrega de gerir todo o trabalho e garantir o bom andamento,
enquanto outro se encarrega de “zelar” pelas bebidas, distribuído a jurema e a
cura. É importante ressaltar que é no âmbito do trabalho de mesa que se propõe
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o contato, o diálogo e a interação entre os membros de uma aldeia indígena e os
chamados “encantos”, que podem ser definidos como espíritos protetores que se
encarregam de ensinar, cobrar, proteger e punir os seus adeptos.
Passo a transcrever as linhas que foram cantadas quando assisti ao
Trabalho de Mesa Tumbalalá realizado no dia 23/02/01, na casa ao lado do
cruzeiro do São Miguel.
1ª linha
Ai Velho U-Ká
Ai Velho U-Ká
Reina, reina, reinaô (pode-se cantar também Êina)
Velho U-Ká Neném
Volta logo
Olhe eu aqui.
2ª linha
Velho U-Ká
Reina reina
Velho U-Ká
Reina, reina ô
Velho U-Ká era um homem que morava no mato
E brincava na Aldeia
Velho U-Ká venha logo
Reina, reina, naê ôô
Viva Deus, viva!
3ª linha
Ô Mãe d’água
Vem cá, vem cá, vem cá
Reinê
Na aldeia do velho U-Ká
Viva o Padinho Ciço
Viva Nossa Senhora Rainha dos Anjos
Viva Nossa Senhora do Monte Serrat
Viva Nossa Senhora Aparecida do Norte
4ª linha
Eu venho da jurema
Eu vou pro juremá
Viva meus caboclos índios
Do centro das matas
Viva meus caboclos índios
Do centro das matas
Reinaê
Viva Deus
Pausa longa, em que só se balança os maracas e, então, distribui-se a bebida feita com a jurema.
Então começa-se a cantar a seguinte linha:
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5ª linha
Corre corre cuia
Corre a cuia da mezinha
Corre a cuia
Pausa e então começa-se a beber a cura.
6ª linha
Ai Mãe d’água
Eu vou pro fundo do rio
Eu vou as águas do oceano
Eu vou encontrar meu gentio
Quem labora com caboclos
Tem que saber trabalhar
(repete)
Tem que ter as benções do rio
Naê, naê, ai naôa
Com a chegada de um encanto, registramos as seguintes saudações feitas pelo encnato e
respondida pelos presentes:
(Encanto – E) – Viva a Deus
Viva a Mãe de Deus
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo
(Resposta – R) – Pra sempre seja louvado
(E) – Deus o salve todos os meus índios
(R) – Deus o salve.
(E) – Deus salve o Santo Cruzeiro de Santo Antonio do Pambu
(R) – Deus o salve
(E) – Como vão todos os meus índios?
(R) – Na paz de Deus
(E) – Caboclo Luís como é que, não vai ver a aldeia levantar não?
(R) – Quem sabe é Deus e a Mãe de Deus
(E) – Quem sabe é Deus e a mãe de Deus e Santo Antônio do Pambu
Viva a Deus e a mãe de Deus e a todos os meus índios
Caboco Ciço tira uma linha que eu quero viajar.
8ª linha
Forga (folga) piaba, forga sereia
Nas águas fortes aonde as araras vão beber
Ai renaê
14ª linha
Saia das matas
Vamos trabalhar (repete)
Na Aldeia Tumbalalá
Reinaê, reinaô, naô a
Passarinho verde saia das matas (repete)
Saia das matas e vamos trabalhar
Naê, naôaá
15ª linha
cadê meu maracá
que eu quero trabalhar
70
cadê meu maracá
eu quero trabalhar
é na aldeia Tumbalalá
16ª linha
Contra Mestre, Contra Guia
Vamos trabalhar gentil
Me lembrou das minhas matas
Eu também já fui brabio
17ª linha
Quando no pé do cruzeiro
Bebendo meu ajucá
Quando eu pego na cabaça da ciência
Eu quero imbalançar
Naê, naôá
Entre os Truká o trabalho de mesa, em tudo semelhante ao que
observamos entre os Tumbalalá, é chamado de particular e também de ciência de
índio. A expressão é muito feliz porque indica o lugar ocupado por esse ritual. É
através dos encantos e da convivência e do exercício que se descobre e se
aprende. É o lugar privilegiado para se refletir e se descobrir as verdades, não é
por acaso que é nesse espaço que as disputas de autoridade costumam ser
vividas. Mais do que tudo a legitimidade entre os Tumbalalá é discutida a partir da
legitimidade do terreiro, em termos de origem e em termos de antiguidade.
Voltando a nossa descrição, após a abertura, que se faz com um cântico
específico, continua-se cantando até que inicia-se a distribuição da jurema e da
cura. Depois que todos beberam, a um gesto do responsável pelo trabalho, todos
os maracás que são segurados com a mão direita, dão um toque, isto é, são
balançados no mesmo ritmo, dando-se as mesmas paradas produzindo-se um
som característico e bastante melodioso, e se começa a cantar linhas, sem
sequência pré-determinada, ficando a critério do chefe qual linha será cantada, até
que os encantos comecem a chegar.
O encanto, através do corpo possuído, saúda os presentes, bebe da
jurema, fuma do quakí, balança o maracá, estabelece um diálogo com alguns dos
presentes ou não, e pede licença para puxar sua linha, de forma a poder se retirar.
Neste momento todos acompanham com o maracá e cantando. Apenas alguns
encantos quando chegam irão falar para todos os participantes ou dirigirão-se ao
Mestre. Nestes casos, o “encanto” falará sobre sua aldeia de origem, sobre a
saudade de alguma coisa ou pessoa, dirá seu nome, fará brincadeiras, pedirá
sempre Jurema, Fumo e Maracá, e finalmente, cantando sua linha irá se retirar
para “viajar”. Alguns encantos chegam e só estendem a mão indicando o que
desejam e começando a cantar, para em seguida abandonarem o corpo do
participante.
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No decorrer do Particular acontece de se ter três ou quatro participantes
com “encantos”, ao mesmo tempo. Não sabemos dizer como um deles consegue
monopolizar o direito ao canto de sua linha, em detrimento dos outros. Todos os
encatos são atendidos porque, segundo a crença generalizada, seria muito
perigoso se um encanto chegar e não encontrar a jurema pronta, o seu fumo e o
maracá, pois ele pode então não querer sair, ou sair castigando. Desta maneira,
pode-se perceber que a invocação dos espíritos dos antigos, que viveram na Ilha
da Assunção, ou fora dela, implica numa operação extremamanete complexa e
arriscada, pois um “encanto” poe não desejar sair do corpo que se encontra no
momento da possessão. Ao mesmo tempo se este encanto é bem recebido, isto
é, encontra tudo o que ele pode desejar, não tem motivos para não ser gentil,
retirando-se daquele local, esperando uma próxima ocasião, isto é, outro trabalho
para voltar a encontrar essas mesmas pessoas e a comunidade a qual ele se
vincula em algum nível.
Alguns encantos chegam e cantam três ou mais linhas, antes de partir.
Aqueles que estão ao redor, sem estar recebendo um encanto no momento, ficam
atentos e quando pressentem que o “caboclo“ (nome dado ao que recebe
encanto, da mesma maneira chama-se aparelho ou mestra, no caso das
mulheres) vai ser abandonado, se acercam e tem-se o cuidado para que este não
caia ao chão.
Durante o particular, ou o trabalho de mesa, podem aparecer espíritos que
não são “encantos” (o encanto na concepção nativa é um espírito de um índio, não
necessariamente um nascido naquela aldeia, porém, alguém que mantém uma
identidade indígena!), fazendo solicitações que são recusadas, como por exemplo,
recusando-se a beber a jurema e pedindo cachaça, ou tentando puxar linhas que
não são reconhecidas pelo grupo, ou procurando tumultuar o trabalho.
Alguns encantos falam ao grupo alí reunido, com mensagens que
extrapolam e se direcionam para toda a coletividade. A fala pode ser marcada pelo
exercício de aconselhamento, pela ênfase no comportamento ou pela crítica a
companheiros presentes ou ausentes.
É importante destacar que o papel do chefe do trabalho de mesa – como
também do toré – é de grande importância, pois ele é possuidor de uma
autoridade que constrói-se para fora da situação do próprio ritual. O chefe do
trabalho é responsável por permitir ou negar o acesso dos encantos ao grupo e de
membros do grupo aos encantos. Daí que se instaure uma disputa entre os
detentores do conhecimento e do exercício desse conhecimento, pois que a
compreensão do que vem a ser a descoberta, ou o levantamento da aldeia, em
grande medida é decifrada partindo dos significados presentes no campo dos
rituais, é importante mais uma vez destacar que um dos líderes faz questão de
dizer que aprendeu tudo sozinho e recebeu o trabalho sem passar pela mão de
qualquer indivíduo, isto é, a sua força vem diretamente da natureza. Enquanto que
o outro, sem problematizar o aprendizado realizado junto a outros indivíduos
72
destaca o recebimento do nome e da tarefa através de um sonho no qual o
encanto protetor da aldeia lhe apareceu e ofertou-lhe tudo.
73
6. Conclusão
O presente trabalho surgiu a partir da assinatura de um contrato no qual
nos comprometemos a prestação de serviços técnicos especializados de
consultoria antropológica para proceder a estudos antropológicos visando a
produção de um laudo sobre a etnicidade do grupo autodenominado Tumbalalá,
localizado no povoado do Pambu, entre os municípios de Avaré (sic) e Curaçã,
estado da Bahia, de conformidade com a proposta apresentada, pela antropóloga,
que passa a fazer parte integrante deste instrumento.
“Deverão ser realizadas viagens à área habitada pelos Tumbalalá para
contato com membros do grupo, oportunidade em que deverão ser feitas
entrevistas, censos demográficos, bem como recolhidos outros registros de
natureza cultura, demográfica, histórica e iconográfica sobre os fenômenos
observados. Serão, ainda feitas pesquisas nos arquivos e bibliotecas do Rio de
Janeiro, Recife e Salvador.
O trabalho de gabinete constitui-se de leitura de literatura especializada e
análise do material coletado em campo e a redação do laudo antropológico
circunstanciado sobre a identidade étnica dos Tumbalalá.”
O objetivo foi tentar explicitar como se constrói a identidade indígena
Tumbalalá. Fizemos uso de dados históricos, não para demonstrar uma
continuidade entre uma população distinta desde o primeiro momento da
colonização até o momento em que se estabeleceu o pleito junto ao órgão
encarregado da política indigenista. Pelo contrário buscamos demonstrar que os
documentos consultados servem para determinar que nessa região – o chamado
submédio São Francisco – tivemos desde o final do século XVII e início do século
XVIII a ocupação das terras através das concessões de sesmarias, com os currais
de gado, e o trabalho de catequização feito pelos missionários das diferentes
ordens, que resultou na criação de um conjunto expressivo de aldeamentos
indígenas.
Por essa razão, embora não tivessemos tido o sucesso em localizar
documentos que sirvam para historizar a vida do aldeamento do Pambu, temos
alguns registros da existência desse aldeamento e, parece-nos mais importante e
significativo, a afirmação por parte dessa comunidade que se busca reconhecer
enquanto um grupo indígena exibir a vinculação com a terra e a existência do
aldeamento do Pambu.
Não desejamos em nenhum momento reduzir ou condicionar o processo
Tumbalalá aos marcos dos seus vizinhos Truká. Porém, não nos furtamos de
chamar à atenção para as semelhanças em termos de práticas rituais, como o toré
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e o particular, e não só estão em harmonia com os terreiros Truká, como também
estão em harmonia com o universo ritual dos Tuxá.
Porém, a demanda pelo reconhecimento à uma identidade indígena no
caso Tumbalalá instalou-se no mesmo momento dos Truká e se fez usando os
mesmos elementos: a existência preservada na memória de um antigo
aldeamento indígena, os circuitos de vizinhança, a ligação com os chamados
encantos, e as práticas do toré e do particular. No entanto, no caso Truká,
configurou-se um processo de ameaças e, em certos momentos, de expulsão da
ilha da Assunção, o que redundou em conflitos e enfrentamentos e na
incorporação do SPI como órgão defensor do direito à terra daquele grupo
indígena. Parece-nos então que como não se deu esse processo de perda e
expulsão de terras de maneira aguda entre os Tumbalalá terminou-se esperando o
desenrolar da luta travada pelos Truká, em muitos momentos, com a franca
colaboração de personagens chaves dos Tumbalalá, e que resultaria em caso de
vitória na possibilidade de se estender as conquistas até as margens do territorio
baiano, abrigando-se assim os índios do Pambú.
As versões e as justificativas sobre as relações estabelecidas entre os
Truká e os Tumbulalá vem sendo alvo de discussões e interpretações divergentes,
pois que estamos diante de um momento de maior autonomia destes últimos, que
estão se sentindo abandonados pelos seus “parentes”, que definiram uma
estratégia de luta que implicou na rejeição dos direitos territoriais dos Tumbalalá.
Estamos aqui diante da disputa pelas ilhas do Arquipélago da Assunção,
recuperado pelos Truká e que impôs aos Tumbalalá a condição de ocupante nãoindígena e a perda desse espaço.
Então, não se tenha instalado um quadro de uma grau tão alto de
animosidade que pudesse se configurar na negação da identidade indígena, pois
que os Truká reconhecem os Tumbalalá enquanto índios, como também o
contrário, o que se instalou entre os dois conjuntos foi a necessidade de se buscar
garantir os direitos junto ao Estado, através de cada um dos grupos, e não mais,
pela obtenção do direito a um grupo que se encarregaria de estende-lo ao outro.
Podemos dizer que pelos testemunhos dos informantes e dos contemporâneos,
parece-nos que foi a política proposta e aceita por parte da grande liderança Truká
junto aos Tumbalalá.
Por isso, para além de qualquer discussão teórica, e da pertinência dessa
demanda, aparentemente tardia e surpreendente, nos dedicamos apenas a
descrever o processo Tumbalalá, em muitos pontos assemelhado aos Tuxá e aos
Truká e que se é registrado apenas em 1999 como tendo um início oficial, é num
certo sentido, tão antigo e tão legítimo como os dos dois grupo citados acima e
que estão reconhecidos e gozando dos direitos inerentes a essa condição.
Por outro lado, temos um processo novo, no sentido que o grupo está,
através de seus lideres e antagonistas, discutindo qual é o caminho que deve ser
seguido para se obter o reconhecimento (que eles chamam de registro) oficial do
grupo indígena (da aldeia). É na busca das diretrizes para o futuro do grupo que
75
se produz uma memória coletiva de passado e uma expressão de futuro. Tal coisa
não é um mero resultado de uma busca pragmática por recursos, nem também
uma mera sobrevivência de algo que vem se “arrastando” desde um passado
imemorial.
Ao contrário podemos dizer que os Tumbalalá se pensam como
possuidores de direito e de identidade porque são herdeiros dos antigos, dos
chamados “brabios”, que habitavam a região e foram reduzidos (sedentarizados)
no processo de colonização. Observemos que em muitos depoimentos colhidos,
quando indagados sobre a identidade indígena, é feita referência a uma bisavó, ou
avó que sendo pega a dente de cachorro foi amansada e incorporada, através do
casamento, e transmissora do sangue indígena.
Do mesmo modo, o fazer o toré e o trabalho de mesa representa para
esses atores a condição indígena. É indiscutível para os Tumbalalá que ser índio,
ser descendente dos antigos, é estar vinculado a um lugar específico no mundo.
Por essa razão escolhemos uma expressão de um Tumbalalá para usar como um
título para o laudo. A aldeia é o tronco a partir do qual podemos ver as geraçoes
se sucedendo, como os ramos, que podem ganhar uma autonomia e tornar-se,
quem sabe, um futuro tronco para gerar novas ramas. Essa imagem é veículo
importante na discursividade desse conjunto sob o qual se vai recuperando
elementos que vão sendo trançados e expostos, para que os limites possam vir a
ser definidos.
Finalmente, o presente exercício procurou demonstrar que estamos diante
de uma comunidade que apresenta as características já estudadas em outros
casos de emergência étnica. Os Tumbalalá, através da crença compartilhada de
um passado comum, de uma ligação com um determinado lugar e com uma
história específica, além das práticas rituais que são reconhecidas pelo grupo e
por outros grupos como sendo indígenas, estão exercitando um sentindo de
descendência indígena e uma crença no compartilhar de ações e contéudos
peculiares. Podemos dizer que da nossa ótica não subsiste nenhuma dúvida
quando a condição indígena do grupo Tumbalalá e, consequentemente, sobre o
direito ao reconhecimento por parte do Estado brasileiro.
76
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