SSD - Doc`s Kingdom
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Doc’s Kingdom 2010 . A imagem-arquivo . Textos de apoio Selecção e grafismo: Ana Eliseu, Joana Frazão Textos originais: Chris Wahl, José Manuel Costa, Nuno Lisboa, Regina Guimarães Traduções do alemão: Carmo Lobo, José Maria Vieira Mendes Agradecimentos: André Dias, Daniel Ribeiro, Edgardo Cozarinsky, Frederik Lang, Hartmut Bitomsky, Inês Sapeta Dias, João Amaral Frazão, Manuela Sousa Tavares, Susana Sousa Dias, Sylvain George 1 Doc’s Kingdom 2010 A imagem-arquivo José Manuel Costa Na preparação do seminário deste ano, foi com naturalidade que surgiu a ideia que viemos depois a formular como imagem-arquivo. Mais do que um tema pré-estabelecido, tratou-se, neste caso, de um tema encontrado, ou seja, algo que se foi impondo como elo de ligação possível entre algumas das obras e alguns dos autores que, por si mesmos, tínhamos a intenção de abordar. Ao apresentá-lo, há então que começar por sublinhar a diferença entre este tema e aquele que poderia ter sido expresso pela mais habitual formulação dos “filmes com imagens de arquivo”. Se tivéssemos ido por aí, aquilo de que estaríamos a falar seria algo ao mesmo tempo mais concreto – porque materialmente mais definido – e mais vasto, tendo em conta o horizonte histórico abordado. Estou a referir-me ao filme-compilação, ou filme-de-montagem, que integrou a história do cinema desde, pelo menos, as vanguardas da década de vinte do século passado. E estou obviamente a ter em conta que também essa vertente se foi transformando com o século, vindo a assumir facetas inesperadas e originais quando este se aproximou do seu fim: pela primeira vez, o balanço dum século foi passível de articulação com um século de imagens, e a ideia de trabalhar sobre imagens anteriores independentemente do estatuto original delas veio entretanto testemunhar outras tantas mutações relativas ao conceito de património e à teoria da “imagem em movimento”. Não se trata portanto apenas disso, mesmo que a génese do novo conceito não seja alheia a isso e que entre os dois possam existir óbvias zonas de sobreposição. O que acontece é que, a par da explosão do recurso aos arquivos para revisitar a História – ou as histórias, cruzando memórias individuais e familiares com dimensões comunitárias, nacionais ou outras – foram surgindo autores para quem a ideia de arquivo já tinha outra natureza, muito menos memorialística do que seminal. Cruzando-se com movimentos oriundos da história de arte ou com o trabalho de artistas plásticos que não raro integraram a fotografia e o cinema, estes realizadores usaram a ideia em sentido lato – não só arquivos de imagens mas arquivos tout court, colecções, listas, séries, ou simplesmente a seriação de um tema com as respectivas variações… – ligando-a à busca de um novo fio condutor do seu próprio percurso. Aquilo a que estamos a chamar imagem-arquivo tanto pode ser então uma imagem “de arquivo” como uma imagem nova, sem que o princípio se altere com a passagem de uma a outra. A imagem-arquivo pode ser uma releitura da História num sentido que rapidamente anula, aliás, o próprio objectivo histórico: aquele que, como em toda a obra do par 2 Gianikian/Ricci-Lucchi, as imagens são trabalhadas na sua absoluta contemporaneidade, renascendo num processo de abstracção (que não é apagamento) face ao contexto original. Pode ser também uma releitura da história do cinema e da arte – como em Cozarinsky, ou na ponte que vai de Godard a Bitomsky. E pode ainda ser (de novo Gianikian-Lucchi, e de novo Bitomsky) toda a imagem em que, na dimensão interna do plano ou na ligação entre planos, se faz a exploração sistemática dum universo particular (que pode abarcar objectos, gestos, comunidades, quaisquer elementos materiais, referências…) e em que esse universo é visto como microcosmo, em termos metafóricos ou metonímicos. O arquivo é colecção de referências, espaço de coisas ou ideias usadas em que se erguem inesperadas relações, universo reconhecível em que se aborda o novo. O arquivo é o lugar donde se parte – aquilo que, na história de arte e no mundo da criação em geral foi também o “atlas” alemão, de Warburg a G. Richter. Na acepção que aqui nos interessa, é, sempre, um espaço refundador. Esta é uma sugestão, entre várias possíveis, para entrar no mundo de alguns autores que estarão connosco em Serpa - Harmut Bitomsky, Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi, Edgardo Cozarinsky, Susana Sousa Dias. Uma sugestão de arranque, não um tema fechado. Como sempre, no próprio encontro, cada projecção individual será um novo ponto de partida e o rumo das conversas será também aquele que o grupo de participantes determinar. Filmar, arquivar Nuno Lisboa Para além do filme com imagens de arquivo, a noção de arquivo na génese do acto de filmar. Talvez a segunda parte desta equação seja a menos evidente, ao questionar o próprio gesto de filmar, quando este surge associado às práticas da série, do inventário, da colecção ou do catálogo (que seria preciso distinguir entre si), mas também quando a câmara se confronta com o arquivo e as suas imagens, com o cinema propriamente dito, para decifrar os seus efeitos ou potenciar a sua memória, ou quando, confrontada com o “o peso próprio das coisas filmadas” (Peter Nestler), se propõe “articular” e “ligar” a realidade em vez de a “revelar”, para empregar a formulação de Bitomsky sobre a tarefa do documentário. A propósito desse peso (e de Joris Ivens carregando pedras para saber como filmá-las), Bitomsky assinala que “as imagens não advêm apenas das coisas que representam, mas também são originadas noutras imagens”, umas sobre as outras, como as cassetes VHS que os seus assistentes empilham num dos capítulos sobre o documentário, na sua antologia do cinema. Bitomsky acrescenta que essa origem (noutras imagens) não pode ser colocada, ou 3 encontrada (?) (numa imagem). Porém, desta impossibilidade pressuposta, da recusa tanto em aceitar o “sim” como o “não” de cada imagem ao mundo, é a genealogia (estética, política, económica) de cada imagem que não deixa de ser perseguida em cada um dos seus filmes. Estes funcionam como diagramas abertos que resultam do desenho traçado na pesquisa. A busca e o resgate das imagens – sem saber o que se procura, quanto mais o que se vai encontrar – parece ser o que constitui o ponto de partida e o processo dos seus filmes, quando não o seu tema fundamental. Sob a forma do inquérito, que a cada passo revê os seus procedimentos e confirma o ponto em que se encontra, Bitomsky trata as imagens como objectos do mundo e os objectos como imagens a decifrar. Cada um destes objectos – seja o bombardeiro B-52, o VW carocha, as auto-estradas do terceiro Reich ou, no limite do objecto e no limite da imagem, o pó como matéria filmável – é uma constelação de imagens, isto é, de actos e ideias, de uma época e de um lugar. Por outro lado, nos seus filmes sobre as imagens, estas encontram-se entre a mundaneidade das coisas e dos gestos, passam entre mãos, são manipuladas e manipuláveis, solicitadas, aceites, rejeitadas, ajustam-se e resistem às ideias e aos gestos que as ligam e articulam, as imagens são matéria e mão de obra, colaborando ou resistindo ao trabalho do cineasta e do espectador. Assim, ao expor o arquivo do cinema, Bitomsky não pode deixar de expor o seu próprio gestus: o gesto é um encadeamento de ideias, descrevendo(-se) e citando(-se), ao mesmo tempo que espera uma “atitude científica” do espectador, solicitado a analisar argumentos e a tomar partido, transformado em espectador de si próprio, passando-se “menos coisas nele do que se passam com ele” (Brecht). Os gestos são sempre concretos: classificar, seleccionar, articular podem corresponder a uma panorâmica, ao gesto de folhear, ou a carregar em botões para rebobinar, abrandar, parar ou acelerar o fluxo de imagens. Ver, descrever, rever. Falar é um gesto que se decompõe em múltiplos gestos, dentro ou fora de campo, sobre, contra ou ao lado de uma imagem, ao ordenar um movimento de câmara ou do microfone, ao solicitar outros gestos e outras imagens. O gesto que filma e o gesto filmado tornam-se inextricáveis, confundindo deliberadamente as fronteiras entre ensaio e cena filmada, o que está dentro e fora do filme, entre o que está perante e por detrás da câmara, entre imagens e imagens de imagens, numa desmultiplicação em circuito fechado, onde nenhuma imagem surge sem ser literalmente enquadrada. Na caixa-negra de Hartmut Bitomsky, são raras (mas importantes) as irrupções do(s) exterior(es): a “percepção pura” de uma janela ao fundo de uma sala em Playback, o passeio mudo da equipa de cinema no final de Die UFA, por exemplo. No “exílio da realidade”, as imagens não são janelas sobre o mundo mas superfícies a decifrar, conforme a lição de Flusser. A pedagogia de Bitomsky também passa por esta recusa da inocência, de que lado da câmara estiver. Se “só existem dois tipos de filmes: os que vimos e os que não vimos”, também só existem dois tipos de imagens: as que estão feitas e as que estão por fazer. 4 “Também precisamos de filmar as nossas próprias imagens”, diz Gianikian numa entrevista, sabendo bem que, ao longo de trinta anos de trabalho nos arquivos a encontrar filmes dentro de outros filmes, “tornámo-los filmes nossos”, como acrescenta Ricci Lucchi. No mesmo sentido, sabemos que mesmo essas imagens de filmes encontrados não são simplesmente reproduzidas, reapropriadas, mas justamente filmadas pela “câmara analítica” que permite entrar em profundidade no fotograma, intervir na velocidade do filme, no detalhe, na cor. Mas talvez possa entender-se o que Yervant Gianikian poderá querer dizer com a necessidade de “filmar as nossas próprias imagens”, referindo-se porventura tanto ao gesto de filmar como ao que é filmado, no âmbito de um imenso "trabalho que visa constituir um gigantesco catálogo dos gestos do século” (Raymond Bellour). Io ricordo: na sala familiar, a circulação da palavra acontece no triângulo entre o pai de Gianikian que lê em primeiro plano as suas memórias; o próprio Gianikian que escuta, do outro lado, ao fundo do plano; a câmara na mão de Angela Ricci Lucchi que filma o acto rememorativo. As datas que se sucedem no ecrã – do cartão inicial ao genérico final: 1988, 1919, 1987, 1997 – enunciam esquematicamente o movimento da memória, referindo-se ao presente da filmagem e à época dos factos descritos, mas pouco expõem da intensidade do encontro entre “agora” e “outrora”. No plano-sequência que dura o testemunho, fixo mas levemente oscilante nas mãos de Angela, nenhum dos gestos é indiferente: o homem que lê o que escreveu antes, mas muito tempo depois do terrível crime que descreve, traduzindo da língua do passado para a língua do presente, repetindo uma ou outra palavra, hesitando por momentos na ordem das páginas; o homem que escuta, sentado, com a cabeça apoiada no braço; a câmara que resiste, do lado de cá. Ghiro ghiro tondo: Gianikian compõe e anima um catálogo de brinquedos de outra era; por vezes, uma mão filma a outra manipulando uma das muitas dezenas de objectos que se apresentam à câmara oriundos da Itália, da Alemanha, da Rússia ou do Japão, do período entre as duas grandes guerras até aos anos 1950. Os brinquedos sucedem-se no ecrã – num catálogo que não explica as suas regras de organização – para permanecerem apenas durante alguns segundos perante os olhos. Seriam necessárias muitas linhas para descrever cada um desses objectos feitos de madeira, papel, lata ou seda, gatinhos esquiadores, pequenas garças que, ao serem abertas, deixam de resguardar homenzinhos que cabem entre o indicador e o polegar, bolinhos pintados, pares de noivos, pintainhos, olhos de pedra embrulhados em papel de seda, caixinhas de música, casas, caminhas, soldadinhos de chumbo. Cada um dos muitos brinquedos é um fragmento de uma colecção, produzindo sentido na sua acumulação serial e, simultaneamente, é uma miniatura, concentrando em si toda a memória do mundo. É muito claro e muito denso o que fica fora de campo e que encontra breves correspondências no que vemos em algumas imagens: um soldadinho a cavalo que faz a saudação fascista; uma pilha informe de bonequinhas arruinadas pelo tempo, sem olhos, braços, pernas ou cabeças; as “tatuagens” de fábrica – “Made in Germany” – no pescoço de 5 alguns bonecos, que Gianikian descobre com um dedo e procura com o outro, através do zoom do seu brinquedo. O que espanta não é o carácter de ruína, mas a própria sobrevivência, a transmissão entre mãos, as que brincaram como as que fizeram o brinquedo, e a multiplicidade de relações que podem surgir desta microfísica dos gestos. Nem documento, nem monumento: cada um destes objectos é demasiado frágil para assumir um ou outro estatuto, incluindo o filme, imensamente forte, profundamente frágil. Vídeominiatura, tourné-filmé, montado na câmara e sem voz nem diálogos, é um filme sobre o século XX, feito como um bloco de notas preenchido à pressa, antes do fim, como uma lista de tesouros resgatados à barbárie. Um “gesto rememorativo” contra o “carácter destrutivo” (Walter Benjamin). A experiência da rememoração está no centro do filme de Susana de Sousa Dias, 48, num dispositivo que aceita o risco de integrar a condição do espectador dentro do próprio filme, na “zona cinzenta” entre o carrasco e a vítima, difícil de explorar: por um lado, ao espectador é necessariamente oferecido o ponto de vista do fotógrafo que enclausurou o instante que agora despoleta a memória da palavra; por outro, a palavra do testemunho surge e ressoa no próprio lugar do espectador, face às imagens e a partir delas. A espiral da memória que aí se desenha poderia ilustrar o próprio processo de trabalho da realizadora, com círculos de afastamento e reaproximação a um núcleo de imagens que, de filme para filme, parecem constituir um centro atractor da memória política do século XX em Portugal. 6 7 Sinopses Edgardo Cozarinsky La Guerre d’un seul homme França-RDA, 1981, 106’| VO em francês com legendas em inglês Feito a partir de imagens de filmes de actualidades e da leitura dos diários parisienses do escritor alemão Ernst Jünger, La Guerre… é um filme que se encontra no cruzamento entre a ficção e o documentário e uma das reflexões cinematográficas mais singulares sobre o período da Ocupação nazi em França. Cozarinsky escreveu sobre o filme: “Fazer um filme a partir de citações… citações cujo o encontro as faça dizer mais do que aquilo que dizem, um mais que significa outra coisa. Recuso usar a voz da história (“isto era a verdade”). Prefiro pôr em movimento a ambiguidade das mentiras a fim de restituir o vivido ao momento histórico, sem renunciar à perspectiva desse mesmo momento que nos é dada pelo passar do tempo. Um prazer pessoal: o de parar a imagem em alguns momentos anónimos para tornar visível o gesto de um testemunho sem voz, de uma vítima sem glória.” Na crítica ao filme, Pascal Bonitzer considerou que “Cozarinsky inverteu – genialmente, não hesito em dizê-lo – o princípio do documentário: aqui são as imagens que constituem o comentário da voz. […] Daí resulta paradoxalmente que este filme expressamente baseado em mentiras (pelo menos em dois tipos de mentira: aquelas, triviais, da propaganda, e as mais subtis da literatura) surja como a descrição mais verdadeira, mais rica e a mais cativante da época da Ocupação.” Made from images of current affairs movies and from the reading of the Parisian diaries of German writer Ernst Jünger, La Guerre… is a film that stands at the crossing between fiction and documentary, and it’s one of the most unique cinematographic reflections about the Nazi occupation period in France. About the film, Cozarinsky wrote: “Making a film from quotes… finding these quotes makes them say something more than they actually say, something more with a different meaning. I refuse to use the voice of history (“this was the truth”). I prefer to set the ambiguity of the lies in motion, in order to return what was experienced to the historical moment, without renouncing to the perspective of that moment that is offered to us by the passage of time. A personal pleasure: stopping the image in some anonymous moments to give visibility to the gesture of a voiceless testimony, of a victim without glory”. In his review of the film, Pascal Bonitzer stated that “Cozarinsky inverted – brilliantly, I do not hesitate to say so – the principle of the documentary film: here, it’s the images that serve as commentary to the voice. […] Paradoxically, the result is that this film, which is explicitly based on lies (at least two kinds of lies: the trivial ones, from the propaganda, and the more subtle ones, from literature) ends up being the richest, most truthful and captivating description of the Occupation period.” BoulevardS du crépuscule Sur Falconetti, Le Vigan et quelques autres… en Argentine França, 1992 , 65’ |VO em francês e espanhol com legendas em francês “Nenhuma investigação é inocente, o detective acaba sempre por descobrir algo sobre si próprio. De regresso à Argentina depois de vários anos em França, percorro os locais da minha adolescência cinéfila: cinemas de bairro que foram demolidos ou transformados em salas de jogo e em discotecas. Descubro também que Falconetti (a Joana d’Arc de Dreyer) e Le Vigan (o actor secundário mais genial dos anos 30) terminaram a sua vida na Argentina. No seu rasto, vi-me confrontado com o meu próprio caminho: ao fazer o trajecto inverso não estaria a viver a mesma miragem, a de repartir do zero?” “No investigation is ever innocent; the detective always ends up discovering something about himself. Returning to Argentina after spending several years in France, I visit the places of my cinephile adolescence: local movie theatres that were demolished or converted into arcades or discos. I also discover that Argentina was the last place where Falconetti (Dreyer’s Joan of Arc) and Le Vigan (the most brilliant supporting actor of the 30’s) lived. In following their trail, I was confronted with my own journey: by doing the reverse path, was I experiencing the same mirage, that of starting again from 8 secundário mais genial dos anos 30) terminaram a sua vida na Argentina. No seu rasto, vi-me confrontado com o meu próprio caminho: ao fazer o trajecto inverso não estaria a viver a mesma miragem, a de repartir do zero?” (Edgardo Cozarinsky) Vigan (the most brilliant supporting actor of the 30’s) lived. In following their trail, I was confronted with my own journey: by doing the reverse path, was I experiencing the same mirage, that of starting again from the beginning?” (Edgardo Cozarinsky) Trabalho em curso Argentina, 2010 Edgardo Cozarinsky vai apresentar em Serpa imagens do seu novo filme. Edgardo Cozarinsky will present in Serpa images from his new film. Hartmut Bitomsky Deutschlandbilder Alemanha, 1983, 60’ | VO em alemão com legendas em inglês O filme é composto por fragmentos de mais de 30 documentários realizados e exibidos na Alemanha no período que vai de 1933 a 1945. No texto do filme, o realizador diz-nos que “Nunca existiu na Alemanha um momento de iconoclasmo que destruísse esses filmes num acto instintivo de indignação. Os filmes foram confiscados, o que é diferente. Foram guardados, ainda existia um plano para eles. Tal como se fossem reféns resgatáveis, é-lhes permitido sair. Para que isso aconteça tem de ser ter a certeza de que o contexto e o modo cuidadoso como são utilizados os torna inofensivos. Esta é uma das condições para a sua utilização como documento, e enquanto tal, é-lhes confiada uma função dupla. É suposto mostrarem o fascismo tal como era realmente, dizerem-nos o que o fascismo nos dizia na altura. A mesma e velha mensagem. Mas agora uma mensagem de terror. É suposto testemunharem ao mesmo tempo contra si próprios, tal como aconteceria com os agentes desertores que fossem denunciados. Eles falam e é um facto que ainda hoje os percebemos. Não somos confrontados com o balbucio ou a hesitação no falar de uma língua estrangeira que não entendemos. Reside aí outro factor da sua disponibilidade: estes filmes não só sobrevivem a este processo que os converte em testemunhas principais – eles chegam-se à frente para o fazer. Como se este fosse exactamente o seu propósito: desempenhar o papel de evidência documental.” The film is made up of fragments from over 30 documentaries directed and screened in Germany between 1933 and 1945. In the film’s text, the director tells us “In Germany, there was never a moment of iconoclasm in which those films were destroyed as a result of an instinctive act of outrage. The films were confiscated, which is different. They were stored, there was still a plan for them. As if they were hostages that could be ransomed, they are allowed to get out. For that to happen, one has to make sure that the context and the careful way in which they are used renders them inoffensive. This is one of the conditions for their use as documents and, as such, they have a double purpose. They are supposed to show fascism as it really was, and tell us what fascism told us at the time. The same old message. But now, it’s a message of terror. At the same time, they are supposed to act as witnesses against themselves, just like what would happen to deserting agents that were denounced. They speak, and the fact is that, even today, we still understand them. We are not confronted with the stammering or hesitation of speaking a foreign language we don’t understand. And there lies another one of the aspects of their availability: these films not only survive this process that converts them into main witnesses – they offer to do so. As if that was precisely their purpose: to act as documental evidence.” 9 Das Kino und der Tod Alemanha, 1988, 56’ | VO em alemão com legendas em inglês Como se fosse um detective num qualquer film noir, Like a detective in a film noir, Bitomsky undertakes an Bitomsky leva a cabo uma investigação através de investigation through movie frames and images, calling fotogramas e imagens de filmes, apelando à memória e à on memory and on the viewing of films that were seen revisão dos filmes vistos e por vezes esquecidos e que and sometimes forgotten, that are here set apart from aqui surgem destacados do exercício por vezes the sometimes derisory exercise of “excerpt”. Alfred derrisório do “excerto”. Torn Curtain (1966) ou Psycho Hitchcock’s Torn Curtain (1966) or Psycho (1960), (1960) de Alfred Hitchcock, Une Chambre en Ville Jacques Demy’s Une Chambre en Ville (1982), Robert (1982) de Jacques Demy, Kiss me Deadly (1955) de Aldrich’s Kiss me Deadly (1955)... or less known B Robert Aldrich... ou filmes de Série B menos conhecidos movies in which someone always dies. In the film, we e em que morre sempre alguém. Na banda sonora can hear someone say: “Why does cinema need death, if ouvimos dizer: “Porque é que o cinema sente it cannot show it? Cinema seems to be inseparable from necessidade da morte, se não a consegue mostrar? O death, from dying, from ceasing to exist. We can say that cinema parece indissociável da morte, do morrer, do death is an axiom of cinema. Bazin called it the shroud deixar de ser. A morte, podemos dizê-lo, é um axioma of reality.” do cinema. Bazin chamava-lhe a mortalha da realidade.” Flächen, Kino, Bunker – Das Kino und die Schauplätze Alemanha, 1991, 52’ | VO em alemão legendada electronicamente em inglês Os lugares são aquilo de que a ficção cinematográfica necessita para poder contar uma história. No seu estúdio, o cineasta instalou um monitor para os excertos, dispôs livros, cassetes de vídeo, um jogo de xadrez, cópias de fotogramas e bilhetes postais que fazem surgir uma história enquanto a sua equipa de ajudantes lê, observa, manipula, propõe e pormenoriza. O comentário percorre os lugares: descreve ou reconstrói um fragmento, uma sequência: a cidade de When the City Sleeps (1956) de John Huston, o prédio e as escadas vazias de M (1931) de Fritz Lang, o campo de milho de North by Northwest (1959) de Alfred Hitchcock, a cabana de The Gold Rush (1925) de Charles Chaplin, as ruas de Buñuel, as ruínas de Rossellini, a Nova Iorque de Raymond Depardon... lugares de acção, teatros indispensáveis para que a história aconteça, lugares imaginários ou “reais”, inscritos ou construídos. “Il n’y a lieu que le lieu.” Places are what cinematographic fiction needs in order to tell a story. In his studio, the filmmaker installed a monitor for the excerpts, and placed books, video tapes, a chess board, frame copies and postcards that produce a story, while his team of helpers reads, observes, manipulates, suggests and details. The commentary travels through the places: it describes or reconstructs a fragment, a sequence: the city in John Huston’s When the City Sleeps (1956), the building and the empty stairs in Fritz Lang’s M (1931), the corn field in Alfred Hitchcock’s North by Northwest (1959), the cabin in Charles Chaplin’s The Gold Rush (1925), the streets in Buñuel, the ruins in Rossellini, Raymond Depardon’s New York... places of action, essential theatres for the story to take place, imaginary or “real” places, existing or constructed. “Il n’y a lieu que le lieu.” Das Kino und der Wind und die Photographie: Sieben Kapitel über Dokumentarishe Film Alemanha, 1991, 52’ | VO em alemão com legendas em inglês “Começamos por aqui” diz o cineasta colocando a mão sob uma placa: Rue du premier film – Auguste et Louis Lumière, 1894. Eles fizeram o primeiro filme. Era um filme documental. Numa sala, o cineasta, rodeado pela sua equipa de rodagem, percorre excertos, citações e fotogramas, comanda as câmaras que mostram o seu dispositivo e interroga a realidade dos (e nos) filmes e as “Let’s start here”, the filmmaker says, placing his hand over a plate: Rue du premier film – Auguste et Louis Lumière, 1894. They made the first movie. It was a documentary film. In a room, the filmmaker, surrounded by his filming crew, goes through excerpts, quotes and frames, commands the cameras that show his device and questions the reality of (and in) the movies and in the 10 filme documental. Numa sala, o cineasta, rodeado pela sua equipa de rodagem, percorre excertos, citações e fotogramas, comanda as câmaras que mostram o seu dispositivo e interroga a realidade dos (e nos) filmes e as teorias que os acompanham. De The River (1938) de Pare Lorentz a fotos de Atget aos excertos e imagens de Robert Flaherty, Robert Frank, Peter Nestler, Jean Vigo, Buñuel ou Huston o filme é uma reflexão sobre o cinema documental em 7 capítulos e um epílogo. documentary film. In a room, the filmmaker, surrounded by his filming crew, goes through excerpts, quotes and frames, commands the cameras that show his device and questions the reality of (and in) the movies and in the theories associated to them. From Pare Lorentz’s The River (1938) and Atget’s photographs, to excerpts and images from Robert Flaherty, Robert Frank, Peter Nestler, Jean Vigo, Buñuel or Huston, the film is a reflection about documental cinema in 7 chapters and an epilogue. Staub Alemanha, 2007, 90’ | VO em alemão com legendas em inglês “Uma partícula de pó é apenas perceptível a olho nu. É o tema mais pequeno acerca do qual se pode fazer um filme – é um meio de desaparecimento e um critério de percepção. Onde quer que vamos, leva-nos a melhor; para onde quer que seja que nos viremos, segue-nos. É o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro. É universal e tem um nome em todas as línguas. Mantém ocupadas as donas-de-casa, bem como os cientistas, inventores, artistas e ramos industriais que a ele se dedicam. Acusam-no de alimentar vermes e causar doenças. Torna-se dono daquilo que é nosso, penetra nos laboratórios, cria planetas e galáxias. Estamos rodeados por ele, está dentro de nós e livramo-nos dele. Aninha-se no desespero da sua própria existência”, escreveu Bitomsky acerca do seu último filme. Ao examinar muitos tipos de pó, incluindo partículas microscópicas invisíveis a olho nu, Pó ausculta uma variedade de cientistas – botânicos, biólogos, meteorologistas e astrónomos – que investigam as consequências sanitárias e ambientais do pó, desde as tempestades de areia do Sahara à dust bowl dos anos 30 no Oklahoma, ao pó tóxico gerado na demolição das torres do World Trade Centre. Os aspectos fenomenológicos, filosóficos e mesmo artísticos da cultura do pó são explorados em entrevistas com artistas e coleccionadores. Ao examinar em detalhe algo que nos rodeia na nossa vida do dia-a-dia mas ao qual não prestamos grande atenção, Pó dá-nos uma nova apreciação do modo como este afecta o nosso corpo, o ambiente e mesmo o cosmos, permitindo-nos uma outra forma de ver o mundo. “A particle of dust is only perceptible to the naked eye. It’s the smallest subject about which it’s possible to make a film – it’s a means of disappearance and a criterion of perception. Wherever we go, it takes the best of us; wherever we turn, it follows us. It’s our past, our present and our future. It’s universal and has a name in every language. It keeps housewives busy, as well as scientists, inventors, artists and industrial sectors which are dedicated to it. It is accused of feeding worms and of causing diseases. It becomes the owner of what we own, it penetrates laboratories, it creates planets and galaxies. We are surrounded by it, it’s inside of us and we get rid of it. It nestles in the despair of its own existence”, wrote Bitomsky about his latest film. In examining several kinds of dust, including microscopic particles invisible to the naked eye, this film questions several scientists – botanists, biologists, meteorologists and astronomers – who conduct research into the sanitary and environmental consequences of dust, from sand storms in the Sahara to Oklahoma’s Dust Bowl in the 30’s, to toxic dust generated in the collapse of the World Trade Centre. The phenomenological, philosophical and even artistic aspects of the culture of dust are explored in interviews with artists and collectors. By examining in detail something that surrounds us in our daily life, but to which we pay no attention, this film offers us a new perspective on the way in which it affects our body, the environment, and even the cosmos, allowing us to see the world in a new way. 11 Angela Ricci Lucci e Yervant Gianikian Dal polo all’equatore Itália, 1986, 101’ | Sem diálogos O filme é dedicado a Luca Comerio, um pioneiro do cinema italiano que morreu aos 66 anos em 1940, completamente esquecido e a sofrer de amnésia. O filme é composto por material encontrado num estado de amnésia química (como refere o genérico). Foi na Primavera de 1982 que Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi descobriram este tesouro inflamável que salvaram da destruição. Demoraram cinco anos para compor esta longa viagem pelo começo do século XX, o século do comboio, o resultado e instrumento das suas conquistas, do colonialismo e das guerras. O filme abre com as imagens espantosas de um comboio a percorrer as montanhas Tirolesas. Ao passar pelo primeiro túnel dáse uma passagem iniciática do preto para o vermelho sangue, depois para o preto-e-branco – o comboio vai conquistando a terra. Um travelling que é prolongado pela imagem de um barco que quebra o gelo da Antártica. Na superfície gelada, um caçador dispara à queima-roupa sobre um urso polar. Atingido, transfixo, cai e volta a levantar-se em toda a sua grandeza para cair logo depois. Violência cometida pelos homens sobre os animais, violência do homem contra o homem. Este é o tema desenvolvido pelos realizadores ao som dos ritmos repetitivos e assombrosos da música de Keith Ulrich e Charles Anderson. Mostram-se aspectos da conquista do mundo, das mentes, dos corpos e das massas; das representações colectivas e dos sistemas de opressão. Sentimos vontade de ver uma e outra vez este filme inesgotável que percorre continentes, com passagem pelas memórias das nossas histórias humanas, comoventes e surpreendentes. This film is dedicated to Luca Comerio, a pioneer of Italian cinema who died in 1940 at age 66, completely forgotten and suffering from amnesia. The film is made up from material found in a state of chemical amnesia (as mentioned in the opening titles). In the spring of 1982, Yervant Gianikian and Angela Ricci Lucchi discovered this flammable treasure, which they saved from destruction. It took them five years to compose this long journey through the beginning of the 20th century, the century of the train, the result and instrument of its conquers, of colonialism and war. The film begins with amazing footage of a train travelling through the Tyrolean Mountains. When it passes through the first tunnel, there is a passage of initiation from black to blood-red, and then to black and white – the train conquers the land. A tracking shot that is prolonged with the image of a boat that breaks the ice in Antarctica. On the frozen surface, a hunter shoots a polar bear pointblank. Hit, transfixed, the bear falls down, then stands up again in all its greatness, only to fall down again afterwards. Violence perpetrated by men against animals, men’s violence against men. This is the subject explored by the directors to the sound of the repetitive and astonishing rhythms of Keith Ulrich and Charles Anderson’s music. The film shows aspects about the conquering of the worlds, of the minds, of the bodies and of the masses; of collective representations and oppression systems. We feel the urge to see, over and over again, this inexhaustible film which travels through continents and through the memories of our humane, touching and surprising stories. Io ricordo Itália, 1997, 11’ | VO em italiano legendada electronicamente em inglês Em primeiro plano, de perfil, vemos Raphaël, o pai de Yervant Gianikian, a ler um excerto das suas memórias, que vai traduzindo do arménio. Plano fixo de cerca de oito minutos, no qual o filho ocupa um lugar ao fundo da imagem. Impassível e concentrado, ele é o segundo ponto que sustenta este triângulo, sendo o terceiro a câmara, para onde Raphaël olha a um dado momento. É Angela Ricci Lucci que filma e é sem dúvida uma cena de família, em que se relata uma memória, que nos diz da passagem da sua cultura original arménia à sua cultura de adopção, italiana. Mas mais do que isso, Io Ricordo é In the foreground, we see Raphaël, Yervant Gianikian’s father, reading an excerpt from his memoirs, that he translates from the Armenian. The camera is still for about eight minutes, during which the son occupies a space in the background. Impassive and focused, he is the second point which sustains this triangle, the third being the camera, at which Raphaël looks for a moment. Angela Ricci Lucci is filming, and it’s undoubtedly a family scene, in which a memory is told, a memory which tells us about the passage from his original culture, the Armenian culture, to his adoptive one, the 12 Angela Ricci Lucci que filma e é sem dúvida uma cena de família, em que se relata uma memória, que nos diz da passagem da sua cultura original arménia à sua cultura de adopção, italiana. Mas mais do que isso, Io Ricordo é sobre a transmissão de uma narrativa de uma geração a outra. Esta narrativa, na forma minuciosa como descreve uma vingança sangrenta, põe em campo duas culturas, arménia e muçulmana, nas quais serviu o pai do realizador, escravo cristão numa comunidade curda. Os três últimos minutos mergulham-nos na atmosfera de recolhimento do mosteiro de Geghard na Arménia soviética, num efeito de ruptura que ganha a dimensão de uma reflexão metafísica: três velas e o canto grave de um amigo é a resposta dialéctica e cristã ao absurdo da violência humana. Angela Ricci Lucci is filming, and it’s undoubtedly a family scene, in which a memory is told, a memory which tells us about the passage from his original culture, the Armenian culture, to his adoptive one, the Italian culture. But, moreover, Io Ricordo is about the transmission of a narrative from one generation to another. This narrative, in its detailed description of a bloody revenge, presents two cultures, the Armenian and the Muslim, in which the director’s father served, a Christian slave in a Kurdish community. The last three minutes immerse us in the secluded atmosphere of the Geghard Monastery in soviet Armenia, with a rupture effect that takes on the dimension of a metaphysical reflection: three candles and the deep singing of a friend – this is the dialectical and Christian response to the absurdity of human violence. Uomini, anni, vita Itália, 1990, 70’ | Sem diálogos Este filme que tem por base o diário do pai de Gianikian, constitui um marco na obra do casal. Mostra através de imagens de arquivos russos a história emblemática do povo arménio. Mas o que é que se vê? 1915: o Cáucaso em chamas, exércitos que desfilam, cenas de luto… Depois volta atrás: São Petersburgo em 1906. O fim de um reino faustoso pressentido através de uma marcha ao mesmo tempo solene e fúnebre. Depois o triunfo do comunismo. Paz aparente na Arménia. 1935, o realismo soviético impõe a sua visão do mundo. Por fim, regresso a 1918: o êxodo dos Arménios do Azerbeijão. Sobre o filme, escreveram os realizadores: “É impossível não recordar as longas esperas e as viagens, por vezes inúteis, para encontrar os materiais para o filme. O desejo de procurar documentos filmados sobre a história dos arménios, dos seus contornos. Eventos transmitidos pelas histórias de família e pelos diários no exílio. Reunir material disperso, espalhado como o próprio povo arménio, em perpétuo movimento. Durante a pesquisa surgiram excertos de filmes perdidos que alargaram o âmbito da ideia inicial. Vêm à luz imagens de acontecimentos históricos em todo o continente russo, escondidos até agora. O arco temporal da preparação e da realização do filme começa em 1987 com uma viagem na Arménia soviética e prossegue depois com um pogrom e um terramoto, em paralelo com o terramoto político na ex-União Soviética. Simbolicamente, no prólogo do filme, num quadro vivo, surge a Santa Mãe Rússia, figurada. Abraça e domina os povos do Cáucaso. Cristãos e muçulmanos estão ajoelhados aos seus pés, mantidos à distância pela sua espada.” This film, which is based on Gianikian’s father’s diary, is a milestone in the directors’ work. Using images from Russian archives, it shows the emblematic story of the Armenian people. But what is showed? 1915: the Caucasus in flames, armies marching, scenes of mourning… Then, we go back: Saint Petersburg in 1906. The end of an ostentatious kingdom sensed through a march, both solemn and funereal. Afterwards, the triumph of communism. Apparent peace in Armenia. 1935, Soviet realism imposes its world vision. Finally, the return to 1918: the exodus of the Armenian people from Azerbaijan. About the film, the directors wrote: “It’s impossible to forget the long waits and journeys, sometimes useless, that we had to endure to find materials for the film. The desire to search for filmed documents about the history of the Armenian people, its contours. Events passed on by family stories and diaries in exile. Gathering disperse materials, scattered like the Armenian people, in perpetual motion. During the research, excerpts from lost films were found, which expanded the scope of the original idea. Images of historical events from all over the Russian continent, which had been hidden until now, come to light. The timeline of preparing and making the film starts in 1987 with a journey in soviet Armenia, and continues afterwards with a pogrom and an earthquake, together with a political earthquake in the former Soviet Union. Symbolically, in the film’s prologue, in a living picture, Saint Mother Russia appears, figuratively. She embraces and dominates the peoples of the Caucasus. Christians and Muslims are kneeling down at her feet, and are kept 13 Rússia, figurada. Abraça e domina os povos do Cáucaso. Cristãos e muçulmanos estão ajoelhados aos seus pés, mantidos à distância pela sua espada.” Saint Mother Russia appears, figuratively. She embraces and dominates the peoples of the Caucasus. Christians and Muslims are kneeling down at her feet, and are kept at a distance by her sword.” Nocturne Itália, 1997, 18' | Sem diálogos “Tout pour moi devient allégorie.” – é com esta citação de Baudelaire que os realizadores começam nocturne, filmado na antiga Jugoslávia. O filme é composto por três sequências filmadas à noite, fragmentos do quotidiano em que a guerra é invisível. O primeiro mostra uma reunião de ciganos, a segunda um grupo de jovens numa varanda a desempacotar uma aparelhagem e a terceira encerra o filme com imagens de arquivo que mostram uma mulher em imagens lentas e tintadas de azul. Estas cenas apenas se relacionam com a guerra através da sua interpretação alegórica. Os realizadores parecem querer dar a quem vê um grande espaço de interpretação. Os planos dos ciganos a celebrar podem ser lidos quer como imagens de uma minoria perseguida, quer como uma metáfora de uma coexistência pacífica em sociedade. “Je ne vois qu’infini par toutes les fenêtres,” diz uma legenda. Em nocturne, a vista através de uma janela abre literalmente mundos e interpretações infinitas. “Tout pour moi devient allégorie”. It’s with this quote from Baudelaire that Nocturne, filmed in former Yugoslavia, begins. The film consists of three sequences filmed at night, fragments of everyday life in which war is invisible. The first one shows a gipsy meeting, the second shows a group of young people on a balcony unpacking a stereo, and the third concludes the film with archive images that show a woman in slow, blue tinted images. These scenes only relate to war through their allegorical interpretation. The directors seem to want to offer the viewers a large space for interpretation. The images of the gypsies celebrating can be read as images of a persecuted minority, or as a metaphor of a peaceful coexistence in society. A subtitle says: “Je ne vois qu’infini par toutes les fenêtres”. In Nocturne, the view seen from a window literally opens up infinite worlds and interpretations. Ghiro Ghiro Tondo Itália, 2007, 61’ | Sem diálogos Uma colecção de brinquedos de criança feitos de diferentes materiais: madeira, metal, papel, tecido, giz, plástico e cera. O filme engloba o período que vai desde o fim da Primeira Guerra Mundial até aos anos 50. Todos os objectos foram encontrados nas Dolomitas, a cadeia montanhosa dos Alpes orientais no norte de Itália, numa aldeia que até à Primeira Guerra Mundial pertencia à Áustria. Os objectos têm origem na Europa Oriental, Norte de Itália, Rússia e Japão. As características comuns destes objectos de diferentes regiões são evidentes. A colecção é formada por categorias: humana, animal e vegetal de diferentes tamanhos. A qualidade intrínseca destes objectos reflecte o período histórico que medeia entre o Fascismo, o Nazismo e o pós-guerra. As imagens são vistas através de uma lupa. Através destes objectos enrugados e diminuídos emergem elementos não só de um mundo rural e camponês, de um mundo de trabalho agrícola relacionado com os animais e os bosques, mas também de um mundo de tarefas domésticas relacionadas com a casa e os seus espaços, do artesanato tradicional e do seu comércio. Distinguimos igualmente A collection of children’s toys made from different materials: wood, metal, paper, fabric, chalk, plastic and wax. The film covers the period from the end of World War One until the 50’s. All the objects were found in the Dolomites, the mountain chain in the Eastern Alps, in Northern Italy, in a village which, up until World War One, was a part of Austria. The objects originate from Eastern Europe, Northern Italy, Russia and Japan. The common features between these objects from different regions are obvious. The collection is formed by categories: human, animal and vegetable world, of different sizes. The intrinsic quality of the objects reflects the historical period between Fascism, Nazism and the post-war period. The images are seen through a magnifying glass. From these wrinkled and damaged objects emerge elements not only of a rural, farming world, a world of agricultural work related to the animals and the woods, but also of a world of household tasks related to the home and its spaces, a world of traditional craftsmanship and its trade. We can also recognize elements of folklore and of popular and 14 também de um mundo de tarefas domésticas relacionadas com a casa e os seus espaços, do artesanato tradicional e do seu comércio. Distinguimos igualmente elementos de folclore e dos costumes populares e religiosos. Um catálogo de 10.000 brinquedos que sobreviveram à infância destruída pelas duas grandes guerras, a miniaturização de materiais humildes com a sombra ameaçadora do fascismo e do nazismo sempre à espreita. Mas que relação tem o filme com a obra dos realizadores que passaram vinte anos a reescrever a história do século XX através da montagem de arquivos documentais ou privados, denunciando as ideologias fascistas e belicistas sempre à beira da eclosão? Mais uma vez a tentativa de esquemas redutores, quer sejam sociais, políticos, religiosos através dos brinquedos “inocentes”. Foi Roland Barthes que nos lembrou que outras mãos usaram estes jogos, mãos hoje desaparecidas, feridas ou instrumentalizadas pela loucura dos homens. tasks related to the home and its spaces, a world of traditional craftsmanship and its trade. We can also recognize elements of folklore and of popular and religious traditions. A catalogue of over 10,000 toys which survived the childhood destroyed by the two World Wars, the miniaturization of humble materials with the threatening shadow of fascism always hanging over them. But what is the relation between the film and the directors’ work, who spent twenty years rewriting the history of the 20th century through the editing of documental and private archives, denouncing fascist and warmongering ideologies constantly on the verge of outbreak? Once again, attempting reductionist schemes, whether social, political or religious, through “innocent” toys. It was Roland Barthes who reminded us that other hands have used these toys, hands that disappeared, were hurt or instrumentalised by men’s insanity. Frammenti Elettrici n.4 - n. 5 Asia - Africa 2005, 63' "Frammenti Elettrici n. 4 e n. 5 Asia - Africa consiste de imagens de arquivo dos anos 70 que revelam a turbulência social e as diferenças entre os povos em diferentes países asiáticos e africanos. Os planos, feitos por amadores reflectem as condições económicas e sociais nestes países antes do seu desenvolvimento como áreas turísticas, e dos seus povos antes de serem afectados pela devastação e pela guerra. As imagens são indiferentes a um sofrimento que parecem ignorar e que tem de ser revisto com o conhecimento e a distância da actualidade." (Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi) Estamos no início dos anos 70 e o turismo de massas substitui as expedições coloniais. As câmaras de Super 8 tomaram o lugar das armas que marcaram a sua obra mais conhecida Do Pólo ao Equador. Uma vez passada a surpresa – pela primeira vez somos quase contemporâneos destas imagens e as viaturas que cruzamos no Paquistão e que vemos hoje em inúmeras reportagens –, encontramos o gesto cinematográfico, à vez poético e político, dos cineastas. Por um lado, somos mergulhados no fascínio das imagens, embalados pelo ritmo hipnótico da montagem e por outro na perplexidade: para lá da beleza destes belos e cuidados reenquadramentos, os cineastas instalam a dúvida. E se estes turistas, que também nós somos tantas vezes, fossem os herdeiros desses conquistadores do espaço e do tempo que foram os nossos antepassados? Numa homenagem aqueles que foram filmados, capturados por essas imagens, os Gianikian retêm um olhar, uma pose "Frammenti Elettrici n. 4 e n. 5 Asia - Africa consists of archive images from the 70’s which show the social turmoil and social differences between people in several Asian and African countries. The images, filmed by amateurs, reflect the economic and social conditions in these countries before their development as touristic destinations, and the conditions of their people before they were affected by devastation and war. The images are indifferent to a suffering they seem to ignore, which has to be reanalysed under the light of the knowledge and the distance of the present." (Yervant Gianikian and Angela Ricci Lucchi) It’s the beginning of the 70’s and mass tourism replaces colonial expeditions. Super 8 cameras replace the guns that marked their most well-known work, From the Pole to the Equator. After the surprise – for the first time, we are contemporary with these images and with the cars we come across in Pakistan and see in several news reports –, we find the filmmakers’ cinematographic gesture, at times poetic and at times political. On the one side, we are immersed in the fascination of the images and charmed by the hypnotic pace of the editing, and, on the other hand, in perplexity: beyond the beauty of these amazing and careful reframings of the images, doubt sets in. What if these tourists (ourselves, sometimes), were the heirs of those conquerors of time and space – our ancestors? In a tribute to those who were filmed, captured in those images, the Gianikian retain a vision, an attitude, which is a form of challenge. 15 fossem os herdeiros desses conquistadores do espaço e do tempo que foram os nossos antepassados? Numa homenagem aqueles que foram filmados, capturados por essas imagens, os Gianikian retêm um olhar, uma pose que nos diz de uma forma de desafio. Quer estejamos na Indonésia, perto desses palácios destruídos há poucos anos pelo tsunami, ou no Senegal, os olhares defendemse e por vezes acusam. Entretanto surgem novos troféus, as piscinas aparecem cheias de gente e o comércio parece funcionar como sempre... (Bertrand Bacqué) sometimes), were the heirs of those conquerors of time and space – our ancestors? In a tribute to those who were filmed, captured in those images, the Gianikian retain a vision, an attitude, which is a form of challenge. Whether we are in Indonesia, near the palaces destroyed a few years ago by the tsunami, or in Senegal, the eyes defend themselves, and sometimes, they accuse. In the meantime, new trophies appear, the pools are filled with people and business is done as usual... (Bertrand Bacqué) Susana de Sousa Dias 48 Portugal, 2009, 93' | VO em português com legendas em inglês O que pode uma fotografia de um rosto revelar sobre um sistema político? O que pode uma fotografia de um rosto tirada há mais de 35 anos dizer sobre a nossa actualidade? Partindo de um nucleo de fotografias de cadastro de ex-prisioneiros políticos da ditadura portuguesa (1926-1974), 48 procura mostrar os mecanismos através dos quais um sistema autoritário se tentou autoperpetuar. “48 procura, assim, operar na zona entre o que a fotografia mostra e o que ela não revela; mas também entre a analogia e o estranhamento, o enunciado e o vivido, a imagem e a memória. Pois estas fotografias também são tempo: o tempo contido dentro da fracção de segundo em que o preso enfrenta o opositor; o tempo que nos permite entrar dentro do universo enclausurante das prisões políticas e estar dentro do instante onde se cruza o outrora com o agora; um tempo múltiplo que extravasa as noções de passado, presente e futuro.” (Susana de Sousa Dias) What can a photograph of a face reveal about a political system? What can a photograph taken over 35 years ago say about the present? Starting off from a set of photographs from the criminal records of former political prisoners during the Portuguese dictatorship (1926-1974), 48 tries to show the mechanisms through which an authoritative system tried to perpetuate itself. “48 tries to work in the area between what the photograph shows and what it doesn’t reveal; but also, between nostalgia and strangeness, between what is stated and what is experienced, between image and memory. Because these photographs are also time: the time contained inside de fraction of a second in which the prisoner faces his opponent; the time that allows us to enter the suffocating universe of political prisons and remain inside that moment in which yesteryear meets nowadays; a complex time which goes beyond the notions of past, present and future” (Susana Sousa Dias) 16 17 Hartmut Bitomsky Restoring the quality of realness to the cinema: an interview with Harmut Bitomsky Theo Bromin You have been classified among those referred to as essay film-makers. Perhaps that is a misunderstanding. I make documentary films, and the documentary film is for me still a useful concept, which covers a very large number of possibilities. An essay film creates its own subject; in a way it invents its subject in the process of making the film. It establishes and determines the subject. Whereas the documentary film refers to a subject that exists independent of it and has been established by reality. But can you clearly separate the two? That’s a very good question. They can’t be clearly separated because film is not a science and it’s not literature. I recall something that Pavese wrote in his diary, a demand he made on writing which film is actually much better capable of satisfying. He demands that the analysis should not be openly pronounced, but rather it should be allowed to develop, in a rhythmic way, from an intricate, connected grasp of reality. Intricate and connected! The analysis must be included in life. Sometimes life is also enveloped by the analysis... I’m thinking about Chris Marker. Nothing against Chris Marker, Joli May is a wonderful film. Even if everything in it really refers to Sans Soleil. At first sight Joli May appears to be quite formless. The film is actually a deterioration of form. It is a television documentary, a film made of compiled material, a report, a travel film, a documentary film, a propaganda film, a newsreel, an essay... 18 … And a film d’auteur, mixed with the author’s own private mythology. All of this can be discovered in it. It creaks at the joints and bursts at the seams, like an animal before shedding its skin. And the flow of speech of the commentary, enhanced and inspired by the pictures, is spoken over it, here it is spoken over the pictures, yes, and at the same time it is a bit like reflecting in public. And he has a political passion, an absolute, unbroken vote, and he speaks out. Then there is the unforgettable scene of the man painting the mountain while hanging from a rope, as if the rock were a canvas – the painter is sitting down below in the valley on the veranda with a microphone in his hand and is giving him instructions over the loudspeakers. His orders are heard echoing throughout the valley. There is also something that recalls your films – the compilations, quotations from other films, found footage that was reactivated, Castro in the Sierra Madre. And comics, animated freeze frames, just for fun in between times. You won’t find comics in my films... But the commentary sometimes comes like a speech balloon, and then it floats like a strange distortion, as imagination above the pictures. Hmm. Did Chris Marker influence you? Yes, he did, but only later. Of course the French cinema of the sixties influenced me. Going to the cinema back then meant coming to terms with the Nouvelle Vague. That was Breathless, Les Quatre Cent Coups, Godard. Truffaut... And The Little Soldier, Carabineri, Nana S., and Chabrol – Les Bonnes Femmes, and a couple of people in the wrong place like Rouch and Rozier. The Nouvelle Vague turned the whole of the cinema, as it had been viewed up to then, upside down. We had to approve of it and also to deny it. All of a sudden everything appeared to present itself to our view as something new and unscathed. And this view divided the cinema. Depending on your position, you had to say yes to one thing but then also say no to something else. 19 As a general fact you could rediscover that the basis of film is the camera shot. A film is a series of camera shots that sometimes hang together and sometimes move apart from each other. That is a lesson that I’ll never forget. Unfortunately, the camera shot has sort of got lost in the documentary film, under the influence of the Direct Cinema in the United States. The Americans have said that it should be thrown out, that nothing should indicate that a film is being made, and everything should appear as if at the moment of filming no camera had been at hand. First and foremost, I view myself as a film-maker, as someone who takes pictures of things and deals with pictures of things. What other lessons did you learn from the Nouvelle Vague? That you have to keep pace on an intellectual level with what you do as an artist; that you have to know that every story has already been made into a film and that only new variations are being told; that a camera shot in a film not only forms the one situation that has taken place in front of the camera, but it also forms other camera shots that come from other films. Pictures are made from things, but they are also made from other pictures. A film, I once wrote, is the struggle between reality and symbol. A view that Bazin and Rossellini would attack... I know. They have not considered that there are lost forms, which are destroyed when they are removed from the cast. Is not the scene in Viaggio in Italia overwhelming, where Ingrid Bergmann breaks down crying and runs away when in Pompeii the lovers, in a nocturnal embrace, are removed from the two thousand-year-old ashes covering them? That is one of the greatest moments that there has ever been in film. Because Rossellini doesn’t tell you this, you have to learn to understand yourself what you are seeing on the screen. You have to experience despair yourself. I don’t quite follow you. Do you mean that there is an unconscious film story which is lost in every new film and yet is kept and reproduced? And does that mean that every new film is nothing more than a new form that will become lost? That’s right. Most of the time it is even an undeserved favor when a film is lost and no one can remember anything about it, not even all the reasons why it was once showered with praise. Rossellini... 20 This is the warm current that went through the Nouvelle Vague. Without his films the cinema would have got stuck in the B-pictures in Hollywood or with Hitchcock. Rossellini gave back to the cinema concreteness and realness, the material namely that photography and cinematography need. Now you have to ask me about my documentary method. Your films have always been solidly researched. First of all, you have to press forward and reach the object – it doesn’t just present itself on a silver platter, but rather it needs to be conquered. First you have to develop knowledge, study things from all angles and then accumulate ideas, accumulate them and forget them and then discover them again. There are no rules written down somewhere, and this is how the work on a documentary film begins. From this, some draw the conclusion that it would be best to know nothing at all in advance, so as to approach the subject with a totally unbiased attitude and to put oneself and the film at its mercy. However, I believe that every kind of ignorance is dreadful and leads to nothing but stupidity. With a documentary film there is no script, at least not beforehand. Doesn’t this mean that you are necessarily stupid and ignorant? You don’t yet know the script – it has to be developed during the filming. The author of a film writes his script from the future back into the present time of the filming. You shoot the film, but you don’t know what you’re creating. In a certain sense the film is buried in all the material that is acquired when filming, and later during editing it first has to be dug out again from among all the pictures and sounds that are all rolled up in those cans and boxes. This leads then to this other idea, that actually every documentary film is made twice. First if is made during shooting – that which in the moment of filming you have access to, that which offers itself to the camera and which is the situation. And finally when the material is edited, a very specific version is worked out. When editing, all the material is found footage, that is, pictures that were made for a specific purpose, intended for specific contexts and provided with a meaning and an idea – but all this doesn’t necessarily mean that this has been accomplished in the material. Maybe there’s a totally different film buried in the material than was envisaged during the shooting, and this film first needs to be discovered. When editing, I treat everything that I’ve filmed like a quotation, like a film clip that has been passed on to me, and now I first have to look at what it wants to show me. Every documentary film thus becomes a compiled film, one that is made of found material. 21 Exactly. So, when in a documentary film there is the chance to cast an innocent look at the object, a look which approaches it in a completely unbiased manner, then it is when the film is being edited. Unfortunately, most of the time an attempt is made through the editing to make the evidence conclusive that usually the film-maker has already offered before shooting the film, regardless of whether the material can provide this or not. Sometimes a completely different film was made than the film-maker thought and wanted to admit, and then this film is suppressed in the editing room. I have noticed that your films always embark on a path. The subjects suggest a distance, and they have an extended way, a route, which the film then follows. The connecting thread, the narrator that is worked into the story, the guide. Dante needs Vergil in order to show us what hell looks like. I think that every film is a map on which a way has been marked out. In a good film a clever way has been chosen, which leads us past a number of places that invite us to cast a look aside. That is why I look for subjects that mark out this path for us, like the production lines in The VW Complex. When the subject has this sort of extending movement, then the film sets, so to speak, itself in motion. It’s like a river that passes by the camera. in Hartmut Bitomsky: Retrospective, Goethe Institut München, 1997 The documentary world Hartmut Bitomsky Films are not alone. They live in an environment of wonderful moments. One, for example, is in Flaherty’s The Land, when a child takes a little piece of bread and wipes the last remaining bit of sauce from his plate. There is the scene of a sandstorm in Turksib by Viktor Turin: the figures are seen crouching down behind the bodies of the camels, and the bulging bales of cotton burst open. The sand buries and suffocates a whole caravan. At the end only a couple of pieces of white fluff remain, which are blown about over the dunes by the wind. We know nothing about the people nor about the covering letters that they were carrying under their jackets. The greatest tragedies always probably occur in a state of anonymity; it is not necessary to have individuals and persons in order to speak about the human condition. 22 There is the smile of Nanook, the Eskimo whom Flaherty got to play himself, but who in smiling into the camera stepped out of his role, and in doing so created what many would like to call the documentary moment, the moment of truth that only cinematography can create. There is the circle of faces that Eisenstein in The General Line has gathered around a separator, the device that removes cream from milk. In the spinning movement of critical emotions a clarity shows in the faces of the farmers. One can see the smoothness of the features, the swaying of firm opinions and the hardness of the singular character. Another film is Las Hurdes [Land Without Bread], which impresses me because of its incorruptible pitilessness. It does not ally itself with poverty, nor does it blur the difference between film-making and the filmed subject There is the bird that flies up from a branch, startled in anticipation of the pealing of a bell, which Basil Wright only includes later in the film when he adds the sound track to Song of Ceylon. From Franju we learn that even in the cruellest moments, there is something like a condition of mercy in which everything has a part – people and things – even in the shabbiest and most despicable state. There is Vigo, who during every take in A propos de Nice cannot conceal how filming has made him so excited, and the cheerfulness that overcomes him in view of the fact that someone with a maimed hand takes part in a game that nonetheless requires dexterity. In Forest of Bliss Gardner describes to us the world in its total unintelligibility and incomprehensibility. People develop activities, carry out plans and ritually obey regulations and laws, and yet there is no real reason why things have to happen the way they happen. Nothing must be the way it is. In a Kinopravda [cinema-truth] by Vertov, a person is seen crossing the wide street, and the camera moves with him showing his movement in great detail, in order to let us see exactly how crossing a street takes place – as if this walking movement were the most important event happening at this moment in the world. There is Grierson, who in Drifters, as sailors at sea wake up in the morning blinking their eyes, inserts shots of houses situated on the beach, as if the seamen with a feeling of longing are trying to salvage their last dreamy thoughts or home from the depths of sleep into the reality of the day. And there is also the cheerfully light, almost carefree film-making style of Jean Rouch in Chronique d’un Été, with his nearly brazen use of an obsolete grammar of film to treat a unsuitable subject. We also have the media of film to thank for showing us that people are no more than masks, masks that bear an extraordinary resemblance to themselves. What they do in film are simply 23 attempts to acquire a physiognomy through their work – one could also say, attempts to make a grimace at the world. That is the society in which I see my films. 1. The work of an artist, says Lévi-Strauss, is engaged in a threefold dialogue. First of all there is the dialogue with the audience or, as it is referred to these days, with the user, which is a halfway acceptable term. However, when we consider the many misunderstandings, the wrongly understood and forgotten and rediscovered works, the outrage of scathing reviews, the condemnations, the attacks of the censors, the scandalous events, the ridiculing and mutilation, then it becomes clear how difficult and controversial this dialogue is. And perhaps it must be this way, confused and erratic. This illustrates clearly the extent to which indeed all communication also contains an element of unreconciled opposition and conflict. In a work of art this might even appear to be enlarged. The reason for this seems in part to lie in exactly the other two dialogues that the work maintains. One of these dialogues refers to the depicted things, the represented objects, the model (Lévi-Strauss uses the term model here, because he is referring to paintings and sculptures in the fine arts; for similar reasons Bresson, incidentally, also calls his actors and actresses models). From a broad perspective this is a dialogue with the world and with reality, which the artist confronts together with his work of art, and which attempt to gain entry to the work in various ways. Finally, the third dialogue deals with the artistic material that the artist has, or does not have, at his disposal he material that he must select or master. For the filmmaker this artistic material consists of the camera, the lens, filters, light, sound and editing, and the whole history of film and all methods of making a film that exist or that do not yet exist. 2. In the dialogue with the artistic processes there appears something that in another place would be called the aesthetic resistance. The work of art gives to things a particular form, one that they do not bring with them naturally – it first has to be given to them, and sometimes in a really violent way. A situation is not simply filmed; the images, the shots have to be worked out. Eisenstein speaks of the film shot, and thus of filmmaking in general, as knocking out a piece of reality by means of the lens. This is related to Michelangelo’s dictum, according to which the statue may indeed already be contained within the block of marble, but the superfluous parts would still have to be hammered away. In Man of Aran Flaherty shows how a small boy catches fish from high above in the cliffs. The boy is wearing a 24 balloon-like cap. He smiles as he removes it, and he has to take it off because under the cap he keeps his bait – live shrimps. Having no fishing rod, he extends his leg outward and lowers the line down to the water between his toes. In order to show all of this, perhaps three of four shots would have sufficed. One long shot for general information, a close-up of the boy, another one of the foot, then another long shot and the episode would have been clear to anyone. Flaherty, however, shot the scene from all sides, from the front, from the side, from the back and again from the front, from above and from below; he repeats takes, re-edits and cross-edits them. He really has the boy work in front of the camera. This method has, of course, a delaying effect, completely in the style of Flaherty’s slow procedure, referred to as slight narrative. This can be called the putting up of aesthetic resistance. Just as in music a phrase is modulated again and again, the film images, as if they wanted to be heard from all sides, spread out in every conceivable direction, until it becomes evident that here Flaherty is comparing the work of the boy with that of film-making, and that the one type of work is just like the other, as if there is a close affinity between them. 3. The third dialogue is the dialogue with the subject, with the object in the lens, with reality, the dialogue with the world. What happens in front of the camera at the moment of filming is the domain of the documentary film. The camera is aimed at objects that exist independent of it and of the situation in which the filming is taking place. It is fixed on the material world, in a visibility of its own. With a certain justification it can be assumed that the documentary film works with readymade objects: things that already exist, that are prefabricated in a particular, already developed form and state, and with a separate history; things that have their own distinctive right to exist, that have developed in a specific (even if perhaps unknown or only vaguely suspected) context to become what they are. I call this development a primary production, by which I also truly understand the process of a person’s life, the production of his biography and physiognomy, his individuality, his character and his fate. The film-maker – by making a picture and by recording a sound – tears the subject out of its original context, sometimes in quite a violent way but sometimes without leaving behind a distinct mark (which is what happens with ready-made objects in the strict sense of the term), and places them in a new context and into another structure. This is what I term secondary production or the aesthetic production (it can well be minimalist or, in accordance with the theories of Direct Cinema, consist more of an avoiding of the aesthetic element). 25 Grierson once defined the documentary film as a creative treatment of actuality – whereby creative treatment could indeed refer to what has here been called the second aesthetic production and should certainly be associated with Levi-Strauss dialogue with the artistic material. Behind the concept of actuality there appears once again the completed substance of reality, as it is also suggested in the term ready-made object. It is from this consideration that the idea of the primary production was developed In keeping with this idea Siegfried Kracauer in his most important work, Theory of Film (which bears the subtitle "The Redemption of Physical Reality”), distinguished between the two fundamental categorical functions of film, namely a recording function and a revealing function. This certainly goes along with Dziga Vertov’s dual appeal to film: it is to capture the world as it is, and at the same time it must decipher it. How can, however, this registering and the revealing, the reproduction and the deciphering tally in this equation? When Joris Ivens unexpectedly encountered difficulties during the production of a film a while ago, he believed to have discovered that the aesthetic production was definitely derived from reality. The task involved filming some workers as they were in the process of moving basalt rocks, but somehow Ivens was not able to correctly capture the work in pictures. So, he looked for a way of gaining access to the action in that he performed the work himself, and this gave him information about how to go about filming the subject: "I noticed that the greatest exertion was in the shoulder muscles and in the chin. Thus, to film this action, these places had to be emphasised because they are an organic part of the work. From then on the camera, the angle of shooting and the composition of the picture were all determined by these muscles and the chin. They became something like two focal points of the action. The photography is determined by reality and not by my aesthetic efforts to obtain a well-chosen balance between line and light. But then it was precisely this realistic viewpoint that was the most beautiful one. I could not film the stoneworkers before I had understood the physical exertion involved in their work." Although it cannot be denied that Ivens insight has a certain, almost touching persuasiveness about it, nevertheless there are doubts that the standpoint of the work and the standpoint of the film-making could simply coincide. The reason for this is that pictures do no just come from the things they depict; they also originate from other pictures, and this origin cannot be placed in a picture. 4. Another film by Ivens, namely De Brug (The Bridge was his first film, which one notices because of his particular fascination with pictures) elucidates the problem from another point of view. The film, as the title indicates, is all about only one thing: a bridge. The one 26 here is a lift bridge, which is raised so that large ships with high superstructures can pass under it. The film shows all views and aspects of the bridge, every single element and each individual function during the construction of the bridge. One would almost like to say that each detail corresponds to a camera shot, just as the bridge itself corresponds to the engineers’ detailed plans according to which it was constructed. Indeed, one could say that the film is a blue print of the bridge – it is created before our eyes a second lime, and this time it is not to be used by pedestrians or by railway passengers, but rather to be looked at. This leads us to consider that a documentary film does not simply reproduce reality, but rather causes it to be created visually once again: it shows us how reality is created. What we perceive is the creation of reality, the creation of a second reality. Jean Rouch, who with his cinéma vérité worked on exactly the problem of how to record and reproduce reality, was incidentally led to the concept of cinétrance by a similar realisation. The concept cinétrance describes the fact that when a piece of reality and a camera are brought together, something new is created, something that would not exist if the camera were not present. 5. This conclusion causes, of course, a certain uneasiness and invites us to contradict it. With the documentary film there is an almost yearning expectation of reality, enlightenment and truth. In the same way there is also its opposite, namely a disappointment and a discontent of all those truths and realities that are brought to the surface in the documentary idiom. Chris Marker once described this conflict as two fundamental ways of behaving, which the documentary film synthesises. On the one hand the film-maker behaves in a modest way towards reality and accepts it as it is. On the other hand, however, he determines beforehand what reality has to be – and when in fact it does not correspond to this, then reality is just wrong. In other words, first reality is accepted, and even more than that, it is held as if in a tender embrace; then it is rejected and denied. In "Let Us Now Praise Famous Men" written by James Agee there appears a photo of a pair of torn-up shoes, which was taken by Walker Evans. This photograph puts the observer in an almost paradoxical situation. It is apparent that the shoes have reached the end of their usability, and they are looked upon as someone’s wretched belongings, as poverty that is naked and above all dispossessed of its usefulness. We revolt at the sight of them. Nevertheless, at the same time these shoes have a unique preciousness: they are real shoes and they have a true life-story. They were not devised nor specially produced for the picture: they are not props, not part of the scenery, and they have not been made instruments of 27 something. They simply are what they are. And they are beautiful, with an unmistakable beauty all their own. Finally, it should definitely be added here that the shoes in the photo no longer exist. They have rotted. The pictures show a reality that does not exist. Perhaps the documentary is nothing more than a place of exile for reality, a home away from home. What I am getting at is that the documentary, because of its subject, is a critical genre. It is the expression of a crisis, because that which we call reality is itself something that is in a crisis. This realness is always in the process of dissolving, breaking apart, breaking down and breaking through, of developing and changing, of slipping away and of crossing over. The concept of reality itself indeed concerns an object in its crisis. 6. Franju, whose film Sang des Bêtes will remain unforgotten, although the slaughterhouses in Paris no longer exist – they are now art exhibition halls – and although the animals in the meantime are slaughtered in a completely different, namely industrial, way, Franju in a discussion once emphasised the artificial aspect of realness as it appears in film. He said that with a film the world had to be created again, because it was constantly running away from us. "Reality denies reality" – this is the formula he reduced it all to, and for this reason the artist always has to give reality an aspect of artificiality. Reality is always on the run. A documentary film cannot keep a firm hold on it; it can only create it again. In a metaphorical way Fellini once evoked this loss of reality as a wonderful albeit wistful moment: In the film Roma, when a catacomb is opened during excavation work for an underground, frescos are discovered which have survived there in the darkness for two thousand years, but in that moment through the fresh air that streams in and the daylight that filters in they are destroyed and vanish from the walls before our eyes. 7. New York, N.Y. is a film whose subject refused being captured by the camera in another, perhaps even more extreme way. It is an almost inconspicuous, casual little film by Raymond Depardon, who made it in New York at the beginning of the eighties, and it consists of only three albeit long shots. The first one is a travelling shot high above the East River along a bridge full of traffic, taken from the gondola of a cable railway that passes over the river at that location. The second shot shows a street intersection in Manhattan in the twilight – a couple of pedestrians are crossing the street. The third shot is again a travelling shot over the river, although in the opposite direction and at a later time of day. 28 In a voice-over during the first shot Depardon says a few sentences about how the film came about: A few years before, he had stayed in New York for a couple of weeks, and every day he had set out with his camera to take shots of the city. After finishing he had gone into a little café and looked out of the window at the intersection. At some point in time he had discontinued shooting the film, had returned to Europe and had totally forgotten the film about New York until he discovered these three shots during an occasional examination of his film material. These three shots became the film, but it is not about New York: it is the film that New York made against the film-maker. He looked at the subject, but it did not look back at him; it merely turned its back on him. The filming was done in New York, but what it shows is not this city but rather a hazy diffusion, which softens the three pictures with shadows, as if perceived through the unwashed windowpane of a café. The passers-by at the street intersection are nothing else but strange, anonymous silhouettes, who are wandering through a Nietzschean metropolis. No one sees anyone else, and everyone is alone. This film sticks like a thorn in the flesh of documentary film-making. It instantly caused all other documentary films to age, so that the whole genre, in its self-confidence of being able to capture what is real, has something strangely old-fashioned clinging to it. This is because the documentary film has always seen itself as a driving force in the salvation of reality, and in this regard it was always certain at the affirmation of the real object. Here, however, the object manifests itself through its absence. It has vanished from the film. 8. In order to continue developing the concept of disappearing reality (of the reality of disappearing), we should remember the fact that there are astonishingly few film recordings of the Gulf War. The explanation given is the rigid censorship of the military. The Vietnam war had been accompanied by a flood of pictures – it has even been suggested that this flood of pictures was a decisive factor which contributed to ending the war. This time history was not to repeat itself, and thus the entire press coverage of the war was put under the massive control of the military. In a way the censors functioned like a photo agency, which at their own discretion did or did not make their material available to the press. As a consequence the visuality of the Gulf War remained rather meagre. When new material was released recently, which until then had been kept under lock and key, it was possible to view scenes like the following: A group of tanks moving at high speed through the flat desert (this shot was fairly long) suddenly came to halt and then fired a series of rounds in an 29 undefined direction. No target could be seen, and for that reason it was not possible to determine what damage the barrage of cannon fire had caused. Finally, the tanks turned around and returned in the direction from which they had come. Then there is a cut to General Schwarzkopf, who said that they had hesitated for a long time before attacking the heavily fortified lines of the Republican Guard, but then finally decided to proceed, and in fifteen seconds the job had been completed. What took place cannot be called a battle of tanks. To identify this event as a conflict between two opposing military forces who resolved their differences with the use of weapons is simply impossible. The kind of weapons and strategies used make traditional war invisible. The soldiers are no longer engaged in action; they fight each other over enormous distances, and instead of making contact with the enemy, they sit down in front of television monitors on which combat targets appear as small dots of light. Other pictures of this war – but should we not call them pictures? – were made by cameras mounted on missiles, which glided through a milky darkness until the missile hit the target and the transmission on the monitor died because the missile and with it the camera exploded. Nothing was seen of what took place. It was necessary to resort to one’s imagination in order to recognise again a reality in this softened representation, a reality that at one time was powerful but now has been done away with. In the television series Heimat [Home] by Edgar Reitz there was an aerial shot of Hunsrück, which was supposed to show in one take the entire area where the action with its stories would cover. The shot was filmed from a jet fighter, which flew at the speed of sound. It lasted, I don’t know, for about two minutes, and what there was to see can no longer be called a picture: it was a trembling, blurred shaking movement of visually perceived elementary particles, crashing into each other grey in grey. Such enormous speeds disconnect the cinematographic picture from every object, and the unit of measurement of twenty-four frames per second can no longer capture it. Virilio will probably not have seen this shot. Otherwise he would have rewritten his book “Cinema and War". Modern war and cinematic pictures do not go together any more. 9. With the advent of digitalised pictures, the detachment of reality from the cinematographic and photographic image has again continued at an accelerated pace. Every digital element can be substituted for another digital element without leaving any trace of this substitution. A photograph (or what looks like a photograph) does not necessarily have to refer to a real model, at least not entirely. Then we would be at the end of the age of a consubstantiality of photography and object. The technique of retouching – for which photography in the Soviet 30 Union was condemned and ridiculed – has become a generally used, accepted and commended process (Forrest Gump was still a bit chubby, but that will improve). This situation is a challenging one. In the future the documentary film will have to change in order to survive and to have new definitions for itself to develop. It will no longer be able to exist by guaranteeing a truth that is based on the mechanical reproduction technology of the camera and the film material. Authenticity has held the documentary film in shackles long enough, and consuming reality instead of producing it more than ever will not be sufficient. And it will become evident that the reality even of something documentary is not to be found somewhere beyond the pictures but rather in them. in Hartmut Bitomsky: Retrospective, Goethe Institut München, 1997 O vestido preto das coisas Hartmut Bitomsky A maior das felicidades Em Let Us Now Praise Famous Man Agee descreve como aproveitou a ausência dos rendeiros, em cuja casa se instalou, para a passar a pente fino e lhes vasculhar os pertences. Faz um inventário penoso de todas as divisões. A certa altura comenta que tudo o que pertence àquelas pessoas está no “fim da sua possibilidade de utilização”. Ler isto toca-nos. Não é a pobreza precisamente o não possuir instrumentos de trabalho? Mas também nos choca que para as pessoas as coisas, mesmo quando já não servem para nada, não percam por completo a sua preciosidade. Demonstram ter uma validade que ultrapassa a data da sua função e finalidade, e não são rejeitadas porque algo perdura nelas: uma imagem. E talvez seja com este fim da possibilidade de utilização, tanto das coisas como das pessoas, que o trabalho documental começa. “Parece-me”, escreve Sklovski, “que a maior das felicidades é o contacto original com a realidade.” 31 A Propos de Nice Jean Vigo estava ligado a Nice por uma relação de amor-ódio. Para receber algum dinheiro, quis fazer um filme sobre a cidade. Estudou as ruas e a história, passeou com as ideias para a frente e para trás e não sabia onde espetar a estaca e delimitar o tema. Entregou o seguinte plano rudimentar para os trabalhos preliminares: “A. Nice vive do jogo. B. Tudo em Nice conduz ao estrangeiro: 1. os grandes hotéis, 2. a chegada dos estrangeiros, 3. o jogo, 4. aqueles que vivem do jogo. C. A população de Nice é no geral tão desinteressante quanto os estrangeiros. D. De resto, tudo em Nice se consagra à morte.” Se o esboço de ideias, que contém também uma brincadeira silológica, está marcado por uma recusa que ainda atravessa o filme, este veio a tornar-se outra coisa. Tinha que ser outra coisa porque todas as filmagens pressupõem uma aproximação ao objecto. Um filme documental tem de dizer “sim” ao mundo, mesmo quando o critica. Na estreia do filme, Vigo proferiu um discurso em que descrevia Buñuel e Le Chien Andalou de tal modo que parecia preferir assistir à exibição desse filme em lugar do seu. E depois exigiu uma “arte cinematográfica mais precisa” – o filme documental social que descreveu como “ponto de vista documentado”. Utilizou o termo point de vue, que pode ser traduzido por ponto de vista, tomada de posição, visão ou perspectiva. No final disse: “E o objectivo é alcançado quando se consegue destapar as causas secretas, quando se é capaz de revelar a beleza ou a caricatura de uma pessoa normal, uma pessoa qualquer, quando se é capaz de expor o seu espírito recorrendo à pura demonstração física de um movimento colectivo. E isso com uma força tal que se mostra o mundo, onde até aqui vagueávamos indiferentes, contra a sua vontade e para lá da sua mera aparência.” Pintar imitando a Natureza Cézanne espantava-se com um pintor que executava os seus estudos imitando a Natureza. Dizia: “Uma árvore tem mais folhas, e todas diferentes, do que o homem alguma vez consegue imaginar.” O mesmo se passa com o documentarista e a realidade. Há mais factos, motivos e condições numa obra do que alguma vez ele possa imaginar ou até esteja pronto a admitir. A sua contribuição, a nível do entendimento ou da explicação, só pode ser uma redução daquilo que encontra. Dantes, a Natureza era um conceito generoso, Hegel aliás designava, e talvez com alguma irritação, toda a realidade que se encontra diante do Homem como “a alteridade da ideia”, e, num outro passo, “a contradição sem solução”. 32 Justi, que Veláquez tanto admirava, apesar de demonstrar nos seus quadros uma falta de elevação, nobreza e transcendência, defendia o realismo do pintor desta forma: “Se ele coloca nas coisas menos do que todos, vê nelas, em compensação, muito mais.” A primeira frase de Grierson O filme documental é um tratamento criativo da realidade; no original inglês, a creative treatment of actuality – o que deixa entrever outros significados paralelos. Actuality é a realidade no sentido dos factos e dos acontecimentos; também tem qualquer coisa de acção, que ecoa igualmente na palavra treatment, e ainda algo de presente e actualidade. Assim deve ser entendida a crítica de Grierson a Nanook, o esquimó de Flaherty; o arpão erguido de Nanook não conseguirá nada contra um corretor da bolsa. Não há aliás nada no seu reportório de armas que possa ser utilizado contra o mundo das finanças. E não há corretores da bolsa a viver no Árctico, o que teria provavelmente contribuído para que os esquimós desenvolvessem alguma arma contra eles. Claro que aquilo que Grierson quer dizer é que Nanook não é o objecto ideal para um documentário porque tem muito pouco que ver com a realidade do século XX. Mas a realidade contemporânea também tem muito que se lhe diga. Não é igual em todo o lado e também não é estável. A pesca, tal como Grierson a mostra no seu filme Drifters, já não existe hoje. Será que o filme morre? Não me parece. Sobrevive e vai continuar a sobreviver e mais tempo ainda do que qualquer realidade em que Grierson o colocar. Vemos o filme hoje e ele ainda nos ajuda a perceber muita coisa. E também não caiu numa categoria museológica que poderia disponibilizar um mundo histórico a quem se interessasse por isso. A defesa de Flaherty Grierson: “Ele referia-se […] a uma frase que eu uma vez disse em Nova Iorque, em sua defesa […]. Tratava-se da descrição platónica da metafísica, em que Platão afirma que não há fogo que se acenda e chama que queime sem que primeiro haja um longo diálogo com a matéria e sem que se tenha vivido com ela.” Durante a produção de Nanook, o esquimó, Flaherty usou a câmara também para tirar uma cópia e projectá-la. Revelou ele próprio o material, fez a cópia e apresentou-o ao esquimó. Tentou compensar a perda de realidade com um modo de fazer cinema que fosse total. Uma destas projecções poderia ter sido uma cena central do filme, mas a câmara estava a ser usada como projector e portanto não podia gravar o momento. O episódio com o gramofone substitui a cena em falta. 33 Durante a rodagem, dedicada sobretudo à caça, Nanook não podia ir caçar, tinha de representar a caça. Antes que a vida possa aparecer à nossa frente, tem de ser composta. Nanook e a sua família subsistiram durante este período à custa de Flaherty. Anos mais tarde, Nanook morreu à fome. Quando se soube disto, Flaherty foi acusado. O seu filme tinha entrado com demasiada profundidade na vida dos esquimós. Man of Aran Primeiro, apenas o mar nas suas muitas variantes, em diferentes locais. Nenhuma vaga se assemelha a outra. Flaherty gostava da repetição, da distensão, da insistência no sempre igual. É preciso algum tempo até que a qualidade simbólica da força da natureza se imponha e parece demasiado montado. Depois a casinha, a mãe, o bebé, o rapaz. Espreitamos para fora através de uma janela minúscula. Vemos os homens a regressar da pesca. O barco desaparece uma e outra vez por trás da crista das ondas. A rebentação atira-o para a costa e puxa-o em seguida de novo para o mar alto. É difícil remar contra a maré. Parece ser uma praia, quando finalmente conseguem trazer o barco até terra. Notamos que vem danificado. Reparamos que é sempre assim e que de cada vez que acontece é quase uma catástrofe. Salvou-se a pescaria. Puxam a rede uns quantos metros para a costa e quando a vaga seguinte rebenta, largam a rede e põem-se a salvo. Quando a água recua, correm atrás da rede, puxam-na mais uns metros e voltam a largá-la quando a massa de água se aproxima. E é assim, para a frente e para trás. Ganham uns quantos metros, perdem uns quantos metros. E assim se percebe de onde vem a expressão “luta da vida”. Só com sorte podemos ganhar. Mais tarde vemos a caça às baleias. Aparentemente os animais concentraram-se numa baía sossegada para que Flaherty pudesse filmar. No mar alto não seria possível. Para clarificar que o acontecimento é mesmo dramático, Flaherty divide-o em vários planos o mais aproximados possível. Vai passando dos pescadores para as baleias, de uns para outros. É a montagem que torna a acção tensa, a tensão está pois no filme e não no acontecimento. Nada se passa, tudo se evoca. Coup de Boule Música de marcha na penumbra; uma lanterna fraca junto ao chão; adivinham-se botas de soldados a marchar. A luz espalha indistinção na imagem, um material sem definição. 34 Mas este defeito é também a verdade do filme. É disso que ele trata. Jovens soldados franceses na caserna – paredes, camas, cacifos e portas. No meio, caras jovens e saudáveis que deixam adivinhar a sua origem mas nada da sua biografia. Têm nomes, patentes e tarefas. Um deles é Chasseur mas ajuda na cozinha, outro é Caporal e conduz. O filme apresenta-no-los um a seguir ao outro. Eles dão-se orgulhosamente a conhecer: ser um nada, também isso se preenche com uma autovalorização. Correm com a cabeça contra a parede, martelam a testa contra o cacifo. Coup de boule, é assim que se diz. Não o fazem para a câmara. Fazem-no entre eles e consigo próprios. São corajosos e insensíveis à dor. Nalguns deles cresce um galo. Um deles cambaleia, tonto, fez um K.O. a si próprio. São jovens e indomáveis na sua vontade de viver. Como é que podemos aceitar ser humilhados e denegridos e desprezados? Temos de ser mais fortes do que a dor se não queremos conhecer o inimigo, e temos de nos anestesiar. As mãos negativas Marguerite Duras viaja manhã cedo pelas ruas de Paris e aponta a câmara às casas. Vemos as fachadas, janelas, pilares a passar. Há pessoas a viver aqui. Não se vê grande coisa delas. Na berma da estrada, sacos do lixo à espera. Quando as pessoas abandonarem a cidade e o mundo inteiro, a primeira hora será como esta, e a cidade vai ser um mar de pedra e as casas uma rebentação hirta. “Eu chamo”, diz Duras neste vazio, “eu chamo aquele que me vai responder”. A primeira vez que vi o filme, na versão alemã, percebi outra coisa. “Eu chamo aquele que me ouve”, e não era uma tautologia, mas sim uma conclusão desumana e uma sabedoria que causava uma rara impressão, porque as palavras vinham da solidão desesperada de um trabalho artístico e ainda assim ecoavam num milagre que evocava toda a percepção. Urgences O filme intromete-se na conversa entre o médico e o paciente num serviço de urgências parisiense. O diálogo é antiquíssimo, não há novidades na conversa. Os problemas que as pessoas trazem para este local não querem ser resolvidos. Por isso os médicos fazem perguntas idiotas, perguntam por exemplo que dia é hoje e coisas assim. Os pacientes respondem socraticamente. Aos médicos resta apenas representar um papel ridículo, o papel daquele que não faz ideia e a quem se tem de explicar tudo. 35 A doença não encerra apenas sofrimento e preocupação, mas também uma resistência enérgica, uma força que fala contra a vida, uma filosofia enraizada numa praxis sem chão. A mulher preguiçosa que se sente abusada sexualmente e que preferia falar do Péguy. O jovem que diz que não sabe de nada mas que domina a situação de tal maneira que pergunta ao operador de câmara se quer que ele ria. A bêbeda que tem mesmo de se ir embora porque tem de ir tomar conta de uma alcoólica em estado avançado. O velho que pede cianeto, o azul amargo, para não chatear ninguém. Deram todos nas vistas. E dão nas vistas porque não se entregam ao hábito imutável de estar no mundo. Escapam-nos, a nós que vemos e ouvimos, sem que consigamos achar justificação para o seu comportamento, para tudo aquilo que parece ser importante. Puxam-nos para a sua fatalidade. Mostram com clareza que é possível desaprender tudo o que aprendemos. O serviço de urgências psiquiátrico concentra o mundo e como é viver nele. O local é um foco e foca-se uma luz sombria. O filme de Depardon é um papel que se inflama com as temperaturas mais frias. A mulher que foi violada num elevador e que teve depois o bebé. Ama a criança mas não suporta o choro, trabalha, há que dizê-lo, num infantário… Fala disto com uma voz suave enquanto espera pelo médico. À falta de um ouvinte competente, conta-o ao homem do som que segura o microfone. É o único que quer ouvir profissionalmente o que ela diz. Deve tê-lo percebido instintivamente. A cor da fotografia A 4 de Junho de 1857, os irmãos Goncourt escreveram no seu diário a propósito da visita a um leilão de fotografia: “Neste século tudo é preto. Não será a fotografia o vestido preto das coisas?” Uma metáfora que merece reflexão. O vestido cobre o corpo e também lhe dá forma. Tem de se adaptar ao corpo e também tem um corte próprio. É protecção e embelezamento e, tal como dá visibilidade ao corpo que se cobre com ele sem o mostrar, também é meio de reconhecimento. Mas o vestido que veste as coisas é preto, dizem os Goncourts: a fotografia é um traje da tristeza. 36 San Pietro O filme foi filmado em 1944, sendo lançado um ano mais tarde e com bastantes modificações. O exército tinha objecções e foi anteposto ao filme o discurso de um oficial para suavizar o efeito desmoralizador ou para o evitar. Paul Rotha notou, a propósito disto, que o filme de Huston demonstra a grande diferença entre as necessidades das estratégias militares e a coragem humana, a capacidade de sacrifício dos homens que realmente lutam mesmo tendo medo. “A vida destes homens era valiosa – valiosa para o seu país, valiosa para os seus entes queridos e valiosa para os próprios homens”, diz-se em off quando os cadáveres são metidos nos sacos. O filme tem então dois objectos: a batalha por San Pietro tal qual ela aconteceu. Ou mais precisamente: trata da relação entre a conquista da terra e as perdas militares. É uma conta terrível. A vitória custou mil cento e cinquenta soldados americanos, já para não falar da vida dos alemães, e no final a pequena cidade de San Pietro, com setecentos anos de história, encontrava-se completamente destruída. Aqueles que lá viviam não tinham qualquer motivo para considerar isso uma vitória. Podemos ver como as operações militares são abstractas e concretos os seus resultados. E com isto passamos ao segundo objecto do filme: a relação da câmara com a guerra. Guerra é action, e por isso aparentemente o tema preferido do cinema. Só que a câmara não a pode mostrar. Pelo menos não por completo, pois acha-se sempre de um dos lados do acontecimento. É cinema sem contracampo, não há relativização, equilíbrio de armas, há apenas esta intransponível linha de demarcação. Não passamos para o outro lado, o dilema de qualquer filme documental. O Sangue dos Animais 1992 Será o sangue dos animais hoje diferente? Era vermelho, ou pelo menos avermelhado, quando filmado a cores. Será o frígido requinte, característico de Franju, ainda concebível nos dias de hoje? Vivemos no futuro do filme. Os seus temas, dizia Franju, são aquilo de que ele mais medo tinha, aquilo que ele nunca viu. O matadouro do filme já não existe – resistem alguns edifícios que são usados como locais de exposição e temos de ficar na bicha para lá entrar e olhar para as obras de arte. O filme captou um mundo de que já não resta grande coisa. O mercado junto ao canal foi substituído por um bloco de apartamentos. 37 Franju dizia que com um filme o mundo tem de ser construído de novo, pois ele afasta-nos do mundo. “A realidade desdiz a realidade”, resumia-o nesta fórmula, e por isso um artista tem de dar sempre à realidade um aspecto artificial. Franju referia-se aos seus filmes, que nunca são convencionais; mas a realidade também diz isso em relação a si própria: aquilo que na altura Franju conseguiu descobrir, já não o encontramos hoje em lado nenhum a não ser no seu filme. Vivemos no seu futuro. Ainda há o Canal d’Ourc. No final do canal há a alfândega, construído por Bullé, e com a arquitectura do edifício permanece o velho desejo de mudar o mundo. Porque aquilo que nunca vimos é o nosso futuro. in Die Wirklichkeit der Bilder. Der Filmemacher Hartmut Bitomsky, Jutta Pirschtat (org), Essen, filmwerkstatt, 1992 Tradução de José Maria Vieira Mendes A morte e o cinema Hartmut Bitomsky Os iconoclastas Ao escavarem um novo metropolitano os trabalhadores encontraram uma catacumba pintada com frescos. Os trabalhos foram suspensos, vieram os engenheiros e olharam para a obra de arte. Resistira duzentos anos sem ser descoberta, mas agora as cores desaparecem de repente, como se um sopro as tivesse aspirado. A gruta está aberta, e o ar, em que vivemos, entra e destrói os frescos. Vêem-se os frescos a desaparecer. Este pequeno episódio de um filme de Fellini deixa que a morte nos fale, é uma morte que tem a ver com a essência do cinema. No seu terrível segundo torna visível como os homens são desajeitados e incapazes. Encontram um mundo inteiro e, contudo, ficam sem recursos. Confrontados com aquilo que já foi feito, pouco podem fazer: causar danos é o que melhor sabem fazer. Mas teria sido então melhor que o fresco não tivesse sido pintado? 38 Numa imagem vê-se sempre mais do que aquilo que os olhos conseguem compreender, a imagem pretende fazer desaparecer o olhar. O cinema fez da volatilidade a sua arte, desmaterializa as imagens. Mergulham como estrelas cadentes no universo nocturno. Se nos fosse concedido um desejo… Antes que ele seja formulado, já a luz se extinguiu. Por isso o desejo de imagens é insaciável: somos iconoclastas e gostaríamos de estragar aquilo que desejamos. Desejamos um outro mundo. Múmias em movimento Fenton pegou nas balas espalhadas dos canhões da guerra da Crimeia. Estavam por todo o lado como se tivessem sido disparadas em vão. Não há propriamente imagens dos acontecimentos da guerra, não eram para ser fotografados. Aconteceu o mesmo com Brady, O’Sullivan, Barnard e os outros fotógrafos que fizeram fotografias da guerra civil americana. Mostram os cadáveres que, atirados para baixo dos ramos, se estendiam à beira dos caminhos, mostram ruínas de casas, os bocados das colunas das casas senhoriais, pontes destruídas e as locomotivas rebentadas nas vias férreas. Também fizeram imagens dos militares. Antes ou depois da batalha, os oficiais apresentavam-se e ficavam em sentido para serem fotografados. Estas imagens seguem a tradição pictórica do retrato, que não representa o facto histórico mas sim os actores principais para ele preparados. A fotografia dos primórdios preferia as coisas mortas, um utensílio em cima da mesa, fachadas de casas, tudo o que estava em descanso. Em muitas imagens de cenas de rua descobrem-se coisas disfarçadas, enevoadas, como retoques em segundo plano que não foram bem absorvidos: aí encontravam-se seres vivos, pessoas ou animais, que se mexeram no momento mais prolongado da fotografia. Nessa altura o movimento ainda não existia para a fotografia, uma fotografia precisava de mais tempo do que aquele que alguém consegue ficar imóvel. Assim passaram a fazer-se estruturas onde as pessoas se tinham de meter. Então já ficavam quietas e podiam fazer-se imagens delas, que as mostravam como elas não são: rígidas, concentradas e solenes, a fronte velada pelo pressentimento da morte. As estruturas eram postas atrás e não ficavam visíveis na imagem, a encenação está escondida, e assim podia-se afirmar que a fotografia e o filme reproduzem a vida. 39 Na casa vazia O assassino persegue o barman Cosmo Vitelli através da casa, vai por corredores e quartos que há muito não são habitados. Pára hesitante em frente de uma porta; nessa altura um plano picado mostra a proximidade das suas mãos, que se estendem na sua incerteza. Vê-se a soleira da porta e uns degraus que sobem para outro quarto. O quarto é escuro, talvez lá o espere a sua vítima. O que se vai passar não se pode imaginar. Um movimento cauteloso, um passo leve, aquilo que o assassino sempre faz, pode ser exactamente a coisa errada. Tem de ultrapassar a soleira. Na mão direita tem o revólver, a outra mão não tem arma, polegar e dedos ligeiramente afastados, preparados para saltar para a frente e agarrar. Ambas as mãos estão suspensas num equilíbrio nervoso e incerto. O revólver é uma arma para a distância, põe distância entre o assassino e a morte que vai causar. A outra mão está, no entanto, preparada para um embate corporal, inicialmente o tocar e de seguida o agarrar rapidíssimo. É assim o equilíbrio intelectual que o cinema possui. Promove, com cada filme, um distanciamento último em relação à vida, e simultaneamente deseja a maior proximidade possível dos corpos que se agarram e se abraçam uns aos outros. Houve quem dissesse que o cinema é a arte da presença física: é bem verdade, mas há que acrescentar: através da ausência total do corpóreo. O cinema revela-se então realmente na sua impossibilidade dialéctica. Todas as artes assentam na presença das pessoas, escreve Bazin: só a fotografia tira proveito da sua ausência. É o aparelho que faz a imagem, o fotógrafo pô-lo a trabalhar. Não se objectifica da mesma forma que um pintor no seu quadro. O pensamento da distância da pessoa na fotografia vai mais longe: aquilo que uma fotografia mostra já não existe. É verdade que se pode voltar ao local que uma foto reproduz, mas não no momento em que foi feita. A partir daqui, Bazin deduz, tanto para a fotografia como para o cinema, um complexo de múmia, chama às imagens cinematográficas múmias que se movem. Embalsamaram o instante e guardam-no, ele continua a existir na imagem e contudo já lá não está. A fotografia oferece o passado concluído e afasta a morte para o futuro: as reflexões de Roland Rarthes giram à volta do ponto em que a fotografia acciona o seu característico desaparecimento da pessoa. A própria fotografia é a testemunha que garante este desaparecimento. 40 O singular Além presente na fotografia pertence sem dúvida àquele discurso filosófico sobre o tempo que escapou, se esgotou, se desperdiçou e morreu. O facto de nesta filosofia também se encontrarem traços de uma viscosidade híbrida, mostram-no muitas recordações não-realizadas em polaróides, que têm primeiro de desprezar o presente para depois sentirem saudades dele. A despedida O homem velho e gordo está pesadamente sentado junto à margem de um lago. Está a anoitecer e as nuvens pintam-se com uma luz cor de framboesa. Um vento sedoso faz estremecer levemente a água. O velho está sentado no chão e olha admirado à sua volta. Com ambas as mãos segura a barriga gorda, como se tivesse dores de estômago. Na barriga do Xerife Baker está espetada uma bala. Katy Jurado, que no filme é a mulher de Slim Picken, arrasta-se de gatas até ele. Já pertenceu às belezas exóticas de Hollywood, mas agora é uma velha, e vemos que há uma outra existência por trás dela. Ela estica as mãos em direcção ao moribundo, os últimos centímetros como que duas linhas de vida. Ao longo de muitos anos tentaram aproximar-se, mas ainda não se conseguiram encontrar. O momento é longo, sustemos a respiração. Eles partilham um com o outro o que é partilhável, mas as forças falham. A memória branca O filme começa nos minutos que antecedem a morte do herói: um homem idoso, afundado na poltrona. Tem um brinquedo na mão, a bola de cristal da infância, e aí está o segundo começo do filme. Neve artificial cai levemente sobre uma cabana de telhado inclinado. Uma boca enorme abre-se por baixo de um bigode e murmura uma palavra ininteligível. Então a bola desprende-se, salta pelos degraus, um mundo despedaça-se em mil cacos. No fogão, o verniz do trenó derrete-se e as chamas apagam a palavra, a última palavra, uma palavra-chave. Neste ponto de partida, o filme dá uma curva e volta a aproximar-se gradualmente – enquanto investiga o percurso de vida do homem poderoso – do momento da morte. 41 As histórias que o cinema conta tendem a entender a morte de uma forma moralista, tendem a apresentá-la como um acerto de contas. Este é um processo de pensamento subtractivo. Uma cor priva as outras, por fim é um rangido num ruído branco o que dá felicidade. Escuridão, Inverno, neve, um trenó de criança, neva no cinema: porquê, pergunta-nos Bazin. A sua resposta: “Nada casa tão bem com a neve como a cor do sangue”. No cinema de Bazin o sangue tinha a cor preta. Ele diz que a neve é fotogénica e reconcilia secretamente a morte com a vida. Na morte a vida desfila perante os moribundos como um filme, dizem: como se a memória se quisesse fortemente libertar das coisas que acolhe, para nada levar consigo, mas antes devolver tudo o que recebeu. Como é sabido, o ruído branco contém todas as frequências acústicas, mas no estado de inocência e sem qualquer articulação. O fim da História Um filme pode comprimir uma história de vida inteira em hora e meia. Um ano passa num bom minuto. Para isso exige-se grande aceleração, uma enorme compressão, mas também abreviação. Talvez os contadores só precisem da ficção para nos dar a ideia da integridade de uma história, apesar destes processos. O fecho só muito raramente coincide com o fim. Está sempre ligado a algo violento. O porquê da vida ser curta é aquilo que muitos mitos têm querido explicar. Talvez seja porque a vida, de qualquer modo, é apenas adiada e acarreta uma hipoteca depressiva que ninguém pode pagar. Todos sabem que a sua vida é um caso único, uma excepção entre inúmeras excepções, um exemplo que não é exemplar, ramificado ao acaso por uma ampla torrente universal da vida. A morte é o sinal que fecha este parênteses. O indivíduo constitui-se através das suas limitações. Existem maiores unidades do que as das biografias. Quando uma pessoa morre, o mundo vai continuar a existir, já existia aliás antes dela. Então o que desaparece do mundo com um morto? Muito, pouco, nada? Fazemos as nossas cruzes. Assim, não é de admirar que os filmes nunca questionem o sentido da vida através de uma morte. Perguntam sim se a partir daí surge uma história. 42 Mas não gostamos desta espécie de pergunta. O toque dos despertadores modernos pode ser desligado com um bater de mãos: um aplauso único que põe termo à peça. No futebol gritam mesmo a meio “Acabou!”, mas continuam a olhar, e continua-se a jogar. Bastava que se fossem embora, e tudo acabaria. O arrepio do real Os filmes são muitas vezes montados para serem vistos por jovens, e pode acontecer que apareça um revólver preparado, e haja um corte para a vítima que cai no chão sem que o tiro tenha sido disparado. O sangue do filme é comprovadamente imaginário. Isto não prejudica a história, apareceu um hiato. Mas o cinema sabe lidar com a arte dos hiatos e conjecturas e evoca a sua própria realidade ao modo de Kuleshov. Neste ponto, o cinema e a censura são aparentados. Com o primeiro corte que se fez no material filmado, foi o método apresentado à censura. Pois também a censura sabe como criar hiatos e, em compensação, ligar de novo a realidade do filme à própria realidade. Isto só pode funcionar se alguma coisa for omitida. Fizeram-se listas de como a morte não deve ser mostrada, o código do “Don’t” exprime de forma jurídica o que é um facto mimético: num filme cinematográfico não há mortos. A sexualidade foi muito mais fortemente censurada do que matar e morrer. Durante séculos o acto sexual não foi para além de um beijo e cabelo despenteado. Em Road House, Negulesco reservou de forma rigorosa o único grande-plano do filme para o beijo dos protagonistas. Ele dominava de forma sublime esta forma de obscenidade menopáusica e sabia, como mestre do seu ofício, que se obtém a máxima elipse através de uma aproximação decidida. Corre o boato de que Jessica Lange e Nicholson, no remake de The Postman Always Rings Twice, se teriam entendido de verdade em frente à câmara, mas não vemos isso. As asas do nariz estão vermelhas, a pessoa da bruitage faz a bruitage, e entretanto, podem fazer-se outros grandes-planos. A pornografia da alusão, que permanece nas caras dos actores, já quase se tornou incompreensível. A morte remete o cinema para o terreno do imaginário, um acto sexual chama-o de volta para o domínio do real. Esta reciprocidade assenta na natureza diferente de ambas as 43 coisas. Se alguém fosse realmente morto num filme, isso não seria tanto um caso para censura como para julgamento. Filmes desses circulam, os preços de entrada são altos. Contratam-se pessoas desprevenidas para filmagens, e enquanto a câmara trabalha são massacradas e chacinadas. Os espectadores estão sentados como jurados, apreciam a execução de uma sentença que é dada em seu nome e sentem o arrepio do real, quando o documentário vai até à agonia da percepção. Filme-KZ Os nazis fizeram filmes nos campos, filmaram como os corpos pálidos e consumidos escorregavam para as covas escavadas e lá em baixo se ajustavam uns aos outros em abraços apáticos e ternos. Os membros ainda estão maleáveis e ninguém sente o peso do outro. As imagens nunca foram mostradas nessa altura, possivelmente não se ousava apresentá-las aos olhares. Talvez ninguém soubesse por que razão foram feitas. Ainda hoje não se sabe. Mas são mostradas: como terríveis troféus que foram arrancados ao inimigo infame e que demonstram a sua horrível inferioridade e a superioridade da ética do vencedor. Usam-se os filmes nazis, e fazem-se filmes inteiros com as imagens dos cadáveres. Diz-se que Hitchcock foi responsável pela montagem de um desses filmes, choca ouvir isso. É repugnante o facto de se contratar Hitchcock para estas imagens: há uma comparação dos seus filmes com o material cinematográfico dos nazis, uma semelhança que foi assim farejada. Mas ainda mais revoltante é a convicção implícita e desavergonhada de que as imagens nazis não se bastam a si próprias. Têm antes de ser submetidas a um procedimento mais eficaz, que delas retire tudo o que é possível, e que reforce ainda mais a crueldade, o terror e o horror. Esta infâmia é inteiramente culpa dos nazis. As imagens devem provar não só a pior das injustiças mas também devem cometê-la uma segunda vez perante os olhos dos espectadores. Mouchette “Falo com os mortos, e eles respondem-me com um murmúrio, com um sopro”, diz a mulher áspera e velha, e vira-se para Mouchette, cuja mãe acabara de morrer. “E tu, já alguma vez pensaste na morte?” 44 Há um mau pensamento nesta pergunta. Mouchette raspa com os pés. Os seus tamancos de madeira estão sujos, quer sujar o tapete. Mouchette é uma criança teimosa, educada por Dostoiévski, desobediente e pouco afectuosa. Aquilo que sente, guarda-o para si, debaixo de um grande peso, para que nada possa desaparecer. Só uma vez teve um gesto terno, para com o guarda-florestal. Ele é epiléptico e violou-a. As pessoas são criaturas confusas, provocam medo e espalham terror e dor. Mas por vezes uma verdade é disparada através delas, como um átomo que rasga buracos invisíveis no tecido corporal. Mouchette vai com a caneca do leite e as roupas fúnebres para a floresta. Experimenta o vestido que a velha lhe ofereceu para o enterro. O vestido é branco, o vestido de uma pequena noiva, não lhe fica bem. Poisa a caneca do leite e deita-se no chão. A terra transforma-se em água, um ribeiro largo sem fundo nem corrente. Ela rola pela encosta abaixo. Mas o declive é pouco inclinado e não acelera a rotação. Mouchette sobe outra vez e de novo rola para baixo, e é outra vez apanhada. Os ramos de um arbusto baixo agarram-se ao vestido. É difícil matar-se, uma brincadeira de crianças. É preciso fazê-lo com perseverança. A água esguicha, como se lá tivesse caído uma pedra pesada. Um suicídio coloca o mundo em posição de injustiça, mas isso não é nada de novo, e também não é para perceber por que razão tudo fala contra a vida. Metal precioso Será que ainda existem cópias dos filmes de que me consigo lembrar? Talvez já só sejam pó de ferro, mantidos na ordem por ímanes durante algum tempo, e em breve o magnetismo vai enfraquecer, e vai só tremeluzir e fervilhar nos ecrãs. Escrevo sobre os filmes como se eles fossem indestrutíveis, os seus negativos duráveis e conservados, e a química das imagens nunca se decompusesse. Os críticos de cinema esfalfam-se para pôr filmes no mercado ou para os retirar de lá outra vez. O voluntarismo gosta de bater na mesa, é lastimável. Quantos filmes enferrujam em latas ferrugentas, decompostos por bactérias como partes de cadáveres decompostos, que já ninguém vai conseguir identificar. 45 Quantos filmes são destruídos eficazmente, como se a crítica mais feroz o tivesse querido, passados pela máquina destruidora e triturados e desfeitos. A prata em que as imagens estavam registadas foi recuperada. in Kinowahrheit, Berlim, Vorwerk 8, 2003 Tradução de Carmo Lobo Cinéma, vidéo et histoire Hartmut Bitomsky 1. Naguère, un élève vint me voir après un séminaire sur les films documentaires. Nous avions visionné un film de Joris Ivens datant des années trente et il se plaignit que l’on montre toujours ces vieux films et rien de neuf. Je lui demandai s’il avait déjà vu le film, ce qui n’était pas le cas. “Alors, c’est donc un nouveau film”, lui dis-je. En peinture, il est évident qu’un tableau de Titien peut toujours être vu, bien que la république des Doges n’existe plus. 2. En 1992, j’ai assisté à un congrès sur le film documentaire qui était organisé par l’académie de Motion Pictures Arts and Sciences. Il apparut rapidement que le documentaire n’était qu’un véhicule pour propager la mise en œuvre et l’utilisation de nouveaux médias et technologies dans ce domaine. Un cinéaste plaça le pellicule d’un film de 35mm dans la lumière des projecteurs et dit qu’elle conservait la lumière d’un autre temps et d’un autre lieu. Il pensait avec mépris que la vidéo n’était que de la limaille de fer rouillé collée sur un morceau de plastique. Je partage complètement cette conception, bien que j’utilise aussi la vidéo. On est obligé de travailler avec la vidéo pour baisser les coûts de production. Mais on ne peut pas comparer le film et la vidéo car la vidéo n’est pas seulement un médium de remplacement. Elle a des propriétés que le film n’a pas. Le fil est un médium restreint et restrictif. On doit se concentrer sur l’image invisible tant qu’elle n’est pas développée. Alors que la vidéo ne connaît pas d’image latente. L’image est immédiatement là, interrogeable, À corriger ou à laisser. Ce qui signifie, entre autre, que l’on peut accorder une place au hasard, à l’imprécision, qui sont interdits dans le film. La vidéo est une forme transitoire. Elle se 46 réclame de l’époque des instants morts, des moments non vécus. Le cinéma direct/cinéma vérité cherche en vain à y parvenir (comme le disait Christian Metz).. Un autre cinéaste du congrès évoquait le futur avec l’image du caméraman doté d’une caméra numérique devant les yeux et d’un ordinateur sur le dos, relié avec le studio de télévision, le journaliste, la centrale, et pouvant assurer une diffusion dans le monde entier. Cette perspective est en fait très vieille, elle date des débuts du cinéma. Le cinématographe Lumière était à la fois caméra, copieur et projecteur en une seule vraie machine universelle. Les Lumière envoyaient leurs caméramans dans le monde. Durant leurs voyages, ceux-ci agissaient comme des caméramans, copistes, projectionnistes et monteurs, caissiers, agents, concessionnaires, transporteurs, responsables des brevets, bailleurs de fonds et propagandistes. Ils incorporaient et anticipaient tout ce que l’économie cinématographique future devrait laborieusement développer à un échelon plus élevé. Cinéastes complets, ils concentraient en eux la production et la distribution. Les Lumière décrivaient le but de toutes leurs entreprises comme le devoir de restituer intégralement la vie. La récréation du monde à son image. 3. Les Lumière étaient des fabricants. Ils ont vite abandonné et délégué à d’autres le travail qu’ils savaient très bien diriger, embellir, voire piller. Le pauvre Méliès, en revanche, devait autant que possible tout faire lui-même. Il avait l’idée de ses films, esquissait et peignait les décors, mettait en scène et incarnait le personnage principal. Il était un auteur et un homme d’affaires instable – un spéculateur qui voulait rapidement faire fortune car il perdait l’argent aussi vite qu’il le gagnait. Il était astucieux, intelligent, plein d’imagination. Il produisait et voulait vendre, et pour vendre beaucoup il devait énormément produire, beaucoup trop. De cette entreprise, il ne reste plus rien si ce n’est quelques-uns de ses films, dix, vingt trucs et leur utilisation dans des centaines de films – sorte de cosmos avec le diable au centre, qu’il jouait de préférence lui-même, en gros plan. Le diable comme auteur, ou le contraire : c’est une antinomie désespérée. 4. Flaherty, quand un réglage semblait inapproprié ou ne voulait pas réussir, parlait de la caméra à la troisième personne : “Elle ne veut pas photographier ceci ou cela.” Il ressentait la caméra comme un être humain pourvu de qualités particulières, presque magiques, qui peut voir ce qui reste caché à l’œil désarmé. Pour décrire sa méthode, il citait Platon : “Aucun feu ne peut être allumé, aucune lumière ne peut brûler, tant qu’il n’y a pas eu un long dialogue avec la matière.” 47 Flaherty compte parmi les cinéastes complets. Lorsqu’il tournait Nanook of the North, la caméra lui servait non seulement d’enregistreur mais aussi de copieur et de projecteur. Flaherty développait son matériel lui-même. Sur le lieu de tournage, il projetait aux Esquimaux les extraits tournés avec eux. Les images ne devaient pas s’éloigner de ce qu’elles reproduisaient. De là provient peut-être la lenteur de ses films, qu’il nommait slight narrative et décrivait comme faisant partie de son matériel documentaire : une action juste esquissée, qui se déplace à peine. Flaherty exposait un jour les différents angles décrits par la lance que Nanook dirige vers ses proies. Grierson objecta qu’avec une telle lance on ne pouvait rien faire contre un agent de change. Il insinuait ainsi que Nanook n’était pas un sujet correct pour un film documentaire car il n’avait que peu de rapport avec la réalité di XXe siècle. Selon le premier théorème de Grierson, un film documentaire est un traitement créatif de la réalité ; A creative treatment of actuality, en anglais, laisse paraître quelques nuances. “Actualité” est à traduire par “réalité”, mais au sens de faits impliquant un peu d’actualité et de présent et un peu d’action, réalité par ailleurs évoquée dans le mot “treatment”. Chez Grierson, la caméra est ou n’est pas efficace. Pour lui, un bon film n’est “pas beau, mais correct”. Dans un certain sens, Grierson appartient déjà à l’avant-garde du mouvement antiesthétique du film documentaire, qui devait voir le jour après la Deuxième Guerre mondiale. Je ne veux pas utiliser Flaherty pour attaquer Grierson, et en cela oublier que Grierson était aussi un grand cinéaste. Mais la réalité est affaire personnelle. Elle n’est pas partout la même et ne dure pas. La pêche, telle que nous la montre Grierson dans Drifters, n’existe plus aujourd’hui. Le film s’est-il pour autant épuisé ? Heureusement non, il persiste et continuera à persister, et certainement plus longtemps que la réalité à laquelle Grierson fait référence. Nous pouvons apprécier le film aujourd’hui et il peut encore nous faire réfléchir, même si son monde d’origine a disparu. Selon l’autre théorème de Grierson, le fil documentaire doit enseigner comment les autres vivent. “Teaching how the other half lives”, dit-on plus précisément en anglais. Un livre de photos de Jacob Riis, paru en 1890, porte justement ce titre : How the Other Half Lives. Il montre la misère, l’oppression et la pauvreté du prolétariat américain à la fin di XIXe siècle. “The other half”, expression consacrée, désigne la bipartition de la société, sans euphémisme et très objectivement. Grierson considère le film documentaire comme la composante, l’instrument et l’élément fonctionnel de la communication de masse. Il veut éduquer par le fil, enseigner, donner mauvaise conscience. 48 Avant d’être cinéaste, il est sociologue. Les rapports de la distribution lui importent plus que ceux de la production. L’hypothèse d’une nouvelle répartition des richesses n’est pas vérifiable. Une moitié de la société regarde l’autre dans la pauvreté. 5. Nous contemplons la misère. Nous regardons le malheur. Nous le voyons avec des sentiments ambigus – avec indignation mais aussi avec satisfaction. Le spectacle de la pauvreté, du besoin, de l’oppression, de la spoliation, des êtres méprisés et avilis, attire volontiers notre regard et exerce un magnétisme esthétique. Nous voulons le voir. Lorsque Agee examina, durant leur absence, les biens qui l’hébergeaient, il constata presque étonné que tout ce qu’ils possédaient était parvenu à la fin d’une utilisation possible. Les objets ne servaient plus à rien, ils étaient obsolètes. On doit quand même considérer que tous ces objets, dans le texte de James Agee et dans les photos de Walker Evans, reviennent, et certes de leur propre gré, pour leur beauté et non pour leur instrumentalité perdue. Le concept de bricolage s’impose. Des choses qui ont servi dans un but précis, qui furent utilisées et laissées de côté, peuvent revivre dans un autre rapport. En effet les chaussures é culées d’Evans sont vouées à une deuxième existence. On ne peut plus les porter ni les utiliser, juste les voir, les contempler. Elles reçoivent une deuxième vie. Elles sont devenues sujet d’observation. Quiconque aura regardé ces photos ne pourra dire que leur vue ne provoque pas un plaisir esthétique. Plaisir est un terme trop faible. Pourquoi en est-il ainsi ? Cette deuxième vie, au-delà de l’utilisation, l’instrumentalité, correspond à l’idée qu’à la fin des possibilités d’utilisation on arrive à un point zéro de la propriété, et que les choses sont assignées dans un lieu qui les consacre. Dans une certaine mesure, les gens sont purifiés de tout ce qui est relatif à la propriété et à la possession. Ceci évoque la vieille idée du nonattachement, de la dépossession, qui nous fait mieux comprendre la pure matérialité du monde. Hegel disait que “La servitude devient seulement dans son plein aboutissement le contraire de ce qu’elle est vraiment”. 6. Marker a dit un jour que deux types de comportements se trouvaient synthétisés dans le film documentaires : l’un détermine ce que doit être la réalité (et si elle n’est pas ainsi, elle a tort) ; l’autre se comporte humblement vis-à-vis de la réalité et l’accepte telle qu’elle est. Le San Pietro de Huston décrit en détail comment les militaires prévoient étape par étape la conquête d’un massif montagneux. C’est comme un scénario pour un long métrage. Huston 49 tire de sa simulation ses directives de régie. Il poste ses caméramans d’après les indications de ses prévisions stratégiques. Ils suivent la progression des soldats. Le scénario est une chose, et sa réalisation est une autre. Ainsi on voit l’envers du décor, la faillite constante des plans dans les faits, qui s’écartent de ce que les stratèges avaient déterminé. Comme dans une pièce de théâtre qui, répétée d’après un texte, irait tout de travers une fois dur la scène. Tout se passe différemment que prévu. Les opérations militaires sont abstraites, leurs résultats concrets. Le film a encore un deuxième objet : le rapport que la caméra entretient avec la guerre. La guerre est, dans une certaine mesure, le sujet privilégié du film. C’est une intervention dramatique dans le monde. Elle bouleverse la réalité, la transforme considérablement : elle est mise en scène de la réalité, d’une réalité forte. La guerre est réalité in statu nascendi, et la caméra vit le moment de sa naissance sur le même plan que n’importe quelle action. La caméra est immédiatement impliquée. Elle est absorbée par la guerre comme les soldats ; en d’autres termes, le fait de filmer ne change pas la situation qui est filmée. Après la guerre l’objet fort a été retiré au film. Il devait être reconstitué. Franju a avoué franchement que beaucoup de séquences dans Le Sang des bêtes ont été, et devaient être, mises en scène. Beaucoup pensent qu’il s’agit là d’un péché mortel pour le film documentaire que l’authenticité du matériau est trahie. La réalité se déforme elle-même, commente Franju, elle disparaît devant nos yeux avant de pouvoir être filmée et ne peut être rendue à l’image qu’avec une certaine mise en scène. L’abattoir de Sang des bêtes n’existe plus. Il reste bien quelques bâtiments, mais ils sont utilisés comme pièces d’exposition devant lesquelles on doit faire la queue pour entrer. LA plus grande partie est démolie. Presque rien ne subsiste du monde représenté dans le film. Là où se trouvait le marché aux puces, le long du canal de l’Ourcq, se dressent maintenant des immeubles d’appartements, et ces barques qui paraissaient avancer sur la terre ne circulent plus. Selon Franju, la réalité renie la réalité : on doit recréer le monde avec un film car la réalité s’éloigne de nous. 7. Les théories du cinéma direct (et dans une certaine mesure aussi sa pratique) me paraissent dériver directement de la logistique du film de guerre documentaire. a) Réduction du poids technique dans le travail du film. Appareils légers, portables. Caméra manuelle, Nagra-Syncron-Pilotton. Format 16 mm. Matériel de film extrêmement sensible qui doit rendre le réglage de la lumière superflu. L’équipe n’est plus composée que d’un caméraman et d’un ingénieur du son. Réduction de la division du travail différenciée et 50 coopération. Coût réduit de la production. Utilisation maximum du matériel et du temps de tournage. b) Caméra mobile dans la logique de l’intervention militaire. La caméra doit accompagner, disparaître, voire plonger pendant le tournage. Le cinéaste est dans la même situation que les combattants. Les questions ne sont pas posées, on attend les évènements. c) Réduction de la résistance esthétique. Tout comme la fabrication du film ne contrôle pas la situation, la fabrication elle-même est incontrôlable. Des formes de travail artistique doivent être abandonnées. Plus de cadrage, pas de planification préliminaire de séquences. Roland Barthes a nommé “adamisme iconique” ces formes de dissolution de l’image. L’image redevient innocente. Le cinéaste intervient moins dans le travail du film. Le film n’est plus structuré par les cinéastes, mais par les évènements auxquels ils prennent part. Le tournage se fait selon le principe du “trial and error” (“par tâtonnements”) dans la croyance que la vie, la réalité fonctionne ainsi. On repère l’instant vrai, celui où la caméra doit tourner. d) Le film doit être l’expérience directe des évènements. Quand quelqu’un est filmé, ce n’est pas pour parler mais pour faire quelque chose : il doit accorder plus d’importance à cette occupation qu’au fait d’être filmé. Pas de commentaire, pas de médiatisation. Ce renoncement met en évidence l’événement nu dans la simplicité de son déroulement, comme dans un long métrage. Tout doit être comme dans un long métrage : un spectacle, seulement un spectacle vrai et authentique. Il n’est pas trop évident que les films du cinéma direct ont une préférence pour des sujets théâtraux. Ils ont besoin d’une réalité qui se pose en spectacle, avec une mise en scène préalable et “pathologique” qui, engendrée par la caméra, devient représentation. C’est toujours un théâtre impliqué dans la vie, pleuplé de plus ou moins bons interprètes. Rien d’étonnant à ce qu’aucun film de cinéma direct ne soit muet. Ils dépendent directement de la langue parlée. En “temps de paix” la parole remplace l’action militaire : le lieu du combat est la lutte pour l’expression. Les films sont organisés autour du langage : tout comme les films documentaires des années trente sont organisés autour de la musique et du commentaire. 8. Rouch est très volontiers un protagoniste de ses propres films, qu’il y apparaisse ou non. Il est ethnographe, et le problème de l’ethnographie est qu’elle intervient en permanence quand elle essaie de décrire et comprendre une autre culture. Dans ses films, il inverse si souvent le rapport qu’il associe les figurants du film en tant que coauteurs et intègre leurs réactions au film en mots et e images. La réception réagit sur le message, dirait le spécialiste en sciences de la communication. En cela je soupçonne la tentative, peut-être un peu 51 compliquée, conceptuellement irritante, d’une ingérence de la distribution dans le film luimême. Le film voudrait revenir vers ceux qui en sont les protagonistes, comme pour corriger une faute de la réalisation. Par exemple, Chronique d’un été est un film sur les questions, Les interprètes sont questionnés, ils interrogent à leur tour d’autres personnes, à la fin ils se questionnent et questionnent le film et, durant l’épilogue, Rouch et Morin, interrogent l’œuvre. C’est la préoccupation du bonheur, mais on ne voit en fait que le malheur. Rouch est parfois visible, à l’écoute quand d’autres parlent, amusé, tendu, dans l’expectative, presque amoureux. Son visage est un livre ouvert. Edgar Morin a des des interprètes du film qu’ils se glissent dans leur propre identité (comme si l’identité était un rôle). Ils portent des masques qui ressemblent beaucoup à leur physionomie. Richard Leacock reproche à Chronique d’un été que les gens, dans le film, agissent exclusivement pour le film. C’est un peu vrai. Rouch a associé cette critique à la théorie du cinéma vérité : au moment de filmer, quelque chose se produit qui n’aurait jamais lieu sans l’acte de filmer. Il l’explique dans la scène où Marceline Loridan, un Nagra avec micro à l’épaule, est envoyée dans un marché couvert. Elle commence à se souvenir, du père, du frère, du camp de concentration. La caméra passe devant sa silhouette. Sans caméra et magnétophone, a dit Rouch plus tard, cette scène n’aurait jamais eu lieu. Le travailleur qui a une conscience de classe s’entraîne dans l’arrière-cour étroite de l’art de l’autodéfense inoffensive. 9. L’objet du film documentaire a longtemps été plus ou moins métallique et enduit de suie, maculé d’huile, taché de goudron, couvert de poussière et de tuiles cassées. Mais les sujets changent. L’ère du métal touche sa fin ; à la place nous voyons des substitutions, succédanés et matières synthétiques. Parallèlement, les gens se transforment, et le fonctionnement humain se modifie ; dans un certain sens, les réalisateurs de films documentaires ne l’ont pas encore du tout compris – avec un moral inébranlable, ils vont au travail et oublient que leur travail doit changer avec le sujet. Quelque chose de terriblement démodé entoure aujourd’hui le film documentaire. Les gens sont influencés par l’extérieur, se conforment aux médias : ils sont interviewés et n’ont presque palus de paroles et de pensées qui leur soient propres. Mais le film documentaire les cautionne infatigablement en les prenant à témoin. Schwarzenegger se décrit dans Terminator 2 comme du métal liquide. Mon film sur Volkswagen, VW, a été critiqué, entre autres, à cause des gens qui s’y produisaient. Il y manquait les travailleurs dont il était question, une image humaine avec ses contradictions, ou tout du moins des plaintes et de l’indignation. En fait les êtres dans cette usine étaient éduqués. Les mangers étaient formés par le travail, et les travailleurs par le syndicat. En 52 congé de formation, on leur serinait des formules, des slogans et des gestes conventionnels. Parfois, le vieux Michel émergeait, intimidé, embarrassé et troublé, et anéantissait tout le truc appris. Cet étiolement de la personnalité était intéressant à observer. Le livre d’Agee s’appelle Let Us Praise Now Famous Men. On ne pourrait utiliser un tel titre aujourd’hui. Les écrivains et réalisateurs actuels ne sont ni Agee ni Evans, ça c+est certain. Mais les prolétaires ne sont pas non plus les mêmes. Ils vivent certes presque sans exception dans la pauvreté et la misère, mais la pauvreté a changé. Il leur manque, dans leur rapport avec la caméra, toute trace de dignité et de grâce qui caractérisaient, avant Evans, leurs parents et ancêtres. Leurs appartements croulent sous le mobilier, deux frigidaires défectueux attendent sur la véranda, leur vie est pleine comme une poubelle. Là où autrefois la faim, l’injustice, l’appauvrissement étaient directement visibles, corporellement et physiquement, aujourd’hui on s’est confortablement accommodé, avec la merde dans le salon. De ce point de vue, les films documentaires ne sont pas différents. La pauvreté et la misère ne sont qu’une citation heureuse, qu’on trouve sans peine. Depardon a séjourné quelques semaines dans les années quatre-vingt à New York, pour faire un film sur cette ville. Chaque jour il partait en tournage, sans savoir ce qu’il devait tourner. Une fois installa la caméra à la fenêtre d’un café, à un croisement, et filma les gens qui passaient au crépuscule. Il quitta la ville de New York, incapable de faire un film sur elle ou parlant d’elle. Plus tard il découvrit qu’il avait son film depuis longtemps dans le matériau accumulé. Il devait seulement en développer trois moments : une longue traversée en gondole sur l’East River vers Manhattan (le fleuve, le pont, la circulation et, à la fin, les hauts immeubles, la ville). Le même trajet de retour, la nuit. Et entre les deux, la séquence du café. Plus tard il enregistra des sons pour les pas des passants, qui s’entendent comme si les gens portaient des chaussons avec, en juxtaposition acoustique, les sons du film. Les trois séquences sont des citations d’un texte inconnu. C’est un texte sans message, un film sans objet. Les gens y évoluent comme des apparitions archaïques devenues histoire, une histoire qui aurait enterré la lumière blafarde sous une pluie de cendres invisible. 10. Naturellement le propagandiste du film documentaire (que j’ai cité au début) avec son ordinateur sur le dos devait apparaître à nouveau pour que l’idée de la réalisation informatisée, interactive et livrée à la distribution soit enterrée. Le comportement de quelques artistes et professeurs informaticiens est certes étrange, comme s’ils étaient engagés en tant que propagandistes par l’industrie concernée. Mais je sais qu’ils le font volontairement. Comme des toxicomanes qui, ne pouvant garder pour eux leur obsession, font du prosélytisme et doivent entraîner les autres à la consommation de leur drogues favorites. 53 11. Je continuerai à parler de la réduction continue de la résistance technique et esthétique, de la pénétration en profondeur du système de distribution dans la production. Je dois donc évoquer l’electronic imaging, la révolution numérique. Avant elle, il ne doit plus y avoir de film, de négatif, d’évolution. La fin de la photographie approche. La capacité de contradiction et d’acceptation du hasard objectif, qui à mon avis jouent un rôle considérable dans l’art, sont réfractaires à l’informatique. Picasso fabriqua la tête d’un taureau avec une selle et un guidon de bicyclette. C’est impossible sur le plan de la technique de l’informatisation. Avec l’informatisation, il s’agit de la médiatisation de l’art. Mais sur la route étroite de la communication, les arts se trouvent à l’extrémité opposée des médias. Les médias sont là pour faciliter la compréhension, alors que les arts rendent la compréhension plus difficile. Sklovskij dit : “La danse n’est qu’une marche, mais dans une forme compliquée.” En effet, aucun ordinateur ne peut réaliser quelque chose d’aussi complexe que la vague d’Hokusaï. On voit comment la vague va ensevelir le petit bateau, et comment les gens luttent pour leur vie en ramant, déjà profondément enfoncés dans l’eau. D’un coup on voit la violente force de la nature à l’œuvre, à laquelle s’opposent les moindres forces des humains. Le spectateur imaginera parfaitement que les rameurs peuvent réussir à se dégager de cette épouvantable contradiction. L’ordinateur ne peut accomplir l’image. Il va décomposer l’objet selon le principe cartésien dans ses plus petits morceaux – en cent heures de patient travail de bureau – alors que l’artiste à un moment décisif peut faire un bond. Ce bond ne peut être numérisé. En fait la médiatisation de la communication équivaut à une diminution de l’information. On peut dire ce que l’on veut sur les autoroutes de l’information. Sur une seule pellicule d’un film de 35 mm, en une fraction de seconde, sont fixées tant de molécules qu’on ne saurait les enregistrer économiquement dans aucune mémoire. Tout scanner est réducteur, il diminue la masse des informations provenant du domaine sensible au profit d’une intelligibilité plus simple. Il faudrait encore dire un mot sur le modèle de l’interactivité tel qu’il est offert aujourd’hui par l’industrie informatique. Il est évident que la manipulation d’un CD-ROM avec la souris n’est qu’une image plate et éphémère, et même une image déformée de l’interaction. Peutêtre que le fondement de tout modèle interactif est le simple manque de respect du travail artistique. Il m’est insupportable de penser que l’observateur continue à peindre le petit tableau bleu avec la liseuse. Je crois que la notion critique de la communication unilatérale a favorisé ce type de confusions. Comme si lire, regarder ou voir étaient des activité inconvenantes ou serviles. Je suis sûr que le Voyage italien n’a pas besoin que quiconque y 54 insère ses propres aventures de voyage. Je suis tout aussi sûr que l’industrie informatique ne veut pas nous impliquer dans les œuvres mais dans la distribution. in Face à l’histoire 1933-1996, L’artiste moderne devant l’événement historique, trad. Isabelle Bellet, Centre Pompidou, Paris, 1996 Passage le long de la ligne d’ombre. Farocki et les autres: approche d’un style Filmkritik Olaf Möller Harun Farocki, Hartmut Bitomsky, Wolf-Eckart Bühler; Manfred Blank, Ingemo Engström, Gerhard Theuring, Hanns Zischler; Rudolf Thome, le jeune Wenders de 3 amerikanische LP’s (1969) et Summer in the City (1969-1971), avec Helmut Färber et Zischler, dedicated to the Kinks, on retrouve des souvenirs de ces films dans Nick’s Movie – Lightning over Water (1979-1980). Différents auteurs, des voix singulières, incomparables – et pourtant: tous participent – plus ou moins – de quelque chose que l’on pourrait peut-être nommer le style Filmkritik, comme il y a eu un style Warner ou un style des comédies musicales de la MGM. Ce style ne s’applique qu’aux auteurs (dans tous les sens du terme) qui constituaient le groupe Filmkritik, des années 1970 à sa fin, dans les années 1980: un collectif auquel le magazine appartenait, même si tous n’en étaient pas membres ou associés. Il existait un espace libre où l’on écrivait sur ce qui importait aux yeux des auteurs. Pour le dire autrement et en toute clarté: Theodor Kotulla, qui fut l’un des auteurs déterminants de Filmkritikdans la première moitié des années 70, n’en fait pas partie. Pourquoi? Voyez son film Aus einem deutschen Leben (1977) et ensuite celui de Farocki, sorti l’année suivante, Zwischen zwei Kriegen. Kotulla a réalisé un “vrai” film de fiction, avec beaucoup d’argent, une star (Götz George), un film tributaire d’un certain réalisme qui raconte la biographie d’un homme en des étapes simples et claires. Farocki montre, à partir d’un processus chimique et des hommes qui ont à voir avec ce processus, quel développement a conduit l’Allemagneau fascisme. Chez Kotulla les faits s’additionnent jusqu’à une somme finale, si bien qu’en résulte une image fermée sur elle-même, conclusive; chez Farocki les contours se dissolvent, rendent visible ce qui est latent dans toute construction, dans toute image. Ce qui est constituant, très simplement, c’est le fait que ces auteurs écrivaient pour Filmkritik, certains d’ailleurs très rarement, comme Engström, d’autres seulement pour une brève période, mais très intense. Et il ne fallait pas seulement avoir écrit dans Filmkritik. On 55 écrivait, quand on ne filmait pas, on filmait quand on n’écrivait pas, écrire et filmer formaient à la fin un flux continuel dans le cours de la vie. […] L’ancien Filmkritik était très activement engagé dans les événements du jour, et son orientation idéologique était claire et sans malentendu. Films et cinéastes étaient soumis à l’épreuve de leur compatibilité avec cette idéologie; que l’on ait fermé les yeux de temps à autre, qu’on ait soutenu Will Tremper, par exemple, malgré l’incompatibilité idéologique, c’est la vie (de critique). Le nouveau Filmkritik, dont il est question ici – ses protagonistes, ses idées, sa pensée, son écriture, son cinéma – semblait davantage préoccupé de s’inscrire dans une histoire du cinéma, comme avant eux les critiques des Cahiers du cinéma qui devaient ensuite former le noyau, reconnu par la critique et tirant un argumentaire solide de l’histoire du cinéma, de la Nouvelle Vague. On n’opérait pas une sélection sur la base de prédispositions idéologiques manifestes (lesquelles souvent ne peuvent pas se soutenir dans une discussion esthétique), on décrivait pour soi-même comment John Ford ou Jerry Lewis font partie de notre vie. Dans cette affaire, décrire est le maître mot. Chez ceux qui aiment, honorent et suivent avec attention les auteurs Filmkritik, on ne trouve que rarement un jugement de valeur. Ils consacrent plusieurs pages à décrire une scène, très précautionneusement, en pesant soigneusement les mots et leurs implications, leur tonalité et le rôle qu’ils jouent dans la logique et la poésie de la phrase et du texte. Les essais prennent la forme d’un filet que l’on tisse: Bitomsky ouvre son chef-d’œuvre inachevé de critique de cinéma, Gelbe Streifen – Strenges Blau [Stries jaunes – bleu rigoureux] avec une citation de Freud sur un cas de névrose obsessionnelle, Bühler se fraye un chemin vers Jacques Tourneur à travers le physicien atomiste Heisenberg, dont les écrits ont un écho dans le texte que Bühler consacre à Irving Lerner, Tod und Mathematik [Mort et mathématique]. C’est particulièrement dans les deux numéros sur Lerner qu’apparaît un autre trait commun aux auteurs de Filmkritik et à ceux des Cahiers: les uns et les autres cherchaient à entrer en contact avec les gens qu’ils admiraient, quelques-uns des plus beaux numéros de ces revues sont exclusivement composés d’interviews. Ils montraient avec fierté les souvenirs qu’ils rapportaient de leurs voyages, par exemple la belle photo de Hank Worden avec la dédicace à Bühler. Il faut ajouter que Filmkritik n’a jamais consacré d’argumentaire en règle à un cinéaste réactionnaire. On ne s’aveuglait pas non plus sur les impondérables idéologiques d’un John Ford. Mais, et c’est qui fait en fin de compte la grandeur de la revue, elle prenait Ford tel qu’il était, grand, inachevé – moralement sublime en dépit des doutes. Ses points de vue étaient souvent strictement critiques, mais ils n’étaient pas pesamment moralisateurs. […] Si l’on réunissait tous les maîtres et modèles dont les réalisateurs Filmkritik s’étaient euxmêmes entourés en une rétrospective où l’on verrait une sélection de leurs films les uns après les autres, on apercevrait très vite les traits esthétiques communs et l’on pourrait en 56 retour dessiner à grands traits le style Filmkritik. Il vaudrait la peine, à partir de là, de décrire les différences entre les cinéastes. Le grand consensus, le metteur en scène qu’ils vénèrent tous, dans la même mesure, c’est Jean-Marie Straub. Parmi les classiques, ils aiment Rossellini, Renoir, Ford; ils redécouvrent (pour eux-mêmes) Grémillon et Ophuls. Ils passent par le pragmatisme de Hawks, de Tourneur et de Sirk – parmi les cinéastes reconnus – pour définir leur éthique de travail, et cherchent en écrivant la proximité d’un Daves, d’un Lerner, d’un Fejos ou d’un Hurwitz. Parmi les contemporains, ils fréquentent Pialat, van der Keuken, Nestler. Aucun de ces cinéastes ne vous impose un monde; ils s’en approchent, le décrivent. Ils montrent des êtres au travail et dans leur temps libre, des groupes et leur dynamique. Leurs images restent claires, leur langage sans fioritures; une exposition multiple, un fondu enchaîné, c’est bien les plus violents des effets spéciaux destinés à manipuler l’image qu’on trouvera dans leurs films. Ils refusent la représentation bourgeoise classique de l’art fonctionnel qui absorbe à la fin toute chose et où toute chose trouve sa place et son sens. “Le cinéaste qui ne peut pas ou ne veut pas s’exclure totalement du marché (ce qui, en tout état de cause, signifie simplement qu’il doit se créer un autre marché, un “méta-marché”, comme Straub, ou comme de nombreux collaborateurs de cette revue) mais qui ensuite se refuse à faire ou à subir certaines choses, s’apparente nécessairement au tueur professionnel qui s’en tient exclusivement à ses propres méthodes d’assassinat et qui ne marche sur les cadavres qu’à condition que ce soient les siens.” (Wolf-Eckart Bühler) Il y a beaucoup de collaborations: Bitomsky et Farocki co-signent des réalisations, Farocki fait de même avec Blank, Engström ou Zischler. On apparaît dans les films des autres. Pour un style qui veut en finir avec une dramaturgie naturaliste et réaliste et promouvoir un style proprement cinématographique, le recours sans réserve, ininterrompue, à des comédiens professionnels est déjà en soi très mauvais. On pourrait creuser cette idée. Les auteurs Filmkritik comme un groupe de voyageurs, d’archéologues, d’ethnologues, de criminologues. Abstraction faite des œuvres de Bühler, qui sont sans exception des épopées de plusieurs heures, leurs films de voyages sont des films qui exigent de la concentration et pour lesquels la forme spécifique de présentation qu’est le cinéma a été créée. […] “The reading of many ghost stories has shown me that the greatest successes have been scored by the authors who can make us envisage a definite time and place, and give us plenty of clear-cut detail, but who, when the climaxis reached, allow us to be a little in the dark as to the workings of their machinery.” (Montague Rhodes James) L’idée de voir, en particulier dans les films de Farocki et de Bitomsky, des films de fantômes fait froid dans le dos. La première réaction est un “noui” plein de circonspection, marqué par un pragmatisme très Filmkritiket qui, après un examen plus approfondi, se transforme en un “oui”. Un “oui” définitif et direct si on se réfère à la première moitié de la citation de James. 57 C’est l’exactitude du regard porté sur le monde qui fait jaillir devant lui un monde précis jusque dans le détail. Le regard reste toujours calme, détendu, il a parfois le charme d’une photo de police – le contour d’un corps dessiné à la craie et qui fixe le théâtre du crime dans Zwischen zwei Kriegen, les traces que l’on suit dans Isaak Babel: Die Reiterarmee [Isaac Babel, 1990 – Bitomsky]; ce regard fait parfois l’effet d’un regard de chercheur à travers un microscope – ces séries de moments dans Leben – BRD [la Vie – RFA] ou dans Die Umschulung [La Rééducation, 1994]. Mais James parle ensuite du mode de fonctionnement, du fait qu’il ne doit jamais être entièrement explicite. Cela se réfère à deux choses. D’abord aux fantômes eux-mêmes: qui ils sont, ce qu’ils font, pourquoi ils le font. Mais ensuite à la description des fantômes et à leur apparition: le savoir-faire de l’auteur. On voit bien comment, mais pourquoi faut-il que ce soit tellement marqué par… le mystère, the magic. On aurait dû quand même penser que cela ne cadrerait pas du tout avec Farocki, qui est manifestement, parmi tous les auteurs de Filmkritik, le dialecticien le plus froid, que ses films ne sont si brillants qu’en raison de la rigueur de ses analyses. En tout état de cause, ses films n’ont qu’en partie à voir avec ses qualités intellectuelles, et cela veut dire: ils ne sont pas brillants, seulement parce que Farocki a pensé quelque chose de brillant. Ce qu’ils ont de vraiment brillant tient à la présentation de la pensée, qui fait voir la beauté de pensées profondément ressenties. Le fantôme de Leben-BRD c’est la beauté, la sensibilité à la vie d’autres personnes; le fantôme est la valeur ajoutée esthétique. Mais il y a quand même eu pour finir, une fois, une “apparition des esprits”. Dans Imaginäre Architektur [Hans Scharoun, 1994], Bitomsky, au moyen d’expositions multiples, tente de rendre visibles les différentes vues que l’on peut prendre des maisons de Scharoun. Cela reste une tentative, Bitomsky fait de son “échec” son thème. Mais ces images à expositions multiples deviennent des images fantômes, des prises de vue de ce qui n’est jamais vraiment saisissable, une ombre sans évidence ni valeur indiciaire, et pour cette raison très suggestive. Vivre avec des films, un peu comme on vit avec la musique; un peu à la façon dont c’est montré dans 3 amerikanische LP’s: regarder le monde depuis le balcon, écouter Van Morrison, ce que c’est de le voir ensuite. Bitomsky “est de surcroît le conteur le plus savoureux du monde. Je crois d’ailleurs que c’est surtout la musique qui l’a attiré vers les USA, par exmple un disque comme Highwayman avec Willie Nelson, Kris Kristofferson, Johnny Cash et Waylon Jennings. Mais il m’a écrit, maintenant, que là-bas personne ne connaît ce disque. C’est la triste vérité.” C’est certainement vrai, mais il faut quand même bien voir la tranquillité avec laquelle Bitomsky va dans un bar de truckers américains et s’y commande un hamburger with everything ou avec quel amour il filme un gunslinger artist. Dans ce quotidien-là se manifeste souvent un sens pur et simple de l’aventure, très ironique et absolument digne de foi; qui nous rappellent que l’aventure et le secret existent. L’aventure ce n’est pas comme 58 on se l’était représenté, ce n’est pas comme chez Conrad ou London, c’est mieux, parce que c’est quelque chose que l’on peut restituer et que l’on peut, en définitive, atteindre. Sur Bühler, par exemple, le plus aventurier d’entre tous, on raconte qu’il a ouvert avec quelqu’un un bar à Saigon qui s’appelle “Apocalypse Now” et qu’il travaille pour une chaîne de télévision de Hongkong à laquelle il livre des reportages du monde entier (on l’a vu au Yémen). “La patrie d’un homme qui peut choisir est là où s’amoncellent les nuages les plus lourds.” (André Malraux) Les nuages de Farocki s’amoncellent au-dessus de la RFA. Pour ses films, il ne voyage pas, ni Marseille, ni l’Amérique, ni le Viêtnam; tout au plus prend-il son vélo pour, aller, dans une banlieue quelconque, assister à une formation de sages-femmes. Alors que Bitomsky trouve encore dans le quotidien de vagues traces d’un lien avec le passé, Farocki découvre le démembrement du présent. La cinéphilie romantique d’un Bitomsky lui est étrangère, ses films de cinéma ont à faire avec Weiss, Kluge et sans cesse avec Straub, le regard qu’il pose sur les choses, dans ses œuvres qui critiquent les médias, les décompose, tandis que celui de Bitomsky, certes tourné vers d’autres thèmes, obéissant à une même méthode, est un regard constructif. Farocki a toujours semblé le plus triste d’entre eux, ses textes, spécialement ceux qui abordent des thèmes contemporains, sont corrosifs comme l’acide. Derrière cette tristesse se manifeste le désespoir, c’est clair, mais aussi un étonnement devant le fait que les choses se présentent comme elles se présentent. Encore une fois l’ombre dessinée à la craie sur le sol: la pluie qui emporte les traces, et la musique de Mahler. Sans une raison – par-delà le raisonnement purement rationnel – de continuer à avancer, sans le sentiment qu’on continue d’avancer, analyser ne sert à rien. in Histoire(s) Allemand(s), trad. Christophe Jouanlanne Que cherche-t-on? (Au regard de l’histoire, le cinéma en question) Jean-Pierre Rehm “Que cherche-t-on?” Cette question simple est prononcée vers la fin du film sur la UFA, de 1992. Après n’avoir présenté qu’extraits de films d’époque sur des moniteurs télés pendant plus d’une heure dans le huis clos de décors intérieurs à peine dévoilés, hormis de fades fonds blancs ou de lourdes tentures rouges, des personnages sont enfin filmés en extérieur, avec la chaleur des couleurs appuyées qui donnent l’impression d’une jungle domestiquée. 59 On ne tarde pas à reconnaître dans ces figurants muets les artisans du cinéma d’aujourd’hui. L’un porte un trépied, l’autre la valise du matériel d’éclairage, une femme suit un porteur d’un cadre en aluminium, etc. Archéologues d’un nouveau genre, si leurs pas et leurs gestes sont parfaitement audibles, c’est le sens de leur mission qui paraît plus indéchiffrable. Car “la forme”, y est-il dit en conclusion, est “perdue”. Et pourtant, Die UFA, comme tous les films de Bitomsky, appartient à un ensemble homogène, de facture fort reconnaissable et à la fonction unanime. Quelle mission? Disons, d’un mot, pédagogique. A la séduction, dont les films de propagande agencés dans Images d’Allemagne (1983) lui ont confirmé qu’elle faisait si bon ménage avec le mensonge politique, Bitomsky oppose la rigueur de la compréhension, la complexe stratification de l’Histoire, la nécessité de la décomposition (à tous les sens du terme). Il y a incontestablement chez lui comme chez Freud l’amour des ruines. Le complexe VW (1989) se réjouit, malgré l’évidente austérité des images et du commentaire, de présenter une ruine imminente, contemporaine, fin d’une usine, mais plus largement, disparition du travail, et d’un monde qui s’est tout entier défini à travers lui. Ce que démontre impitoyablement B-52 (1989), qui articule posément la chronologie de la neutralité de la production industrielle avec la froide logique de destruction. Mais cet amour est doublé, comme pour Freud, de la volonté tenace de déchiffrer le langage plus ou moins muet de telles ruines pour mieux s’en tenir quitte. C’est-à-dire de les accompagner dans leur devenir de ruines, pour certifier leur disparition. Lecteur de Brecht et de l’Ecole de Frankfort autant que de Lotte Eisner, mais aussi spectateur assidu de l’histoire du cinéma comme La mort et le cinéma (1988) et ses suites l’exemplifient, Harmut Bitomsky a opté, contre tout cynisme, pour la transmission. C’est là sans doute le sens des incessants travellings latéraux manifestes dans La UFA: passer d’une chose à l’autre. Glissant sur la figure archaïque des rails du cinéma d’un moniteur télé à l’autre dans le même plan, moniteurs quelquefois assemblés comme dans le Numéro Deux de Godard, ou comme dans certaines œuvres de son compagnon de route Harun Farocki, Bitomsky pose à la fois la question des archives et de leur possible montage. Ou plutôt, d’une telle question, il propose résolution. Faire glisser le présent sur le passé en empêchant de rendre à celui-ci la vie qu’il a dérobée. Coincer le passé dans des maigres citations qui resteront lettres mortes, encadrées par le petit écran, et que pourtant nous pourrons lire: c’est le pari paradoxal du cinéma de Bitomsky. Si les autoroutes ont été un jour bâties comme de prétentieuses sculptures monumentales sans prévoir l’ampleur de leur oublieux usage contemporain, comme il est montré dans Les autoroutes vers le Reich (1986), alors rendons les aujourd’hui à leur vacuité et à leur vanité. Pareillement, que ce qui se veuille technique de souplesse et de ralliement serve à mieux parcourir un paysage fait de tous les accidents de par- cours. Tel travelling freine dans ses incessants allers-retours le romantisme du voyage dans le temps à l’exotisme innocent. Plus complice des Histoire(s) de Cinéma de Godard que de l’utopique panorama scorcesien, il accélère la nécessité d’une mémoire sans 60 lacune, et qui ne montre de l’Histoire que ses trouées faites d’images. A l’inverse des Histoire(s) toutefois, Bitomsky ne fait preuve d’aucune foi dans la grande mission de révélation iconique. Les images sont fabriquées dans un contexte de survie économique et d’aliénation politique qu’elles ne parviennent que rarement à surmonter. C’est pourquoi tel livre (Kracauer, Eisner, etc.) peut être brandi par des mains fières de leur trouvaille, presque des poings eisensteiniens, comme être présenté du bout des doigts, dégoûté d’en témoigner (Veit Harlan). Il y a l’Histoire, certes, et son déroulé mat, mais chaque extrait, pouvant passer du noir et blanc à la couleur, en dépit de l’original, joue comme métaphore du destin du cinéma allemand dans son rapport au pouvoir. On l’aura compris, à trop aimer les ruines, rien ne s’en trouve exempt, et c’est le cinéma (même dans sa version progressiste vidéo) qui est emporté dans le mouvement de deuil. Ou qui ne subsiste que pour raconter pourquoi et de qui il hérite, pourquoi il ne peut continuer intact, pourquoi “la mort est son axiome”. Que ce postulat soit familier au cinéma allemand n’est bien sûr pas sans importance. Fassbinder, Schröter ou Syberberg ont œuvrés dans les mêmes eaux du désenchantement. Elles sont ici, comme Hegel le disait du pragmatisme, particulièrement glacées. Cinéma refroidi, c’est la raison du systématique commentaire en off. Qui ne vient jamais, ni sco- laire, ni indemne, par-dessus les images et leur désastre. Comme le met en scène de manière sophistiquée Le cinéma et la mort, le commentaire, en in cette fois, n’est lui-même que la bouée de sauvetage lancée au spectateur pour qu’il ne se noie pas dans le naufrage. Hiatus irréconciliable du sauvetage, où seul le sauveteur, à repêcher un cadavre, garantit son existence. Que cherche-t-on? Deux réponses simultanées, toujours, s’emmêlent et contrarient les fouilles. Hier et aujourd’hui. Le cinéma et l’Histoire. Le document et la réalité dont il se revendique. Comment faire aujourd’hui ce qu’hier a interdit? Comment faire rentrer, sous une autre forme que celle de l’archive bien-pensante, la veille dans la nécessité de demain? Militer pour l’intelligence au prix d’y brûler les forces d’un art sali de ses compromissions, voilà l’entreprise rare du cinéma, tout aussi rare, d’Hartmut Bitomsky. Comme il l’a déclaré, semblant reprendre une fameuse analyse d’Adorno au sujet du succès problématique de Mozart: “Un documentariste n’invente pas le monde, mais lui succède. Et le travail documentaire, c’est de dire oui au monde, en même temps que de lui opposer un non”. in Catalogue du FID Marseille, 2006, à l’occasion de la rétrospective Hartmut Bitomsky 61 Deutschlandbilder: um processo imaginário de indícios Klaus Kreimeier Nos seus filmes, Hartmut Bitomsky utiliza com freqüência material fotográfico e fílmico produzido durante a ditadura nazista. Isto tem a ver com os temas alemães dos seus filmes, mas também com o fato de que seus filmes deram início a um processo imaginário de indícios que provavelmente não vai chegar ao fim enquanto esse material estiver disponível. Todo aquele que o utilize precisa lidar com o fato de que, por assim dizer, está interferindo num processo de indícios ainda em andamento – ou mais que isso, está acrescentando a esse processo sua própria contribuição hermeneütica. Famosos "filmes documentários" sobre Hitler e o Nazismo são exemplos de que alguns autores (como Erwin Leiser ou Joachim C. Fest) aceitaram inconscientemente esse procedimento, como se pode reparar, e lidaram sem muito cuidado com o caráter indiciário do seu material. Em relação a Bitomsky, cabe afirmar que, no mínimo, lhe interessam tanto os temas alemães como os problemas que surgem do fato de que os temas alemães deste século encheram as revistas e os arquivos com material fotográfico passível de reprodução. Deutschlandbilder [Imagens da Alemanha] é, até agora, o seu filme mais conseqüente: o primeiro e até agora único filme que faz deste processo de indícios, ininterrupta e cegamente conduzido, o seu próprio tema. Assim, não se está discutindo o "nacional-socialismo", mas seu índice de imagens, isto é, sua iconografia. Por muito tempo, o conceito de propaganda teve de disfarçar o processo que estas imagens produzem em nós: em nós, os alemães que já existiam antes de Hitler, que em 1933, na maioria, se decidiram por Hitler, e que como povo, com o fracasso dessa política, reconhecidamente não desapareceram do cenário. Como diz Bitomsky no início do filme Deutschlandbilder, as fotos e os filmes do período nazista são parecidos com agentes que mudaram de lado e agora seriam "virados". Como agentes inimigos, foram presos pelos Aliados, isto é, proibidos de serem publicados e desapareceram em arquivos bem vigiados. Com o passar do tempo, foram liberados sob certas condições: podiam ser "usados" para fins comprovadamente educacionais, mas este uso foi atrelado a seu tratamento continuo para fins de identificação policial. Um exemplo espetacular é o famoso filme de guerra "Kolberg", de Veit Harlan, que, na versão da distribuidora Atlas, voltou a ser exibido nos cinemas com comentários instrutivos e assustadores. Ao mesmo tempo, os departamentos de história contemporânea das emissoras de televisão tornaram-se uma insaciável máquina de reciclagem do material fílmico e fotográfico nazista. Comentários, legendas e entretítulos, ou ainda avisos de precaução ao anunciar o filme, cuidam para que, até hoje, se preserve o trabalho de identificação. É um tratamento que indica cada foto, cada metro de filme do período nazista, a priori, como "propaganda", e com isso, já, o priva da observação. Ao mesmo tempo, o processo continua 62 subterraneamente, mas os conhecimentos que ele poderia produzir são encobertos pelas rotinas de uso. Ao escolher um método diferente, Bitomsky critica tais práticas de uso. Em Deutschlandbilder a, parte da função de propaganda dos filmes culturais nazistas, sabendo, porém, que, com isso, não se esgota seu caráter de indício. Embora trate do período de domínio nazista, ele não questiona – dito de forma explícita – o que essas imagens têm a ver com o nazismo, mas sim com a Alemanha. Em Der VW-Komplex [O Complexo VW] monta um trecho curto de um discurso de Hitler de 1935, sem, no entanto, mostrar Hitler discursando, mas sim uma pausa do discurso, e acrescenta o seguinte comentário: "agora vai prometer às massas criar o ‘carro do povo"‘. Cada programa de história contemporânea da TV teria ansiado pelo "som original". Bitomsky cria um procedimento contrário, nos privando do som supostamente tão comprobatório. Assim, nós, os espectadores, temos a liberdade de desconfiar do seu material. Temos a liberdade de confiar menos neste material fílmico do que os alemães de 1935 confiaram no seu Führer. Bitomsky critica uma prática de filme documental e televisivo que organiza seus sons e imagens de tal maneira que exige de seus espectadores uma confiança parecida a que Hitler pediu aos alemães em 1935. Através da escolha do material, Bitomsky realiza o que Godard pensava quando exigia "não fazer mais filmes políticos, mas fazer os filmes políticos". Filmes documentários são menos documentos do seu tempo do que dos seus ideais: em contextos de forte pressão política, isto os torna, de fato, filmes de propaganda. Os filmes documentários dos nazistas chamavam-se "filmes culturais". Bitomsky toma o conceito ao pé da letra, sem explorá-lo de maneira explicitamente "crítica". Ele demonstra que, sob as condições do regime nazista, algumas idéias e características da cultura alemã encontraram a si mesmo, e com isso, puderam ter a esperança de se verem realizadas. O Filme Cultural ativava uma carga emocional de conceitos com conotação tradicionalmente positiva, e uma valorização dramática de sentimentos estéticos geralmente vagos vinculados a eles: Limpeza (Schönheit der Arbeit [Beleza do Trabalho]) Saúde (An Luft und Sonne [Ao ar livre e ao sol]) Liberdade (Urlaubsfreuden [Prazeres de férias]). Como toda época, a era nazista estilizava seu potencial de violência para o lado estético. Conhecendo o que se sucedeu, o observador crítico de hoje não tem dificuldades de decifrar a aparência estética como maquiagem de brutalidade descomunal. Muito rapidamente, recorre ao conceito de propaganda, para isolar a produção de imagens nazista como caso fora do comum; se for preciso, está disposto a atestar-lhe uma certa perfeição ou um refinamento demagógico. Em contrapartida, Bitomsky propõe ler os filmes culturais primeiro como produtos de uma elite carente de beleza uma elite que somente se diferenciava de seu povo por ter chegado ao poder. Bitomsky diz: "Precisamos colocar esta produção de imagens diante dos nossos olhos". E ele 63 não pensa isso em sentido moralizante, mas, antes de tudo, técnico: não se pode colocar um trecho de filme diante dos olhos, deve-se pegar seus elementos isolados e, no momento congelado, tentar agarrar as imagens in flagranti. Como desperta curiosidade, o autor pode confiar na vontade descobridora de seus espectadores e reduzir seu comentário. Pode limitar-se a palavras-chave que contêm estímulos, e que não fixem o observador, mas possibilitem sua "reflexão: os filmes sobre os alemães, sobre a cultura de corpo alemã, seriam um "plebiscito às avessas", quer dizer, o governo declararia a confiança ao povo. No filme de férias, a saudade (alemã) se conciliaria com a xenofobia (alemã). Aos poucos se entende que o Filme Cultural nazista tinha de lidar com uma série de contradições – aliás como a televisão que, hoje em dia, tem de conciliar, permanentemente, as necessidades de caos do público e sua ansiedade por harmonia. Colocar as imagens diante dos olhos: existem diferentes técnicas para isso. Uma mão aparece na imagem do lado esquerdo e entrega as fotos a um observador, o qual nós – os espectadores – olhamos por sobre os ombros. Esta é uma solução convencional que, conscientemente, duplica a distância (dos espectadores) em relação às imagens. Nós permanecemos meros espectadores; esperamos um posicionamento do observador anônimo que, no entanto, permanece calado. Ele é somente um instrumento que deve orientar o nosso olhar. Ou, ainda: uma seqüência de fotos, alinhadas de maneira diagonal; elas estão ligeiramente onduladas, como se acabassem de ter sido retiradas da solução fixadora; a câmera move-se lentamente de cima sobre elas. As consideramos como contínuo, como "fuga de imagens", e nos lembramos do trecho mostrado anteriormente, do qual provêm. "Imagens desfiguram", diz Bitomsky, elas confundem o contexto geral. No entanto, podemos descobrir imagens. Isto é mostrado no sentido literal: uma mão retira uma foto, e debaixo jaz uma outra. O esporte encobre a guerra, ‘Força pela alegria’ significa, "no fundo", a disposição para morrer.’ Propaganda? Com certeza. "Uma imagem é a mascara da outra". Mas o esporte e a guerra, a alegria coletiva e a disposição ao sacrifício são elementos da mesma cultura. Tal cultura não foi inventada pelos nazistas; ela tem uma longa história. O método de Bitomsky pode ser ampliado. Teríamos de retirar de baixo das imagens nazistas outras imagens, que narram muitos antecedentes, histórias de vida e de percepção, dos quais se compõe a pré-história do nazismo. Turistas alemães dos anos 30, como sabemos, olham freqüentemente para fora das imagens, em uma distância qualquer. Orientam o olhar dos que ficam em casa para mais longe: talvez para os territórios do Leste ou para as colônias perdidas. Já a mídia do séc. XIX ensinou aos alemães este olhar orientado para o distante. E quando a Primeira Guerra Mundial estava perdida, na Charneca de Brandenburgo foram construídas paisagens exóticas para aqueles filmes de aventura e viagem, que reconciliaram a saudade e o desejo de viajar do público alemão, humilhado pelo Tratado de Versailles, com os planos de revanche dos nacionalistas de direita. Uma imagem é a máscara da outra, mas os 64 mascaramentos são parte de uma história da percepção visual, que poucas vezes transcorre em congruência com os períodos da historia política. Ela necessita mais tempo para se desenvolver. Os cortes históricos impostos por revoluções ou guerras não valem para ela. Em Der VW-Komplex, Bitomsky mostra fotos dos anos 50 com o presidente da empresa, Nordhoff, no primeiro plano, diante de uma paisagem formada de filas de novos fuscas meticulosamente ordenados, se perdendo no horizonte. Não conheço nenhuma foto dos anos 30 ou 40 que não evidenciasse a dimensão nazista do milagre econômico em uma iconografia tão impressionante. Nessas imagens, os Volkswagen são arranjados em uma parada gigantesca: do mesmo modo como as colunas do Serviço de Trabalho do Reich, ou muito antes, como os regimentos do exército prussiano no Campo de Tempelhof. "Paradas trabalham como tautologias", diz Bitomsky. Seus filmes aguçam nosso olhar para as analogias estruturais que se revelam debaixo dos muitos mascaramentos. "As colunas e as paradas são a forma teatral para o trabalho em série." Já na era pré-industrial funcionavam como teatro de revista para as massas autoritariamente condicionadas. Com a expansão do grande maquinário industrial na virada do século, surgiu uma "cultura motriz" (Fritz Gliese) na indústria da diversão, e quando a linhas de montagem de Henry Ford se tinham imposto, Hollywood respondeu com garotas perfiladas nos seus filmes de revista. Nos anos 30, a companhia cinematográfica estatal Ufa integrou, nos seus espetáculos de entretenimento rigidamente ritmados, o passo uniforme e militar da SA. Se as colunas uniformizadas foram a Revue do trabalho em série, os filmes de Marika Roekk foram uma espécie de Revue da Revue. Quando Bitomsky diz que assistir ao filme Rüstungsarbeiter [Operários da Indústria de Armamento] seria trabalho de acorde, que este trabalho seria determinado pelos cortes, e o ritmo destes cortes pela música, ele formula uma lei que já tinha conquistado seu valor no clima e no gesto estético da ‘nova objetividade’. No mais tardar, a introdução do metrônomo – sincronizando som e imagem – por ocasião da estréia do filme Berlin – Sinfonie der Grossstadt [Berlim – Sinfonia da Metrópole], de Walter Ruttmann, subordinou a recepção Cinematográfica a uma nova hierarquia. Em Der VW-Komplex, ouve-se um estranho comentário, que soa como um hino tardio à tão ansiada simbiose entre indústria e arte. A orquestra da Volkswagen ensaia num galpão que fica imediatamente ao lado da seção de prensagem, e Bitomsky diz: "Percebe-se o compasso da produção, como ele estremece o prédio todo e como se transforma em música." Isto também poderia ser lido num prospecto de luxo de Nordhoff ou de seus sucessores. A hierarquia entre indústria e estética, ritmo de produção e modo de percepção é uma hierarquia de comando, na qual se integra facilmente, no filme cultural nazista, o martelar continuo dos comentaristas. Os filmes trabalham como máquinas a vapor, sem deixar espaço livre ao olhar errante. Isto favorece a tendência difundida de contá-los, como "propaganda", 65 dentre as perdas da historia do cinema, para poder passar rapidamente à ordem do dia. Porém, haveria detalhes e, também, qualidades a se descobrir. Eles também revelariam que não se trata de uma estética nazista – mas de um modo forçado de meios estéticos que já haviam sido elaborados nos anos 20,e que não desapareceram com o fim do regime nazista. Rüstungsarbeiter, por exemplo, contém seqüências que lembram os filmes experimentais da Escola de Hans Richter e Walter Ruttmann – uma corrente que surgiu nos estúdios publicitários da Ufa e do vínculo entre a vanguarda e o filme industrial, promovido também pelos interesses da indústria pesada pelo filme. Mensch, so’ n Blech [Homem como Lata] é um filme esplendidamente montado a favor da reciclagem de metal leve, que com seu intuito de "instrução divertida" e sua técnica de corte demonstra a continuidade espiritual do departamento cultural da Ufa fundado em 1919,mas também dos jornais semanais e os "filmes complementares" dos anos 50.A continuidade já não surpreende quando assistimos um filme chamado So wird’ s gemacht [Assim se Faz] e produzido em 1944 – um filme didático que ensina minuciosamente aos compatriotas, vítimas de ataques aéreos, como reerguer provisoriamente o teto destruído. Mesmo antes do fim da guerra foi treinada a reconstrução – da mesma forma que, em tempos de paz, se tinha ensinado a lidar com a escuridão e a fugir para os bunker em caso de alarme aéreo. Só pouco tempo depois, alguns "filmes de escombros" do inicio do pós-guerra reativaram o otimismo decretado deste e de outros filmes nazistas dos últimos meses de guerra, sem ter de mudar essencialmente o discurso de resistência. A dramaturgia de Bitomsky torna possíveis tais descobertas, pois não prescreve ao espectador o que ele deve ver, mas, quanto muito, faz propostas e cede espaço às viagens da fantasia, à reflexão e às associações desordenadas. As imagens do período nazista não são tratadas de modo como seriam imaginadas pelo consumidor médio, nem o autor tem pleno controle sobre elas. Na alternância entre trechos de filme e fotos fixas, o material deve revelar os seus indícios "como se fosse natural", mas este "natural" se baseia num procedimento estético altamente calculado. O autor sabe que trabalha num universo de imagens que não surgiu repentinamente em 1933, e que tampouco desapareceu em 1945. "Não houve queda de imagens depois da guerra", constata Bitomsky ao final de Deutschlandbilder. Deveriam ter vindo mesmo abaixo os fundamentos desta produção imagética – uma tentativa que, como se sabe, foi empreendida na Alemanha Oriental, sem que tenha alterado substancialmente a produção das imagens. in Die Wirklichkeit der Bilder. Der Filmemacher Hartmut Bitomsky, Jutta Pirschtat (org), Essen, filmwerkstatt, 1992, trad. Stephan Hollensteiner, Elcio Cornelsen 66 67 Edgardo Cozarinsky Journal d’un manipulateur Edgardo Cozarinsky J’entends dire: “Les films ne font plus rêver”. Entre les grands rituels du concert rock et les cérémonies savantes de l’opéra, c’est loin des cinémas que les différents publics semblent chercher maintenant leurs invitations au rêve. Les gens qui expriment ce regret évoquent une Arcadie perdue : un cinéma naïf dans le propos, bien que très élaboré par ses moyens, qui savait éveiller chez le spectateur, telle une étincelle, un travail fantasmatique, source de plaisir. Mais ce cinéma d’aujourd’hui, qui ne fait plus rêver, est trop souvent – du moins dans sa production “à gros tirage” – à la fois plus primaire et plus tarabiscoté qu’à aucune autre époque de on histoire. Agacé, abasourdi par le harcèlement audiovisuel, le public a de plus en plus mal à voir et à entendre. Il en résulte, à l’autre extrême, que le travail d’attention exigé aujourd’hui par un film des Straub, par exemple, est bien plus ardu que celui demandé par le même film, il y a vingt-cinq ans: loin d’être entré dans les usages, le travail de ces cinéastes est devenu moins accessible. Le même phénomène se produit pour l’Antonioni de l’Eclipse, et pour nombre d’œuvres qui dans les années soixante pouvaient atteindre un public non confidentiel. Les spécialistes de la séduction du public imaginent faire rêver en offrant sur le “grand” écran ce qui est censé manquer au “petit”. Mais le choix qui découle de ces appellations, “grand” et “petit”, implique une emphase sans discernement: boursouflure d’effets visuels et sonores, gâtant l’appétit qu’ils sont censés assouvir. Leur efficacité, brévissime, est inversement proportionnelle à leur prolifération. Il en est de même pour les mille et une ressources de la vidéo: à force d’être utilisées comme de simples artifices, elles ont pour effet, que ce soit dans des shows musicaux ou des œuvres “de création”, toujours en retard sur les “trouvailles” de la publicité, d’éveiller le zappeur en tout spectateur. L’essai, vite abandonné, d’installer des écrans vidéo sur les quais du métro parisien a démontré l’indifférence collective face à une morne avalanche de messages convenus et d’images sophistiquées. Dans une société vouée aux dieux marchands, tout ce qui est gratuit est immédiatement méprisé (c’est sans doute de ce côté qu’il faut chercher les raisons du succès de la télévision payante); l’intrusion de ces images, censée alléger un moment sans 68 éclat de la vie quotidienne, n’a été perçue en somme que comme un signe supplémentaire d’inconfort lié aux transports en commun. Ces images, par excellence celles qui ne peuvent pas faire rêver, entrées depuis longtemps à la maison, participent du même contexte indifférencié que le téléphone – lui aussi, à une autre époque, instrument prestigieux, héritier du pneumatique qui pourtant n’a disparu que récemment – ou le réfrigérateur. Le cinéma, lui, a longtemps bénéficié du privilège de la religion et du théâtre: celui d’avoir un lieu de culte exclusif dans lequel on se rend pour participer au rite. Il semblerait qu’on n’accède au sacré que lorsqu’il faut sortir de chez soi, quand le lieu de culte est bien séparé de celui de la vie pratique. Ce lieu, le cinéma l’a gardé, mais son prestige est devenu moins reluisant que celui d’autres spectacles, tels le concert rock ou l’opéra, qui, par nature, ne se répètent pas à l’infini, et deviennent donc des objets de luxe. Un fragment de pellicule imprimée, même si je connais la date et le lieu de tournage, les circonstances de sa production, les noms des personnes intervenues d’un côté et de l’autre de la caméra, sera toujours pour moi un objet venu “d’un autre monde”. Il peut n’avoir aucun intérêt pour mon travail. Il peut être trop récent pour avoir un certain mystère, trop lié au monde de la publicité ou du journalisme audiovisuel, avoir un sens univoque, une surface trop lisse ne me permettant ni d’y instiller le doute, ni d’intervenir en le mettant en rapport avec un autre regard, ni d’y déceler une histoire enfouie, ne fût-ce que lui faire refléter un récit absent dont il serait le “négatif”. Mais, parfois, s’il n’était pas purement utilitaire à l’origine, j’y soupçonnerais des possibilités de fiction, la palpitation d’une fiction refoulée que je découvre, que je suis en train d’essayer sur lui: comme le regard d’exploration qu’on adresse à une personne inconnue avant d’oser l’aborder. Peut-être que l’effort, manifeste au moment de sa production, pour communiquer un sens, pour offrir un certain spectacle, s’est estompé, effacé avec le temps. La surface fissurée laisse alors paraître tout autre chose. J’y vois quelque chose que mon regard apporte, que ce bout de pellicule imprimé me permet de projeter. Et cette chose-là me fait rêver. Ces images qui “arrivent d’ailleurs”, dès le début, j’ai ressenti le besoin de les inclure dans mes films, de les “frotter” à d’autres images de source différente, à des sons nouveaux. Déjà, dans mon premier essai de cinéma (Points de suspension, Argentine, 1971), il y avait une citation du Nosferatu de Murnau. Dans la Guerre d’un seul homme (1981), les images trouvées étaient le seul matériau à élaborer. Dans BoulevardS du crépuscule (1992), elles jouent sous des aspects divers (vieilles actualités, extraits de films de fiction), mélangées à mes propres images qui, elles aussi, revêtent des masques différents (journal de voyage, entretiens plus ou moins mis en scène) de sorte que leur entrecroisement, parfois plan à 69 plan, devient inextricable. Si je me penche sur mon travail passé, il me faudra aussi admettre que dans mes films dits de fiction, j’ai souvent fabriqué les “images trouvées”: ainsi les extraits de la Mort de Danton, tournés en noir et blanc pour les Apprentis-sorciers (1977), me paraissent aujourd’hui aspirer l’existence objective des “objets trouvés” par rapport au pastiche de film noir, tourné en couleur, sur lequel ils viennent se greffer. Arrêt sur l’image d’une vieille actualité. Sur la table de montage, j’observe les visages inconnus dans une foule, parfois filmés à leur insu. Rien ne peut me “faire rêver” plus que leurs expressions, leurs gestes, excisés d’un contexte que j’ignorerai toujours, et qui bien sûr n’a rien à voir avec celui que leur propose le montage du document conservé dans les archives. Par rapport à ce contexte ignoré, je ne peux qu’inventer des hypothèses, lesquelles glissent très vite vers la pure fiction. Je leur donne un avant, un après, un dedans : tout à partir d’un regard fuyant, d’une coiffure particulièrement soignée, du journal à moitié déplié qu’ils tiennent à la main. Que faisaient-ils ce jour-là, près des puissants du moment? (De ceux-ci je connais le nom, le destin de leur ambition. Je pourrais même savoir ce qu’ils ont voulu faire transparaître de leur pensée, car ils ont laissé un journal ou des mémoires ... ). Pour mon regard, les anonymes deviennent les “figurants” de l’Histoire, cette idole hégélienne, amnésique et vénale, dont les stars me captivent peu. Tel soldat russe prisonnier des Allemands sur le front de l’Est en 1942, sur lequel je fais un arrêt : gros plan fixe de quelques secondes arrêtant un panoramique qui balayait le groupe où il se trouvait. Ce soldat m’avait intéressé parce qu’il détournait les yeux de la caméra et les levait vers le ciel, moins dans une invocation muette à l’au-delà que par simple lassitude. Il boudait cette caméra qui donnait une immortalité à son image au moment où son existence était menacée, où elle pouvait être anéantie. Jamais je ne saurais ce qui se passait dans sa tête. Peut-être pas grand chose. Mais du seul fait qu’il ne pouvait empêcher qu’on le filme, et que devant cette soumission il ait simplement dérobé son regard à la caméra, je ressens pour lui un certain respect, plus chaleureux, en tout cas, que pour tel homme de lettres raffiné, pouvant se permettre de coucher sur la page des pensées désabusées, afin qu’un lecteur puisse saisir toute la distance qu’il mettait par rapport à une réalité qui le dégoûtait, mais dont il se rendait en quelque sorte complice, ne fût-ce que par le simple fait de porter un uniforme, Les stars du cinéma ne m’ont jamais séduit non plus. A leur époque, je veux dire à l’époque où il y en avait des vraies, c’étaient les “deuxièmes rôles”, les character actors, emplois destinés à faire rire ou à faire peur, à attendrir ou à rassurer, qui m’attiraient davantage. Dans les films de Lubitsch, par exemple, c’est moins l’admirable parti qu’il tire de modèles (dans le sens bressonien) aussi prévisibles que Gary Cooper ou Marlene Dietrich que j’admire, que la 70 cohorte d’acteurs, souvent centro-européens, dont la réapparition de film en film occasionnait non seulement d’heureuses retrouvailles mais créait aussi un signe de reconnaissance, celle de ma familiarité avec eux, donc d’appartenance à une certaine idée de famille : celle qu’on s’invente. Cette famille-là, je la retrouve aussi, je l’invente encore avec ces figurants involontaires imprimés sur un bout de pellicule. Je sais que le sens (sens original à déceler? sens imaginaire que j’instaure?) des gestes et expressions de ces acteurs ne peut être qu’hypothétique. Je travaille à partir de données objectives mais avec une marge d’inconnu, avec ce vide central qui me permet d’y couler mon imaginaire. Il agira à l’intérieur d’une matière qui aurait semblé l’exclure. Dans cette opération, je ne suis pas attiré par la possibilité d’effectuer un changement brutal de contexte, tel celui dont bénéficie l’objet trouvé exposé dans un musée, permettant soit une réflexion sur ce même déplacement, soit un regard frais sur sa forme, devenue invisible parce que trop familière. Ce qui m’attire, c’est un jeu peut-être plus proche de celui qui poussait Borges à inventer des récits à partir de notes de bas de page dans un livre d’Histoire, à faire circuler, tel un courant électrique, sa réflexion entre divers articles d’une encyclopédie ... Il y a dans ma démarche, manipulation et tergiversation, mais ces mots perdent leur résonance délictive, car le sens que je propose n’aspire pas à produire une vérité plus “vraie” qui en chasserait une autre. De même que l’amoureux invente un personnage, l’être aimé, à partir du “modèle” que la réalité lui fournit, mon travail a besoin de revêtir une forme, afin que mon plaisir ne soit pas seulement une rêverie plus ou moins aimable et consolatrice. Errance, dérive, mots fétiches d’une pensée récente, ne me promettent aucun plaisir. Je ne le trouve que dans le travail d’assemblage, dans l’agencement de contradictions, dans la mise en conversation de matériaux disparates. in Art Press Spécial nº14, 1993 Edgardo Cozarinsky: o Flâneur Dominique Païni A obra de Cozarinsky convida-nos a flanar: podemos visitá-la por caminhos temáticos ou figurativos e, como no seu livro Vudu Urbano I , ousar certas aproximações, numa espécie de montagem, um processo de manipulação que em nada é estranho ao próprio Cozarinsky. As personagens, reais ou ficcionais, sobre as quais Cozarinsky construiu os seus filmes mostram- 71 nos o seu fascínio pelos seres que travam um combate solitário. Isto está literalmente inscrito no título de um dos seus filmes: La Guerre d’un Seul Homme. Em BoulevardS du Crépuscule, há a solidão de Le Vigan; em Pour Mémoire, a luta do Klarsfeld contra os nazis e contra o esquecimento; em Sarah, o orgulho combativo de Sarah Bernhardt contra o establishment teatral; em Puntos Suspensivos, também se trata da guerra de um só homem e em Les Apprentis-Sorciers, do isolamento de exilados argentinos. Nos filmes de Cozarinsky, as personagens estão entrincheiradas na sua solidão, numa guerra, a sua guerra. A vida destas personagens é feita de isolamento e de exílio. A cidade: outro elemento constante e ainda mais visível nos filmes de Cozarinsky, e que lhes dá uma incontestável unidade, para além de um conteúdo documental. Poderíamos dizer que Cozarinsky filma uma obsessão urbana. Pois, para ele, uma cidade é o mundo inteiro. A urbanidade não é um estado sócio-cultural, mas um verdadeiro imaginário, estruturado como uma entrelaçada rede de ruas, de praças, de galerias, de quarteirões, de pontes, de cruzamentos. O diário de Ernst Jünger, que fornece o comentário de La Guerre d’un Seul Homme, é, por sinal, o diário de um flâneur urbano. Em Les Apprentis-Sorciers, temos o ponto de vista de Cozarinsky sobre uma cidade que ama e admira, lado a lado com a sua visão do destino dos exilados latino-americanos. Ao contar a vida de Sarah Bernhardt, ritma os dados biográficos da actriz com imagens do seu cortejo fúnebre pelas ruas de Paris. Pois a cidade de amor de Cozarinsky é, evidentemente, Paris, num verdadeiro paradigma sentimental com Buenos Aires. […] Na obra de Cozarinsky, a própria impossibilidade da ficção passa a ser a obra, como se ele fizesse suas as palavras de Michel Leiris em De la Littérature Considérée Comme une Tauromachie, citadas em Vudu Urbano: "Do ponto de vida estritamente estético, tratava-se, para mim, de condensar, quase em estado bruto, uma série de factos e de imagens, que eu me recusava a explorar, a permitir que a minha imaginação as trabalhasse; em suma, a negação do romance". Em Langage Tangage, Leiris diz ainda: "Prazer que ao escrever sinto em manipular a linguagem para manipulá-la sem ter a pretensão de emitir a cada instante uma sentença decisiva; mas, além desta satisfação, esperança de fazer emergir um dia algumas verdades e compartilhá-las ... " […] Cozarinsky é um manipulador de imagens pré-existentes e também um flâneur no sentido de Baudelaire ou Benjamin; um flâneur que "colhe plantas" no asfalto. É facto que Cozarinsky compartilha este sentimento e esta percepção da cidade com este grande montador de citações e de textos esparsos que é o Walter Benjamin de Paris, Capital do Século XIX. Passeios sem destino e leituras misturam-se, enredam-se uns aos outros: Cozarinsky encontra citações de arquivos fílmicos, do mesmo modo que Baudelaire 72 encontrava rimas nas ruas de Paris. E em Vudu Urbano, os habituais títulos dos capítulos são substituídos por citações (mais exactamente, os títulos dos capítulos são indicados entre parêntesis e são precedidos por citações, em epígrafe) o que mostra a importância que Cozarinsky atribui à citação. Ele fala através da palavra dos outros, conta a sua vida ao contar a vida dos outros. Seria lícito investigar as relações que instaura entre os dossiers que abre e a sua eventual autobiografia. Quase todos os seus filmes são os diários íntimos de um manipulador e o modo como utiliza os documentos dos arquivos cinematográficos e ao mesmo tempo uma citação, uma prova num inquérito e uma confissão. Em espanhol, o primeiro sentido de "citar" é "marcar um encontro". Citar seria por conseguinte, uma prática urbana. Em BoulevardS du Crépuscule, a citação é o arquivo e cria uma relação incerta entre o agora e o que foi. Para Benjamin, a citação é a imagem lida, ou seja o agora do "conhecível". "Ela leva ao último grau o selo do momento crítico, do momento de perigo que é o fundamento de qualquer leitura ". Benjamin também disse que queria "levar a arte de citar sem aspas à sua mais alta perfeição" É deste mesmo inextricável entrecruzamento que fala Cozarinsky, este manipulador que, ao fim e ao cabo, seria excessivamente leitor, e um leitor excessivamente grande, para fazer, ele próprio, ficção. in Edgardo Cozarinsky, catálogo Cinemateca Portuguesa, 1997, trad. Antonio Rodrigues com Rui Santana Brito Ambiguous evidence: Cozarinsky’s “Cinema Indirect” Jonathan Rosenbaum […] 1. “…Where all possibilities are plausible, perhaps none is true? Around me, private history and public history cross each other without meeting…” Edgardo Cozarinsky, BoulevardS du crépescule Apart from a brief summary of Ernst Jünger’s life and career up to 1940 (when he was posted as an army officer in Paris), the first section heading, “1. Andante con moto,” and the opening 73 credits, the first two verbal texts we encounter in One Man’s War – the two bread slices sandwiching the three elements cited above – concern the “documentary” texts that comprise the film’s two principal ingredients: weekly newsreels and personal notebooks, both dating from the early Forties. The brief printed text about newsreels, written by Cozarinsky, tells us that in a period before television, when cinema attendance was massive, weekly newsreels were the only opportunity for a very large public to see moving images of current events. And the opening spoken text by Ernst Jünger about his personal notebooks and diaries, read offscreen by Niels Arestrup, tells us that he keeps them locked in a steel safe in his hotel room -– a safe provided to him to house confidential files about disputes between French army and Nazi officials. Objects such as these safes, he notes dryly, are only symbols of personal status, and if this status should ever be questioned, such precautions would become meaningless. In the dialectical play between these two texts about texts – a dialectical play involving public versus private (and hence advertised versus secret), the masses versus the individual, onscreen versus offscreen, printed versus spoken, supposed “objectivity” versus supposed “subjectivity,” and open spectacle versus fear of discovery – the “cinema indirect” of Edgardo Cozarinsky has already begun to take shape. Whether taking the form of popular, everyday spectacle or of private reverie, the two basic texts of One Man’s War are mechanisms for normalizing and justifying the intolerable, and the means by which Cozarinsky chooses to expose these mechanisms are those of indirection. “I am only interested in `cinema indirect,’ if it exists,” he remarked parenthetically to Thomas Elsaesser (the emphasis is mine) in an interview about One Man’s War – an interview significantly carried out in both Berlin and Paris. Why “cinema indirect” and not “cinema direct”? Because, from one point of view, the films, stories, and essays of Cozarinsky all tend to drift around the delicate and paradoxical issue of how to deal with fiction and fantasy without lying, and “cinema direct,” a form of film rhetoric and style that for many viewers automatically becomes a signifier of truth and the “real,” falls too easily into the practice of lying. (Jean Rouch undoubtedly had this point in mind when he employed “cinema direct,” a technique central to his ethnographic films – many of which unabashedly incorporate elements of fiction –- in his only pure fiction film, Le Gare du Nord , his contribution to the 1964 sketch film Paris vu par…) And as the “Mythologies” of Roland Barthes (among related enterprises) remind us, “news” and “documentary” can all too easily cloak their myths – their ideologies and other unstated suppositions –- behind related signifiers of actuality. From this point of view, the newsreel footage and the diary entries that rub shoulders in One Man’s War are two forms of self-justifying fiction, and the motivation for juxtaposing them is the desire to bear witness to the “real” sources and provocations they have in common. Like the multiplication of two minus signs yielding a plus, this multiplication of two fictions yields 74 a common concealed space that each fiction strives to rationalize and domesticate. Cinema indirect becomes the means for bringing this concealed space to light. Like the deliberately artificial and unstable spaces created between Paris and Buenos Aires in much of Cozarinsky’s work, between fiction and nonfiction, between literature and cinema, between “postcards” and quotations, between native tongue and exile tongue, and ultimately between politics and art, this cinema indirect is quite literally founded on a theoretical impossible space –- a realm of intervals, of in- betweenness, paradoxically defined by its own conscious marginality and lack of definition. Its only certainty, one might say, is a complete absence of certainty. As Richard Porton has noted of One Man’s War: A currently fashionable tenet advocates the view that history can only be evaluated within a textual framework, but this film moves beyond that by-now moldy truism to demonstrate the instability and outright mendaciousness of textual evidence. The newsreel sources are fascinating relics of societal bad faith, and this gargantuan exercise in self-deception is mirrored in the diary entries of Jünger that provide the film’s ectoplasmic voice-over narration. (As Thomas Elsaesser remarks, the film is interesting precisely because we know less after watching it than we did before.) One reason why we know less is that even the satisfaction of being told a linear narrative is disrupted. Although the film begins with Jünger’s early days in France and ends with the Liberation of Paris, the achronological arrangement of many of the diary entries that figures in between confounds any possible sense of progression or development in his thought. (In some segments, the entries even proceed backwards: in one portion devoted to 1941, we move from December to October to June to January.) And the nature of Cozarinsky’s mosaic structure of both text and newsreel material, not to mention his juxtaposition of the two -– counteracted in turn by his disjunctive uses of “Aryan” (Hans Pfitzner, Richard Strauss) and “degenerate” (Arnold Schönberg, Franz Schreker) musical accompaniment, and his division of the film into four chapters marked by musical indications –- compels us to regard the filmas-a-whole as an abstract composition at least as much as a collection of documents. Thanks to these strategies, as the film advances, our awareness of what it leaves out and refuses to say becomes every bit as important as what it includes; it is in all the unstable spaces between Cozarinsky’s elements (newsreels, diary entries, music, punctuations of black leader) that his darkest and “truest” meanings take shape. […] 3. The second “homecoming” film, BoulevardS du crépescule, is a personal essay, though one whose gaps and occasional ambiguities suggest at times some of the procedures of fiction. The film’s subtitle – on Falconetti, Le Vigan and a few others … in Argentina – accurately 75 describes its subject. Yet the ellipsis of three periods, appearing on the screen in a separate line between “a few others’ and “in Argentina,” almost subliminally introduces a sense of indeterminacy at the same time that it evokes, appropriately, the title of Cozarinsky’s first film, where the rudiments of this indeterminacy are already established. The key historical event of BoulevardS, the “mirror-image” (or reverse-angle) of the event concluding One Man’s War, is the celebration of the liberation of Paris on August 24, 1944, in Buenos Aires’ Plaza Francia. The event is first evoked in the film by Adolfo Bioy Casares, then by Gloria Acorta, then by Cozarinsky himself, who notes other events occurring on the same day, including a performance by Falconetti in The Children’s Carnival at the Casa del Teatro. But it isn’t until roughly halfway through the film, after the same celebration is recalled by Andrée Tainsy, another actress who knew Falconetti in Buenos Aires, that Cozarinsky incidentally reveals that he too was present at the same event: “Hanging onto the hands of my parents, I did not understand people’s joy, nor their relief. I heard singing in a tongue that I did not yet understand.” Just before he speaks these words offscreen, over the offscreen voices of Tainsy and Acorta recalling the same event, we see Cozarinsky looking at an array of photographs spread out on a table. When he arrives at his own memomy to complement theirs, the camera moves forward to a boy in the crowd seen in one of the photographs – a specific image to go with his recollection. But is this boy in the photograph in fact Cozarinsky? We have no way of knowing, yet the fact that Cozarisnky immediately goes on to say, “Nevertheless, the child I was would grow up in a country seduced by some quite cheap illusions,” alerts us to the possibility that we have just been seduced by a cheap illusion ourselves. A little later on, after the film’s focus has shifted from Falconetti to Robert Le Vigan – another French actor who spent his last years in Argentina, in his case escaping from the scorn and other repercussions of having been a Nazi collaborator – Cozarisnky plays an even more elaborate trick with his documentary materials. In the course of interviewing the writer Nestor Tirri, a casual neighbor of Le Vigan in Tandil who is recalling his fleeting impression of the man, the film suddenly cuts to footage of Le Vigan walking through the woods in the same town, seen from behind. Then we see Cozarinsky himself in front of the house in Tandil where Le Vigan lived for over fifteen years, interviewing two of his former neighbors about their own recollections. In the midst of their replies, he cuts to footage of Le Vigan at the same location, saying goodbye to his wife before taking a short stroll, and the voices of Cozarisnky and the neighbors are allowed to run over part of this footage. Still later, the film includes an actual interview with Le Vigan in Tandil and then shows Cozarinsky visiting the gravesite of both Le Vigan and his wife. From one point of view, this coexistence of “past” and “present” tenses in the same locations is a standard documentary device. But to confess to a certain naïvité on my own part, my initial assumption in viewing this film was that Cozarisnky had employed an actor to play Le 76 Vigan; it was only after I asked him about this that I discovered he had drawn on an earlier television interview with Le Vigan that had never been shown. Part of the significance of my error is simply the propensity of viewers to produce their own images to correspond to events that are being recounted in films, regardless of whether the films in question are documentary or fiction. Yet the passivity of the usual film-viewing experience is such that if the film itself furnishes an image to “replace” the imagined one, the viewer is likely to accept that replacement without protest, either symbolically or literally. This is well illustrated by Cozarisnky’s interview with two former French students of Le Vigan, both of them women, which is held in a former Tandil movie theater that is now a discothèque. Cozarisnky informs us at the beginning of the interview that another former student of Le Vigan, the writer Jorge DiPaola, “would be joining us,” and the point at which he appears in the balcony, when one of the women below is describing to Cozarinsky Le Vigan’s plans to build a chicken coop, there is a brief moment or two when DiPaola becomes the figurative “stand-in,” or double, for Le Vigan himself. Considering the degree to which Falconetti and Le Vigan are both presented to us as “lost” figures, historically speaking – formerly famous actors whose last years can only be dealt with in fragmentary glimpses and impressions, mainly through the accounts of people who knew them only slightly – it is we, in any case, who have to furnish most of the images, and the most that a documentary filmmaker can do in this process is to guide us in this activity. Yet as my initial example demonstrates, Cozarinsky as a young child in Plaza Francia on August 24, 1944 is every bit as inaccessible today, even to Cozarinsky himself. Acknowledging such a mystery is, properly speaking, the point at which his enterprise begins – the moment of calculated reticence when “cinema indirect” takes shape. in Film Comment, September-October 1995 La guerre d’un seul homme Edgardo Cozarinsky Point de départ Un film à partir de citations. 77 Un film où les images des “Actualités Françaises” des années 40-44 seraient confrontées à deux paroles très différentes: le commentaire de ces mêmes actualités … et le Journal d’Ernst Jünger Idée de forme Un film où la citation dirait toujours plus, un “plus” qui serait aussi “autre chose”. Sa matière brute serait une image et une parole, peut-être même plusieurs paroles, toutes trouvées. Le travail sur cette matière, par contre, serait très varié. L’image trouvée Ce serait les “Actualités Françaises” des années de l’occupation, Images naïves par rapport au discours du film, images mensongères et roublardes, par rapport au rôle social qu’elles étaient cernées jouer à leur origine. Et comme toute image, même celles des films dits de fiction, documentaires: rendues documentaires par le temps, qui modifie le regard posé sur elles. La parole trouvée Les Journaux de Paris et les Notes du Caucase de Jünger: parole écrite, intime, qui serait dite par une voix cultivée, à l’accent allemand très léger : premier niveau d’élaboration. Occasionnellement, les commentaires des actualités : tour à tour optimiste, grave, ému, patriotique, vulgaire. Les mots et la voix d’origine: trouvés, documentaires. Le travail sur cette image, avec cette parole C’est au niveau du montage, dans une acception large du mot, qu’on peut commencer à entrevoir le film. Pour commencer, une livraison hebdomadaire des “Actualités Françaises”, à l’état brut: le brassage des menus événements de la semaine parisienne (ouverture d’une exposition canine, Zarah Leander visite la Capitale, nouveaux chapeaux), des faits d’armes, toujours ailleurs (en Afrique, à l’Est, dans l’Atlantique Nord), des images d’une politique internationale nouvelle (visites diplomatiques des envoyés de l’Espagne “libéré” et du Régent de Hongrie à Berlin, indépendance de la Croatie, réouverture des églises en Ukraine et dans les pays baltes). 78 Cette ouverture, ce serait quelques minutes où la bande-images et la bande-son seraient “occupées” par les actualités de l’époque, telles que le public d’une salle de quartier aurait pu les voir sur l’écran. Pour continuer, du noir dans l’image, et d’une ambiance sonore indistincte, surgiraient quelques images de ces mêmes actualités, isolées, peut-être même arrêtées, et une voix – qui dorénavant sera, dans le film, la voix de Jünger – lira une note de son Journal. (Celle, peutêtre, où il parle des actualités, projetées avec les lumières de la salle allumées, qu’il voit dans un cinéma voisin de la Place des Ternes.) À partir de ce moment, le film irait à la rencontre du personnage et de sa guerre à lui. Aucun parti pris d’”illustration” du texte dit par les images tirées des actualités : plutôt une série de rencontres et de digressions entre la parole et l’image: un travail très libre qui pourrait s’arrêter sur une image pour en dégager le gros plan d’un geste ou d’un regard, ou bien pourrait établir la chronique d’une campagne en fouillant dans les rubriques qui se suivent, d’une semaine à l’autre, dans les actualités (telle cette “guerre à l’Est” où Jünger devra faire une incursion entre ses deux séjours à Paris, et dont témoignent ses Notes du Caucase). Le dessein, toujours, sera celui de trouver une respiration entre parole et image ; entre cette même image et le noir qui devrait occasionnellement la scander, entre son mouvement et ses arrêts ; entre la parole, le silence et la musique, et entre les paroles: celle toute réflexive de l’officier-poète, et celle, banale, du commentaire des actualités, qui de temps à autre interromprait l’écrivain, comme le rappel d’une autre “parole publique” de l’époque. La musique De très brèves bouffées de musique: “juive, dégénérée” – Schoenberg – et “aryenne, pure” – Pfitzner -, qui pourraient dépasser et images et paroles, mettre en conflit les éléments du contexte culturel. On peut songer, par exemple, à la rencontre dans le film des dernières notes hâtives de Jünger (après avoir acheté quelques vieux livres, fait les dernières visites, oublié dans un tiroir des Iettres irremplaçables), de leur date (le 10 août 1944) et de la voix d’Elisabeth Schwarzkopf qui s’impose à celle de Jünger pour l’effacer, en chantant l’une des Quatre Dernières Chansons de Strauss, sur les images exultantes dès la Libération de Paris. (Rappelons que Jünger publie ses notes d’après 45 comme “journaux d’occupation” .... ) . Le personnage Dégoûté par le récit des atrocités sur le front de l’Est, touché par les valeurs culturelles de cette France qu’il visite encore une fois, Jünger paraît dans son Journal comme une figure exceptionnelle et en même temps représentative de l’artiste ou l’intellectuel allemand qui, pendant le troisième Reich, choisit “l’Exil intérieur”. Cet officier de l’armée allemande parle 79 dans son Journal en écrivain que l’analyse des sentiments et l’étude des mœurs intéressent. Il consigne avec minutie les derniers mots des résistants exécutés, les rafles, les déportations, les dénonciations. Il fait des réflexions d’ordre moral, voire philosophique, sur I’histoire, les valeurs en jeu, les individus courageux ou indécis qu’il rencontre. Spectateur privilégié? Pudeur extrême? Hypocrite flâneur? Ressent-il que le seul fait de survivre, en de telles périodes de l’histoire, équivaut déjà à une “collaboration” avec les forces du Mal? En tout cas, il n’ignore rien et il porte un regard impitoyable sur ses compatriotes, sur la société parisienne de l’époque, sur la vie quotidienne… Après un déjeuner avec Paul Morand chez Maxim’s, il se promène rue Royale et voit, avec malaise, “les premières étoiles jaunes à Paris”, sur la poitrine de trois jeunes filles qui se promènent bras dessus-bras dessous… Aussi troublant par ce qu’il consigne que par ce qu’il fait, Ernst Jünger nous rappelle qu’aujourd’hui aussi peut-être nous ne vivons pas cette histoire qui nous ronge (l’Iran, le Cambodge, I’Amérique Latine sont nos “ailleurs”, maintenant), que nous nous contentons d’y réfléchir, de notre refuge cultivé d’européens. Et il n’y a pas de refuge plus trompeur que la culture. in Cinematographe n.º 54, Janvier 1980 Entretien avec Edgardo Cozarinsky Pascal Bonitzer Ton film se présente comme un montage de documents sur l’occupation. En fait, on s’aperçoit vite qu’il y a des partis pris très différents et même inverses de ceux qui sont habituels dans ce genre cinématographique. Je n’ai senti à aucun moment que j’étais en train de faire un documentaire, même si je prenais comme point de départ des documents dans le sens le plus large (non seulement des images mais aussi des enregistrements de musique et des textes, que ce soit le commentaire des actualités ou le journal parisien de Jünger). Dans la plupart des films qu’on appelle documentaires, on trouve un pré-supposé qui m’est profondément étranger, même antipathique : qu’on saisit la vérité par le document, ou que si l’on braque la caméra devant quelqu’un et on le fait parler, l’image et le son ne peuvent pas mentir. Moi, j’ai toujours eu le sentiment inverse. Ce n’est pas dans le documentaire ou dans l’idéologie du cinéma-vérité que j’ai trouvé une vérité. Je l’ai trouvée dans la fiction, dans la convention, dans ce qui me parle de l’imaginaire: Goldiggers 1933 m’en dit plus long sur le New Deal de Roosevelt que 80 les documentaires de l’époque. Pour en revenir à La Guerre d’un seul homme, je voulais mettre en conversation certains éléments visuels et sonores. Plutôt que d’illustrer une vérité définie à l’avance, je voulais étudier le jeu des mensonges (parce que je savais qu’il y aurait des mensonges !), reproduire à échelle réduite les contradictions et aveuglements d’une époque sans jamais emprunter la vois de l’Histoire ; plutôt, retrouver la difficulté de voir clair dans laquelle on vit à n’importe quelle période. Dans cette optique, c’est l’aspect fortement codé des actualités qui m’attirait : elles trahissent de par la censure même, tout ce qui était refoulé. En même temps, en composant ce modèle à échelle réduite avec quarante ans de recul, on connaît l’issue historique des situations qu’on examine. C’est comme ça qu’est né le sentiment d’être en train de faire un film sur le présent, en retrouvant des lignes de force, derrière l’image qui est restée de cette période-là, les problèmes, les problèmes et les hantises du présent, surtout cette obstination presque biologique à survivre à tout prix à n’importe quelle défaite. Ce qui est frappant d’abord, c’est l’absence de commentaire, ou alors le fait que chaque élément du film, images d’archives, éléments musicaux, voix, textes, fonctionnent comme les commentaires les uns des autres. C’est-à-dire que le document est en même temps le commentaire et le commentaire est le document. Il n’y a pas de point de vue surplombant qui ferait les comptes. C’est ça qui a dicté la forme musicale du film, sa mise en mouvements musicaux ? Ce n’était pas un a priori, ça s’est imposé au fur et à mesure qu’on avançait dans le montage. Je me suis aperçu qu’il prenait forme très nettement en quatre sections et que ces chapitres étaient moins narratifs que musicaux. C’est ce qui nous a sauvé à un moment où le montage semblait déraper vers un film de 5 heures ! L’organisation en quatre mouvements nous a permis d’avoir un principe formel par rapport auquel réduire, resserrer, mettre en rapport les éléments. Ces quatre mouvements correspondent aussi aux quatre périodes de la vie de Jünger en tant qu’occupant. Dans un premier temps, quand il est plutôt en position de voyeur. Dans un deuxième temps, quand il voit les premières étoiles jaunes, il commence à se sentir regardé lui-même, gêné d’être en uniforme… On a deux points de vue fondamentaux qui s’expriment : celui de cet Allemand atypique, et celui de la collaboration qui est aussi le point de vue du gratin (la mode, etc.) … Pas exclusivement. Il y a aussi: soupes populaires, chômage, travailleurs qui cherchent des salaires plus élevés en Allemagne, beaucoup d’indices d’une situation sociale difficile. C’est précisément ce mélange qui m’a intéressé. Ne pas dire a priori, avec les réflexes sentimentaux traditionnels de gauche, que c’est le côté chômage, etc., qui est plus vrai que 81 l’autre. Ce sont les rapports, le croisement de ces lignes différentes qui m’ont intéressé. D’ailleurs, c’est frappant de retrouver dans ces actualités faites sous contrôle allemand certains aspects de la vie parisienne où notre regard ne peut que lire autre chose, comme ces chapeaux en fibrane, “triomphe de la collaboration entre les chimistes de l’IG Farben et les couturiers parisiens” … La musique aussi impose un regard inattendu sur ce qu’on connaît. Je crois que c’est la première fois qu’on montre des images des liesses de la Libération sur une musique totalement mélancolique. La quatrième des Quatre Dernières Chansons de Strauss a été composée la première, en 1948. Même si Strauss n’a pas été, comme on le dit souvent à tort un musicien officiel du Troisième Reich (il connut bien des ennuis car son ancien librettiste, Stefan Zweig, était juif), cette musique d’après-guerre me semble exprimer quelque chose de l’éclipse d’une culture, d’une tradition pas seulement viennoise. Avec les paroles d’un poème d’Eichendorff qui s’appelle précisément “Dans le rouge du couchant”, il m’a semblé qu’elle exprimait quelque chose d’une défaite non seulement militaire ou politique mais la défaite d’une conception du monde, d’un idéal culturel compromis par sa complicité avec des idéaux politiques et militaires. Ce qui est frappant dans le cas de Jünger c’est qu’il est conscient de tout ce qui se passe et que cette conscience ne questionne pas son appartenance à ce qu’il ressent comme une chevalerie, sorte de cinquième colonne à l’intérieur de l’armée. Ne croyant ni à la démocratie ni au communisme, comme beaucoup y croyaient à l’époque, il se sent soumis à un code d’honneur que la plupart de ses compagnons d’armes ignorent. C’est tout. En parlant de ses retrouvailles heureuses avec Paris, au début, il dit avec une innocence très troublante : “Peut-être ferais-je bien de profiter de cette occasion pour prendre pied ici, elle me fut offerte sans que j’y fusse pour rien” : comme s’il n’était pas un officier d’une armée d’occupation. Peut-être qu’à seulement vingt ans de la fin de la Grande Guerre, une certaine mystique des armes n’était pas encore ternie, que ce sont les guerres coloniales récentes qui ont fait la vraie cassure … Le titre du film de ce point de vue-là est ironique : La Guerre d’un seul homme. Pour moi le titre dit : voilà la guerre telle qu’un homme l’a vécue. Etant écrivain, cet homme a laissé son témoignage. Mais si on pouvait avoir les témoignages d’autres gens, des inconnus, on aurait d’autres guerres. C’est un peu dans cet esprit que je fais basculer le film de la subjectivité la plus outrée, celle de Jünger, aux masses de travailleurs, légionnaires, prisonniers, tous sans voix. Même les collaborateurs qui prennent la parole (Alphonse de Chateaubriand ou Mayol de Luppé) sont là pour rendre sensible la meute dont ils émergent un instant. 82 Il y a aussi les arrêts sur l’image. Six ou sept fois au cours du film, j’ai arrêté l’image sur des visages dont l’expression me captivait. Je me disais : voilà des gens qui passaient par là, ils ont été peut-être indifférents, complices, victimes, en tout cas des témoins sans nom que je ne connaîtrai jamais. Souvent ce sont de gens qui photographient. Au début et à la fin. Au début, c’est un officier allemand sur les Champs-Elysées pendant le défilé de 1940, qui regarde ailleurs (vers quoi ?) et prend une photo de cette autre chose qui a attiré son attention. Dans un premier temps j’ai cru que tu arrêtais l’image parce que c’était Jünger. Même si un document sur Jünger avait existé je ne l’aurais pas inclus pour qu’il reste une présence purement sonore, une voix qui chuchote à l’oreille du spectateur. A ce premier plan du film, dont tu parles, répond à la fin un gendarme qui prend une photo ; par le montage, j’ai fait que la photo qu’il prend soit celle de deux petits enfants assis au bord de la rue, et par un jeu d’arrêts successifs, on a relié ces enfants au tout dernier plan, celui d’une femme blonde qui a elle aussi un appareil-photo à la main … Tu sais, pendant le montage, on s’est rendu compte avec la monteuse que souvent on s’arrêtait pour regarder l’expression d’un personnage dont on ignorait tout. Je me suis dit que cette curiosité, ce plaisir, je devais le partager. On a commencé à faire des marques ; au bout du montage, on en avait presque cinquante ! On a fait un choix et je dirais, même si ça sonne un peu littéraire, que ce qui m’attirait dans ces visages était le fait que jamais je ne pourrais pénétrer dans leur tête ni savoir ce qu’ils pensaient à ce moment-là, et qu’en même temps je voulais arracher cette expression fugitive à l’oubli, à l’anéantissement. Tout a commencé par deux visages qui m’ont frappé par leur beauté : celui de la jeune fille qui demande une cigarette au milieu de la soupe populaire à Montmartre, dans le premier mouvement, et dans le troisième ce prisonnier russe qui, quand on le filme, lève les yeux vers le ciel. D’abord j’ai cru qu’il en avait marre, puis j’ai pensé que tout simplement il regardait s’il allait pleuvoir, maintenant je le regarde pour le regarder, sans essayer de percer son mystère. Dans ces moments du film, il y a quelque chose dont Barthes parle dans “La chambre claire”, ce qu’il appelle le punctum. Ces arrêts sont devenus pour moi quelque chose de presque érotique. Je voulais que ces personnages imaginés à partir des visages rencontrés au hasard restent encore un peu avec 83 moi, d’une manière amoureuse pour ces deux-là ; dans d’autres cas pour des raisons intellectuelles, comme dans le cas des photographes. Je crois que c’est à propos de la photo d’un condamné à mort que Barthes dit qu’il a ce sentiment de tragique plus ou moins infusé d’érotisme, et c’est un sentiment qu’on a constamment dans ton film. La mort frappait partout et on sent que la plupart des acteurs du film sont condamnés à mort et sont morts J’ai eu le même sentiment au cours du montage, que c’était en tout cas un film sur les vaincus. D’où le titre qui signifie aussi la guerre de tous en tant qu’individus … En tant qu’ils sont seuls, et qu’ils seront vaincus même si leur cause triomphe, car même si ce sont eux qui gagnent la guerre jamais ils n’auront le pouvoir. Ces prisonniers russes, ces officiers allemands, n’étaient peut-être pas plus vaincus que cette foule joyeuse qui célèbre la Libération à la fin : c’est pourquoi je n’ai voulu montrer aucune personnalité officielle, je n’ai gardé du défilé que quelques soldats américains parce qu’ils me semblaient naïfs dans leur attitude et parce que j’aimais les plans de femmes qui montent sur des chars armés. La fête y paraît dans toute sa fragilité. Tu as choisi de ne prendre aucune figure représentative. Et Jünger est absent de l’image. Ce qui m’intéresse en lui c’est le regard en biais, l’individu qu’on peut trouver inacceptable mais qui dérange toujours par la vérité qui passe dans son observation : un peu comme dans la vie quotidienne, quand des propos qui nous semblent justes sont tenus par des gens qui nous dégoûtent, ou qu’on ne peut pas être d’accord avec ceux qu’on estime. Dans Jünger ce qui t’a intéressé, c’est le monologue intérieur d’un écrivain. Ce qui me frappe le plus c’est la précision avec laquelle il décrit et analyse tout en n’ayant aucune illusion sur la possibilité de changer les évènements. C’est quelque chose de très dur, pour nous qui sommes devenus adultes dans le mirage flatteur qu’il n’y a pas de compréhension intellectuelle des faits qui ne dérive dans une praxis devant à son tour modifier la réalité matérielle, et donc le cours de l’Histoire … Pourtant l’Histoire elle-même s’est chargée de nous détromper, montrant jusqu’à quel point on peut comprendre sans pouvoir modifier, ou modifier pour aboutir à des résultats insupportables. 84 Ce regard est troublant parce qu’on se dit, si ce détachement était possible alors, pourquoi ne serait-il possible maintenant ? Si je revendique quelque chose pour le film, qui prend pour matériel une époque éloignée de quarante ans, c’est d’être fait avec un regard qui correspond à l’après-Cambodge. Il existe une sensibilité de l’après-guerre du Vietnam, la nôtre, nous qui avons assisté insouciants à l’installation, grâce aux efforts conjugués de Kissinger et de la Chine, du régime des Kmers rouges, régime de marxistes éclairés, éduqués à Paris, qui a débouché sur le génocide le plus rapide et systématique du siècle. On a eu droit à ce moment-là à une mise en scène des stratégies du pouvoir qui va au-delà de ce qu’on aurait pu penser possible au niveau de toute Realpolotik et de la manipulation des idéologies. Et on l’a vécu protégés, car la guerre se passe toujours ailleurs pour les intellectuels, même quand ça se passe chez eux. L’un des sujets principaux du film c’est le rôle de l’écrivain dans l’Histoire. Ce n’est pas quelqu’un qui semble avoir hurlé avec les loups, Jünger ; c’est au contraire quelqu’un qui a essayé de garder la tête froide. Ce code chevaleresque n’est pas plus absurde que d’autres fictions par lesquelles les intellectuels se sont trouvé un rôle dans l’Histoire. Malraux en Chine dans les années 30, Débray en Bolivie dans les années 60, ils n’ont cherché qu’à revêtir le mythe de Rimbaud. Après tout, qu’est-ce que le tiers-mondisme sinon le dernier avatar de l’impérialisme : on exporte des armes, ou la technologie, ou le rôle de sauvage noble qui doit réaliser la révolution, le plus loin possible de l’Europe. Tu te souviens d’Eluard ? Dans “Poésie ininterrompue”, vers 1950, je crois, il écrivait “Aujourd’hui je voudrais être en URSS ou nulle part ailleurs”. Quelle coquetterie ! Il pouvait s’y rendre en visiteur, avec passeport, cet objet de luxe dans le monde communiste … Quand il acceptait l’exécution à Prague de son copain, le poète surréaliste Zavis Kalandra, sa complicité me choque autant que celle de Jünger. Ayant subi “ne pas désespérer Billancourt”, je ne m’attendais pas à lui trouver une réplique chez un officier de l’armée du Reich. Et pourtant le reflet y est, sauf qu’à l’époque, on payait des prix plus élevés pour adhérer aux états-bourreaux : pense au suicide de Drieu … Qui oserait espérer une délicatesse semblable de la part des rédacteurs de Tel Quel, qui prônaient la révolution culturelle dans le sixième arrondissement ? Ils sont là encore, se cherchant toujours des avant-gardes, cette métaphore où déjà Baudelaire décelait l’origine militaire … D’une certaine façon, le film continue la problématique des Apprentis-sorciers sur les rapports de victimisation des intellectuels par rapport au fascisme ou à toute répression politique. 85 C’est possible. Dans La Guerre d’un seul homme je pars du document pour aller dans le sens de la fiction ; dans Les Apprentis-sorciers tout comme dans Points de suspension la fiction était interrompue par des développements qui devraient apporter une réflexion sur elle, la fiction glissait tout le temps vers l’essai. Dans tous les cas, il y a contamination. C’est vari que l’idée de pureté, esthétique autant que raciale, m’a toujours été antipathique. L’indécidabilité du document est une notion à laquelle tu tiens depuis ton premier film argentin… Il y a une dizaine d’années, je tenais le document en horreur. C’était l’époque des spéculateurs culturels du tiers-mondisme, qui vendaient leurs produits à une critique européenne ébranlée par 68. En Argentine, ils faisaient en même temps de la propagande pour le retour de Peron et de la publicité pour Walter Thompson ou McCann-Erikson, avec les mêmes boursouflures rhétoriques et les mêmes capitaux. Plus tard, en réalisant mes propres films, ça m’a intéressé de contaminer la fiction par le document, pour leur faire rendre par l’affrontement un plus qui serait aussi autre chose … L’absence de commentaire de ta part n’exclut pas un regard, un choix très orienté. Etant argentin, juif, né en 1939, j’ai vécu la deuxième guerre mondiale d’une façon plutôt inconsciente … Je me souviens pourtant de la libération de Paris, telle que je l’ai vécue à Buenos Aires. Mon père est rentré à la maison plus tôt que prévu, en disant “c’est la fin du nazisme, on peut respirer, maintenant c’est une question de mois, de semaines” ; on m’a emmené sur une place où il y avait un monument dédié à la France républicaine, il y avait des gens qui chantaient dans une langue que je ne connaissais pas et des bouquets bleublanc-rouge. Ils avaient tous l’air très heureux. Sur le chemin de retour, mon père chuchota à ma mère, assise à côté de lui dans la voiture “Si les nazis avaient gagné la guerre, je me serais suicidé après t’avoir tuée, toi et l’enfant”. Comme toujours, quand on entend ses parents parler à voix basse pour qu’on ne les entende pas, j’ai saisi là quelque chose d’important. La question de la position du peuple français que l’on trouve posée dans la plupart des films sur cette période ne l’est pas dans ton film, peut-être parce que ton point de vue est celui d’un exilé. Ou celui d’un survivant, ne fut-ce que parce qu’un jour j’ai décidé de survivre … Dans la France occupée j’ai reconnu pas mal de choses de l’Argentine, tel qu e je l’ai connue sous de différents régimes militaires. 86 Ça contribue à ce que ton film soit vu comme un film sur aujourd’hui. Cette sensibilité dont on a parlé, celle de “l’après Cambodge”, je la sens partout dans la vie mais je la reconnais rarement dans le cinéma qui se fait aujourd’hui. Dans La troisième génération de Fassbinder, oui. Dans Le Faussaire de Schlöndorff, non, même si le parallèle entre le Liban divisé et l’Allemagne partagée touche à quelque chose d’essentiel : le fait que de nos jours toutes les guerres sont des guerres civiles ; mais je ne peux plus marcher quand on trouve les Palestiniens plus sympathiques que les Chrétiens “parce qu’ils sont plus pauvres”. C’est comme lorsque L’Ombre rouge découvre les méfaits du stalinisme, six ans après les confections italiennes écrites pour Giean Maria Volonte … Pour finir. Quelques précisions sur l’élaboration. Comment as-tu choisi le matériel ? En suivant mon instinct, en gardant tout ce qui me frappait. J’ai vu plusieurs heures de documents par jour, cinq jours par semaine pendant deux mois aux archives de l’INA. Je reconnais bien les Journaux de Jünger mais, ayant refusé le principe de l’illustration, je n’ai pas voulu en faire un canevas ; je n’avais fait qu’une maquette du film, celle que l’INA avait feuilleté, une quarantaine de pages. C’est sur cette maquette-là d’ailleurs que des gens aussi différents que Eckart Stein à Mayence, et le producteurs Jean-Marc Henchoz et Alain Dahan ont décidé de me soutenir, et ont tenu pendant les années de négociations avec l’Institut, jusqu’à ce que Manette Bertin trouve un biais pour réussir la coproduction. Aux archives, les titres des sujets ne voulaient rien dire, donc j’ai tenu à tout voir. J’ai fait tirer plus de matériel qu’il ne fallait : une vingtaine d’heures. Le premier montage faisait autour de 2 heures 20’ ; finalement on est arrivé à 1 heure 45’. Et pour la composition de la bande-son ? Je savais que je voulais les voix criardes, arrogantes ou sentimentales des actualités, en alternance avec la voix de Niels Arestrup lisant Jünger : j’aime le débit de Niels, à qui j’avais demandé de jouer Danton dans les extraits de “La mort de Danton” de Büchner insérés dans Les Apprentis-sorciers. Sa voix a été enregistrée très près du micro, avec beaucoup de “présence” ; ces petits bruits et respirations qu’en général on enlève de la bande son. C’est une voix intime, “de chambre”, qui parle à l’oreille du spectateur. Avec lui on a enregistré quelques trois heures de texte dont sont restées à peu près quarante minutes. Quant à la musique, je savais dès le début que je voulais la chanson de Strauss pour la fin. Et aussi que je voulais Pfitzner, mais là le choix a été plus difficile : c’est sa musique qu’on entend pendant les trois premiers mouvements du film ; ce n’est que dans le quatrième qu’interviennent les “non aryëns” : Schönberg avec un fragment de sa “Musique 87 d’accompagnement pour une scène de film” et Schreker avec son lied “L’obscurité descend pesante comme le plomb”. Il y a un film auquel il serait intéressant de confronter le tien, celui des Staub sur cette même musique de Schönberg, Einleitung … etc. Je n’ai jamais pu le voir. Justement il est fait sur un principe parfaitement inverse du tien. On a la confrontation des textes, à l’époque du fascisme, des lettres entre Kandinsky et Schönberg. Kandinsky aurait fait montre de sentiments antisémites et Schönberg lui répond. C’est une chose à laquelle tu t’es refusé, parce que finalement ton point de vue n’est pas, au sens classique, dialectique. Penses-tu qu’un cinéma qui se veut résolument faux, arbitraire, artificiel, a plus de chances d’atteindre la réalité aujourd’hui qu’un cinéma qui se voudrait plus près du réel ? Je me dirais que oui, et en même temps je me demande si ce n’est pas encore une trace de l’impact du cinéma des années 60 … Les films auxquels je tiens le plus ce sont des films “classiques” : Griffith, Lubitsch, Lang. Mais j’ai toujours porté sur eux un regard imprégné de cette volontaire suspension de l’incrédulité (willing suspension of disbelief) dont parle Coleridge. Le spectateur des films classiques ne croyait jamais à la vérité de ce qu’il voyait, il acceptait une convention, dans un jeu beaucoup plus nuancé que ce qu’on voudrait nous faire croire lorsqu’on revendique aujourd’hui un retour à la “transparence”. C’est là l’évangile même de la roublardise. Le spectateur du cinéma classique était très conscient des différentes conventions et degrés de fiction dans lesquels il choisissait de se laisser entraîner. Il suffit de penser à la comédie musicale, où la convention est étalée sur la table. Est-ce que tu penses que ce film que tu as fait, La Guerre d’un seul homme, qui est une œuvre unique dans son genre, ne saurait se prolonger dans ton travail ? En marge de ce film, avant et après, j’ai fait quatre courts courts-métrages, des miniatures, à partir d’objets cinématographiques trouvés : L’album des cartes-postales volées. Trois d’entre eux sont comme satellites détachés de La Guerre… : Les cartes-postales d’un cinéphile pendant l’Occupation, Deux cartes-postales de la Manche 1940 et Trois cartespostales du Troisième Reich. L’autre s’appelle Trois cartes-postales de Saigon 1975 et c’est une sorte de post-scriptum imaginaire à la guerre du Vietnam. Dans toutes les quatre, des textes de fiction (des messages écrits sur les cartes-postales) font éclater le document brut, lui font livrer autre chose. Donc, en ce moment, je n’ai aucune envie d’insister … Mais deux projets sont très carrément des films de fiction, et romanesques et romantiques ! Pourtant un jour je voudrais revenir à une forme non identique mais proche de celle de La Guerre … 88 pour aborder un sujet qui me passionne ; le retour de Bernanos en France, le lendemain de la Libération, invité par De Gaulle. Rentrant de son exil au Brésil, Bernanos devient un cassepieds insupportable pour De Gaulle, dénonce l’épuration, tout cela d’un point de vue irréprochable ; c’est en même temps une situation de comédie et un rappel gênant, car les pamphlets écrits par Bernanos à cette époque là sonnent plus juste aujourd’hui que la plupart des choses qu’on écrit sur le destin de l’Europe depuis qu’on a ressuscité la guerre froide. Que ce soit Bernanos ou Jünger, le défroqué de Points de suspension ou les militants rêveurs des Apprentis-sorciers, ce qui t’intéresse finalement c’est toujours la position d’un homme en porte-à-faux … Peut-être, m’étant senti moi-même trop souvent en porte-à-faux dans mon expérience de l’Histoire … in Cahiers du Cinéma n.º 333, Mars 1982 Discourse and History. One man’s war: An Interview with Edgardo Cozarinsky Thomas Elsaesser You made One man’s war in France at a time when there had already been an extensive public discussion about the French and their collective memory of the Second World War and German occupation, The sorrow and the pity, Lacombe Lucien and The last metro among others had very much fixed the critical debate around the question of collaboration and resistance. Your film deliberately displaces these terms, and one could imagine an equally important debate around the use you make of documentary material – in your case, newsreels of the period – and the choice of a German writer, Ernst Jünger, as intimate witness. Does the question of Jünger’s complicity, his attitude to the historical events he observed, engage you more than "the truth" about the French? Whether the majority of the French collaborated or resisted is a question of statistics and a neuralgic point in the national conscience. What mattered to me was the question of Jünger the writer, and the quality of his look at history. He approaches current history with a precise surgical hand, almost as if the events he is describing are part of natural history. He works 89 hard at having a perspective. He puts himself at a distance from what he is experiencing as if he were a visitor from another planet. […] Once again, a writer’s attempt to make literature a reference point outside politics and history? It represents what I believe to be the capacity of most intellectuals – to be cool, to look at things from a distance. Being aware of it, and often having a bad conscience about it, they have shown themselves, in the last half century, overzealous to "commit" themselves, to take a stand, to do anything that might cancel that distance. To the point of wanting to be the stars of History, not its chroniclers. And that distance, when repressed, only comes back the more strongly, in the midst of political engagement. For instance, hundreds of European writers signed the protest for Regis Debray when he was imprisoned in Bolivia, and he knew they were signing for him, not for the hundreds of other people imprisoned in the same jail. The case of Jünger is extreme – a Reich officer in occupied Paris allowed himself to write from the point of view of an intellectual analyzing extraordinary moral, social, and historical upheavals in contemporary society as if he was not a part of it. Are you saying that the exceptional circumstances of Jünger finding himself in Paris, and the disavowal of this exceptionality in his journals, manifest a general predicament of the intellectual in the face of politics? I feel it to be exemplary because it is so extreme. It casts light on our own experience, and I personally feel it as an Argentinean. When I lived in Argentina under successive but similar military regimes, there was always this understanding in intellectual circles that everybody was against the Regime. At the same time being almost a question of manners, this agreement represented an extraordinary level of passive collaboration – it meant that you did nothing about the situation. And yet, literature seems to thrive under such circumstances... If Jünger’s look as a writer was that of an alien from another planet, of someone who perceived events and upheavals as part almost of natural history, does this hard, mineral quality of his commentary not stand in a very deliberate, not to say cruel opposition to the sometimes frivolous, frothy material you have chosen from the newsreels, at least in the first "movement" of the film? When I first started on the project I had an "experimental" attitude to the work. I had the newsreels on the one hand and the Jünger journals on the other and I wanted to see what happened when they came together. Most of my preoccupations were formal (if I had no interest in form I would be doing TV reportage or magazine articles instead of films). I did 90 not know exactly what the end result would be but I knew it would reveal something, I trusted my instinct in choosing as well as in editing: I watched the material in the archives in November and December 1980, I began editing in May 1981 for twelve weeks. After a moment of despair when I thought it would be a five-hour film, I felt the material asked to be grouped in four different units, the four movements of the film. I became very involved in the material during this time and I connected the emotional agitation I felt with my distrust of documentary and the ideology of cinéma vérité or direct cinema (I am only interested in "cinéma indirect," if it exists). The material was very much connected with my personal background in Argentina as well as my approach to the cinema. One might say that the intellectual Right during this century has been preoccupied with the "disappearance of history," whereas the Left, sensing that history was very much in the making, has been obsessed with causes and effects, with instrumentality. Is your film concerned with what has happened to our concept of history during the last fifty years? I began to feel that the film was as much about today as about the past. And not simply because of the fact that I was watching the material for so many hours a day that it became a part of reality – I didn’t see daylight at all! The first association I made was with the attitude of French intellectuals on the left, that "turncoat" quality of French intellectual life which is a kind of farce accepted by everybody. Nobody feels they have to justify it, changing sides and changing factions just out of a feeling that they have to move with the times. Paris fashion, which is an industry, is a model for all kinds of cultural activities, people wear certain ideas which change as fashions change. Look at the shifts of position of magazines like Tel Quel, the whole itinerary from promoting the Cultural Revolution, to supporting Soviet dissidents is not based on political analysis or gruesome discoveries but derived from a deeply ingrained intellectual frivolity. […] You must have thought a lot about the "voice" of the camera, as it were, because there is already heterogeneity, an area of friction between the voice-over commentary of the newsreel and the point of view from which the material is shot, without even considering Jünger’s voice or that of Pfitzner’s or Strauss’s music. One of the reasons for my deep distrust of documentary vérité is that I’m never sure what it is a document of. The newsreels were basically very truthful about what they captured; only, they were truthful about things other than what they thought they were saying. Time, in a sense, is the great flashlight because now you see through the lie and everything seems obvious and apparent. There are moments when I repeat the same images but in a very different context, an example is the arrival of Heydrich in Paris. Once it is there with the original newsreel commentary, presented as the arrival of a German personality in Paris, on a 91 par with the arrival of Winifred Wagner or Franz Lehar. He is greeted in much the same way that the others are greeted and he meets French personalities, like Darquier de Pellepoix (who surfaced later in Spain), and Bousquet, the personalities of the collaboration. Then I took some shots from the sequence containing the Heydrich arrival, intercut them with black leader and put on them Jünger’s comments about the fauna to be seen at the German Institute, individuals "he wouldn’t touch with a barge pole." Repeating the same shots with a different editing and soundtrack shows them to be both continuous and discontinuous, constructed. Only once or twice do you show the face of a name which Jünger mentions. Voice and image in general do not come together, or rather, a literary image and a photographic image of the same referent persist side by side, each with its own connotations and provoking subtle delays in the passage from perception to idea. I knew since I first thought about the film that the soundtrack and the image should be distinct, meeting occasionally at certain points but in general diverging, even where the sound track carries the commentary of the original newsreel. I wanted to have the image and soundtrack in counterpoint, each commenting on the other. What I was most afraid of, on aesthetic grounds, was that the film would be systematic in the wrong sense, in that it would become obvious to the viewer from the start how it worked, the rest following on the same principle. I was very much afraid that the film would have a method which people could pinpoint. Even if the counter-pointing of image and soundtrack could be considered a method, it works in different ways. I was very careful when organizing the film into four movements that you could never predict at the beginning of a section how it was going to develop. A lot of photographic images have been appropriated by our period as the Image of Paris in the thirties and Paris under the Occupation. A certain "Paris" has been constructed a new, history has been rewritten through these images. Were you conscious of not giving too many iconographic references or points of recognition to your audiences? The only such point of reference occurs very near the beginning. After the parade on the Champs Elysées there is a series of shots of German street signs which follow a kind of itinerary from the Place de la Concorde to the Opéra. I kept them as a travelogue of Paris in 1940. Instead of having the traditional kind of travelogue: "here we see these charming natives" etc., instead of a voice-over stressing the difference of the "invader" from the French population, you have one of those invaders telling how happy he is to be back in Paris. He says that perhaps he should take this opportunity to settle down in Paris, since it has been offered to him freely. He is speaking as a writer who had been a frequent visitor to the city, 92 who has friends there, favorite places, and doesn’t seem to see much difference in the fact that now he is in the German army wearing a German uniform. […] One man’s war is a film by an exile about an invader, both looking at Paris from an inner distance. The newsreel material you have put together is light and ephemeral, and perhaps because of Jünger’s relentlessly self-centered commentary, shot through with ironies at every point. His was an analytical mind which nonetheless doesn’t necessarily believe that there is "truth," which is why the question of perspective and the look – in its widest sense – is so crucial. You emphasize this in your film, for instance, by several shots of people filming, notably in the beginning, where we see a German officer – not Jünger, of course, but in some sense his double, a Jünger alter ego – taking pictures with a camera. Does this not suggest that despite the polyphonic organization of many voices and multiple perspectives, the film privileges the individual voice, even if this is obviously not the voice of truth? The individual voice, of course. Jünger’s – not necessarily. His journals were available and the fact that his predicament (a writer and army officer, an accomplice of henchmen caring for the victims) is exceptional made him richer, more upsetting and revealing as a counterpoint. But the voices I would have liked to listen to are not those of such "stars," however engrossing their account, but those of the nameless "extras." I have frozen the image on their faces (literally, faces in the crowd) to let us fantasize what roles they could have played, what their "one-man’s-war" may have been like... […] I see the frozen images in the film as "details," such as you may find illustrating an art book. They try to stop the flow (the editing is quite fast throughout) and call attention to a gesture, to an incident, but never as explanation, rather as unexpected windows opening on something unknown. Most times I worked with them according to the music, and the music was the great organising principle of the film, not only its choices but also whether it was left under, or over, the Jünger voice or the newsreels voices, whether it runs freely for minutes or is broken into tiny units. The music suggested also that a shot be frozen at the end (the smiling girl asking a German for a cigarette) or at the beginning (the boy looking at the camera is like a still photograph suddenly brought to life – he leaves with his pushcart a bombed-out quartier); in another case, a freeze frame in the middle of a pan shot (the closeup of a Russian prisoner looking at the sky) was placed as to coincide with a certain musical phrase. I said to myself from the beginning that I wanted to rescue the faces of these people and preserve them. Why? To keep them for myself, perhaps. I allowed myself to engage in some kind of necrophilia by making them the object of my desire. 93 Do you think this is an obsession which has always been ill the cinema? For me its best expression is to be found in "The Oval Portrait" the Poe story. In a sense that is most extraordinary thing ever to be written about the cinema. I did indeed feel this desire to possess – the frozen images. I started to fantasize about these people and to wonder what their lives might be like. I knew this was pointless but I couldn’t prevent myself, it was a kind of sorcery. I think it, too, reflects this Lang quality, cinema as a "daimonic" art. It is something, which as I said, I relate very much to Poe. I saw a film not long ago, a medium-length film made in France by the Vietnamese filmmaker Lam-Le, entitled La rencontre des nuages et du dragon. It is a story about a man who embellishes the photographs of dead people so that they may enter eternal life looking their very best. For the occupation forces in Vietnam, the French in the 1950S and the Americans in the 1960s, this practice is tantamount to falsification of documents and identity papers. He goes to jail. The film tells the story of his revenge on the people who sent him to jail, using his magic brush. It’s an extraordinary film, considering it was made in France on a very tight budget – it was all shot in Paris, and the banlieue becomes Saigon in the 1960s. Everything is believable in the sense that von Sternberg’s China and Spain (on the other end of the production scale) are believable. The story is at once about an individual’s revenge and the revenge of a repressed culture on the occupying forces. But it is also a story about the cinema, the power of the image; the embellishing power, not just of an actor’s face but the fact that the cinema creates out of that image an immortality. As in Poe, the cinema in general changes the people who work on it and the image does destroy the owner in the end. This even affects documentary. Yes. As far as documentary is concerned, I always feel that fiction films are the best documentaries of any period for they allow the imaginary to speak, which in the bad sense of documentary is forbidden. But, of course, in documentaries themselves, what really speaks is the imaginary. The stock footage of any period is meant to be a recording of reality but it is completely open to the imagination. For me there is a kind of displacement of roles, the fiction film becomes a document and the would-be document opens itself to the imaginary. Both the war years and the pre-war period have undergone an extraordinary revival in all forms. Maybe because we also live in a world of public spectacle using roles, images, signs, self-display, and in many ways the 1930’s and 1940’s were a self displaying, narcissistic 94 period on a massive scale but more naively so; perhaps the spectacle of those years holds an attraction because even aesthetically it anticipates our own, more guilty or more provocative narcissism. I decided to make this film on negative and not just on video, as the I.N.A. (Institut National de l’ Audiovisuel) people wanted ... On the one hand I desired to see the images as they were once seen on a film screen in 35 mm black and white, but also because those were pre-TV days and audiences were less used to seeing images of daily life and current affairs, and so the public image worked much stronger than today. People are now saturated with images, and however uncritical, they are familiar with their operation, whereas in the 1930’s and 1940’s I think people would still say: "It’s true, I’ve seen it on the screen." Everybody is aware now that images can be manipulated. Then images had a much stronger capacity to impress people’s imagination. Also there was the fact that people had to leave home to go to the cinema, whereas TV is in the house, the space of daily life. I think this made looking at images akin to a religious experience – you went to the cinema like you went to church and communicated with another world. I think this experience has been lost from watching films on TV. People only go on special occasions or for particular films, whether it is the intellectual cinema-goer or the Star Wars spectator, it’s no longer a weekly event, a ritual. I would say that the religious dimension is much stronger today. When a large audience goes to the cinema, it is always the end of the world they have come to watch. But perhaps there is, after all, a secret complicity between this desire and a writer’s perspective, such as Jünger’s. Borges recently quoted Mallarmé: "everything exists to take shape in a book," and added: "an writer knows that whatever he does, lie docs for his writing.” I cannot think of the relationship between, to put it at its bluntest, Art and Life, if not as a vampiric one. The "committed" films about the Third World exploit the misery that gives them a reason for being and in the end reassure their enlightened audiences in rich countries; when I want to allow people to really see the face of a prisoner about to die, my film feeds on his victimization. And I know that being aware of this is not enough. Jünger was aware of it all and didn’t raise his little finger… So what? Stop caring? Stop writing and making films? Again – I don’t know the answer, and those offered to me look banal or obsolete. And I know I can’t stop caring, or writing, or making films. Or just putting questions. in Framework n.º 21, Summer 1983 95 BoulevardS du crépuscule – Journal de mixage Edgardo Cozarinsky “Par des maillons mi-familiaux mi-historiques, j’accroche donc ma mince aventure à la chaîne générale des époques et me situe – rappelé à quelque modestie – dans le déroulement d’un ensemble.” Michel Leiris, “Il était une fois ...” Biffures. Bry-sur-Marne, le 14 avril 1992. Déjà je commence à oublier ce qu’il y avait avant la coupe par laquelle j’ai choisi de commencer un plan (plutôt: de le garder au montage; mais maintenant, pour toujours, c’est là qu’il commence), ce qui suivait après la coupe par laquelle j’ai choisi de le quitter. Sur le grand écran, la copie de travail défile, floue en marche arrière, et quand le point revient, c’est à l’équilibre des bandes-son que je fais attention, sans que je puisse préciser à quel moment s’est évanouie la tentation, présente jusqu’à la fin du montage, de prolonger encore tel regard, de commencer au milieu d’un geste tel plan qui pourtant avait connu d’autres essais, quatre images en plus, huit en moins, avant d’arriver à sa longueur présente ... L’illusion du définitif s’installe, pour l’image. C’est le son maintenant qui me propose d’autres tentations de changement: faire disparaître une musique quelques secondes plus loin derrière une voix, amener une ambiance cut et non graduellement, comme prévu. Comme si j’éprouvais le besoin de sentir que le matériau n’est pas encore figé, qu’il répond à mon toucher... (Qu’on ne s’est pas quittés? Qu’il ne me regarde pas d’en face, déjà inabordable, comme ce sera au moment de la copie zéro?) J’entends ma propre voix sur la bande-son et certaines phrases, que j’avais enregistrées comme de simples liaisons, me semblent maintenant dire beaucoup plus que je ne leur avais confié : “J’étais parti sur les traces de Falconetti et de Le Vigan ...” “Toute vie est faite de l’entrecroisement d’autres vies”. Elles me gênent un peu, tant elles révèlent la méthode, purement intuitive, avec laquelle j’ai travaillé. Oui, c’est vrai, je savais depuis toujours que Falconetti était morte à Buenos Aires, mais c’est vrai aussi que je devais découvrir son nom parmi les programmes des théâtres, sur les pages jaunies, miteuses de ce journal argentin du 24 août 1944 criant de ses gros titres la joie devant la libération de Paris. Et je savais aussi que Le Vigan, après avoir purgé ses émissions sur Radio-Paris dans les prisons de l’épuration, après avoir été remis en liberté conditionnelle et avoir traversé sans papiers les Pyrénées (comme tant de Juifs en 1940 !), 96 était finalement arrivé en cette Argentine du premier péronisme, havre des personae non gratae de l’après guerre. Je savais, oui, mais je n’ai saisi, d’un coup, ce que le film devait être que le jour où, parlant du projet à Claude Guisard, il m’a tout simplement fait remarquer que si je m’intéressais à la “fuite à l’autre bout du monde” de mes deux personnages, c’était peut-être parce que j’avais fait le trajet inverse, et que si le film devait être fait, ce ne serait qu’à condition que je parle d’eux à la première personne, en m’inscrivant carrément dans le récit. J’ai senti, ce jour-là, que quelque chose se libérait en moi. J’ai retrouvé dans la foulée cette “fête de la Libération” à Plaza Francia où, agrippé à la main des parents dont je ne comprenais pas la joie, le soulagement, je devais entendre chanter dans une langue que je ne connaissais pas encore, avant d’apprendre que, “si le choses s’étaient passées autrement ", c’est du côté des victimes que je me serais trouvé. Peu à peu sont revenus aussi les croquemitaines d’une enfance protégée. Au-delà de la souriante Mme Perón, auteur apocryphe de La Razón de mi vida (qui devait bénéficier d’un come-back posthume, assuré autant par le goût du kitsch que par le simple opportunisme), des silhouettes plus exotiques me sont revenues. Ce “savant fou” de docteur Richter, par exemple, importé pour installer une base atomique dans une île des lacs du Sud. Ou la séduisante Diana Toldy, dont je devais apprendre (par le journal clandestin du parti socialiste, que mon père achetait sous le manteau) qu’elle avait été Zita S., la plus populaire ingénue du cinéma hongrois avant 1944, accusée par certains d’avoir joué, hors l’écran, le rôle d’indicatrice de la Gestapo. Ces années de mon enfance, où l’on parlait des sous-marins émergeant la nuit sur les côtes de l’Atlantique Sud, avaient été bercées par une ignorance tenace: le matin du 12 mai 1960, déjà jeune homme, je devais lire dans les journaux qu’Adolph Eichmann venait d’être kidnappé tout près de chez moi. Qui parmi nous avait su qu’il était là? Tout cela semblait me mener bien loin de Falconetti et de Le Vigan. Mais, après tout, qu’avaient-ils été pour moi sinon des bribes d’une adolescence cinéphile? Le coup d’envoi de mon film avait été le choc d’apprendre qu’ils avaient été là, tout près de moi, bien vivants et ignorés de moi pendant que j’apprenais à les reconnaître sur l’écran... Le cône de lumière projetée rendait aux images fugitives une réalité transcendante (bien que jamais je n’aurais osé l’appeler ainsi... ). Dans cette basse vie “réelle”, qu’aucun écran ne rachetait, je ne pouvais que les ignorer. Les objets de ma boulimie cinéphilique avaient été, d’une part, un visage énorme à la souffrance démesurée, paré de tous les prestiges que le nom de Dreyer et les projections de minuit au ciné-club pouvaient lui conférer; de l’autre, un personnage fuyant, crispé ou visqueux, toujours plus captivant que les rôles sur lesquels il ne faisait que s’appuyer. Le regard rivé au 97 loin n’avait que faire des simples supports humains, éclipsés, déchirés, de leurs personae cinématographiques... Peut-être parce qu’il cherchait aussi à s’aveugler sur une autre “basse réalité”, celle du vaste pays où il était né? Et si aujourd’hui je cherche les traces de leur déchéance, n’est-ce pas parce que mon regard cherche aussi à fouiller dans mon passé personnel tout ce que je m’étais refusé à considérer auparavant? Donc, ce n’était pas seulement ma “mince aventure” qui s’éclairait au passage de mon enquête, mais un brassage de lieux et personnages appartenant à d’autres histoires, tout un monde disparu bien que, parfois, trompeusement visible, dont les monuments abandonnés pourraient être ces cinémas de quartier devenus salles de jeux-vidéo, supermarchés ou halles de brocante, Pompéi et Herculanum de mon amour pour un cinéma qui n’existe plus. Le 15 avril 1992. Encore une phrase dans la bande-son qui se met à résonner : “Aujourd’hui, les seuls films qui me font rêver sont les films à faire ...” Pourtant, je revois, toujours, Angel et Madame de... et My Darling Clementine. Ne serait-ce pas l’horreur de l’audiovisuel et ses innombrables métastases interdisant le rêve que je cherche à exorciser? Je me rappelle avoir quitté une réunion de préparation pour un projet lorsqu’un employé d’une chaîne censée le coproduire avait parlé d’ ”émission”. Et je suis certain qu’il ne s’agit pas, de ma part, de velléités passéistes; plutôt, d’une idée du cinéma à laquelle on essaie de rester fidèle, qui s’imposerait quel que soit le cadre de diffusion d’un film. Pour la perception la plus superficielle, il s’agissait il y a encore peu de temps d’éclairages et de mouvements de caméra: aux lumières égalisantes, policières, du feuilleton télé, aux travellings rastaquouères, censés rendre évidents les production values, on opposait les contre-jours que la télévision interdisait, ou les mouvements de caméra purement lyriques. Mais les voilà, déjà incorporés dans la production télévisuelle “haut-de-gamme”, ne fût-ce qu’en signes extérieurs de richesse. Ce serait, plutôt, une question de dramaturgie et de narrativité, de temps et des temps, un jeu entre transparence et opacité, entre ce qui se communique et ce qui se dérobe à l’information, qui instaure un espace de réflexion, un temps du regard: les mêmes que l’audiovisuel essaie frénétiquement de combler, fentes à colmater, dangereux interstices permettant au cinéma – à l’instar d’une autre notion, théologique celle-ci – de souffler où il veut. 98 Le 16 avril 1992. Peu de fois, je me suis laissé aller à tourner ce que j’avais envie de voir sur l’écran comme dans BoulevardS du crépuscule, même sans être sûr de pouvoir le garder au montage, parfois sans aucune idée précise de la place, si place il y aurait, pouvant lui revenir. Tout comme au début du montage, je regarde avec un émoi de voyeur culturel, qui me fait quand même un peu honte, ce couple faisant l’amour dans les derniers plans du film: si basané, si typique des provinciaux essayant de se frayer un chemin dans cette orgueilleuse Buenos Aires dont, moi, on m’avait fait cadeau, ces Argentins que la plus petite et plus mesquine bourgeoisie citadine appelait des cabecitas negras, de petites têtes noires ... Ils font l’amour sur une pelouse dégarnie, abîmée par le trafic incessant qui l’encercle, en bas de l’affreux obélisque en ciment au plein centre de la ville, au milieu des néons qui commencent à s’allumer et resteront jusqu’à l’aube à veiller sur leurs ébats toujours renouvelés. Du balcon de ma chambre d’hôtel, je les avais vus, le premier soir. Eux ou d’autres. Ma réaction immédiate fut d’un optimisme aussi modeste que sincère: oui, quelque chose avait changé; malgré la corruption et la misère, il n’y a pas de général au pouvoir faisant poursuivre dans la rue les garçons aux cheveux longs tandis que sa femme fait interdire un opéra... (Souvenirs archéologiques: ils datent de 1966, de mon premier séjour prolongé en Europe, des années avant ma décision de quitter l’Argentine.) M’attendrissant devant cet “outrage aux mœurs”, la banalité de ma satisfaction m’apparaissait évidente, et pourtant je tenais à préserver sa fragile vérité. Deux mois plus tard, à la fin du dernier jour de tournage, je les ai revus. Le lent soleil de décembre – l’été de l’hémisphère Sud – frappait encore les étages supérieurs des tours face au fleuve, mais ils étaient déjà là, attendant dans leurs caresses la nuit qui approchait. Ça a été très vite ; j’ai glissé: “On les filme” à l’oreille de Javier Miquélez, chef opérateur; on est monté dans ma chambre et du balcon on a filmé quelques minutes de leur tendresse. Plus tard le même soir, après dîner, l’équipe me raccompagnait à l’hôtel quand Ignacio Musich, assistant opérateur, les a découverts: “Ils sont toujours là ...” On les a encore filmés, d’un autre parterre au milieu de la large avenue. Eux ou d’autres à leur place ... Combien j’ai hésité à leur chercher une place dans le film et maintenant je ne peux penser à une fin qui ne soit pas sur eux! Plutôt: sur mon regard posé sur eux, ou sur le souvenir archéologique qu’ils éveillent. Je raconte un peu tout ça à Martine Bouquin et à Jean-Claude Brisson pour mieux expliquer pourquoi je veux que ma dernière phrase sur la bande-son (“J’étais parti à la recherche de Falconetti et de Le Vigan ...”) soit presque inaudible, noyée dans la musique. On l’essaie, à différents niveaux de parole et de musique. Tous mes doutes reviennent: une structure basée sur la digression, sur des rencontres fortuites qui pourtant renvoient toutes 99 au même mouvement d’origine, sera-t-elle perceptible? Peut-être que cette fin pourra la rendre plus évidente... Le 17 avril 1992. Tout à coup le sentiment me gagne, d’avoir tourné des plans “objectifs”, où malgré la subjectivité de mon regard sur les gens et les lieux, une certaine neutralité domine: comme s’il s’agissait d’objets trouvés. Par contre, les plans d’actualités, et même (surtout?) les citations de vieux mélos argentins me semblent atteints, dans ce contexte, d’une forte subjectivité: celle de mon regard sur eux. Le brassage de matériaux d’origines très différentes, encore plus que le passage constant du noir et blanc à la couleur, m’entraînent dans un mouvement où je me découvre, finalement, spectateur de cette “mise-enconversation” (de filmages divers, de paroles à autrui et à moi) que j’ai moi-même agencée. Pourtant, de temps à autre, c’est mon double qui apparaît là, sur l’écran, en train de dialoguer avec d’autres ombres. Je le regarde, inscrit dans le cadrage: entre nous, il y a eu la caméra et un bout de pellicule imprimé et développé, défilant maintenant devant mes yeux. Aussi, déjà quelques mois. Il ne sait pas que je suis en train de le regarder. Moi, je sais que je ne serai, que je ne suis pas déjà, le seul à le regarder. Après tout, si je me suis filmé, n’était-ce pas un peu pour sortir sur l’arène, pour donner la face? “De la littérature considérée comme une tauromachie” (Leiris). in Trafic n.º4, Automne 1992 En busca del país perdido Pablo Klappenbach “‘Leer’ un país significa, ante todo, percibirlo según el cuerpo y la memoria, según la memoria del cuerpo […] Por eso la infancia es el camino real por el que accedemos al conocimiento más exacto de un país. En el fondo, no hay más país que el de la infancia.” Roland Barthes, “Incidentes” La figura del extranjero acapara la mirada de Cozarinsky en cada una de sus películas. Es la visión de ese “otro”, observador silencioso de lo que ocurre, donde toda noción de 100 pertenencia se desintegra. Porque el inmigrante infringe toda ley de identidad, aun cuando sostenga su propia tradición o se rinda ante la nueva cultura: su posición no dejará nunca de ser limítrofe, transcultural. La memoria opera sobre él, a veces de un modo tortuoso, a veces como engaño que configura el sentido de la existencia. Lo que en ese “otro” que interpela al nativo se gesta es la concreción de un vacío que todos intuimos. La nostalgia tanguera por el regreso a esa tierra perdida basa su condición de existencia en la imposibilidad de retornar a ese tiempo pasado, ahora mítico. Sólo al convertirlo en un pasado que se hace presente es que puede recuperar, otra vez, su sentido. Esa articulación del tiempo es la que da lugar a BulevareS del crepúsculo. Cada película de Cozarinsky sólo puede ser pensada en relación con un contexto conformado por el resto de su producción fílmica. Imágenes de sus películas se cruzan como si saltaran de un film a otro, construyendo un tejido de relaciones, tal vez infinitas, con seguridad múltiples. Se produce un diálogo entre sus realizaciones, retumban las voces de un relato sobre otro y surge así el mundo de las reminiscencias, no sólo del pasado, sino también del presente que la red de sus películas configura. BulevareS del crepúsculo se erige como interrogante. Una voz over relata el regreso a un país, la Argentina, que choca con lo que la voz pretende como regreso al “país de la infancia”. Nos encontramos, por este camino, con una búsqueda de sentido que logre articular aquello que el cuerpo recuerda con ese territorio “desconocido”. Se teje un recorrido, entonces, que se esfuerza por hallar lo imposible: lugares que cambian de nombre y lo recuperan, velocidades modificadas, ritmos distintos, cines que no existen o ya no funcionan. ¿Qué buscar en un lugar cuyo nombre es idéntico al que se pretende, pero cuyo funcionamiento difiere? ¿Dónde alcanzar un anclaje que lo devuelva al origen, ese país desaparecido? La investigación, esa búsqueda de un conocimiento que obliga siempre al movimiento (de pista en pista, de texto en texto), resulta el modelo perfecto que esta película encuentra y donde Cozarinsky se pregunta, en última instancia, por si mismo. La realización cinematográfica se erige, desde esta perspectiva, como un dispositivo donde confluyen y confrontan distintas partes que hacen a un sujeto, como si fuera atravesado por distintos ejes. Partes de la historia –mundial y nacional-, del relato social de esa historia, de la psiquis del narrador, de la historia del cine, de la arquitectura, etcétera, componen ese dispositivo materializado en el celuloide; así como en una estructura macroscópica existe un “cine cozarinsky” – aquí como adjetivo – que se define como “red” o “tejido”, en el nivel de la estructura miscroscópica de un solo film, la polifonía discursiva se hace presente. BulevareS del crepúsculo nos llevará a través de una investigación de dos personajes, los cuales llegan a este país a causa de la Segunda Guerra Mundial. Uno de esos personajes es la Falconetti, eternizada en su interpretación de la Juana de Arco de Dreyer; el otro es Robert Le Vigan, actor secundario de los años ‘30. El narrador, mientras intentaba recordar como 101 fue la recepción en Buenos Aires de la liberación de París, se sorprende al encontrar que la actriz había venido a vivir aquí, cansada del olvido en que la había sumido el cine sonoro. Le Vigan, al mismo tiempo, llega a estas tierras luego de ser acusado de colaboracionista. Tanto uno como otro devuelven una parte de la historia del cine a partir del relato minúsculo (relatos, por otra parte, predilectos del director quien nos recuerda con este gesto aquellos datos encontrados por Walter Benjamin sobre el París del siglo XIX), pero también sirven como representaciones de la doble actitud con que se vivió la guerra en este país: unos a favor del triunfo “ario”, otros, del lado de los aliados. Como el mismo Cozarinsky afirma, “ninguna investigación es inocente”. No hay azar, por lo tanto, en la búsqueda de información sobre estos personajes que llegaron a estos “pagos” casi sin hacer ruido. Al abrir una interrogación sobre los dos actores que inmigraron se abre también la pregunta por ese yo que narra, pero ¿desde dónde? BulevaresS del crepúsulo no ofrece respuestas unívocas a la nueva situación de esa voz over, alter ego de Cozarinsky (incluso se lo ve, en algunos momentos, realizando entrevistas). Por el contrario, todo hecho se asume como indicio que define una relación activa entre presente y pasado. En consecuencia, la pregunta por la propia voz – representación del cuerpo – y el lugar desde el que se enuncia funciona como principio disparador para profundizar sobre dos mundos hoy escindidos: el mundo público y el privado. La imagen de Cozarinsky niño mezclado en la multitud que festejaba la liberación parisina (una suerte de Zelig porteño) impone al presente el gesto de ese país de la infancia desde el cual, siguiendo el incidente barthesiano, todo es leído. Atravesada la proyección ya no es tan importante aquella noción de origen, sino más bien el modo en que ese pasado produce presente y, por lo tanto, sentido. Imposible de entender en su totalidad, la pregunta por ese yo que nombra resulta prolífica a la hora de producir cine, pero sobre todo, en el momento de reflexionar sobre el sujeto y su relación con el tiempo y el espacio en los que se inscribe. www.otrocampo.com Work in progress Sergio Wolf Las pequeñas historias que crecen en los márgenes de la Gran Historia fueron menos el tema que el tono que sobrevoló las películas – y los cuentos, y los ensayos, y las novelas- de Edgardo Cozarinsky. Pero aún así, siempre había una dimensión novelesca, un flujo de vidas 102 y destinos y pasiones y convicciones cruzados e interferidos. Su Work in progress de 2010 es, en ese sentido, tanto una continuidad como la apertura de un nuevo rumbo, ya que la microscopía de estas historias – filmadas, encontradas, citadas, amorosas, dolorosas, secretas- no tienen ni la más remota pretención de iluminar ninguna totalidad. Son parte de una búsqueda – esa hermana siamesa del azar- que va en zigzag y encuentra y abandona, echa una luz tenue y se esfuma, dejándonos siempre con la gratificante sensación de que tras esos bellos y conmovedores textos, tras esas poderosas y desconocidas imágenes hay más, mucho más. En estos tiempos donde el cine se define por el exceso, este Work in progress… produce un efecto extraordinario: su sobriedad es tan discreta y confesional que nos recuerda que el cine no es el rumor del mundo, sino que está hecho de – o mejor que es – el murmullo de los seres humanos. 103 Yervant Gianikian, Angela Ricci Lucchi Elogio da política: conversa com Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi Sérgio Toffetti O “catálogo” é um dos eixos em torno do qual gira a vossa poética de autores. Comecemos portanto por definir os elementos de um “catálogo” ideal das experiências pessoais que vos levaram a utilizar o cinema como meio de expressão. Angela Ricci Lucchi Começámos ambos como artistas visuais. Eu estudei com Kokoschka em Salzburgo e, em 1972, fiz uma exposição em Ferrara, apresentada por Renato Barilli. Já nessa altura estava muito interessada na utilização dos media e comecei uma espécie de “inquérito”, mais tarde publicado pela editora Pari & Dispari, que consistia em colocar uma pergunta essencial a uma série de pessoas: o que é a rosa para si? Pergunta que coloquei também, entre outros, a Zavattini que me enviou uma carta muito bonita. E coloquei-a também a Yervant que eu acabava de conhecer. Ele já tinha realizado alguns filmes em 8 mm e exposições na galeria Cavallino de Veneza. Juntos realizamos um filme sobre os pilastrini, pequenos altares de Nossa Senhora espalhados pelos campos da Romagna. Tudo começou aí. Yervant Gianikian Eu fazia trabalhos com materiais reciclados, com objectos que tinham sempre a ver com a memória, normalmente eram brinquedos, fotografias; trabalhava a madeira e mais materiais pobres. Filmava os objectos e com eles fazia grandes catálogos, fazia umas “caixas” já estruturadas como “sequências” cinematográficas. Quando nos conhecemos, achámos que já não nos interessava muito fazer trabalhos, esculturas ou quadros com os objectos, mas sim realizar filmes sobre objectos. Por outras palavras, considerávamos a câmara um meio para aprofundar a nossa pesquisa. De qualquer maneira, a ideia do “catalogo” estava muito ligada à arte conceptual, mas também às vanguardas do princípio do século, ao dadaísmo e ao surrealismo. Mais tarde pensámos na ideia do aroma como “banda” exterior ao filme. 104 “É preciso olhar não só com os olhos”, como dizia Dziga Vertov. ARL Com certeza, mas a ideia surgiu também do nosso interesse pelo Iluminismo, pela “estátua” de Condillac e o Traité des Sensations. O olfacto é o mais pobre dos sentidos, e nós começámos a trabalhar sobre cheiros e perfumes como catalisadores da memória, associando-os à redescoberta dos objectos antigos com que eram compostos os nossos filmes e que já continham uma memória própria, portanto o olfacto na qualidade de sentido que acciona a memória: o perfume que te leva a recuar no tempo. YG Havia também o facto de os filmes serem mudos, e em vez de pôr uma banda sonora, resolvemos pôr uma banda olfactiva. Quando os apresentávamos, eram verdadeiras performances, com as pessoas que paravam não só para ver, mas também para cheirar. Era uma experiência de envolvimento total do espectador, muito ligada à cultura daqueles anos. Enfim, o perfume, tal como a música, por um lado servia para realçar os momentos emotivos, enquanto, por outro, funcionava à maneira de Proust como uma espécie de madalena a despertar lembranças. YG Às vezes calhavam-nos encontros extraordinários. Por exemplo, em São Francisco aproximou-se de nós um austríaco que tinha ido lá em criança e que, graças aos objectos – objectos da tradição austro-húngara – e aos cheiros na sala, tivera uma sensação muito forte do seu passado. ARL Os nossos filmes mudos e cheirosos provocaram sempre reacções extremas: havia quem saísse de repente e quem ficasse extasiado. Uma vez, um médico disse-nos que embriagávamos os espectadores com as essências alcoólicas dos nossos perfumes. Cesare Lombroso – Sull’Odore del Garofano, um filme perfumado que coloca a questão de catalogar objectos bastante diferentes dos outros, marca uma fractura no vosso trabalho. YG Chegamos a Lombroso através das teorias de um lombrosiano, Strassman, que afirmava que as mulheres são menos sensíveis aos cheiros do que os homens. Fomos então a Turim ver o Museu Lombroso. De facto, havia alguma afinidade entre os objectos expostos e os brinquedos utilizados para os nossos filmes perfumados. Principalmente os objectos feitos à mão pelos criminosos, pelos loucos; objectos pobres, de papel. E também havia alguma afinidade no sistema de catalogação dos objectos. ARL Nós queríamos contrapor os nossos catálogos de brinquedos e o catálogo dos horrores lombrosianos. Apercebemo-nos, porém, de que Lombroso já tinha feito o catálogo: objectos, bocados de corpo humano; havia imagens muito bonitas, fotografias das vítimas assassinadas com todos os instrumentos utilizados. 105 YG Eram muito interessantes as descrições do modus operandi: as imagens quase pareciam exemplos da arte conceptual que esta va a chegar naquela altura: havia o machado, a fotografia do morto, a corda para a fuga, a lanterna. A descrição perfeita de uma performance criminosa. O que nos ligava a Lombroso era o coleccionismo. Porque ele, na realidade, era um verdadeiro coleccionista de objectos do crime, uma pessoa que mandava vir peças de todo o mundo. O sistema era análogo ao dos coleccionistas de postais, só que Lombroso, em vez de trocar postais do Egipto, mandava vir fotografias de prostitutas japonesas, corpos de pessoas assassinadas do Extremo-Oriente, etc ... E ainda havia as plantas, plantas criminosas, insectos que matam outros insectos, todo o mundo catalogado conforme uma obsessiva visão criminológica. Ao ponto deste excesso de coleccionismo, cujo ultimo estádio é o de coleccionar e deixar aos vindouros o seu próprio corpo, nos parecer a verdadeira aberração. ARL À entrada do museu, dava-te as boas vindas o esqueleto de Cesare Lombroso que, de facto, nos era apresentado ao entrarmos. Mas o que deixava uma impressão mesmo perversa era a fotografia do grupo familiar do Dr. Lombroso: no jardim de família, com as mulheres em crinolina, o protótipo do conformismo burguês. Portanto Cesare Lombroso marca o abandono da idade dos jogos. dos contos de fadas. ARL Sim, Lombroso leva-nos um pouco fora de um determinado mundo a que tínhamos dedicado também Wladimir Propp – Profumo di Lupo. Não quero dizer com isso que se tratou de uma escolha consciente, uma pessoa segue simplesmente um percurso, encontra algo, provoca às vezes, de alguma forma, algo para poder encontrar. No que diz respeito aos filmes de arquivo, por exemplo, foram verdadeiramente uma descoberta de Yervant que ficou pasmado. YG Karagoez veio a ser, de facto, outro catálogo, o de um arquivo de filmes em 9,5 mm, mais uma vez com uma importante vertente de violência. Sobre a violência contra a mulher, sobre uma determinada ideia do erotismo, sobre a utilização do corpo da mulher. De facto, todos os nossos filmes seguintes são filmes sobre o uso da violência: quando aparece o homem nas primeiras imagens de Dal Polo All’Equatore, pega logo numa espingarda e mata. Essence d’Absynthe fazia parte do mesmo fundo de filmes em 9,5 mm, era um filme porno e cómico com quatro personagens, dois homens e duas mulheres; nós utilizámos apenas os dois corpos femininos. Na verdade, durante as suas performances sexuais, estas duas mulheres mostram-se muito ingénuas e pudicas: olham muitas vezes para a câmara e há uma cena final em que uma mulher puxa para cima um collant, como quem quer tapar-se ... enfim, há quem diga que era um filme muito moralista e muito trágico. Do catálogo de objectos ao catálogo de perfumes, até ao catálogo de fotogramas... Quais são os vossos pontos de referência no cinema? 106 YG As vanguardas do princípio do século, a começar pelos surrealistas, Léger e, acima de tudo, Dalí e Buñuel. Além disso, passar aos fotogramas, ao material de arquivo, é algo bastante directo, pois o nosso trabalho teve sempre a ver com o encontrar coisas, o coleccionismo, as suas manias terríveis, o desencadear de fortes energias psíquicas, porque quando encontras coisas ficas perturbado com isso. Só que, ao fim e ao cabo, já não nos interessava o objecto concreto, mas sim o fotograma como objecto que detém em si a memória. Karagoez permite-nos perceber que, para nós, eram mais importantes o documentário e o documento do que a ficção. Mas mais do que pelo seu valor de “documento”, o fotograma parece interessar-vos como superfície a atravessar. Os materiais encontrados tornam-se “vossos” graças a um trabalho profundo dentro do fotograma, escolhendo e às vezes escapam à exibição normal, aquilo que está em pano de fundo, os pormenores que ao primeiro autor não pareciam os mais importantes. YG O fotograma é entendido como o objecto partir do qual começa todo o trabalho de montagem. Basicamente, trata-se de voltar a fotografar a imagem. É como olhar demoradamente uma fotografia, imobilizá-la o tempo necessário, isolar alguns pormenores no interior, aproximar-se mais. Normalmente nunca filmamos o fotograma inteiro, ficamos lá dentro, mais próximos. Em Essence d’Absynthe, por exemplo, estávamos muito interessados nos riscos da película, na grelha de arranhões; era como se tivessem visto o filme milhares de vezes, como se houvesse um véu, com a imagem a aparecer por trás. Conforme o filme, o grande trabalho é o de juntá-lo. Karagoez é um filme quase montado na câmara, há poucos cortes e poucas colagens; andávamos muito presos com os significados da imagem, e as temáticas eram imensas. Pelo contrario, com Dal Polo All’Equatore procurámos fazer uma montagem por blocos, temáticas, grupos de significados. A montagem de Dal Polo All’Equatore foi muito complexa, as filmagens demoraram três anos, tínhamos uma quantidade enorme de material e não conseguíamos encontrar o caminho certo, depois fechámo-nos num quarto, sem as imagens, e agrupamos as temáticas. Normalmente começamos a montagem pelo início ou pelo fim do filme: em Dal Polo All’Equatore é a imagem do comboio a conduz todo o filme. Com materiais tão violentos não se podia jogar à maneira surrealista, estilo Buñuel, ou de forma literária. ARL A montagem é o momento de maior sofrimento, até porque é um momento de confronto directo entre mim e Yervant, que é quem filma as imagens. Antes disso, também há trabalho em comum, naturalmente, na fase de planeamento e pesquisa. Depois, enquanto ele filma, eu leio ... Para Dal Polo All’Equatore, por exemplo, li de tudo: horrores do género Mario Appelius e coisas extraordinárias como L’Afrique Fantôme. Voltamos a encontrar-nos para a montagem, tal como no momento em que se decide sobre os cortes, a coloração, etc ... Não temos ideias muito diferentes, mas, de qualquer maneira, cada um tem o seu ponto de vista. 107 YG Eu costumo andar muito às voltas enquanto Angela vai logo directa ao assunto. Mas o problema é que os caminhos na película são infinitos, especialmente quando se começa a descer em profundidade para dentro do fotograma. É um trabalho muito demorado, não podes montar mais de dois ou três minutos por dia. ARL Eu tenho mais coragem quando se trata de cortar, enquanto para Yervant cortar é algo muito doloroso, era capaz de continuar até ao infinito. Há, porém, todo um trabalho anterior: escolhe-se a maior parte das cenas com antecedência. Podemos decidir não pôr determinadas coisas, porque não podemos fazer filmes de quatro horas, mas muita coisa fica montada já no pape!. Uma parte do vosso trabalho, a redescoberta dos arquivos, entrelaça-se com essa “nova filologia” cinematográfica que levou, nos últimos anos, à descoberta e ao restauro de obras do cinema mudo que se pensava tivessem desaparecido para sempre. ARL Nos utilizamos os arquivos para criar filmes completamente novos, diferentes do significado original, tornamo-los filmes nossos. Entrámos no mundo da filologia pura apresentando os nossos filmes no Festival de Pordenone, na presença dos arquivistas das cinematecas da FIAF. Houve algum burburinho, mas depois perceberam. YG O período mais difícil foi o princípio da década de 80, porque as pessoas não percebiam como é que num filme pudessem caber muitos filmes; o único jogo que os espectadores faziam era o de reconhecer as citações, e isto parecia-nos muito restritivo. Todavia, de um certo ponto de vista, por trás dos nossos filmes está também um cuidadoso trabalho filológico. Nós analisamos em pormenor e catalogamos todos os filmes que nos interessam, contando até os fotogramas que compõem uma sequência. Fazemos descrições quase completas, sabemos exactamente como começam e como acabam todas as sequências. De qualquer maneira, a pesquisa filológica não passa de uma base para o trabalho. ARL No ano em que apresentámos Dal Polo All’Equatore, no Festival de Roterdão, exibiram, com o acompanhamento de uma grande orquestra, Casanova de Volkoff com Mosjukin, que é para nós um dos grandes actores. Mas eu achei mais bonito o nosso, porque o outro, à velocidade normal, parecia-me algo “estoirado”. Nós, pelo contrário, enfatizamos muito os movimentos dos olhos, o virar da cabeça ... YG Sim, às vezes ficas interessado por um olhar ... Mas isto era no tempo de Karagoez. Agora, depois de Dal Polo All’Equatore, a ficção já não nos interessa. Dal Polo All’Equatore marca, depois de Cesare Lombroso, mais uma viragem para a realidade? YG Por um lado, em Dal Polo All’Equatore, há uma reflexão sobre a força, o poder, mas há também a constatação de que o documentário, já na altura, era muito mais avançado do que 108 a ficção. A descoberta do Arquivo Comerio foi um momento muito importante. Tínhamos trabalhado imenso sobre o 9,5 mm, escrevendo centenas de páginas. Há filmes cujos fotogramas conhecemos um a um, e todos os intertítulos, por isso estávamos preparados para reconhecer o que podia conter um arquivo inteiro pelos sinais emergentes, até mesmo pelo primeiro fotograma. Vi talvez um metro do Arquivo Comerio e percebi logo que era aquilo que eu procurava. Não era material desconhecido, mas ninguém o quis, porque não se tratava de ficção. Além disso, quando começámos a ver o 35 mm, percebemos que ele é o pai do 9,5; é o formato que deu origem a todos os formatos reduzidos, o 9,5, o 16, o 8 mm. É como possuir a origem de tudo: a cor, o grão, o inflamável. O 35 mm é o pai e os filhos têm sempre qualquer coisa a menos. Por exemplo, o 9,5 perde algo, as margens encolhem, há sempre um corte, há sempre algo que desaparece; o mesmo acontece com o 16. E além do mais, contém a história, o movimento que não consta dos livros, contém todas as coisas que tínhamos lido. Havia também o facto de reencontrarmos os negativos, por exemplo os negativos presentes no campo de batalha, que estiveram lá e que são as únicas testemunhas da guerra. “Os filhos têm sempre qualquer coisa a menos que o pai”. Mas o teu pai representa para ti a ligação com a tua terra de origem, a Arménia. que surge como o ponta de encontro entre a memória histórica e a tua memória pessoal. YG O meu pai é um grande artista, um grande narrador que conta a sua fuga duma aldeia da Turquia Oriental e o massacre da sua família. A diferença entre nos é precisamente essa, ele viveu na primeira pessoa, enquanto nós vivemos através das imagens, quase que par transferência de experiências. A nossa é uma memória de segundo nível. Mas é verdade que um filme pode ser escavado. Deste ponta de vista, Uomini, Anni, Vita é como uma espécie de catarse, um filme doloroso. ARL A procura de material foi muito complicada, procurámos nos arquivos do Imperial War Museum de Londres; encontrámos mais coisas na Rússia, pouca coisa na Arménia, porque nos laboratórios faltava água e luz par causa do terramoto. Yervant estivera na Arménia, filmou lá muitas imagens que não chegámos a montar. YG Em 1987, recebi um convite oficial da indústria cinematográfica da Arménia soviética para visitar o meu país. Já tinha tentado várias vezes e consegui graças à intervenção do realizador Ovanessian. Desejava imenso ir lá, mas quando chegou a momento, faltava-me a coragem. Acabámos par ir, com Angela e Walter Chiari, que lera partes do livro do meu pai e quisera acompanhar-me. Era um período em que aconteciam tantas coisas: o terramoto, a revolução, o muro de Berlim. Nós conseguimos acabar o filme antes da queda do muro. Ainda bem, assim o filme fica fora da história. De facto, percebi logo que era impossível inserir todas as cenas filmadas na Arménia. 109 O último elemento do catálogo, por enquanto, é a vossa pesquisa sobre os “Arquivos italianos”. YG Ainda queremos trabalhar sobre o fascismo. Queremos continuar para depois acabar. Gostaríamos mos de preencher estes anos italianos que vão da primeira guerra mundial ao pós-guerra e depois mudar. E fechar também a experiência de trabalho com os arquivos. O facto é que precisas também de filmar imagens tuas. De que cineastas é que se sentem hoje mais próximos? ARL Mas o nosso problema é que estamos muito isolados, principalmente em Itália. Viram, por exemplo, Reminiscenses, a viagem à Lituânia de Jonas Mekas? YG Sim, com efeito estamos muito ligados a Mekas, e não só pelo percurso das vanguardas – palavra que, aliás, me parece muito ultrapassada – mas também porque ele é lituano e eu sou arménio. in Yervant Gianikian & Angela Ricci Lucchi, Catálogo Cinemateca Portuguesa, 2001, trad. Marcelo Sacco Des instants choisis de l’espèce humaine Raymond Bellour Comment dire l’effet que ces films communiquent – non leur halètement perceptif singulier, tenant à l’art de leur reconstruction, mais grâce à cet art qui se donne une qualité propre d’hallucination comme règle de sentiment et de pensée, l’effet d’humanité qu’ils impriment, jusqu’à l’égarement ? Depuis que la peinture en a abandonné l’idée, le cinéma a eu parmi bien des fonctions celle de rapporter les corps à la masse physique et sociale dont chacun est issu. À l’époque qui connaît seul le plan d’ensemble, il suffit qu’un corps en se détachant avance plus que d’autres vers la caméra pour qu’il paraisse entrer soudain dans une vie seconde, précipitant une intimité inconnue vers la foule immobile dont chaque spectateur se croit la part unique. Magie Lumière, magie Griffith. Passage aussi, de l’un à l’autre, d’une sélection qui n’est plus de semi-hasard, mais de contrôle et de découpage. Effets de plan, qui sont autant d’effets de connaissance et de reconnaissance. Ils varient en chacun de nous, sait-on jamais dans quelle 110 proportion, selon ce ces corps s’approchent de leurs visages semblent de fiction ou se disent documentaires affin de laisser croire qu’ils ont vraiment été, là-bas et maintenant. Les films de Yervant Gianikian et Angela Ricci Lucchi mettent en abyme toute estimation relative à la réalité réelle des corps qu’ils découvrent, puisque ceux-ci sont aussi bien contemporains de leur image autrefois enregistrée puis retrouvée dans telle archive, que contemporains de cette image par laquelle aujourd’hui ils se réincarnent, plus ou moins remodelés, recadrés, reformés, refigurés. Ainsi, grâce à des modalités d’intervention qu’il laisse à deviner, ce cinéma de la durée, du ralentissement, de la saccade, de l’intervalle et du tremblement continu, se révèle d’autant plus comme un cinéma du plan, de l’effort, des nuances, des hasards, des effets prodigieux du plan. Au gré de la transmutation rythmique qui réverbère les images des mondes que ces films font défiler, reconfigurant toute image du monde en un arrière.monde plus réel qu’aucun autre, des évènements de plan continuellement se produisent, entre plans et internes au plan, ayant trait en grand nombre à l’aura d’humanité distinctive émanant des corps, gestes attitudes, mimiques, regards singulièrement, qui les envahissent et les peuplent. Par exemple ce visage d’enfant qui surgit par la droite au bas du cadre dans Dal Polo all’Equatore. On est entré suivant les rails du train dans l’ordre quotidien d’une bourgade d’un Moyen-Orient quelconque. Un plan rapproché découvre bientôt quelques dignitaires barbus, souriant comme des archétypes – on reconnaît chacun, celui qui se frotte un instant le nez. Puis d’autres, en masse, qu’on distingue mal l’un de l’autre, s’avançant solennellement entre les rails du train. Puis d’autres encore, dans un plan un peu moins large, qu’on individualise à demi. Un nouveau plan découvre enfin, dans un décor de rue, deux femmes, une au premier plan à droite, une au fond à gauche, s’éloignant de dos tandis que deux autres, formant avec deux militaires un groupe un peu confus, arrivent droit vers nous. Ballet humain obéissant à une sorte de hasard réglé, par un emmêlement de lignes et de chevauchements de corps, qu’accuse le détail des vêtements (vives rayures noires et blanches de la jupe qui s’éloigne en zigzaguant), comme dans une vue Lumière devenue attentive, doublement (l’opérateur d’époque, Luca Comerio/le travail des Gianikian). C’est au moment où les femmes animées de mouvements opposés se croisent qu’apparaît l’enfant. Comme projeté par le hors-champ, tout près, l’air goguenard, une casquette vissée sur la tête, le visage penché, il semble glisser dans le cadre au centre duquel il s’installe, l’œil fixe, attentif à la caméra ; puis il repart d’un mouvement inverse, demeurant à demi au bord de l’image avant de disparaître. Le temps qu’il s’est accordé à nous regarder et que la mise en scène a déployé aura suffi pour que les deux femmes se soient rapprochées, aussitôt recadrées en un plan bref dont elles sortent vite, entourées dès lors par bien d’autres corps saisis comme elles dans une généralité indécise. Ajoutons à ce semblant de description que la teinte change ici selon le motif, ou le thème socio-figuratif, passant au travers de ces quelques plans du brun au cramoisi au bistre et, 111 comme dans un nuancier, par des tons intermédiaires de bruns aussi reconnaissables que difficiles à nommer. La variété qui s’offre ainsi tient à la détermination proportionnelle d’apparences de l’humain, relative à la taille accordée à chaque corps dans l’espace du cadre, comme à ses modalités de mouvement et de surgissement. Il est clair que ce visage d’enfant saisit par une brutalité d’insertion, une adresse expresse au spectateur, comme a pu autrement le faire chez Griffith la fameuse avancée jusqu’à l’extrême gros plan du truand dans The Musketeers of Pig Alley. Mais ces effets de corps possèdent ici une sorte d’obscénité, obscure, entêtante. Il y a une obscénité de principe attachée à l’acteur de cinéma travaillant à s’offrir son vrai corps à la fiction, niant la distance interne à son paradoxe de comédien, se livrant à la caméra qui décide son apparence littérale et mensongère. Il existe également une obscénité du corps documentaire se prêtant dans son illusion de vérité, attestant de lui-même, comme branché sur sa réelle identité dont il prend le spectateur à témoin. L’obscénité propre des corps ressaisis par les films de Gianikian-Ricci Lucchi est autre, moins entre le documentaire et la fiction qu’en arrière des deux, installée dans une région où chaque créature, vacillant entre l’individuation prégnante et un destin de masse, semble, à proportion de cette variation, en posture de devenir l’acteur unique de son identité virtuelle. Cela tient évidemment aux procédures de refilmage et d’apparition, aux choix étagés de figuration, mais surtout à la relative indéfinition dont chaque être est l’objet, dans ces films sans commentaire, qu’ouvrent ou ponctuent de rares cartons. Le partage est clair autant qu’il est simple dans Dal Polo all’Equatore, entre les victimes et les tueurs, les colonisés et les colonisateurs, les militaires et les civils, les hommes et les femmes, etc. Mais au-delà ? Rien ne dit la nature, l’appartenance, le lieu, la fonction, le moment. Si bien qu’en deçà de puissants clivages primordiaux qui confèrent à ces films une brutalité salutaire, condition de leur sauvagerie éthique, une incertitude plus ou moins grande est de règle quant à l’identité de ce qu’on voit, et ainsi relative au savoir comme à l’intuition du spectateur, en regard de la norme implicite du geste documentaire. C’est la façon dont est touchée comme jamais l’irréfragable identité impersonnelle de l’humain. Elle s’offre par des signes sans voix, qui s’étendent à l’animal (comme l’illustre Animali Criminali), selon une variation infinie et par là indéfinie, à travers et au-delà d’un typage constant : entre silhouette et geste, corps et visage, file ou troupe ou meute ou masse. Monte ainsi par bouffées, continuellement, la vieille question de Michaux: “L’humain, qu’est-ce que c’est ?”, avec sa réponse indécise : “L’humain, en somme, c’est leur groupe.” Sans doute cette identification de la réalité figurée est-elle changeante, selon les films, comme au gré de mouvements de l’œuvre. A l’absence de presque tout carton dans Dal Polo all’Equatore répond, neuf ans plus tard, dans Prigionieri della guerra une suite de spécifications qui découpent le film en autant de séquences ou de moments, correspondant à des situations locales et supposant des identités nationales (“1914. Galicie. Front oriental. 112 Victoire tzariste. Départ des prisonniers austro-hongrois en Sibérie”). Il y a ainsi sept cartons dans ce film de trente-cinq minutes. Su tutte le vette à pace, le film qui à bien des égards en est peu après la reprise et la dilatation au cœur le plus tourmenté de la guerre, se trouve intertitré selon un principe identique. Mais de telles mentions sont trop élémentaires pour affaiblir la tension primordiale entre la réalité des corps de masse et celle de l’individuation énigmatique dont chaque corps peut devenir à tout moment l’objet. Aussi les auteurs en ontils formulé alors le principe, en quelques lignes d’un carton devenu incontournable, proche des cursifs commentaires écrits dont ils ont de tout temps accompagné leurs films : “Recherche de l’individu, de l’ ’homme soldat’, parmi des archives qui représentent les masses anonymes. Dans les détails, dans les traits particuliers : l’expression, la microphysionomie, le comportement individuel. Repris au ‘corps blessé’ du support nitrate.” Et toujours se développe ainsi, par-delà tout savoir et toute référence, signe sûr d’un siècle effrayant qu’aura seul su saisir et ressaisir le cinéma, cet aller et retour entre puissances de la masse et saisissements de l’être individuel, avec tous les états intermédiaires concevables. Deux choses frappent dans Prigionieri della guerra, À travers des images arrachées à diverses propagandes, russes et austro-hongroises. On devient indifférent aux identités nationales rappelées discrètement, comme pour rassurer sur la véracité de ce conflit embrouillé dont nous sommes nés. Dans des images trop polies pour être honnêtes, on ne voit plus que des essences aussi coupantes qu’incertaines, des êtres-prisonniers, acharnés à survivre en chacun de leurs gestes. Le dernier carton ouvre la voie d’une telle indécisionconfusion (“L’attaque, la retraite, la défaite”). On ne sait lesquelles, et de qui : seulement des êtres-soldats qui s’affrontent, dans les tirs et les bombes, masses obscures, prisonniers qui défilent, champs de morts, corps précipités dans des fosses, tous signes entre les signes. On entre aussi, par effraction, à revers de cette pression anonyme, dans un entre-monde de fictions éclatées, instantanées. Ainsi ces plans où une, puis deux, puis deux petites filles encore viennent glisser des lettres dans la boîte : dans une image apaisée, elles entrent, accomplissent leur geste et repartent. Ce sont, a dit un moment plus tôt le carton, des orphelines de guerre, recueillies à Oberhollabrunn, en Autriche. Un plan d’ensemble et de foule sur l’entrée du camp, sitôt après, achevant la séquence, livre à nouveau l’information. Mais le temps de cette avancée trois fois reprise des petites filles dans le cadre, mimant de leurs corps cahotants et gracieux un ballet de pures distances, on a presque tout oublié, au profit de la grâce de l’événement. in Trafic n.º 38, Eté 2001 113 Do documentário feito à mão. Notas conjugais sobre o cinema de Yervant Gianikian e Angela Ricci-Lucchi Danièle Hibon, Dominique Païni Ocorre com “os Gianikian” como com “os Straub”: quando nos interessamos pelos seus trabalhos é enquanto casal que temos vontade de os estudar, programar, comentar. Num texto de Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi publicado em 1995 na revista Trafic, intitulado “Notre caméra analytique”, fomos surpreendidos pela tentativa dos dois cineastas definirem o seu método. “A construção de uma câmara analítica permite-nos aproximar, entrar em profundidade no fotograma. Intervir na velocidade do filme, no detalhe, na cor. Fixar e reproduzir em formas pouco habituais o material de arquivo. Graças a ela, realizamos as nossas catalogações, arquivamos, dentro da massa de imagens encontradas e que possuímos, aquelas que nos provocam fortes tensões [...]. Pois nada podia ser visto na mesa de montagem, devido ao estreitamento da película, que vimos praticamente parada, à mão, fotograma por fotograma [...]. Vemos alguns fotogramas de um fragmento de filme. Vemo-los fixos, à mão, à contraluz sobre o vidro fosco, à luz da mesa.” Este texto teve a virtude no seu tempo de conjugar, para nós, interesses que até então não nos tinham parecido conectados nem conectáveis: o ensaio cinematográfico “defendido e ilustrado” desde há uma dezena de anos na Galerie Nationale du Jeu de Paume e as condições da plasticidade cinematográfica. No fundo, encontrávamos neste texto argumentos para nos questionarmos de novo sobre a artisticidade do cinema e elementos metodológicos emprestados a dois cineastas contemporâneos para conturbar o medieval mas recorrente antagonismo entre as artes mecânicas e as artes liberais, antagonismo aliás relançado aquando da invenção do cinema. O ensaio cinematográfico poderia ser definido como uma permeabilidade ao real e uma visão inquieta do mundo, uma viagem aos meandros muitas vezes dolorosos da memória e uma escrita no presente, a combinação de materiais objectivos “já existentes” (o arquivo de arquivos segundo os Gianikian) e a reivindicação subjectiva da montagem. Ao reler o texto dos Gianikian e ao rever os seus filmes, encontrámos uma frase do poeta Francis Ponge (em My creative method) que descreve na nossa opinião de forma bastante ideal o trabalho dos cineastas, tendo que se substituir, obviamente, a palavra “literário” pela palavra “cinematográfico”: “Criar objectos literários que tenham mais possibilidade não digo de viver, mas de se opor (objectar-se, dispor-se objectivamente) com firmeza ao espírito das gerações, que lhes interessam sempre (como lhes interessarão sempre os próprios objectos exteriores), ficam à sua disposição, à disposição do seu desejo e gosto pela concreto, da 114 evidência (muda) oponível, ou do representativo (ou presentativo)”. Não saberíamos encontrar melhores palavras que estas de Ponge para justificar as “fatias douradas” cinematográficas dos Gianikian e o seu alcance ideológico. Encontramos, de facto, nestes cineastas uma atenção semelhante em relação aos objectos, propriamente ditos par um lado e de um ponto de vista linguístico por outro lado. Os seus filmes-catálogos dos anos 70 são exercícios próximos de “lançamentos em orbita” escriturais de objectos banais e quotidianos dos quais Ponge elogia as formas, as possibilidades de anamorfose figural e o poder semântico infinito. Estes objectos descritos “em todos os seus estados” mantêm uma certa afinidade, uma relação conceptual com os objectos que ocupam a proximidade do olhar e da vida dos dois cineastas que apreciam os perfumes e os brinquedos e cujo Catalogo nº3 – Odore di Tiglio Intorno alla Casa [Aroma de Tília à Volta da Casa] revela o projecto de transformar a intimidade em obra de arte, de apresentar-representar o que existe “mesmo ali à nossa volta”. Forma de continuar de um modo mais poético o debate dos anos 70 semiologicamente militantes, entre denotação e conotação, ver e olhar, realismo e verdade (o titulo do recente Inventario Balcânico indica que esta interrogação está ainda hoje viva para eles). Por outras palavras, estamos a sugerir que é assim que os Gianikian inscrevem na sua obra a relação incerta e subtil entre documentário e ensaio cinematográfico, levando-nos a desafiar quem quer que seja para determinar qual é, para os cineastas, o “campo certo”. Pois a que está em jogo e a verdade do seu trabalho encontram-se sem dúvida noutro lado, precisamente nesta leve alusão, apenas assinalada no seu texto: visionam os arquivos que encontram “à mão”. O seu cinema seria então feito à mão!? Alguns cineastas, ou artistas temporariamente cineastas, tentaram ultrapassar, pela menos metaforicamente, a impossibilidade da marca manual no “fazer cinematográfico”, uma impossibilidade ontológica de certo modo. Assim, para rematar o filme Anémic Cinema, Marcel Duchamp assina-o de uma forma singular. Faz figurar o seu pseudónimo de ficção, Rose Sélavy, e deixa uma impressão digital no genérico final. Duchamp comenta deste modo a sua única experiência cinematográfica: “Além disso, este cinema era divertido. Trabalhávamos milímetro por milímetro, porque não havia máquinas muito aperfeiçoadas. Havia um pequeno cilindro, com os milímetros marcados, que rodávamos imagem por imagem. Fizemos isto durante duas semanas. Os aparelhos não eram capazes de passar a cena a qualquer velocidade, baralhava-se tudo, e como rodavam bastante depressa, verificavase um efeito de óptica curioso. Fomos então obrigados a abandonar a mecânica e a fazer tudo nós próprios. Um retorno à mão, por assim dizer.” Robert Bresson confere igualmente à mão um papel de relevo: “Que no teu filme sintamos a alma e o coração, mas que seja feito como um trabalho manual.” Nas suas Notes sur le Cinématographe, Bresson compara a câmara aos apetrechos manuais da pintura, do desenho e da escrita (o Cinematógrafo) e sem dúvida é preciso ver que ao atribuir o nome de modelo aos actores não se trata de uma indiferença em relação ao seu trabalho, mas antes de uma 115 preocupação de assinalar um projecto escultural, de modelar o corpo do actor. Como afirma Bresson, dirigir um actor consistiria pois, mais precisamente, em remover a matéria supérflua. No fundo, Duchamp e Bresson opõem-se à ontologia cinematográfica segundo princípios herdados da filosofia clássica da arte. Recorde-se L’Eloge de la main de Henri Focillon: “O que distingue o sonho da realidade é que o homem que sonha não pode engendrar uma arte: a suas mãos estão adormecidas. A arte faz-se com as mãos. São o instrumento da criação, mas são em primeiro lugar o órgão do conhecimento. [...] [A mão] está na origem de toda a criação. Adão foi moldado com barro, como uma estátua. Na iconografia romana, Deus não sopra sobre o globo do mundo para o lançar para o éter. Coloca-o no lugar segurando-o com a mão. E é uma formidável mão que Rodin, para representar a obra dos seis dias, faz irromper de um bloco onde repousam as forças do caos.” E, finalmente, diante de fotografias de patriarcas judeus, Focillon evoca uma representação de Rembrandt. Mas retracta-se rapidamente: “Que mal-estar se apodera de nós diante destas imagens tão perfeitas! É Rembrandt destituído de Rembrandt. Uma percepção pura, despojada de substância e densidade, ou antes uma deslumbrante recordação óptica, fixada nesta memória cristalina que retém tudo, a câmara escura. A matéria, a mão, o próprio homem estão ausentes". Os Gianikian pensariam deste modo diante das mesmas fotografias? Criar confundir-se-ia pois com modelar, esculpir, manipular a matéria. Ora, as artes mecânicas que são a fotografia e o cinema excluem esta acção directa da mão sobre a matéria do real. Reproduzir não é produzir. Contudo, não é indiferente que modelar e fingir, dito de outro modo a escultura e a ficção, tenham uma origem etimológica comum: fingere. Poderia isto contribuir para melhor compreender o tormento que atravessou o cinema moderno desde o pós-guerra? Tormento que aflora de outra forma em Transparenze onde as mãos de Yervant decapitam, dilaceram a carne da película que encarna o fotograma, verdadeira pasta modelável, viscosa. (Recorde-se que segundo Jean Epstein a viscosidade era o que melhor definia a plasticidade da imagem cinematográfica projectada ao ralenti). Rosselini, Pasolini, Antonioni, Buñuel, Bergman, Bresson enfrentaram, ao longo das suas respectivas obras, estas questões: o cinema é uma arte? O cineasta é um artista? Que aconteceu às mãos, qual o seu papel e a sua marca, nesta arte do século xx? Esta arte cujo tempo é o material e cuja matéria, a película, não é a matéria de expressão. Por outras palavras, onde reside a plasticidade cinematográfica que atestaria o acto manual, o toque do artista-cineasta no seio deste dispositivo que regista mecanicamente, do qual a colagem da montagem apaga igualmente a marca? Não entendo a plasticidade segundo a sua redução pictórica (a realidade reproduzida pictoricamente, com “efeitos de pintura”), mas como a do 116 material cinematográfico, e do que está na sua base: o movimento, a duração, a velocidade das imagens. Coloquemos esta hipótese: a plasticidade cinematográfica reside nas variações de andamento imprimidas aos objectos representados na imagem fílmica. Agir sobre a velocidade das imagens, sobre o ritmo do movimento dos seres e das coisas reproduzidas pelo filme reconduziria assim a uma actividade de modelagem do tempo. O verdadeiro material dos filmes dos Gianikian não é a realidade como é o caso do documentário tradicional. O material que modelam, que manipulam, que “vêem à mão”, é uma realidade registada com a sua temporalidade própria que se oferece à tangibilidade do visionamento, fotograma por fotograma, e da montagem. Porque os Gianikian já não encontram nenhum projector à medida de visionar os filmes que descobrem, vêem-nos e apresentam/representam-nos à mão, graças à sua câmara analítica que aumenta a imagem, pormenoriza o seu conteúdo e estende a sua duração. Aumentar, pormenorizar, estender constituem gestos de extracção ideológica de partes da imagem, metamorfoseando os arquivos iniciais manipulados em incontestáveis discursos ideológicos dos nossos dias. Além disso, estes mesmos gestos extraem, aprisionam nos movimentos humanos colectivos (Prigioneri della Guerra, Su tutte le vette è pace) olhares que sem o saberem, varias décadas mais tarde, individualizam testemunhas tornadas anónimas, olhares reflectidos no dos Gianikian. É assim que os filmes dos Gianikian seriam ensaios por excelência. se nos consentíssemos a fantasia teórica de os definir como documentários feitos à mão. in Yervant Gianikian & Angela Ricci Lucchi, Catálogo Cinemateca Portuguesa, 2001, trad. Joana Campos Notre caméra analytique Yervant Gianikian, Angela Ricci Lucchi Archives Nous voyageons en cataloguant, nous cataloguons en voyageant à travers le cinéma que nous allons re-filmer. Les sources d’origine sont ce qui a été récupéré des archives documentaires, parmi lesquelles la collection privée de Luca Comerio (1876-1940), pionnier du cinéma de documentation. 117 La construction d’une “caméra analytique” nous permet de nous approcher, de descendre en profondeur dans le photogramme. D’intervenir sur la vitesse de défilement, sur le détail, sur la couleur. De fixer et de reproduire dans des formes inhabituelles le matériel d’archive. Grâce à elles nous réalisons nos “mises en catalogues”, nous archivons, parmi la masse d’images trouvées et que nous avons, celles qui provoquent en nous de fortes tensions. Emploi de l’ancien pour le nouveau, pour faire émerger des actualités les sens cachés, pour renverser les sens premiers. Mémoires de fin de millénaire sur les comportements, les idéologies. Mise en catalogue rangement des images par comparaison Du Pôle à l’Equateur, les 347 000 photogrammes photographiés un à un autour du “thème légendaire du voyage”. Le documentaire archaïque comme bazar d’exotisme, comme exposition d0images de marchandises même humaines. (Rapine culturelle permanente et violation systématique de cultures par d’autres). Caractérisation dans l’archive d’éléments constants qui apparaissent dans les espaces géographiques différents : le panorama / les animaux / les objets / la danse / les rituels / le portrait / la foule / la procession / le vêtement. En ce qui concerne le vêtement, les seuls à être “en costumes” sont les conquistadors, les chasseurs, les prêtres, les soldats. Mussolini. Déflagration des violences par la mise en catalogues des matériaux. […] Aspect d’un laboratoire. A Milan, au printemps 1982, nous trouvons donc les travaux du dernier laboratoire de Luca Comerio. Le lieu est le sous-sol d’un petit établissement de banlieue, près des autoroutes. Le laboratoire cinématographique a un air du XIXe siècle. La caméra Prevost avec laquelle Comerio filma, au début comme seul opérateur, la Première Guerre mondiale, est appuyée à la verticale sur un banc-titre en bois. La tireuse au contact, elle aussi en bois, ressemble à une petite armoire, avec deux rideaux en tissu noir dans la partie inférieure pour cacher les deux corbeilles qui recueillent la pellicule. Dans la machine, la pellicule n’est entraînée que par une seule roue dentée à huit pointes. Les films sont regardés sur une petite table en bois avec des plateaux en bakélite. Le laboratoire va être démoli. Le propriétaire, seul ouvrier, a déjà démonté et cassé à coups de marteau la tireuse Lumière, par désespoir, parce que sans avenir. Les divers morceaux, rouillés, désarticulés, emplissent des seaux dehors dans la cour, sous la pluie, où sont alignés aussi les châssis en bois pour développer. A l’intérieur, d’autres objets, des appareils cinématographiques sur des socles, sont recouverts de lourdes bâches noires et maintenus par de grosses cordes. Les films documentaires inflammables sont conservés dans une cave. Ils sont destinés à êtres brûlés. Nous regardons quelques photogrammes d’un fragment de film. Nous les regardons “fixes” à la main, en contre-jour 118 sur le verre dépoli, à la lumière de la table. Une embarcation à voile virée en peinte en bleu et rose marin. Noue ne voulons rien voir d’autre à moins de tout voir. Nous n’aurions pas pu réaliser Du Pôle à l’Equateur si nous n’avions pu posséder physiquement et mentalement tout ce matériau. Matériau que nous allions rassembler pendant des années pour constituer nos “archives des archives” en relation étroite avec notre travail sur le film comme forme d’art. Pour une transposition des archives en formes non traditionnelles. Une recherche personnelle sur un matériau donné, sur ce qu’il cache, dans les détails de ses photogrammes en 18x24 mm, et dans les vitesses originales de déroulement. Pour une nouvelle relecture de la mémoire collective fixée dans le matériau documentaire. Luca Comerio meurt amnésique en 1940. L’amnésie chimique, la moisissure, la désintégration physique de l’émulsion, tel est l’état dans lequel se trouvent ses archives, qui rassemblent ce qui a été tourné par lui et par d’autres opérateurs primitifs. Un filmpanorama du monde qui précédait la Première Guerre mondiale. Du Pôle à l’Equateur (1986) est la forme nouvelle, la resignification du matériau filmique de ces archives primitives, concernant le voyage d’exploration, de conquête, de main basse culturelle, d’imposition religieuse et militaire, d’aventure exotique et coloniale. La “caméra analytique” Pour le film, on a construit une “caméra analytique” comprenant deux éléments. Dans le premier défile verticalement l’original 35 mm. Il peut contenir la perforation Lumière et les pellicules avec les divers états de rétrécissement et de détérioration du support et de l’émulsion jusqu’à la perte de l’interligne du photogramme et de son total effacement. Le déroulement se fait manuellement avec une manivelle à cause de l’état des perforations, du risque permanent d’incendie du matériau inflammable. La griffe se compose de deux dents mobiles au lieu de quatre. Les lampes employées sont des lampes photographiques à température variable au moyen d’un rhéostat. Cette première partie de la caméra est le résultat d’une tireuse à contact. Le second élément est une caméra aérienne sur un axe dont le premier élément absorbe l’image par transparence. C’est une caméra avec des caractéristiques microscopiques, plus photographiques que cinématographiques, qui rappelle plus les expériences de Muybridge et de Marey que celles des Lumières. La caméra, équipée de mécanismes pour le déroulement latéral, longitudinal et angulaire dans toutes les directions, peut respecter intégralement le photogramme, sa structure originelle et sa vitesse d’apparition au sens philologique. Ou bien elle pénètre en profondeur le photogramme pour observer les détails, dans les zones marginales de l’image, dans les parties incontrôlées du cadre. La caméra est capable de respecter la couleur du virage 119 original ou de la coloration à la main du photogramme, mais peut aussi, de façon autonome, peindre de vastes zones du film. La vitesse du déroulement est fonction de la vitesse originelle, qui diffère à chaque morceau du film selon ce qu’on veut souligner. En général la valeur du ralenti est de 3-4 par photogramme. La valeur augmente dans les parties fugitives, lorsqu’il n’y a qu’un seul photogramme et dans les fragments. La caméra travaille à l’intérieur de la séquence et quelquefois la décompose en plusieurs séquences. Elle confronte les formes du matériau primitif pour mettre en lumière les détails. Avec les techniques expérimentées pour la première fois pat Mikhail Kaufmann en 1928, elle voyage dans l’espace et dans le temps du film. Le fil est divisé en dix sections. Le montage se fait par blocs et par thèmes. Dans chacun d’eux, les éléments constitutifs reviennent sous des formes et des aspects différents, récurrents. 1. Topographie à la frontière de l’empire austro-hongrois Le Tyrol vu du train dans les années qui précèdent la Première Guerre mondiale. La longueur originelle du morceau de film était de 5 044 pieds (97 m) et a été multipliée trois fois. Les perforations de la pellicule – comme les rails sur lesquels roule le train – qui manquaient sur tout un côté ont été refaites une par une. La moisissure, le brouillard chimique du territoire filmique ferroviaire sont la concrétisation visuelle du mot amnésie. La caméra sur le train fait défiler le paysage, c’est la nouvelle ponctuation filmique qui contient les autres ponctuations, dans le tunnel on invente le fondu qui ouvre et ferme. Le tunnel, la galerie, est l’architecture primaire où les soldats passeront, comme dans une tanière, de longues années. 2. “Le Sphynx blanc” Alignement de matériaux antarctiques de provenance diverse à partir de ceux qui ont été filmés par le duc des Abruzzes, 1899 : rupture de glaciers, chemins d’eau, panoramas dynamiques, première apparition dans un fil de l’homme en chasse polaire. Le cache ovale ou rond, comme la section du canon du fusil, contient les animaux visés : l’ourse blessée, son petit pris au lasso, la proie sanglante qu’on hisse à bord encore vivante. 3. Topographie d’une frontière Un opérateur à la frontière “russo-persane” avant 1910. La caméra topographique sur le train pénètre la ville de Tiflis, distingue l’architecture chrétienne de la musulmane. On compte plus de militaires que de civils dans les recensements de rues. Dans les portraits en groupe 120 même les femmes sont armées. Les éléments reproposés dans une forme nouvelle sont le panorama, les géométries des parades, les portraits, le mouvement de la danse, le visage de la foule caucasienne décrit plus tard par Joseph Roth. 4. “Le Sphynx noir” des missionnaires Chasse religieuse. Les quatre fonctions représentées par les missionnaires sont : la recherche de la proie, le baptême, l’encadrement religieux, l’encadrement militaire. A l’école, le geste em miroir de la main gauche de la sœur missionnaire provoque le mouvement de la main droite des enfants noirs pour faire le signe de la croix. Les missionnaires viennent à la suite du baron Franchetti. Ouganda 1910. Luca Comerio est l’opérateur de cette section, il accompagne le baron, futur agent secret de Mussolini en Afrique. Le chasseur blanc (détails de son allure et de son habillement colonial) est pris au milieu d’une foule de corps noirs nus, la caméra explore en particulier les corps féminins. Le drapeau italien est retiré du fleuve par une colonne d’hommes noirs nus. L’intertitre qui accompagnait cette séquence : “Partout, l’Italie a fait flotter son glorieux drapeau.” 5. Combats. Contrastes d’opérateurs en Inde Vers 1911. La couleur peinte au pochoir ajoute une note d’irréalité et d’abstraction. Filmcarte postale à expédier en Occident. Degrés divers d’interférence de la caméra coloniale sur la vie des indigènes, comme instrument d’observation et de surveillance de la “couleur locale”. L’attention porte sur le rituel du nettoyage et de l’épouillement réciproques. Présence continue de l’épopée militaire, à Bombay, George V est couronné. Des défilés d’hommes armés, à pied, sortent de la forêt. 6. Carte postale “mystique” d’Indochine Le contraste est évident avec les formes de la parade militaire, de la chasse ou de l’imposition religieuse : les bonzes marchent, légers dans leurs vêtements de soie, portant à la main gauche les objets de leur culte. Détails précieux de la cérémonie de prise d’habit d’un bonze. Les rituels sont la procession, le caractère magique de la musique du tambour ; la distribution du riz aux jeunes bonzes ; l’apprentissage des textes sacrés. Images du début du siècle, précédant les spoliations physiques et culturelles en Indochine. 7. Cartes postales exotiques de “France d’Outre-mer” Tanger 1910, date incertaine. Catalogue filmique à la manière du “Journal” de Delacroix. Delacroix en 1832 notait que les canons sur la citadelle étaient déjà rouillés. La caméra 121 analytique fixe les objets de l’exotisme : une tente qui flotte au vent, des burnous, des regards, des chevaux et des cavaliers en bordure du désert, des comportements dans le ghetto. Elle montre des boiteux, des nains, des chanteurs aveugles. Des porteurs et des policiers armés de bâtons de déplacent sur fonds lointains de bateaux de guerre. Citation de Flaubert : “Peu de stupeur devant la nature – paysage – ciel – désert. Stupeur énorme devant la ville – des hommes. Horizons rêvés – plantes – sable – soleil plus que rues – maisons – vêtements – visages.” 8. Gondar, Afrique-Orientale, 1910 Les références littéraires sont le Leiris de L’Afrique fantôme, Griaule. Au texte de Rimbaud “Lettres d’Abyssinie” : “Satané pays” où “il blanchit un cheveu par minute”, s’oppose le texte filmique dans se éléments : panorama des ruines coloniales portugaises, des châteaux de Gondar, aspect de crèche en carton avec des palmes. Défilent en parade, sur fond, des ânes, des chameaux, des zèbres, des autruches et des guerriers. La “fantasia africaine” est la fantasia de la guerre. Le coup de feu de l’homme blanc donne départ de la bataille et disperse hommes et animaux. La moisissure dissout cette procession fantôme ouverte par le chef du village à cheval qui arbore sur sa chevelure aune aigrette blanche. Mussolini porte une plume blanche semblable sur son front, à son entrée à Tripoli en son année “napoléonienne” de la “prédestination africaine”, 1926. (On voit cette séquence dans la section de la guerre.) 9. “Le Sphynx noir” du baron Franchetti Ouganda 1920. Grosse chasse du Lawrence italien. Nous les trouverons tois dans un musée à Reggio Emilia, les animaux tués par le baron. Empaillés, ils retrouvent les positions qu’ils avaient dans le film, vivants ou morts. Dans le musée, le chien du baron est sur le dos du rhinocéros, Luca Comerio consacre un plan américain à lui-même en train de viser dans la savane et on le voit encore avec un enfant lion capturé. Parallélisme entre le “Sphynx noir” et le”Sphynx blanc” : les mères sont tuées et les petits capturés. Géométrie des cortèges, des défilés, des processions de chasse, qui précèdent les formes identiques des colonnes de guerre. 10. La Première Guerre mondiale vue par Luca Comerio Filmage pris dans les négatifs d’origine, dans les positifs de projection virés. Les soldats tombent sur le Monte Calvario, en trois photogrammes, en six photogrammes dans l’eau de l’Isonzo. Sur le Monte Calvario, la prise de vues est interrompue par la mort de l’opérateur. La moisissure, dégradation chimique de l’émulsion de la pellicule, dessine des formes 122 tourmentées sur les masses armée, efface les hommes et laisse intactes les rochers. Dans un vallon, un troupeau de moutons compose l’inscription VIVE LE ROI. […] in Trafic n.º 13, Hiver 1995 … au devenir-incendie de la mémoire Sylvain George […] Les films des cinéastes Angela Ricci-Lucchi et Yervant Gianikian comptent, avec ceux d’Antonello Bianca et Aldo Tambellini, parmi les plus significatifs du cinéma expérimental et politique italien et mondial. Leur projet cinématographique s’inscrit dans une relecture allégorique/critique de très grande ampleur des présupposés philosophiques et politiques qui fondent notre modernité depuis le 16ème siècle, et interroge dans le même temps la question de la théorie de la connaissance en reprenant en charge la question des arts de la mémoire. Leur œuvre prend principalement appui sur le remploi de films d’archive ou found footage ou films-trouvés, à l’instar des “objets-trouvés” des surréalistes. Si cette pratique est fréquente dans le cinéma dit “expérimental”, elle est “rarement accompagnée d’une théorie, les artistes qui s’y livrent semblant plutôt se fier en général à leur intuition ou se suffire de leur principe de base” (Jacques Aumont). Les Gianikian réalisent des mises en jeu dialectiques, un programme singulier que fonde l’usage d’une “caméra analytique” : “Parce que nous pensons que tous les maux du siècle sont contenus dans chaque boite de pellicule, comme des vipères prêtes à mordre à nouveau. Nous cherchons le monstre tapi dans chacune de ces images des années 10 et 20, ce sont des images prémonitoires qui annoncent les catastrophes à venir, comme Orwell les avait annoncées dans ses livres” (Ricci-Lucchi et Gianikian). D’une clinique descriptive (les principes invariables des films des Gianikian) Trois grandes étapes caractérisent ce schéma plastique établi sur la base d’un rapport dialogique avec les “origines” du cinéma, ou virtualités non actualisées de celui-ci, les promesses inaccomplies… Première étape : rassembler les films d’archives : Il s’agit principalement d’archives en 16 et 35 mm qui proviennent du fond de Luca Comerio (1876-1940), un opérateur fasciste italien, 123 pionnier oublié du cinéma de “documentation”, et dont les films, réalisés entre la première et la seconde guerre mondiale, “reflètent tous une vision proto-fasciste d’après la première guerre mondiale. Des héros italiens partent à la conquête du vaste monde...”. Et par ailleurs d’archives qui proviennent de fonds nationaux ou locaux américains, français, italiens, russes, arméniens (propagande militaire, archives d’origine scientifique, archives de voyageurs…). Le deuxième geste de cette première étape consiste après les avoir rassemblés, à restaurer et à restituer l’intégrité physique première des matériaux (reconsolider les collures, reconstruire les perforations manquantes). Seconde étape : classer : L’opération consiste à examiner attentivement les photogrammes, à l’aide de la table de montage ou bien, comme cela fut le cas pour le film qui nous occupe – la pellicule ayant rétréci – à l’aide d’une loupe. La structure et les chapitres du film de Comerio sont alors repérés et examinés de même que le contenu de chaque séquence, et ce jusqu’au détail le plus infime, le plus ténu, le plus fragile. Le projet du film Du pôle à l’Equateur apparaît alors : une vision proto-fasciste qui vise à montrer la grandeur de la nation italienne à la fin des années 20. Puis vient le second geste de l’étape qui consiste à établir un nouveau découpage du film à partir des chapitres étudiés et ce, afin de donner une forme nouvelle en deux chapitres. Troisième étape : Re-filmer : Les deux chapitres nouvellement définis vont être ensuite “analysés”, et vont donner lieux à une nouvelle “suite” composée de dix nouvelles séquences. Ces séquences seront ensuite montées par “blocs et par thèmes”. Dans chacun d’eux, “les éléments constitutifs reviennent sous des formes et des aspects différents, récurrents.” Pour ce faire, Angela Ricci-Lucchi et Yervant Gianikian vont se doter d’un nouvel outil, une “caméra analytique” qui va leur permettre de re-filmer le négatif original et préciser encore plus leur méthode. Suivant ce que les cinéastes souhaitent souligner dans telle ou telle séquence, la vitesse du déroulement de la pellicule peut varier, fluctuer : des ralentis, rarement des accélérations… La caméra “travaille”, “analyse” et explore les séquences, en retient une, la décompose, met en lumière certains détails que renforce la mise en valeur des couleurs des photogrammes ou leur recoloration par le rajout de couleurs primaires essentiellement, de complémentaires quelques fois : rouge, bleu, jaune, ocre... Dix nouvelles séquences seront ainsi obtenues par le biais de la caméra analytique-critique, qui délivrent les sujets filmés de la gangue idéologique qui les emprisonnait, et les restituent à leur pleine intégrité. Rendre justice. 124 Pour exemple, la séquence10 : La première Guerre Mondiale vue par Luca Comerio . Sur les flancs du Mont Calvario, la prise de vue est interrompue par la mort de l’opérateur. Des soldats tombent sous le feu des balles et… fondent : “La dégradation chimique de la pellicule dessine des formes tourmentées sur les masses armées…” Dans un vallon, un troupeau de moutons compose l’inscription “vive le Roi”. La technique compositionnelle que nous avons très rapidement esquissée répond à un “usage analytique” du matériau-trouvé. Refilmer et pénétrer dans la substance des films permet de travailler, re-travailler, et de transformer le mouvement même des images. Cela participe de l’élaboration d’une écriture plastique, éminemment physique, extrêmement fluide, et qui revêt une dimension critique : il s’agit en effet de “déconstruire les images de propagande et démontrer, dans le même temps, la puissance du documentaire durant la Première Guerre mondiale”. Il s’agit de “chercher les individus, “les hommes-soldats, dans les archives cinématographiques qui ne montrent que des masses anonymes”. Cette technique compositionnelle donne ainsi lieu, aboutit à un “voyage”, une “archive d’archives”. Ou bien encore à un catalogue de gestes, entre expérience et expérimentations ainsi que nous le verrons, et qui fait écho, de façon plus ou moins proche ou lointaine, à des gestes tout aussi singuliers et révolutionnaires. Comme premiers exemples : L’Atlas Mnémosyne d’Aby Warburg, le Paysan de Paris d’Aragon, le Livres des passages de Walter Benjamin, le très beau et méconnu projet de Rossellini La lotta de l’Uomo per la sua sa opravvivenza et plus précisément la douzième partie consacrée aux évènements de mai 1968 partout dans le monde , Evolution of a Filipino Family de Lav Diaz, et dans une moindre mesure la revue Documents de Georges Batailles et les Histoire(s) du cinéma de Jean-Luc Godard… Le principe du catalogue avait déjà été utilisé par les Gianikian dans la première phase de leur œuvre lorsqu’ils travaillaient sur les films parfumés. Mais, il en va sans doute différemment si le cinéma cesse “d’être l’instrument de saisie et de visibilité de divers catalogues pour devenir catalogue lui-même” (Raymond Bellour). Rappelons que les catalogues – que chérissait Diderot, et dont l’Encyclopédie est une variante – mettent en œuvre un art combinatoire (selon le rêve de Leibniz, mais aussi de Giordano Bruno, Raymond Lulle… ou encore Louis-Auguste Blanqui, Raymond Roussel…), et permettent d’établir des combinaisons, des comparaisons, des interconnections dialectiques entre des éléments que tout peut séparer, éloigner à priori, entre des “objets” qui peuvent se situer à des intervalles différents. Le catalogue permet de consigner des éléments de savoir, et de faire interagir ces différents éléments les uns avec les autres. Il rapproche ou éloigne. Il favorise tout en rendant visible des opérations de montage. Il démontre que le savoir et la connaissance sont des constructions de sens qui résultent, essentiellement, surtout, du jeu des extrêmes et des polarités. 125 Tel qu’envisagé par les Gianikian, le sens philosophique du found footage serait ainsi à trouver dans une recombinatoire à visée démythologisante, qui effectuerait une stase critique à l’endroit des régimes “transparents”, fascismes passés, présents et à venir, à l’industrie culturelle, aux rêves “hollywoodiens” de Caligari et Mabuse. Les concepts traditionnels de l’esthétique (création, génie, valeur d’éternité, mystère, etc.), utilisables d’emblée pour les buts du fascisme, ne doivent-ils pas être impérativement évincés du champ de la pensée ? A l’ “esthétisation du politique” (Walter Benjamin) ne faut-il substituer la “politisation de l’art” ? Ce renversement dialectique n’exige-t-il pas un autre usage de la technique en même temps qu’une critique de l’apparence ? Serait-ce à dire qu’Angela Ricci-Lucchi et Yervant Gianikian, en reprenant à la base la “machine de guerre” des Lumières, poseraient à nouveau la question de la connaissance, d’une méthode cinématographique pour accéder à la connaissance, ou plus précisément de la “nécessité” d’une nouvelle théorie de la connaissance cinématographique fondée sur la mémoire et le montage ? Le cinéma comme lieu de montage de gestes, c’est-à-dire d’images, de blocs de temps et de mouvements, hétérogènes, anachroniques, et qui engagerait une conception et une écriture de l’histoire non téléologique et linéaire ? L’optimisme du rationalisme des Lumières, de la révolution bourgeoise ou l’espoir marxiste de la Révolution qui déboucheraient sur la fin de l’histoire ne doivent-ils pas être irrémédiablement congédiés au profit d’une nouvelle conception de l’origine et du temps historique, de l’écriture de soi, d’une écriture de l’histoire adialectique dans lequel l’Autrefois se télescope avec l’Aujourd’hui et ce, afin d’honorer, pour reprendre la formule de Stendhal, une “promesse de bonheur” ? Le cinéma comme art combinatoire : un espace d’image comme lieu de la multiplication des mondes et de leur exposition ? […] Le cinéma des Gianikian réalise le “véritable état d’exception” que Benjamin appelait de ses vœux. Il est une réponse aux nombreuses zones d’exception que réalisent les sociétés figées, mythiques, prises dans les rets de l’origine, de l’archaïque, du progrès… ce que nous appellerons l’immanentisme chronologiques du fascisme et d’autres sociétés transparentes, sociales-démocrates, libérales. Le cinéma d’exception saisit l’histoire à rebrousse-poil au lien de se laisser porter par elle ou de nager dans son sens. Il met en jeu une écriture de l’histoire, dans l’histoire, à contretemps, qui ouvre le réel – en le retournant, tel un gant – le critique, le mortifie, l’allégorise pour mieux en saisir teneur de vérité. Il pratique une césure, messianique, du “mouvement” dialectique des phénomènes et des choses (en termes hégéliens). Contre l’éternel retour du même et son cortège de catastrophes, il interrompt le cours du monde selon une dialectique à l’arrêt qui donne à lire un véritable mouvement : la restitution 126 intégrale du passé, l’abolition de la société de classe, de la domination de l’Homme sur l’Homme, de l’Homme sur la Nature. En effet, les “politiques incendiaires” se trouvent ruinées et subverties par de fragiles bouts de pellicules en décomposition, défigurés et ravagés par l’oubli. Re-filmées, ralenties, surimpressionnées, colorées, répétées, arrêtées, montées, remontées de façon disjonctives, “parataxiques”, les images d’archives (images inflammables, de nitrate, récupérées pendant la guerre pour en faire des bombes), “analysées” , cataloguées, pensées dans toute leur matérialité, trivialité, par les Gianikian, brisent les continuités et font exploser l’Humanisme classique qui voit en l’Homme le dépositaire des attributs de Dieu. Et parmi-ceux-ci le plus précieux : le pouvoir de créer et de faire qu’un monde existe. A l’humanisme classique se substitue l’humanisme réel (Walter Benjamin) ou a-humanisme, à l’humanité, l’inhumanité, à l’homme logo-centré, l’homme ex-centré, au concept de création, celui de destruction. Au “ choix du grand” dessine la figure du sujet-petit, une “souveraineté de l’exil”, un “caractère destructeur”, un roi de carnaval à l’écoute de la plainte de la Nature, jusque là silencieuse et muette. Un sujet-traducteur (Walter Benjamin). […] in “Le peuple qui vient : gestus du cinéma prophétique (la communauté des amis étrangers)”, Histo.art n.º 2 (Travaux de l’école doctorale histoire de l’art), 2010 On From the Pole to the Equator: interview with Yervant Gianikian & Angela Ricci Lucchi Scott MacDonald Few filmmakers exemplify the idea of a "critical cinema" more clearly than the Milanese collaborators Yervant Gianikian and Angela Ricci Lucchi, who see their mission as retrieving and examining the cinematic artefacts of the ltalian past and critiquing them from the other end of the century these artefacts helped to introduce. That this process has generally involved slowing down the filmed material they work with, first, so they can study it frame by frame, and then, so that viewers can see it, not frame by frame, but slowly enough to profit from the painstaking examination Gianikian and Ricci Lucchi have conducted, has a specific (and local) reference: Futurism, an artistic movement that was centred in Milan and characterized by a fascination with motion and especially speed. The fact that Futurism was to become one of the pillars of Italian fascism makes a critique of it crucial, especially since, as Gianikian and Ricci Lucchi are well aware, fascist ideology is hardly a thing of the past. 127 Indeed, their explorations of the cine-artefacts they collect are often inspired by current events reminiscent, to them, of the particular histories that produced Mussolini, Hitler, and the Turkish genocide of the Armenians (in 1915), as a result of which Gianikian lives in Italy as a second-generation Armenian immigrant. As filmmakers, Gianikian and Ricci Lucchi have always been fascinated with the past and with memory. […] For From the Pole to the Equator, Gianikian and Ricci Lucchi built a special "analytic" camera. With this device Gianikian and Ricci Lucchi recorded 347,600 frames from Luca Comerio’s original From the Pole to the Equator (the completion date i unclear; Gianikian and Ricci Lucchi estimate the late 1920S) and From various other films in Comerio’s collection. The result transforms the original material – In general, artefacts of imperialism: missionaries "educating" natives, big-game hunters in Africa, British military parades in lndia – so the viewers not only see the original imagery and its original intent (to testify to the superiority of white, European civilization) but see through the imagery to the human beings looking back at these cameras from within their own complex cultures. When people ask you what kind of films you make, or what your mission as filmmakers is, how do you describe your work? Of course, you are collectors of early film imagery (and other artefacts), and you explore this imagery. Are you cine-archaeologists? Gianikian: Somebody might define us that way, but I don’t like the term... Ricci Lucchi: Something is missing. G: We are interested in an ethical sense of vision. A project is usually born from our reading film images. You mean from exploring the material you’ve collected? G: Yes, in very controlled ways. It’s something like vivisection. We write down what happens in each frame, how many frames are in each shot and sequence. We are very precise. Do you both do this exploration? G: I begin, but she is always following the work, so she knows everything about it. She takes part and contributes many important things. She often does other kinds of research as well. Really, we work together, but in different ways. R L: It depends on the topic, and whether I am interested. My first job is to know, very deeply, the historical time period of the material we want to explore – all the things in the world that might affect this topic. 128 G: For the sections on Africa in From the Pole to the Equator, we read all the books on the subject, all the French writers, as well as the Italians, and not only scholarship, but explorers’ diaries. Karagoez-Catalogo 9.5 was your first long archival film. It developed out of the collection you found in 1977. Are you always collecting material? And do particular films develop out of particular collections? G: It’s not as conscious as that, though it is true that Karagoez was born from a collection of fiction films, and From the Pole, from a collection of documentaries. But in Pole we made a choice not to mix fiction with documentary. The Comerio collection included both. We are always looking for new material, because we’re always looking for new meaning, and new ways of reading imagery. You used "vivisection" to describe your exploration of film imagery. Is your interest in exploring the image in such detail partly a desire to see how a fascistic way of seeing has developed in cinema in general? One could argue that popular cinema and television in general tend to be reactionary – not only in what is shown, but in the way in which viewers are asked to use their eyes. In order to watch your films, one must learn to look in a completely different way. Most popular films and TV shows simply ask you to consume images. By slowing down the process of consumption, you force us to think about that process. R L: It’s not just that you can think about our movies; you must come inside each frame. We force you to think about the operations we have performed on the original material. In what year did you acquire the Comerio archives? R L: After a tour in the United States in the winter of 1981, we found From the Pole to the Equator in an old lab in Milano. G: At the time, I was looking for materials about travel, about exoticism and war. I was thinking about the film on Gustav Mahler [Das Lied von der Erde: Gustav Mahler], from the Adorno text [T. W. Adorno, Mahler (Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1960)]. We had known there was an old film lab in Milano. We went there, met the man in charge of the lab, and in time we became friends. During that time, we were almost the only visitors to that lab. We paid nearly all the money we had to get the Comerio materials. At the beginning, the man was very mysterious about Comerio, but soon we discovered he didn’t know very much and didn’t understand the cultural importance of the material. In 1982, he gave us some tapes – 129 recordings of conversations with the cameramen of World War I – made for radio many years ago: the tapes included Paolo Granata, Luca Comerio’s first cameraman during World War I (granata in Italian means "cannonball"!). R L: We continued to collect materials from the lab until 1985, when it closed. The owner of the lab (he and his wife were the only workers) was the nephew of Granata. During fascism Granata was the most important cameraman of the fascist Institute Luce in northern Italy. Over the years, the nephew had taken over Comerio’s place: the space, the films. The nephew was also a cameraman. His first shot was the hanging of the body of Mussolini in a square in Milano in 1945. The nephew remembered the last visits of Comerio to the lab. How much Comerio material was at the lab? G: The lab had many underground spaces. At the beginning it was impossible to understand how much material was there. There was a kind of stratification of film materials, we realized later. There were early materials filmed or collected by Luca Comerio. There were fascist films shot by Paolo Granata (in which there are traces of Comerio) during the twenties, thirties and forties. And there was religious material filmed by the nephew in the fifties and sixties. The film materials were records of three different times: the time of the King, the time of fascism, and the more recent time of the Vatican. The Comerio collection was very large: there were thousands of meters of material – documentaries from the beginning of cinema, travel films, ethnography, scientific materials, and World War I material. Except for a few rolls, there was almost no trace of the fiction films listed in Comerio’s filmography. That material had disappeared, or had been collected by cinematheques. There was no interest here in the documentaries. From the Pole was in two cans, six hundred meters each, in a wardrobe in the room where the nephew filmed titles with the old camera Comerio used during World War I. The nephew had offered From the Pole to the cinematheque in Milano for a reasonable amount of money, but they wanted it only as a gift! Had you known about Comerio for a long time before acquiring his films? G: It is difficult to explain the sensation I had when I saw the two reels of From the Pole for the first time. The color of the tinted materials! I saw only a few meters, but it was enough. I didn’t know the film was by Comerio. I didn’t know who Comerio was. We discovered that every intertitle was signed by Comerio in superimposition: "Comm-Luca Comerio, Milano 130 Cinematografia." Later we found a book, very superficial – but the filmography was useful. By juxtaposing the filmography and the images, it was possible to recover Comerio’s life and travels. In 1985, the man at the lab gave us the Comerio materials about fascism, thousands of meters of film, and also a group of stills, some signed by Comerio, of Comerio during the fascist demonstrations. By the thirties, Comerio himself was very ill and in a state of amnesia. Is the original, Comerio version of From the Pole to the Equator still in existence? G: It’s in our home. Before the erosion wipes out the image, we hope to find a way to make a 35mm copy that’s absolutely faithful to the original. Tell me about his film. G: The film is tinted positives. We think a complete negative never existed. It was an ignored film, not even mentioned in Comerio’s filmography. The original film is divided into four sections or chapters: the first begins with the intertitle, "La vita animale per perpetuarsi deve lottare E VINCERE!" ["To survive, animal life has to fight AND WIN!"]. The intertitles, almost ten minutes of the total length, were written by Gabriele d’Annunzio, the "soldier-poet." When was Comerio’s From the Pole to the Equator made? G: We don’t know the exact date. At the end of the twenties, we think, at a time when his career was almost finished. The "Cameraman of the King," the pioneer of Italian cinema, feels himself overcome by the new technology of sound. He writes letters to Mussolini, trying to find a job in the new Institute Luce, the institute for Italian fascist documentary. He may have edited From the Pole in the hope that it would secure him a job. R L: Comerio is not an avant-garde filmmaker like Dziga Vertov. He was a capable moviemaker, but not experimental at all. He became a proto-fascist because he wanted to make movies, and the only way to make movies was to come inside the Regime. He wanted work. There’s a letter written by Comerio to Mussolini, asking to work for him at Institute Luce: he writes not as a political supporter, but as a family man looking for work. How similar to what we see in your film was the original From the Pole? 131 G: There are differences in both content and technique. The Comerio film is, as I said, twelve hundred meters, 57 minutes. Our film is longer: 101 minutes (96 minutes on television). The Comerio film is divided into four chapters. In our film there are ten sections. Of the original four chapters, we used part of the second (the South Pole material) and almost all of the third (Uganda, 1910) for two chapters in our film: the chapter about the missionaries and the chapter about the big-game hunt. The other seven sections of our From the Pole come from Comerio’s personal archives. The slow motion of our version is the opposite of the extremely fast movement of the original. Our slow motion changes: it is not constant for every sequence. Sometimes it changes inside a sequence. Slow motion becomes emphasis, the rhythm of memory. All the materials from the archives, including those from the original From the Pole, are first generation prints. The definition was good enough (though in many parts the emulsion had been attacked by the mold) and the 24mm x 18mm aspect ratio of the silent frame made it possible for us to see hidden details, without losing too much definition. Sometimes we recomposed shots, as we did with several portraits of army generals and the eyes of a blind man in Tangier. Except for the animals in the first chapter, close-ups don’t exist in the original From the Pole, or in the other material from the collection. Usually we step inside the individual frame, to get closer to it and to isolate details. What about the colour? G: Sometimes we used particular filters to reinforce the original colours or sometimes to change them completely. The train material in the beginning had lost its original colours, except for some traces near the perforations. In the original From the Pole, the intertitles are blue and the writing is white. The name, "Comerio," is superimposed in dark blue. The original first chapter ("The Eternal Fight," the animals’ struggles, which we didn’t use) is tinted different colours, except for a cock fight, which is hand painted. The original "White Sphinx" chapter, about the South Pole, is blue and sepia for some animals and dark red for one or two sequences in the interior of the ship. The third chapter of the original film is generally sepia (we used various colours). In the fourth chapter of the original, which we didn’t use, the colours change from sequence to sequence. In the original film, there is no use of negative; all the imagery is positive; in some cases, as you know, we print from the original negative stock that was in Comerio’s cameras. We use negative symbolically. Decay is more or less evident on ail the surfaces of both the original From the Pole and the rest of the Comerio collection. Instead of trying to eliminate all the mold, we decided to use it as an analogue. In some sequences of the war, the decay on the film cancels out the men but not the rocks (and in some cases, the color of the mold was red). At the end of the East 132 Africa material, we used the mold as a fade out to white-at the end of the parade of the inhabitants of the village. How does your editing differ from Comerio’s? G: Each chapter of Comerio’s film started with a d’Annunzio title, and each sequence or group of related sequences was preceded by an intertitle, which was illustrated by what followed. The intertitles are key in the first From the Pole to the Equator; they reflect the ideology of d’Annunzio and [Filippo Tommaso] Marinetti (not the young avant-garde, futurist artist Marinetti, but the older Marinetti, who went into the hierarchy of fascist power). Our From the Pole is arranged according to "themes" in which elements reappear in different forms and aspects. In preparing the project, we discovered – in the original From the Pole and in the other materials – recurring motifs. There are parades and processions (military, religious, hunting); dance (rituals, dances of death); war landscapes (trenches, for example); crowds and other groups; and particular types of people: the priest, the warrior, the "savage," the hunter, the mystic, the traveller, the conqueror. These became the motifs in our film and they are arranged in parallels and contrasts. Elements in each of our chapters are references to elements in the next chapter. The parade of the English cavalry at the coronation of George V in one chapter parallels the mystical religious parade-the procession of the bones-in the next chapter. A contrast is evident between the African kids conditioned by a culture not theirs and the Indian kids smiling. We reread, rewrote, re-edited the original Comerio film, overturning the original meaning and ideology. Our film was centred on the metaphor of amnesia: the amnesia of Comerio’s last years, the general "amnesia" about primitive cinema, and the desire of early audiences for exotic spectacles, which reflected their dreams of conquest and cultural pillage (their "amnesia" about early cultures). When we analyzed the frames of Comerio’s film, we were irritated and disturbed by Comerio’s sanctification of imperialism, colonialism and war. We wanted to make a film on the violence of colonialism as it plays itself out in different situations and spheres. In the original From the Pole, the animals killing other animals in the first chapter is a "necessity of life." By applying this morality to people, it was possible (for Comerio) to justify the violence of the man who kills not only for necessity but for the pleasure of affirming his own power and will. We removed the last chapter of the original film, "Victory of Man": its images and intertitle are hymns to strength, courage, sport, war, nationalism, maternity, and religion – the last two, the Catholic blessing of the first elements. Our ending sequence, the man-rabbit-dog sequence, is the "key" to our film: it reveals violence for play, violence with 133 no possible justification. We are not sure the shot of the man, dog, and rabbit is by Comerio. We do know that the man in the shot is [Giacomo] Puccini; the place, Torre del Lago. Were you able to distinguish between what Comerio shot and what he collected? G: Yes, though in our film we used both. A very large part of the archive is about World War I. It was shot by Comerio, the only one to have the army’s permission to film the war. He lost the permission during the second part of the war; there were too many deaths in his films and the battles he recorded were often lost. The first part of the war could be seen as a game – for example, the hundreds of soldiers trying to push the enormous cannon to the top of the mountain – but later, this was not possible. At the end of the war Comerio did film the celebration of victory in Trento near the Dolomites. In the archive, the war materials were in small reels of ten, twenty, or thirty meters or sometimes in separate sequences of less than one meter. All the positives are tinted, and some of the negatives. There is only one reel of positive, four hundred meters, edited, with intertitles (from this reel we took the war scenes with the mold damage). We started our film by re-shooting and re-editing the war material. In our From the Pole, we included a shot of Mussolini on his horse entering Tripoli in 1927 (it is after the cavalry in the matte with the monument of the King on his horse). The shot is not by Comerio but by Institute Luce. We wanted to show what would be the future of the Italians. In his filmography, we discovered that Comerio started to film in 1898. There is a short Comerio film about the funeral of King Umberto who was killed by an anarchist (Bresci) in Monza in 1900. The catalogue of the films of the Lumière brothers lists a film with this title. Monza is very near to Milano and it is possible that Comerio worked for Lumière in those years. All the Comerio films on Lumière stock are about Milano. At the turn of the century, there was only one filmmaker in Milan other than Comerio: Vittorio Calcina. The original train material was about ninety-eight meters, exactly 5,044 frames. We excluded a section filmed, not from the train, but near the railway. There’s no indication that that material is by Comerio, but perhaps it could be his From Geeschenen la Andermatt [1909]. We do not think Comerio traveled in the Caucasus. For our Caucasus chapter, we used two different source materials. The sequences of the train were made in Tiflis, probably in 1904, during the re-conquest of the town and of Georgia by the czarist army (we used only one sequence of the Russian cavalry with armor). For the second section, we used a separate film, of the czarist officers in white uniforms and the native men and women dancing. The place seems to be in central Russian Asia. A very large part of the Comerio collection was about India. The material includes many different originals: some Gaumont (the English cavalry material), some Pathécolor (the hand 134 painted materials), and some on the Italian stock, Ferrania (the travels of the cameraman with the Cook agency). Granata’s nephew told us that in the last years of his career Comerio went to India. But it was impossible for us to be sure the Indian material was by Comerio. […] Are you always working on several projects? G/R L: No. We are slow workers and like to work on one project at a time. From the Pole took four years. People, Years, Life [Uomini, Anni, Vita, 1990] two years, and we wanted more time for that. People, Years, Life was begun before the Berlin Wall came down, and was first projected on the Wall the night after the start of the Gulf War. Suppose someone were to say, "Your work is not really film art, because it simply represents material that was already there." How would you respond? R C: We use ready-mades. We transform the old into the new. G: By changing the speed, the colours, the meaning, we make the film new. By "old" and "new," we don’t just mean the physical material of the film. It’s a question of meanings also: the old means in a new way. ln our new film, Italian Archives (No. 1) [Archivi Italiani (n. 1): Il fiore della razza (The Flower of the Race), 1991], we consider the relationship between sport and war, as it was during fascism, but also as it is today. We started this new film when the Gulf War was just over. The relationship between Then and Now is always central to our films. in A Critical Cinema: interviews with independent filmmakers, Berkeley, University of California Press, 1998 135 Susana de Sousa Dias O fascismo nunca existiu: entrevista com Susana de Sousa Dias (e Ansgar Schäfer) Chris Wahl O teu último filme chama-se 48. Este número representa o período de 48 anos da ditadura fascista portuguesa de 1926 a 1974. Daqui a 12 anos, 48 anos depois da Revolução dos cravos, qual será a imagem da ditadura na memória geral dos Portugueses? SSD: Acho que será uma imagem difusa porque nós temos vindo a assistir, nestes últimos 36 anos, a um processo não só de esquecimento como também de branqueamento. Há um texto muito interessante do Eduardo Lourenço que se chama O Fascismo Nunca Existiu e que foi publicado em 1976, portanto dois anos logo após o fim da ditadura. Este texto fala do problema da memória e do facto de já nessa altura se estar a recalcar o período de 48 anos. Eu li o texto há alguns anos e fiquei estupefacta por o Eduardo Lourenço ter detectado tão cedo os sintomas do que de facto viria a acontecer. Daqui a 12 anos suponho que vai haver ainda mais releituras com o objectivo de reabilitar a imagem do ditador, de dar uma imagem ligeira do que foi a ditadura. E tu tentas opor-te a este processo? SSD: Sim, claro. Nos meus filmes, trabalho com fragmentos daquilo que permaneceu – imagens de arquivo, testemunhos orais. Pretendo iniciar um trabalho em que incluo também objectos de outra ordem – mas nunca na perspectiva de trazer à luz uma verdade única, de descobrir como foi o passado e trazê-lo para o presente. Trabalho com ‘coisas vivas’: uma imagem tem um tempo cristalizado nela, mas está sujeita aos múltiplos tempos que a atravessam e que a vão transfigurando. Uma das minhas grandes referências é Georges DidiHuberman que diz que a ideia de um facto do passado como facto objectivo é uma ilusão teórica. Um facto do passado é sempre um facto de memória. É a partir do presente que o passado é analisado, mas também temos que compreender como o passado vem até nós. Eu não procuro a verdade daquilo que se passou num momento preciso, mas quero abarcar também todo esse movimento que vem do passado até nós e que está na memória das pessoas que hoje falam desses acontecimentos mas também nas próprias imagens. 136 Além do teu interesse na memória, qual é a tua motivação pessoal para fazer filmes sobre a ditadura portuguesa? Tens alguém na família que tem sofrido com a ditadura? SSD: Tenho uma pessoa na família, o general Sousa Dias [1865-1934], que fez a primeira revolta contra a ditadura [1930, Ilha da Madeira]. De facto, foi preso no Tarrafal antes de o Tarrafal ser um campo de concentração e morreu no exílio [Mindelo]. Mas isto é um passado longínquo, não é uma memória que esteja presente. O que me leva a fazer estes filmes são essencialmente três momentos: nos anos 80 estudei na Escola Superior de Teatro e Cinema e depois, porque fiquei insatisfeita com o curso, fiz Artes Plásticas na Faculdade de Belas Artes. Acabado este curso, recebi, já nos anos 90, uma encomenda de um produtor para fazer um episódio para uma série de televisão sobre a história do cinema português, neste caso, sobre os anos 1933 a 1945. Durante este trabalho comecei a conhecer a cinematografia do meu país porque na Escola de Cinema falávamos sobretudo no cinema português a partir dos anos 60. É fascinante quando uma pessoa começa a descobrir a história do cinema através dos arquivos – neste caso, o ANIM [Arquivo Nacional das Imagens em Movimento] – e por meio de um percurso mais liberto de constrangimentos académicos. O contacto com o arquivo e com as imagens produzidas pela ditadura, para além dos filmes de ficção, foi um momento para mim crucial, ou seja, marcou o início do meu interesse pelo Estado Novo. Depois, em 2000, fiz o filme Processo-Crime 141/53 – Enfermeiras no Estado Novo. As enfermeiras não podiam casar no tempo da ditadura e algumas foram mesmo presas. Foi o momento em que entrei no arquivo da PIDE/DGS [Arquivo Nacional da Torre do Tombo], onde vi os álbuns de reconhecimento de presos políticos. São grandes álbuns que só têm imagens de cadastro. Rostos. Nada mais. Depois descobri toda uma série de imagens no arquivo do exército onde fui na mesma altura. No fundo, estes são os três momentos que mais me marcaram: a descoberta da cinematografia portuguesa do tempo da ditadura, as imagens do exército do período da guerra colonial e os rostos dos presos políticos da PIDE. Então, estes rostos, estas fotografias estão na base dos teus três filmes sobre a ditadura portuguesa? SSD: Não, no Processo-Crime utilizei-as da forma mais banal que uma pessoa pode utilizar uma imagem de arquivo. A própria Natureza Morta é quase uma reacção contra ProcessoCrime, contra o documentário narrativo no sentido tradicional do termo: conta-se uma história, os historiadores vão contextualizando, as imagens vão aparecendo. No fundo, no Processo-Crime, acabei por utilizar as imagens dos prisioneiros – sim – mas não foram elas que estiveram na base do filme, somente ilustram algumas situações: alguém fala, foi preso, e eu ponho a imagem da pessoa que foi presa; ou foram presas muitas mulheres e eu ponho uma série de imagens de prisioneiras políticas. Ainda por cima, tive problemas de produção... Portanto, quando acabei de fazer esse filme, decidi que nunca mais iria dizer: 137 não gosto deste filme porque o produtor não me deu os meios para eu fazer o que queria. Decidi fundar a minha própria produtora e ter o controlo total sobre os meus filmes. Isso foi para mim um facto muito importante. O outro foi que fiquei muito insatisfeita com a própria forma como tinha usado a imagem de arquivo no filme. E o Natureza Morta, portanto, é uma coisa radicalmente diferente. No fundo, considero-o o meu primeiro filme. Como descreves o passo que deste entre Processo-Crime e Natureza Morta, onde já aparecem quase todas as fotografias que usaste para 48, mas ainda com outras imagens da ditadura (por exemplo: Salazar, desfiles militares, tumultos nas ruas de Lisboa, a guerra nas colónias, a Revolução dos cravos)? SSD: A ideia da Natureza Morta era mostrar a vida da ditadura e, em certa medida, o seu reverso. Ou seja, mostrar o outro lado da ditadura através de imagens de arquivo, com a dificuldade dessas imagens, na sua maioria, terem sido produzidas pela própria ditadura. AS: A oposição não tem imagens por definição. SSD: O regime quer divulgar uma certa mensagem com aquela imagem, mas, por vezes, dentro da imagem encontra-se outra coisa, qualquer coisa que desmente essa própria mensagem. E eu, na Natureza Morta, fui à procura desses sintomas dentro das imagens. Encontrei, por exemplo, uma sequência com soldados a rodear um grupo de meninos africanos que estão a dançar. Os soldados sorriem, marcam o ritmo em harmonia com as crianças. Ouvimos a música, uma música muito empolgante, ouvimos a locução que diz que os soldados estão a fazer um excelente trabalho nas colónias. Se tirarmos a música, se tirarmos a narração e observarmos apenas a imagem, começamos a ver o rosto das crianças, começamos a ver uma coisa completamente diferente. Todo o princípio da Natureza Morta foi esse: tentar perceber o que podia estar dentro das imagens. Muitas vezes, as informações interessantes estão no segundo plano e para se conseguir ver o que está lá atrás, tem de se tornar a imagem mais lenta e decompô-la através de reenquadramentos. O filme tem 72 minutos, mas a duração original das imagens de arquivo que utilizei é de doze minutos apenas. O que representa o macaco que escolheste como imagem inicial: O povo adestrado? SSD: Um dos princípios do filme é não reduzir a imagem a uma leitura apenas. Mas eu posso dar-te a minha motivação pessoal para pôr este macaco. Para já, acho que é uma imagem poderosíssima, muito rica, que pode ter um leque imenso de leituras. Mas a minha razão pessoal é que eu tive dois tios que estiveram na guerra colonial e um deles trouxe um macaquinho igual àquele. E se tu falares com Portugueses que eram crianças nessa altura, encontras imensas memórias de macaquinhos. Toda a gente conhece alguém com uma 138 história de macaquinhos. É o momento do filme em que a minha memória pessoal se toca com a memória colectiva. Essa é a minha razão privada. Qual é a ligação entre os dois filmes, Natureza Morta e 48? Quiseste contar mais sobre as pessoas nas fotos? SSD: Quando fiz o Processo-Crime, vi as imagens de cadastro dos presos políticos e pedi autorização para as filmar. A autorização foi imediata e filmei as imagens que quis. Mas quando comecei a preparar a Natureza Morta, em 2003, e pedi autorização para filmar as fotografias, uma coisa muito simples julgava eu, a resposta foi negativa; é que entretanto a direcção do arquivo tinha mudado. Entrámos em pânico. Tentámos falar outra vez com os responsáveis do arquivo, e disseram ok, sim senhora, pode ter autorização desde que consiga a assinatura de cada um dos prisioneiros ou, no caso de terem morrido, tem de ir à procura dos herdeiros e tem de apresentar a certidão de óbito... O problema é que naqueles grandes álbuns havia imagens, mas não havia nomes porque os nomes estavam no verso, na parte de trás da fotografia, mas não nos deixavam virá-las. E, por outro lado, havia os documentos escritos, cheios de texto mas sem imagens. AS: Como não era possível saber os nomes das pessoas nas fotografias, tivemos de mudar completamente de perspectiva. Dissemos assim: vamos à procura de pessoas que tenham sido presas e vamos pedir-lhes as autorizações para depois usar as fotografias dessas pessoas. E assim conseguimos, através de amigos, também de amigos de amigos, de historiadores, do Partido Comunista, etc. E aí começa a história do 48? SSD: Pois. Uma coisa é obter a assinatura, outra é começar a perceber, a falar com as pessoas. E falei com muita gente... Posso dizer que neste processo houve três imagens que me deram a ideia para fazer o 48: a imagem da mulher do sorriso, a Maria Antónia – fiquei estupefacta quando a vi. Não é uma imagem que se possa pôr num filme sem a contextualizar. Portanto, não podia aparecer na Natureza Morta que é um filme sem palavras. E a história por trás daquela imagem é uma história extremamente interessante, do orgulho familiar de uma jovem estudante que é presa e que tem uma expressão como se tivesse sido colocada no quadro de honra; outra imagem foi a da Conceição Matos que está vestida com o pulôver que, no fundo, foi o pulôver que limpou o chão no momento da tortura. Todo o rosto dela já reflecte o tempo que passou na prisão; e por fim a imagem do Manuel Pedro. Quando falei com ele para lhe pedir a autorização, contou-me que a fotografia em que tem cabelo era posterior àquela em que está careca. A careca, no fundo, era um disfarce. Com estas três fotografias comecei a perceber que havia aí um filme a ser contado. 139 Parece que Natureza Morta é um filme baseado na imagem de arquivo, da qual tentas arrancar uma verdade ou um significado pelo uso do ralenti e do reenquadramento, e que 48 é baseado no som, nas vozes dos presos sobreviventes que enchem as fotos de vida. Falam como se fossem os fantasmas da história portuguesa. Foi uma decisão consciente? SSD: A ideia do filme era mesmo partir só de fotografias porque a intenção é pôr o espectador a olhar para aquela fotografia, ser obrigado a confrontar-se com o preso politico. No começo da Natureza Morta surge a imagem do macaco, o genérico e logo a seguir surgem os presos políticos que nos olham directamente, ou seja, há uma espécie de confrontação directa com o espectador. Eu aqui [48] queria, além disso, pôr o espectador a ver as imagens de cadastro com um segundo olhar. E porque não pus as imagens das pessoas? Por uma razão muito simples: se mostrasse a pessoa a falar no presente sobre uma coisa que aconteceu no passado e depois mostrasse a imagem do passado, teria automaticamente uma clivagem temporal. E toda a ideia do filme é trabalhar o tempo de outra forma. A memória é passado, mas ela vive-se e constrói-se no presente. A fotografia foi captada num tempo passado, mas é também um objecto do presente que incorpora todo o ‘futuro anterior’ de que fala Barthes. Eu diria que num filme a banda sonora é responsável pela empatia do espectador com aquilo que se passa na tela. É por isso que o som mais abstracto do que concreto em Natureza Morta abre uma distância entre as imagens e o espectador, enquanto 48 é um filme bastante emocional. Tiveste a impressão de que era preciso personalizar e concretizar o terror da ditadura? SSD: Natureza Morta, no fundo, foi construído segundo a noção de exposição, no sentido mais lato: como acção de colocar as obras para serem apreciadas, mas também de exposição à luz, de revelação, de apresentação temática. A ideia central foi, em vez de construir uma narrativa linear de causa e efeito, pensar o filme como se fosse uma exposição em salas. E a música do meu irmão – que tem uma duração original de oito minutos – serviria como criadora de espaços, de locais: a sala do Estado Novo, a sala das colónias, a sala da guerra. 48, claro, é diferente porque tem as vozes e tem a experiência pessoal. Mas também tenho o som como construtor de espaços; aparentemente, o 48 é só imagem e voz, mas não é. Tem um trabalho imenso sobre o som. E se não fosse esse som, o filme não era um filme, era um álbum. Todo o som está trabalhado de forma a que se ouça a presença corporal das pessoas que falam; aqueles sons a que ninguém liga nenhuma e que são completamente secundários, aqui são fundamentais. Eu não mostro a imagem da pessoa hoje, mas estou a dá-la de outra forma, pelo som e pela sua presença física. Para além disso, cada prisioneiro tem a sua célula, 140 tem o seu ambiente sonoro. Portanto, no fundo, o que eu fiz no 48 foi definir o espaço cinematográfico através do som. Nestas células ouvimos uma grande variedade de sons: o trânsito na rua, uma sirene de polícia, o tiquetaque de um relógio, uma serra eléctrica. De onde vêm estes sons? Onde falaste com as pessoas? SSD: Na altura, quando comecei o filme, pensei que teria que entrevistar as pessoas no estúdio para ter a voz limpa. Mas não é a condição ideal, levar uma pessoa para um estúdio. E começámos a fazer tudo no próprio arquivo da Torre do Tombo, onde se encontram as fotografias. Mas era muito barulhento, sobretudo por causa dos aviões e, para além disso, percebemos que perturbávamos o curso dos trabalhos do próprio arquivo. Fizemos aí duas entrevistas, mudámos e perguntámos às pessoas onde queriam ser entrevistadas: algumas escolheram a própria casa, outras deixaram ao nosso critério, mas tivemos sempre muito cuidado com o som. Uma das pessoas que entrevistámos em Moçambique tinha um relógio de pulso de metal que abanava de vez em quando. Primeiro pensei: vou tirar o relógio. Mas depois: não. Porque com o andamento do filme fui percebendo que o som caracteriza a pessoa e, sobretudo, como já tinha começado a montar, apercebi-me que os ruídos eram absolutamente essenciais. A partir daí comecei a tomar outra atenção aos sons. Uma das características da Sofia, a terceira personagem, é o relógio de parede que ela tem na sala que faz tiquetaque, tiquetaque, tiquetaque e ouve-se muito. Ela morava no rés-do-chão, portanto ouvem-se também alguns carros, poucos, mas quando entra um, tem uma grande preponderância. Todo o som foi trabalhado nesse sentido: cada espaço foi caracterizado pelos próprios sons que o habitam. Em La Jetée [1962, Chris Marker] há um curto momento famoso em que dos fotogramas isolados nasce um movimento (a mulher na cama que abre os olhos). Em 48 introduziste também espécies de movimento: fusão para o negro, zoom... SSD: Susana: Sim, claro, há também muito trabalho a nível visual. A imagem foi um grande problema porque eu tinha pensado em utilizar a imagem fixa. A questão é que tu vês uma imagem fixa alguns segundos, já recebeste a informação e então descolas, já não olhas, ou melhor, já não vês. Toda a dificuldade do filme foi essa: Como colocar o espectador a olhar sempre para a imagem, a vê-la, sem se descolar dela? A Rosa, por exemplo, fala cerca de oito minutos, tem três imagens só, ou seja, três planos. Mas as imagens nunca estão fixas. AS: Trata-se de micro-movimentos. SSD: São movimentos manuais. Não fiz um scan, as fotografias foram mesmo filmadas, e eu estipulei uma série de movimentos mínimos. Depois, na mesa de montagem, trabalhei com 141 ralentis. Portanto apliquei os mesmos princípios da Natureza Morte: ralenti, reenquadramento e fusão a negro. Vocês mexeram as fotografias durante a filmagem e depois alongaram estes movimentos com o ralenti? SSD: Não, são movimentos de câmara. AS: Tens de ver o filme em DVD no modo acelerado, e vais ver os movimentos. SSD: No fundo trata-se de operações tão antigas quanto o próprio cinema. Houve uma pessoa que viu o filme antes de estar pronto e disse: “Ai, estes morphings estão tão esquisitos!” Mas não são morphings, porque o morphing altera a natureza da imagem. São simples encadeados. No fim do filme, quando falam as pessoas africanas, vemos uma imagem escura que parece ser fotografada num campo de concentração, e, de repente, a escuridão é iluminada por uma luz. O que é isto? SSD: No início, a questão africana não entrava no filme, mas depois cheguei à conclusão que tinha de entrevistar prisioneiros africanos, porque a tortura a que eles eram submetidos era muito específica. Mas confrontei-me com um problema: é que não existiam fotografias. E decidi incorporar a ausência da imagem, incorporar a própria questão dos arquivos no filme. No exército havia uma imagem que tinha visto na altura da Natureza Morta e que me ficou sempre na memória. Foi uma imagem de vigilância feita pela tropas portuguesas durante a guerra colonial. Estão a fazer um varrimento do terreno, onde supostamente se esconde o inimigo, com um foco luminoso. E depois há um contra-campo que filmou esse foco a fazer o varrimento. Não são imagens que fui buscar, de uma paisagem que achei muito interessante, mas vêm do contexto. Isto para mim é fundamental nos filmes: não há imagens gratuitas. Então não é uma fotografia. SSD: Pois, é o único momento em que aparece uma imagem animada, que eu torno muito lenta. AS: A duração original é de poucos segundos apenas. SSD: Há outra coisa: O primeiro prisioneiro começa a falar sobre o negro. Mas no fundo este negro não é sempre um verdadeiro negro, é também a imagem de uma noite, é o momento antes do foco aparecer. Esse negro começa por invadir todo o ecrã mas depois há momentos 142 em que o desenquadro, vê-se a linha branca do ecrã, a janela de projecção. Quando a paisagem aparece, é uma paisagem que se inscreve numa superfície, não é uma paisagem onde ‘se entra’. Um dos dois presos africanos conta que a PIDE o forçou a inventar que teria sido treinado na URSS como especialista de sabotagem. Mas não chegamos a saber o que os presos da PIDE tinham feito na realidade. Só em alguns casos se entende que eram membros clandestinos do Partido Comunista. O que sabemos hoje sobre a PIDE e os presos da PIDE? SSD: Há muito poucos livros sobre a PIDE. Em 2007 foi publicada a tese de doutoramento da Irene Pimentel que é basicamente o primeiro grande trabalho sobre o assunto, para além do da Dalila Mateus que se centra na acção desta polícia nas ex-colónias. Relativamente aos presos: no filme fiz mesmo um corte. Concentrei-me mesmo dentro da prisão. O que se passa antes, não faz parte deste filme, vai fazer parte de outros. O que se passa depois, também fará parte de outros. Fiz deliberadamente esse corte. Interessava-me trabalhar a relação com os agentes da PIDE, sobretudo dentro da prisão. As acções que a PIDE cometeu sobre o corpo e a mente dos prisioneiros, o que é viver dentro de um sistema repressivo. O filme não identifica as pessoas, só as identifica no final, porque não queria fazer um filme sobre cada uma das pessoas especificamente. Procuro, através delas, transmitir uma realidade muito mais abrangente e que ultrapassa as experiências de cada uma especificamente. Se eu fosse entrar na história pessoal de cada uma delas – porque é que foi presa, quais foram os motivos – ia sair do enquadramento do filme. Há famílias inteiras que foram detidas e torturadas. Num caso, falas com um casal que durante muito tempo foi brutalmente separado. Pessoalmente, fiquei surpreendido com a quantidade de mulheres entre os presos políticos no teu filme. É representativo? SSD: As mulheres tiveram um grande papel na resistência à ditadura. Muitas vezes ficavam a proteger as casas clandestinas. Há uma mulher no filme que viveu 17 anos na clandestinidade. Se não fossem as mulheres a ter este trabalho de cuidar da casa, de defender a casa, parte da resistência, da luta clandestina, não teria podido existir. Mas em termos de protagonismo político, este acaba por ser nulo. São figuras invisíveis. AS: Viver na clandestinidade quer dizer estar num estado de vigilância 24 horas sobre 24 horas. Mas esse é um papel desrespeitado. Não se fala dele. Parece-me que havia um sistema de tortura especialmente criado para combater mulheres, baseando-se mais na humilhação do que na violência física e mais na destruição de relações do que na destruição do corpo. É verdade? 143 SSD: Sim, havia uma tortura específica para as mulheres. E utilizavam muito a chantagem com os filhos. O grau de violência física dependia da classe. As camponesas e operárias eram tratadas de forma muito mais violenta. Achas que o Estado Novo teve medo do poder das mulheres? SSD: O Estado Novo, por um lado, privilegiou a família, a mulher no lar, mas isso era só para uma certa classe e, no fundo, tratava-se de propaganda. As operárias, as camponesas estavam todas a trabalhar nas fábricas e no campo. É muito contraditório. A questão das enfermeiras, por exemplo; é uma lei única, no panorama das ditaduras, a proibição das enfermeiras poderem casar. É uma especificidade contra as mulheres. Para um preso político, as duas únicas possibilidades de resistência na cadeia, aprendemos no filme, são calar-se e controlar a expressão quando se tira uma foto. Não foi uma libertação retroactiva para eles poderem falar contigo sem que os rostos deles interessassem? SSD: Mas todos foram filmados. Ah, foram filmados, só que não usaste as imagens. Mas foi a primeira vez que falaram sobre as suas experiências? SSD: Tenho várias situações. Tenho a situação de pessoas que já falaram muito, tenho a situação de pessoas que falaram pela primeira vez e tenho a situação de pessoas que falaram já, mas que contaram coisas que nunca tinham contado. Quando converso com uma pessoa, converso sobre a vida toda. Portanto, as entrevistas são longas. No 48 só aproveitei uma pequena parte. Filmei especificamente para o 48, mas há uma pessoa que fui buscar a um outro filme que estou neste momento a montar. E há várias pessoas que estão no 48 que vão aparecer noutros filmes que vou fazer. Então, quais são os próximos filmes que vais fazer? SSD: Falei com a Georgette, que é a primeira personagem do 48, em 2000 durante a preparação de Processo-Crime. E ela contou-me qualquer coisa muito especial sobre o mundo feminino da época em que era jovem, o mundo das mães e das avós. Um mundo a que não temos qualquer acesso a não ser através da memória destas pessoas. Desaparece, não há documentos, nada. Desde que comecei a estabelecer uma relação com ela quero fazer um filme sobre o seu núcleo familiar, três irmãs que foram presas simultaneamente. É um dos meus próximos projectos. Outro chama-se Luz Obscura, é um filme sobre os filhos dos 144 clandestinos que estou a montar agora. No 48, a seguir à Georgette aparece o Dias Lourenço que esteve 18 anos na prisão; é aquele que diz que nunca daria o prazer à PIDE de o ver com o rosto de torturado. Fiz essa entrevista pensando em dois filmes: em 48 e em Luz Obscura. Este último parte também de uma fotografia de cadastro que aparece na Natureza Morta. É a única fotografia de cadastro que existe no Arquivo da PIDE, de uma mãe com um filho, tinha dois anos e meio na altura. A mãe suicidou-se. Fui à procura do filho. O filme parte da história dele. E qual é o próximo passo que vais fazer neste filme? SSD: É trabalhar sobre o rosto da pessoa hoje. Um dos grandes problemas deste filme é a questão da entrevista. Porque eu acho que em certas condições a voz apaga a expressão, apaga o rosto, e o rosto apaga a voz, a palavra. Há sempre um duplo efeito de apagamento na situação de entrevista. Estou a trabalhar sobre essa disjunção mas ainda não tenho soluções. E também trabalho sobre as fotografias de cadastro, mas só de pessoas que já morreram, ou seja, de pessoas que não podem falar. O que resta da memória delas hoje? O sistema pode aparecer semelhante, mas é radicalmente diferente de 48. A mulher no 48, que até hoje tem vergonha de ter sorrido quando a PIDE tirou uma foto dela, também diz que a verdade do Portugal em que ela vivia revelou-se exclusivamente em gestos mínimos. Parece-me emblemático para os teus filmes: a verdade sobre Portugal revela-se em gestos mínimos. SSD: Sim, sim. Tentei várias versões desta ideia de gesto mínimo ao extremo. Já na questão do material em Natureza Morta sucedeu o mesmo; vi centenas de horas de imagens no arquivo, comecei a montar sobre vinte horas dessas imagens, a primeira versão do filme incorporou 45 minutos de imagens de arquivo e depois de um ano consegui chegar a doze minutos. Este princípio foi também válido para as dezenas de horas de entrevista que tinha para 48. Na estrutura final do filme, cada prisioneiro só entra uma vez num determinado sítio. Mas não é cronológico, obviamente. Por acaso, o último prisioneiro foi um dos últimos a ser preso, já nos anos setenta, e a primeira foi presa nos anos quarenta. Natureza Morta tem uma macroestrutura cronológica – ascensão do Estado Novo, guerra colonial, 25 de Abril –, mas por dentro faço uso do anacronismo. Dentro da mesma sequência, tenho planos de épocas completamente diferentes. Foi mesmo um princípio deliberado com que trabalhei, um dos princípios fundadores do filme, aliás, e em 48, no fundo, acaba por ser o mesmo. Há duas mulheres que aparecem duas vezes. 145 SSD: Sim, mas só falam uma vez. Nos outros momentos aparecem porque alguém fala delas. Uma delas, a Alice, conta o quase-suicídio da mãe. Não tinha contado essa história a ninguém. O que me impressionou imenso foi que ela conta qualquer coisa sem efectivamente contar, sem dizer as palavras. Estamos a apanhar a informação duma outra forma, através de ‘gestos’ para-linguísticos mínimos. Alguns dos interrogados dizem literalmente que depois de serem postos em liberdade encontraram exactamente a mesma situação na sociedade fora dos muros: insensibilidade, hipocrisia, receio... Quer dizer que contar a vida dos prisioneiros políticos e o comportamento da polícia na cadeia é um modo de descrever a atmosfera geral no país sob a ditadura? SSD: Sim, é. Quando falei com as pessoas, as histórias mais fortes que começaram a aparecer foram sobre a tortura. Decidi que esse seria um dos temas centrais. Outro tema mais fundo, que é dado também através da experiência dentro do próprio espaço prisional, é o do sistema repressivo; trata-se de mostrar como é que um sistema repressivo domina não só os prisioneiros mas toda a sociedade. Na Natureza Morta, a figura central é Salazar. Está sempre no vértice. Em 48, Salazar é referido só uma vez. O que está agora em questão é todo um sistema repressivo cuja parte mais visível – no filme – é a policia política. Depois, na construção da narrativa, trabalhei com conceitos directores: o poder, a identidade, a máscara, entre outros. Um outro aspecto sobressaiu no conjunto dos testemunhos, o do reconhecimento: de si, do outro mas também dos outros em relação à própria pessoa. Uma imagem fotográfica levanta sempre a questão da indexicalidade. Normalmente, a imagem está pela pessoa, a fotografia de cadastro, sobretudo, contém na sua base a ideia da máxima semelhança anatómica. Mas o que se passa com estas fotografias é que muitas vezes os prisioneiros não se reconhecem nelas. Ou não reconhecem as pessoas que lhes são próximas. Para além disso, encontrei muitas outras situações de não reconhecimento, como o caso do próprio prisioneiro torturado que não se reconhece no espelho. E depois há os disfarces que se põem, as máscaras reais, mas também as metafóricas, que se referem a toda a sociedade. Estes foram aspectos estruturantes do filme. Natureza Morta foi uma co-produção luso-francesa, mas 48 foi feito sem apoio francês. Podes explicar as circunstâncias da produção dos teus filmes? Qual é o papel da família, visto que o teu marido faz a produção e o teu irmão o som? SSD: Quando faço essas entrevistas, muitas vezes estou a tocar em assuntos muito delicados. Se houver uma coisa que as pessoas digam e que depois não querem que utilize, não utilizo. No Processo-Crime tive uma situação destas. O problema é que o material depois não ficava comigo, ficava com a produtora, e já não tinha controle. Em termos éticos, isto para mim era 146 muito desconfortável. A nossa produtora Kintop, que fundámos depois do Processo-Crime, também é outra forma de nós garantirmos que o material fica connosco e está protegido. AS: É também por isto que as pessoas têm tanta confiança na Susana. SSD: Para 48, desde o início que decidimos pedir apoio ao ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual] mas a mais ninguém. Natureza Morta foi uma co-produção franco-portuguesa. Conseguimos logo um produtor francês que é o Xavier Carniaux. Através do Carniaux, conseguimos o apoio da ARTE e depois o apoio do CNC [Centre National de la Cinématographie], todos franceses. Pensamos então – ingenuamente – que era fácil conseguir o resto em Portugal com este dinheiro garantido. Mas não conseguimos nada. O ICA, na altura, não nos deu apoio, a RTP também não, o Instituto Camões também não, os arquivos também não, ninguém nos deu apoio. Foi mesmo horrível. SSD:: Tudo só foi possível por causa da estrutura familiar de que falaste. Não recebemos nada, trabalhámos em casa. SSD: O meu irmão estava a fazer o doutoramento na Universidade de Paris VIII, e fez lá, no estúdio de som, a música para Natureza Morta. Tudo sem qualquer dinheiro português. Quando o filme já estava pronto, a Fundação Gulbenkian deu-nos um apoio para a promoção do filme cá. O que vale é que o nosso sustento económico não vem dos filmes. Eu dou aulas na Faculdade de Belas-Artes, o meu sustento vem daí. Tenho também um trabalho de investigação, estou fazer um doutoramento que incorpora a prática dos filmes. AS: Eu sou bolseiro e faço um doutoramento sobre documentário histórico e, assim, posso usar parte do meu tempo para produzir filmes documentários. Ligamos a teoria com a prática. Como foi a colaboração com a ARTE? SSD: Natureza Morta foi muito discutido na ARTE. Eles no princípio reagiram à ideia do filme não ter palavras, reagiram mesmo aos princípios formais intrínsecos do filme. Foi muito duro. Mas isto não prejudicou o filme. AS: Não. Acho que há poucos documentários portugueses que foram convidados para tantos festivais internacionais como a Natureza Morta. Circulou em cinco continentes. E ainda continua a circular, as últimas exibições foram na Turquia e no Brasil, há um mês atrás. SSD: Na verdade, as discussões com a ARTE beneficiaram o filme. A questão da Natureza Morta é interessante porque o que aconteceu foi que o filme ficou pronto e a ARTE exibiu-o logo. Portanto, a partir daí foi recusado numa série de festivais. Foi recusado cá também, no 147 DocLisboa, no Indie, foi recusado em todas as fases, da produção até à distribuição. Ficou alguns meses mais ou menos parado. AS: Quando o produtor francês ouviu que a ARTE ia mostrar o filme disse: “O filme está morto. A Natureza Morta morreu. Acabou.” SSD: Depois foi mostrado num festival no Canadá e no Doc’s Kingdom, em Serpa. Acabou por ser programado para o DocLisboa desse ano. Ganhou o prémio de distribuição, foi para a Finlândia, quer dizer: de repente o filme começou a viajar. E ainda não parou. 48 foi então feito exclusivamente com dinheiro do ICA? AS: Sim. E com o apoio do ICA vem automaticamente o da RTP. Mas falamos de pouco dinheiro relativamente às horas de trabalho. Foram dez meses de montagem, e isto é só a montagem. Com 48, logo desde o princípio foi claro que era impossível vender esta ideia a alguém: imagens fixas, seis minutos de negro etc. SSD: Decidimos logo que íamos fazer tudo entre nós, tal e qual como queríamos. Não quis fazer concessões. Tens a impressão que o país está pronto para os teus filmes ou é preciso fazer um desvio através de festivais internacionais e prémios franceses? SSD:A questão de 48 é muito estranha. AS: Em França o filme foi mesmo muito bem recebido. Já foi mostrado seis vezes, cá em Portugal apenas duas vezes em oito meses. Passou no DocLisboa, mas ninguém falou do filme, a não ser o Amir Labaki, que escreveu a primeira crítica no Brasil. SSD: Foi mostrado três vezes em São Paulo e duas vezes no Rio, no festival “É tudo verdade”. As discussões com o público foram interessantíssimas. Houve entrevistas, críticas, o público escreveu-me e-mails, portanto não tem rigorosamente nada a ver com o que se passa cá. AS: Fomos entrevistados pela própria RTP, que co-financiou o filme, quando ganhámos o Grand Prix no Cinéma du Réel em Paris. Só que essa entrevista não foi mostrada logo, mas um mês depois, no 25 de Abril, num magazine sobre a comunidade portuguesa em França. Um mês depois! Foi o primeiro filme português que ganhou esse prémio. SSD: Fico surpreendida porque é um filme que lança um tema que merecia ser discutido. Não querer discutir talvez seja uma característica nossa que vem dos 48 anos de ditadura. 148 O que faz falta Regina Guimarães Falando curto e grosso: 48 é um filme que fazia falta. Fazia falta num país onde, como indignada e amargamente uma das resistentes entrevistadas por Susana de Sousa Dias sublinha, os agentes da PIDE-DGS tiveram direito à protecção zelosa de um aparelho de justiça apostado em branquear o cadastro dos criminosos, nem que isso implicasse denegrir as pessoas das vítimas vivas e injuriar a memória dos mártires mortos. Pois claro, 48 fazia falta num país em que os contornos de um passado recente, marcado pela prática quotidiana da violência e pela insidiosa instilação do medo, tendem a esbater-se, a ponto de ter sido possível um concurso – para o qual grandes meios mediáticos foram mobilizados – atribuir ao criminoso-mor o estatuto de “melhor português de sempre”. Contudo, a falta que este 48 surgido por “entre as brumas da memória” nos fazia ecoa tanto mais poderosamente quanto, de facto, é “falta” que sentimos, uma vez volvida hora e meia de confrontação com fragmentos de testemunhos, com farrapos de vozes testemunhando, com o cilício dos muitos silêncios, com o difícil reconhecimento dos rostos congelados pelos próprios “protagonistas”, de várias e perversas maneiras desapossados das suas caras, corpos e crenças. Foi talvez preciso hiper-esteticizar o cortejo de imagens para diferir do contexto de desumanidade em que aquelas fotografias foram tiradas, obviamente contra a vontade dos retratados, mas ainda assim convocando todas as fileiras da vontade de resistir, como a dada altura confidencia um dos entrevistados. Foi talvez necessário extrair do caos emocional, mental e moral das memórias de cada um a quintessência das palavras que se reportam ao capítulo da humilhação e da ofensa: tortura física, maus tratos psicológicos, manipulação afectiva, aniquilamento moral, etc. Foi porventura útil enfatizar a heroicidade de uma galeria de cidadãos que preferiram suportar, até ao limiar da alucinação e da loucura, até às portas que separam da morte e a fazem desejar, os piores horrores e terrores em vez de ceder às ameaças e aos actos dos torcionários. Foi decerto uma opção estilística plenamente consciente das suas consequências entrecortar os pedaços de depoimento com silêncios densos de ruído e gritantes de vazio, fazer entrar as vozes em solene derrapagem ou na rasura da incerteza, a fim de que o fora de campo se tornasse mais avassaladoramente habitado de pressentimentos. Porém, tudo isso – tudo isso acrescido do que se imagina ser a penosa abertura das comportas perante os pequeninos clichés de má memória – apenas contribui para que a tal falta se torne sensorialmente espessa e eticamente dolorosa. Porque – e a ordem das razões aponta para o pau de dois bicos deste exercício no fio da navalha – as pessoas cujo testemunho foi sabiamente retalhado, reduzido ao paroxismo de 149 um dizer que não pode ser ousado por comparação à tortura da lembrança e à lembrança da tortura, todas essas pessoas que afirmam terem resistido possuíam motivos de grande envergadura para o fazerem. E se, desafiando os limites do humano, resistiram lá dentro é porque cá fora, desafiando as condições de possibilidade impostas pelo regime, também se atreveram, activamente, a resistir. Da expressão desses motivos que mantiveram vivos os recursos de resistência de um punhado de vítimas da opressão salazarista e pidesca, o espectador não pode deixar de sentir falta. Em última análise, o silenciamento dos motivos que é parte constitutiva do dispositivo de 48 pode soar como uma, mais uma, operação de censura, infligida a pretexto de valores estéticos que mais alto se alevantaram. Frente à dilaceração das palavras que 48 encena e encerra, por entre negros e negros, qualquer espectador se sente abalado, combalido, comovido, imensamente desconfortável com a perspectiva de que os gestos e actos relatados aconteceram mesmo, num passado não longínquo, aos donos daquelas vozes. O carácter insuportável e intolerável do que ali se conta configura uma verdade transpessoal. Absoluta, digamos. No entanto, a fraquíssima sinalização do contexto historico-político e a ausência quase total de referência aos motivos que moviam os resistentes coloca o espectador na estranhíssima situação de pactuar com um dispositivo que prefere não correr o risco da dispersão dos afectos e da deflagração das ideias. Mais do que abrir o leque daqueles sofrimentos que ninguém suporta em vão, Susana de Sousa Dias fecha-os na caixa de ressonância das confissões. E quem se “vê” na situação de “ver” o que apenas se ouve, algures por detrás fotografias que são fruto de roubo de imagem e violação de pessoa, só pode sentir-se duplamente excluído de um entendimento mínimo das dores e pavores em questão: porque não pode, evidentemente, ter deles vivência, e porque as pessoas que os viveram não têm a ocasião de exprimir ali quais os modos de resistência mental que lhes permitiram, contra tudo o que é expectável, manter a sua dignidade, através da árdua prática do silêncio atirado à cara do carrasco. Ora, esse entendimento mínimo deveria ser-nos pão para a boca. Em tempos de ditadura, era eu uma catraia, havia lá por casa um poster – os posters eram coisa bastante em voga nas famílias anti-regime e faziam as vezes de cartazes contra a repressão dentro do espaço privado, já que na rua não podia ser... – com um poema do Livro Sexto da Sophia de Mello Breyner. Os três últimos versos desse texto causavam-me grande inquietação, embora na altura eu não conseguisse compreender porquê. PRANTO PELO DIA DE HOJE Nunca choraremos bastante quando vemos O gesto criador ser impedido Nunca choraremos bastante quando vemos Que quem ousa lutar é destruído 150 Por troças por insídias por venenos E por outras maneiras que sabemos Tão sábias tão subtis e tão peritas Que nem podem sequer ser bem descritas Se fizesse algum sentido resumir a primeira impressão que colhi do primeiro visionamento de 48, ela giraria em volta de palavras para falar de uma inquietação, essa inquietação, a inquietação de saber que as maneiras sábias, subtis e peritas da opressão – na verdade, grosseiras, brutais e perversas – não podem, ao contrário do que parece pensar Susana de Sousa Dias, ser bem descritas. Posto isto, e para que não se depreenda de todos os meus senãos uma rejeição liminar e injusta da presente obra de Susana de Sousa Dias, é-me imperativo acrescentar duas notas finais altamente positivas. A primeira tem a ver com o lugar concedido às vozes femininas em 48, um lugar preponderante que não somente lança alguma luz sobre a forma como os carrascos defensores da (sagrada) família utilizavam os laços de afecto familiar no âmbito da sua actividade criminosa, como também contribui para esclarecer que a resistência antifascista não encaixa no molde da virilidade, não coincide com o boneco da masculinidade, barba rija e companhia. A segunda prende-se com a preciosa inclusão de depoimentos que nos revelam a que ponto a actividade da PIDE-DGS nas chamadas “províncias ultramarinas” era redobradamente violenta e assassina, sendo que pouco tem sido dado a conhecer acerca desta faceta da intervenção da polícia política do salazarismomarcelismo. Embora eu não capte o propósito das imagens concretas utilizadas para colmatar a ausência de fotografias nesse trecho do filme, há que reconhecer a força inaudita dos antepenúltimo e penúltimo depoimentos. Uma força, também no sentido estrito, que recentra pertinentemente a questão dos interesses subjacentes a um regime apodrecido cujo derrube contudo tardou. O “desfecho” de 48 é uma oportuna chamada de atenção para uma potencial prossecução dos trabalhos de memória relativos à história negra da PIDE-DGS, tão imprescindível e urgente quanto os que directamente podem testemunhar o farão à custa da dolorosa convocação de lembranças impossíveis de apagar nas suas cabeças. Sob o ângulo de uma retórica assente no pathos, esta é uma escolha de abrupta quebra de um contínuo crescendo. Todavia, Susana de Sousa Dias faz aí, creio eu, uma opção ajuizada. 48 é o filme que fazia falta porque fazia falta a falta que o fissura. 10 de Junho de 2010 151 Détournement de délits de faciès Arnaud Hée, Camille Pollas À en juger par le titre de son film précédent, Natureza Morta – Visages d’une dictature, le dispositif élaboré pour 48 peut être considéré dans la continuité d’une volonté, celle de donner une forme cinématographique à un épisode historique traumatique. Le Grand Prix est visuellement composé de photographies anthropométriques de la police politique portugaise (PIDE : Polícia Internacional e de Defesa do Estado), fer de lance de la dictature de Salazar durant 48 ans, d’où le titre. La première couche du film est donc ce dialogue du spectateur avec ces clichés policiers. Le premier émerge doucement d’un long fondu au noir, de profil ; une figure spectrale venue du passé, l’effet est tout à fait saisissant. Sur ces photos d’un temps révolu se greffent des voix du présent, des voix vieillies, traînantes et hésitantes, parfois étouffées d’émotion. Les locuteurs peuvent aussi être pris d’un très vif emballement de la mémoire pour dire l’ordinaire de la répression d’un régime en guerre contre tout ce qui pouvait ressembler à un ennemi objectif. Ces paroles disent le pouvoir du bourreau sur des corps humiliés, à disposition, les passages à tabac, la torture physique et mentale, des méthodes atrocement universelles : privation de sommeil, électrocution, chantage, brutalités extrêmes… À partir de cette sécheresse initiale, Susana de Sousa Dias parvient à élaborer une œuvre méditative d’une richesse cinématographique assez stupéfiante. Cela passe par le montage de ces clichés policiers. Leur mise en rapport introduit une étrange idée, pourtant persistante, celle d’unclichés policiers. Leur mise en rapport introduit une étrange idée, pourtant persistante, celle d’un film d’animation en stop motion à un rythme extrêmement ralenti. Chaque photographie est en effet reliée à la suivante par un fondu, au noir, ou enchaîné lorsqu’il s’agit d’une même personne, par exemple en passant du profil au faciès. Sur ce point, il se produit des moments troublants, desquels emergent des sensations contradictoires, à la fois mortifères et remplies de vie. C’est notamment l’exemple d’une personne pour laquelle deux arrestations sont intervenues à quinze ans d’écart. Le montage révèle le travail de l’écoulement du temps tout en faisant quitter l’aspect mortifère de la fixité à cet être également animé par sa parole du présent : les sévices n’ont pas eu raison d’une force de vie insoupçonnable. Sur le même principe, une autre série montre la transformation physique d’un même homme aux différents stades de son traitement policier, le visage de plus en plus marqué et éprouvé, mais avec au présent un verbe un peu crâne en forme de victoire sur la répression. Il s’élabore ainsi une grande variété d’associations et de sens à partir de cette articulation entre images fixes et paroles. Cela peut côtoyer l’impossibilité de se souvenir : “c’est moi, mais je ne me souviens pas” dit l’un, “ce n’est pas elle” rétorque la voix d’un fils évoquant le 152 cliché d’une mère que l’on imagine décédée. 48 est en lutte contre l’absence de paroles, de mémoires, d’images ; le métrage s’organise en une entreprise chirurgicale, des points de suture administrés avec un matériau préalable extrêmement pauvre. Dans un geste étonnant, autant par sa radicalité que son efficacité, Susana De Sousa Dias prend acte de la destruction ou de la perte de certains fichiers, y substituant un écran noir constellé de quelques percés lumineuses, laissant paraître un mystérieux paysage composé d’un arbre, d’un chemin, d’une clôture. Le vide laissé par la disparition est total, mais l’absence n’échappe pas à une représentation. Les clichés et la parole forment un double portrait, celui d’une courageuse jeunesse rebelle ; ceci culmine lorsqu’une inculpée se paie le luxe d’opposer un sourire éclatant, évidemment provocant, à l’appareil photographique policier. “J’étais contente d’être emprisonnée” confie-t-elle, bouclant ainsi un cycle familial d’opposition à la dictature puisque l’on comprend que d’autres membres de sa famille ont subi les foudres de la PIDE ; elle s’est ainsi rendue digne de sa lignée. Se superpose au présent une vieillesse vive, qui s’est relevée, non sans douleur et traumatisme, de même qu’un pays qui a réussi “sa” révolution. Souvent associé au registre comique, le détournement d’image est ici détonnant. En se réappropriant ces clichés de la répression, la cinéaste tente et réussit une formidable entreprise de subversion, qui consiste en cette revanche de voix un temps condamnées au silence. Le rythme et le forme appellent à la méditation, ils permettent à l’esprit de déambuler à travers différents strates d’espaces et de temps de la souffrance et de l’humiliation : des sous-sols de stades d’Amérique latine par exemple, mais aussi les systèmes concentrationnaires, ou encore des caves humides où furent entassés et abattus des résistants aux quatre coins du monde. 48 est un formidable pavé dans la mare de l’oubli, faisant de la mémoire non un devoir, mais un droit. (Ré)composition. Cinéma du réel : bilan de la 32e édition, 6 avril 2010 Susana de Sousa Dias: 48 Tue Steen Müller An academic film team would normally make me, a documentary addict, shiver with fear for the outcome of 48, in this case no, for that simple reason that I had seen the team’s previous film that perfectly combined the background of aesthetics, philosophy, history and music with a creative intention. 153 And with a sense for image and sound, and the putting the two together. To convey with Still Life. Faces of a Dictatorship (2005) the traumatic past of Portugal under Salazar. The film is 77 minutes long without any narration, built on archive from the 48 years between 1926 and till 1974, when the carnation revolution happened. The archive includes news, war footage from the colonies, propaganda films and photos of political prisoners. The musical score for this film, by António de Sousa Dias, is exceptional, first you wonder why but then you see what it does to the images, making a reflective distance and opens for a new both intellectual and emotional interpretation. The same is the case in 48 where the sound design is made to make space around the voices of the political prisoners. But not only what they say come to the ear, also sounds of them being in a room to be interviewed and other sounds, as far as I could hear(!) that are made to match with the image and create the tense atmosphere. Image after image, the prison ID´s, en face, profile left, profile right, faces of people looking at you, and looking at the photographer, who in many cases took part in the infamous torture conduct, described by the human beings behind the faces. They express anger and dignity, how could they be like that? It is terrible to watch what they say, in your head you make your own images. And then suddenly come voices that go for some absurd anecdotes from the prison life. Relief and a little smile. There is a work with details in very refined ways: A tiny light change in the photo is suddenly made, a fine almost imperceptible camera movement, the face comes closer or moves away. One woman has suffered a lot because she smiles on her photo. How stupid of me to laugh! In the film context, the smile becomes one of defiance. In many cases there are more than one photo of the same person imprisoned more than once. They normally remember the photographic session. They remember the atrocities. They visualize them. In a way the film builds one long monologue changing visually at the end with some shots from Moçambique, a barbed wire fence, a tree, a camp – the prisoners talking did not have the photos any longer. Let me end with the words of Allan Berg, translated and edited from Danish: “The portraits of the Secret Police appear calm and clarified for a long time on the screen. The ugly operation has lent the beauty, dignity and authenticity of the models… the images are carefully worked on so their aura become visible. The naked sound of the voices from the conversations are treated like was it delicate music. So it becomes delicate music. It is about the political crime of the Portuguese dictatorship… it is so horrifying and wild, and it is conveyed with such a beautiful and calm clarification”. www.cinereel.org / http://www.kintop.net/ 154 155 Os Filhos de Lumière Os Filhos de Lumière – Cinema, cem anos de Juventude 2009/2010 Teresa Garcia, Pierre-Marie Goulet Porquê mexer a câmara? Uma questão que mais de 500 crianças e adolescentes se colocaram este ano, realizando pequenos filmes em França, em Espanha, em Portugal, em Itália e na Grã- Bretanha. Cinema, cem anos de juventude, é um projecto experimental de educação ao cinema, coordenado pela Cinemateca francesa que reúne cineastas, professores, salas de cinema, associações e cinematecas dos cinco países participantes. Os cursos que põe em prática nas escolas (ensino básico e secundário) permitem aos alunos uma importante experiência de cinema com a realização de pequenos filmes, a partir de uma questão diferente em cada ano e segundo regras do jogo comuns a todos os participantes. Depois da cor (em 2008-2009) a questão sobre os movimentos de câmara foi o fio condutor da reflexão e experimentação em 2009-2010. A associação Os Filhos de Lumière coordena este programa em Portugal, em parceria com a Cinemateca Portuguesa, desde o ano lectivo 2006/2007. Este ano participaram 4 turmas em três escolas (duas na Escola Secundária de Serpa, uma na Escola Secundária Passos Manuel em Lisboa e uma na Escola de Ensino Básico José Afonso em Alhos Vedros/Moita). A 10 e 11 de Junho realizou-se a apresentação dos filmes finais de todos os grupos participantes na Cinemateca Francesa em Paris. Acompanhados pelos professores e cineastas que os orientaram, oito jovens de Serpa, Lisboa e Alhos Vedros estiveram presentes nestes encontros – representando os 4 grupos que os realizaram – para apresentarem e partilharem os seus filmes com os participantes dos cinco países envolvidos. Nesta sessão serão projectados Julho de Darejan Omirbaev, um dos filmes que serviu de base para analisar os movimentos de câmara, e 7 pequenos filmes realizados no âmbito do programa em 2010. 156 Julho – 22’ Darejan Omirbaev 1988 (Cazaquistão) Vision (2’26’’) London Nautical School, Londres (Grã Bretanha) Year 8 Breakers (9’04”) I.S. Arte Calcagnadoro, Rieti (Italia) classe IV (niv 2º) Os acordes da mudança (10’09”) Escola Secundária de Serpa (Portugal) 7º ano O pavão (10’05”) Escola Básica José Afonso, Moita (Portugal) 8º ano O amor em jogo (7’41”) Institut Castell d’Estela, Amer (Espanha) 4º ES0 Signes (5’27”) Collége Claude Debussy, Aulney-Sous-Bois Académie de Creteil (França)4-3 Ainda amo as rosas! – 7’47” Escola Secundária de Serpa (Portugal) Clube de Cinema Aprender a olhar e olhar uma segunda vez: o documentário como exercício Inês Sapeta Dias Em certo momento da nossa pesquisa, que segue o rasto do ensino do documentário por entre escolas e pedagogias de diferentes raízes, embatemos numa experiência que, apesar de não tratar directamente o documentário, parece lançar luz sobre o que de mais fundamental existe na abordagem documental, no encontro do cinema com o mundo. O laboratório “Cinema: cem anos de juventude”, levado a cabo, em Portugal, pela Associação Filhos de Lumière, feito de experiências e exercícios que tentam sensibilizar as crianças (que em Portugal vão dos 11 aos 18 anos) para a imagem cinematográfica, parece dizer-nos que o documental talvez não seja mais do que olhar para as coisas que vemos todos os dias, e olhar para elas outra vez, descobrindo aí o cinema. Preparando as crianças para o encontro cinematográfico com esse mundo onde vivem, e provocando nelas uma outra maneira de ver as mesmas coisas, e dizendo que essa preparação se faz deixando espaço e fôlego para o que de novo se encontra, este laboratório ensina que o cinema se faz na abertura ao encontro e à surpresa, e que o documentário está por todo o lado, nesse encontro. “Cinema: cem anos de juventude” é isso mesmo, um laboratório. Vivido não só do lado de quem faz os exercícios, e é guiado, as crianças; mas vivido também do lado de quem o organiza. A experiência começou há 15 anos, pelas mãos de Nathalie Bourgeois, responsável pelo Serviço Pedagógico da Cinemateca Francesa, e de Alain Bergala, coordenador pedagógico do projecto. E em 2005 chegou a Portugal, com a Filhos de Lumière, que já 157 desenvolvia uma série de acções pedagógicas dentro de um projecto chamado “Primeiro Olhar”, onde era proposto às crianças que construíssem filmes de um minuto, o minuto Lumière, feito de um só sítio, numa única tomada de vistas. Se a vontade de estimular os olhos dos mais novos para a imagem cinematográfica era já qualquer coisa de muito forte e concertado nessas primeiras acções, essa vontade parece ter-se tornado mais partilhada, discutida, ampla e profunda com a participação da Filhos de Lumière no programa “Cinema: cem anos de juventude”. Por várias razões. Por um lado, este programa mostra-se mais claramente intricado na escola, faz parte do seu currículo (consiste numa disciplina incluída na área de projecto ou de enriquecimento curricular do ensino secundário), o que resulta numa possibilidade de acompanhamento das mesmas crianças durante um ano inteiro, e às vezes por vários anos consecutivos. Em Portugal, o projecto é, então, encetado na Escolas do Ensino Básico José Afonso em Alhos Vedros, Moita (8º ano), Escola Secundária de Serpa (turmas de 7º ano, e um grupo no Clube de Cinema) e Escola Secundária Passos Manuel, em Lisboa (uma turma de 9º ano). Por outro lado, o projecto é levado a cabo por vários países europeus e isto resulta numa troca muito maior de experiências e maneiras de ver e viver o cinema (inerente a cada uma das cinematografias dos países participantes), tornando o projecto mais partilhado e amplo. Fazem parte do projecto, actualmente, escolas, que vão do ensino básico ao secundário, em França, Espanha, Itália e, mais recentemente Inglaterra (e há a vontade de abrir o projecto a mais países, inclusive de fora da Europa). Há então um carácter muito forte de abertura, neste projecto. Vivido na troca entre crianças de vários países, mas também na estrutura do seu trabalho individual, tal como é guiado pelos adultos. É essa abertura que lhe confere o tal cariz de “laboratório”, e que faz com que Alain Bergala defina o projecto como tendo uma “forte vertente experimental e de vanguarda”: experimental porque nunca está nada decidido à partida (não há um programa que se deve seguir), o que faz com que as crianças experimentem, mas os adultos que as guiam também; e de vanguarda porque pretende abrir caminho e tocar outras experiências, ser uma espécie de pedra atirada à água capaz de provocar um movimento autónomo, desligado do centro, mas informado e provocado por ele. Na prática como se desenvolve o projecto, e como se tornam visíveis estas suas vertentes? Pierre-Marie Goulet e Teresa Garcia, cineastas responsáveis pela Filhos de Lumiére, explicamnos como tudo se processa. Primeiro, todos os anos há um tema específico que permite organizar o material pedagógico, e orientar os olhos das crianças confrontados muitas vezes pela primeira vez com o cinema – são exemplos de temas desenvolvidos, desde que o projecto foi trazido para Portugal, “a figura e o fundo”, “ponto de vista”, “cor”, e, agora em 2009/2010, “movimentos de câmara”. Esse tema é trabalhado pelos adultos – professores das escolas participantes e cineastas que encabeçam o programa – num primeiro encontro na Cinemateca Francesa onde Alain Bergala lança pistas sempre discutidas por todos os intervenientes. É nesse primeiro 158 encontro que se decide o rumo a seguir durante o ano, e que material pedagógico servirá de base ao trabalho. Esse material está sempre fundado na escolha de fragmentos de filmes e filmes inteiros, e durante a acção pedagógica, já com as crianças, é destes fragmentos* e do seu visionamento que saltam as questões teóricas – não há problema que não salte de um filme ou pedaço de filme visto por todos, adultos e crianças. Nesta fase os cineastas voltam a fazer perguntas e a pesquisar sobre questões fundamentais, e a relembrar problemas iniciais, obrigando-se a voltar ao princípio (exigência depois continuada durante os encontros com as crianças, que obrigam a isso, com as suas perguntas). Pelo seu lado, os professores são eles próprios confrontados com um cinema que desconheciam, retirando dele o seu lado utilitário (“como pode este filme servir as minhas aulas?”), e olhando-o como objecto de estudo em si, passando por um processo de descoberta e encontro. A descoberta, o “laboratório”, a experiência começa, então, desde logo aqui, no trabalho prévio levado a cabo pelos adultos. Depois deste primeiro encontro na Cinemateca Francesa, segue-se a troca de materiais pedagógicos entre as entidades intervenientes, começa-se a trabalhar com as crianças, fazemse os primeiros exercícios orientados para o trabalho do tema. Em Março, a meio do processo, volta-se à Cinemateca Francesa onde se apresentam os resultados dos exercícios, e se discutem as dificuldades sentidas, os pontos onde será preciso ter mais cuidado, mais atenção, os objectivos alcançados, e os que não foram, e lança-se o percurso para a segunda fase do trabalho, a construção dos filmes finais. Em todas as fases do trabalho encetado pelos adultos discutem-se opções e corrigem-se rumos. O último encontro acontece no fim do ano lectivo, já com as crianças e novamente em Paris. Apresentam-se os filmes, as crianças defendem-nos, respondem a perguntas, falam de escolhas. E numa conversa sem crianças, os adultos discutem e decidem qual o tema do ano que se segue. Num ano, numa destas conversas, apareceu como hipótese o “documentário” ser tratado como tema. Tal como o movimento de câmara, a cor, o ponto de vista são elementos que estão em todo o trabalho do cinema, para estes pedagogos, também o documentário é um destes elementos, está em tudo. E, de facto, se olharmos mais atentamente para a forma como o projecto é vivido pelas crianças, percebemos o que é que isto quer dizer. Para as crianças, a primeira fase é aquela em que, muitas vezes pela primeira vez, vêem cinema. Filmes inteiros, vistos em sala, escolhidos exactamente para proporcionar esse primeiro encontro, e para fazer perceber que o cinema não é só um actor e uma história, mas sim que vive de elementos mais fundos que funcionam para a criação de um sentido, e que têm tanta importância na criação de uma emoção quanto a tal história e actor. É também neste primeiro momento que se revisitam, inevitavelmente, os temas tratados em anos anteriores (e temas futuros), trazidos ao de cima por um visionamento concreto, sob a forma de problema. Depois começa-se a trabalhar o tema do ano, através do visionamento de fragmentos de filmes, do trabalho de um profissional de cinema ligado mais directamente à 159 área tratada, e através dos materiais pedagógicos compilados pelos vários países. Chega depois o momento dos exercícios. E o exercício é ir olhar. Com o tema na cabeça, é proposto às crianças que o procurem nos sítios que conhecem e onde vivem. A primeira reacção é muitas vezes “não há nada para filmar”. E o trabalho dos cineastas é, neste ponto, a insistência, propondo às crianças que fiquem e olhem em volta. E o que as crianças descobrem nessa permanência é que há interesse nas coisas que os rodeiam. Descobrem a sua própria cidade, aprendem a ver de outra maneira aquilo que conhecem, sendo aqui que mais fortemente se enraíza o cariz documental do projecto. E do outro lado os cineastas descobrem um rigor inesperado no trabalho das crianças, qualquer coisa também muito ligada à vivência documental de um espaço. Contam por exemplo, como num exercício em que era proposto filmar sob o tema “eu e o mundo; eu e o meu mundo”, houve uma criança em Serpa que viajou com a sua equipa 15km para filmar uma parede branca: era daquela parede que ele via o mundo; tinha que ser aquela e não outra. Mesmo se no final chegam à construção de uma ficção, a aplicação de uma história a um sítio (em vez de filmarem a história que encontraram nesse sítio, tal como a encontraram), há no olhar em volta uma raiz que é comum, na ficção e no documentário. “O processo é o mesmo”. E é esse processo que Pierre-Marie Goulet e Teresa Garcia sublinham sempre quando falam do trabalho com as crianças, falando do documentário aí também. Mesmo as histórias finais resultam de coisas observadas durante a fase dos exercícios, a fase das descobertas, e de alguma forma são provocadas por esses sítios. A ficção é inevitável, pela forma como imaginação está em explosão, nas crianças. Mas o mundo descoberto está sempre muito profundamente intricado nessa imaginação aplicada aqui ao cinema. Num outro nível, a própria construção do filme final acompanha este processo de descoberta. Há sempre uma estrutura que é proposta às crianças, sendo trabalhada pelos adultos nos vários encontros que têm ao longo do ano. Essa estrutura, contudo, é sempre semelhante de ano para ano: trata-se sempre de um personagem que vagueia por um sítio, por uma história, e a certa altura acontece qualquer coisa que altera a forma desse sítio, e altera a maneira como a personagem o vive. Ora, esta estrutura acaba por ser uma documentação do processo vivido pelas crianças ao longo da experiência que aqui têm com o cinema. Também elas são personagens que vagueiam na sua cidade e que, depois de descobrirem o cinema, olham a mesma cidade de outra maneira, vendo nela novas cores, novos movimentos, renovados pontos de vista, etc. E para levar esta descoberta até ao fim, o Pierre-Marie e a Teresa fazem questão de não ter a figura do argumentista (ao contrário, por exemplo, de Espanha): o argumento é, aqui, um ponto de partida para a rodagem, e nem sequer está muito estruturado, serve para pensar e serve como grelha de descoberta. Ele é feito essencialmente na rodagem. O que acontece na prática, depois, é que as crianças ficam muito mais disponíveis para o que acontece. E de take para take, como de ano para ano, cada exercício, cada correcção de ângulo da câmara, cada espera pelo momento do corte 160 (espera que se vai tornando mais e mais larga**) demonstra como as crianças olham cada vez com mais atenção. O que é o olhar documental se não isso mesmo? Para trazer ao de cima esta abertura, esta disponibilidade para a descoberta, os próprios cineastas chegam sem certezas. Não impõem nada. E experimentam mesmo aquilo que à partida acham que não vai funcionar (e às vezes funciona mesmo). E é disto que a Filhos de Lumière, e o projecto “Cinema: cem anos de juventude” tratam. De dar a ver, e não de ensinar a ver. E é aí que reside a diferença, fina mas fulcral, entre educação e ensino, entre o trabalho da Filhos de Lumière e as escolas visitadas ao longo destes artigos. Educar ao cinema é educar o olhar, levar ao encontro com o cinema, com a imagem, e levar esse encontro para as coisas que de repente provocam os olhos de quem assim desperta para o cinema, ao contrário do ensino que está do lado da profissão, de dar instrumentos para que se vá fazer filmes. (A pergunta que me fica, insistente, na cabeça é se será possível ensinar sem passar por este processo de dar a ver, de educar os olhos…). * E sobre a importância do fragmento fílmico para o ensino do cinema, vale a pena ver a compilação de testemunhos de alunos de António Reis, nomeadamente o que diz João Pedro Rodrigues. Também nas aulas do professor Reis, o fragmento era usado para fazer saltar questões, transformando a visão de um filme, e permitindo vê-lo a partir de um novo ponto de vista (actualizado por uma necessidade pedagógica). Esta transformação da visão perante um fragmento de filme e a sua importância para a pedagogia do cinema é igualmente descrita por Pierre-Marie Goulet e Teresa Garcia. ** Espera que faz com que Pierre-Marie Goulet e Teresa Garcia se surpreendam sempre com o tempo de cada plano filmado pelas crianças. Se o consumo de objectos audiovisuais, como o teledisco, cheio de imagens rápidas e frenéticas, fazia prever que os planos construídos pelas crianças fossem assim também, o encontro com o cinema é de tal modo profundo, que altera de facto a maneira como as crianças vêem o seu mundo e as imagens que nele encontram. “São mesmo portuguesas” dizem, com piada, querem sempre planos mais longos, porque esperam para devolver aquele momento preciso em que “qualquer coisa” acontece, para elas. in Catálogo Panorama – Mostra do Documentário Português, 2010 161 Índice Doc’s Kingdom 2010 A imagem-arquivo | José Manuel Costa 1 Filmar, arquivar | Nuno Lisboa 2 Sinopses 7 Hartmut Bitomsky Restoring the quality of Realness to the Cinema: an interview with Harmut Bitomsky | Theo Bromin The documentary world | Hartmut Bitomsky O vestido preto das coisas | Hartmut Bitomsky A morte e o cinema | Hartmut Bitomsky Cinéma, vidéo et histoire | Hartmut Bitomsky Passage le long de la ligne d’ombre. Farocki et les autres: approche d’un style Filmkritik | Olaf Möller Que cherche-t-on? (Au regard de l’histoire, le cinéma en question) | Jean-Pierre Rehm Deutschlandbilder: um processo imaginário de indícios | Klaus Kreimeier Edgardo Cozarinsky Journal d’un manipulateur | Edgardo Cozarinsky Edgardo Cozarinsky: o Flâneur | Dominique Païni Ambiguous evidence: Cozarinsky’s “Cinema Indirect” | Jonathan Rosenbaum La guerre d’un seul homme | Edgardo Cozarinsky Entretien avec Edgardo Cozarinsky | Pascal Bonitzer Discourse and History. One man’s war: An Interview with Edgardo Cozarinsky | Thomas Elsaesser BoulevardS du crépuscule - Journal de mixage | Edgardo Cozarinsky En busca del país perdido | Pablo Klappenbach Work in progress | Sergio Wolf 17 21 30 37 45 54 58 61 67 70 72 76 79 88 95 99 101 162 Yervant Gianikian, Angela Ricci Lucchi Elogio da política: conversa com Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi | Sérgio Toffetti Des instants choisis de l’espèce humaine | Raymond Bellour Do documentário feito à mão. Notas conjugais sobre o cinema de Yervant Gianikian e Angela Ricci-Lucchi | Danièle Hibon, Dominique Païni Notre caméra analytique | Yervant Gianikian, Angela Ricci Lucchi … au devenir-incendie de la mémoire | Sylvain George On From the Pole to the Equator: interview with Yervant Gianikian & Angela Ricci Lucchi | Scott MacDonald Susana de Sousa Dias O fascismo nunca existiu: entrevista com Susana de Sousa Dias (e Ansgar Schäfer) | Chris Wahl O que faz falta | Regina Guimarães Détournement de délits de faciès | Arnaud Hée, Camille Pollas Susana de Sousa Dias: 48 | Tue Steen Müller 103 109 113 116 122 126 135 148 151 152 Os Filhos de Lumière Os Filhos de Lumière - Cinema, cem anos de Juventude 2009/2010 |Teresa Garcia, Pierre-Marie Goulet 155 Aprender a olhar e olhar uma segunda vez: o documentário como exercício |Inês Sapeta Dias 156