Ano III – julho 2003
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Ano III – julho 2003
Ano III – Dezembro 2003 Itinerando Juntos tecendo uma Amazônia mais fraterna e plural, mais justa e solidária. Rua Luiz de Freitas, 113 São Jorge 69033- Manaus – AM. BRASIL Fone/Fax: (92) 625-2899. E-mail: [email protected] NOTÍCIA Após o II Encontro Inter-institucional, realizado de 13 a 15/12/2003, que contou com a presença dos superiores e superioras das instituições que já formam parte do projeto, bem como a de outras instituições interessadas, ficou decidido à criação da nova base de fronteira da Equipe Itinerante, em Tabatinga-AM, para o ano de 2004. Inicialmente, formará parte dessa Comunidade Itinerante o Fernando (sj), a Ir Odila (fscj) e o Ir Neori (Marista). Para nós, é motivo de muita alegria seguir somando com mais uma Instituição, os Maristas, nesta nova empreitada. O nosso companheiro Hugo Lourenzo sj (Mestre Paraguaio), finalizou a etapa de formação referente ao magistério, após dois anos de missão junto a Equipe Itinerante. Em 2004, irá para os estudos de Teologia, que fará no ISI (Instituto Santo Inácio), na cidade de Belo HorizonteMG. A ele, o nosso muito obrigado! SUB-EQUIPE RIBEIRINHA Nesta folha –como partilha fraterna da vida ribeirinha - escolhi duas dentre centenas de conversas que tivemos nas longas viagens, visitando lugares e comunidades. Estas duas são da recente viagem de mais de um mês, que Odila e eu fizemos, preparando a “1a Romaria da Terra”, ao longo de 17 comunidades do alto rio Purus (o mais sinuoso do mundo), paróquia de Pauini que faz fronteira com o estado do Acre. Duas histórias, duas “epifanias” (manifestações) da presença do Deus encarnado e ressuscitado na história dos ribeirinhos. Comunidade São Bernardo Chegamos na casa de dona Chaguinhas (= Francisca), mulher relativamente jovem para ser mãe de 8 filhos, a caçula de poucos meses. Uma vida sofrida cheia de fé e coragem. Perdeu 3 filhos e perdeu o marido “Neguinho” (= José Leocadio), de 43 anos, assassinado na frente da própria casa. Ela mesma nos conta o que é “uma verdadeira história de fé e sofrimento”: “Eu vivi vinte anos com meu marido e nós nunca brigamos, nunca vi ele se alterar por nada, sempre foi a mesma pessoa desde que nos casamos. Quando voltava para casa sempre dava um assovio avisando que estava chegando e nunca reclamou de nada: se a comida estava pronta tudo bem, quando não estava, sempre soube esperar com paciência. Gostava muito de festa e era uma pessoa alegre e amiga de todos... Foi numa noite de festa de uma menina de 15 anos, aqui em casa, 1 quando começou uma confusão e ele pediu para pararem, mas não atenderam seu pedido e o próprio que se dizia amigo, que muitas vezes comeu na mesa com ele e dormiu em nossa casa, bateu nele, o deixou meio tonto e o esfaqueou dentro da própria casa. E eu no quarto, de resguardo da nossa filhinha que tinha nascido fazia dez dias, quando soube, pedi que o levassem para perto de mim e assim fizeram. Poucos minutos depois faleceu... ...Mas Deus é muito bom pra mim pois me deu oito filhos. Ele levou três: O primeiro tinha quatro anos e morreu afogado aqui no nosso porto. Quando encontraram meu filho afogado na beira do rio, todo mundo começou chorar e gritar. Mas eu disse: ‘não quero ninguém chorando e gritando porque isso não vai trazer de volta a vida do meu filho! Deus tirou de mim, se Ele quiser vai me dar outro! E Deus me deu outro filhinho... Assim também aconteceu com meu outro filho de três anos, que também morreu afogado no porto de Rio Branco. Deus tirou este, mas me deu este outro que já está rapaz e me ajuda muito... O terceiro era uma menina que adoeceu. Eu fui para Rio Branco e os médicos falaram que tinha que ir para São Paulo, mas eu falei: ‘façam tudo o que vocês puderem aqui mesmo pois se é para ser meu, Deus vai cura-la’ . Então fizeram tratamento mas não resistiu, pois estava com leucemia, e faleceu lá mesmo no hospital. E agora Deus leva meu marido, mas deixa esta filhinha comigo que é o encanto da minha vida, é a que preenche meu tempo e espaço. Deus é maravilho comigo!”. De fato, todo mundo diz que Neguinho era uma pessoa que nunca brigou com ninguém, amiga e acolhedora de toda pessoa que chegava na sua casa e que gostava de fazer o bem sempre que podia... Dona Chaguinhas está se refazendo da dor, com a força da fé, esperança e coragem que lhe sustenta. Realmente admirável! Comunidade de Porrã O “velho” Francisco Sales (negro, caboclo), ao perguntar-lhe como foi que conheceu a dona Maria Antônia (indígena), me confidencia “uma verdadeira história de amor”. Ele diz: “Ela era uma moça muito sofrida. De pequena, a mãe não podia criá-la pois tinha muitos filhos e seu marido morreu. Então deu ela para outra família. Eles a fizeram sofrer pois não a queriam como uma filha e sim como uma empregada. Ela botava água em 3 casas e fazia todo o serviço, sendo que as outras filhas da família apenas trabalhavam e desprezavam Antônia, olhando para ela com desvalor... Eu nasci em Serurí (= Pauiní), mas viajei muito, pois fui empregado de um grande comerciante durante 14 anos, de Manaus até o Acre. Foi ai que eu conheci Maria Antônia, numa das paradas, em Santa Vitória. Eu logo gostei dela e ela de mim, mas ninguém falou para o outro: Eu não tinha coragem pois sou um nego caboclo... e ela também não tinha coragem pois era índia sofredora. Mas, depois de algum tempo, numa das paradas, conversando com ela, me disse: ‘Espero que algum dia alguém me queira bem e me tire desta vida sofrida’. Então eu falei para ela: ‘Eu posso ser essa pessoa. Não posso te dar riqueza, mas sim posso te dar o meu amor e respeito’. Assim, desde que a conheci pela primeira vez até que nos casamos, se passaram 5 anos, namorando, mas de longe, eu olhando para ela e ela me olhando. Até que um dia eu pedi a mão dela ao padrasto. E quando eu dizia aos outros que estava noivo de Maria Antônia, não acreditavam e faziam piadas. Mas eu casei com ela e a tirei daquele sofrimento. Ela tinha apenas 16 anos e eu 28... Disto já faz 42 anos mas o tempo todo a nossa união é uma só. Nunca tivemos um ‘congote’ ou desavença. Graças a Deus que somos muito unidos até hoje...” Sem comentários...! 2 SUB-EQUIPE INDÍGENA Numa rápida olhada no mapa da nossa itinerância, desde Venezuela Guiana Colômbia o mês de agosto/2003, percorremos os seguintes lugares: de Alto Rio Negro 04 a 09/08, a Arizete esteve em Brasília-DF, para a Manaus Alto Assembléia Nacional do Cimi; de 10 a 27/08, a Arizete esteve Solimões em Chiapas (México), para o Encontro da Rede Jesuítica de Lábrea Marabá - PA Perú Pastoral Indígena; de 18/08 a 01/09, o Vanildo ficou em Brasília Manaus-AM, montando uma cartilha sobre a identidade dos BRASIL ribeirinhos do município de Barcelos; de 01 a 08/09, a Arizete e o Hugo estiveram em São Gabriel da Cachoeira (Alto Rio Negro), para o VII Encontro do GIPRAB (Grupo de Indígenas de Padres e Relogiosos(as)); de 09 a 14/09, a Arizete e o Hugo estiveram em Luziania-GO, para o IV Encontro Nacional de Teologia Índia; de 10/09 a 28/10, o Vanildo esteve em Marabá-PA, para visitas e oficinas de Direito e Política Indigeniasta; de 15/09 a 18/10, a Arizete e o Hugo estiveram em Marabá-PA, para visita e construção da cartilha Guarani; de 05 a 29/11, a Arizete e o Fernando estiveram na fronteira do Alto Solimões em visitas e articulações com as Igrejas locais do lado do Peru, da Colômbia e do Brasil; de 07 a 15/11, o Vanildo viajou para Lábrea-AM (obs: contraiu catapora e voltou rapidamente). Relato da experiência na aldeia Guarani Dos dias 19/09 a 16/10, estivemos em missão na aldeia Guarani (Jacundá-PA), juntamente com os missionários do Cimi local, a fim de reforçar a identidade indígena e construirmos coletivamente uma Cartilha que retratasse os elementos da cultura desse povo. Mesmo não sendo a primeira visita nesta aldeia, foi uma missão com muitas novidades. Em rápidas pinceladas, podemos destacar algumas observações feitas pelos próprios membros da aldeia, por ocasião da avaliação final, dando um panorama fiel do que experimentamos. Na verdade, uma mostra de que em meio de tantas contradições, resta ainda muita esperança. Constatações do tipo: “os membros da aldeia erraram quando muitas vezes deram mais atenção a TV do que as histórias contadas pelo vô ”, revelam a maturidade de encarar a realidade de aculturação. Pois, em tom de autocrítica, é bem sabido que “as próprias pessoas da aldeia já estão esquecidas de sua história”. O Senhor Albino, ancião, diz: “lamento o esquecimento das histórias na minha memória”. Por mais que ouvíssemos que “a presença dos missionários facilitou muito o reviver a história”, devemos aos Guarani o mérito de descobrir as riquezas escondidas em suas histórias contadas pelos mais velhos. “Uma história que nunca tinha ouvido, acabei por aprender”, afirmou Arlindo. Eles vão ainda mais longe ao dizer que “é claro a diferença do ensino do branco e do indígena”, lançando-se em seguida no desejo de “capacitar a professora para o ensino mais intenso da língua Guarani”. Aproveitando o embalo, querem publicar a mesma Cartilha construída coletivamente nas atividades escolares. De fato, o tempo dedicado à aldeia tornou-se pequeno para tanta coisa, nos deixando bastante preocupados. Mas, ao terminar a missão, é muito gratificante perceber o desejo da aldeia Guarani de continuar essa história até chegar no presente. “Vocês do Cimi, nos deixaram 3 uma vontade grande de aprender, de ouvir e de decidir em comunidade”, afirmam. Hugo, companheiro Guarani, animou as pessoas da aldeia a não sentirem vergonha de praticar sua língua e ressaltou o valor da educação oferecida tanto na escola como na família: “É bonito ouvir falar em Guarani na aldeia. Toda aldeia ensaiando a dança tradicional e cantando; lançando a sugestão de realizar oficinas sobre a cultura Guarani... Tudo isso ajuda a superar as divisões e o enfraquecimento da aldeia”. II Encontro Inter-institucional da Equipe Itinerante De 13 a 15 de dezembro de 2003 4