Perfil socioeconômico e nutricional das crianças inscritas no

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Perfil socioeconômico e nutricional das crianças inscritas no
Perfil socioeconômico e nutricional das crianças inscritas no programa de
suplementação alimentar do Centro Municipal de Saúde Manoel José
Ferreira
Juliana Mayo
Helena Recht Pombo1
Sandra M. M. Rodrigues Pereira
CMS Manoel José Ferreira - Serviço de Nutrição e Dietética
Introdução
A desnutrição infantil é, atualmente, um problema de saúde pública, sendo
responsável por 40 % dos óbitos em crianças menores de 1 ano. A Pesquisa Nacional
de Saúde e Nutrição (PNSN,1989) evidenciou uma incidência de 5.800.000
desnutridos menores de 5 anos no Brasil, sendo 32% entre 6 meses e 2 anos de
idade. Dados de 1996, provenientes da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde,
indicam que 10.5% das crianças brasileiras apresentavam déficit de altura. Mesmo
com a diminuição em mais de 20% de desnutrição energético-proteica, na última
década, um contingente considerável de crianças brasileiras ainda apresentava
atraso marcante de crescimento, pela relação peso/idade, na faixa crítica dos 6 aos
23 meses.
Um estudo recente sobre a situação socioeconômica e o estado nutricional de
535 famílias moradoras em favelas do município de São Paulo mostrou uma
prevalência de 30% de desnutrição em crianças, sendo o problema mais importante
a desnutrição crônica. Ao estudar os aspectos socioeconômicos da desnutrição no
Brasil, Campino concluiu que a renda é o fator isoladamente mais importante na
determinação do estado nutricional. Segundo Grillo (1995), as crianças escolares
desnutridas pregressas apresentaram piores condições socioeconômicas do que as
eutróficas, com fatores de risco significantes para desnutrição. Além dos fatores
socioeconômicos como renda, saneamento básico, escolaridade materna, número e
ordem de nascimento dos filhos, tipo de moradia, pode-se citar também, como causa
da desnutrição, hábitos alimentares inadequados, desmame precoce ou errôneo,
digestão e absorção deficiente de nutrientes, infecção etc.
A alimentação e nutrição constituem requisitos básicos para a promoção e a
proteção da saúde, possibilitando a afirmação plena do potencial de crescimento e
de desenvolvimento humano, com qualidade de vida e cidadania. Nas últimas
décadas, a distribuição de alimentos para grupos populacionais vulneráveis por meio
de serviços de saúde tem sido apontada como um importante componente das
estratégias voltadas para a melhoria das condições de saúde nos países não
desenvolvidos. A experiência de âmbito nacional implantada no Brasil em 1994 foi o
“Programa de atendimento a crianças desnutridas e gestantes de risco nutricional –
Leite é saúde”, que consistia na suplementação alimentar para grupos específicos
associada a ações básicas de saúde. Esses grupos são identificados na rede básica
de saúde por meio do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN). A atual
Política Nacional de Alimentação e Nutrição, aprovada pelo Ministério de Estado da
Saúde em junho de 1999, tem como propósito a garantia da qualidade dos alimentos
colocados para consumo no País, a promoção de práticas alimentares saudáveis e a
prevenção e o controle dos distúrbios nutricionais, bem como o estímulo às ações
intersetoriais que propiciem o acesso universal aos alimentos. Neste contexto, o
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SISVAN será ampliado e aperfeiçoado para o monitoramento da situação alimentar e
nutricional.
Para serem inscritas no programa as crianças devem ter idade entre 6 e 23
meses. Na rotina do serviço no Rio de Janeiro, o ponto de corte utilizado na triagem
antropométrica das crianças é o Percentil 3 (P3) do NCHS. Os irmãos das crianças
desnutridas com idade entre 24 e 59 meses também são beneficiadas com 5 latas de
leite por mês, enquanto que as crianças inscritas no programa recebem 10 latas
mensalmente. Os critérios de alta são: crianças maiores de 2 anos ou que
apresentem melhora do quadro de desnutrição que é avaliado mediante três pesos,
com intervalo de um mês cada, classificados acima do percentil 10 (P10) do NCHS.
Estudo realizado entre 1994 a 1996 buscou avaliar a operacionalização e o
impacto do programa de recuperação nutricional de crianças na cidade do Rio de
Janeiro. Com este estudo, verificou-se uma melhora significativa da condição
nutricional dos mesmos, sendo o impacto do programa maior quanto mais intenso o
déficit ponderal inicial.
Justifica-se, portanto, a realização deste estudo, a fim de promover
informações que caracterizem a população atendida (condição socioeconômica e
alimentação no primeiro ano de vida), bem como a contribuição do leite na melhora
do estado nutricional das crianças.
Objetivo Geral
Estudar o perfil socioeconômico e nutricional de crianças desnutridas afim de
avaliar o impacto da suplementação alimentar na correção do estado nutricional
destas, bem como evidenciar os principais fatores que que podem ter contribuído
para este déficit ponderal.
Objetivos Específicos
⇒Identificar o perfil socioeconômico dos responsáveis pelas crianças inscritas no
programa.
⇒Levantar o estado nutricional das crianças no momento da inscrição, 2 e 6 meses
após o início da suplementação e no fim do estudo.
⇒Relacionar a época do desmame com possíveis alterações no estado nutricional das
crianças estudadas.
⇒Verificar o seguimento da conduta nutricional prescrita nas consultas.
⇒Avaliar a frequência de retorno às consultas agendadas
Metodologia
A avaliação do estado nutricional das crianças foi realizada mediante os dados
de peso e idade destas, obtidos através dos prontuários e das fichas do programa
das crianças. Estes dados foram anotados em questionários previamente elaborados
(vide anexo). Utilizou-se o indicador peso/idade, sendo o P3 da curva da população
internacional de referência (NCHS, 1977) o ponto de corte usado para diagnosticar a
desnutrição. O peso das crianças inscritas no programa é aferido duas vezes ao mês.
A primeira aferição é feita no dia da reunião com os responsáveis, realizada
mensalmente, e a outra no dia da consulta com o pediatra, que também ocorre com
a mesma periodicidade. A evolução do estado nutricional foi determinada avaliandose as alterações no peso das crianças em três momentos: dois e seis meses após o
início da suplementação e no fim da coleta de dados. Deve-se ressaltar, entretanto,
que não se trata de uma amostra homogênea, já que algumas crianças receberam
alta durante o período de estudo.
Os dados referentes à condição socioeconômica dos responsáveis, bem como
as informações sobre aleitamento e desmame, foram obtidos mediante aplicação do
questionário aos responsáveis. Questões referentes à correta utilização da
suplementação oferecida, conforme conduta nutricional prescrita, também estavam
presentes no questionário.
A frequência do retorno às consultas agendadas foi obtida através dos
prontuários das crianças. Foram excluídas do estudo as crianças que entraram no
programa após o dia 31/07/00, crianças com problemas neurológicos, casos de
ausência de informação por parte dos responsáveis, abandonos e altas durante o
estágio.
Tabela 1: Caracterização da amostra Caracterização da amostra
Tabela 2: Dados socioeconômicos dos responsáveis pelas crianças
Tabela 3: Dados referentes às mães das crianças
Tabela 4: Evolução do estado nutricional das crianças após 2 meses de
suplementação
Tabela 5: Evolução do estado nutricional das crianças após 6 meses de
suplementação
Tabela 6: Estado nutricional das crianças no fim do estudo
Tabela 7: Concentração dos ingredientes da preparação láctea
Discussão
Analisando os resultados pode-se observar que, no momento da inscrição, 20
das 35 crianças inscritas (57,1%) encontravam-se abaixo do P3. Após 2 meses de
suplementação, esse número reduziu para 14 (40%). Além disso, 7 crianças
passaram a ser classificadas entre P10-97. Das crianças acompanhadas por 6 meses
(n=19), a redução foi de 12 para 10. Esta melhora no estado nutricional das crianças,
principalmente nos primeiros 2 meses de suplementação, evidencia possível
contribuição do leite oferecido no ganho de peso das crianças.
A maioria das mães (62,2%) relatou não ter recebido orientação nutricional
na época do desmame. Tal fato pode ter influenciado na introdução precoce de água
e chá o que reduziu o tempo de aleitamento materno exclusivo das crianças e tardia
de verduras, cereais (arroz/macarrão) e feijão. A introdução tardia de vísceras, peixe
e ovo na alimentação das crianças em comparação a carne de boi e de frango
evidencia a permanência de alguns tabus alimentares na nossa população. É curioso
também observar que a grande maioria dos responsáveis (75%) já havia oferecido
queijo tipo petit suisse a seus filhos, fato que demonstra a influência da mídia na
alimentação infantil, já que se trata de um produto oneroso e de baixo valor
nutricional.
A concentração do leite em pó (16,1%) e da farinha (7,3%) acima dos valores
observados (13% e 5% respectivamente) pode refletir a dificuldade dos responsáveis
em entender e seguir as orientações dadas, bem como a não preocupação de alguns
na melhora nutricional de seus filhos. Há, portanto, a necessidade de reorientá-los
com maior periodicidade além de mostrar-lhes a importância do leite na alimentação
da criança.
Do total de crianças estudadas, 78,4 % retornam mensalmente à consulta
médica. Apesar de somente 64,8 % das crianças terem, registrada em prontuário,
orientação nutricional, é importante salientar que, durante as reuniões e no momento
da entrega da receita do leite, os responsáveis sempre são orientados.
Conclusão
Pode-se concluir que o programa de suplementação alimentar do Centro
Municipal de Saúde Manoel José Ferreira tem importante papel na evolução do estado
nutricional das crianças desnutridas. Entretanto, para um maior sucesso deste
programa, juntamente à distribuição do leite, há a necessidade de orientar
periodicamente os responsáveis quanto a diluição do leite em pó, técnicas de higiene
dos alimentos e alimentação infantil.
Além disso, é preciso promover medidas para se prevenir a progressão da
desnutrição infantil. A orientação nutricional sobre desmame e alimentação infantil,
o mais precocemente possível, com início ainda na gestação, pode ser uma medida
simples e eficaz no combate à alta prevalência desta doença na nossa população.