Revistas científicas de livre acesso - Salutis Scientia

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Revistas científicas de livre acesso - Salutis Scientia
Vol.5 – Março 2013
Editorial
Revistas científicas de livre acesso
Open access scientific journals
Com o aparecimento e desenvolvimento da internet, a publicação científica assistiu a novos
desafios e oportunidades. Assim, nos últimos 20 anos, tem-se observado uma enorme expansão de
revistas científicas de livre acesso (open access), i.e., revistas disponíveis on-line, sem barreiras
financeiras, legais ou técnicas que não as do próprio acesso à internet permitindo a qualquer
utilizador pesquisar, consultar, descarregar, imprimir, copiar e distribuir o texto integral dos seus
artigos.
Historicamente, a evolução das revistas de livre acesso dividiu-se em três fases. A fase pioneira,
entre 1993 e 1999, caracterizou-se por uma fase de experimentação em que individualmente ou
em pequenos grupos desenvolveram-se os primeiros projetos. A tecnologia era simples, na maioria
dos casos apenas páginas de internet. No entanto, essas revistas não foram consideradas pela
maioria dos investigadores uma alternativa séria à publicação em papel com subscrição tradicional,
por um lado porque havia dúvidas quanto à sua sustentabilidade mas sobretudo porque havia
desconfiança quanto à qualidade da revisão por pares. Por outro lado, a grande maioria dessas
revistas não era na altura indexada na Web of Science, e consequentemente não detinha grande
prestígio.
Na fase de inovação, entre 2000 e 2004, assistiu-se a um rápido crescimento não só do número de
revistas como do número de artigos disponibilizados, em todas as áreas científicas. Foi também
adotado um novo modelo de financiamento, passando o cliente das editoras a ser o autor ao invés
do leitor, i.e. o pagamento de subscrição foi substituído por uma taxa de publicação. Duas das
primeiras editoras de revistas de acesso livre, a BioMed Central e a Public Library of Science (PLoS)
foram pioneiras na implementação destas taxas de publicação como principal fonte de
financiamento que tem tido uma adesão exponencial. Atualmente quase todas as grandes editoras
de revistas de subscrição tradicional deram início a periódicos de livre acesso com taxa de
publicação.
Na fase de consolidação, após 2005, o número de revistas e artigos continuou a aumentar de ano
para ano e foram criadas as infraestruturas necessárias para manter a publicação de livre acesso,
nomeadamente: (i) O Open Journal Systems do Public Knowledge Project, software de livre acesso
que fornece uma plataforma de publicação, tendo-se tornado amplamente utilizado; (ii) O Directory
of Open Access Journals (DOAJ) que indexa revistas de livre acesso e inclui hoje 8800 periódicos de
121 países e (iii) o Google e Google Scholar que constituem importantes motores de busca.
Na área biomédica as primeiras revistas de livre acesso foram o BMJ, o Journal of Medical Internet
Research e a Medscape que foram criadas, ou disponibilizaram os seus conteúdos de forma livre, no
fim da década de 1990. Por outro lado, a editora BioMed Central, agora com inúmeras revistas de
livre acesso, publicou o seu primeiro artigo no ano 2000. Ainda, a PLoS publica a sua primeira
revista de acesso livre em 2003, a PLoS Biology, seguindo-se inúmeras outras como a PLoS Medicine
em 2004, a PLoS ONE em 2006 e mais tarde ainda a PLoS Genetics, PLoS Pathogens, PLoS Neglected
Tropical Diseases. As revistas da PLoS são hoje em dia um claro exemplo de revistas de livre acesso
que atingiram um inquestionável prestígio, reconhecido pelos elevados fatores de impacto.
Apesar do aumento exponencial das revistas de livre acesso, e de as agências nacionais
financiadoras da investigação nomeadamente nos Estados Unidos e no Reino Unido terem lançado
estratégias para aumentar o livre acesso à investigação financiada pelo estado, este novo modelo
de publicação tem sido matéria de debate ao longo dos anos, com argumentos a favor e outros
contra. A maior vantagem das revistas de livre acesso é reconhecida por todos como sendo a
disponibilização de artigos a qualquer pessoa ligada à Internet. Desta forma o trabalho do autor é
fornecido a um público muito mais amplo e não se restringe apenas àqueles cujas bibliotecas
podem pagar os preços de subscrição das revistas de grande prestígio. Ainda, o autor vê o seu
trabalho mais citado, logo mais prestigiado. E se há 10 anos atrás, a leitura dos artigos científicos
era feita a partir de revistas em papel, tendo o leitor que se deslocar muitas vezes a diferentes
bibliotecas, hoje a tarefa está sem dúvida muito facilitada pela consulta on-line a partir de qualquer
local geográfico.
No entanto, o facto de grande parte das revistas de livre acesso, nomeadamente as de maior
prestígio, ter transferido as suas fontes de receita do leitor para o autor ao exigir taxas de
publicação (podem chegar a 3000 USD), restringe a divulgação de trabalhos oriundos de países mais
desfavorecidos e da autoria de estudantes. Por outro lado, há ainda quem acuse o livre acesso de
ter fomentado a criação anárquica de revistas de baixa qualidade, com editores e revisão por pares
fictícios, que publicam sem qualquer critério de seleção com o único fim de angariar receitas.
Como Editora, parece-me fundamental tornar pública a informação científica sendo que é nosso
dever preocupar-nos simultaneamente não só com a qualidade dos artigos publicados, e por
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conseguinte com a qualidade da revisão por pares, mas também com a relevância e interesse para
os nossos leitores tentando sempre contribuir para o progresso científico.
Marta Aires de Sousa1
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Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa.
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Email: [email protected]
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Vol.5 – Março 2013
Artigo de Opinião
Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde
Pública
Year 57 of Artificial Intelligence: The challenge of Healthcare
Helder Coelho1*
1
Instituto das Ciências da Complexidade, Laboratório da Modelação de Agentes, Departamento de Informática da
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Apresenta-se a disciplina da IA de uma forma breve, chamando-se a atenção para factos recentes que iluminam
alguns desafios sobre o setor da saúde pública, no que respeita a melhoria da qualidade dos tratamentos e os custos
da gestão associada.
We briefly present the discipline AI, focusing on recent facts that are able to show some challenges for healthcare,
namely the improvement of the quality of treatments and the management of costs.
PALAVRAS-CHAVE: Resolução de problemas; raciocínio probabilístico; diagnóstico médico.
KEY WORDS: Problem solving; probabilistic reasoning; medical diagnosis.
Submetido e aceite em 28 fevereiro 2012; Publicado em 31 março 2013.
* Correspondência: Helder Coelho. Email: [email protected]
INTRODUÇÃO
1. Em 2001, obrigado a escolher entre um médico
recém-saído da Universidade e um sistema inteligente
para diagnosticar doenças, Pedro Domingos, professor
da Universidade de Washington (Seattle, EUA), optou
pelo programa. E, porquê? O que diferencia então
uma ferramenta poderosa de uma correta?
A Inteligência Artificial (IA), nascida em 1956, nos EUA
e em Dartmouth, graças a um conjunto de 10
pioneiros, é hoje uma disciplina científica jovem mas
sólida, capaz de reconhecer erros e falhas do passado
e de ir aos seus fundamentos e em profundidade
(Coelho, 1999).
Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde Pública
Iniciou os seus primeiros passos através da imitação e
da réplica de aspetos cruciais da mente humana,
recorrendo à Lógica de 1.ª ordem para representar o
conhecimento e para raciocinar com (e sobre) ele.
Aventurou-se pela resolução de problemas como
quebra-cabeças triviais (missionários e canibais, torre
de Hanoi, jogo do galo) e depois enfrentou a
compreensão da língua natural (Inglês), a
demonstração de teoremas (geometria plana
euclidiana), a resolução algébrica, ou ainda a
visão/reconhecimento de objetos. Num Segundo
fôlego ousou atacar problemas complicados, a
descoberta de petróleo ou de estruturas de moléculas
orgânicas, o reconhecimento de padrões, ou mesmo o
diagnóstico médico. Os anos de ouro ocorreram na
década de 80, saltando os conhecimentos
tecnológicos das universidades para os circuitos
comercial e industrial, com empresas e planos para
conceber os computadores de quinta geração
(Coelho, 1999). Nem tudo foram rosas, e os seus
cientistas tornaram-se mais humildes, recuaram para
as trincheiras, e esperaram pelo aprofundamento de
técnicas (aprendizagem mecânica, reconhecimento da
voz, procura, planeamento), pelas novas descobertas
no raciocínio automático (monótono, não monótono)
e na representação do conhecimento - certo, incerto,
incompleto (Coelho, 2004). Ver Tabela 1.
Tabela 1 – Sistemas periciais e sistemas baseados
em conhecimento:
CASNET (Kulikowski, 1972)
PIP (Szolovits e Pauker, 1976)
INTERNIST (Miller, Pople e Myers, 1982)
MYCIN (Buchanan e Shortliffe, 1984)
QMR (Miller, Masarie e Myers, 1986)
DIXPLAIN (Barnett, 1987)
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Porém, a ciência não estagnou em redor da IA. As
Ciências da Complexidade ganharam potencial nas
décadas seguintes, as Ciências do Cérebro (a década
de 90 foi a do cérebro) avançaram muito e as Ciências
da Mente (a década 00 foi a da mente) alargaram-se,
sobretudo graças às Neurociências (neurobiologia,
neuro-engenharia,
neuropsicologia,
neuroinformática), às Biologias, em particular, a Biologia
Molecular, e ainda às Tecnologias da Informação e da
Comunicação que passaram de promessas a serem
indispensáveis na vida quotidiana. A decisão da CEE
(Civil and Environmental Engineering, Universidade da
Califórnia, Berkeley), em fevereiro deste ano, de
apoiar massivamente o “Human Brain Project”,
destinado à construção de um cérebro artificial para
estudar as doenças complexas, como Alzheimer,
Parkinson, epilepsia, autismo, e depressões, com
supercomputadores, é uma consequência do
amadurecimento de certas disciplinas.
2. A Informática (e as Ciências da Computação e do
Computador) mudou imenso nas últimas décadas.
Desde os anos 70, os computadores abandonaram a
centralização do poder de cálculo/processamento da
informação e do conhecimento e das memórias dos
dados, descentralizaram-se, e, a partir dos anos 90,
distribuíram-se e passaram de em cima da secretária
(Desktop) para as nossas pastas (Laptops), ou para as
nossas mãos (Tablets).
A primeira década do século XXI passou-se muito
depressa. O avanço da Neurobiologia do cérebro
(Damásio, 2010), a procura/descoberta de
conhecimentos (no Google, via algoritmos de procura
cada vez mais poderosos), os carros sem condutor
(Stanley apoiado pela Google), os agentes inteligentes
autónomos - nos jogos de computador/vídeo e no
cinema - (Coelho, no prelo a, b), os planeadores das
viagens espaciais, ou os robôs que jogam futebol e
ajudam a gerir calamidades, foram sendo conhecidos
e apoiados (Tabela 2).
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permitir que este se concentre nas relações e isso
aumentará o seu poder de fazer palpites e de
construir a história do doente (Tabela 3).
Tabela 2 – Alguns sistemas recentes:
GermWatcher:
microbiológicas
adquiridas.
para acompanhar as culturas
e testar infeções hospitalares
Tabela 3 – Tipos de tarefas clínicas:
PEIRS: para ajudar a compor os relatórios patológicos.
Gerar alertas e lembranças.
PhysiScore (Koller, D. e Penn, A.): para prever a saúde
futura, com uma probabilidade (grau de certeza), de um
bebé prematuro.
Assistência no diagnóstico.
Crítica e planeamento de terapias.
PUFF (1977): ainda em uso, é um velho sistema pericial
para o diagnóstico de doenças pulmonares.
Agentes para pesquisa de informação.
Reconhecimento e interpretação de imagens.
QMR-DT (Domingos, P.): para diagnóstico médico
automático (modela 600 doenças significativas e 4000
sintomas relacionados).
A segunda década trouxe dois exemplos em 2011, o
Watson da IBM que ganhou o jogo do Jeopardy! (com
recurso ao Inglês corrente e num jogo de perguntas
de cultura geral, em que as respostas são diversas e
anotadas com um grau de confiança, uma espécie de
gerador de hipóteses), na televisão Americana e em
direto, aos dois campeões nacionais, e o Siri da Apple
(desenvolvido pela Universidade de Stanford, nos
EUA) para entender perguntas feitas com a voz no
iPhone, buscar e descobrir informação útil (graças a
uma máquina de descoberta como o TrapIt) no dia-adia (quais os restaurantes gregos num bairro de
Lisboa) e fornecer as respostas mais aproximadas em
voz, mas outros exemplos (descoberta de doenças de
bebés prematuros, tradução de conversas e de textos)
mostraram a capacidade das máquinas raciocinarem
como os seres humanos, em mundos caóticos e
barulhentos.
O poder de ver à distância (por exemplo, a Terra do
alto de um satélite), de deduzir o que está por detrás
de um objeto escondido, de interpretar as imagens (e
não só as médicas), o que está além da colina ou das
árvores, de responder a perguntas feitas via voz em
Inglês, e em Português, ou de explorar, em zonas
inacessíveis ao homem, o fundo do mar gelado, um
vulcão, as zonas contaminadas pela energia nuclear,
são agora realizadas por rovers autónomos, na Terra
ou em Marte.
3. A prática da Medicina é caracterizada por uma
enorme quantidade de conhecimento para garantir
um bom desempenho profissional (Groopman, 2008).
No entanto, há uma sensação de grande sobrecarga
cognitiva no exercício da profissão, porque é difícil
seguir os dados de 2000 a 2500 doentes, e de os
transformar em hipóteses de trabalho para
diagnóstico, tratamento e prognóstico a longo prazo
(Tabela 4).
Tabela 4 – Falhas de diagnóstico médico
O programa Watson está a ser estendido à saúde
(nomeadamente, no cancro), desde 2012 pela IBM,
que prometeu fornecer aconselhamento e
conhecimento médico em frações de segundo
(estima-se que o erro de diagnóstico, que na maior
parte dos casos é devido a falta de informação é de
10%, mas, em cancros “complicados”, pode ser muito
maior). A informação individual de um doente é a
chave, e poder-se-á dizer que ela tem diferentes
dimensões. Ao libertar a carga cognitiva sobre o
médico em relação ao conhecimento, o Watson irá
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Problemas cognitivos
Superconfiança
Falta de atenção
Problemas sistémicos
Falta de comunicação
Ineficiência
Trabalho de equipa pobre
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Por detrás da nova IA, visando o setor da Saúde e a
Medicina em geral, está o raciocínio probabilístico,
cujo poder combina a Lógica com a Estatística e as
Probabilidades. Esta unificação de teorias suporta que
as máquinas possam compreender o mundo que nos
cerca (ambiente rico) e de pensar sobre ele: o sonho
do britânico Alan Turing (Coelho, 2012) que, se fosse
vivo, teria feito 100 anos em 2012. Esta mistura ajudanos, hoje em dia, na tradução de línguas, na conjetura
de investimentos financeiros pelos bancos, ou na
descoberta de certos cancros.
Por detrás do raciocínio probabilístico (Pearl, 1988)
está o Teorema de Bayes, que diz que há uma ligação
entre a probabilidade condicional de um evento P
ocorrer dado que o evento Q ocorra, e que exista uma
probabilidade condicional de Q dado P. Uma tal
descrição do conhecimento aborda a causalidade
(cadeias de causas e efeitos), suporta os processos de
inferência, permitindo observar os efeitos e o
trabalho para trás em direção às probabilidades das
diferentes causas.
Tabela 5 – Cooperação entre a UL (Portugal), a
UFRGS e a UFCSPA (Brasil) – Projetos de 1992 a
2013
(contatos: Professores Helder Coelho, Rosa Vicari e
Cecília Flores)
SEAMED (1992-95)
SCCI (2000-03)
AIMED (2000-04)
AMPLIA (2002-04)
WE-LEARN (2004-07)
FORMED (2007-10)
OBAA (2010-13)
Tabela 6 – Produtos da Cooperação LusoBrasileira
Apoio à Decisão em Grupo e em ambientes incertos e
estocásticos.
Raciocínio de Diagnóstico.
As redes bayesianas são fundamentais para este tipo
de trabalho. Modelam as várias variáveis aleatórias,
cada uma com uma distribuição de probabilidades
que depende de qualquer outra variável. Ao alterar o
valor de uma delas, mudar-se-á a distribuição de
probabilidades de todas as outras, e assim dado o
valor de uma ou mais variáveis, a rede permite inferir
a distribuição de probabilidades das outras variáveis
(as quais podem representar sintomas, doenças e
resultados de análises). Por exemplo, sabendo os
resultados de análises (infeção viral) e os sintomas
(febre e tosse), podemos atribuir probabilidades às
suas possíveis causas (constipação, muito possível;
pneumonia, muito pouco possível). Por detrás desta
técnica, desenvolveram-se algoritmos que podem
usar e aprender a partir dos dados existentes. A
eficiência e a eficácia destes algoritmos (rapidez,
esperteza) para as redes bayesianas (Tabelas 5 e 6)
foram essenciais para os êxitos da nova IA (a
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
[FCUL] vem colaborando com as universidades
brasileiras Universidade Federal do Rio Grande do Sul
[UFRGS] e Universidade Federal de Ciências da Saúde
de Porto Alegre [UFCSPA] desde há anos). O mesmo
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Ferramentas: PortEdu, Editor, “Computer-supported
medical learning environment”.
Editor de redes colaborativas e probabilísticas.
Conhecimento abordado: Anestesia, Medicina Interna,
Cardiologia (AVC, TAC´s), Neurologia (Epilepsia), UTI´s,
Saúde de Família, Imagiologia (Cérebro).
se passou com os algoritmos da procura, do
planeamento e da aprendizagem, os quais foram
concorrendo uns com os outros, em campeonatos, e
nas últimas duas décadas!
Um exemplo da generalidade de uma máquina de
inferência é o trabalho do professor Stuart Russell, da
Universidade de Berkeley, nos EUA, em redor do
cálculo da verosimilhança de uma explosão nuclear,
isto é, da capacidade para detetar as assinaturas
sísmicas de explosões nucleares longínquas e de as
distinguir de terramotos naturais. Este exemplo pode
generalizar-se para a saúde e ser aplicado aos graus
de certeza de certas doenças.
O desenvolvimento de algoritmos para as redes
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bayesianas que possam usar e aprender a partir dos
dados existentes foi um passo em frente nos anos 90
do século XX, pois anteriormente só podiam aprender
a partir de cada novo problema. Ora, os seres
humanos são mais capazes pois a aprendizagem
apoia-se na compreensão prévia, e estes novos
algoritmos também o fazem agora, sendo capazes de
aprender modelos mais complexos e precisos de
menos dados.
4. Quando se cruza a IA com a saúde é bom sermos
cautelosos, porque existem problemas no imediato e
as boas soluções não estarão prontas em breve. Em
primeiro lugar, há que combinar as técnicas das
representações sofisticadas e as da computação com
as intuições de médicos experientes para produzir
ferramentas que sejam capazes de melhorar a saúde.
Não basta termos já algoritmos espertos. Os
problemas têm a ver com o espaço de procura e com
a quantidade dos dados. No que respeita ao espaço, o
que está por detrás é, em certos casos, podermos ter
quantidades elevadas de opções e isso significa
precisarmos de computadores muito grandes, como
no caso do projeto do cérebro artificial (veja-se a
revista Science et Vie, de fevereiro de 2013). Ver
Tabela 7 (10 desafios para a saúde).
O grande espaço lembra também a necessidade da
rapidez do tempo de processamento. Para alguns
observadores, o diagnóstico e o tratamento de
doenças não é como um jogo de xadrez, mas como o
jogo go e isso significa aprender a ignorar
possibilidades em vez de procurar através delas. O
segundo problema tem a ver com os dados, e com a
quantidade de novos artigos publicados por ano em
Medicina, ou seja, com a gestão do conhecimento.
Mas há mais, o problema também envolve as
ontologias das doenças e dos tratamentos, e a
correção dos códigos (fiabilidade dos dados, incluindo
as histórias dos doentes). Donde, dois movimentos
são necessários de articular: manter os algoritmos
focados nos dados e deixar os médicos olharem mais
para os pacientes.
5. O valor das tecnologias da informação para a saúde
pública pode ver-se através de uma metáfora, a dos
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Tabela 7 – 10 Desafios para a Saúde
1) Registo médico eletrónico baseado em técnicas de
representação semântica do conhecimento.
2) Captura automática de informação clínica.
3) Representações informatizadas da literatura.
4) Diagnóstico automatizado.
5) Apoio à decisão sobre as trajetórias dos tratamentos.
6) Melhoria do acesso à informação e da explicação
para os doentes.
7) Fornecimento de documentação e educação contínua
dos médicos.
8) Demonstração da razão eficácia-custo das tecnologias
avançadas de informação.
9) Criação de novos conhecimentos médicos à custa de
técnicas de aprendizagem mecânica e de prospeção de
dados (“Data Mining”).
10) Acesso diversificado e
tecnologias pelas populações.
equilibrado
destas
quatro degraus de um escadote, os da informação, da
educação, da assistência na cura, e da prevenção. Ao
considerarmos estes novos instrumentos temos de
valorizar as suas contribuições para cada um daqueles
degraus. Por exemplo, os seres humanos são
inconsistentes nos seus julgamentos, incluindo o
diagnóstico. Mas, sem a digitalização dos registos
médicos (a informatização das unidades hospitalares),
como as fichas dos doentes, é difícil explorá-los e
distribuí-los. A melhoria da precisão do
reconhecimento da voz, nos últimos anos, viabilizou
também a transcrição automática da voz de um
médico (ao ditar os relatórios de análises dos
pacientes) e a produção mais rápida de documentos
eletrónicos, disponíveis em qualquer lado do hospital
por acesso a bases de dados, ou por simples correio
eletrónico.
Investigação realizada recentemente na Universidade
de Indiana, nos EUA, encontrou que se usarmos
algoritmos de aprendizagem sobre os dados dos
doentes podemos melhorar simultaneamente o custo
e a qualidade da saúde, via simulação e modelação
(prevê-se que os custos atinjam 30% do PIB em 2050).
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O professor Kris Hauser selecionou aleatoriamente
500 doentes de uma amostra de 6700, onde 60%70%
tinham depressões, diabetes, hipertensão e doenças
cardiovasculares. Os investigadores compararam o
desempenho do médico e os resultados dos doentes
contra modelos de tomada de decisão. Os modelos de
IA permitiram um aumento de 30%-35% nos
resultados dos doentes. E, se certos parâmetros do
modelo fossem afinados poder-se-ia esperar 50% de
melhoria com metade do custo. O custo de
diagnóstico e de tratamento era de 189 USD,
comparado com o custo habitual de 497 USD
(Mearian, 2013). A conclusão tirada foi: a IA pensa
como um médico, mas é mais rápida e com mais
informação. Ver Tabelas 8 e 9.
Tabela 8 – Quantidade de conhecimentos em
Medicina
(25% do total é só para o Cancro)
PubMed 20.000.000 de resumos médicos
750.000 novos artigos
ClinicalTrials.gov lista 100.000 ensaios
Gene Expression Omnibus BD inclui 450.000 conjuntos
ASCO Congresso anual 4.000 resumos
Tabela 9 – Salvar doentes
Procura adaptativa em tempo real por melhores tratamentos exige dados genómicos e resultados (o conhecimento de um
doente é transferido em tempo para ajudar o próximo).
Envolvimento dos médicos, de doentes e de cientistas, em colaboração total, para fazer uma terapia individualizada e
eficiente.
Processo: 1) dar a cada doente a possibilidade de melhores resultados através de terapias; 2) aprender a partir das
respostas dos doentes; e, 3) disseminar o que foi aprendido rapidamente.
Até agora há uma exceção, o Gleevec (Imatinib) da Novartis. É um remédio para as terapias orientadas por um alvo:
bloqueia uma enzima particular (BCR-ABL) e assinala o trajeto do cancro. Tem eficácia em vários cancros.
Ao nível molecular, o cancro tem milhares de doenças únicas. Existem mais de 800 terapias em desenvolvimento visando
mutações específicas.
Precisamos de um modo mais esperto para procurar tratamentos efetivos, que usem os perfis clínicos e moleculares dos
doentes necessitados.
Urgência de Conhecimento Especializado.
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REFERÊNCIAS
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Coelho (2004). Explorações, ligações e reflexões: Rede de 30 anos
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Coelho (2012). Turing, 100 anos depois do seu nascimento já pode
uma máquina pensar? Boletim da
Sociedade Portuguesa de
Matemática, 67, 1-13.
Coelho (no prelo a). Teoria da agência: Arquitetura e cenografia.
Versão 1.0, 2008.
Coelho (no prelo b). Inteligência artificial distribuída, sistemas
multiagente. Versão 2.0, 2010.
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consciente. Lisboa, Portugal: António Damásio,
Círculo
de
Leitores, Temas e Debates.
Groopman (2008). How doctors think. Boston, United States of
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Mearian (2013). AI found better than doctors at diagnosing,
treating
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Disponível
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http://www.computerworld.com/s/article/9236737/AI_f
ound_better_than_doctors_at_diag nosing_treating_patients
Pearl (1988). Probabilistic reasoning in intelligent systems:
Networks of plausible inference. San Francisco, United States of
America: Morgan Kaufmann Publishers.
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Artigo de Revisão de Literatura
Diferenças entre a capacidade vital lenta e a
capacidade vital forçada - Importância das mesmas
na determinação da presença de obstrução das vias
aéreas
Differences between slow and forced vital capacity - The importance of
these parameters in the determination of the airway obstruction
Margarida Pires1, Jessica Monteiro1 , Nuno Raposo1,2 , Raquel Barros1,3*
1
Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa;
Centro Hospitalar Lisboa Ocidental - Hospital de Santa Cruz;
3
Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital Pulido Valente.
2
A capacidade vital (VC) pode ser medida de forma forçada (capacidade vital forçada-FVC) ou de forma lenta
(capacidade vital lenta-SVC). Estes parâmetros são importantes para a determinação da presença de obstrução das
vias áreas, uma vez que a presença deste tipo de alteração ventilatória é definida pela diminuição da relação entre o
volume expiratório máximo no primeiro segundo e a maior capacidade vital (FEV 1/VC).
Os objetivos desta revisão de literatura foram rever os artigos mais relevantes a respeito das diferenças de volume
obtidas entre a FVC e a SVC e qual a importância destes parâmetros funcionais respiratórios para a determinação da
presença de obstrução das vias áreas.
Foi possível verificar que existem diferenças com significado estatístico entre os vários parâmetros da VC, sendo que,
na maioria dos artigos, as manobras efetuadas de forma lenta apresentaram volumes superiores aos resultantes das
manobras efetuadas de forma forçada.
Valores menores de FVC comparativamente à SVC podem mascarar a presença de obstrução das vias aéreas, uma vez
que o denominador da relação FEV 1/FVC é inferior ao da relação FEV 1/SVC, o que faz com que se obtenha uma
relação inferior no segundo caso, ou seja, existe uma maior probabilidade de verificar a presença deste tipo de
alteração ventilatória utilizando a segunda relação.
Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada
The vital capacity can be measured via forced or slow manoeuvres [forced vital capacity (FVC) and slow vital capacity
(SVC)]. These parameters are important for the determination of airway obstruction, since this kind of ventilatory
abnormality is defined by the decrease of the relation between maximum expiratory volume in the first second and a
higher vital capacity (FEV1/VC).
The goals for this review were to analyse the most relevant papers regarding the volume differences obtained via FVC
and SVC, and which is the importance of these respiratory parameters for the determination of airway obstruction.
It was possible to verify that there are statistically significant differences among the several parameters of VC. Most of
the papers reported a higher VC when a slow manoeuvre was used.
Lower FVC value, when compared with SVC, may mask the presence of airway obstruction, since the denominator of the
FEV1/FVC relationship is lower than the FEV1/SVC one, which contributes to a lower relationship on the latter, i.e., there
is a greater chance of diagnosing this kind of ventilatory abnormality in the second relationship.
PALAVRAS-CHAVE: Capacidade vital forçada (FVC); capacidade vital lenta (SVC); obstrução das vias aéreas.
KEY WORDS: Forced vital Capacity; slow vital capacity; airway obstruction.
Submetido em 21 abril 2012; Aceite em 22 janeiro 2013; Publicado em 31 março 2013.
* Correspondência: Raquel Barros. Email: [email protected]
INTRODUÇÃO
A capacidade vital/ vital capacity (VC) está descrita
pelas guidelines da American Thoracic Society/
European Respiratory Society - ATS/ERS (Pellegrino et
al., 2006) como sendo o volume de ar mobilizado
entre uma inspiração e expiração máximas, sendo
expressa em litros em condições BTPS (Body
Temperature and Pressure Saturated).
A VC pode ser medida de forma forçada [Forced Vital
Capacity (FVC)] através da realização de uma curva
débito-volume ou de forma lenta [Slow Vital Capacity
(SVC)] através de uma curva volume-tempo. A SVC
pode ser determinada por dois métodos diferentes:
inspiratório e expiratório. A capacidade vital
inspiratória (Inspiratory Vital Capacity [IVC]) designa o
máximo volume de ar inspirado até à capacidade
pulmonar total (Total Lung Capacity [TLC]) partindo
Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP
do volume residual (Residual Volume [RV]) e a
capacidade vital expiratória (Expiratory Vital Capacity
[EVC]) representa o máximo volume de ar expirado
até RV partindo da TLC (Bencowitz, 1984).
Tem vindo a verificar-se que em alguns indivíduos a
FVC é menor que a SVC, o que pode dever-se ao facto
da manobra da VC, quando realizada de forma
forçada, poder provocar broncoconstrição e, desta
forma, subvalorizar a mesma. No entanto, quando
este parâmetro funcional é obtido através de uma
manobra não forçada, podem obter-se valores de VC
superiores (Allen, Charlton, Backen, Warwick-Sanders,
e Yeung, 2010). Outro motivo que pode contribuir
para que a SVC seja superior à FVC é o facto de que
quando a manobra é executada de forma lenta existir
uma menor probabilidade da ocorrência de tosse ou
outras intercorrências que levem à interrupção desta
manobra (Allen et al., 2010).
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12
Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada
Estes parâmetros são importantes para a
determinação da presença de obstrução das vias
áreas, uma vez que segundo a ATS/ERS (Pellegrino et
al., 2006) a presença deste tipo de alteração
ventilatória é definida pela diminuição da relação
entre o volume expiratório máximo no primeiro
segundo e a maior capacidade vital (FEV1/VC).
Segundo a ATS/ERS (Pellegrino et al. 2006), em alguns
indivíduos, a manobra da SVC é superior à FVC, pelo
que o primeiro parâmetro, por ser o denominador
maior, é mais apropriado para verificar a existência de
obstrução das vias aéreas e, assim sendo, é
fundamental analisar, para além da relação FEV1/FVC,
também a relação FEV1/SVC. As mesmas sociedades
referem que as duas relações devem ser tidas em
consideração em todos os casos, uma vez que
também em indivíduos sem alterações ventilatórias a
SVC é muitas vezes superior à FVC.
Foi objetivo desta revisão verificar através da análise
da literatura quais as diferenças de volume obtidas
entre a FVC e a SVC e qual a importância destes
parâmetros funcionais respiratórios para a
determinação da presença de obstrução das vias
áreas.
DIFERENÇAS ENTRE A CAPACIDADE VITAL
LENTA E A CAPACIDADE VITAL FORÇADA
Foram encontrados vários estudos que avaliaram as
diferenças entre os vários parâmetros da VC em
diversos tipos de patologia respiratória. Os estudos
apresentados
são
bastante
heterogéneos
relativamente aos seus objetivos e ao tipo de amostra
utilizada, contudo a informação retirada dos mesmos
é apenas aquela que diz respeito à temática que está
a ser abordada nesta revisão da literatura.
O estudo de Reig e van der Mark (1985) teve por
objetivo avaliar as diferenças existentes entre as
várias manobras de VC e incluiu 47 indivíduos que
realizaram provas funcionais respiratórias de rotina.
Os resultados obtidos por estes autores revelaram
que a IVC e a EVC foram superiores à FVC, tendo sido
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as diferenças entre a IVC e a FVC de 206 mL e entre a
EVC e a FVC de 114 mL.
Kawakami, Kishi, Dohsaka, Nishiura e Suzuki (1988)
desenvolveram um estudo cuja amostra foi de 59
indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crónica
(DPOC). Estes indivíduos foram divididos em dois
grupos, o grupo 1 com 43 indivíduos que
sobreviveram a um período de 4 anos e o grupo 2
com 16 indivíduos que morreram durante esse
mesmo período de tempo. Todos os indivíduos
realizaram provas funcionais respiratórias, tendo estas
revelado que o grupo 1 apresentou uma média para a
FVC de 2,05 L e para a VC de 2,30 L; quanto ao grupo
2, os doentes apresentaram para a FVC uma média de
1,77 L e para a VC de 1,92 L. Estes resultados revelam
que, em ambos os grupos, a VC é superior à FVC,
sendo que, no grupo 1, a diferença entre as duas (250
mL) é superior à diferença encontrada no grupo 2
(150 mL).
Bubis, Sigurdson, McCarthy e Anthonisen (1980)
efetuaram uma investigação que incluiu 200
indivíduos com doença pulmonar obstrutiva e que
foram submetidos a testes de função respiratória.
Nesse estudo foi efetuada uma subanálise com
interesse para o tema que se está a estudar. Estes
autores seleionaram 15 indivíduos cuja SVC foi, pelo
menos, 350 mL superior à FVC. Em 11 desses
indivíduos essa diferença não foi devida ao aumento
do tempo expiratório, tendo sido por esse motivo que
foi efetuada uma análise mais profunda nestes
elementos. Estes indivíduos formavam um grupo
heterogéneo em termos de diagnóstico (outras
patologias respiratórias concomitantes) e grau de
gravidade da obstrução.
Através dos resultados obtidos nesse grupo foi
possível concluir que a SVC foi claramente superior à
FVC sendo a média das diferenças entre a SVC e a FVC
de 520 mL. As diferenças entre a SVC e a FVC não
foram atribuídas às diferenças na pré-expiração a
partir de TLC, todavia o RV foi sistematicamente maior
após as manobras de FVC do que após as manobras
de SVC. Verificou-se que, após várias repetições das
manobras respiratórias, a diferença entre ambas as
capacidades vitais variou em alguns doentes, contudo,
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Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada
em nenhum caso essas diferenças foram inferiores a
250 mL.
O estudo de Brusasco, Pellegrino e Rodarte (1997)
incluiu uma amostra de 35 indivíduos com obstrução
crónica das vias aéreas, tendo sido esta dividida em
dois grupos. Os 25 indivíduos incluídos no grupo 1
apresentavam um FEV1 <80% do previsto e os 10
indivíduos do grupo 2 eram indivíduos asmáticos com
bronco-constrição induzida por metacolina.
Neste estudo foram obtidas quatro medidas de VC
através de dois conjuntos diferentes de manobras,
realizadas de forma aleatória. O conjunto de
manobras lentas consistiu numa expiração lenta até
RV, seguida de uma inspiração rápida até TLC – FIVCse
(Forced Inspiratory Vital Capacity slow expiration capacidade vital inspiratória forçada após uma
expiração lenta), e, sem apneia, fazer uma expiração
lenta até RV (correspondendo à EVC). O conjunto de
manobras forçadas consistiu numa expiração forçada
até RV, seguida de uma inspiração rápida até TLC –
FIVCfe (Forced Inspiratory Vital Capacity forced
expiration - capacidade vital inspiratória forçada após
uma expiração forçada), e, sem apneia, fazer uma
expiração forçada até RV (correspondendo à FVC).
No grupo 1, a FVC (3,75±1,03 L) foi o parâmetro de VC
que obteve o menor volume comparativamente à
FIVCfe (3,83±0,98 L) e FIVCse (4,03±0,91 L). Contudo,
no grupo 2, a FVC (4,16±0,94 L) foi significativamente
superior à FIVCfe (3,76±0,81 L), não tendo sido
encontradas diferenças com significado estatístico
relativamente à FIVCse.
O estudo efetuado por Chan e Irvin (1995)
demonstrou a influência da limitação do fluxo aéreo
no colapso das vias áreas e como esse mesmo colapso
pode ser avaliado através da diferença de volume
existente entre as manobras de VC (lenta e forçada).
Através dos valores obtidos para a FVC e SVC
verificou-se que existia uma grande diferença entre
ambas as capacidades (1,2 L) e que esta pode ser
explicada através das características das respetivas
manobras.
manobra da SVC, por esta ser uma manobra não
forçada, há menos compressão intratorácica e, por
conseguinte, um maior volume de ar é passível de ser
mobilizado, enquanto na FVC, por ser uma manobra
forçada, existe uma maior compressão e colapso das
vias aéreas, sendo esse o mecanismo responsável pela
menor capacidade de mobilização do volume de ar
durante a expiração. É por este motivo que a
diferença entre SVC e FVC pode ser utilizada como
índice do colapso das vias áreas.
Cohen et al. (2007) referem no seu artigo que a
diferença entre FVC e SVC (sendo a SVC superior à
FVC) é superior em indivíduos com asma
comparativamente aos indivíduos saudáveis e que,
por essa razão, esta diferença pode ser usada como
índice de colapso das vias aéreas. E
No estudo de Hutchison, Barter e Martelli (1973)
foram estudados 12 indivíduos, seis indivíduos
saudáveis e os outros seis com enfisema pulmonar,
tendo-se verificado que os indivíduos saudáveis
apresentaram valores médios para a FVC, IVC e EVC
muito semelhantes. Este grupo de indivíduos obteve
para a IVC, 5,59 L, para a EVC, 5,61 L e para a FVC,
5,63 L. No grupo dos indivíduos com enfisema
pulmonar, o método que obteve o maior volume foi a
IVC (3,97 L), seguido da EVC (3,91 L) e, por fim, a FVC
(3,48 L). Estes autores concluíram que o método da
FVC pode subestimar a VC em indivíduos com
enfisema grave, quando comparado com a IVC e a
EVC, tendo sido os resultados dos últimos muito
semelhantes.
Podem ser levantadas questões quando à
facilidade/capacidade de execução das manobras de
VC, ou seja, se existe uma maior facilidade na
execução de alguma delas (SVC ou FVC). Um estudo
que se dedicou a esse aspeto, foi o de Allen et al.
(2010) que estudaram 83 indivíduos com uma
diminuição moderada da capacidade cognitiva, e
observou que 38 desses indivíduos conseguiam
realizar ambas as manobras (FVC e SVC), 32 não
conseguiam realizar nenhuma das manobras e 12
apenas conseguiam realizar a manobra de SVC devido
a fraqueza muscular e tosse.
Deste modo, foi possível constatar que durante a
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Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada
Os motivos que levaram à incapacidade de realização
das manobras respiratórias foram o aparecimento de
tosse incontrolável, fraqueza muscular e deficiente
colaboração. A FVC (1,69 L) e SVC (1,68 L) obtidas
foram muito semelhantes entre si, com um
coeficiente de variação muito pequeno.
Esta amostra contava apenas com 14 indivíduos com
obstrução das vias aéreas, o que pode ser uma
possível explicação para não haver diferenças entre a
FVC e a SVC, sendo que no mesmo artigo é feita
referência a outros trabalhos que estudaram
indivíduos mais jovens com DPOC, e que mostraram
que a SVC foi superior à FVC alegando-se, para tal, a
existência de colapso das vias aéreas durante a
expiração forçada.
A IMPORTÂNCIA DA CAPACIDADE VITAL
NA DETERMINAÇÃO DA PRESENÇA DE
OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS
Ao longo dos anos foram estabelecidos pelas diversas
sociedades de referência na área da fisiopatologia
respiratória, vários critérios para a determinação da
presença de obstrução das vias aéreas, através dos
resultados obtidos pelas provas funcionais
respiratórias. Em seguida vão ser apresentados alguns
dos critérios mais frequentemente utilizados na
atualidade.
O projeto Global Initiative for Chronic Obstrutive Lung
Disease (Pauwels, Buist, Calverley, Jenkins, Hurd,
2001) e a British Thoracic Society (1997) definem a
presença de obstrução das vias aéreas quando a
relação FEV1/FVC é inferior a 70% pósbroncodilatador. Segundo a ERS (Siafakas et al., 1995)
a presença deste tipo de alteração ventilatória é
definida pela presença da relação FEV1/VC inferior a
88% do previsto, no género masculino, e inferior a
89%, no género feminino, e para a ATS/ERS (Pellegrino
et al., 2006) o critério apresentado é a redução da
relação FEV1/VC inferior ao 5.º percentil do valor
previsto. Nos dois últimos critérios apresentados, os
autores utilizam como denominador da relação a VC
que, como já foi referido anteriormente, pode ser a
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FVC ou a SVC (IVC ou EVC), sendo utilizado o
parâmetro que tiver um volume superior.
Apenas foram encontrados na literatura consultada
dois estudos que analisaram a influência da VC na
determinação da presença de obstrução das vias
aéreas.
O estudo de Chhabra (1998) analisou em 60
indivíduos asmáticos e 20 indivíduos saudáveis, a FVC,
a EVC e a IVC, tendo constatado que, para os
indivíduos saudáveis, não existiam diferenças
estatisticamente significativas entre os três
parâmetros da VC, no entanto, no grupo dos
asmáticos verificou que a FVC foi estatisticamente
inferior à EVC e à IVC; todavia entre os dois últimos
parâmetros não existiam diferenças. Este autor
verificou que no grupo dos asmáticos as diferenças
entre a FVC e a EVC ou IVC são maiores nos indivíduos
que apresentavam obstrução das vias aéreas de grau
moderado e grave.
Chhabra (1998) estudou as diferenças obtidas entre as
relações FEV1/FVC, FEV1/EVC e FEV1/IVC, tendo
verificado que nos indivíduos saudáveis e nos
indivíduos com obstrução de grau ligeiro não existiam
diferenças estatisticamente significativas entre as três
relações calculadas. Porém, nos indivíduos com
obstrução moderada e grave, as relações
apresentaram
diferenças
estatisticamente
significativas nomeadamente, a relação FEV1/IVC foi
aquela que obteve valores inferiores, seguindo-se a
relação FEV1/EVC e, por último, a relação FEV1/FVC.
Tendo em conta os resultados obtidos, este autor
concluiu que para a deteção da presença de
obstrução das vias aéreas deve ser tida em conta a
relação FEV1/EVC ou FEV1/IVC (IVC e EVC foram os
parâmetros da VC que obtiveram um volume superior
e não a FVC), porque foram estas que obtiveram
valores mais baixos, devido à presença de um
denominador superior, permitindo assim aumentar a
sensibilidade da espirometria para a verificação da
existência deste tipo de alteração ventilatória.
Rasheed, Vasudevan, Shahzad, Arjomand, Reminick
apresentaram em outubro de 2011 um póster
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Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada
(resumo publicado na Chest em 2011) intitulado
"Underdiagnosis of Obstructive Airways Disease by
Spirometry", em que estudaram a prevalência de
falsos negativos relativamente à presença de
obstrução das vias aéreas quando utilizada a relação
FEV1/FVC ou FEV1/SVC (dois métodos).
A amostra foi constituída por 416 indivíduos, tendo
sido criados grupos de acordo com a patologia
respiratória subjacente: o grupo 1 foi constituído por
185 asmáticos e o grupo 2 por 231 indivíduos com
DPOC. Os resultados deste estudo revelaram que no
grupo dos asmáticos ocorreu discordância entre os
dois métodos em 22% dos indivíduos e que no grupo
com DPOC esse valor foi de 13%; na totalidade da
amostra o valor da discordância foi de 17%.
Neste estudo, a relação FEV1/FVC estava falsamente
normal em 17% dos indivíduos com patologia
respiratória obstrutiva conhecida, no entanto esses
doentes foram corretamente caracterizados como
obstrutivos através da relação FEV1/SVC. Pelo que
Rasheed et al. (2011) alertam para a necessidade de
em doentes com suspeita de obstrução das vias
aéreas se efetuar a determinação dos volumes
pulmonares estáticos (SVC) para o cálculo da relação
FEV1/SVC, e, desta forma, evitar os erros de
diagnóstico que levam à não instituição das medidas
terapêuticas necessárias.
A necessidade de utilizar a relação FEV1/VC é detetada
por Chhabra (1998) e Rasheed et al. (2011) contudo,
nos trabalhos abordados no capítulo anterior,
nomeadamente nos artigos de Kawakami et al.
(1988), Bubis et al. (1980), Reig e van der Mark
(1985), Chan e Irvin (1995) e Hutchison et al. (1973)
também se verificou que a SVC (EVC e IVC) é superior
à FVC, o que indiretamente alerta para a necessidade
de se utilizar como VC o parâmetro em que se obteve
o volume superior, para que, desta forma, não se
caracterize erradamente os doentes com obstrução
das vias aéreas como normais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta revisão de literatura foi possível verificar
que existem diferenças com significado estatístico
entre os vários parâmetros da VC, sendo que na
maioria dos artigos as manobras efetuadas de forma
não forçada (EVC e IVC) apresentaram volumes
superiores à manobra efetuada de forma forçada
(FVC).
Estes resultados alertam para a necessidade de
utilizar a relação FEV1/SVC para a determinação da
presença de obstrução das vias aéreas, de forma a
aumentar a sensibilidade das provas funcionais
respiratórias no diagnóstico deste tipo de alteração
ventilatória.
Pelos motivos acima referidos, torna-se importante,
no contexto da realização de provas funcionais
respiratórias, a realização de uma curva volumetempo que permita determinar a VC de forma não
forçada. Só desta forma se evita a subvalorização da
VC nas manobras forçadas, e se minora o aspeto da
broncoconstrição,
que
posteriormente
pode
condicionar a classificação do padrão ventilatório.
Foram encontrados poucos estudos que tenham
analisado a influência dos vários parâmetros da VC na
determinação da presença de obstrução das vias
aéreas, pelo que é necessário a realização de mais
estudos que permitam decidir qual a melhor
abordagem consoante o tipo de patologia respiratória
subjacente.
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volume histories. European Respiratory Journal, 10(6), 1316–1320.
Bubis, Sigurdson, McCarthy, e Anthonisen (1980). Differences
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Vol.5 Março 2013
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Vol.5 – Março 2013
Artigo de Revisão de Literatura
Treino de força para um envelhecimento ativo
Strength training for active aging
Rita Lorenzo Pereira1*, Ricardo Pedro1
1
Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa.
Em ano de Envelhecimento Ativo, está comprovado, através de dados estatísticos, que a esperança média de vida da
população portuguesa está a atingir valores elevados. Deste modo, este artigo tem em vista salientar o modo como o
fisioterapeuta pode atuar na população idosa, numa perspetiva, essencialmente, de promoção da saúde através do
treino de força. Desta forma, pretende-se, com a realização deste artigo, abordar os benefícios que o treino de força
imprime na população idosa e de que género, estes mesmos benefícios se projetam num conceito de
envelhecimento ativo e promoção da saúde, visando a qualidade de vida desta população. Assim sendo, para a
formulação deste artigo científico, foi necessário a pesquisa em várias bases referenciais e bases de dados como a
B-on e a PubMed. Este trabalho encontra-se no grau I de evidência, onde se pretende descrever e referir resultados
que visem a temática abordada. Por fim, os resultados apresentados demonstram que, efetivamente, o treino de
força tem contributos significativos para a população idosa e que estes efeitos têm um contributo relevante para um
conceito de envelhecimento ativo, promoção da saúde e qualidade de vida. Apesar deste balanço positivo, mais
estudos devem ser feitos neste âmbito de modo a demonstrar e comprovar cientificamente a interdependência,
neste caso, do treino de força muscular, envelhecimento ativo e a relevância da fisioterapia, na população idosa.
In the year of Active Aging, statistics is proving that the average life expectancy of the Portuguese population is
reaching high levels. Therefore, this article aims to highlight how the physiotherapist can act on the elderly, essentially
by promoting health through strength training. The goal of this article is to address the benefits that strength training
has in the elderly and how these benefits are reflected on a concept of active aging and health promotion for a better
quality of life of this population. Search was performed on several databases, namely B-on and PubMed. This work is in
level I evidence, which aims to describe and report the results related to this subject. Finally, the results show that,
effectively, strength training has made significant contributions to the aging population and that these effects have
Treino de força para um envelhecimento ativo
relevant contribution to a concept of active aging, health promotion and quality of life. Despite this positive outcome,
further studies should be performed to demonstrate and scientifically prove the interdependence, in this case, between
muscular strength training, active aging and the importance of the physiotherapy intervention in the elderly.
PALAVRAS-CHAVE: Fisioterapia; treino de Força; envelhecimento; envelhecimento ativo; promoção da saúde.
KEY WORDS: Physiotherapy; strength training; aging; active aging; health promotion.
Submetido em 12 outubro 2012; Aceite em 12 fevereiro 2013; Publicado em 31 março 2013.
* Correspondência: Rita Lorenzo Pereira. Email: [email protected]
INTRODUÇÃO
Envelhecimento
O envelhecimento é um processo que decorre ao
longo de uma vida variando a sua velocidade e
severidade de indivíduo para indivíduo. Existem várias
definições que o classificam como um processo
dinâmico, progressivo, fisiológico e diferencial,
evolutivo e inalterável que é próprio de todos os seres
vivos (Lopes, Costa, Santos, Castro e Bastone, 2009;
Cancela, 2008; Custardoy, s.d.; Silva e Oliveira, 2008;
Robert, 1995).
O envelhecimento abrange um sem número de
fatores que levam a alteração das funções orgânicas e,
consequentemente mentais, devido aos efeitos da
idade avançada no organismo (Cancela, 2008;
Montenegro, 2006; Silva e Oliveira, 2008). Por
conseguinte, existem alterações, em vários
níveis/sistemas, que são inerentes ao envelhecimento
(Seeley, Stephens e Tate, 2007). A nível
antropométrico dá-se uma diminuição dos discos
intervertebrais, da densidade óssea, massa corporal e
muscular, aumentando a concentração de gorduras
relativamente à altura (Cancela, 2008; Silva e Oliveira,
2008; Ribeiro, Medeiros, Pinto e Corrêa, 2003). No
sistema circulatório, temos a diminuição do fluxo
sanguíneo ao cérebro, fígado e rins, o que levará a
Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP
uma redução da capacidade da tolerância à glicose,
de eliminação de toxinas e metabolização de
medicamentos, o que é um fator importante nesta
faixa etária (Cancela, 2008; Seeley et al., 2007; Lerma,
2009). A frequência cardíaca máxima diminui, bem
como o débito cardíaco máximo (Cancela, 2008;
Seeley et al., 2007). Normalmente o sangue deixa de
circular tão intensamente na periferia centrando-se
mais nos órgãos nobres/centro do corpo (Cancela,
2008; Seeley et al., 2007; Zeleznik, 2003).
Com as alterações cardiovasculares que existem, há
uma maior fadiga muscular e uma menor capacidade
de hipertrofia (Silva, Frisoli Júnior, Pinheiro e
Szejnfeld, 2006; Seeley et al., 2007). Pelo aumento da
rigidez cartilaginosa, dos tendões e ligamentos, a
flexibilidade e a mobilidade articular ficam
restringidas (Cancela, 2008; Faulkner, Larkin, Claflin e
Brooks, 2007; Silva et al., 2006). A nível neural,
sucede uma diminuição do número e tamanho dos
neurónios, bem como uma redução da velocidade de
condução nervosa nos mesmos (Seeley et al., 2007;
Masud e Morris, 2001). O aumento do tecido
conectivo nos neurónios dificulta a velocidade de
transmissão do impulso nervoso assim como da
velocidade dos movimentos (Cancela, 2008; Ribeiro et
al., 2003; Faulkner et al., 2007). Destas alterações
existentes no tecido nervoso ocorre uma diminuição
do fluxo sanguíneo cerebral (Masud e Morris, 2001;
Silva et al., 2006). Estas alterações podem também
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19
Treino de força para um envelhecimento ativo
estar a afetar e/ou alterar outras valências motoras,
como a agilidade e/ou a coordenação motora, que
têm implicações na marcha e postura, sendo a
postura de anteriorização a mais adotada, origem de
muitos dos desequilíbrios (Cancela, 2008; Faulkner et
al., 2007; Seeley et al., 2007; Masud e Morris, 2001).
Relativamente ao sistema imunitário, este fica
deprimido, conduzindo a uma baixa eficácia celular
no combate às infeções com diminuição da sua
capacidade regenerativa (Montenegro, 2006; Silva e
Oliveira, 2008; Ribeiro et al. 2003; Pinho, Almeida,
Palma, Moniz, Gomes da Silva, 2006).
Existe também um declínio da função, principalmente
a nível percetivo (Seeley et al., 2007). As capacidades
sensoriais diminuem ao longo do processo de
envelhecimento sendo menor a nível propriocetivo e
maior a nível auditivo, visual e de reações de
equilíbrio (Cancela, 2008; Park, O’Connell e Thomson,
2003). Este tipo de défices pode levar muitas vezes a
acontecimentos de quedas recorrentes, por exemplo,
que conduzem a problemas graves a nível físico
(fraturas),
psicológico
(depressão)
e,
consequentemente, social - isolamento (Cancela,
2008). As alterações intelectuais e sensoriais, por
diminuição da substância branca, estão relacionadas
com a lentificação do Sistema Nervoso Central e com
a redução do processamento cerebral, que pode
afetar algumas atividades, como andar ou manter o
equilíbrio, porque a facilidade de processar a
informação diminui e a probabilidade de haver um
excesso desse processamento aumenta e torna as
tarefas menos automáticas, recrutando mais o
consciente para executar tais atividades (Cancela,
2008; Seeley et al., 2007; Park, et al., 2003).
Todos estes processos e fatores apontados são
predisponentes para que exista um aumento do
número de doenças associadas ao envelhecimento,
destacando-se as doenças crónicas (Cancela, 2008).
Apesar disso, o que é mais prejudicial é o desuso do
corpo e das suas funções fisiológicas, que levam à
imobilidade e má adaptação (Montenegro, 2006). Isto
irá conduzir a um aumento da incapacidade de
realizar simples atividades diárias, que, por sua vez,
levam a uma diminuição da qualidade de vida em
todos os aspetos bio-psico-sociais (Montenegro, 2006;
Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP
Martins, 2003).
Envelhecimento ativo
Se se quer que o envelhecimento seja visto e
encarado de uma forma positiva, este também deve
ser acompanhado de oportunidades contínuas de
saúde e segurança que permitam uma maior
participação do indivíduo no meio onde está inserido
(World Health Organization [WHO], 2002). A partir
desta premissa, a Organização Mundial de Saúde
adotou o conceito de “Envelhecimento Ativo”, no final
dos anos 90 do século XX. Para que se consiga
“aplicar” este conceito, é preciso que o próprio idoso
seja capaz de conseguir encarar este patamar, que é o
envelhecimento, como mais uma etapa de
transformação na sua vida, que ocorre a todos os
níveis: físico, psicológico e social. Deste modo, o idoso
conseguirá ver o envelhecimento como mais um ciclo
na vida pelo qual está a passar, e verificar que este
deve ser vivido como todos os outros, de forma a
enfrentá-lo positivamente (WHO, 2002; Netto, 2002;
Nguyen, s.d.; Fries, 2012; Hessel, 2008).
Assim sendo, a definição de envelhecimento ativo não
passa de um processo de otimização das
oportunidades de saúde e segurança, promovendo a
participação, com o objetivo de melhorar a qualidade
de vida à medida que se vai envelhecendo, através da
prática de exercício. Daí que este conceito seja, de
certa forma, considerado como mais uma resposta,
para combater e retardar os efeitos do
envelhecimento (WHO, 2002).
A palavra “ativo” não se refere apenas a uma boa
função do fator físico ou da sua capacidade/aptidão,
mas sim, a uma participação contínua na sociedade e
todas as questões que esta engloba, sendo elas
sociais, económicas, culturais, espirituais e civis
(WHO, 2002; Assis, 2005; Fries, 2012). O facto de
estar reformado, padecer de alguma patologia ou ter
algum tipo de limitação não quer dizer que não possa
continuar a contribuir ativamente, para a sua
comunidade e/ou país, juntamente com os seus
familiares e amigos (WHO, 2002; Fries, 2012; Lizana,
in press; Hessel, 2008).
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Treino de força para um envelhecimento ativo
O objetivo, neste tipo de envelhecimento, é aumentar
a expectativa de uma vida saudável e a qualidade de
vida dos indivíduos que vão envelhecendo, mesmo
aqueles fisicamente incapacitados e/ou que requerem
outros tipos de cuidados (WHO, 2002). Assim, o que
este conceito pretende transmitir é uma mensagem
mais abrangente, considerando a participação ativa
na vida do idoso, mesmo que limitado pelo espaço
circundante, não se restringindo ao facto de não
haver possibilidade de se manter fisicamente ativo,
por exemplo, apesar do idoso movimentar-se com
recurso a uma cadeira de rodas não quer dizer que
não possa praticar exercício ou manter-se estimulado
(Kalache, Aboderin e Hoskins, 2002; Lizana, in press).
É reconhecida, por isso, a influência de vários fatores
determinantes para um envelhecimento ativo, sendo
eles, económicos, comportamentais, pessoais (do
próprio individuo e familiares) e ambientais (físico,
social e de saúde) que são, contudo, influenciados
pelo género e cultura em que o indivíduo está
inserido (WHO, 2002; Assis, 2005; Kalache et al.,
2002). As políticas adotadas para ir ao encontro deste
tipo de envelhecimento, devem ser articuladas de
modo a ter em conta estes fatores determinantes de
maneira a explorá-los da melhor forma possível
(WHO, 2002; Assis, 2005; Kalache et al., 2002; Lizana,
in press; Paúl e Fonseca, 2005).
Assim, o objetivo do presente artigo centra-se no
contributo e nos benefícios que o treino de força tem
na população idosa em prol do conceito de
Envelhecimento Ativo. Isto porque a população idosa
em Portugal está a ficar cada vez mais envelhecida e o
fisioterapeuta como profissional de saúde, tem a
capacidade e as ferramentas necessárias para intervir
como promotor da saúde na população idosa para
contribuir para uma melhor qualidade de vida dos
atuais e futuros idosos (Alto Comissariado da Saúde,
2009; Cancela, 2008; Instituto Nacional de Estatística,
2011; Ministério da Saúde, 2004).
METODOLOGIA
Assim, para a execução do presente artigo, a pesquisa
centrou-se em várias bases referenciais e editoras,
Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP
entre estas, a B-on, a PubMed, a Springer Link e a
PEDro. Entre as palavras-chaves usadas para a
pesquisa bem como binómios e trinómios entre elas,
as selecionadas foram: Active Aging, Strength
Training, Elderly People, Old People, Physical
Theraphy, Physiotherapy, bem como o seu
equivalente em português. Em termos de critérios de
inclusão, foram tidos em conta trabalhos de
fortalecimento muscular em idosos; trabalhos que
contemplassem o estudo da força em idosos com
idade igual ou superior a 60 anos; trabalhos que
demonstrassem resultados acerca dos benefícios/
alterações do treino de força em idosos e trabalhos
que abordassem o envelhecimento ativo. Em relação
a critérios de exclusão foram descartados trabalhos
que abordavam a correlação entre idosos e jovens;
trabalhos que abordavam a relação entre pessoas de
meia-idade e idosos; trabalhos levados a cabo em
idosos institucionalizados e, por fim, trabalhos que
relacionavam o treino de força com uma patologia
específica.
Foi utilizada bibliografia sobre o treino de força e
consequente programa de treino, a qual está
esquematizada na Tabela 1 para uma melhor
interpretação da análise seguinte.
ANÁLISE DA PESQUISA
A diminuição da força muscular relacionada com a
idade está mais ligada ao desuso muscular por se
estar menos ativo, quando se envelhece, do que
propriamente apenas aos fatores do envelhecimento
em si (Doherty, 2003). Esta diminuição da força e da
massa muscular irá levar a uma maior dificuldade na
realização de atividade física e exercício físico, que
será mais exigente (Silva et al., 2006). A dificuldade
sentida irá levar a um aumento do sedentarismo e
respetivas consequências (Silva et al., 2006). Esta
perda de massa muscular levará a uma perda da
função mecânica, não querendo isto dizer que a
mesma não possa ser recuperada e/ou mantida
(Mayer, et al., 2011). Os estudos referem que, com o
treino de força, é possível que isso aconteça, mas
infelizmente apenas poucos idosos têm este tipo de
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Treino de força para um envelhecimento ativo
prática (Mayer et al., 2011).
As implicações que um treino de força pode ter,
abrangem
várias
componentes:
muscular,
neurológica, aeróbia, metabólica e funcional. A nível
de adaptação muscular ocorre um aumento da
produção de força estática e dinâmica. A adaptação a
nível da força é visível após alguns dias de treino
sendo que esta observação coincide com a de vários
estudos realizados, algo vagos, que sugerem uma
adaptação também a nível neural, que é
independente
das
variações
que
ocorrem
perifericamente a nível muscular. Apesar destas
alterações neurais serem algo vagas, existe evidência
de uma forma indireta, através do cruzamento de
dados que, de certo modo, apoiam esta hipótese
(Frontera e Bigard, 2002).
TREINO DE FORÇA E A FISIOTERAPIA
Este treino é feito pelo fisioterapeuta através de um
programa de exercícios, específicos para cada área do
corpo, onde a carga pode ser feita através de várias
formas, por meio de equipamentos, pesos livres,
bandas elásticas ou até mesmo, o peso do próprio
corpo (Frontera e Bigard, 2002; Mayer et al., 2011;
Department of Health, 2000). Este trabalho inclui
uma parte excêntrica e tal ação poderá
eventualmente induzir micro-danos musculares,
sendo importante referir que estudos demonstram
que as mulheres idosas têm uma maior probabilidade
para que esse fenómeno ocorra do que os homens
(Reeves, Narici e Maganaris, 2004; Hunter, et al.,
2001).
Do ponto de vista prático, é importante saber se as
adaptações fisiológicas do treino de força têm
resultados na aplicabilidade do dia-a-dia dos idosos,
que resulte num aumento da capacidade funcional.
Os resultados que se têm obtido, mostram que, após
o treino em idosos, tanto homens como mulheres, é
denotada uma melhoria na marcha, na sua cadência,
velocidade e em atividades funcionais como o
subir/descer escadas, porque o treino pode aumentar
a força que é produzida pelo músculo assim como
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combater
a
sua
fraqueza
associada
ao
envelhecimento (Frontera e Bigard, 2002; Mayer et
al., 2011; Fernandes, 2007). Se a perda de força
muscular é inversamente proporcional ao aumento
da idade, o mesmo não implica que esta perda não
possa ser constante, sendo possível aos idosos
manterem uma independência funcional, sem existir
um declínio abrupto da função muscular e de
qualidade de movimento (Mayer et al., 2011;
Fernandes, 2007).
Séries de treino
Estudos demonstram que o treino de força na
atividade física tem efeitos positivos no individuo
idoso, tanto a nível da mobilidade como da
mortalidade (Department of Health, 2000; Alfieri, et
al.,2010; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin,
2002; Reeves et al., 2004). Os programas de treino
encontrados, variam em termos de séries, repetições
e carga, bem como duração e frequência. De uma
forma mais sistemática e relativamente às séries, para
Alfieri et al. (2010), a escolha de três séries tem em
conta os benefícios do treino aliado aos exercícios que
são realizados e alteração das superfícies de apoio.
Outro autor relata que, para se obterem e não se
perderem os ganhos obtidos pelo treino, numa
primeira fase, as séries devem ser de pelo menos duas
a três (Department of Health, 2000). Para Frontera e
Bigard (2002), parte da sua justificação coincide com a
afirmação anterior mas revela que, numa fase inicial,
pode ir-se até seis séries para cada grupo muscular.
Nied e Franklin (2002) optam por referir que apenas
uma série, com um elevado número de repetições,
numa variada gama de exercícios, tendo em conta
objetivos específicos para o individuo, traz benefícios.
Por fim, Reeves et al. (2004) referem que o número de
séries escolhido, cinco, tem como critério os grupos
musculares.
Repetições e carga
Relativamente ao número de repetições referidas
pelos autores, quase todos estão de acordo que este
deve ser igual ou superior a oito, alguns optando por
iniciar com dez (Alfieri et al., 2010; Nied e Franklin,
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Treino de força para um envelhecimento ativo
2002; Department of Health, 2000; Reeves et al.,
2004; Mayer et al., 2011). Apenas um estudo, o de
Frontera e Bigard (2002), referiu como número inicial
possível, cinco repetições, afirmando que apenas com
este número, se conseguir obter ganhos
conjuntamente com outros parâmetros, como a carga
e as séries. Ainda neste ponto, todos referem como
repetições máximas 15, tendo em vista a fadiga do
músculo e do indivíduo (Alfieri et al., 2010; Nied e
Franklin, 2002; Department of Health, 2000; Reeves
et al., 2004; Frontera e Bigard, 2002; Mayer et al.,
2011). Também em relação à carga, os autores são
unânimes. O tipo de carga, que estes referem que
deve ser utilizada, está dentro dos parâmetros de
carga moderada a submáxima, que varia entre os
valores de 50% a 80% de uma Repetição Máxima (RM)
da capacidade do total do indivíduo (Alfieri et al.,
2010; Nied e Franklin, 2002; Department of Health,
2000; Reeves et al., 2004; Frontera e Bigard, 2002;
Mayer et al., 2011; Baker, Atlantis e Fiatarone, 2007).
Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e
Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Department of
Health, 2000; Reeves et al., 2004). Apesar disso, a
modalidade defendida entre os estudos foi a de se
realizar o treino três vezes, de modo a existir um dia
de intervalo destinado ao repouso para que a perda
dos ganhos não fosse tão evidente e se conseguissem
ver resultados mais prontamente (Mayer et al., 2011;
Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard,
2002; Nied e Franklin, 2002; Department of Health,
2000; Reeves et al., 2004). A modalidade de ser feita
até cinco vezes por semana referida por Frontera e
Bigard (2002), é, de certo modo, executada na
premissa da baixa atividade de exercícios que pode
ser imprimida por dia e que é compensada com uma
maior periodicidade.
Duração
Assim, de um modo geral, pela pesquisa efetuada, o
treino pode variar entre duas a seis séries, com
repetições de oito a 15, variando a carga dos 50% aos
80% de uma RM, mostrando que, apenas 20-45
minutos de treino, duas a cinco vezes por semana, são
benéficos. Em termos de frequência cardíaca (FC),
esta pode variar entre os 50% e os 85% da FC máxima
esperada para a idade do utente (Mayer et al., 2011;
Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard,
2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010;
Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004).
Apesar das discrepâncias de números, todos
defendem um trabalho progressivo e ajustado ao
indivíduo de todos os parâmetros acima referidos, ao
longo do tempo (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007;
Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e
Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Department of
Health, 2000; Reeves et al., 2004). Devem ser
trabalhados todos os grupos musculares, onde o
exercício deve ser executado lentamente e durante
toda a amplitude de movimento, evitando a retenção
do ar na caixa torácica (Mayer et al., 2011; Fernandes,
2007; Department of Health, 2000). Um treino
muscular progressivo requer instruções precisas
acerca da carga externa e de acordo com a
intensidade que o individuo possa tolerar inicialmente
Em relação à duração que deve ter o treino, quase
todos revelam que este deve ser igual ou superior a
30 minutos até ao máximo de 45 minutos (Mayer et
al., 2011; Nied e Franklin, 2002; Fernandes, 2007). Isto
porque só após esse período de atividade com o
respetivo descanso é que se consegue ter os
benefícios pretendidos (Mayer et al. 2011; Nied e
Franklin, 2002). O facto de ser colocado um “tempo
máximo” por Fernandes (2007) reside, não só no tipo
de população em questão e na sobrecarga das
estruturas, como também, na fadiga muscular
existente da atividade. Apenas um autor referiu que
com um tempo mínimo, de 20 minutos de atividade,
se pode ter benefícios, dependendo do tipo de treino
e exercícios em que este consiste e como é executado
(Mayer et al., 2011).
Periodicidade
No que diz respeito à periodicidade inicial, todos os
estudos utilizados são concordantes que esta deve ser
igual ou superior a duas vezes por semana para que
se consigam obter benefícios (Mayer et al., 2011;
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VARIAÇÕES DE TREINO
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Treino de força para um envelhecimento ativo
e ajustada ao longo do tempo (Department of Health,
2000; Mayer et al., 2011). Mesmo num programa de
treino direcionado para a força não se deve descurar
a parte do treino aeróbio (Wood et al., 2001). Estudos
apontam que o treino de força isolado é menos
efetivo, do que se complementado com outros tipos
de treino multimodais, onde estão incluídas várias
componentes como o treino de equilíbrio, destreza e
flexibilidade (Hausdorff et al., 2001; Mayer et al.,
2011; Alfieri et al., 2010; Baker et al., 2007;
Fernandes, 2007). Estudos levados a cabo por
Brandon et al., (2000) e Hruda et al., (2003)
demonstram melhorias a nível da força após 10
semanas de treino, bem como uma melhoria
significativa
das
capacidades
motoras
e
sensoriomotoras (Fernandes, 2007; Hausdorff et al.,
2001). Este treino aumenta o controlo postural, a
força muscular e diminui os riscos de doenças
cardiovasculares, cancro, diabetes e osteoporose,
doenças que acometem esta faixa etária (Mayer et al.,
2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e
Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al.,
2010; Hausdorff et al., 2001; Department of Health,
2000; Reeves et al., 2004; Silva et al., 2006; Wood et
al., 2001).
Estando a falar-se de uma população com bastantes
co morbilidades poderão existir contraindicações ou
efeitos secundários adversos, sendo os mais comuns
problemas músculo-esqueléticos, para além das
micro-ruturas (Reeves et al., 2004; Hunter et al.,
2001). Apesar deste fator, vários estudos indicam que
este tipo de efeitos adversos tem uma baixa
percentagem se o treino for adaptado ao utente e
adequado ao objetivo que se pretende (Mayer et al.,
2011; Hausdorff et al., 2001). Atividades da vida
diária, que nas pessoas idosas usualmente são
acompanhadas de inatividade física e insuficiente
capacidade de aguentar o peso, não são suficientes
como treino de estimulação para os músculos. Os
idosos que não têm ou não fazem um treino
adicional, vão perdendo força muscular generalizada
de forma desproporcional (Mayer et al., 2011;
Hausdorff et al., 2001; Carvalho et al., 2004).
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BENEFÍCIOS DO TREINO DE FORÇA
Revelam os dados estatísticos que, em 2050, grande
parte da população irá ter idade acima dos 60 anos e
que a idade da reforma possivelmente irá atingir os
67 anos. Por isso, manter a capacidade de um
indivíduo trabalhar para se sustentar, ser
independente e autossuficiente na sua vida diária e
nos momentos de lazer, será extremamente
importante. Isto para que numa sociedade cada vez
mais sedentária e comodista, sem hábitos de
atividade e/ou exercício físico, a qualidade de vida em
idades mais avançadas se mantenha ou não se
deteriore (Mayer et al., 2011; Sousa, Galante e
Figueiredo, 2003).
O treino de força é uma das formas de colmatar essa
falha no futuro. Este tipo de treino bastante completo
atua a vários níveis: cardiovascular, metabólico,
músculo-esquelético e psicológico, preenchendo de
certo modo todos os campos que o indivíduo idoso
precisa, para imprimir alguma atividade física e
manter uma qualidade de vida satisfatória (Mayer et
al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007;
Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri
et al., 2010; Department of Health, 2000; Reeves et
al., 2004). Sabe-se que, dependendo do modo como o
exercício é executado, este contribui para a
transferência de força de músculo na execução das
atividades do dia-a-dia (Sousa et al., 2003). A prática
deste tipo de treino numa idade avançada, deve ter
em conta o aumento da intensidade da carga e a
sobrecarga que poderá gerar nas estruturas ativas e
passivas de uma forma generalizada (Mayer et al.,
2011; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002).
Estudos feitos por Steib et al. (2010) referenciados
por Mayer e seus colaboradores (2011) revelaram
que existe uma melhoria notável da capacidade de
produção de força com uma interdependência da
intensidade da carga de treino. Treinos de alta
intensidade despoletam maior produção de força do
que um treino de média e baixa intensidade, mas
estas também estão relacionadas com a duração e
frequência do treino (Wood et al., 2001). Outro
estudo desenvolvido por Garry et al. (1998)
referenciado por Peterson, Rhea, Sen e Gordon
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Treino de força para um envelhecimento ativo
(2010), tendo como objetivo comparar um treino de
alta resistência, de três vezes por semana a 80% de
um 1RM, com um treino de resistência variável com a
mesma periodicidade, mas com 50%, 65% e 80% de
um 1RM, tem como resultado, a inexistência de
diferença entre os dois tipos de treino, ambos tendo
ganhos iguais.
Há que não esquecer que o treino de força muscular
é/está intrínseco à prática de exercício/atividade
física (Caeiro e Gomes da Silva, 2008; U. S.
Department of Health and Human Services, 2008).
Para que se vejam resultados, esta atividade física é
recomendada pelo menos duas a três vezes por
semana durante um mínimo de 15 minutos de
duração com um tipo de programa clássico de treino
consistindo em três ou quatro séries de dez
repetições por grupo muscular, com períodos de
descanso de dois a três minutos entre séries, a uma
intensidade de 80% de 1 RM, durante 8-12 semanas
(Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al.,
2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002;
Alfieri et al., 2010; Department of Health, 2000;
Reeves et al., 2004). A FC, dependendo do objetivo e
das co morbilidades, pode ser ligeira (50%-65%),
moderada (65%-85%) ou máxima (> 85%), sendo a
moderada a tipologia mais frequente e se não
existirem contraindicações (Wood et al., 2001; U. S.
Department of Health and Human Services, 2008;
Carvalho et al., 2004).
Deste modo, o músculo vai progressivamente
ganhando força e a intensidade do exercício deve ser
adaptada de forma a melhorar a força muscular após
seis a oito semanas. Isto mantem um estimulo
adequado ao músculo ao longo do tempo, fazendo
com que a perda dos ganhos seja menos notada.
Além disso, o objetivo do treino de força é aumentar
a aquisição, frequência e sincronização das unidades
motoras, que com a tal periodicidade é mantida e
posteriormente aumentada. Dependendo do tipo de
tarefa que o exercício tenha como objetivo, pode
assumir-se que a força irá ser desenvolvida de acordo
com a situação específica e com a contribuição de
diferentes grupos musculares (Mayer et al., 2011).
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A partir deste ponto tem-se que um dos problemas
que mais acomete a população idosa são as quedas
ou o risco de queda frequente (American Geriatrics
Society, British Geriatrics Society, American Academy
of Orthopaedic Surgeons Panel on Falls Prevention,
2001). Este risco está associado não só a um alto nível
de mortalidade como de morbilidade nesta
população, a uma redução da função e/ou a uma
consequente prematuridade de dependência de
outrem (Caeiro e Gomes da Silva, 2008; Pinho et al.,
2006). As quedas geralmente resultam de um
conjunto de diversos e múltiplos fatores, como
fraqueza muscular, histórico de quedas, alterações de
equilíbrio, e situações que podem ser corrigidas,
sejam elas ambientais ou comportamentais (Ozcan,
Donat, Gelecek, Ozdirenc e Karadibak, 2005; Alves
Júnior e Paula, 2008).
A falta de força muscular aliada à falta de exercício
físico praticado por esta população tem uma carga
elevada no declínio funcional (Caeiro e Gomes da
Silva, 2008; Pinho et al., 2006). A evidência comprova
a ideia de que a atividade e/ou o exercício físico
melhoram vários fatores do indivíduo (Mayer et al.,
2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e
Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al.,
2010; Department of Health, 2000; Reeves et al.,
2004). Com base na pesquisa realizada, as adaptações
musculares são aquelas que mais se destacam com o
treino de força (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007;
Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e
Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Reeves et al., 2004;
Doherty, 2003; Hausdorff et al., 2001; Hunter et al.,
2001). A par destas adaptações, alguns autores
relatam que devem existir em simultâneo adaptações
neurológicas para um melhor recrutamento e ativação
muscular que irão estar implícitas na melhoria do
equilíbrio e coordenação (Mayer et al., 2011;
Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard,
2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010;
Reeves et al., 2004; Doherty, 2003; Hausdorff et al.,
2001; Hunter et al., 2001). Ao longo de uma prática
regular, o corpo tende a ajustar as suas necessidades
vasculares e metabólicas despendendo menor energia
para uma mesma quantidade de trabalho, levando a
que haja um ajuste no sentido da melhoria
cardiovascular e metabólica (Mayer et al., 2011;
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Treino de força para um envelhecimento ativo
Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard,
2002; Nied e Franklin, 2002; Doherty, 2003). Os
autores defendem que o conjunto de todas estas
alterações, têm repercussões a nível da execução de
Atividades da Vida Diária (AVD) e do risco de queda e
podem ser melhorados (Mayer et al., 2011;
Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard,
2002; Alfieri et al., 2010; Hausdorff et al., 2001;
Hunter et al., 2001). Bean et al. (2004) e Motl et al.
(2005), citados por Caeiro e Gomes da Silva (2008),
também referem que outros aspetos como a
cognição, a depressão e a interação social sã.
TREINO DE FORÇA E O ENVELHECIMENTO
ATIVO
Estes resultados levam-nos ao conceito de
Envelhecimento Ativo. O que se pretende com este
conceito é exatamente o que foi referido
anteriormente, que é ter uma maneira de estar
perante a saúde e a vida que permita uma
independência, qualidade de vida e expectativa de
uma vida saudável na velhice (WHO, 2002;
Organização Mundial da Saúde e Direção-Geral da
Saúde, 2004). Essa independência está relacionada
com a capacidade de poder tomar decisões
consoante a sua preferência e, para as executar,
requer nenhum ou pouco auxílio de outrem nas suas
atividades diárias (WHO, 2002). Temos assim uma
perceção bio-psico-social, onde a autonomia e
independência remetem para a qualidade de vida,
para a expectativa de uma vida saudável, livre de
incapacidades permitindo a uma população saber o
tempo que vai ou poderá viver sem ter que necessitar
de outros cuidados especiais (Organização Mundial da
Saúde e Direção-Geral da Saúde, 2004; Torres e
Marques, 2008).
A prática de uma atividade física, moderada e regular
pode retardar o declínio da funcionalidade e poderá
reduzir as probabilidades de aparecimento dos
primeiros sintomas de doenças crónicas (Partnership
for Prevention, 2001; Carvalho et al., 2004; Howley,
2001). Além disso, contribui não só a nível fisiológico
mas também psicológico permitindo a manutenção
Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP
da tal independência por um maior período de tempo
(Partnership for Prevention, 2001). Este tipo de
prática também tem benefícios a nível económico,
porque os custos médicos serão bastante mais
reduzidos se este tipo de população se mantiver ativa
e sem problemas de saúde que possam ser evitados,
prevenidos ou até mesmo retardados (WHO, 1998;
Partnership for Prevention, 2001).
Intervenção da Fisioterapia
Alguns estudos demonstram que, para se intervir
neste tipo de população, deve criar-se um plano de
intervenção a dar ênfase na manutenção e/ou
recuperação da capacidade funcional do indivíduo,
nas eventuais perturbações funcionais, físicas,
mentais ou sociais, o que permitirá ao idoso uma
maior capacidade de viver de forma independente e
funcional (Oliveira et al., 2008). Sendo o
fisioterapeuta um profissional de saúde dotado de
várias ferramentas como o Exercício e o Ensino para a
Saúde/Aconselhamento tem, assim, um papel
importante na promoção da saúde do idoso
(Sahrmann, 2001).
O fisioterapeuta deve estar preocupado com a
capacidade funcional e atividade mental do indivíduo
e com todas as suas atividades relacionadas com
tarefas de cuidado pessoal e adaptações ao meio
ambiente. Assim como com a capacidade de
locomoção e os parâmetros que se querem
estabelecer, tendo sempre em conta uma visão
holística do indivíduo em termos de morbilidade e nas
repercussões a ter no estado de saúde psicológico,
promovendo o aumento da sua autoestima e
comunicação, dando-lhe segurança e a sensação de
estar ainda ativo para participar na sociedade (Oliveira
et al., 2008; Robalo e Gomes da Silva, 2005). O
objetivo principal do fisioterapeuta, tendo em conta o
treino de força no idoso como promoção da saúde, da
melhoria da qualidade de vida e da autonomia,
centra-se em retardar ou prevenir qualquer tipo de
incapacidade a que esta faixa etária está sujeita,
através de técnicas aplicadas ao exercício, tendo em
conta as especificidades de cada um (Montenegro,
2006; Cysneiros, 2009). Além disso, a presença do
fisioterapeuta neste tipo de exercício, é benéfica na
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26
Treino de força para um envelhecimento ativo
identificação de limitações e no planeamento de um
programa de exercício específico e adaptado ao
utente (Nied e Franklin, 2002; Robalo e Gomes da
Silva, 2005). Os programas de treino dirigidos para
esta população podem ser realizados individualmente
ou em grupo, trazendo todo o tipo de benefícios
(Montenegro, 2006). Para além de proporcionarem o
convívio, promovem o aumento/manutenção de
todas as amplitudes articulares, aumento de força e
comprimento muscular, retardando o aparecimento
de doenças degenerativas associadas à idade
(Cysneiros, 2009; Silva e Oliveira, 2008).
Quanto mais cedo se retardar o aparecimento de
doenças e se promover a saúde, maior vai ser a vida
ativa e menor será o sedentarismo e os problemas
associados, tanto físicos como sociais (Montenegro,
2006). Não se deve só considerar a prevenção de
patologias e a promoção da saúde apenas em
indivíduos que estejam a passar por um processo de
envelhecimento normal, sem co morbilidades, mas
também indivíduos que já tenham doenças instaladas
ou situações agudas. Nestes últimos casos, a
prevenção de patologias e a promoção da saúde
também são benéficas apesar de terem que
necessitar de outras ações terapêuticas mais
específicas (Montenegro, 2006; Cysneiros, 2009).
De uma forma resumida, aquilo que se pretende é dar
a perceber que o envelhecimento não é uma doença
e que deve ser considerado apenas mais uma etapa
de evolução. Apesar de haver uma degradação do
corpo, através do treino de força, a capacidade
funcional pode aprimorar-se mediante as capacidades
e estímulos intrínsecos ou extrínsecos ao indivíduo
(Robalo e Gomes da Silva, 2005). O facto das pessoas
idosas serem mais heterogéneas devido à sua
experiência de vida, é uma mais-valia à socialização e
convívio entre elas (Montenegro, 2006). Promove-se a
saúde abrangendo as questões fisiológicas, sociais e
psicológicas, que possam causar incapacidades ou
perturbações na saúde. Esta promoção não está
somente ligada à saúde em si, mas também a toda
uma máquina política e económica, que infelizmente
dita as oportunidades dessa promoção. Com a
evolução da sociedade e a globalização do mundo,
medidas têm, foram e estão a ser tomadas nesse
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sentido (Montenegro, 2006; Robalo e Gomes da Silva,
2005).
Esta
abordagem
multidimensional
do
envelhecimento, obrigatória no fisioterapeuta,
permitirá atingir um nível de conhecimento que
possibilite o desenvolvimento de planos estratégicos
de intervenção ao nível da prevenção, tratamento e
reabilitação, de modo a contribuir para os objetivos
pretendidos: vida saudável, qualidade de vida,
envelhecimento são e o bem-estar da população
idosa (Oliveira et al., 2008; Montenegro, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O envelhecimento da população é um dos maiores
triunfos da humanidade mas também um dos seus
maiores desafios. O envelhecimento global cresce a
olhos vistos, acarretando vários custos económicos e
problemas sociais que não devem ser ignorados, por
isso envelhecer ativamente diz respeito a todas as
pessoas. É uma tarefa, ou mesmo um dever que os
indivíduos devem ter para consigo mesmos,
contribuindo para a sua própria saúde e para a saúde
da comunidade em que estão inseridos e onde o
papel do fisioterapeuta é fundamental.
Com a execução do presente trabalho, o treino de
força englobado numa perspetiva de envelhecimento
ativo parece indicar que é benéfico não só para o
próprio individuo como também para a sociedade.
Este trabalho pode ser realizado de uma forma
específica ou generalizada, sendo esta última, a
modalidade mais recomendada para esta faixa etária.
Se o treino de força for trabalhado como uma forma
de promoção, este vai atuar como um retardamento
em várias vertentes: risco de quedas, osteoporose e
degradação das funções fisiológicas do corpo, são
alguns exemplos. O que irá ajudar a que essas
“disfunções” sejam esbatidas ao longo do tempo, não
se verificando tão acentuadamente o seu
aparecimento. Este treino pode também ser
associado a outros tipos de exercícios, também eles
específicos, que são benéficos para esta população,
como o treino aeróbio, de flexibilidade ou equilíbrio.
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27
Treino de força para um envelhecimento ativo
O treino de força pode ainda ser usado como
complemento de outras co morbilidades, associadas à
idade, cuja prevenção também irá ter as suas
repercussões.
A carga e a dosagem de treino a utilizar nesta
população ainda é flutuante, sendo necessário e
imperativo um estudo mais aprofundado dessa
temática. Em associação ao ponto anterior, deveriam
ser efetuados mais estudos referentes à carga de
treino, seja ela máxima ou moderada, de forma a
quantificar os ganhos obtidos, para saber qual a mais
benéfica. Também seriam importantes serem
estudados, os efeitos adversos, se existentes, e a sua
ponderação. Se possível, adicionar a variável
diferença desse ganho entre homens e mulheres.
Apesar de ser importante a independência da
mobilidade num idoso, por exemplo na sua
locomoção e diminuição do risco de quedas, deveria
ser dado mais enfoque e relevância a estudos
específicos do treino de força nos membros
superiores, visto que a grande parte dos idosos utiliza
auxiliares de marcha e seria pertinente verificar como
é que se comporta o treino nesses grupos musculares.
A partir desde último ponto, e tendo em conta o
treino de força como e para a promoção da saúde,
seria uma mais-valia que houvessem estudos feitos
com idosos “saudáveis” de forma a ter-se um estudo
transversal de quais são efetivamente os benefícios a
longo prazo e não só numa ou noutra patologia
específica como, por exemplo, a osteoporose ou a
diabetes. Isto porque, do ponto de vista económico,
esta faixa etária é a que pesa mais nas contas do
estado e a que faz despender mais recursos
financeiros. O que leva a um esforço acrescido na
segurança social, para poder pagar as reformas e os
serviços especializados geriátricos que um país se
compromete a cumprir nesta faixa etária. Se a
sociedade atuar de forma a responsabilizar e criar
reformas que permitam a promoção da saúde, o
resultado que é pretendido e esperado combaterá de
certo modo todas as implicações anteriores e
melhorará o estado de saúde do idoso e da população
em geral.
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Nestes indivíduos, é valorizado principalmente o
apoio que recebem dos familiares, contribuindo para
a melhoria da qualidade de vida. Pretende-se que o
indivíduo conheça o seu potencial, de forma a
melhorar o seu bem-estar físico, social e mental ao
longo da sua vida, participando na sociedade de
acordo com as suas necessidades, desejos e
capacidades.
O papel do fisioterapeuta e da fisioterapia em si,
prende-se com o tratamento direcionado para as
alterações decorrentes do envelhecimento e para as
diversas patologias ligadas à idade avançada, sejam
elas naturais ou decorrentes das co morbilidades do
envelhecimento. Desta forma, o fisioterapeuta tem
como alvo, em geriatria, a promoção e a reabilitação
das estruturas e funções do indivíduo, a manutenção
da
autonomia
e
independência
funcional,
contribuindo para a promoção da saúde e para a
prevenção de doenças e incapacidades do processo
de envelhecimento, com o objetivo de aumentar a
qualidade de vida e de todos os aspetos biológicos e
psicológicos, bem como a participação social.
Em suma, o trabalho do fisioterapeuta passa muito
por um trabalho multidisciplinar de cuidados
intermédios que se foca essencialmente na prevenção
primária. O fisioterapeuta trabalha mais no sentido da
comunidade de maneira a “dar” ao idoso um modo
de este descobrir ou redescobrir o seu papel social e
reatar as suas relações, sentindo-se seguro em
diversos ambientes. A ajuda para lidar e aceitar a sua
condição é importante, seja o idoso saudável ou
portador de alguma doença ou incapacidade.
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Tabela 1 – Tabela resumo – Treino de força.
Treino de força
Autores
Tipo de Estudo
Periodicidade (p/sem.)
Alfieri et al. (2010)
Estudo Experimental
(Ensaio Clínico)
Baker et al. (2007)
Revisão Sistemática
2-3x
Department of Health
(2000)
Guideline
> 2x
Fernandes (2007)
Estudo Longitudinal
(Experimental)
3x
Frontera e Bigard
(2002)
Revisão de Literatura
2-5x
Mayer et al. (2011)
Revisão de Literatura
3x
Nied e Franklin (2002)
Estudo de Caso
2-3x
Reeves et al. (2004)
RM – Repetição máxima
Estudo Experimental
3x
Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP
Tempo (min)
Séries
Repetições
Carga
(RM)
3x
10-12
50%-75%
65%
2-3x
8-15
2-6x
5-15
60%-80%
20-30
3-4x
8-10
80%
> 30
1x
10-15
5x
10-15
30-45
Vol.5 Março 2013
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70%-80%
31
Treino de força para um envelhecimento ativo
Tabela 2 – Tabela resumo – Benefícios do treino de força.
Autores
Tipo de estudo
Adaptações
musculares
Alfieri et al.
(2010)
Estudo
Experimental
(Ensaio
Clínico)
X
Baker et al.
(2007)
Revisão
Sistemática
X
Doherty
(2003)
Artigo de
Opinião
X
Fernandes
(2007)
Estudo
Longitudinal
(Experimental)
X
Revisão de
Literatura
X
X
RCT
X
X
Hunter et
al. (2001)
Estudo
Experimental
(Ensaio
Clinico)
X
X
Mayer et
al. (2011)
Revisão de
Literatura
X
X
Nied e
Franklyn
(2002)
Estudo de
Caso
X
Reeves et
al. (2004)
Estudo
Experimental
X
Frontera e
Bigard
(2002)
Hausdorff
et al.
(2001)
Adaptações
neurais
Adaptações
cardiovasculares
Adaptações
metabólicas
X
X
Melhoria do
equilíbrio e
coordenação
Melhoria
nas AVD
X
X
Prevenção de
quedas
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
RCT – Randomized controlled trial
AVD – Atividades da Vida Diária
Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP
Vol.5 Março 2013
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Vol.5 – Março 2013
Artigo de Revisão de Literatura
O valor preditivo das derivações direitas e
posteriores no enfarte agudo do miocárdio inferior:
implicações e repercussões ao ventrículo direito
Predictive value of the right and posterior sided chest leads in the inferior
myocardial infarction: implications and effects to the right ventricle
Filipa Feio1*, Patrícia Amado1, Ana Cláudia Ferrão1, Andreia Cravo1, Nuno Raposo1
1
Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa.
A importância da deteção do enfarte agudo do miocárdio (EAM) do ventrículo direito (VD) é evidente, verificando-se
que 40%-50% dos doentes com EAM inferior tem envolvimento do VD, o que predispõe a uma maior incidência de
complicações e mortalidade.
Esta revisão de literatura visa avaliar a relação entre a elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas
durante o EAM inferior e a sua extensão ao ventrículo direito, comprovadas através de ecocardiograma
transtorácico.
There is an obvious importance in detecting an inferior acute myocardial infarction (MI) of the right ventricule (RV) and
posterior wall. 40%-50% of patients with inferior MI of the right ventricle have a RV involvement, which predisposes to
further complications and mortality.
By applying the right precordial leads, it is possible to detect RV MI based on ECG criteria. Thus, this review aims to
evaluate the relationship between ST-segment elevation in right precordial leads in inferior MI verifying its extension to
the right ventricle by transthoracic echocardiography.
O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior
PALAVRAS-CHAVE: Eletrocardiografia; derivações direitas; derivações posteriores; EAM do Ventrículo Direito; EAM
inferior.
KEY WORDS: Electrocardiography; right leads; posterior leads; right ventricular infarction; acute inferior myocardial
infarction.
Submetido em 4 setembro 2012; Aceite em 27 março 2013; Publicado em 31 março 2013.
* Correspondência: Filipa Feio. Email: [email protected]
INTRODUÇÃO
O primeiro relato de Enfarte Agudo do Miocárdio
(EAM) do Ventrículo Direito (VD) foi publicado em
1930 (Sanders AO, 1930, citado por Andersen, Falk, e
Nielsen, 1989).
A existência do EAM do VD como entidade clínica,
isolada ou associada a EAM do Ventrículo Esquerdo
(VE), era ignorada até as suas consequências
hemodinâmicas serem reconhecidas. Cohn et al.
(1974, citados por Klein et al., 1983). Estes autores
reconheceram o EAM do VD associado ao EAM
Inferior como potencialmente grave, conduzindo a
alterações da condução aurículo-ventricular (AV),
alterações hemodinâmicas acentuadas e aumento da
mortalidade hospitalar. Ali Khan, Al-Asousi, e Al-Anzi
(2002), afirmam que o EAM do VD ocorre em 40%50% dos EAM inferiores e têm importância clínica,
hemodinâmica e implicações prognósticas, sendo por
isso importante a sua identificação precoce, de forma
a selecionar-se o tratamento adequado.
O EAM do VD implica várias alterações mecânicas e
hemodinâmicas, o que pode levar à diminuição da
contratilidade do ventrículo direito, com a
consequente diminuição do seu enchimento e do seu
volume sistólico. Nestas circunstâncias, a função
ventricular esquerda pode diminuir, resultando numa
possível queda de débito cardíaco. O reconhecimento
de EAM do VD é importante porque este pode
manifestar-se como choque cardiogénico e o
tratamento apropriado é diferente comparativamente
à disfunção do ventrículo esquerdo (VE). Os doentes
Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP
com EAM Inferior associado a EAM do VD,
apresentam taxas mais elevadas de hipotensão
significativa, bradicardias com necessidade de suporte
de pacing e uma mortalidade intra-hospitalar superior
aos EAM Inferiores isolados (Chockalingam,
Gnanavelu,
Subramaniam,
Dorairajan,
e
Chockalingam, 2005).
A presente revisão de literatura tem como objetivo
avaliar o valor preditivo das derivações direitas e
posteriores no EAM inferior e consequente
repercussão ao ventrículo direito. Foi realizada uma
pesquisa de evidência científica na base referencial
Pubmed e a Biblioteca do Conhecimento Online (BOn), e em livros da área da Cardiologia.
Para a pesquisa ser mais específica, foram definidas as
palavras-chave: Derivações direitas; Derivações
posteriores; EAM do Ventrículo Direito; EAM inferior.
Foram encontrados estudos originais de investigação
e meta-análises, tendo os resultados apresentados
nesta revisão de literatura tomado por base os 37
artigos encontrados em periódicos, dos quais
selecionámos 32, e um livro de referência da área da
Cardiologia.
DIAGNÓSTICO DO ENVOLVIMENTO DO
VENTRÍCULO DIREITO NO ENFARTE DO
MIOCÁRDIO
Existem várias técnicas diagnósticas utilizadas para
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O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior
avaliar o envolvimento do ventrículo direito no EAM,
como a Eletrocardiografia (ECG), Ecocardiografia,
Angiografia Radioisotópica, Cintigrafia Miocárdica,
pirofosfato (usado para detetar necrose) ou
cateterismo ventricular direito. Klein et al., (1983,
citados por Yoshino et al., 1998).
De todos estes métodos, o ECG é o método que
fornece os dados mais simples e objetivos na fase
aguda, através da aplicação das derivações precordiais
direitas, enquanto os outros métodos de diagnóstico
podem não ser realizados em tempo útil, por não
existirem na instituição de saúde onde o doente é
atendido em primeira instância. O ECG é essencial
para o diagnóstico, estratificação prognóstica e
orientação terapêutica, nos doentes com suspeita de
EAM. Este, em conjugação com o ecocardiograma,
pode determinar as melhores estratégias de atuação.
Eletrocardiograma
Em 1974, Erhardt sugeriu que o EAM pode ser
diagnosticado eletrocardiograficamente pela elevação
do segmento ST em V4R, e, em 1976, mostrou que a
elevação do segmento ST nas derivações precordiais
direitas V3R a V4R é um forte preditor de EAM do VD,
verificado por autópsia (Ali Khan et al., 2002).
Segundo as guidelines da Sociedade Europeia de
Cardiologia, a elevação do segmento ST em V4R é
bastante sugestiva de diagnóstico de EAM do VD. Esta
derivação deve ser aplicada em todos os casos de
enfarte inferior e choque, caso não seja feita como
rotina. A elevação do segmento ST, bem como a
presença de ondas Q de V1 a V3, são sugestivas de
enfarte do VD. O exame ecocardiográfico pode
confirmar o diagnóstico, verificando-se vários graus
de envolvimento do VD no EAM inferior (Van de Werf,
et al., 2008).
O National Heart Attack Alert Program recomenda o
acréscimo das derivações precordiais direitas (V4R,
V5R, V6R) e posteriores (V7,V8,V9) de forma a
aumentar a sensibilidade e especificidade na deteção
de EAM do VD e parede posterior do VE (Brady e
Morris, 1999).
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Critérios de diagnóstico
A elevação do segmento ST em V4R revela ser um
bom indicador eletrocardiográfico relativamente ao
envolvimento do ventrículo direito no enfarte inferior.
Como tal, têm sido consideradas duas condições:
elevação do segmento ST ≥ 0,5 mm ou ≥ 1 mm
(Hutchison, 2009).
A elevação do segmento ST ≥ 0,5 mm nas derivações
direitas foi reportada como diagnóstico de EAM o VD
(Erhardt, Sjögren, e Wahlberg, 1976, citados por
Andersen, et al., 1989).
Contudo, posteriormente foram publicados outros
critérios - critérios de Minnesota, que definem EAM
do VD por elevação do segmento ST> 0,6 mm em V3R,
segmento ST> 0,5 mm em V4R a V6R e segmento ST>
0,4 mm em V7R. Visto ser difícil para o olho humano
detetar com precisão a elevação do segmento ST
entre 0,4-0,6 mm, a avaliação da elevação do
segmento ST é considerada com base na elevação do
segmento ST ≥ 1 mm; este critério é relatado como
um marcador útil para a prática clínica para avaliar o
EAM do VD (Andersen et al., 1989).
Ecocardiograma Transtorácico
Através do ecocardiograma é possível determinar a
disfunção sistólica do ventrículo direito e outras
complicações do enfarte inferior ou do enfarte do
ventrículo direito.
A disfunção ventricular direita afeta cerca de um terço
dos doentes com enfarte do miocárdio inferior e está
associada a um aumento significativo da mortalidade.
É sinal de mau prognóstico, independentemente da
localização do enfarte (Burgess, Bright-Thomas e Ray,
2002).
Além da dilatação do VD e disfunção sistólica global,
atualmente é possível através do ecocardiograma
avaliar a função sistólica regional do VD, que
correlaciona a anatomia coronária direita e o local de
oclusão. No contexto de EAM inferior existe acinésia
ou hipocinésia segmentar do VD com 83% de
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O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior
sensibilidade e 93% de especificidade para EAM do
VD (Hutchison, 2009).
Cardim (2009) refere que em situação de EAM do VD
o ecocardiograma transtorácico permite visualizar a
dilatação do VD com hipocinésia da parede livre,
movimento dissinérgico do septo interventricular e
regurgitação tricúspide. Pode verificar-se um
abaulamento para a esquerda do septo interauricular,
e evidenciar-se um shunt direito-esquerdo através de
um foramen oval patente. Deve sempre pesquisar-se
alterações da contractilidade da parede inferior.
Ainda, a veia cava inferior pode estar dilatada.
Podem ainda surgir outras possíveis alterações, tais
como: diminuição do movimento do sulco aurículoventricular direito pela diminuição da contração do
VD, sinais de elevada pressão auricular direita,
dilatação da aurícula direita, sinais de elevada pressão
diastólica do VD, e baixa pressão diastólica da artéria
pulmonar, rutura dos músculos papilares, diminuição
do índice/débito cardíaco, abertura precoce da
válvula pulmonar (onda A), presença de trombos na
aurícula direita, pseudoaneurisma do VD, aneurisma e
rutura do septo (Cardim, 2009).
De acordo com as Guidelines da American Society of
Echocardiography, publicadas em 2010, a classificação
da disfunção diastólica do VD deve ser feita da
seguinte forma: razão tricúspide E/A <0,8 sugere
deficiência no relaxamento, relação E/A entre 0,8 –
2,1, com uma razão E/E0> 6 ou predomínio de fluxo
diastólico nas veias hepática sugere padrão de
enchimento de pseudonormalização, e uma razão
E/A> 2,1 na tricúspide, com um tempo de
desaceleração <120 ms sugere padrão de enchimento
restritivo (Rudski et al., 2010).
Valor preditivo da derivação V4R
A utilização das derivações precordiais direitas
adicionais tem sido estudada e documentada por
diversos autores. Os resultados que estes apresentam
situam-se num intervalo de sensibilidade entre 70% a
100% e especificidade entre 76,9% a 100%.
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De acordo com Zehender et al. (1993), a sensibilidade
na deteção de doentes com enfarte do ventrículo
direito, que foram identificados corretamente por
elevação do segmento ST em V4R é de 88%, e a
especificidade na deteção de doentes sem enfarte do
ventrículo direito que não tiveram elevação do
segmento ST em V4R é de 78%.
Yoshino et al. (1998) relatam que o EAM do VD é
diagnosticado pela elevação do segmento ST nas
derivações V3R ou V4R através do ECG e a
confirmação é feita através da ecocardiografia pela
evidência de dilatação do VD, movimento anormal da
parede do VD e movimento paradoxal do septo
interventricular (SIV). O ecocardiograma é usualmente
utilizado para avaliar a função sistólica ventricular
direita. Contudo, este tem uma capacidade limitada
para avaliação quantitativa da função sistólica
ventricular direita.
A elevação do segmento ST ≥ 1,0 mm na derivação
V4R, descrita por Kosuge et al. (2001), tem uma
precisão de 80% para a existência de envolvimento do
ventrículo direito.
Durante a fase aguda do EAM, a derivação V4R
apresenta uma capacidade de precisão diagnóstica
superior. Lopez-Sendon et al. (1985) citados por Ali
Khan et al. (2002) afirmam que a sensibilidade e
especificidade do segmento ST nas derivações
precordiais direitas, especialmente V4R, para o
diagnóstico de EAM do VD foram superiores a 90%.
Khan, Kundi e Sharieff (2004) demonstraram que a
prevalência de enfarte do VD no enfarte inferior é de
aproximadamente 34%. Na derivação V4R o
supradesnivelamento do segmento ST apresenta uma
sensibilidade de 88%, especificidade de 78% e
exatidão / precisão diagnóstica de 83%.
Outros autores, como Klein et al. (1983), relataram
que a sensibilidade e especificidade de elevação do
segmento ST na derivação precordial V4R é um
indicador precoce de EAM do VD no EAM inferior. A
sensibilidade foi de 82,7% e especificidade de 76,9% e
o valor preditivo positivo de 70% com EAM do VD,
confirmado por autópsia ou ventriculografia,
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O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior
ecocardiograma, cintigrafia ou monitorização
hemodinâmica. O valor preditivo negativo foi de
87,7%. No ecocardiograma verificou-se que a
dilatação do VD esteve presente em 38 dos 40
doentes com EAM do VD. As dimensões do VD foram
normais em todos os doentes sem EAM do VD (Klein
et al., 1983).
Também Braat, Brugada, de Zwaan, Coenegracht e
Wellens (1983), encontraram o melhor resultado
diagnóstico com a derivação V4R. Que tem
demonstrado ser um marcador confiável de EAM do
VD com uma sensibilidade e precisão de 70% a 100%.
Valor preditivo da aplicação de várias
derivações
Andersen, et al. (1989), afirmam que a especificidade
e o valor preditivo positivo da elevação do segmento
ST em V3R é de 81% e 77%, respetivamente. Este
aumenta para 100% quando se acrescenta uma ou
mais derivações, de V4R-V7R. A sensibilidade de
diagnóstico é alta para enfartes posteriores (≥ 64%),
com especificidade e valor preditivo de 100% em V5R,
V6R e V7R. A combinação da onda Q em V3R e
elevação do segmento ST nas derivações V5R- V7R
não melhoram a sensibilidade de diagnóstico.
Os mesmos autores também afirmam que existe uma
correlação positiva entre o número de derivações
direitas utilizadas com a elevação do segmento ST ≥1
mm e a extensão do EAM do VD e uma correlação
negativa e não significativa em relação ao número de
derivações com segmento ST ≥ 1 mm e a repercussão
do EAM no VE. Ou seja, a elevação do segmento ST ≥
1 mm em todas as cinco derivações direitas (V3R-V7R)
estão sempre associadas a enfarte do VD extenso com
um reduzido envolvimento do VE.
A elevação do segmento ST ≥ 1 mm nas derivações
V5R, V6R e V7R está sempre associada a enfarte
posterior com repercussão no VD. O EAM
inferior/posterior que afeta o VD pode ser
diagnosticado pela avaliação do ECG das derivações
V6R e V7R (Andersen et al., 1989).
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Croft et al. (1982, citados por Andersen, et al., 1989)
descobriram que uma combinação de V4R, V5R e V6R
é mais precisa no diagnóstico. Funk (1986, citado por
Andersen et al., 1989) no entanto, encontrou maior
sensibilidade e especificidade diagnósticas para a
derivação V6R e consideram que a eficiência do
diagnóstico não foi melhorada com o acréscimo das
derivações V4R e V5R.
Num estudo realizado por Kosuge et al. (2001)
concluiu-se que a elevação do segmento ST nas
derivações precordiais direitas não foi vantajosa para
determinar se existia envolvimento do ventrículo
direito, quando a parede posterior também está
envolvida no enfarte inferior. Contudo, este estudo
apresenta algumas limitações, pois não se confirmou
o intervalo de tempo entre o início dos sintomas e a
gravação do ECG, podendo influenciar a elevação do
segmento ST nas derivações precordiais direitas.
Contudo, a sua conclusão é apoiada por Kosuge et al.
(2009), que afirmam que a existência de isquémia
transmural na parede posterior, pode deprimir o
segmento ST na derivação precordial direita, pelo que
o envolvimento da parede posterior atenua o valor
preditivo da elevação do segmento ST na derivação
V4R no envolvimento do VD em EAM inferior.
Em 2009, Kosuge et al. demostraram que a elevação
do segmento ST em V4R apresenta uma sensibilidade
de 34% e 96% (p <0,001) e especificidade de 83% e
82% na presença e ausência do envolvimento da
parede posterior, respetivamente.
Muitos estudos têm comprovado o valor diagnóstico
da utilização das derivações precordiais direitas,
embora existam resultados controversos. A maioria
dos estudos centra-se, sobretudo, nas derivações V3R
e V4R, em detrimento das restantes derivações
direitas. Portanto, não existe uniformidade em relação
às derivações direitas utilizadas e aos critérios, uma
vez
que
alguns
estudos
referem
o
supradesnivelamento do segmento ST ≥ 0,5 mm e
outros ≥ 1 mm.
Segundo Hutchison, (2009), para uma elevação do
segmento ST ≥0,5 mm existe maior sensibilidade, mas
menor especificidade. No entanto, na maior parte dos
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O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior
casos (80%), verifica-se elevação do segmento ST ≥
1mm, correspondendo a uma elevada correlação
patológica com o enfarte do ventrículo direito (100%).
1983) que menciona que a aplicação de V4R deve ser
feita numa fase precoce do enfarte, pois a elevação
do segmento ST pode desaparecer ao fim de duas
horas do aparecimento de dor torácica.
Desde a utilização de apenas uma derivação direita
(V4R) por Erhardt et al. (1976), que muitos estudos
foram limitados a duas derivações direitas (V3R e V4R)
e poucos se dedicaram a investigar as restantes.
PROGNÓSTICO E MORBILIDADE
Ainda assim, vários estudos afirmam que a utilização
da derivação V4R é a melhor forma de diagnosticar o
envolvimento do VD em doentes com EAM da parede
inferior: Braat et al. (1983), Zehender et al. (1993) e
Kosuge et al. (2009) corroboram essa conclusão.
O enfarte da parede inferior apresenta melhor
prognóstico, tanto a curto como a longo prazo, do que
o enfarte anterior visto a parede inferior representar
uma pequena proporção do miocárdio total (Chan,
Chan, Yue, Ma, 1999).
Andersen et al. (1989), concluem que os doentes com
EAM inferior, sem elevação do segmento ST em V3RV7R, têm EAM predominantemente do VE enquanto
aqueles que apresentam a elevação do segmento ST
em V3R-V7R apresentam EAM extenso do VD e menor
compromisso do VE, o que tem melhor prognóstico.
No entanto, estes podem desenvolver choque
cardiogénico.
Contudo, é muito comum nos doentes com EAM
inferior existir envolvimento do VD ou parede
posterior do VE. Klein et al. (1983), referem que o
EAM da parede inferior foi acompanhado de EAM do
VD em 52,7% dos casos. Apesar de ser um valor
ligeiramente superior aos que são citados
habitualmente, encontra-se relativamente perto dos
valores obtidos por Erhardt et al. (1976), de 45% e por
Chan et al. (1999), de 50%, para a mesma situação e
69% para o envolvimento da parede posterior.
Através de outros trabalhos de investigação foi
possível concluir que a elevação do segmento ST>
0.5mm nas derivações direitas apresenta elevada
sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo
na deteção de repercussões no VD (Braat et al., 1983;
Robalino, Whitlow, Underwood, Salcedo, 1989 e
Andersen et al., 1989).
As consequências hemodinâmicas do EAM do VD
podem aparecer inesperadamente após o que parece
ser à primeira vista um EAM inferior. Através das
derivações precordiais direitas é possível despistar
precocemente a presença ou possibilidade de EAM do
VD antes de surgirem as suas complicações (Klein et
al., 1983).
O prognóstico e a morbilidade são piores em doentes
com EAM inferior quando também está presente EAM
do VD. O EAM do VD é um fator independente
preditor de prognóstico do EAM inferior. O EAM do
VD está associado a um aumento da incidência de
eventos clínicos de risco, tais como: bloqueio
auriculoventricular (BAV), bradiarritmias, rutura do
miocárdio e dos músculos papilares do VD,
taquicardia ventricular, fibrilhação ventricular,
hipotensão e choque cardiogénico (Chan et al., 1999;
e Hamon, Agostini, Le Page, Riddell e Hamon, 2008).
De acordo, com Zehender et al. (1993), o EAM do VD
apresenta uma taxa de mortalidade de cerca de 30%.
Apesar de a elevação do segmento ST na derivação
V4R ser um bom indicador prognóstico do enfarte do
ventrículo direito, esta condição só é visível durante
um período de 24 a 48 horas, sendo que na maioria
dos casos normaliza num período até 10 horas
(Hutchison, 2009). A mesma ideia é defendida por
Candell – Riera et al. (1981, citado por Klein et al.,
O diagnóstico precoce do EAM é importante de modo
a limitar-se o impacto deletério deste e iniciar-se
terapêutica apropriada o mais rapidamente possível,
pois os intervalos de tempo entre o início dos
sintomas e as consequências hemodinâmicas são
imprevisíveis e as complicações podem surgir
precocemente.
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O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior
CONCLUSÃO
evaluation of right ventricular function. European Journal of
Echocardiography, 3(4), 252-262.
Em doentes com EAM inferior, a aplicação das
derivações direitas e posteriores serve como uma
ferramenta de diagnóstico simples, rápida, confiável e
económica para delinear a extensão do EAM do VD
e/ou envolvimento da parede posterior. A associação
de EAM do VD em doentes com EAM inferior é
comum. O reconhecimento precoce de EAM do VD,
através das derivações eletrocardiográficas direitas
pode ter um valor prognóstico importante. Este
reconhecimento permite a melhoria de resultados
através de uma estratégia terapêutica apropriada.
Cardim (2009). Ecocardiografia transtorácica. Lisboa, Portugal:
Lidel.
Com base na literatura encontrada, verifica-se que a
maioria dos estudos realizados indica que a utilização
das derivações precordiais direitas tem um
importante valor preditivo na identificação do enfarte
do ventrículo direito.
Devido à sua simplicidade, alta sensibilidade e
especificidade, as derivações direitas e posteriores
devem fazer parte intrínseca da abordagem inicial a
um EAM da parede inferior. O seu uso deve ser
incentivado na prática clínica.
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Vol.5 – Março 2013
Artigo de Revisão de Literatura
O trabalho emocional no ato de cuidar em
enfermagem: uma revisão do conceito
The emotional labour in the act of caring in nursing: a review of the
concept
José Vilelas1
1
Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa.
Cuidar é considerada a essência da enfermagem. Subjacente ao cuidar, a gestão interna das emoções ou o trabalho
emocional dos enfermeiros apresentam ainda pouca visibilidade no exercício profissional dos enfermeiros. Para
realçar esta evidência, só em 1993 é que o conceito de trabalho emocional foi incorporado na enfermagem, através
de Pam Smith. Para este artigo pesquisou-se nas bases de dados CINAHL e PsycINFO com os descritores " Emotional
labour" e "Nurs*". Foram analisados 46 artigos, cujo âmbito de estudo foi o trabalho emocional em enfermagem.
Da análise dos artigos pode afirmar-se que o trabalho emocional é um processo através do qual os enfermeiros
conseguem expressar as suas emoções, gerindo-as em função do ato de cuidar. Os fatores que influenciam este
processo estão relacionados com a organização, com o enfermeiro e com o próprio trabalho. Os atributos do
trabalho emocional têm duas dimensões: a resposta autónoma dos enfermeiros e as suas estratégias de trabalho (ou
seja, ações superficiais ou profundas). As consequências do trabalho emocional incluem as organizacionais e as que
afetam o enfermeiro.
Em síntese, para um cuidar que envolva a dimensão emocional, o conceito de trabalho emocional deve ser
introduzido nos planos de estudos dos cursos. Os enfermeiros também precisam ter tempo e um ambiente propício
para refletir, compreender e discutir o seu trabalho emocional no contexto de cuidar.
Caring is considered the essence of nursing. Underlying caring, the internal management of emotions or the
emotional labour of nurses exhibit poor visibility in the nurses’ professional practice. To highlight this
evidence, it is only in 1993 that the concept of emotional labour was incorporated in nursing, by Pam Smith.
O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito
For this article we searched in the CINAHL and PsycINFO databases with the descriptors / key words
"Emotional labour" and "Nurs*". A total of 46 articles were analyzed for which the aim of the study was the
emotional labour in nursing.
From the analysis of the articles, we may state that the emotional labour is a process through which nurses
can express their emotions, managing them according to the act of caring. The factors that influence this
process are related to the organization, the nurse and the work itself. The attributes of emotional labour
have two dimensions: the autonomous response of nurses and their work strategies (i.e., superficial or deep
actions). The consequences of emotional labour include the organizational and the ones affecting nurses.
In summary, for care involving the emotional dimension, the concept of emotional labour should be
introduced in the syllabi of the courses. Nurses also need time and a suitable environment to reflect,
understand and discuss their emotional labour in the context of care.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho emocional; enfermagem; conceito.
KEY WORDS: Emotional labour; nursing; concept.
Submetido em 18 fevereiro 2013; Aceite em 7 março 2013; Publicado em 31 março 2013.
* Correspondência: José Vilelas. Email: [email protected]
INTRODUÇÃO
A maioria dos enfermeiros considera que o cuidar é o
componente essencial para a recuperação da pessoa
saudável ou doente (Millward, 1995). Para o mesmo
autor a relação interpessoal centrada na pessoa é a
condição fundamental para a enfermagem enquanto
profissão. Também, para outros autores, a essência da
profissão de enfermagem assenta no cuidar (Brilowski
e Wendler, 2005; Watson, 2004; Hallingan, 2006; Wu
e Cheng, 2006).
Na verdade, Watson e Smith (2002) argumentam que
o cuidado foi concetualizado através de teorias de
enfermagem, em especial, a teoria do cuidado
transpessoal de Jean Watson (Fawcett, 2007). A
abordagem mais holística do cuidar alterou a
dinâmica entre enfermeiros, a pessoa doente e suas
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famílias. As necessidades emocionais passaram a ter
uma importância relevante no estabelecimento de
uma relação terapêutica enfermeiro/pessoa/família,
considerada essencial (McVicar, 2003). Este
envolvimento emocional necessário ao profissional de
enfermagem exige uma entrega. Para tal, é necessária
a indução ou supressão das emoções para sustentar
uma aparência exterior que produza nos outros
sentimentos de bem-estar e de um ambiente seguro e
alegre. Ou seja, a entrega "ao outro" condiciona as
emoções regulando a sua expressão no domínio
público.
Sendo assim, os enfermeiros devem possuir
competências na gestão da emocionalidade durante o
ato de cuidar das pessoas. É, no entanto, uma
escolha, mediada pelo grau de envolvimento
emocional do enfermeiro. Face ao exposto existem
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O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito
custos e benefícios inerentes à profissão, em que as
manifestações de sentimentos dos seus membros são
concebidas para influenciar as pessoas e são
componentes
necessários
de
desempenho
profissional. Esta noção surgiu pela primeira vez, em
1983, com Hochschild.
Hochschild (1983) defende que existem três
características básicas do trabalho emocional: (1) o
contacto direto ou indireto (por telefonema) entre os
profissionais e as pessoas, (2) a expressão das
emoções específicas e as atitudes durante o trabalho
que poderão ser incongruentes com os sentimentos
reais dos profissionais e finalmente, (3) as fontes do
trabalho emocional que derivam dos programas de
formação específicos para a profissão, normas de
comportamento organizacional de trabalho e
estereótipos sociais de comportamento para certas
categorias profissionais (Hochschild, 1983).
O trabalho emocional foi definido como o esforço
envolvido, para os profissionais demonstrarem
emoções baseadas nas normas sociais e culturais, ao
invés do que realmente sentem (Newbold, 2004;
Miller, Considine, e Garner, 2007). Na literatura, o
trabalho emocional é o foco no atendimento à
pessoa, onde as interações emocionais são menos
espontâneas, e existe um elevado controlo emocional,
que é necessário para manter relações positivas com
a pessoa, adaptadas ao tempo e às situações
(Hochschild, 1983; Van Maanen e Kunda, 1989).
Todavia, o conceito de trabalho emocional engloba os
aspetos afetivos da profissão. Este é fundamental nas
organizações em que existe contacto com pessoas, e é
proeminente no trabalho dos profissionais de saúde
(Hochschild, 1983; James, 1992; Diogo, 2006, 2012). O
trabalho emocional adaptado à enfermagem, por Pam
Smith, realça a importância dos profissionais
compreenderem e interpretarem as necessidades
físicas das pessoas, mas também, responderem às
suas necessidades emocionais, ou seja, gerir as
próprias emoções, para melhor compreender as dos
outros.
O trabalho emocional, neste artigo, refere-se à gestão
das emoções que os enfermeiros têm que realizar
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para cuidarem de uma forma holística das pessoas.
O trabalho emocional no ato de cuidar
Trabalhar com pessoas, especialmente quando elas
estão a sofrer, é suscetível de envolver uma
significativa quantidade de trabalho emocional. Os
profissionais de saúde são frequentemente
incentivados a regular as suas próprias emoções para
conseguirem compreender eficientemente as
emoções negativas das pessoas que cuidam,
capacitando-os para o autoconhecimento e
automonitorização das suas próprias emoções.
Na literatura de enfermagem, o trabalho emocional é
composto por dois processos: a supressão das
emoções negativas (por exemplo, raiva, frustração) e
a expressão de emoções positivas (por exemplo,
respeito, confiança) que são consideradas essenciais
para a qualidade dos cuidados prestados (James,
1992; Graham, 2003).
No entanto, nas últimas décadas, a definição do
conceito de trabalho emocional tem sido direcionada
para compreender a importância da dimensão
emocional no ato de cuidar. Neste sentido, o conceito
tem sido especificamente aplicado à enfermagem por
alguns teóricos (Smith, 1992; Froggatt, 1998). Smith
(1992) reconhece que o estereótipo de enfermeiro
está associado a uma felicidade inata e capacidade de
proporcionar esse sentimento nas outras pessoas e
deve saber, também, gerir sentimentos extremos,
induzindo ou reprimindo os seus próprios
sentimentos, para fazer com que os outros se sintam
cuidados e seguros.
Smith e Gray (2001) acrescentam que os elementos
do trabalho emocional incluem a pessoa, a sua
família, o ambiente e os elementos psicológicos, que
envolvem a intimidade, amizade e a confiança na
instituição de saúde. Os autores concluíram que estes
aspetos sociais e psicológicos do trabalho emocional
eram componentes-chave nas relações interpessoais
entre o enfermeiro, a pessoa e a família.
Para Hochschild (1983) e Bolton (2001) existem dois
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O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito
fatores que constituem a enfermagem como uma das
categorias profissionais de elevado trabalho
emocional. Um deles é a representação social da
enfermagem. Tem sido identificado por várias teóricas
(James, 1992; Mackintosh, 2007) que a representação
social mais comum dos enfermeiros é o enfermeiro
cuidador, simpático, carinhoso e com um
envolvimento sólido com a pessoa doente, mostrando
compromisso e apoio emocional. A existência de tais
estereótipos gerou a designação dos enfermeiros
como “malabaristas emocionais” (Bolton, 2001).
Outro elemento é a gestão constante e a supressão de
sentimentos reais e autênticos.
Ser responsável pela higiene da pessoa doente é um
dever básico de enfermagem, que exige a supressão
de sentimentos de desgosto e de impotência e,
portanto, constitui um ato emocional (Meerabeau,
2004). Outro dever básico é fornecer apoio emocional
às pessoas (Forneris e Peden-McAlpine, 2006). Lidar
com pessoas em fase terminal e dores intoleráveis
exige uma gestão eficaz das emoções e a mobilização
de mecanismos de defesa adequados, com vista a não
comprometerem o cuidado humanizado. Os
enfermeiros têm de gerir as suas emoções quando há
incongruência entre os padrões de ética profissional e
as necessidades organizacionais que, muitas vezes,
dificultam o trabalho de enfermagem (Grandey,
2000). Cabe-nos então indagar sobre os efeitos do
trabalho emocional nos enfermeiros.
Face ao exposto e baseando-nos na literatura
consultada passamos de seguida a caraterizar o
conceito de trabalho emocional. Para tal iremos
utilizar uma matriz com as seguintes categorias:
antecedentes, atributos e consequências do trabalho
emocional.
Antecedentes do trabalho emocional
Os antecedentes são aspetos que devem preceder a
ocorrência do trabalho emocional (Rew et al., 2005) e
acontecer enquanto os enfermeiros desempenham as
suas funções dentro das organizações. Para o trabalho
emocional existir e ser observado, é essencial que os
seus antecedentes (características do enfermeiro,
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trabalho, aspetos e organização) estejam presentes.
No contexto da enfermagem, o trabalho emocional é
precedido e influenciado por experiências de trabalho
e é mais provável que seja realizado por enfermeiros
experientes (Staden, 1998; Zammuner e Galli, 2005;
MacKintosh, 2007). Os psicólogos sugerem que o
desempenho do trabalho emocional pelos
prestadores de serviços (por exemplo, enfermeiros e
agentes de polícia) requer competências interpessoais
(por exemplo, diplomacia e capacidade empática).
Pesquisadores nas profissões de saúde, no entanto,
argumentam que não são as regras de organização,
mas sim a identificação do papel do profissional de
saúde que é o principal determinante do trabalho
emocional (Henderson, 2001; McCreight, 2005).
A literatura revela que as características do trabalho
(por exemplo, frequência de interações interpessoais,
o grau das necessidades emocionais, as rotinas da
tarefa e complexidade do trabalho) são os
antecedentes predominantes de trabalho emocional
(Gosserand e Diefendorff, 2005; Bolton, 2009). A
autonomia no trabalho é encontrada para preceder o
trabalho emocional e determina a sua duração e
frequência, que está subjacente a cada encontro
entre o profissional e a pessoa. Os profissionais, em
contraste com os não-profissionais, têm mais
autonomia para gerir as emoções face às pessoas de
quem cuidam. O envolvimento com o trabalho ou
compromisso serve como um antecedente para a
saúde profissional (Mann e Cowburn, 2005); no
contexto da enfermagem, isso significa que os
enfermeiros que estão comprometidos com o seu
trabalho são mais propensos a se envolverem no
trabalho emocional (Smith e Lorentzon, 2005).
Trabalho emocional é essencialmente ditado pelas
regras da organização, como foi sugerido por autores
da área da gestão (Grandey, Fisk, Steiner, 2005). As
organizações proporcionam aos trabalhadores
interações com a pessoa, exigindo assim o controlo da
expressão das suas emoções interpessoais (Grandey,
Kern, Frone, 2007). Para os profissionais, as regras
organizacionais têm menos impacto sobre o trabalho
emocional do que as normas sociais prescritas pela
conduta profissional (Ogbonna e Harris, 2004). O
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O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito
apoio social, quer seja pelos colegas de trabalho,
supervisores ou membros da família, precede o
trabalho emocional. O apoio social promovido pelos
colegas de trabalho também tem sido relacionado
com o trabalho emocional gerando a satisfação do
trabalhador (Zapf, 2002).
Atributos
Atributos de um conceito são características
frequentemente associados ao conceito e que
contribuem para a sua clareza, amplitude e
profundidade (Rew et al., 2005).
Trabalho emocional na literatura é considerado um
conceito transdisciplinar. A transdisciplinaridade pode
ser definida como um processo humano produzido
numa relação entre pessoas que envolve uma
interligação intensa e recíproca. Este conceito pode
ser integrado no trabalho emocional, quando os
profissionais gerem as emoções no sentido de
exibirem intervenções que melhoram o bem-estar das
pessoas e ao mesmo tempo aumentam o grau de
satisfação profissional (Gosserand e Diefendorff,
2005).
Hochschild (1983) descreve dois atributos do trabalho
emocional: ato superficial e o profundo. No entanto, o
trabalho emocional surge na enfermagem como a
autêntica expressão emocional (Lewis, 2005).
Em toda a literatura interdisciplinar, há dois atributos
do trabalho emocional: (1) expressão emocional
autónoma ou espontânea (Diefendorff, Croyle e
Gosserand, 2005), e (2) a expressão profunda das
emoções ou expressão superficial das emoções
(Mann, 2005). Os enfermeiros como profissionais
autónomos possuem um papel ativo na construção do
seu próprio comportamento. Ou seja, na relação com
a pessoa saudável ou doente, os enfermeiros
expressam emoções profundas ou superficiais tendo
em conta a sua tomada de decisão baseada numa
responsabilidade consciente. Os enfermeiros gerem
as suas emoções baseadas nas suas competências
profissionais e harmonizando-as com as das pessoas
de quem cuidam (Henderson, 2001; Bolton, 2009).
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Quando os enfermeiros adequam as suas emoções às
das pessoas sem realmente as sentirem, não estão a
atuar superficialmente, mas a tentar estabelecer uma
relação próxima com a pessoa cuidada. Curiosamente,
a literatura distingue o trabalho emocional dos
profissionais de saúde, o que sugere que, enquanto os
enfermeiros procuram relacionar-se autenticamente
com os destinatários de cuidados, o médico
desenvolve estratégias para limitar o envolvimento
emocional com as pessoas (Mann e Cowburn, 2005).
Assim, o trabalho emocional em enfermagem é mais
do que uma série de intervenções, é um modo de
agir, isto é um processo cognitivo e racional de
autorregulação das emoções.
Efeitos do trabalho
enfermeiros
emocional
nos
Uma das razões para o aparecimento do stresse dos
enfermeiros é a exibição “de um rosto adequado” ao
cuidar (McVicar, 2003). O trabalho emocional
também pode afetar a saúde dos trabalhadores a
nível somático. A supressão contínua das emoções
“reais” tem um impacto negativo sobre o sistema
imunológico, com implicações sobre a sua saúde, que
originam insónias e fadiga, hipertensão e neoplasias
(Ashkanasy, e Daus, 2002). A dissonância emocional
entre as emoções reais e as exibidas podem
influenciar negativamente o bem-estar dos
profissionais, a sua autoestima, a depressão e o
sofrimento moral (Raines, 2000).
O desempenho dos profissionais, também pode ser
influenciado pelo trabalho emocional. O baixo
envolvimento, a insatisfação, o baixo desempenho e
as aposentações antecipadas estão entre os vários
resultados das exigências do trabalho emocional
(Lewig e Dollard, 2003). O conceito de trabalho
emocional diferencia as emoções e os pensamentos
que os enfermeiros deveriam, teoricamente, sentir
daquelas que realmente experienciam, mas não
podem expressar na sua prática.
Todavia, o conceito de trabalho emocional pode ser
analisado como um aspeto humano dos enfermeiros,
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O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito
concetualizado na teoria do cuidado de Watson
(2004). O trabalho emocional envolve o holismo e a
experiência humana (Hunter e Smith, 2007), isto é, o
contexto situacional em que a pessoa necessita de
cuidados e o planeamento dos cuidados de que a
pessoa necessita por parte dos enfermeiros. O
conceito reconhece o elevado esforço emocional e a
fiabilidade humana dos enfermeiros nas relações com
as pessoas de quem cuidam (Mann e Cowburn, 2005).
Os enfermeiros estão conscientes das exigências do
cuidar de outras pessoas (McCreight, 2005), mas não
reconhecem as consequências pessoais e profissionais
do seu trabalho emocional. O facto do trabalho
emocional, não ser reconhecido, e, portanto,
desvalorizado pela maioria das organizações (Hunter e
Smith, 2007), pode contribuir para a compreensão da
relação empírica entre o trabalho emocional, a
exaustão emocional e o burnout profissional (Näring ,
Briët, Brouwers, 2006; Mann e Cowburn, 2005). Mas
pouco a pouco o trabalho emocional está a ter o
devido reconhecimento na Europa, sobretudo através
dos estudos suecos (Rasmussen e Sandman, 2000),
holandeses (Briët , Näring, Brouwers, van Droffelaar,
2005), alemães (Büssing e Glaser, 2001) e italianos
(Zammuner e Galli, 2005).
Estudos na área da Psicologia e da Gestão realçaram
algumas
consequências
negativas
no
desenvolvimento do trabalho emocional. A exaustão
emocional e a despersonalização são algumas das
reações negativas que ocorrem nos profissionais
(Hess, 2003). Quanto às consequências positivas
incluem a melhoria da qualidade do desempenho que
implica um aumento da produtividade a nível
organizacional (Meier , Mastracci, Wilson, 2006) e um
ambiente alegre no serviço de saúde (Hennig-Thurau ,
Groth, Paul, Gremler, 2006; MacKintosh, 2007). A
literatura de enfermagem identifica ainda outras
consequências positivas a nível individual, como
relações próximas através do envolvimento emocional
com as pessoas (Allan e Barber, 2005) e aumento da
realização profissional e satisfação no trabalho
(McQueen, 2004; Mann, 2005).
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Teoria de médio alcance do trabalho
emocional de Huynh, Alderson e
Thompson (2008)
Encontrámos vários modelos explicativos do trabalho
emocional, quer na área da Psicologia (Grandey,
2000), da Medicina e da Gestão (Diefendorff, et al.,
2005). Todos eles partilhavam a mesma linha
concetual, tanto ao nível dos antecedentes, do
desempenho profissional, quer ao nível das
consequências. No entanto, verificámos a existência
de algumas divergências sobre os antecedentes e as
consequências. Estudos na área da Psicologia
propõem que a dissonância emocional precede o
trabalho emocional (Mann, 2005), mas outros
afirmam que é uma consequência (Grandey, et al.,
2007). O género influencia o trabalho emocional, ou
seja, ser do sexo feminino é aspeto facilitador (Guy e
Newman, 2004), mas outros autores refutam esta
associação (Bolton, 2009). Estes são alguns exemplos
das diferenças encontradas nas várias propostas de
modelos de trabalho emocional.
O modelo apresentado neste artigo emerge de um
estudo de Huynh, Alderson e Thompson (2008) que
analisaram o modelo de Hunter e Smith (2007). Esta
teoria de médio alcance pode complementar a teoria
do cuidado transpessoal de Watson (Fawcett, Watson,
Neuman, Walker, Fitzpatrick, 2001).
Assim, o trabalho emocional é definido como um
processo através do qual os enfermeiros adotam uma
identidade de trabalho para expressar a sua
autonomia, através da expressão de emoções
profundamente ou superficialmente durante as
relações interpessoais com as pessoas. Embora esta
teoria de médio alcance, pareça representar o
trabalho emocional como um processo estático e
linear, as interações dos antecedentes são elementos
fundamentais para a criação deste fenómeno
multifacetado (Callahan, 2004). No entanto, essa
interação existe entre as interfaces dos três ciclos
antecedentes ao ciclo de atributos emocionais de
trabalho. As consequências do trabalho emocional
não só se sobrepõem e interagem entre si, mas
também influenciam os atributos e antecedentes de
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O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito
trabalho emocional.
Os enfermeiros querem promover um cuidar
autêntico, porque eles sentem que faz parte do seu
papel profissional esperado (de Raeve, 2002), quer a
nível organizacional, quer face às representações
sociais da profissão, quer ainda pelas exigências do
próprio profissional.
Todavia, os enfermeiros podem apresentar atos
superficiais e profundos (Standen, 1998). O ato
superficial é semelhante a um “sorriso forçado” dos
enfermeiros; em contraste, os atos profundos
significam que os enfermeiros se relacionem
terapeuticamente com as pessoas de quem cuidam.
Em alguns estudos, os resultados revelam que,
embora os enfermeiros mantenham atos superficiais,
os enfermeiros mantém o seu senso interior e,
portanto, autêntico com a pessoa de quem cuidam
(Bolton, 2009).
Os enfermeiros tentam normalizar as suas emoções
com as que se espera do seu papel profissional e
harmonizá-las com as das pessoas (Henderson, 2001;
Bolton, 2009). Quando os enfermeiros sincronizam as
suas emoções com as pessoas doentes sem realmente
senti-las, eles não estão a agir superficialmente, mas
estão a tentar estabelecer um autêntico encontro com
a pessoa (Mann e Cowburn, 2005). Desta forma, pode
constatar-se que o trabalho emocional gera
consequências a nível organizacional, tais como,
ambientes favoráveis à prática dos cuidados e
aumento da produtividade.
Para o enfermeiro que desenvolve um cuidar assente
num trabalho emocional, proporciona consequências
positivas, tais como, o aumento da satisfação
profissional e das relações interpessoais e com a
pessoa doente, gerando um sentimento de realização
profissional. Mas, o enfermeiro também fica exposto
a aspetos negativos relacionados com o stresse,
despersonalização e burnout.
perturbadores tanto das pessoas como dos próprios
enfermeiros, duma forma positiva, no sentido de
promoverem o bem-estar global das pessoas
envolvidas (Diogo, 2012). A situação problemática
vivida pelas pessoas, no contexto de saúde-doença,
manifesta-se através das emoções. Os enfermeiros
têm de encontrar estratégias para conseguirem
enfrentar a emocionalidade na prestação de cuidados
e em cada interação com as pessoas (Diogo, 2012).
No entanto, sustentamos que esta teoria de médio
alcance do trabalho emocional ilustra uma
representação provável do trabalhar interpessoal dos
enfermeiros, sobre o qual incide o contexto social,
profissional e organizacional.
IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
A delimitação do conceito de trabalho emocional
aumenta o reconhecimento da sua existência e tem o
potencial de promover uma aplicação autêntica de
cuidar numa relação enfermeiro-utente. Por isso,
defendemos a introdução do conceito de trabalho
emocional no currículo dos cursos. Este nível de
educação pode aumentar a consciência que os
estudantes de enfermagem têm das suas emoções e o
seu desempenho de trabalho emocional.
Consequentemente, os gestores das instituições de
saúde deverão planear e implementar sessões de
formação sobre trabalho emocional, capacitando os
seus funcionários, pois é essencial aprender a
perceber emoções e sentimentos, tanto dos
prestadores de cuidados como das pessoas cuidadas
(Collière, 2003). Os enfermeiros precisam ter tempo e
um ambiente propício para compreender, discutir e
refletir sobre a prática (Henderson, 2001)
aumentando desta forma o seu bem-estar e a
qualidade dos cuidados de enfermagem (Macdonald,
2003).
O trabalho emocional no ato de cuidar em
enfermagem engloba intervenções relacionadas com
a dimensão afetivo-emocional, que têm como
objetivo gerir os sentimentos intensos e
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47
O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito
CONCLUSÃO
process: A reply to Brook. Work, Employment and Society, 23(3),
549-560.
A pesquisa em enfermagem sobre este conceito é
limitada. Todavia podemos afirmar que o
desempenho do trabalho emocional pode ser
baseado em normas sociais, mas é condicionado por
variáveis pessoais (por exemplo, idade, adaptabilidade
emocional) e pelo ambiente organizacional que
promove um sistema de troca de apoio emocional.
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Em síntese, o trabalho emocional é utilizado por
enfermeiros nas interações com as pessoas saudáveis
ou doentes e é composta de duas estratégias: agir em
profundidade e agir superficialmente. O trabalho
emocional é um processo pelo qual os enfermeiros
conseguem regular as suas emoções, gerindo-as de
uma forma saudável para cuidar da pessoa
holisticamente. Assim como cuidar constitui o núcleo
holístico do trabalho de enfermagem (Watson, 2006),
o trabalho emocional reconhece a humanidade dos
enfermeiros e o profissionalismo.
Os enfermeiros usam conscientemente as emoções
para prover e melhorar os cuidados, embora se
constate um reduzido reconhecimento dos aspetos
emocionais da enfermagem o que é um paradoxo
dado a carga emocional da experiência de cuidar. Urge
a realização de estudos sobre trabalho emocional
para clarificar o conceito, explicitar o potencial
terapêutico, identificar as intervenções de
enfermagem que incorporam o trabalho emocional e
dar visibilidade aos ganhos em saúde gerados pelo
trabalho emocional.
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