Rolimã 1

Transcrição

Rolimã 1
DIREITOS
FUNDAMENTAIS
COMUNICAR
É PRECISO
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POR BÁRBARA PANSARDI
“Acho que vou mudar o jornalismo. Dizem que eu não
seria capaz porque muitas pessoas já tentaram, mas eu
ainda acho que posso”, comenta a estudante Rhizia Moura, de 15 anos. Sua motivação advém de uma consciência
e de um incômodo. Sensibilizada para entender a lógica
de produção da informação, a garota compreende que o
que é exibido na televisão, internet ou
jornal é uma versão da realidade, uma
interpretação que partiu do olhar de
alguém, e que há uma série de interesses por trás da informação publicada.
Bruno Vilela
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“Eu fui percebendo que tudo a partir da mídia é controlável, e isso mudou completamente meu olhar. Você
pode dizer uma coisa numa gravação e as pessoas que a
escutam noutro lugar podem ouvir outra, porque quem
editou modificou o que foi dito, controlou as frases”,
comenta a aluna do segundo ano do Ensino Médio.
Descontente com muitas das versões que os meios de
comunicação veiculam, Rhizia quer estudar cinema e jornalismo, e fazer uma
mídia diferente.
Desde 2008, a jovem frequenta o Cineclube Sabotage,
do qual é monitora atualmente. O projeto, que conta com
sessões semanais e faz do cinema escolar um espaço educativo, de debate e participação da comunidade, é uma
ação da Oficina de Imagens em parceria com a Escola
Municipal Professora Alcida Torres, na região Leste de
Belo Horizonte. Ali, após assistirem a vídeos e filmes, estudantes discutem questões relativas a direitos humanos
e temas presentes no cotidiano escolar, como sexualidade,
bullying e drogas.
O Cineclube Sabotage é uma das tantas iniciativas educomunicativas realizadas por organizações não-governamentais no território nacional. A educomunicação, como
sugere o próprio nome, é uma metodologia pedagógica
que trabalha na interface entre as áreas da educação e da
comunicação, propondo o uso de recursos tecnológicos e
técnicas de comunicação na aprendizagem. Essa estratégia
busca ampliar o acesso a produtos culturais e à informação, promover práticas educativas para o desenvolvimento
de uma recepção crítica das mídias e estimular a expressão
comunicativa, promovendo o protagonismo infanto-juvenil e buscando contribuir para a diminuição das diferenças
hierárquicas entre educadores e estudantes, com relações
mais horizontais.
A educomunicação é parte de uma luta ampla: a reivindicação pelo direito à comunicação. Trata-se de uma
luta antiga, que data dos anos 60, quando já então movimentos da sociedade civil insatisfeitos com o privilégio
da concessão dos canais de informação a grandes grupos
empresariais começaram a se manifestar em busca de formas de comunicação alternativas. Dessa resistência nasce
a educomunicação.
Segundo o coordenador da licenciatura em Educomunicação da Universidade de São Paulo (USP), Ismar de
Oliveira Soares – um dos pioneiros do estudo da temática
no Brasil –, a gênese da educomunicação está na vida social e não nas escolas, mas a prática educomunicativa no
ambiente escolar é importante para crianças e adolescentes porque permite que eles não só discutam, mas lutem
e vivenciem o direito à comunicação. “Esses meninos e
meninas têm direito de saber sobre seu direito à comunicação, direito de viver experiências e práticas de liberdade
de expressão”, argumenta.
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A partir dos anos 2000, a educomunicação chega às
escolas, trazendo práticas nascidas nas ONGs. São elas
que fornecem subsídios e assessorias para que esse trabalho alcance o sistema educacional. Por serem mais livres,
tais instituições testaram metodologias e desenvolveram
modelos de excelência de práticas educomunicativas nas
últimas décadas, mas ainda têm alcance reduzido na
imensidão da rede educacional do Brasil.
Em 2007, partiu do governo federal uma iniciativa de
inserção da comunicação no ambiente escolar por meio
do programa Mais Educação – estratégia de organização
curricular na perspectiva da educação integral. O programa incluiu dez macrocampos, dentre os quais comunicação e uso de mídias, direitos humanos em educação,
cultura e artes e cultura digital.
Na avaliação de Paula Kimo, educadora da Oficina
de Imagens, o programa ampliou a jornada para o turno
integral, mas não soube articular os conteúdos regulares
e as outras atividades de forma integrada. Ismar Soares
tece outro tipo de crítica. De acordo com ele, o programa
não proporcionou uma prática efetivamente educomunicativa porque não houve educomunicadores suficientes
para assessorar o projeto em cada uma das escolas contempladas. “O governo federal não conseguiu dar formação para a base porque a base não lhe pertencia. Os
professores eram dos estados e municípios, que, por sua
vez, faziam a interpretação de como aplicar o Mais Educação. Os estados e municípios veem facilidades para
suas escolas ganharem verbas e equipamentos, mas não
existe um ajuste pedagógico entre a proposta do governo
central e a prática das bases”, avalia.
DiretrizesQBSB
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EFqualidade
Segundo o documento Uma abordagem europeia da
literacia mediática no ambiente digital, elaborado pela
União Europeia em 2007, uma educação para a mídia de
qualidade implica três aspectos. Em primeiro lugar, garantir o acesso aos meios e instrumentos de comunicação; em
segundo, estar consciente do processo de construção das
informações, compreender e avaliar criticamente os produtos comunicacionais; por fim, desenvolver habilidades
de produção dos conteúdos midiáticos e participar ativamente na sua criação.
A garantia de acesso vem sendo paulatinamente alcançada com a compra de equipamentos para as escolas.
Mas a insfraestrutura tecnológica, por si só, não basta.
Em diversas instituições escolares, os equipamentos de comunicação ficam encaixotados porque a gestão tem medo
de que os alunos quebrem. Mesmo quando podem ser
acessados, seu uso é frequentemente subaproveitado. Se
o educador não dá atenção ao processo de construção de
sentido dos produtos midiáticos, dificilmente ele vai conseguir provocar a criança e o adolescente a olharem para
os instrumetos de comunicação de forma diferenciada.
Por isso, é importante aliar o acesso a uma compreensão crítica. Aprender a usar a mídia é mais do que manipulá-la tecnicamente. O compromisso da educomunicação é
com a formação – humana e cidadã. “Ali você não está
só ensinando a fazer um vídeo, pegar na câmera ou pro-
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duzir um programa de rádio. Você está debatendo temas
de direitos humanos, temas políticos, temas da realidade
do seu contexto local. Os processos de educomunicação
têm isso de diferente: trazer para a pauta não só a questão
técnica. Atrás de cada vídeo produzido, de cada programa
de rádio, de cada fotografia ou trabalho de design está
uma discussão de direitos, uma discussão simbólica da
sua comunidade”, afirma a jornalista e educadora Rosa
Sampaio, do Auçuba – organização de Recife (PE) que
atua na área de comunicação com adolescentes e jovens.
Desafios e benefícios EB
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OBTescolas
É desafiador implementar um espaço de produção e
reflexão da comunicação no sistema educacional, porque
a escola está cristalizada sobre um paradigma cujo sentido de transmissão de conhecimento é o de quem sabe
para quem não sabe. Essa lógica dificulta às crianças e
adolescentes o entendimento de que podem falar. Segundo Paula, da Oficina de Imagens, “a lógica da educação
escolar que a gente pratica ainda hoje é construída para
vetar nosso direito à comunicação num espaço de troca
e socialização superimportante, que é a escola. A gente
é acostumado com o professor lá na frente e o aluno do
lado de cá, só ouvindo. O estímulo ao exercício da comunicação deveria vir da família, da escola, da comunidade,
mas a gente não tem o hábito de provocar as crianças a
falar e opinar”. A educomunicação, por sua vez, confronta as relações de hierarquia estabelecidas e, a longo prazo, apresenta-se como fonte de transformação do atual
paradigma educacional.
No decorrer do processo formativo, a fluência comunicativa dos estudantes fica mais evidente e os jovens
locutores, cineastas ou jornalistas chegam a se tornar “celebridades” locais da comunidade. Ludyneia Santana, de
13 anos, por exemplo, é reconhecida entre seus colegas
da Escola Municipal Professora Alcida Torres por suas
atividades de monitoria no Cineclube Sabotage. Esforçou-se por demonstrar um bom desempenho nas oficinas de educomunicação e seu esforço foi convertido em
reconhecimento. “Hoje em dia a gente tem um respeito
maior, aonde a gente vai é identificada como monitora do
Cineclube. É bem legal!”, orgulha-se.
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Assim como a colega Rhizia e diversos outros alunos
que vivenciam a prática educomunicativa, a menina também deseja ser jornalista. Mas Rosa Sampaio esclarece
que, embora esse direcionamento profissional seja comum, não é este o objetivo da inserção da comunicação
e uso de mídias nas escolas. “Mesmo se os jovens não
forem trabalhar com nada relacionado à comunicação, o
que importa é que eles levem a atitude política, a mudança de vida pela postura sócio-política de questionar, da
conscientização dos seus direitos. Os jovens saem empoderados”, afirma a educadora do Auçuba.
Além de favorecer a autoestima e o protagonismo, os
estudantes ficam mais curiosos quando expostos a práticas educomunicativas, porque para produzir informação
é preciso investigar. Rhizia exemplifica: “Quando a gente
está dentro do Cineclube, a gente nem só ensina, a gente
é ensinado também. Às vezes eu tenho que pesquisar para
participar do debate e descubro coisas que não sabia, não
fazia ideia. A gente precisa pesquisar os assuntos que serão tratados, conforme definido na curadoria [escolha
dos filmes que serão exibidos] para chegar lá afiado, porque fica muito chato você, como monitor do Cineclube,
não acrescentar nada, ficar calado”.
O questionamento, a investigação e o fortalecimento
da auto-confiança são grandes passos para que crianças
e adolescentes se tornem mais politizados. A educomunicação favorece a participação na vida pública. “A gente
sabe que hoje a grande ágora, a praça pública onde se
discutem as questões políticas no mundo inteiro tem sido
os meios de comunicação, e se eles [meninos e meninas]
não estão dentro desse processo, estão alijados de se desenvolverem enquanto sujeitos de direito, que têm opinião e participação”, defende Nilton Lopes, coordenador
do Núcleo de Incidência Política da Cipó – organização
de Salvador (BA) que atua pela promoção dos direitos infanto-juvenis por meio de interface com a comunicação.
O direito à comunicação é catalisador e perpassa diversos outros direitos. “É como se fosse um caminho,
porque à medida que eu exerço o meu direito à comunicação, vou investigar, entender e pesquisar os problemas
da minha comunidade, vou produzir informação sobre
isso e achar mecanismos legais de cobrar os governos em
relação à situação. O direito à comunicação faz parte
da formação humana. Se a gente tem isso bem claro enquanto política de educação, tem adolescentes mais politizados, mais envolvidos com as questões da cidade e da
comunidade”, argumenta Paula Kimo.

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