Santa Cruz JULHO_SETEMBRO.indd

Transcrição

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EDITORIAL
“A
liturgia é fonte privilegiada de contemplação
franciscana. Em primeiro lugar, porque é o canal
ordinário através do qual Francisco e Clara acolhem
a Palavra de Deus, uma Palavra que não é simples
objeto de meditação, mas muito mais uma Palavra celebrada,
atualizada; uma Palavra que se transforma em ação. Por outro
lado, Francisco e Clara, através da liturgia, vivem intensamente a
atualização sacramental do mistério de Cristo, particularmente
como ele se manifesta na encarnação e na paixão, que, como
bem o sabemos, ocupam lugar central na contemplação desses
enamorados de Cristo pobre e crucificado”.
Com essas inspiradoras palavras do Ministro Geral de nossa
Ordem, dirigidas às Irmãs Clarissas, por ocasião da festa de Santa
Clara, apresentamos mais um número da Revista Santa Cruz a você,
amigo(a) leitor(a). Os diversos assuntos tratados ao longo desta
Revista certamente expressam uma centelha daquilo que somos e
fazemos, enquanto frades menores, filhos de Francisco e Clara de
Assis. Oxalá nosso ser e nosso fazer franciscanos sejam marcados
pela mística da escuta atenta da Palavra do Senhor, no espírito da
“santa oração e devoção”.
Uma boa leitura a todos!
Revista Santa Cruz - 59
60 - Revista Santa Cruz
SUMÁRIO
EDITORIAL ........................................................................................59
I- DOCUMENTAÇÃO
- DA CÚRIA GERAL: MENSAGEM DO MINISTRO GERAL PARA A SOLENIDADE DE
SANTA CLARA ....................................................................................... 63
II- VIDA DA PROVÍNCIA
- ORDENAÇÃO DIACONAL DE FREI FRANCISCO ALEXANDRE VIANA (FREI OTON
JÚNIOR).................................................................................................70
- MARCHA FRANCISCANA: DEZ ANOS (FREI ROBÉRIO ANTUNES RUAS) .........73
- MISSÃO VOCACIONAL EM PEDRA AZUL (FREI FERNANDO RESENDE DA SILVA)
............................................................................................................75
- ENTREVISTA COM OS FREIS OSCAR VAN DER NEUT E EDVALDO KEMMEREN
(FREI OTON JÚNIOR) .............................................................................77
- DIÁRIO DE UM “PEREGRINO” NA TERRA DE JESUS – PARTE 2 (FREI GERALDO VAN
BUUL) ...................................................................................................84
III - REFLEXÃO
- A CRIAÇÃO FACE AO NOVO PARADIGMA ECOLÓGICO: A CONTRIBUIÇÃO DE DUNS
SCOTUS (FREI SINIVALDO S. TAVARES........................................................96
- FICHA LIMPA X FICHA SUJA: PROJETO DE INICIATIVA POPULAR – A LEI DA
FICHA LIMPA (FREI CRISTÓVÃO PEREIRA) ............................................. 103
- FRAGMENTO DA COCLUSÃO DO LIVRO: “PARA A TERRA DOS VIVENTES” DE
FREI SIGISMUND VERBEY - SOBRE A REGRA DOS FRADES MENORES ......... 106
V – UMAS E OUTRAS
- HUMOR FRANCISCANO (FREI OTON JÚNIOR) ......................................... 108
Revista Santa Cruz - 61
DOCUMENTAÇÃO
DA CÚRIA GERAL
MENSAGEM DO MINISTRO GERAL
PARA A SOLENIDADE DE
SANTA CLARA
Ministro geral da OFM: Fr. Jose Rodriguez Carballo
62 - Revista Santa Cruz
Olha atentamente, considera, contempla, transforma-te no amado e
dá testemunho dele (2 In 19.22.28).
Queridas irmãs pobres de Santa
Clara: “O Senhor esteja sempre
convosco e oxalá estejais vós
também sempre com Ele!” (BnC
16).
Há um ano que nos colocamos
a caminho para prepararmos a
celebração do VIII Centenário
da Fundação de vossa Ordem,
que iniciaremos oficialmente no
Domingo de Ramos de 2011 e
encerraremos na festa de Santa
Clara de 2012. Segundo o projeto
aprovado pelas Presidentas das
Federações durante o I Congresso
de Presidentas da OSC, o tema
para este ano é o da dimensão
contemplativa da vossa forma de
vida, tomando em consideração,
como instrumentos privilegiados
para potencializar tal dimensão, a
escuta, o silêncio e a conversão de
vida.
Com esta carta, que anualmente
vos envio, por ocasião da festa
da Plantinha de Francisco, desejo
oferecer algumas pistas de reflexão
sobre a contemplação e sobre
a solidão e o silêncio para que
possais seguir, conforme palavras
de São Boaventura, “com solicitude
as pegadas de vossa beatíssima
mãe [...] e abraçar com coragem
Aquele que é espelho de pobreza,
exemplo de humildade, escudo de
paciência e título de obediência” (S.
Boaventura, Carta às Clarissas de
Assis, 1259).
A contemplação
Em várias ocasiões, durante os
encontros com as Irmãs, me
perguntaram o que entendo por
contemplação. Sem pretender
ser exaustivo, penso que a
contemplação poderia ser definida, acima de tudo, como
abertura do coração ao mistério
que nos envolve, para deixar-nos
possuir por ele. Nesse sentido,
contemplar é esvaziar-se de todo
o supérfluo para que Aquele que é
o Tudo nos encha até transbordar.
Contemplar é abrir pouco a pouco
os olhos do coração para poder
ler e descobrir a presença do
Senhor nas facetas das pessoas e
das coisas. Contemplar é abrir os
ouvidos da alma para escutar
os gritos silenciosos do Senhor
em sua Palavra, nos Sacramentos,
na Igreja, e nos acontecimentos
da história. Contemplar é fazer
silêncio de palavras para que fale o
olhar cheio de espanto, como uma
criança; para que falem as mãos
Revista Santa Cruz - 63
abertas ao contemplar, como as de
uma mãe; para que falem os pés
que, com passo ligeiro, como nos
pede Santa Clara, cruzam fronteiras
para anunciar a Boa-Nova, como os
de um missionário; para que fale o
coração transbordante de paixão por
Cristo e pela humanidade, como
falaram os corações enamorados
de Francisco e Clara. Contemplar é
entrar na cela do próprio coração,
e desde o silêncio que aí habita,
deixar-se transformar por Aquele
a quem, como Clara, confessamos:
“esposo da mais nobre estirpe”
(1 In 7), como o aspecto “mais
belo” (1 In 9), “cuja beleza todos os
batalhões bem-aventurados dos
céus admiram sem cessar” (4 In, 10),
e “cuja afeição apaixona” (4 In 11).
Contemplar é “desejar, acima de
tudo, ter o espírito do Senhor e sua
santa operação”. A contemplação
é essencialmente a vida em
união com Deus que, segundo as
palavras de Francisco, seria “ter o
coração dirigido para Deus” (RnB
XXII, 19.25), e, segundo as de Clara,
colocar alma, coração e mente no
Espelho, em Cristo (cf 3 In 12ss),
até transformar-se totalmente na
imagem de sua divindade (cf. 3 In
13).
Assim entendida, a contemplação
nada tem a ver com uma vida
medíocre, rotineira, preguiçosa. A
contemplação é fazer uma opção
exclusiva pelo Senhor, entregar-lhe
64 - Revista Santa Cruz
a vida, é poder dizer com Paulo “já
não sou eu que vive, mas é Cristo
que vive em mim” (Gl 2,20). É poder
dizer na verdade: só o Esposo basta,
pois se trata daquele cujo “poder é
mais forte, sua generosidade é mais
elevada, seu aspecto é mais belo, o
amor é mais suave, e toda a graça
mais elegante” (1 In 9). Para Clara a
contemplação não é algo distinto da
opção radical por Jesus Cristo, pelo
contrário, é a dimensão intrínseca e
indispensável dessa mesma opção.
A contemplação franciscana deve
ser vista sempre no horizonte
do seguimento de Cristo, é um
seguimento contemplativo.
Por isso, com as palavras do pai
São Francisco, podemos dizer
que contemplar é entregar-se
totalmente Àquele que todo inteiro
se entregou por nós (cf. Ord 29).
Contemplar é queimar, gastar a
vida pelo Evangelho, “regra e vida”
para todos nós (RB 1,1); RSC 1,2).
Sempre me chamou a atenção que
Clara não define, em São Damião,
como vida contemplativa, mas
como vivência do Evangelho.
Deste modo, Clara não considera a
contemplação como uma forma de
vida, senão como uma dimensão
essencial da mesma a qual fica
submetida à vivência do Evangelho.
A contemplação vai, pois, de mãos
dadas com a qualidade evangélica
de vida conforme o propósito de
vida que abraçamos (cf. 2 In 11);
com uma vontade firme de “crescer
de bem para melhor, de virtude em
virtude” (1 In 32), e de avançar pelo
caminho da bem-aventurança (Cf.
2 In 12-13).
Para isto, sentimos necessidade de
caminhar a partir do Evangelho,
núcleo fundamental e fundante de
nossa forma de vida, pois só ele nos
dará a possibilidade de acender
fogo novo e injetar linfa nova em
nossa história comum, oito vezes
centenária. Sermos contemplativos
implica, pois, assumir o Evangelho
com suas exigências mais radicais,
sem concessões, sem justificar
acomodações a um estilo cômodo
de vida.
A contemplação tampouco é ser
indiferente em relação aos outros.
A paixão por Cristo é a paixão pela
humanidade. A contemplação que
alimenta nossa vida nunca pode ser
alheia à vida de nossos povos e ao
que os afeta. A realidade de nossos
irmãos, os homens e as mulheres,
há de ser levada à oração. A alma
contemplativa é uma alma que se
sente em comunhão com todos,
que apresenta todos ao Senhor,
com suas alegrias e tristezas, com
suas esperanças e suas frustrações.
Carrega todos em seu coração,
a todos acolhe em sua alma
contemplativa.
A contemplação, portanto, é muito
mais que os momentos mais ou
menos prolongados de oração
aos quais todas as demais coisas
temporais devem servir (cf. RSC 1,2; RB
5,2). A contemplação é uma existência
vivida para o Senhor e por Ele, doada
também em favor dos demais.
Não poderia ser de outra forma se
consideramos que a contemplação,
como afirma Clara, é imitar e seguir o
esposo (cf. 2 In 20-21).
Fontes da contemplação franciscana
Olhando para Francisco e Clara,
é fácil descobrir duas fontes
principais de sua contemplação: a
Palavra de Deus e a liturgia.
A Palavra de Deus é, sem dúvida
alguma, a fonte principal da oração
do Pobrezinho e de sua Plantinha.
Os salmos e os cânticos bíblicos
inspiram e nutrem sua oração a tal
ponto de poder bem manifestar que
ambos encarnam em si mesmos a
figura do pobre de Javé em toda
sua dimensão: a pessoa humana
põe sua confiança no Senhor e
mergulha na adoração e no louvor. A
prática da Leitura orante da Palavra,
tão recomendada pela Igreja
nos últimos tempos, deveria ser
habitual em nossas fraternidades,
se queremos que a Palavra se torne
carne em nossa existência de cada
dia. Nesse sentido temos ainda
Revista Santa Cruz - 65
muito caminho a percorrer.
A liturgia é fonte privilegiada de
contemplação franciscana. Em
primeiro lugar, porque é o canal
ordinário através do qual Francisco
e Clara acolhem a Palavra de Deus,
uma Palavra que não é simples
objeto de meditação, mas muito
mais uma Palavra celebrada,
atualizada; uma Palavra que se
transforma em ação. Por outro
lado, Francisco e Clara, através da
liturgia, vivem intensamente a
atualização sacramental do mistério
de Cristo, particularmente como
ele se manifesta na encarnação
e na paixão, que, como bem o
sabemos, ocupam lugar central na
contemplação desses enamorados
de Cristo pobre e crucificado.
contemplativo de Clara está
enraizado na encarnação do Verbo,
sintetizado no mistério, na vida
pública e na cruz. É um espelho
no qual se refletem a pobreza, a
humildade e a caridade do Filho de
Deus. Contemplar todos os dias tal
espelho é percorrer este caminho
sem desfalecer.
O “método” de Clara para a
contemplação
Como fizeram os ilustres mestres
de contemplação, também Clara
elaborou seu“modelo”, seu caminho,
porém, sem se ater a nenhuma
das grandes correntes. Trata-se de
um método muito simples que
brota da própria experiência. Este
método pode resumir-se em três
verbos que aparecem na segunda
e quarta cartas a Inês de Praga:
olhar, considerar, contemplar (cf.
2 In 20; 4 In 15-23). O caminho
66 - Revista Santa Cruz
Olhar. O olhar implica todos os
sentimentos
no
seguimento
contemplativo de Jesus Cristo.
“Olhe dentro desse espelho todos
os dias [...]. Preste atenção no
princípio deste espelho: a pobreza
daquele que, envolto em panos, foi
posto no presépio!” (4 In 15ss). Não
se trata de uma postura romântica
diante do presépio, mas de uma
experiência real de pobreza, de uma
opção decidida pela pobreza, como
o caminho escolhido pelo Filho de
Deus. Não se trata de olhar-se a si
mesma, mas de sair de si mesma e
contemplar a pobreza daquele que
“por você se fez desprezível”. Para
Clara, já não resta outro caminho:
“siga-o, sendo desprezível por ele
neste mundo” (2 In 19). O olhar ao
qual convida Clara é, na verdade, o
olhar da esposa ao Esposo, que, por
ser diário e incessante (cf. 4 In 15),
leva a descobrir a beleza do “Esposo
da mais nobre estirpe” (1 In 7).
Considerar. A consideração, para
Clara, abarca a mente e leva a
perceber a humildade, como um
contraste que escandaliza e fascina:
o Rei dos anjos envolto em panos
e posto em um presépio (4 In 1920). Se para Francisco o binômio
pobreza e humildade é inseparável,
também o é para Clara. A pobreza
põe em realce a vida na mesma
condição dos pobres. A humildade
expressa o mais profundo da
pobreza: o rebaixamento, a
humilhação, o desprezo. Se a
pobreza é negação da riqueza, a
humildade é negação do poder. A
humildade é a dimensão quenótica
do seguimento.
Contemplar. O contemplar implica
particularmente o coração. Para
Clara, o coração é o lugar da
aliança com o Esposo, expressa a
radicalidade da resposta, a entrega
total, a comunhão que permite
saborear Deus. Por outro lado, a
contemplação exige um coração
puro (cf. RSC 10,10), totalmente
voltado para o Senhor. Isso
permite olhar com outros olhos,
com os olhos de Deus, considerar
de outra maneira, perceber
em profundidade. Contemplar
significa, em última análise, ter os
mesmos sentimentos de Cristo (cf.
Fl 2,5), revestir-se de Cristo (cf. Gl
3,27; Ef 4,24). Contemplar é abrir-se
ao Espírito que renova, transforma
e arrasta ao testemunho, meta de
toda a contemplação.
O olha-considera-contempla, mais
que graus, são dimensões de um
mesmo processo que não se reduz a
uma mera consideração intelectual,
mas que é uma experiência que
implica toda a pessoa em todas as
suas dimensões: espiritual, afetiva e
sensível. É como o amor autêntico:
envolvente (cf. RnB 22; 3 In 12-13; 4
In 15), que conduz ao seguimento
e à identificação com a pessoa
amada, à transformação do amante
no Amado.
O silêncio e a solidão a serviço da
contemplação
Assim como Clara em sua Regra
(cf. RSC 5), assim pensa a Igreja,
assim como o exprimem as
vossas Constituições: “a busca da
intimidade com Deus traz consigo
a necessidade vital de um silêncio
de todo o ser” (CCGG da OSC 81).
Revista Santa Cruz - 67
Quem deseja permanecer fixo
unicamente na intimidade de Deus,
a exemplo de Clara, deve afastar de
sua alma “todo rumor” (LSC 36). E
isto não só para quem optou por
uma vida retirada, mas para todos
aqueles que desejam viver uma
vida interior autêntica. O silêncio
enquanto caminho de liberdade
é um valor universal, necessário
para uma vida em plenitude, para
a reflexão profunda.
O silêncio e a solidão habitados são
manifestação de uma vida plena
e transbordante, que fala por si
mesma. O silêncio e a solidão são,
além disso, meios indispensáveis
para concentrar-nos no essencial,
para viver na presença do Senhor.
É desde esta perspectiva que a
clausura adquire a sua verdadeira
dimensão. Sem diminuir a importância da clausura para fora, não
se pode esquecer nunca a clausura
para dentro: não entreter-se com o
acidental, mas nutrir o gosto pela
Palavra de Deus, o recolhimento
dos sentidos. Se para quem vive às
margens do nada, o silêncio é sinal
terrível do vazio, para quem busca
a paz interior, o silêncio, a solidão
e, no vosso caso, a clausura são
oportunidades impagáveis para
o encontro com Deus e com os
demais.
O homem novo, a quem a fé
concedeu um olhar penetrante
que vai mais além do visível e um
68 - Revista Santa Cruz
coração capaz de amar o Invisível,
busca o silêncio e a solidão, feitos
de relações profundas, autênticas
e não como fuga ou como meio
para fechar-se em si mesmas.
Por paradoxal que possa parecer,
somente aquele que é capaz de
ficar sozinho é capaz de encontrarse com alguém. Talvez isto explique
porque hoje estamos tanto
tempo juntos e não conseguimos
encontrar-nos realmente com
alguém.
Hoje, tanto vós, minhas queridas
irmãs, como nós e todas as
pessoas que desejem dedicar-se
com coração exclusivo a Deus,
necessitamos de silêncio e solidão,
cheios de uma presença, atentos
à escuta, abertos à comunhão.
Necessitamos cuidar do silêncio e da
solidão habitados para não sermos
carentes de reflexão, vítimas de um
ativismo vazio e, portanto, estéril.
Deus sempre fala e até mesmo seu
silêncio é palavra.
Conclusão
Irmãs mui queridas no Senhor:
iniciei esta carta com palavras de
São Boaventura e termino fazendo
minhas outras palavras suas. Como
ele, também eu vos peço que
estejais “sempre unidas a Cristo,
nosso único bem duradouro” (S.
Boaventura, Carta... 4). Tudo o que
vos escrevi, minhas queridas Irmãs
pobres de Santa Clara, o assumo
também para mim e para todos os
irmãos que o Senhor me deu.
Que o Senhor nos dê um coração
puro para poder olhá-LO, considerá-LO, contemplá-LO, para que,
transformando-nos n’Ele, possamos
dar testemunho d’Ele diante dos
homens e das mulheres do nosso
tempo!
Fraternalmente,
Fr. José Rodríguez Carballo, ofm
Ministro Geral OFM
Roma, 13 de junho de 2010.
Revista Santa Cruz - 69
VIDA DA
PROVÍNCIA
No ensejo de apresentar alguns acontecimentos marcantes na
“vida” da PSC, nos últimos meses, este número da “Revista Santa
Cruz” traz cinco relatos que, certamente são do interesse de todos
os seus leitores, a saber: 1) Ordenação diaconal de frei Francisco
Alexandre Viana; 2) “Marcha Franciscana” rumo à nascente do Rio
São Francisco; 3)“Missão vocacional” na cidade de Pedra Azul; 4)
Entrevista com os freis jubilandos: Oscar van der Neut e Edvaldo
Kemmeren; 5) Diário de um “peregrino” na Terra de Jesus – parte 2.
1. ORDENAÇÃO DIACONAL DE FREI
FRANCISCO ALEXANDRE VIANA
Frei Oton Júnior, ofm
No domingo, dia 1º de agosto
de 2010, frei Francisco Alexandre
Viana foi ordenado diácono
na igreja de São Tiago Maior,
localizada no bairro São José, em
Belo Horizonte. Foi uma celebração
simples e bem participada. Além
da comunidade local, estiveram
presentes vários frades, religiosos e
religiosas amigos de frei Francisco.
Compareceram também alguns
conterrâneos, vindos da cidade sul-
70 - Revista Santa Cruz
O dia começou animado, à espera
do ônibus de Cabo Verde. A
fraternidade São Boaventura, onde
reside frei Francisco Alexandre,
adaptou-se como pode para
receber os visitantes. Quando
estes chegaram, o almoço já estava
servido, graças à colaboração de
algumas paroquianas que logo
cedo começaram os trabalhos.
Após a refeição, os visitantes foram
divididos entre algumas famílias do
bairro para poderem se preparar
para a celebração.
O bispo ordenante foi dom José
Maria Pires, arcebispo emérito da
Paraíba e residente na Arquidiocese
de Belo Horizonte. Apesar de
seus quase 92 anos, mostrou-se
vigoroso, lúcido e provocador.
Em sua homilia, dom José Maria
exortou a todos para a importância
de uma Igreja servidora, a exemplo
dos primeiros diáconos, que
se ocuparam das viúvas pagãs
convertidas ao cristianismo. No que
tange à espiritualidade franciscana,
o bispo exortou o ordenando sobre
a atualidade do serviço diaconal
quanto à não violência, a exemplo
de São Francisco que acalmou o
lobo de Gúbio.
O bispo exortou a todos sobre a
importância do Concílio Vaticano II
que recuperou a figura do diaconato
permanente, ressaltando que, além
da atividade sacramental deste
ministério, o diácono deve estar em
contato com as pessoas afastadas
da religião cristã. Estas poderão
encontrar na figura do diácono a
ponte para sua adesão à fé.
Dom José lembrou ainda da
importância do trabalho gratuito,
por amor, inspirado na dedicação
dos pais aos filhos, e que nos dias
atuais é até mesmo ridicularizado.
,
mineira de Cabo Verde (MG), terra
natal do ordenando, distante 475
km da capital mineira.
Após a celebração, os convidados
participaram de uma refeição no
salão da igreja de São Tiago. Os
visitantes retornaram a Cabo Verde
Revista Santa Cruz - 71
no mesmo dia, enfrentando mais
sete horas de viagem.
Frei Francisco Alexandre cursa, no
presente momento, o último ano
de teologia e é o atual Comissário
da Terra Santa da Província Santa
Cruz.
Que nosso Deus, feito homem do
serviço em Jesus de Nazaré, oriente
os caminhos de frei Francisco
Alexandre. Que o diaconato lhe
inspire sempre mais o dom de se
fazer irmão a serviço do Reino.
72 - Revista Santa Cruz
2. MARCHA FRANCISCANA:
DEZ ANOS
Para dar graças a Deus
Frei Robério Antunes Ruas,ofm
A Marcha Franciscana de 2010
teve um caráter especial, pois
comemoraram-se os dez anos da
manifestação em prol da nossa
mãe natureza e em especial do
grandioso rio São Francisco.
Este rio tem sofrido sérios danos
provocados pela ação do próprio
ser humano. Marchamos até a sua
nascente.
A Marcha Franciscana consta
de momentos de silêncio, de
contemplação, de união fraterna,
de partilhas e reflexões. Neste ano
de 2010, durante a caminhada
se renderam graças a Deus pelo
carisma francisclariano, pelo dom
da vida, pela nossa mãe terra e
irmã água, e ainda pelos dez anos
da “Marcha” e pelo próprio rio São
Francisco. Esse agradecimento se
deu em momentos de profunda
oração e partilha em cada parada.
Também somos gratos a todos
que nos acolheram em suas casas
e que tão bem cuidaram de nós: o
sr. Amador e esposa, o sr. Euclides
e esposa, o povo de Vargem Bonita
e de São Roque de Minas que não
nos deixaram faltar nada.
A Marcha Franciscana tem um
caráter ecumênico e, por isso, conta
com a participação de várias outras
denominações religiosas de uma
forma bem tranquila e fraterna.
A participação de leigos tem sido
cada vez maior na caminhada.
Pessoas de vários lugares do estado
de Minas e de todo o País são um
exemplo de como a marcha tem
sido bem divulgada pelos seus
participantes.
A Marcha Franciscana é, por assim
dizer, uma forma bem franciscana
de evangelizar, pois há nela ótimas
oportunidades de se aprofundar o
carisma franciscano.
Contamos com a presença de nosso
vigário provincial, frei Vicente
Ronaldo da Silva, na abertura da
marcha em Capitólio, e do ministro
provincial frei Francisco Carvalho
Neto na missa de encerramento,
na nascente do Rio São Francisco.
Eles, com sua presença e em sua
pregação, demonstraram apoio e
incentivo à Marcha Franciscana. A
eles o nosso agradecimento.
Revista Santa Cruz - 73
A Marcha Franciscana, conforme
avaliação dos próprios partipantes,
precisa ser experimentada para
ser melhor julgada. Para os
caminhantes, a Marcha tem sido
algo marcante em suas vidas.
74 - Revista Santa Cruz
Agradecemos a Deus pela vida e
pelo apoio de cada pessoa que
participou desta caminhada e
continuamos contando com o
apoio de todos para que nossa
“casa”, o planeta terra, seja um dia
melhor cuidada.
3. MISSÃO VOCACIONAL EM
PEDRA AZUL
Frei Fernando Resende da Silva,ofm
Foi realizada em Pedra Azul, diocese
de Araçuaí, uma “Missão Vocacional
Franciscana”, entre os dias 22 e 27 de
junho do corrente ano. A paróquia
local – Nossa Senhora da Conceição
– é dirigida por um padre diocesano,
padre Fabrizzio Clemente Fonseca.
Residem também nessa cidade
algumas Irmãs da Congregação de
Nossa Senhora da Ressurreição.
A Missão foi realizada por frades e
freiras, provenientes de diversos
locais dos estados da região sudeste
do Brasil. Todos chegamos a Pedra
Azul bem dispostos. Tomamos
conhecimento da programação, a
qual informava locais para nossa
atuação e também certos grupos
de leigos para os quais alguma
palestra ou encontro seriam feitos.
Já que os primeiros dias da Missão
foram em dias de semana, nos
concentramos mais nas visitas
às residências. Deixamos para o
final de semana as atividades com
grupos específicos de leigos.
Os frades e freiras se subdividiram
em pequenos grupos, o que
possibilitou visitar um maior
número de residências. A cadeia e
a APAC foram visitadas durante a
semana. Uma parte dos missionários
se dirigiu às comunidades rurais.
No terceiro dia da Missão, dia de
São João Batista, houve muitas
comemorações, uma vez que este
santo é muito querido pelo povo
da região: de manhã começamos
a ouvir o estouro de foguetes, e
esse som se prolongou o dia todo.
À noite, vimos inúmeras fogueiras
espalhadas pelas ruas da cidade.
Num mesmo trecho de rua havia
várias fogueiras. Alguns moradores
fecharam suas ruas com galhos de
bananeiras. As pessoas ficavam
assentadas nos passeios. Havia
fogos de artifício de vários tipos.
Uma das capelas da cidade é
dedicada a São João Batista, e ali
houve uma celebração eucarística,
precedida de uma procissão. O dia
24 de junho foi feriado municipal
em Pedra Azul.
Embora o trabalho de visitar as
residências fosse feito com boa
vontade e as famílias nos terem
recebido muito bem, alguns missionários sugeriram que talvez fosse
melhor a presença de pessoas da
cidade junto às equipes, uma vez
que existiam residências de famílias
de outras Igrejas. As nossas visitas
tinham como meta a dimensão
vocacional. As dimensões, caritativa
e de anúncio, eram tidas por nós
Revista Santa Cruz - 75
como secundárias. Mas, mesmo
assim, estávamos abertos a visitas
mais caritativas, principalmente
quando eram solicitadas.
As famílias visitadas recebiam
cartões e folhetos nossos. Cada
dia havia celebrações eucarísticas,
tanto na cidade quanto na roça.
Uma interrupção que tivemos que
fazer – e isto é até meio cômico
para narrar – foi nos momentos de
jogos da seleção brasileira na Copa
do Mundo. Assim como todos se
juntavam para assistir aos jogos,
nós, missionários, ficávamos em
casa também para este mesmo
fim.
No final de semana, houve encontros
com grupos predefinidos: crianças,
catequizandos, crismandos, famílias, jovens e uma fraternidade
missionária local. O conteúdo e a
dinâmica dos encontros variavam
conforme o tipo do grupo.
No decorrer de todo o domingo
realizou-se um Encontro Vocacional. Este encontro foi planejado
para atender tanto aos jovens e
adolescentes de Pedra Azul quanto
76 - Revista Santa Cruz
aos que residem em municípios
vizinhos. Nesse encontro, houve
a direção também do padre
responsável pelas vocações da
Diocese de Araçuaí, padre Manoel.
As palestras do referido encontro
foram feitas pelo padre Manoel, por
frades da Província Santa Cruz e por
freiras de algumas congregações
de carisma franciscano. Ainda
no domingo, uma parte dos
missionários esteve no meio rural,
tanto para visitas quanto para
celebrações.
O último evento da “Missão
Vocacional Franciscana” em Pedra
Azul foi uma celebração eucarística
à noite. No final da celebração
houve agradecimentos recíprocos.
Da Província Santa Cruz participaram os seguintes frades: frei
Fernando, frei Irwin, frei Moisés,
frei Alexsandro, frei Donizete e frei
Eliseu. Saímos de lá com a sensação
de que, em geral, as pessoas
receberam com contentamento
e gratidão nossa presença, nossa
mensagem, nossa atuação.
4. ENTREVISTA COM OS
JUBILANDOS FREI OSCAR VAN DER
NEUT E FREI EDVALDO KEMMEREN
Frei Oton Júnior, ofm
No ensejo das comemorações de seus
50 anos de ministério presbiteral,
frei Oscar van der Neut e frei
Edvaldo Kemmeren concederam à
Revista Santa Cruz (RSC) uma breve
entrevista. Dentre outros assuntos,
eles falam de sua origem e missão
em terras brasileiras.
Frei Oscar van der Neut
Ordenado presbítero em 1960 e,
desde 2007, reside no convento
Santo Antônio, em Divinópolis.
Como passatempo, dedica-se à
tradução para o português de livros
sobre franciscanismo.
RSC: Frei Oscar, conte-nos algo sobre
sua família.
Frei Oscar: Sou o sexto filho de um
total de doze irmãos. Nasci em
Rotterdam, na Holanda, em 15 de
setembro de 1930. O período era
difícil devido à crise econômica
mundial. Quando eu tinha entre
quatro ou cinco anos, meu pai
ficou desempregado e tivemos
de sobreviver com um saláriodesemprego. Ficamos assim até o
início da guerra. No fim de 1944,
eu e mais duas irmãs resolvemos
sair de casa para que sobrasse
mais comida para nossos irmãos
menores. Fazia um frio de 28 graus
negativos e caminhamos dois
dias pedindo coisas pra comer às
pessoas que encontrávamos.
Finalmente, depois de um tempo,
conseguimos um trem que nos
levou para o Norte, na região da
Frísia. O trem transportava fugitivos
da guerra, e passou à 1h da manhã.
Nós fomos juntos, no trem lotado,
cerca de oitenta pessoas por vagão.
Chegamos depois de treze horas
de viagem, e fomos procurar logo
o vigário para pedir a ele licença
para mentir que éramos fugitivos
de guerra.
Conseguimos uma família que
nos acolheu, mas não tínhamos
nenhuma notícia de nossos
parentes, nem eles de nós. Isso
durou uns seis meses, até que em
julho de 1945, com o fim da guerra,
Revista Santa Cruz - 77
chegou um ônibus para levar os
filhos de policiais da minha cidade
de volta para a Holanda do sul.
Eu embarquei com eles, mas tive
de ir sentado no chão do ônibus,
pois não havia lugar pra mim. O
primeiro homem que vi quando
cheguei foi meu pai, portando um
fuzil, fazendo parte de um grupo
de resistência aos alemães.
RSC: Como se deram seus estudos e o
início de sua vocação?
Frei Oscar: Fui matriculado numa
escola que preparava profissionais
para trabalhos em escritório, mas há
muito tempo eu já pensava em ser
missionário porque os missionários
durante o período de férias
passavam nas escolas, contando
como era a vida em outros países
e isso me encantava. De início eu
pensei em ir para a China, porque
gostava de ver aqueles freis com
aquela barba grande.
Em 1946, entrei no seminário
menor, chamado de colégio das
missões e lá fiquei sete anos, até
1953, quando fui para o noviciado.
Minha turma era de trinta noviços.
Fiz então dois anos de filosofia,
quatro anos de teologia e um
ano de pastoral, que dava para a
gente umas noções de teoria e
de prática (como fazer pregações,
por exemplo). Minha ordenação
foi celebrada junto com outros
78 - Revista Santa Cruz
oito frades. Uma turma antes de
mim foram vinte e houve outra de
quarenta frades ordenados juntos.
A província tinha cerca de 1.400
frades.
A província da Holanda naquela
época tinha missões na Indonésia,
no Paquistão, na Índia, na Noruega e
no Brasil, e eu quis vir pra cá. Viemos
então Frei Edvaldo Kemmeren, Frei
Adriano de Wit (Frei Tomé, pra nós), e
eu. Chegamos em outubro de 1961.
RSC: Em quais lugares o senhor
trabalhou?
Frei Oscar: O primeiro lugar em que
me mandaram foi para Ubá, para
aprender o português. Fiquei uns
meses lá. Depois fui para Corinto,
e de cara já tive de fazer sermão
de Semana Santa (acho que é por
isso que eu não gosto de Semana
Santa até hoje!). Fiquei em Corinto
de 1962 a 1966, quando fui à
Caravelas, depois Nanuque, onde
eram duas paróquias e tínhamos
duas comunidades dos freis. Foi um
período que gostei muito porque
o clima entre nós era de muita
brincadeira. Éramos frei Adalberto
Lau, frei Edvaldo Kemmeren, frei
Fortunato van Vugt e na outra
estava frei João Maria van Dan. Em
Nanuque, havia o ginásio e tive de
dar aulas de matemática durante
um ano para a turma do segundo
ano ginasial, mas eu não tinha
nenhuma preparação para isso.
Depois, voltei para Caravelas, onde
fui pároco durante três anos, por
volta de 1973. A cidade de Teixeira
de Freitas começava a crescer
naquela época. Eu andava muito
de trem porque em Corinto havia
três linhas: uma para Pirapora,
outra para Diamantina e outra para
Belo Horizonte e muitas capelas
estavam às margens da linha. Os
municípios eram grandes.
Em Alcobaça estava frei Ismael
Lambi e frei Hipólito Elskamp estava
em Prado. Depois frei Teodoro
Verkuijlen e frei Elias Hooij foram
para Posto da Mata.
Fiquei em Nanuque até 1983
e pude então morar com frei
Cristóvão, frei João José van der
Slot e frei Simão Putman estava
na Serra dos Aimorés. Fui então
para Jequitinhonha, onde havia a
matriz, dez comunidades na cidade
e trinta na roça. Eu gostei muito
de ter trabalhado em paróquias,
atender pessoas, celebrar.
Em 1995 fui para Visconde do
Rio Branco, para ser guardião do
noviciado. Fiquei três anos ali, e fui
primeiro para Abaeté e depois para
Pará de Minas, onde fiquei sete
anos, até que, em 2007, vim para
o convento de Divinópolis. Aqui,
comecei a traduzir alguns livros de
franciscanismo do holandês para
o português, para passar o tempo.
Não pretendo publicá-los, apenas
deixarei em algumas bibliotecas da
Província.
RSC: Como o senhor vê a situação da
Província da Holanda e a Província
Santa Cruz?
Frei Oscar: Não tenho acompanhado tanto a situação na Holanda.
Não sei, por exemplo, como está a
situação dos frades que não são
ordenados. Meu irmão, por exemplo,
era frade eletricista, e prestava
serviço nos grandes conventos e
também para as Clarissas. Quanto
à nossa Província, eu não conheço
os frades mais novos, então não sei
que rumo está tomando.
Revista Santa Cruz - 79
Frei Edvaldo Kemmeren
Ordenado presbítero em 1960 e,
desde dezembro de 2006, reside na
comunidade do “Sítio Rivotorto”,
em Ribeirão das Neves. Além de
assistente espiritual das irmãs da
Pequena Família Franciscana, frei
Edvaldo ocupa boa parte de seu
tempo cuidando do jardim e plantas
ornamentais do convento de Areias.
RSC: Frei Edvaldo, conte-nos um
pouco da história de sua vocação.
Frei Edvaldo: A oração pelas
vocações foi uma constante em
nossa família, especialmente o
primeiro sábado do mês. Isso
provavelmente influenciou o meu
pensamento a respeito.
RSC: E a opção pela Ordem dos
Frades Menores?
Frei Edvaldo: Houve uma missão
popular em nossa paróquia,
80 - Revista Santa Cruz
orientada pelos freis de Nieurve
Niedorfi, um convento não longe
da nossa paróquia. Eles me
inspiraram.
RSC: Em 1961, o senhor desembarcou
no Brasil e logo foi transferido para
Pirapora. Como foi o processo de
adaptação com a nova língua, com
a cultura brasileira?
Frei Edvaldo: Fui mandado para
Pirapora porque havia a falta de
um frei naquela comunidade.
Quanto à adaptação não houve
grandes problemas. Claro que a
língua foi a mais difícil. Aprendi
mais ou menos andando na rua,
tentando conversar com o povo.
Também frei Osvaldo, o pároco,
me ajudou um pouco. Alimentação
não foi problema. Quanto à
cultura, o maior desafio foi com a
cultura religiosa, especialmente
a liturgia. Senti a necessidade de
uma renovação que aos poucos
foi acontecendo com a reforma
promovida pelo Concílio Vaticano
II. Naquela época, grande parte
da população era católica. Havia
igrejas protestantes na Europa.
Até tínhamos bons contatos com
outras Igrejas, especialmente uma
“Igreja Batista do Sétimo Dia”.
RSC: Nas cidades de Nanuque
e Corinto – apenas a título de
exemplo! - o senhor trabalhou como
vigário, pároco e professor. Fale-nos
a respeito destas atividades.
Frei Edvaldo: Depois de três meses
em Pirapora, já fui transferido
para Nanuque. Como vigário e
pároco acompanhei os costumes e
práticas que eram de costume nas
paróquias, aplicando as novidades
do Concílio. Trabalhei na pastoral
paroquial nos diversos serviços
que envolvem a vida evangélica e
espiritual, além das obras sociais e
administração. A vida evangélica
exige formação e um destaque
para a liturgia. O Concílio Vaticano II
já começou a manifestar resultado.
Mais formação, formação de
comunidades com seus conselhos.
Tentei acompanhar as mudanças e
orientá-las. Dentre estas inovações,
destaco a formação de catequistas
e a formação litúrgica. Parte da
atividade paroquial foi ocupada
com questões práticas ligadas à
administração. Procurei registrar
todos os funcionários. Um rapaz
que trabalhava num escritório de
contabilidade cuidava da parte
financeira. Eu só fornecia os dados.
Essa foi uma prática que segui em
todas as paróquias. Outro aspecto:
a manutenção de móveis e imóveis
da paróquia e eventualmente novas
construções. Esta parte ocupava
geralmente muito tempo, mas
não era um tempo perdido para a
pastoral. Sempre estava disposto
a ouvir e dialogar com o povo,
contratava profissionais, organizava
multidões e campanhas financeiras.
Em resumo: motivava o povo,
estimulava o espírito comunitário e
a responsabilidade. Por outro lado,
o professorado (Educação Civil e
Moral) não foi o meu lado forte.
Batizado em Posto da Mata (BA) em 1962
RSC: Em 1982, o senhor foi nomeado
o responsável pela construção/
reforma do Noviciado em Visconde
do Rio Branco. O Senhor poderia
comentar algo sobre esta atividade
específica?
Frei Edvaldo: Fui incumbido de
reformar o prédio existente
para acomodar mais ou menos
vinte noviços. Fiz a planta para a
reforma. No fim das contas, ficou
um conventinho muito agradável.
Porém, demorou pouco, pois a
Província mudou de planos quanto
ao lugar do Noviciado e o destino
daquele imóvel.
Revista Santa Cruz - 81
RSC: O Senhor dedicou boa parte de
sua atividade pastoral em Pará de
Minas e em Belo Horizonte. Algo a
destacar neste período?
RSC: Como tem sido sua presença
em Ribeirão das Neves? De quais
atividades o senhor tem se ocupado
atualmente?
Frei Edvaldo: Pará de Minas foi
outra paróquia onde trabalhei
com muito gosto. Uma cidade em
franco progresso. Precisava muito
de planejamento e construções.
Também um povo muito bom e
colaborador. Trabalhei também
em Belo Horizonte, na Savassi. Fui
com medo, pois sempre desejava
não receber nomeações para Belo
Horizonte. Mas aceitei, comecei
e o meu medo já se manifestava
logo sem fundamento. Era uma
paróquia sem casa paroquial, sem
centro paroquial, sem salão etc. Frei
Francisco Duarte já havia compra-do
um prédio. Fiz um projeto realizável
para essa pequena paróquia. O
plano foi aprovado e realizado, e
dentro dos seus limites funcionava
bem. Mas a Província mudou os
planos: desativou o Convento
São Bernardino, anexo ao Colégio
Santo Antônio, e agregou o prédio
às atividades do colégio. Tive de
sacrificar o salão do segundo andar
da nova residência paroquial para
moradia de mais dois freis. Doeu,
mas por outro lado, a vantagem da
criação de uma nova comunidade
de frades. O trabalho pastoral foi
muito agradável.
Frei Edvaldo: Foi uma mudança
radical na minha vida. Moro
agora no “retiro” da Província e
vivo constantemente em retiro.
Experimento isso, benéfico para um
velho encostado. Vivemos bem em
comunidade. Prestamos assistência
à Paróquia da qual fazemos parte
como moradores. Na medida do
possível, atendemos ao pároco
quando ele solicita alguma ajuda.
Afinal, não cabe a nós interferir
na pastoral. Isso cabe ao pároco.
Depois da saída de frei Geraldo van
Buul dou assistência à Pequena
Família Franciscana. Pelo resto,
trabalho em casa e procuro enfeitar
um pouco, alegrando o ambiente
com flores no jardim, como um
jardineiro não profissional.
82 - Revista Santa Cruz
RSC: Num rápido olhar retrospectivo,
como o senhor avalia seu serviço
prestado à Igreja no Brasil? O
que significa celebrar 50 anos de
ministério presbiteral?
Frei Edvaldo: Minha vida no Brasil
foi, desde o início, marcada pela
pastoral paroquial. Senti-me bem
nisto. Fiz o possível para o povo
assumir as responsabilidades.
Quanto à formação evangélica,
tentei convencer o povo que a
pastoral, além de vida espiritual,
inclui também as dimensões
social, política e econômica, numa
mentalidade ecumênica. Quanto
às construções, não se tratou de
um hobby apenas. Tinha a firme
convicção de que é necessário
ajudar o povo, criando condições,
também materiais, para um bom
funcionamento da comunidade.
Acho importante também mudar a
mentalidade do “eu fiz”, para o “nós
fizemos”. Além do fazer, sempre
cultivei a oração e o estudo para
não ficar desatualizado. Apesar de
minhas faltas, limitações e omissões, encontrei em todas as
paróquias muita colaboração.
Houve também conflitos e
problemas, mas dentro desta
entrevista, que se trata de minha
vida presbiteral durante 50 anos,
não cabem crônicas paroquiais.
Evitei sempre assumir tarefas que
não pertenciam à vida paroquial.
Dediquei-me exclusivamente à
tarefa para a qual fui nomeado.
Nesta tarefa, Deus, os confrades e
o povo me ajudaram muito. Dou
graças a todos.
Revista Santa Cruz - 83
5. DIÁRIO DE UM “PEREGRINO” NA
TERRA DE JESUS – PARTE 2
Frei Geraldo van Buul,ofm
A seguir, a continuação ao relato da
experiência de frei Geraldo van Buul,
na Terra Santa.
Sexta-feira, 5 de março 2010
Vários santuários na Terra Santa são
propriedade coletiva de diversas
igrejas cristãs. Nem sempre é
uma situação fácil. E não é uma
questão recente, mas de séculos.
Por isso os Turcos Otomanos,
quando dominaram a Terra Santa,
estabeleceram o regimento do
Status quo
que regulamenta
exatamente o que é de quem, o
que é coletivo, e como a situação
deve ser solucionada em caso
de dúvida. No entanto, existe, às
vezes, desconfiança em relação
à outra igreja com a qual se vive
sob o mesmo teto. Às vezes,
chega-se a atritos, até com armas.
Especialmente os Grego-ortodoxos
e os Armênios se atacam de vez
em quando com vassouras ou
candelabros. Também os Coptas
e Etíopes têm dificuldade de se
entenderem. Um diz “aquela área é
minha” e o outro contesta isto.
84 - Revista Santa Cruz
Limpeza na Basílica da Natividade em Belém
Essa situação chega até a
circunstâncias ridículas. Assim,
a chave da Basílica do Santo
Sepulcro fica em mãos de duas
famílias muçulmanas, e somente
estas podem abrir e fechar a igreja.
Existem também momentos em
que pessoas de igrejas diferentes
aparecem para fazer uma limpeza
na igreja, e ai daquele que se
atreve a varrer um ladrilho do
outro ou espanar um pedaço
da parede do outro, pois isto
significa mais ou menos “Agora
este pedaço é meu”. Graças a Deus,
os franciscanos procuram manter
o diálogo. Mas a gente pisa em
ovos. Mas, não apenas entre as
diversas igrejas cristãs existem tais
problemas, também entre judeus
e muçulmanos. Além disto, entre
esses há ainda uma dimensão
política. Isto se manifestou de novo
há alguns dias.
Anos atrás, o então primeiro ministro Ariel Sharon se atreveu a fazer
uma visita ao Monte do Templo
em Jerusalém. O Monte do Templo
está sob a responsabilidade muçulmana, e, uma vez que o templo
judeu não existe mais, e naquele
lugar se encontram, desde o século
VIII, a Mesquita do Al Aqsa e o
“Domo da Rocha”, que se tornaram
o terceiro lugar sagrado do Islã,
a visita de Sharon, responsável
pela morte de centenas de árabes,
foi uma provocação muito forte,
resultando na segunda Intifada. Aos
poucos os ânimos se acalmaram,
mas Israel proíbe aos judeus a entrar
no Monte do Templo com atributos
religiosos como Kippa, Manto de
Oração, Filactérios ou Rolos da
Torá, um sapo que os Judeus ultra-ortodoxos não conseguem engolir.
Mas a polícia está atenta. E, para
entrar na Esplanada, cada visitante
tem de passar por um controle
policial e é obrigado a abrir bolsas
e pastas.
Domo da Rocha
Parece-me, no entanto, que Israel
tem memória curta. Há uns dias,
o primeiro ministro Netanyahu
anunciou oficialmente, no Knesset,
o parlamento israelense, que
acrescentará dois santuários à
lista do patrimônio cultural (e
religioso) de Israel, a saber, o
Túmulo de Abraão e o Túmulo de
Raquel. Isto não teria problema
se aqueles dois santuários não
estivessem na Margem Ocidental
(Cisjordânia), que é região da
Autoridade Palestina. Alguém
escreveu que o Islã nada tem a
ver com Abraão e Raquel, mas o
Islã se considera a si mesmo como
descendentes de Ismael, filho de
Abraão e sua escrava Agar. Para os
muçulmanos, todos os patriarcas
do Antigo Testamento são profetas
e pertencem também ao Islã e não
somente aos Judeus. O mesmo vale
para as famílias deles. E Raquel era
a esposa de Jacó. Portanto, Raquel
também pertence ao Islã. O decreto
de Netanyahu causou logo reação
violenta entre os muçulmanos,
Revista Santa Cruz - 85
sendo interpretado como uma
maneira de estender o controle de
Israel sobre território palestino.
O resultado não foi apenas um
ataque verbal. No último domingo,
a situação escalou mesmo num
confronto entre muçulmanos
e israelenses. As notícias são
contraditórias. Israel diz que um
grupo de jovens mulçumanos,
escondido na Mesquita do Al Aqsa,
começou a jogar pedras contra os
visitantes da esplanada. Eles teriam
sido incentivados para isto pelo
primeiro ministro palestinense. Os
palestinos dizem que um grupo
de judeus ultraortodoxos queria
invadir a Esplanda, causando
assim a reação muçulmana. De
cima do minarete o incidente foi
acompanhado e comentado com
muito barulho. O exército israelense
e a polícia foram mobilizados para
restaurar a ordem. Diversos jovens
muçulmanos foram presos. Na
imprensa israelense, nenhuma
notícia sobre uma eventual
represália contra os judeus.
Mesquita do Túmulo de Abraão
O resto da semana foi relativamente
tranquilo, mas hoje se percebia
como Israel está atento. Sexta-feira
é o dia sagrado do Islã. Este começa
na quinta-feira de noite e vai até
sexta à noite, exatamente quando
começa o shabbat dos judeus. No
fim da tarde, a cidade antiga de
Jerusalém parecia ainda mais uma
fortaleza. As muralhas já causam tal
impressão, mas hoje estava cheia de
soldados e polícia, especialmente
às portas da cidade e entradas
da Esplanada das mesquitas e o
Kotel, a praça diante do Muro das
Lamentações.
Assim se vê: briga por causa de
lugares santos não é privilégio
de cristãos! Ontem representei a
comunidade no enterro de um
confrade italiano. Tudo diretinho
conforme o ritual, nada de
espontâneo. Estava muito bem
organizado, mas sem muita graça. O
86 - Revista Santa Cruz
falecido frei Salésio teria reclamado
também para que se desse um
pouco de vida aos mortos.
Guerra Santa do Pão
Muitos judeus, especialmente
os ortodoxos, comem somente
produtos aprovados por um
controle rabinal. Aqueles produtos
devem ser preparados conforme
as normas de pureza da Bíblia e
da tradição judaica. É o sistema
do kashrut. Na embalagem deve
vir mencionado se o produto
obedece àquelas normas. Também
em restaurantes pode-se ver uma
declaração de kashrut afixada na
entrada. Existe aqui um grupo de
evangélicos que vive conforme as
regras judaicas, conhecido como
“Judeus para Cristo” ou “Judeus
para Jesus”. Aqui em Jerusalém
eles têm uma padaria que produz
exclusivamente pão kasher. Uns
anos atrás os rabinos cancelaram o
certificado de kashrut deste grupo,
não porque aquele pão não seria
kasher, mas porque são cristãos.
Agora a justiça determinou que
novamente eles devem receber
o certificado de kashrut, uma vez
que o pão deles é feito da mesma
maneira e com os mesmos produtos
das padarias judaicas.
Cidadania israelense
Qualquer judeu do mundo inteiro
pode obter a cidadania israelense.
Isso vale tanto para aqueles que
nasceram judeus como para as
pessoas que se converteram
ao judaísmo. Agora surgiram
protestos por causa de uma lei
em preparação que não concede
automaticamente a cidadania
israelense aos convertidos. Israel
é oficialmente um estado laico,
mas os rabinos têm ainda um
peso muito grande na política. Os
partidos ortodoxos de direita são
os porta-vozes deles no Knesset.
Ecumenismo
Num país onde os cristãos são
uma pequena minoria poder-seia esperar um clima ecumênico
florescente. Os cristãos precisam
uns dos outros, não importa se
são católicos, ortodoxos, sírios,
armênios, etíopes ou coptas. E
realmente, para muitos cristãos,
não há problema que o outro
seja de uma igreja diferente. Na
Gruta de Getsêmani, onde estive
por algumas semanas, vinha,
quase diariamente, um monge
etíope para uma breve oração.
Também peregrinos ortodoxos
visitavam constantemente aquele
lugar. Muitos ortodoxos preferem
Revista Santa Cruz - 87
ir à missa numa igreja católica,
inclusive comungam, porque
as nossas missas não são tão
demoradas quanto as celebrações
nas igrejas deles. Também os líderes
das diversas igrejas têm contato
regular. Tudo parece assim uma
beleza. Mas, quando então se ouve
que o patriarcado grego-ortodoxo
declarou que, numa celebração
ecumênica, só era permitido que
cada igreja fizesse uma oração e
que era proibido que todos juntos
rezassem o Pai-Nosso, aí se percebe
que as aparências muitas vezes
enganam.
Basílica de Getsêmani com o Horto das
Oliveiras. No fundo, a igreja russo-ortodoxa
de Maria Madalena
Peregrinação a Getsêmani
Hoje, 10 de março, os franciscanos
fazem uma das suas tradicionais
88 - Revista Santa Cruz
peregrinações, desta vez ao
Getsêmani. Com quase dois meses
no Getsêmani, acho que já estive
lá o tempo suficiente. Por isto não
acompanhei os frades.
Celebrações na Basílica do Santo
Sepulcro
Dentro da Basílica do Santo Sepulcro, convivem três comunidades
religiosas: uma grego-ortodoxa,
uma armênia e uma pequena
comunidade
franciscana.
As
celebrações católicas normais
ficam por conta dessa comunidade,
mas há momentos mais solenes
em que grande número de frades
vai à Basílica para a liturgia.
Assim, no tempo da Quaresma,
aos sábados, os franciscanos das
outras comunidades de Jerusalém
se reúnem naquela igreja. Ontem,
13 de março, às 16h, fomos cantar
as Vésperas, agora tudo em latim,
com presidente, diáconos e acólitos
liturgicamente
paramentados.
Muito incenso e grande número
de religiosos de outras ordens e
congregações e de fiéis.
À meia-noite, estávamos de
novo na basílica para o Ofício das
Leituras, presidido pelo Custódio,
com todas as suas parafernálias
pseudoepiscopais. Tudo cantado,
e novamente tudo em latim, mas
foi uma celebração bonita. Fiquei
admirado que ainda havia muitas
pessoas na basílica. O Ofício foi
bem mais longo que o do breviário,
ou seja, com um maior número de
leituras e de salmos. Terminamos
com a ida à Edicula, a capela do
Santo Sepulcro. No fim, o Custódio
cantou o evangelho da Ressurreição. Às 2h da madrugada, voltei
para casa e consegui pegar no sono
uma hora depois.
Custódio Frei Pierbattista Pizzaballa
Agora, imagine a seguinte situação:
em certo bairro, há apenas uma
igreja que é usada tanto por
católicos quanto por pentecostais.
Agora é domingo e, portanto,
há uma celebração para ambos
os grupos. Na hora determinada
começa a missa dos católicos,
muito solene, o coral canta bem, o
organista toca uma beleza e os fiéis
acompanham os cantos com muita
animação. Durante a primeira
leitura, aparecem os pentecostais,
mais animados ainda que os
católicos, para iniciar o culto deles.
Os dois grupos cantam um contra o
outro. Após o evangelho, o pároco
começa a sua homilia. Ele preparou
muito bem sua pregação, tudo
está no papel, mas, exatamente
naquele instante, o Espírito Santo
toma conta dos pentecostais que
começam a cantar a pleno vapor.
Ninguém mais entende nada da
pregação do coitado do pároco.
Após a pregação, os católicos
entoam o Credo, mas também os
pentecostais iniciam no mesmo
momento um hino superanimado.
O organista católico fica um pouco
irritado com aquela cacofonia
e resolve abrir mais um registro
do seu instrumento musical. E
assim vai até o fim. Se você é um
observador crítico dessa situação,
dirá: “Não tem cabimento” ou “Por
que eles não podem esperar o fim
da celebração um do outro?” ou
eventualmente “Por que não fazem
uma celebração conjunta?”
Se achar essa uma situação
impossível, venha a Jerusalém.
Hoje de manhã, 14 de março, os
franciscanos saíram em procissão
do seu convento. Primeiro, fomos
ao Patriarcado Latino para buscar o
Revista Santa Cruz - 89
Patriarca. No lugar dele, no entanto,
veio um dos bispos auxiliares.
Do patriarcado fomos à Basílica
do Santo Sepulcro. À frente da
procissão iam os kawas. Na época
da dominação turca, eles eram
policiais. Hoje em dia, cada igreja
tem seus próprios kawas. Eles usam
um tipo de uniforme que ainda é a
roupa da polícia turca de alguns
séculos atrás. Armados com um
bastão, com uma bola de metal em
baixo, eles o batem constantemente
no chão em sinal de alerta: estamos
chegando, e obrigando eventuais
passantes a ceder o lugar para a
procissão. A busca do Patriarca não
acontece por ser bonita, mas por ser
uma simples necessidade. Ele não
pode oficiar na Basílica do Santo
Sepulcro sem o acompanhamento
dos Franciscanos. Se se atrevesse
a fazer isto por conta própria,
causaria uma guerra com as outras
igrejas, pois estas só reconhecem
o Custódio franciscano como legítimo representante dos católicos e
não o patriarca. Isto porque na época
em que o Status quo foi decidido, o
Patriarcado Latino não existia, aliás,
não havia hierarquia católica de
forma nenhuma. Naquele tempo,
o Custódio dos Franciscanos era a
autoridade máxima dos católicos.
Por isto, quando o Custódio preside
uma celebração na Basílica, usa
mitra, cruz peitoral e anel episcopal,
mesmo não sendo bispo.
90 - Revista Santa Cruz
Às 8h30min iniciamos a eucaristia
num altar a uns dez metros da
Edícula do Santo Sepulcro. A
situação era meio ambígua pois,
além do bispo, também um dos
frades franciscanos presidia a
celebração. O bispo proferia alguns
ritos a partir do seu trono e o padre,
de junto do altar. Tudo isto, de
novo, para evitar problemas com
as outras igrejas.
Às 9h ouvíamos a barulho dos
bastões de kawas que, momentos
depois, entraram com um grupo de
armênios cantando a pleno vapor:
um grupo de seminaristas vestidos
com túnicas azuis, vários monges
e alguns bispos, além de alguns
fiéis. A poucos metros de nós, em
frente à Edícula do Santo Sepulcro,
ele iniciaram a sua liturgia. O coral
de seminaristas deles era dirigido
por uma espécie de Luciano
Pavarotti, um homem com uma
voz espetacular. Seus discípulos
seguiam bem o exemplo do mestre,
abrindo a goela.
Em nossa celebração, a pregação
era em árabe. Só há pouca gente
que entende aquela língua, mas
nem aqueles poucos devem ter
entendido a fala do pregador, pois
os armênios cantavam mais forte.
No momento da consagração da
nossa missa, os armênios iniciaram
uma procissão ao redor da Edícula,
passando a poucos metros de
distância de nós. Aquela procissão
era acompanhada de sinos e
matracas.
A liturgia armênia
Em certo momento, um bispo
armênio foi fazer uma leitura ou
uma pregação, no exato momento
em que nós devíamos cantar
alguma coisa. Dele também
ninguém deve ter entendido
nada. Quando terminou a nossa
celebração, os armênios ainda
continuavam. O padre que
presidiu a nossa eucaristia, ao sair
da sacristia, dirigiu-se logo a um
monge armênio. Eu pensava que
fosse dar uma discussão forte. Nada
disto. Os dois se abraçaram e se
beijaram e iniciaram uma conversa
animada.
Esta é a situação na Basílica do
Santo Sepulcro, onde católicos,
armênios, grego-ortodoxos, coptas
e sírios juntos são os donos. E talvez
essa confusão de hoje seja apenas
o aperitivo de uma confusão maior
que poderá acontecer daqui a três
semanas, pois este ano a festa da
Páscoa de todas as igrejas cristãs
cai na mesma data. Deus e seus
anjos e santos devem ficar zonzos
com toda essa barulhada.
Esses dias foram, de novo, dias de
peregrinações, tudo por causa da
bendita Status quo e da tradição.
Primeiro, fomos a Betânia para uma
celebração eucarística na igreja
de São Lázaro e, em seguida, uma
visita ao túmulo dele, onde foi
lido o evangelho segundo João.
Aquele túmulo está sob a guarda
de uma família muçulmana. Betânia
fica pertinho da cidade antiga de
Jerusalém, mas por causa do muro
de separação entre Israel e Palestina,
tivemos de fazer uma volta enorme,
uns 45 minutos de ônibus.
Em seguida, fomos a Betfagé,
onde fica a capela da Ascensão
do Senhor. Originalmente aquela
capela tinha uma cúpula aberta,
mas tempos atrás foi confiscada
pelos muçulmanos que fecharam
a cúpula. Dentro da capela há uma
pedra onde, conforme quem crê e
quem tem bons olhos, se podem ver
as marcas dos pés de Jesus quando
ele subiu aos céus. Vi a pedra, mas
as marcas dos pés não eram muito
claras para mim. Mas, neste ponto,
posso ser semelhante ao apóstolo
Revista Santa Cruz - 91
Tomé: “se eu não vir (claramente),
não creio”.
Da capela da Ascensão fomos à
Igreja do Pai-Nosso, ao lado de um
mosteiro de monjas carmelitas.
Encontrei lá uma monja brasileira
que conhecia o nosso frei
Bernardino, e uma moça de Montes
Claros, membro da Ordem Terceira
do Carmo, que vivem naquele
convento. Outra peregrinação
foi à capela do Litostratos, lugar
onde, conforme a tradição, Pilatos
condenou Jesus. É uma capela
pequena e estava tão cheia que
tive que ficar de fora para assistir
à missa. Tudo de novo muito
solene bem conforme as rubricas
romanas, com um grande número
de concelebrantes, alguns diáconos
e muito incenso.
Saindo da Basílica da Natividade pela Porta
da Humildade
92 - Revista Santa Cruz
No dia 25, quinta-feira, fui a
Belém. Peguei o ônibus na estação
rodoviária árabe, na Jerusalém
Oriental. É coisa de mineiro, pois lá
você nunca perde o ônibus. Eles só
partem quando o motorista achar
que tem passageiros suficientes
para a viagem render. Com muitas
voltas, cheguei depois de uns 40
minutos a Belém, dirigindo-me
ao convento franciscano ao lado
da Basílica da Natividade. Apenas
entrei rapidamente na Basílica e
na Gruta da Natividade. Não tinha
muita graça, pois havia um grupo
de russos ortodoxos que impedia
ver algo do “exato” lugar onde Jesus
nasceu. Depois fui à Gruta do Leite,
uns cinco minutos de distância
da Basílica. Conforme uma antiga
lenda, teria a Sagrada Família se
refugiado aqui, após o decreto de
Herodes de matar os meninos de
Belém. Ao amamentar seu filho, a
Virgem Maria deixou cair uma gota
do leite materno no chão e a pedra
escura ficou branquinha. Daí que
a gruta se tornou um lugar onde
as mulheres vão pedir a Nossa
Senhora para que sempre tenham
leite suficiente para amamentar
seus filhos, e aquelas que não
conseguiram ter filhos, dizem que
aqui Maria atendeu seu pedido
e que ficaram grávidas. Muitas
delas levam um pouco de pó da
rocha para misturar com comida
ou bebida como uma simpatia
infalível. Interessante é que esse
lugar também é muito procurado
por mulheres muçulmanas.
Na parte da tarde, fui com um
confrade fazer um giro pela cidade
onde encontrei várias pessoas
conhecidas dele, e cada vez era uma
conversa um pouco demorada.
Visitei com ele o Instituto Árabe
Educacional onde fomos recebidos
pelo administrador que é gregoortodoxo. Este instituto está ligado
à organização internacional Pax
Christi. Eles desenvolvem um
trabalho importante em benefício
da juventude palestinense que não
tem um futuro muito promissor.
Frei Geraldo van Buul com dois árabes
Terminei o dia com uma longa
conversa com dois árabes, um
católico e um mulçumano, sentados
na rua e tomando café e chá. Toda
a conversa em inglês, às vezes um
pouco gaguejando, mas deu para
nos entendermos.
Hoje, sexta-feira antes de Domingo
de Ramos, celebra-se aqui a festa
de Nossa Senhora das Dores. Na
Basílica do Santo Sepulcro há um
altar minúsculo onde foi celebrada
uma solene missa, novamente com
muitos concelebrantes.
E agora, a Semana Santa está por
começar. Neste ano, a Páscoa das
igrejas ortodoxas coincide com a
nossa Páscoa. Vai ser uma confusão
na Basílica do Santo Sepulcro!
Hoje, à meia-noite, começou aqui o
horário de verão. Deve ser de uma
quinta para sexta feira por causa
de problemas de trabalho dos
muçulmanos e judeus. Estamos
agora com uma diferença de 6 horas com o Brasil. Mas nem em todo
canto funciona o horário de verão.
As igrejas ortodoxas continuam
com o “horário de Deus” o que faz
com que certas cerimônias sejam
celebradas em horários estranhos.
C’est la vie aqui na Terra Santa.
Peregrinos na Terra Santa
O movimento de peregrinos na
Terra Santa é muito intenso. Gente
do mundo inteiro tem vindo para cá.
Os italianos são a maioria absoluta,
mas há também muitos espanhóis,
poloneses, russos e asiáticos.
Encontrar guias para todos estes
Revista Santa Cruz - 93
grupos não é fácil. Para guiar grupos
de língua portuguesa e holandesa
parece que a dificuldade é maior. E,
nem todos os guias atuam bem. Há
guias judeus que falam ‘abobrinha’
e outros que aproveitam a
oportunidade de fazer propaganda
pela política israelense.
Por este motivo fui procurado por
uma agência católica maronita para
acompanhar grupos de peregrinos.
Oficialmente o guia deve fazer
um curso e fazer uma prova para
receber sua credencial reconhecida
pelo Ministério de Turismo. Através
do Custódio da Terra Santa
consegui uma carteira de guia que
é reconhecida, sem eu ter passado
pelo curso ou fazer prova.
Meu primeiro grupo de peregrinos
brasileiros eram pessoas da “Canção
Nova” e “Obra de Maria”. Andei com
eles pela Terra Santa toda. Foi uma
experiência sui generis, pois o grupo
era tremendamente carismático,
coisa que não posso dizer de mim
mesmo. No ônibus era uma reza
constante, inclusive em línguas
ou algo semelhante, também
nas celebrações da eucaristia nos
diversos lugares. Certo momento
uma senhora me perguntou:
“frei, você não é carismático?” Ao
responder que não era do meu
jeito, ela me disse: “Graças a Deus,
pois eu também não sou, e não
agüento mais este tipo de reza e
esta barulhada nas missas”.
94 - Revista Santa Cruz
Manter o grupo junto também é
uma dificuldade. Naquele grupo
especialmente as mulheres se
enfiavam em todo tipo de lojas
para comprar lembranças. Mas
também entre os homens havia
quem gostava de fazer compras.
Um deles comprou souvenirs para
noventa pessoas no Brasil. O pior de
todos era o padre, sempre chegava
atrasado e no fim teve que comprar
uma mala extra para poder levar
todas as suas coisas ao Brasil.
Petra: Templo escavado na rocha
Uma visita muito interessante foi
em Petra na Jordânia. Estive lá com
gente da Holanda. Foi uma boa
interrupção no meio de visitas a
tantas igrejas e santuários em Israel
e Palestina. Petra é uma cidade
antiga no meio das montanhas
da Jordânia, construída há mais
de 2000 anos pelos Nabateus. Nas
rochas talharam enormes templos
e palácios. O povo da Jordânia é de
uma amabilidade enorme, muito
atencioso e simpático. Depois
da visita a Petra fomos ainda ao
Wadi Rum onde pernoitamos num
campo de beduínos. Os wadis são
pequenos rios que apenas têm
água na época de chuva. O resto
do ano é puro deserto. Para quem
pensa que deserto é uma espécie
de paisagem de dunas, se engana.
São montanhas rochosas das mais
diversas cores, uma maravilha,
mas diferentes dos wadis de
Israel. Aqui fui com um grupo ao
Wadi Kelt onde existe o célebre
mosteiro grego-ortodoxo de São
Jorge, colado contra o paredão da
montanha sobre um precipício.
Lá ainda vivem monges no antigo
estilo. Habitam espeluncas donde
só saem de vez em quando para
alguma oração comunitária. O
abastecimento de alimentos e água
é por um cesto que desce para que
alguém coloque os suprimentos
necessários para eles.
Amanhã, 6 de maio, teremos
a solenidade da “Invenção da
Santa Cruz” Esta festa comemora
o suposto encontro da cruz de
Jesus por Santa Helena, mãe
do imperador Constantino. Esta
festa foi eliminada do calendário
litúrgico por causa de fundamentos
duvidosos. No entanto, por causa
do Status Quo que entrou em vigor
em meados do século XIX não pode
ser abolida aqui em Jerusalém. O
Custódio deve fazer uma entrada
solene na Basílica do Santo Sepulcro
e teremos que realizar algumas
cerimônias e procissões, pois, não
fazendo isto significaria violar o
Status Quo e os católicos poderiam
perder alguns direitos.
Wadi Kelt: Celas de Monges no paredão da
rocha
Na próxima semana acompanharei
novamente um grupo de peregrinos
brasileiros e na segunda metade do
mês (junho) um grupo de frades
brasileiros das diversas províncias.
Continua no próximo número...
Revista Santa Cruz - 95
REFLEXÃO
Esta seção traz três sugestivos textos: O primeiro - elaborado por frei
Sinivaldo Tavares, professor do Instituto Teológico Franciscano de
Petrópolis – é, na verdade, uma síntese de um estudo mais amplo
desenvolvido na “Semana Franciscana” que aconteceu em Betim,
no mês de julho deste ano, e assessorada pelo mesmo confrade. O
segundo texto, de autoria do frei Cristóvão Pereira, versa sobre a
nova lei da “Ficha limpa”. O terceiro é um fragmento da conclusão do
livro: “Para a terra dos viventes”, de frei Sigismund Verbey - original
em holandês - traduzido por frei Oscar van der Neut.
1. A CRIAÇÃO FACE AO NOVO
PARADIGMA ECOLÓGICO:
A CONTRIBUIÇÃO DE DUNS
SCOTUS
Frei Sinivaldo S. Tavares, ofm
(ITF - Petrópolis, RJ)
Duns Scotus (1265/6-1308) foi,
com razão, considerado máximo
expoente da “Escola franciscana”.
Suas intuições e sistematizações
teológicas muito contribuíram,
nesse sentido, para a consolidação
de uma específica maneira de
refletir teologicamente, que nos foi
legada pela tradição com o nome
96 - Revista Santa Cruz
de “teologia franciscana”.
Pode parecer estranho que
Scotus seja chamado em causa
como alguém que teria alguma
contribuição a oferecer em mérito
à necessidade de se repensar o discurso da Criação face aos urgentes
apelos oriundos da “crise ecológica”.
Não estaríamos incorrendo em um
visível anacronismo? Com o que
exatamente um autor que viveu
no ocaso da Idade Média teria a
contribuir no enfrentamento de
questões, cuja consciência emergiu
apenas nas últimas décadas do
século passado? As afinidades
entre o pensamento de Scotus e
as questões que nos ocupam neste
princípio de século XXI podem ser,
todavia, maiores e mais profundas
do que imaginamos.
Scotus é filho daquele período
plasticamente
descrito
pelo
grande
historiador
Huizinga
como “outono da idade média”,
revelando-se como fruto maduro
daquela fecunda estação. Contudo,
graças a algumas de suas principais
intuições e sistematizações, Scotus
se apresenta como um autêntico
precursor
da
Modernidade,
revelando-se simultânea e paradoxalmente moderno e anti-moderno. Ao defender o pluralismo
epistemológico, ele constitui um
dos primeiros rebentos daquele
processo histórico que desembocou na Modernidade. Todavia,
enquanto concretização de uma
“epistemologia forte”, racionalista
e naturalista, a Modernidade nasce
e se desenvolve num viés oposto
àquele inaugurado e proposto por
Scotus 1.
Por esta razão, a recuperação das
intuições de Scotus pode ser de
grande valia na árdua incumbência
que pesa com gravidade sobre nós:
forjar caminhos alternativos que
nos libertem deste “beco sem saída”
no qual nos tem encurralado o
paradigma hegemônico moderno.
Acreditamos que a específica
contribuição de Scotus no tocante
à formulação de uma teologia da
criação na perspectiva ecológica
é de caráter substancial. Ela não
Duns Scotus
1 - Cf. O. Todisco, “Scoto tra medioevo e modernità”, em
IDEM, Giovanni Duns Scoto. Filosofo della liberta, Edizioni Messaggero de S. Antonio, Padova 1996, 85-93.
Revista Santa Cruz - 97
se limita, portanto, a elementos
fragmentados,
esparsos
no
interior de sua imponente reflexão
teológica, mas, ao contrário,
ela diz respeito à construção e
proposição de um paradigma
alternativo ao antropocêntrico e
predatório, paradigma vigente na
Modernidade.
I - A “crise ecológica”: a degradação da vida no Planeta
A “crise ecológica” compreende
uma série de fenômenos tais como:
aquecimento global, mudanças
climáticas, crescente escassez de
água, desertificação, mudança
no regime de chuvas, frequentes
desastres naturais, redução da
produção/produtividade agrícola
etc. À diferença de outras crises
que também nos angustiam
neste princípio de século, a crise
ecológica é de caráter estrutural e
não simplesmente circunstancial.
Trata-se na verdade de uma crise
do paradigma hegemônico da
civilização ocidental: uma crise no
conjunto de modelos ou de padrões
a partir dos quais organizamos nossa relação conosco mesmos, com as
demais pessoas e com o conjunto
da realidade na qual estamos
inseridos. O que se encontra em
crise, na verdade, é o paradigma
tipicamente ocidental, sintoma de
98 - Revista Santa Cruz
um incorrigível antropocentrismo,
expresso na peculiar atitude
de se colocar sobre as coisas,
objetivando-as, e julgando-as
distantes e desconectadas do ser
humano, concebido como sujeito.
A vontade desenfreada do ser
humano de tudo dominar tem
marcado os destinos da civilização
ocidental técnico-científica. A
exacerbação do saber concebido
como poder está nos conduzindo,
paradoxalmente falando, à total
sujeição aos imperativos de uma
Terra degradada. A ilusão, enfim, de
um crescimento desmedido e de um
progresso ilimitado voltados para a
melhoria das condições de vida nos
está levando a uma degradação
sem precedentes, perceptível,
sobretudo,
na
deterioração
progressiva da qualidade de vida
nossa, dos demais seres vivos e do
próprio Planeta2.
Tais constatações levam-nos a
refletir seriamente sobre os conflitos
provocados pela atual dinâmica
da sociedade contemporânea. O
mais agudo e urgente conflito seria
entre a reprodução da humanidade
e os destinos do Planeta Terra.
Encontramo-nos, para todos os
efeitos, encurralados dentro de
um beco-sem-saída: de um lado,
nossas sociedades têm cada vez
mais necessidade da Terra e de
2 - Cf. L. Boff, Ecologia: grito da terra, grito dos pobres,
Ática, São Paulo, 1995 [com ampla bibliografia]; E.O. Wilson, A Criação. Como salvar a vida na terra, Companhia
das Letras, São Paulo, 2008.
seus recursos; de outro, o Planeta
suporta cada vez menos nosso
crescimento. Tem de fato razão
Leonardo Boff quando a este
respeito afirma que “os limites do
capital são os limites da Terra” 3.
II - A contribuição de Scotus: a
proposta de um novo paradigma
O pensamento de Scotus é
extremamente complexo. E complexo, etimologicamente falando,
vem de com-plexus, vale dizer, “o
que é tecido em conjunto”. Por isso,
seu discurso se configura como
uma trama tecida a partir de vários
pontos: autênticos feixes que se
entrelaçam de tal forma a constituir
um todo orgânico. Salientaremos
que, não apenas seus conteúdos,
também o exercício do pensamento
em Scotus é extremamente
complexo.
Operando uma autêntica desconstrução do primado do intelecto
sobre a vontade e da verdade sobre
o bem, principais pressupostos da
perspectiva aristotélico-tomista,
Scotus põe como núcleo central
de sua trama o par de termos
recíprocos e complementares:
3 - L. Boff, “A última trincheira: temos que mudar.
Economia e ecologia”, em J.O. Beozzo – C.J. Volanin
(orgs.), Alternativas à crise. Por uma economia social e
ecologicamente responsável, Cortez Editora, São Paulo,
2009, 35-51, aqui 42ss.
liberdade e contingência. Ao redor
desse núcleo é que se compõem
os demais pontos que lhe são
interligados no conjunto de uma
intrincada e bem tecida trama: a
índole positiva do contingente, a
univocidade do ente, a “haecceitas”
como expressão da singularidade
dos entes e a pessoa humana,
concebida singularmente como
“ultima solitudo”. E o fio a perpassar
cada um desses pontos nevrálgicos
enredando-os numa trama bem
intrincada e consistente é a
afirmação do primado universal de
Cristo.
O Verbo encarnado, na qualidade
de máxima participação ad extra
de Deus, é querido e pensado por
Deus Pai em si e por si. Ele é, ao
mesmo tempo, Filho unigênito
do Pai e obra-prima da criação.
Qual expressão de um único ato
de vontade de Deus Pai, Jesus
Cristo é querido como suprema
revelação do amor do Pai para
com o seu Filho unigênito e, por
meio dele e nele, para com todas
as criaturas. Da mesma forma,
enquanto criatura por excelência
que recapitula em si o amor de
todas as criaturas inteligentes e de
todo o universo criado, Jesus Cristo
é querido e pensado qual suprema
resposta de amor dirigida ao Pai.
O Verbo encarnado, para todos
os efeitos, é o “primum volitum”,
no qual e por meio do qual, todas
Revista Santa Cruz - 99
as demais criaturas são também
queridas no único movimento de
dilatação do amor misericordioso
do Criador, expressão de sua
decisão livre e gratuita. O Verbo
encarnado é, portanto, o sentido
último da inteira realidade criada e,
simultâneamente, a meta final para
a qual toda a criação é destinada
pelo desígnio amoroso e gratuito
de Deus.
O primado universal de Cristo é,
em última instância, o núcleo mais
íntimo da série de primados que
Scotus propõe: da vontade sobre
o intelecto, da caridade sobre a
verdade, da liberdade sobre a
necessidade, do singular sobre o
universal, da pessoa humana sobre
a espécie4. Todavia, este primado
escotiano não deve ser entendido
como a substituição do primeiro
termo do binômio pelo segundo5.
Ele não separa nem contrapõe os
polos; a partir da afirmação de um
4 - Nesse sentido, não é por acaso que Scotus manifesta
um visível dissenso com relação à posição defendida
por Anselmo na sua clássica obra Cur Deus homo. Enquanto Anselmo postula as razões da Encarnação, Scotus propõe o seu sentido mediante a formulação do
primado universal de Cristo. Encontramo-nos, de fato,
diante de duas posições radicalmente distintas. A esse
respeito, remetemos ao nosso “O primado universal
de Cristo e a dimensão crística da criação”, S.S. Tavares,
Duns Scotus e o “nosso tempo”: interpelações recíprocas”, IFAN/Editora Universitária São Francisco, Bragança
Paulista 2008, 75-118.
5 - Quanto à caracterização do pensamento de Scotus, em especial modo, no tocante à série de primados
que ele estabelece, remetemos à trilogia de O. Todisco:
Lo stupore della ragione. Il pensare francescano e la
filosofia moderna (2003); Il dono dell´essere. Sentieri
inesplorati del medioevo francescano (2006) e La liberta fondamento della verità. Ermeneutica francescana
del pensare occidentale (2008) [ a trilogia foi publicada
pelas Edizioni Messaggero Padova].
100 - Revista Santa Cruz
polo ele inclui o outro como seu polo
recíproco e complementar. Não se
trata, por exemplo, de uma vontade
arbitrária nem despótica. A vontade
não se opõe, nem nega o intelecto,
mas o transcende. A mesma coisa
vale com relação à liberdade. Ela
não é irracional nem arbitrária.
Ela transcende a necessidade,
revelando-se como seu horizonte
de sentido. A desconstrução
operada por Scotus, portanto,
desmascara a falsa contraposição
entre os polos constitutivos dos
pressupostos que ele analisa,
para explicitar, sucessivamente, as
articulações intestinas entre ambos,
salientando sua índole recíproca e
complementar.
Scotus inaugura um caminho
alternativo no tocante à gramática
interpretativa do real. A vertente
aristotélico-tomista assume a
racionalidade como paradigma
interpretativo do real. Nessa ótica, o
real é racional e é, porque racional.
Scotus, ao contrário, assume o
paradigma da gratuidade como
o sentido da realidade. Embora
racional, o real não é porque racional, mas porque querido livremente.
Tudo quanto existe é um dom do
Criador a ser acolhido, antes de
ser explorado racionalmente; e
ainda que indagado pela razão,
permanece sempre um mistério
que se perde no seio da liberdade
de Deus. Ambas pressupõem um
conhecimento árduo e intenso
do real. A concepção aristotélicotomista pressupõe que o real seja,
em última instância, inteligível,
vale dizer, que suas raízes mais
profundas sejam racionais. Consequentemente, pressupõe que
nossas faculdades cognoscitivas
sejam veritativas. Essa posição
abre espaço para a exploração
sem reservas por parte da razão
questionadora que termina por
objetivar o real, dominando-o. A
concepção escotiana pressupõe
como origem do real o Bem,
porque querido por Aquele que é
a Suma Bondade. Nesse caso, seu
objetivo não é tanto o domínio do
real quanto o seu reconhecimento
enquanto expressão do amor
gratuito do Criador. Percebe-se,
assim, como o voluntarismo de
Scotus não justifique nenhuma
forma de despotismo nem conduza
a tipo algum de arbitrarismo. Pois,
a vontade não é por ele proposta
como alternativa à racionalidade,
uma vez que, segundo ele,
a racionalidade pressupõe a
liberdade e, portanto, é destinada
à liberdade.
A perspectiva de Scotus é deveras
alternativa. Ele defende o primado
da vontade e do bem, no interior
do qual a liberdade criativa é o
compêndio e seu pressuposto
é o primado da singularidade
do singular. Porque, de fato, o
intelecto não alcança colher o
ser-isto (haecceitas). Não colhe as
sutilezas do singular que só são
apreendidas pela vontade. Essa
sim é apta a colher o singular na
sua irrepetibilidade. Pressuposta
essa sua incapacidade de colher
a haecceitas, o intelecto recorre
a conceitos universais. E estes
conceitos universais próprios do
pensamento são ontologicamente
mais pobres que a singularidade
do singular, cuja riqueza se furta até
mesmo ao conhecimento intuitivo.
A ideia alcançada pelo intelecto não
é a coisa, mas a sua generalização,
mediante seu conceito universal.
O vértice desta reivindicação da
singularidade do singular se dá,
portanto, na vontade. Na medida
em que atualiza a singularidade
do singular, a vontade se converte
em seu princípio de individuação
(principium individuationis).
Conclusão: a lição de Scotus nos
alcança como uma interpelação
Para nós, Scotus permanece
como um testemunho de singular
fidelidade criativa: de fato,
permanecendo nos sulcos da mais
genuína tradição, na tentativa de
poder extrair dela suas próprias
e intrínsecas virtualidades, ele
recriou suas expressões, suas
articulações intestinas e suas
Revista Santa Cruz - 101
perspectivas. Por tudo isso, seu
pensamento nos atinge como
uma interpelação: elaborar uma
teologia que seja autenticamente
cristã e, por isso, responsável. A
responsabilidade face aos desafios
do “tempo presente” implicará
em que a teologia os conceba
na sua complexidade: ela não
os interpretará apenas como
problemas ou situações a serem
debelados, mas também como
102 - Revista Santa Cruz
chances, ocasiões inusitadas, para o
permanente processo de recriação
de si própria. Para que a teologia
cristã possa, portanto, resgatar
sua mais autêntica originalidade,
é imprescindível que ela acolha e
enfrente de maneira destemida as
grandes questões que caracterizam
o “nosso tempo”. Entre todas as
lições de Scotus, esta nos parece
ser a mais importante e, todavia, a
mais árdua.
2. FICHA LIMPA X FICHA SUJA:
PROJETO DE INICIATIVA POPULAR
– A LEI DA FICHA LIMPA
Frei Cristóvão Pereira, ofm
Pelo que tudo indica, a reforma
política, tão necessária para
aprimorar nosso sistema presidencialista, libertando-o de seus
ranços oligárquicos e nepóticos,
medida indispensável para consolidação do regime democrático
entre nós, vai sendo conseguido
na base da pressão popular. O
Congresso Nacional, envolvido
numa enxurrada de escândalos, vai
perdendo sua credibilidade perante
a opinião pública. O que não é bom
para a estabilidade política do país,
e para o regime democrático em si.
O Sr. Presidente da República, com
alto índice de popularidade, com
ampla maioria na Câmara dos
Deputados, deita e rola, falando
besteiras a torto e a direito; quer
porque quer assegurar a sua
sucessão. Não passa um mês sem
viajar para o exterior, projetando
sua imagem como estadista e
com isso conseguir uma posição
de destaque na ONU; quiçá, no
Conselho de Segurança, uma vez
aprovada sua reforma!
Pessoas há que, decepcionadas
com tanta corrupção no mundo da
política e na administração pública,
almejam um regime forte, ditatorial,
Revista Santa Cruz - 103
de caráter militar, para pôr ordem
e vergonha no país, esquecendo
que os regimes ditatoriais, sejam
eles civis ou militares, foram e são
verdadeiros antros de malversação
do erário públicos. Foram e são
corruptos quase como que por
natureza.
A sabença popular nos ensina que
“político, salvo rara exceção, é que
nem feijão, só funciona na base
da pressão!” Daí a importância e
oportunidade desta mobilização
popular prevista na Carta Magna
do país. Foram 1 milhão e trezentas
mil assinaturas, previstas pela lei
vigente; posteriormente, enriquecidas com mais 300 mil. Minas Gerais
foi o estado que mais contribuiu na
coleta das assinaturas. O projeto
visa impossibilitar a candidatura
de todo político indiciado por
corrupção ou improbidade administrativa.
Já
outros,
mais
radicais,
defendem a causa de que bastaria
que fulano viesse a ser indiciado
pelo Ministério Público para
que sua candidatura venha a
ser vetada. Com isso defendem
o direito coletivo de defesa ao
bem comum em detrimento das
garantias individuais do direito
privado. Mostrando, com isso, uma
sensibilidade de cunho socialista
em oposição a uma sensibilidade de
direito de cunho liberal e burguês,
afirmando a supremacia dos
104 - Revista Santa Cruz
direitos individuais em oposição
aos direitos da Coletividade.
Há uma como que disputa
surda entre o poder judiciário e
o poder legislativo. O primeiro
pretende moralizar nosso sistema
eleitoral, baixando resoluções
nesse sentido. Posteriormente,
o poder legislativo, melindrado
pela usurpação de seus direitos
de legislar, derruba a iniciativa
do poder judiciário, aprovando
medidas paliativas que beneficiam
a si próprios em detrimento dos
direitos do povo, fonte última de
todo e qualquer poder, do qual os
políticos são eleitos para promovêlos e defendê-los. Em face de tudo
isso é que se depreende o valor, a
importância e oportunidade do
projeto de ação popular visando à
purificação do processo eleitoral já
para as próximas eleições de 2010.
A iniciativa partiu da CNBB com
o apoio da AMB (Associação dos
Magistrados do Brasil), da OAB, do
CONIC (Conselho das Igrejas Cristãs), e tantas outras 40 entidades.
Deste Projeto de Ação Popular
surgiu a assim chamada “Lei Ficha
Limpa”, aprovada e sancionada pelo
Sr. Presidente da República, em
tempo hábil para vigorar no pleito
de 2010, segundo orientação do
STE. Tentativa para que a lei viesse a
vigorar, somente, no pleito de 2012
foi rejeitada pela Corte Suprema
Eleitoral.
Modificação de fundo ao texto
original do projeto diz respeito à
candidatura de fulano ou sicrano
só será impugnada quando
condenada por uma instância
coletiva (um tribunal eleitoral)
e não, individualmente, por um
magistrado.
No mais, é arregaçar as mangas
e partir para a luta. Não podemos
esquecer a lei 9840 que nos dá o
direito de acompanhar o processo
eleitoral e denunciar todo ato
de corrupção eleitoral no intuito
de subornar, cooptar o eleitor,
barganhar o seu voto por qualquer
tutameia.
Não podemos esquecer que o
povão, premido para garantir sua
sobrevivência, vota mais com a
barriga do que com a cabeça, pouco
se lixando pelo mundo da Política!
Embora se possa constatar que, de
pleito em pleito, o povo vai ficando
mais ladino, mais exigente. Vai
sentindo mais indignação perante
tanta insensatez e descaramento
da maioria dos nossos “políticos”;
revoltado com tantas regalias
que eles conseguem em próprio
benefício, além dos abusos no
exercício de seus mandatos.
Revista Santa Cruz - 105
3. FRAGMENTO DA CONCLUSÃO
DO LIVRO: “PARA A TERRA DOS
VIVENTES” DE FREI SIGISMUND
VERBEY - SOBRE A REGRA DOS
FRADES MENORES
Tradução do original em holandês
por frei Oscar van der Neut
Juntei-me a uma comunidade que
tem o nome de “Frades Menores” já
faz muito tempo. Naquela época,
eu era entusiasta e cheio de boa
coragem, mas naturalmente ainda
inexperiente. Isto aos poucos
mudou. Por todas as espécies de
experiências perdi muitas ilusões.
Custou muito tempo antes que
eu pudesse ver isto como um
enriquecimento e como uma
graça libertadora que também era
dolorosa.
Descobri por estas experiências
que não é à toa que usamos o nome
de frades menores. Este nome não
é um programa para ser executado,
mas uma indicação de uma
realidade. Mesmo que esta possa
ficar escondida um tempão ou até
ficar bonitamente camuflada.
Na nossa fraternidade da Holanda, não somos mais numerosos,
não estamos mais envolvidos em
toda espécie de atividades. Na
maior parte dos nossos campos
de trabalho, perdemos e em
106 - Revista Santa Cruz
muitos aspectos não conseguimos
mais prover as nossas próprias
necessidades.
Ninguém
lamentará
que
perdemos nossas cervejarias e
padarias. Que devemos desistir
de nossas escolas. Foi sentido
por muitos como um alívio, mas
outros achavam isto como um
atentado contra nossa identidade e
solidariedade quando devolvemos
nossas paróquias às dioceses, a
primeira reação sobre isto era
dividida.
Hoje em dia devemos até
confiar a outros o cuidado dos
nossos irmãos idosos. Também a
formação dos nossos irmãos novos
não está mais nas próprias mãos.
Começou um processo drástico de
desapropriação iniciado nos anos
sessenta, que continua em tempo
acelerado.
O que está acontecendo na nossa
fraternidade em sua totalidade
acontece também em nossa vida
pessoal: diminuição de vitalidade,
saúde vulnerável. Viramos frades menores em número, em
apreciação, em possibilidades. Não
podemos mais dizer: nós somos
numerosos e de um tal nível (da
verdadeira e perfeita alegria).
Assim aconteceu conosco. Pode
ser uma graça dolorosa. Será que
a podemos também considerá-la
como cheia de alegria e salutar?
A pergunta que incomoda é:
podemos desta maneira ainda
responder àquilo para o qual
chegaram? Temos ainda alguma
coisa para mostrar, aquilo para o
qual estamos presentes na Igreja e
no mundo?
Francisco escreve numa carta a
todos os seus irmãos: “É para isto
que Ele vos enviou pelo mundo
inteiro, para testemunhardes a sua
voz pela palavra e obra e façais
saber a todos que não há outro
onipotente além d’Ele” (Carta a
Toda a Ordem). Missão, não é
necessário o que dizemos a outros
que seu poder é somente limitado
e relativo. Francisco quer dizer
que nosso próprio poder e nossas
possibilidades são relativamente
limitadas e relativas. Para isto
não precisamos nos esforçar. É
simplesmente assim. O importante
é que nós mesmos queremos
ver isto e mostraremos a todo o
mundo; e se cremos que com isto
justamente queremos transmitir
uma mensagem de acordo com
nossa verdadeira e original missão.
Em todos os terrenos de vida,
pode acontecer que se falha. Poder, propriedades, conhecimentos,
apreciação e tais coisas são
terreiros apropriados para lapsos;
mas isto também pode acontecer
com virtudes e piedade. Numa vida
altamente religiosa. No serviço
pastoral ou diaconal o risco de
aparência exterior é, às vezes,
maior e a camuflagem pode ser
mais enganosa.
Em tudo o que somos e fazemos,
devemos prestar atenção à
realidade de nossa relatividade.
Nada do que é próprio de homens
e que pertence a nosso mundo
pode ser absolutizado, quer dizer,
desligado da grande união.
Nossa maneira de viver exige
que relacionemos todos os
elementos e facetas de nossa vida
com Deus (RnB). Isto significa que
observamos a realidade de nossa
vida e a organizamos de acordo.
A visão de nós mesmos e nossa
convivência com outros somente
tem valor quando nos entendemos
em relações uns aos outros e ao
“Doador” de todos os bens.
Numa existência tão relacionada,
chegaremos à verdadeira liberdade
e à nossa verdade. Este chegar é
um processo contínuo de testar e
desmascarar. Este processo pode
ser observado. Pode ser que outras
pessoas podem se reconhecer
nisto.
Revista Santa Cruz - 107
UMAS E
OUTRAS
ALÔ, CRIANÇADA, O PRICK
CHEGOU
Frei Francisco Prick, que não costuma
perder a oportunidade de mostrar
seu talento Clown, durante a Copa
do Mundo, fez a festa. De peruca,
108 - Revista Santa Cruz
nariz, cara pintada, aprontou todas
e mais algumas. O picadeiro só não
foi mais completo porque nem o
Brasil nem a Holanda levaram a
taça. Em 2014 deve participar como
convidado de honra da cerimônia
de abertura. Alguém duvida que
ele teria coragem?
FLOR, MINHA FLOR
QUEM NÃO TEM COLÍRIO...
Frei Antônio Francisco mantinha
orgulhoso uma flor que ganhou
na celebração de suas Bodas de
Ouro. Todos os dias se admirava
de como, passados vários meses,
ela continuava viçosa. Até que
o estraga-prazeres do frei Mário
começou a insistir que se tratava
na verdade de uma flor artificial.
Como a teima não terminava, era
hora de tirar a prova dos nove e...
que decepção: era mesmo uma flor
artificial, cujo vaso pesava como
palha. Como disseram os Titãs, “as
flores de plástico não morrem”.
O prêmio frade-fashion da vez
vai para frei Adelmo Francisco,
que tem mostrado todo o seu
charme ao jogar vôlei de óculos
escuros. Cada toque na bola leva
os paparazzi ao delírio. Detalhe: os
jogos acontecem à noite!
PELO TELEFONE
No final da Semana Franciscana,
como não havia quem pudesse
Revista Santa Cruz - 109
presidir a celebração final, em Betim, frei Luiz Antônio tratou de ligar
para frei Laércio Jorge. Como frei
Basílio já tinha feito isso, frei Laércio
já estava no local da celebração,
sem que frei Luiz soubesse.
Chegada a hora, outra ligação (frei
Luiz de costas, frei Laércio vendo o
frade a lhe telefonar): ‘como é, você
vem ou não vem?’
AMIZADE COM HORA MARCADA
À ESPERA DE UMA APARIÇÃO
Não dá para negar que o
entrosamento de frei Raul Ribeiro
e frei Geraldo Portugal é muito
grande. Mas os dois frades já estão
exagerando: outro dia, frei Raul se
aproximou de frei Geraldo e lhe
perguntou:
- Você vai ao centro da cidade?
- Tenho de ir ao banco – respondeu
frei Geraldo.
No Seminário de Santos Dumont
há uma gruta no jardim, doida
pra ser inaugurada. Já estão
acontecendo peregrinações, rezas
diversas, mas a gruta ainda está
vazia por falta de santa. Se alguém
souber de alguma aparição mariana
por aí, peça para dar um pulinho
ao seminário porque a casa já está
pronta, só falta a moradora.
110 - Revista Santa Cruz
- Ótimo, era justamente isso que
eu queria, ir ao banco com você.
Mas antes tenho de passar em
um relojoeiro porque meu relógio
parou de funcionar.
- Ó, o meu também parou. Podemos
ir juntos.
O leitor se espantaria se soubesse
que os dois relógios deram o
mesmo problema? Pois é, ambos
precisavam de uma boa limpeza.
Isso é que é amizade, o resto é
apelido!
FAROESTE SERÁFICO
O novo protagonista de faroeste,
recém-contratado, é frei Justino,
que há pouco conseguiu o porte de
armas e anda dando mostras de seu
talento. Quando menos se espera,
estoura um ‘pipoco’ nos ares da
Serra da Mantiqueira. Os cães, gatos
e gatunos que se cuidem!
sacos de laranja e feito 70 canteiros
novos, frei Nicolau foi ouvido sobre
o assunto. Segundo o frade, uma
pastilha para a garganta poderia
ajudar nos terremotos. É que o
frade é daqueles que oram com
grunhidos inefáveis.
MEU MUNDO CAIU
ABALOS SÍSMICOS EM CIDADE
HISTÓRICA
Têm sido registrados vários abalos
sísmicos na cidade de São João del-Rei. Ao que tudo indica, o epicentro
está no postulantado. Várias vezes
ao dia, é possível ouvir um barulho
estranho, gutural, como um trator
acelerado ou um karateca em ação,
que põe tudo para tremer. Após
ter colhido 50 pés de alface, 20
Após a ordenação diaconal de frei
Francisco Alexandre, o teclado
usado por frei Kelisson foi deixado
no passeio, apoiado em um carro
Revista Santa Cruz - 111
desconhecido que, ao sair, não
se deu conta das consequências.
Foi aquele estrondo. Feito cena
de cinema, frei Kelisson foi visto
acariciando o teclado avariado, à
espera do SAMU. Com fé em Santa
Cecília, o teclado passa bem, apenas
terá de se submeter a algumas
sessões de fonoaudiologia.
DENTADURAS NA AREIA
UNÂNIMES ATÉ NO VESTIR
Sair de casa, para muitos frades,
tem sido algo complicado. Antes,
é preciso saber com que vestuário
provincial os demais irão, afinal, são
alguns modelos de camisa, blusa,
bonés e vira e mexe coincide de uns
tantos irem iguaizinhos. Talvez seja
a onda de hábitos pós-modernos.
112 - Revista Santa Cruz
Em uma de suas idas à praia, o
animado frade estava disposto
a dar um mergulho daqueles.
Mas, como a precaução é uma
virtude e tanto, resolveu, antes
de se entregar aos mares,
deixar suas nobres dentaduras
enterradas na areia, marcadas
por um coco. Despreocupado, se
lançou às águas. Fez peripécias,
deu braçadas, mergulhou, enfim,
matou a vontade. Quando, porém,
voltou para a areia, ‘cadê o coco?’.
Havia vários cocos, nenhum lhe
parecia familiar, e a maré tinha se
encarregado de desconcertar o
esconderijo. O resultado? Não teve
outro jeito, teve de cavar vários
buracos para ter seu sorriso de
volta. Se achou ou não achou, só o
próprio frade poderá responder.
O FRADE E A ALFÂNDEGA
Após ter inventado o detergente
biodegradável à base de mandioca,
frei Paulo Afonso foi fazer uma
experiência pelas terras de Jesus e
de São Francisco. Chegando, porém,
à alfândega de Israel, os simpáticos
soldados vociferaram contra o
frade, pedindo explicações. Vai
daqui, vai dali, descobriu-se que se
tratava de um canivetinho indefeso
esquecido nas coisas do peregrino.
Bem que podia ter tentado seduzir
os guardas com um pouquinho de
detergente de mandioca!
água de peixe. Segundo o frade,
é só pegar água de algum poço,
laguinho ou fonte onde haja
peixes (como foi o caso) e jogar
diretamente nos sanitários. É tiro e
queda... de quem entrar depois!
“PRAGA DE PADRE PEGA!”
O DETERGENTE DE PEIXE
A cidade de Ubá, nos últimos dias,
assistiu a uma operação militar
das grandes. Soldados por terra,
helicópteros, abordagens, espiões...
tudo para descobrir quem roubara
as cachorrinhas de frei Adriano
de Wit. Em um dos anúncios na
rádio, o locutor se encarregou de
resolver logo o caso: “roubaram as
cachorrinhas do Frei Adriano. Ele
vai jogar uma praga no ladrão, e
praga de padre pega”!
Frei José Roney, noviço dos mais
santos que já se viu, também quis
mostrar seu talento inventivo: um
detergente para banheiro feito de
Revista Santa Cruz - 113
UMA PAIXÃO BARROCA
Já é conhecido entre os frades o
encanto que frei Moisés tem para
com o período barroco. Seu gosto
vai desde imagens, capelinhas,
enfeites diversos desse período tão
importante para as Minas Gerais,
apesar de o frade ser carioca. Em
sua estadia atual em Montes Claros,
tem podido mostrar todo seu
talento em reproduzir tal período.
O Aleijadinho que se cuide!
114 - Revista Santa Cruz
VÔLEI “NEW GENERATION”
Por não terem jogadores suficientes
para disputar as partidas na
assembleia de formação, as etapas
do noviciado e pós-noviciado II se
uniram para tentar não fazer feio.
O resultado não podia ter sido
melhor: foram campeões no vôlei.
Mas como pode, se uns moram em
Montes Claros e outros em Belo
Horizonte? Simples, treinamento
via MSN.