Guilherme Cará - Centro Histórico Embraer
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Guilherme Cará - Centro Histórico Embraer
CENTRO HISTÓRICO EMBRAER Entrevista: Guilherme de Miranda Cará São José dos Campos – SP Maio de 2011 Apresentação e Formação Acadêmica Eu me chamo Guilherme de Miranda Cará, nasci aqui em São José dos Campos, minha família toda, meus pais, minha mãe também é de São José dos Campos. Tenho 55 anos, sou casado com a Suzana, tenho quatro filhos e quatro netos e moro na Vila Adyana aqui em São José dos Campos. Meu esporte preferido é veleiro de competição em barcos de oceano, gosto também de fazer ginástica. Minha formação foi na área de pilotos, sempre focada com esse objetivo, e minha especialidade é dentro dessa carreira na área de Ensaio em Voo, como piloto de provas. Minha formação como piloto começou dentro do CTA (Centro Técnico Aeroespacial) e eu fui contratado muito novo na Embraer – 1975 – eu não tinha nem completado 18 anos ainda, eu tinha 17 anos, eu fui emancipado, e já atuava na escola que era o Aeroclube de São José dos Campos dentro do CTA, no X30 como monitor de instrução e os pilotos, os engenheiros mais velhos da Embraer, alguns deles voavam esportivamente no aeroclube no fim de semana, e eu os acompanhava como monitor, porque eles também não tinham muita experiência de voo, eu não podia voar naquela época com aluno solo, mas eu poderia voar com aluno que já tinha feito um determinado treinamento e eu poderia acompanhar como monitor e com isso acabei conhecendo diversas pessoas que trabalhavam aqui na Embraer. Falaram-me, em 1975, que no início desse ano iria começar uma avaliação para a contratação de um piloto novo, com pouca experiência porque a empresa tinha interesse em formar um piloto novo dentro dos critérios da empresa, então eu tive essa sorte. Eu estava num belo dia, numa sextafeira, parado em frente ao hangar quando parou um avião da Embraer que era um Bandeirante (EMB 110 Bandeirante), o prefixo dele era PT EMB, desceu o piloto chefe coronel Martins da Rosa e o comandante Gualda, esse foi para mim como um irmão mais velho, me convidando para participar de 1 uma seleção e graças a Deus eu fui escolhido e comecei a trabalhar aqui em 1975. Ingresso na Embraer Meu desenvolvimento foi muito intenso de 77 até 80 onde eu tive que acumular bastante conhecimento na área teórica e na área prática e iniciei minha participação em outros projetos, teve a linha Piper toda, depois veio os Bandeirante, diversos modelos de Bandeirante (EMB 110 Bandeirante), depois o Xingu (EMB 121 Xingu) I, II e o III e o Patrulha (EMB 111 Bandeirante Patrulha), tanto o Patrulha da Força Aérea Brasileira quanto o Patrulha da Força Aérea Chilena foram os aviões que eu mais participei de ensaio em voo, com maior número de horas em voo nesse programa do Patrulha, eu, o Otaka (Gilberto Hideo Otaka) e o Horácio Forjaz. A FAB (Força Aérea Brasileira) precisava de um avião para busca, preparado para a busca e salvamento, nessa evolução ele evoluiu para proteção e defesa territorial na água e foi equipado com radares, o nosso Patrulha tem, inclusive, SBAT-70 que é um armamento com foguete embaixo das asas, naquela época era um avião completo para buscas de salvamento, inclusive soberania em águas nacionais, em águas territoriais. Então, foi um programa muito intenso que demandou muitas, muitas horas de voo e eu participava ativamente desse programa. Nós voamos, eu voei todos os modelos da linha Piper, todos os monomotores, depois a empresa trouxe os monomotores junto com o avião Seneca (EMB 810 Seneca) e esses aviões foram evoluindo em tecnologia, em sistemas. O Seneca mesmo tinha o II e o III, hoje tem até o IV, depois tem uma versão Stol que foi vendida para a Força Aérea, aí um avião maior era um Navajo (EMB 820 Navajo) I e II e acabou no Carajá (EMB 821 Carajá), que era um Navajo com turbina PTTM, e nós criamos um processo - os aviões vinham praticamente montados - eles eram terminados aqui na Embraer e nós fazíamos basicamente, não era desenvolvimento e sim os voos de produção, os aviões eram terminados, montados e nós voávamos para checar o avião, se estava conforme o cartão de voo de produção. Eu sempre gostei desses aviões em termos de qualidade de voo, mas não dava para comparar com os nossos produtos. Aerodinamicamente falando, 2 nossos aviões são mais refinados, são mais esportivos, são feitos mais voltados ao piloto, à parte operacional. Eu lembro que algumas características, especialmente do Seneca e do Navajo, esses aviões que hoje não seriam certificados se passassem por um processo de certificação em termos de qualidade de voo. Então a diferença básica, apesar da sofisticação do sistema, de serem mais confortáveis, voltados para um público mais diferenciado, eram aviões que na minha opinião eram ótimos aviões, mas ficavam, em termos de processo e qualidade, abaixo do que nós produzíamos na época, mas eram excelentes aviões, foi uma experiência muito boa para nós e para a fábrica também. Em 1980 eu participei do primeiro curso de pilotos de provas do CTA (Centro Técnico Aeroespacial), foi a primeira experiência que o Centro Técnico Aeroespacial constituiu a escola de piloto de provas: eu, o Schittini (Gilberto Pedrosa Schittini), o Madureira (Luis Alberto Madureira da Silva) – eu lembro desses nomes porque mais tarde esses pilotos vieram para cá, para a Embraer. O Tucano (EMB 312 Tucano) foi o meu próximo programa, eu participei ativamente do Tucano. Depois do Tucano, em 1985, eu fui para a área de voos de produção e aviação comercial, fiquei lá até 94 mais ou menos, depois voltei para a área de Ensaio em Voo até 2010 quando assumi a área de aviação comercial até hoje. Para mim não importa se é atividade de desenvolvimento ou treinamento, eu acho que valeu a pena pela oportunidade que eu tive em sedimentar mais esses processos no voo de produção e no treinamento, porque treinar é uma característica muito particular de quem é instrutor, é um aprendizado... não é muito fácil você ser instrutor, é uma habilidade que você tem que desenvolver, conseguir transmitir para alguém aquilo que você conhece, então foi bom nesse sentido, foram dez anos de aprendizado onde eu conheci o mundo, foi nessa época que eu tive oportunidade de – pela Embraer, por esses aviões – ter conhecido essas companhias que compravam nossos produtos e interagir com os clientes, defender nosso produto, mostrar que nosso produto é competitivo, então foi uma aprendizado muito legal. 3 Trajetória na Embraer Essa realmente foi uma fase muito bacana na minha vida, primeiro porque eu consegui conhecer, eu posso dizer que eu conheço o mundo hoje, eu conheço todos os oceanos, todos os desertos, todos os continentes, eu posso dizer isso. Fiz curso de sobrevivência na selva, sobrevivência no mar, no deserto, foram oportunidades que normalmente você não encontra, você voar na Groelândia, como eu voei na Groelândia, voei quatro vezes na Groelândia, a Aurora Boreal, Fogo de Santelmo... São nomes que as pessoas não vão conseguir entender, você está voando de noite e daqui a pouco começam uns raios azuis na frente do avião - Fogo de Santelmo, coisa mais linda do mundo - então, quando você tem essa oportunidade..., Eu vi onde nasce o rio Nilo, sobrevoei o Lago Vitória, conheço todas as Cordilheiras do mundo, fotografei tudo isso... Conheço todos os países da África, interagi com os africanos... Pousar no Arquipélago do Cabo Verde, nas Ilhas Canárias, todas as ilhas do Caribe... É uma experiência que só acontece se você estiver numa área como essa, como é que você ensina as pessoas, cada um tem uma particularidade, como é que você ensina um chinês, um alemão, um francês, eu aprendi a fazer isso, aprendi a conviver com essas culturas, com essas diferenças de culturas, foi um aprendizado... Eu nunca tinha voado em neve, como vai ter neve no Brasil? Aprendi a voar em mau tempo, com neve, baixa visibilidade na Europa. Dizer que você era instrutor? Muito pelo contrário, eu chegava nessas companhias vestido como instrutor, mas me portava como aluno, porque no fundo, no fundo, o que eu queria era aprender, eu explicava para os pilotos: “Eu não estou aqui querendo ensinar nada, pelo contrário, eu estou pedindo que você me ensine porque eu posso ser o piloto da companhia, eu posso estar aqui para te explicar sobre o equipamento, mas eu nunca voei na neve”, e como é que eu posso dar instrução para um piloto alemão em Frankfurt, nevando, ele tem muito mais experiência do que eu? Então eu sempre soube, e com isso as pessoas sempre me ensinaram, então isso foi bacana, porque a troca foi sempre muito legal, mesmo voando na Noruega – morei oito meses na Noruega – implantando o Brasilia (EMB 120 Brasilia) na Noruega, voei quatro meses no Arquipélago de Cabo Verde, África então nem se fala, implantei a Embraer na França, fiquei dois anos na França... inúmeras 4 companhias aéreas em diversos países do mundo... Iraque, várias vezes, eu tenho fotografia... – a vida é engraçada, relacionada a isso – eu tenho um relógio que tem a fotografia do Saddam Hussein, que ele me deu de presente... eu ganhei um relógio com a fotografia dele e depois aconteceu tudo aquilo com ele, eu fico pensando... as pessoas passam pela sua vida e hoje nem existem mais... Então, eu tive a oportunidade de viver essas experiências... No Egito, Belfast, na Tucano Shorts, na fábrica do Tucano (EMB 312 Tucano) no Egito, na linha de produção do Irã, consegui fazer 26 travessias de Tucano, não existe isso, um avião com um motor só, quatro pela Groelândia, nove horas e quarenta de operação, o treinamento que eu tinha que ter... O treinamento psicológico, imagina você ficar nove horas e quarenta sentado numa cadeira parecida com essa amarrado, voando em esquadrilha, quatro, seis aviões. Nós desenvolvemos técnicas de transporte desses aviões que eu fico admirado. Então, essa oportunidade que eu tive na vida eu sei muito bem agradecer porque não é todo mundo. Ensaios em Voo O que eu percebo, basicamente, primeiro, hoje em dia, o que eu valorizo no perfil de um piloto, no fundo, no fundo, é a estabilidade emocional. Eu acho que existem condições em que a pessoa tem a competência, a sabedoria, mas não conseguem que elas andem juntas, o cara sabe o assunto, mas não tem a sabedoria de aplicar, é um ogro, melhor você deixar ele numa jaulinha, com alimento, dá o resultado. Mas hoje, primeiro o piloto tem que ter uma boa habilidade de relacionamento interpessoal com as pessoas, você viver sob pressão é uma característica de nossa profissão, você acha que eu não me preocupo na hora que eu aplico a potência ao motor, solto o freio e o avião começa a correr, a diferença é você estar na frente sempre do avião, não importa a velocidade que ele está, você tem que estar sempre preparado, alguns segundos na frente daquela máquina porque se acontecer alguma coisa você tem que ter o controle porque se não tiver, você é um passageiro nesse tubinho, simplesmente um passageiro. Então, eu acho que o piloto deve ter essa habilidade interpessoal, ele se relaciona com muitas pessoas, ele tem que ter hoje um nível técnico compatível com o da engenharia para entender esses projetos, o que tem por trás desses 5 projetos, ele não precisa ser um especialista, mas ele precisa entender essa linguagem de “engenherês”, ele tem que entender essa linguagem de engenharia específica e tem que amar voar, tem que gostar, porque voar tem essa pressão da decolagem, do pouso, você está voando e daqui a pouco você entra dentro de nuvem, turbulência, e chuva, e granizo, aí você se aproxima do aeroporto com baixa visibilidade, pega vento, tempestade... Então não é uma vida tranqüila, ela sempre tem esse tipo de pressão: do conhecimento, porque você tem que conhecer bem o que você faz, do relacionamento, da liderança - você acaba liderando uma equipe grande de manutenção, de pessoas que tem por trás disso - o produto final está na sua mão, a maneira como você conduz esse produto final é o resultado do seu trabalho e o afastamento... quem gosta de se afastar? Quem gosta de se afastar da sua casa? Do seu convívio, da sua esposa, da sua mulher, dos seus filhos, do marido, quem gosta disso? Então, o piloto vive sobre esses pilares do conhecimento. Por exemplo, eu tenho 55 anos, faço exame médico a cada seis meses, você acha que eu gosto de ir para o hospital, fazer exame médico a cada seis meses, tirar sangue, aí vem uma pessoa começa a me avaliar, tem um lado positivo da história, mas tem o lado que é obrigação, todo ano eu tenho que fazer um exame teórico e prático para passar, para checar minha habilidade, para ver se eu estou ainda em condições de executar as manobras com proficiência, é assim que funciona, então existe essa pressão, fora a pressão do trabalho. Então, eu acho que é uma carreira boa, excelente, mas uma carreira também que a pressão existe, e na carreira de piloto de provas existe ainda o risco associado com a atividade, fazer o primeiro voo de um avião que nunca voou, ajustar esse avião que nunca foi ajustado, a diferença é grande entre um piloto de linha comercial e um piloto de desenvolvimento, essa diferença está entre o conhecimento e a sabedoria. O piloto de ensaio tem que ter um algo mais, mesmo em arrojo, não é ser destemido, ele tem que saber parar porque é a vida dele, da equipe, da tripulação dele, porque as vezes não dá certo, é só olhar os resultados do passado, em outras áreas, em outras companhias, em outros fabricantes, então existe esse risco e o piloto tem que conviver bem com isso. 6 Situações Inusitadas A escala de voo, ela previa... nós estávamos desenvolvendo essa técnica de filmagem, não tinha uma área específica de filmagem. Quando eu me formei no 2º colegial nos Estados Unidos eu gostava de filmar as coisas que eu fazia nos Estados Unidos, então eu tinha certa habilidade com câmera de filme, na época era super oito, e o pessoal preparou algumas câmeras para a gente realizar as filmagens dos aviões da Embraer e eu ajudava nessa área também, eu gostava e o pessoal sabia e eu acabava ajudando. O que aconteceu nesse voo específico, eu estava usando uma câmera do CTA (Centro Técnico Aeroespacial), eu estava vestido com um macacão da época, nós ainda não tínhamos estabelecido os processos de segurança definitivos para a filmagem, estava sem o cabo de segurança, e numa manobra do avião Bandeirante (EMB 110 Bandeirante) quando se aproximava do Xingu (EMB 121 Xingu), eu me desequilibrei e acabei caindo do avião com a câmera, perdi a câmera do CTA, eu não tinha nenhuma experiência com o pára-quedas, nunca eu tinha saltado com pára-quedas, eu caí ao contrário, eu caí de cabeça para baixo e eu lembro muito bem a cena, nós estávamos muito baixo e o pára-quedas que eu estava era um pára-quedas de emergência, não era um comum, um T10, eu só lembrava que tinha que contar até 1001, 1002, 1003, 1004 e comandar, e eu lembro que eu estava com as pernas batendo e eu contei 1001, 1002,1003 e eu comandei e vi o extrator saindo entre as minhas pernas, eu estava de capacete ainda, saiu o extrator, o pára-quedinhas que puxava o extrator, saiu o pára-quedas principal e quando ele saiu eu estava assim e o capacete segurava a orelha, ele saiu, quebrou a segurança do capacete e cortou minhas orelhas, porque ele era fixo nas orelhas, eu não tinha colocado um lado da perna,estava com a perna solta, completamente solta, estava até machucando e eu sempre tive uma certa preocupação com o pouso de pára-quedas, achava que pousava em fio de alta tensão e eu nunca gostei, e realmente emocionante foi a chegada, fiz tudo errado e deu tudo certo, não tinha a menor noção do que estava acontecendo, o pára-quedas era muito pequeno e eu fiquei preocupado com a velocidade que estava chegando no chão. Então, tinha dois controles que o pessoal chama de batoque, até hoje eu nunca estudei pára-quedas para saber a terminologia 7 dessa linguagem técnica, mas eu achei que se eu puxasse os dois, era como frear aerodinamicamente o pára-quedas e eu não queria chegar na cidade, tinha uma várzea, tinha uma praça, e eu estava com meda da cidade, fio, telhado e eu pensei “Eu tenho que pousar nessa praça”, eu puxei o lado direito e ele começou a pendular e aí eu perdi toda a sensação de localização e girei muita velocidade, eu bati três vezes, a minha sorte, porque se eu tivesse caído de pé eu estaria todo quebrado. A primeira batida foi eu de costas num arbusto que tinha um jardim grande nessa praça e eu acabei enroscado nesses arbustos, foi muito cômico. Eu olho para trás eu não vejo nada nenhuma sombra, nada... meu travesseiro é meu parceirão, nem para ele... eu só tenho a agradecer, inclusive... eu saí sem quebrar nada era para quebrar tudo, com muito menos você põe um pino no joelho, no tornozelo, machucou, fiquei machucado, mas e daí? Tucano O Tucano (EMB 312 Tucano) foi desenhado pelo Kovacs (Joseph Kovacs), é um avião que teria uma performance bem acima do que existia no mercado na época, um avião jovem, novo, que se encaixava perfeitamente nesse cenário - e eu me encaixei perfeitamente nesse cenário - era um avião extremamente ágil, ele tinha bastante potência e isso possibilitou desenvolver manobras de acrobacias que não eram feitas com essas categorias no mundo, então foi um aprendizado para mim, porque acabamos abrindo esse envelope juntos, eu participei desse processo, o fato interessante nesse programa é que nós só tínhamos um protótipo e numa sexta-feira eu fui chamado, eu fui escalado para fazer um ensaio de combustível mínimo em voo invertido, o avião tem um tanque principal, um em cada asa, e um tanque central que é um coletor onde estão as bombas de combustível, o avião voando na posição normal, reto nivelado, as asas com diedro, naturalmente o combustível vai para essa caixa coletora. Quando ele está invertido, de ponta-cabeça o combustível vai para as pontas de asa porque o diedro é negativo, então você tem que calcular qual é o combustível mínimo para que você em voo invertido não fique sem combustível, nós temos que ensaiar isso e colocar isso no manual de voo, 8 ou seja, quando for fazer voo invertido o combustível mínimo é esse, porque abaixo disso você não vai ter combustível para alimentar o motor, a idéia é essa, o conceito é esse. E era uma sexta-feira, três da tarde, estava nublado, a base da camada estava em torno de 1500 pés de altura, e o topo a 7000 pés e eu saí com o engenheiro, com o Edgar, para fazer esse voo, aí eu preparei o voo todo, discutimos no briefing a missão, falamos sobre a meteorologia, “Eu vou fazer esse ponto em cima das nuvens usando o localizador do aeroporto como referência de alinhamento e quando passar o marcador externo que é uma estação de rádio que transmite o sinal e o instrumento indica onde ela está, eu ponho o avião na posição de voo invertido e eu sei que a pista está dois minutos na frente na pista, se parar o motor, eu desço tal e pulo na pista”, e aí fizemos assim, decolamos entrei nas nuvens, subi, subi, subi até passar por 7000 pés, aquele céu lindo, maravilhoso, parecia um tapete, fui lá, dei a volta, fiz meu alinhamento, comuniquei com a estação de rádio da engenharia que estava monitorando, combinei com o engenheiro de Ensaio, passando pelo marcador externo eu pus o avião em posição de voo invertido, o que acabou acontecendo é que o motor parou logo em seguida, um minuto depois o motor parou, aí eu desvirei o avião, estava em cima das camadas ainda, camadas de nuvem, tentei uma partida, o motor não pegou... e descendo, tentei uma segunda partida e o motor não pegou... e descendo e aí eu sacudi o avião tanto no sentido longitudinal quanto lateral, quanto no transversal para ver se enchia o tanque de glissada, tentei uma terceira partida e o motor não pegou, isso já estava muito próximo da camada e eu entrei em instrumento e comecei a descer em círculos a 360 graus, provavelmente, pelas minhas contas, estou em cima do aeroporto, o engenheiro de ensaio falou “Quero ejetar” e eu falei para ele assim “Você não vai ejetar”, porque é na sequência de ejeção... Eu teria que ejetar primeiro para quebrar o canopy – na época ainda era assim – para ele poder ejetar, já estava fragilizado o canopy, naquela região atrás era muito mais espessa e eu precisaria que eu quebrasse primeiro a minha parte para que ele conseguisse sair sem que ocorresse algum evento que ele não conseguisse sair porque o canopy ou saísse parcialmente, enfim, tinha uma sequência de ejeção que deveria ser respeitada, eu disse “Não vou ejetar!”, era o único protótipo da empresa... ejeta, não ejeta... Eu desliguei o hot mike, porque eu tinha que me 9 preocupar com todo o procedimento de emergência e todos os alarmes tocando: alarme do trem de pouso, alarme de combustível..., não consegui dar a partida pela quarta vez no motor e nisso eu saí visual e eu estava do lado da pista, só que eu estava muito próximo do centro da pista e então eu tive que fazer uma curva na aproximação final muito acentuada, o avião estava sem o trem de pouso, que estava ainda recolhido, na hora que eu abaixei o trem de pouso de emergência, que era um acumulador de emergência o sistema foi montado da seguinte forma; a válvula de hélio estava antes do acumulador, no projeto tinha sido previsto certa situação... Quando eu comandei parte da pressão do trem de pouso foi para a atmosfera, o trem de pouso não baixou, ele simplesmente destravou, ele estava destravado, mas não abaixou e eu falei “Vou pousar sem trem” e já reclamando... O único protótipo da empresa e eu vou acabar pousando sem trem. Eu faço todo o trafico em curva acentuada, travei o manche com a perna, e disse “Só tem uma maneira de travar esse trem de pouso, vou usar o motor...” fechei essa válvula lateralmente, peguei o motor e coloquei na função de corte, peguei o botão de partida, desliguei a ignição e fiquei com o botão de partida para girar a parte de acessórios do motor para gerar pressão suficiente para baixar o trem de pouso, eu fiz todo o tráfico sem falar com ninguém curvando acentuada na grama ou no asfalto... no asfalto, nos últimos segundos, eu pus o avião no asfalto e o trem estava embaixo, esse fato de eu ter segurado o manche com as pernas, segurado o botão de partida, porque o botão de partida é spring load, ele não fica lá, você tem que ficar mantendo. Mas enfim, o avião estava com trem baixo e eu consegui pousar. Eu ajudei esse processo, com o Tucano eu ajudei a sedimentar as acrobacias aéreas nos aviões militares, eu fiz as primeiras demonstrações em público do Tucano, e não era meu relacionamento com a Força Aérea, eu não era um piloto da Força Aérea, mas eu era um piloto de fábrica e eu participei de todas essas demonstrações aéreas no início da operação desse avião. Então, eu acho que foi um aprendizado para mim e uma participação legal nesse aspecto, desenvolver essas manobras, o Lancevak, por exemplo, foi desenvolvido aqui com esse avião. 10 Tecnologia Hoje o piloto tem um maior número de informação se comparada com o que ele tinha no passado, está disponível para ele. Então, para ele entender essa mecânica toda, esse processo todo, ele tem que entender como isso funciona. Por exemplo, é que nem nós falarmos sobre o celular, a evolução do celular hoje, todo mundo usa o celular, eventualmente você consiga manipular aquele celular muito melhor do que eu manipulo, que seu pai manipula ou sua mãe, você dá até risada de ver os adolescentes brincando com os pais, aprende a digitar naquele espaço numa velocidade incrível, o que é isso?, é uma adaptação, uma tecnologia disponível dos meios de comunicação, hoje você filma, fotografa, interage, cria vídeo conferência, faz o impossível, só que você tem que entender um pouquinho, obriga você a participar desse processo tendo que estudar os manuais, estudar os sistemas para entender as diferenças o que é 3G, o que é 4G, o que é roaming, com o avião é a mesma coisa, o que mudou, está mais fácil, mais seguro hoje?, provavelmente sim, está muito mais fácil e muito mais seguro, mas em contrapartida para você entender o que tem por trás de um conector, de um cabo, um sistema fly by wire, um sistema mecânico, antigamente era opção mecânica, era um gancho, uma roldaninha, um cabinho, estica, faz assim, sobre lá, era assim, hoje não é um potenciômetro, vai para a caixa de controle, transforma todos aqueles dados, manda lá o sinal e a superfície se mexe. Você tem que entender um pouquinho disso aí, então a diferença está na complexidade dos sistemas, mas também na vontade de você aprender, tem que acompanhar senão você fica para trás, do sistema, do avião, da sua tarefa. Então, comparando, hoje os aviões são mais eficientes, são mais modernos, mais seguros do que comparados com os aviões da década de 70,80. Cultura Embraer A minha visão hoje, como piloto de uma indústria aeronáutica do porte da Embraer. Primeiro: essa pessoa tem que gostar muito de voar, é um sentimento que não pode ter dúvidas. Então, eu gosto de voar, eu gosto de estar dentro de um avião, até do cheiro, do convívio com essa máquina, o 11 que tem por trás disso. Segundo: eu gosto de voar e não posso ter medo de voar, porque existem pessoas que voam e tem medo de voar. Para ser um piloto de indústria, o piloto tem que, além de gostar de voar, ele não pode ter medo de voar. Um item que eu considero muito importante hoje é o conhecimento, é inaceitável hoje um piloto de uma empresa como a nossa não ter uma graduação em engenharia, que eu acredito que com essa graduação – ele nem precisa ser um especialista –, mas isso vai facilitar a compreensão e entender a linguagem dos engenheiros. Isso daqui é uma fábrica de engenheiros, pura engenharia, então vai ter que entender essa linguagem. Bom, tem que gostar de liderar, o piloto é um líder nato, está habituado a tomar decisões, está habituado a tomar decisões que às vezes impactam financeiramente a empresa, comercialmente, impactam a segurança. Então, são decisões que tem que ser tomadas por pessoas que tem um perfil de líder e estejam dispostas a aceitar esses desafios de liderança. Também acredito que liderar é uma característica que eu recomendaria como também a característica de relacionamento interpessoal, ele tem que saber se relacionar com as diversas culturas, com as diversas pessoas, uma empresa globalizada como a nossa, e que está no mundo todo, ele tem que gostar de interagir com as pessoas, com as culturas, ele tem que gostar de viajar, o avião é uma máquina interessante, você fica sentadinho na cadeira e ele leva você para lá e para cá, quilômetros e quilômetros de distância. Você tem que gostar de viajar, ele tem que aceitar o risco naturalmente da profissão, que é um risco, eu acho que todos esses atributos fariam para a empresa um bom profissional e, mais, finalizando: tem que gostar de estudar - porque se ele não estudar, ele não acompanha a inovação no tempo correto, no tempo certo, ele não vai entender. Hoje, um piloto, é um gerenciador de atividades, a cabine é um gerenciamento de atividades desde o abastecimento do avião, mau tempo, co-piloto, comissárias, passageiros, tráfego, ele tem que gerenciar aquele todo e num tempo super-rápido, porque se ele não gerenciar como é que ele vai ter certeza que vai chegar no lugar certo, na hora certa e com a segurança necessária? Então, ele tem que ter uma capacidade de gerenciamento acima da média. Esses são alguns atributos que eu considero como importantes para essa carreira e pelo que vem pela frente. 12