bRIGAM pElA ClIENTElA AbAsTADA DA hIGh

Transcrição

bRIGAM pElA ClIENTElA AbAsTADA DA hIGh
SOCIEDADE
Família rompida
Ara (à esquerda)
e Jack: pedido
de R$ 50 mil
por danos morais
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Guilherme Manechini
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SOCIEDADE
ções, Ara deixou o caso por conta
do amigo e advogado. Daquele
dia em diante não o questionou
mais sobre o assunto. Também
manteve a desavença com Jack
sob máxima discrição.
A relação dos irmãos com o
mundo da alta joalheria vem do
berço. O pai, Nerces Vartanian,
foi um importante comerciante de pedras preciosas no Brasil
entre os anos 80 e 90. Conseguiu se firmar em um mercado
dominado por empresas tradicionais, como H. Stern e Amsterdam Sauer, graças ao tamanho
das pedras que vendia, principalmente diamantes e esmeraldas,
sempre maiores do que a média.
A trajetória lhe rendeu lugar de
destaque no Instituto Brasileiro
de Gemas e Metais Preciosos,
maior entidade do setor e na
qual figura entre os principais
doadores. Na mesma época em
que o patriarca era um dos protagonistas do setor, sua esposa,
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Ao atender o telefonema de
Ara, Macedo logo percebeu a
gravidade da situação. Seu amigo não sabia o que fazer e queria
entender quais medidas deveria
tomar em relação ao comunicado
que acabara de receber. O valor
da indenização pedida por danos morais e materiais, cerca de
R$ 50 mil, não era o problema,
mas as acusações: plágio das
joias, do site e concorrência desleal ao tentar confundir o mercado destacando o sobrenome
Vartanian em sua logomarca. Ao
tomar ciência de como Macedo
pretendia responder às acusa116 ii
ii agosto 2015
Lena, era considerada uma talentosa designer de joias. Eles ainda
atuam no mercado, mas não tão
ativamente quanto antes – quem
é do ramo diz que hoje a tradição
da família está praticamente só
nas mãos dos filhos.
O casal Nerces e Lena desembarcou no Brasil no início
dos anos 70, vindo do Líbano,
país que tem uma das maiores comunidades armênias no
mundo. As famílias de ambos
foram para lá para fugir da
guerra com a Turquia, conflito que entre 1915 e 1917 matou
mais de 1 milhão de armênios
e até hoje causa discórdia entre
as duas nações. A Armênia diz
que sua população foi vítima
de um genocídio, reivindicação reconhecida por mais de 20
países e pelo Vaticano. Nerces
e Lena chegaram a São Paulo
com os filhos ainda pequenos.
Jack tinha 3 anos e Ara, alguns
meses de vida. O pai logo se instalou. Em pouco tempo abriu
um escritório na Rua Xavier
de Toledo, no centro da capital
paulista, onde comercializava
pedras preciosas. Anos depois
passaria a trabalhar apenas na
região da Avenida Faria Lima,
área nobre da cidade.
ara vartanian
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algumas das
musas que
já usaram
as joias do
designer
A Rua Barão de Paranapiacaba, conhecida como
a “Rua do Ouro”, é um dos
principais polos de comércio
de pedras e metais preciosos
do país. Localizada no centro
de São Paulo, ao lado da Praça
da Sé, abriga mais de 100 lojas
de joias em sua curta extensão,
inferior a 100 metros. São pelo
menos dez prédios ocupados
quase que exclusivamente por
comerciantes de joias e pedras
preciosas para todos os gostos
e bolsos. Lá, onde há de tudo
quando o assunto é joalheria,
é fácil verificar a reputação da
família Vartanian. “Nenhum
dos dois vem pessoalmente,
sempre mandam funcionários, mas são conhecidos por
aqui, sim”, diz Tânia Maria,
atendente da loja de pedras
preciosas Jen Stone, uma das
maiores da região. A alguns
quarteirões dali, na Rua Barão de Itapetininga, também
no centro, a cena se repete.
“Conheci o sr. Nerces no fim
dos anos 70. Ara e Jack ainda
eram meninos”, conta Jurandir Pego, proprietário da loja
JM. Segundo ele, a rivalidade
entre os irmãos também é sabida no meio. “Mas é coisa de
família, bobagem de irmão.
Os dois estão muito bem no
mercado”, minimiza o empresário. Procurados, Jack e Ara
não quiseram falar com a GQ.
a rotatividade de funcionários
ser alta na empresa. Ao mesmo
tempo em que oferece uma série
de cursos de formação para o
profissional contratado, a cobrança por resultados é grande.
O processo de criação não segue
um padrão. Jack costuma dizer
que anda sempre com papel e
lápis para não perder uma ideia.
O que é certo é a influência da
música, de preferência um rock
clássico, como David Bowie,
Queen ou Metallica.
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Numa tarde de novembro de 2013, Ara Vartanian
passou a mão no telefone
e ligou para o amigo e advogado Ricardo Ferreira de Macedo,
com quem já compartilhou, em
outros tempos, o aluguel de uma
simpática casinha entocada em
um morro na Praia da Barra do
Sahy, no litoral paulista. Desta
vez, no entanto, o assunto não
era praia. O designer de joias,
conhecido por seu jeito tranquilão de ser e por enlaçar pescoços
e vestir dedos de gente famosa
mundo afora, como a top inglesa
Kate Moss e a atriz americana
Liv Tyler, estava chateado. O que
outrora parecia ser uma desavença familiar acabara de se transformar em ação judicial, sendo
ele o réu. Naquele dia, Ara havia
recebido uma citação de que estava sendo processado pelo irmão
mais velho, o também designer
Jack Vartanian. Entre os motivos
estava o de supostamente piratear suas joias.
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Jack, hoje com 43 anos,
foi o precursor entre os
irmãos no negócio de joias.
Começou a trabalhar como designer no fim dos anos 90, após
um período ajudando o pai no
comércio de pedras preciosas.
Na época, achava que o mercado brasileiro era carente de
inovação. Sua primeira tacada
foi montar um corner com peças
próprias na NK Store, a loja chique e badalada de Natalie Klein,
neta de Samuel Klein, lendário
dono das Casas Bahia. Em um
período relativamente curto,
fama internacional
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tem entre
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top model
inglesa
kate moss
menos de cinco anos, celebridades como Gisele Bündchen
e Ivete Sangalo já usavam suas
joias. O pai de Natalie, Michael,
aliás, é um cliente contumaz de
Jack. Junto com o sucesso de suas
peças, o irmão Vartanian mais
velho foi abrindo lojas próprias
no Brasil e mirando o mercado
exterior, seu grande objetivo.
O ritmo de trabalho de Jack
é frenético. Quem o conhece
diz que ele é um empreendedor
nato, sempre atento às possibilidades de ampliar sua grife.
Tal característica também faz
Enquanto ele expandia
a grife Jack Vartanian,
o irmão mais novo, Ara, de 40
anos, estava espichando sua
longa temporada fora do país,
que começou pelos estudos juvenis na Suíça e culminou com
a graduação nos Estados Unidos. Ao terminar a faculdade de
economia na Universidade de
Boston, trabalhou cerca de quatro anos no mercado financeiro
nova-iorquino – um ofício que,
segundo os amigos, tem pouco a
ver com seu estilo. A experiência
em Wall Street não foi adiante.
Em meados do ano 2000 estava
de volta ao Brasil. Foi quando
decidiu desenhar um anel para a
então namorada, a arquiteta Carolina Maluhy, com quem teve
um filho. O sucesso foi imediato
e logo as amigas dela estavam
encomendando joias para Ara.
Começava ali mais uma história
bem-sucedida dos Vartanian no
mercado joalheiro.
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SOCIEDADE
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a concorrência do irmão caçula
e resolveu cobrá-lo na Justiça.
Na ação, o primogênito, entre
outras reivindicações, buscava
a cessão do uso dos nomes “Ara
Vartanian” e “Vartanian” pelo
irmão. Para isso, no processo com
mais de 100 páginas, reuniu fotos
de celebridades que já tinham posado com suas joias e passaram a
usar as peças de Ara. Alegou, ao
mostrar anúncios em revistas de
moda e de celebridades, que o irmão concorria pelo mesmo nicho
de mercado. E, mais grave ainda,
comparou peças produzidas pelos
dois para tentar provar que Ara
havia copiado seus modelos.
Com fama de anfitrião de
festas para lá de badaladas em
sua casa, na região dos Jardins,
Ara é reconhecido por ser extremamente detalhista como designer. Segundo amigos, para
desenhar uma joia ele usa uma
bancada grande, com foco de
luz, e diz buscar o formato que
a peça pode ter a partir de uma
pedra. Entre seus designs de
maior sucesso estão os modelos com diamantes invertidos. A
boa aceitação entre as amigas da
ex-mulher o animou a tentar sonhos mais altos na carreira. Em
meados de 2001, saiu do Brasil
para Nova York com uma coleção própria na mala. Lá, percorreu diversas joalherias até bater
na porta da multimarcas Kirna
Zabête, no Soho. As donas da loja
consentiram que ele deixasse
suas peças na vitrine durante
alguns dias. Ao retornar para
buscá-las, para sua surpresa, a
cantora Céline Dion havia comprado metade da coleção.
118 ii
ii agosto 2015
Durante pouco mais de dez
anos, a concorrência entre os
irmãos aparentou ser saudável.
Ainda que não fossem sócios, um
sempre prestigiava o lançamento
das coleções e as inaugurações
de novas lojas da grife do outro,
e vice-versa. Jack foi o fiador do
ateliê de Ara quando o irmão precisou. Frequentemente também
eram vistos juntos em festas da
alta-roda paulistana. Foi em uma
dessas que, de acordo com relatos
de amigos, a então namorada e
hoje esposa de Ara, a ex-modelo
Sabrina Gasperin, apresentou
casal
Jack Vartanian Ao lado
da esposa
e principal
modelo de
suas peças,
a jornalista
cassia avila
a amiga e também ex-modelo
Cassia Avila para Jack. A química entre os irmãos joalheiros e as
ex-modelos parecia perfeita. Não
demorou muito e, em 2009, Ara
e Sabrina se casaram. O irmão
e a namorada foram padrinhos.
Menos de um ano depois foi a vez
de Jack e Cassia oficializarem a
união. Vieram os filhos e a harmonia entre eles parecia inabalável.
Em meados de 2012, no entanto, o cenário mudou radicalmente. Mais velho e igualmente
genial no trato com pedras preciosas, Jack sentiu-se lesado com
f o t o s g e tt y i m a g e s ; J o a o S a l / A r q ui v o V o gu e
Ao mesmo tempo em que
se empolgava com a
repercussão positiva de seu trabalho, Ara parecia preocupado em
não invadir o espaço do irmão.
No início de 2004, em uma entrevista para uma revista feminina,
ele afirmou que seu foco estava
em outros mercados que não o
Brasil, justamente para evitar a
competição com Jack. Na época,
Ara disse que a família ainda via
sua nova carreira com desconfiança. “Eles têm medo de que
eu desista, canse de brincar de
desenhar joias.”
O rompimento ficou mais
do que explícito, apesar
da discrição dos dois. Nem
mesmo os amigos mais próximos conhecem os detalhes da
briga. Quem sabe prefere não
comentar. GQ procurou mais de
20 pessoas, entre celebridades e
socialites. Aqueles que falaram
sobre o caso pediram para não se
identificar. Do dia para a noite,
os irmãos deixaram de frequentar as mesmas festas. Entre as esposas, que em outros tempos se
consideravam grandes amigas,
o clima também pesou. Antes de
ir a algum evento, Cassia ligava
para as amigas para saber se Sabrina, a esposa de Ara, estava lá.
Mais de uma fonte ouvida pela
reportagem disse que Cassia
foi quem mais deixou transparecer o desentendimento com o
cunhado e a amiga. Uma insatisfação que, coincidência ou não,
cresceu com a ascensão de Ara
no exterior. Tops internacionais,
como Kate Moss e Naomi Campbell, além de usarem as joias de
Ara, frequentemente estavam
em suas festas – passaram, por
exemplo, o Réveillon deste ano
com ele em Trancoso, na Bahia.
Se os dois irmãos já eram
cuidadosos em distinguir suas
marcas, após o rompimento a
busca para reforçar as identidades de cada um virou obsessão.
Um ex-funcionário de Jack, sob
condição de anonimato, contou
que era proibido falar sobre Ara
na empresa. As assessorias de
imprensa de ambos também já
estão orientadas a recusar matérias que pretendam tratar dos
trabalhos dos dois. Nesse sentido, dizem, cada um tem seu
estilo e é importante não aparecerem juntos. Atualmente, Jack
conta com cinco lojas próprias no
Brasil e uma em Nova York. Suas
peças também podem ser encontradas em joalherias de Boston,
Miami, Califórnia e Londres.
Um par de brincos de esmeralda
custa R$ 68 mil. Dependendo da
pedra, no entanto, uma joia pode
chegar a R$ 800 mil. Ara tem
quatro lojas no Brasil e vende
suas peças em dois endereços
em Nova York. Um anel duplo
de ouro branco e rosa, com rubelita e diamantes brancos custa
R$ 88,6 mil.
No processo que corre na 2ª
Vara Cível do Fórum João Mendes, em São Paulo, ao qual GQ
teve acesso, o advogado de Jack,
jack Vartanian
anne
hathaway,
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e jessica
alba figuram entre
as celebridades que já
usaram as
joias desenhadas por
jack
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José Carlos Tinoco Soares Jr.,
argumentou que “em 2009, 2010
e 2011 Ara passou a reproduzir
indevidamente as joias de Jack”.
Afirmou também que “entre
2010 e 2012 Ara passou a ocupar
os mesmos imóveis deixados por
Jack em virtude de sua expansão,
contratando as mesmas modelos
para suas campanhas e copiando
o site do irmão na internet”.
Para o advogado, Ara resolveu ingressar no ramo depois de
ter fracassado em sua carreira
fora do país. “Não logrando sucesso com suas novas atividades,
Ara não vacilou em partir para a
concorrência desleal e violação
de marca ao adotar para seus negócios a marca ‘Vartanian’ do
irmão já famoso e internacionalmente reconhecido”, disse. Em
sua defesa, Ara apenas ressaltou
que os dois são irmãos e filhos
de um grande comerciante de
pedras preciosas. E que, assim
como Jack, também tem prestígio no mercado e na mídia.
Até o momento, a tese de
Ara é endossada pela
Justiça. Em seu despacho, Renato
Acacio de Azevedo Borsanelli,
juiz da 2ª Vara Cível Central, afirmou que só o fato de pertencerem
à mesma família, que tem tradição no ramo, mais do que justifica
que nenhum dos dois abra mão de
ser reconhecido pelo sobrenome.
O juiz acrescentou ainda que durante oito anos Jack nunca se incomodou com a concorrência do
irmão, não ficando claro em que
momento ocorreu o rompimento.
Ele julgou a ação improcedente
e condenou Jack a pagar pelas
custas do processo, despesas e
honorários advocatícios.
Jack recorreu e o fim da
disputa pode levar anos entre
idas e vindas na burocracia da
Justiça. O certo é que ambos
seguirão competindo por cada
venda e pelo maior número de
celebridades que puderem fazer
usar suas joias. Às vezes o que é
ruim para a família é bom para
os negócios.
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