Sem título-3 - Editora Escuta
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Pulsional Revista de Psicanálise 30 30 Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIII, no 130, 30-46 Análise simultânea da mãe e da criança*1 Ilse Hellman, em cooperação com Oscar Friedmann e Elizabeth Shepheard E ste artigo discute a respeito de quem é o paciente em uma análise de crianças. A criança deve ser vista como sintoma dos pais, como um psiquismo independente ou se deve encarar a inter-relação entre o psiquismo parental e o da criança? A consideração destas três facetas da questão possibilita, segundo a autora, que o analista tenha atuações clínicas diferentes, com resultados diferentes. Isto leva à pergunta de quem é o paciente na psicanálise de criança e quais as configurações possíveis para este atendimento. Sua argumentação é ilustrada com vinhetas de casos de sua própria clínica e outros exemplos. Palavras-chave: Psicanálise, tratamento simultâneo, mãe-criança, patogenia This article discuss how to consider the patient in a child analysis: should the child be seen as a consequence of the parents symptoms, as having a independent mind, or one has to deal with the relationship between parental and child mind? For the author, to consider these three facades of the question gives the opportunity for the analyst to have different ways of action with diverse results. This fact leads to the question about who really is the patient in a child analysis and which are the possible settings where it can take place. Her approach is illustrated with vignettes taken from her own and others clinical experiences. Key words: Psychoanalysis, simultaneous analysis, mother-child, pathogenie * Este artigo foi originalmente publicado in Psychoanalytical Study of the Child, XV, 1960. Tradução de Eduardo Seincman e Monica Seincman. 1. Esta comunicação é parte do Projeto de Pesquisa intitulado “Análise simultânea da mãe e da criança”, conduzida na Hampstead Child Therapy Clinic, em Londres. Este estudo específico foi financiado pelo Psychoanalytic Research and Development Fund, Inc., de Nova York. Comunicação lida no Encontro Científico da Sociedade Psicanalítica Holandesa, Amsterdã, em 23 de outubro de 1959, e na Sociedade Psicanalítica Britânica, Londres, em 2 de dezembro de 1959. Análise simultânea da mãe e da criança A persistência de uma ligação íntima entre certas crianças e suas mães, muito além da idade e intensidade normais, há muito tempo chamou a atenção dos analistas de criança. Questões relacionadas à natureza de uma ligação tão especial, seu efeito sobre a criança em crescimento, e os meios de comunicação entre mãe e filho, deram origem ao desejo de se estudar as duplas mãee-filho através de análises simultâneas. Este desejo surgiu da experiência clínica com casos em que a participação da mãe nos distúrbios do filho se constitui em um obstáculo para a sua recuperação, e nos quais se sente que os resultados favoráveis, duradouros, podem ser conseguidos e mantidos apenas se as condições maternas existentes puderem ser igualmente modificadas. Há cerca de vinte e cinco anos, baseada em observações realizadas no curso do tratamento analítico de crianças, Dorothy Burlingham (1932) descreveu uma variedade de meios pelos quais uma mãe pode experimentar a intrusão do analista em sua ligação íntima com a criança e como, tanto para a mãe quanto para a criança, tal intrusão em certas áreas de suas vidas pode ser experimentada como uma ameaça preocupante. Têm sido realizadas nos últimos anos muitas pesquisas relativas à questão do efeito patogênico da mãe na criança, especialmente no que diz respeito à psicose e às doenças psicossomáticas nas crianças. Muita atenção tem, recentemente, sido dada na Inglaterra à 31 participação da mãe na incapacidade da criança de se separar dela, como acontece na situação conhecida como “recusa da escola” (ou “fobia escolar”). Augusta Bonnard, já em 1949, havia enfatizado este aspecto, e Adelaide Johnson tem se preocupado com os mesmos problemas nos Estados Unidos. A consciência e resposta da criança às fantasias inconscientes da mãe, e a relação da sintomatologia da criança aos desejos inconscientes da mãe têm sido estudados por Melitta Sperling (1950, 1951, 1954) por meio de análises simultâneas. Em suas publicações ela não lidou com o aspecto transferencial de seus casos e, especialmente, não tratou do fator complicador de analisar sozinha a ambos, mas outros analistas, em suas discussões, o fizeram. Em seu estudo intitulado “Análise simultânea da mãe e da criança” (1955), Dorothy Burlingham evitou as armadilhas da transferência dupla adotando um método diverso. Criança e mãe eram analisados por analistas diferentes que relatavam o material separadamente em entrevistas semanais com ela. Estes relatos verbais e escritos formaram a base de sua pesquisa. A oportunidade de trabalhar em uma linha similar, estudando o material retirado das análises concomitantes de duas mães e seus filhos, foi me oferecida há três anos no âmbito do projeto de pesquisa sobre as “Análises simultâneas” na Hampstead Child Therapy Clinic. Cinco duplas mãe-filho 32 e uma mãe com seus dois filhos gêmeos se encontram em análise, no presente momento, sob este esquema. O material de caso que escolhi vem da análise de um menino, Eric, que no início do tratamento tinha onze anos, e de sua mãe, a Sra. A. O analista da mãe era o Sr. Oscar Friedmann. Com seu súbito falecimento em dezembro de 1958, o tratamento da mãe foi abruptamente interrompido após praticamente dois anos. O menino está agora em seu quarto ano de tratamento com a Sra. Elizabeth Shepheard, uma estudante do curso de Terapia Infantil da Hampstead. O fato de as terapias simultâneas terem durado menos de dois anos priva-nos de uma boa dose de compreensão necessária para uma avaliação completa. No entanto, as observações feitas neste período merecem ser discutidas. Meu trabalho se baseou em relatórios semanais e em encontros regulares com o analista da mãe e a terapeuta do filho, separadamente, para discutir e ampliar os pontos que a mim pareciam relevantes. Além disso, nesses encontros os terapeutas me trouxeram as sutis nuanças de sensações experimentadas na transferência e contratransferência, o que não pode ocorrer através da escrita. INFORMAÇÕES DE FUNDO Quando a Sra. A. e Eric vieram pela primeira vez à Clínica Hampstead, os membros da equipe reconheceram neles muitos dos traços freqüentemente encontrados nas duplas mãe-filho que consultam ambulatórios de clínicas Pulsional Revista de Psicanálise pediátricas antes de finalmente chegarem ao encaminhamento infantil. Winnicott (1948) descreveu tais duplas em seu comunicado “Reparação com relação à defesa desorganizada da mãe”. Ele fala da estreita linha de demarcação existente entre os medos hipocondríacos normais da mãe em relação a seu filho e sua hipocondria patológica que se prolonga no corpo da criança. Ele menciona um menino que veio sozinho ao seu ambulatório dizendo: “Por favor, doutor, minha mãe reclama de uma dor em meu estômago.” No caso de Eric, há uma ligeira dúvida sobre esta linha demarcatória. Ficava-se imediatamente surpreso pela intensidade dos medos hipocondríacos da mãe em relação ao seu filho; e o menino já tinha ultrapassado as queixas maternas dos medos e dores. Estava claro que os temores de doença já eram seus, assim como os medos de sua mãe. Ele parecia estar ciente da internalização que havia ocorrido quando, logo no início de seu tratamento, referindo-se à sua digestão, falou à terapeuta: “Antes, só a mamãe costumava se afligir, agora sou eu.” As análises paralelas trouxeram à luz experiências simultâneas de angústia relativa à saúde e dores físicas. Esta era uma das principais áreas de interação. A outra, a esta relacionada, referia-se à influência mútua do significado inconsciente que a alimentação e nutrição possuíam na relação entre mãe e filho. Tanto uma quanto a outra conduziram à incapacidade do menino de se separar de sua mãe e, Análise simultânea da mãe e da criança conseqüentemente, à sua recusa de ir à escola. Ele jamais a havia deixado antes de sua entrada no hospital para fazer uma cirurgia de amígdalas aos três anos de idade. O seu pânico de separação era tal, que ele foi reconduzido à mãe um dia depois. A operação foi realizada aos cinco anos de idade, quando a ela se submeteu passivamente. Se Eric tivesse desenvolvido apenas sintomas somáticos, eles provavelmente não teriam vindo para uma orientação infantil, continuando a circular pelos ambulatórios pediátricos dos grandes hospitais. Mas, de repente, aos onze anos, Eric se tornou incapaz de freqüentar a escola. Ele havia sido um aluno bem-sucedido, entrado em uma escola primária sem dificuldade; tinha um Q.I. de 132 e uma capacidade de aprendizado ilimitada. Sua recusa em ir para a escola começou nas últimas semanas do período letivo de verão da pré-escola. Coincidiu com a decisão de sua mãe de trabalhar, o que significava que ele deveria comer na escola. Após três dias de trabalho de sua mãe, Eric voltou da escola de manhã e, em um estado de angústia, telefonou para o seu trabalho pedindo que ela voltasse imediatamente. Ele disse que estava se sentindo enjoado e com medo de vomitar. Tudo foi feito para tentar convencê-lo a voltar, mas em vão. A mãe abandonou o emprego. Após as 2. Bairro judeu no leste de Londres. (N. da T.) 33 férias de verão, na hora de começar o primeiro grau, foi à escola apenas uma vez, sendo incapaz de retornar. Durante grande parte do ano seguinte, ele não pôde largar de sua mãe, mesmo quando estava em casa. Disse que duas coisas o aborreceram bastante no primeiro dia de escola: havia sido mostrada a enfermaria a todos os garotos novos, e de sua classe ele podia ver o cemitério. Eric era pálido e magro; em momentos de angústia – e eram muitos – ele parecia doente. Sua mãe era uma mulher pequena e falante; sua aparência variava notavelmente com suas mudanças de humor: ela podia parecer alegre, cuidadosamente vestida em cores vivas, ou infeliz e descuidada; em ambas as situações chamando atenção para seu estado de espírito. A Sra. A. era filha de um comerciante de roupas usadas do East End2, o qual contraiu a doença de Parkinson quando ela tinha cinco anos de idade, ficando pro g r e s s i v a m e n t e i n c a p a c i t a d o . Morreu quando ela estava com vinte anos. Durante todos estes anos, a mãe da Sra. A. cuidou dele com grande devoção, embora se dissesse que ela o dominava. Pela descrição parecia que a mãe da Sra. A. também tinha medos hipocondríacos em relação a si mesma e seus filhos. Ela se suicidou quando a mãe de Eric tinha quase trinta anos. A Sra. A. possuía um irmão três anos mais novo que morreu criança e um outro, 34 cinco anos mais novo, com quem ela sempre teve uma relação extremamente próxima. Era óbvia, para quem quer que os visse na Clínica, a incapacidade de Eric de se separar da mãe e a preocupação que mãe e filho dividiam quanto ao estado de saúde deste. A outra característica marcante era a hostilidade franca que permeava a relação de ambos, sendo que a mãe não ocultava sua versão da história ao menino. Ela era capaz de afirmar que não o desejara, que tinha tentado o aborto, e que ficara desesperada por não tê-lo conseguido. Ela forneceu uma descrição vívida de sua hostilidade com relação a ele desde o princípio, e de suas tentativas de suprimir seus sinais precoces de agressão e desobediência. O seu fracasso crescente levou a mútuos ataques físicos, tendo o menino tomado a frente a partir dos quatro anos, quando foi capaz de machucá-la a ponto de ela parar de bater nele. Hostilidade aberta, raiva de sua teimosa recusa em fazer suas vontades, alternando com a angústia a respeito da saúde do filho, eram os sentimentos predominantes que ela levou aos membros da Clínica em seus primeiros contatos. Com relação ao marido, duas afirmações caracterizavam seus sentimentos: que ele vinha de classe social inferior, um operário (enquanto seu pai havia sido um vendedor); e que lhe faltava um dedão. Esta necessidade de denegri-lo, de negar sua masculinidade e de tratálo como um impotente, um ser impres- Pulsional Revista de Psicanálise tável, era intensa. De fato, ele era um operário experiente, ganhava bem, mas se submetia, em silêncio, ao domínio dela. Ele expressava desapontamento com o garoto e se sentia paralisado com relação aos problemas de Eric e da mãe. A necessidade da Sra. A. em manter o controle sobre a capacidade de desenvolvimento das ações de independência do menino e de sua masculinidade será mostrada em detalhes. Na maior parte do tempo, o comportamento franco do menino com relação à mãe pode ser melhor caracterizado pela palavra “brutalidade”; ele era brutal no trato com sua terapeuta sempre que ela representava a faceta perigosa da mãe. Ele exigia, ameaçava, e tentava agredi-la fisicamente. Também demonstrava total ausência de preocupação, característico da brutalidade, e jamais tentava se desculpar por um estrago feito. Era incapaz de experimentar culpa. Quando suas fantasias exigentes, destrutivas e sádicas alcançavam um grau intolerável, ele desmoronava de exaustão física, dores no corpo e medos hipocondríacos. Nas sessões, deita-se no divã ou no chão, parecendo doente, subjugado por seu medo de doença e morte. Seus medos se centravam no temor de ter comido alimento estragado, de ter se infectado com germes, especialmente pólio. Durante a sessão, após ataques de fantasias sádicas, sob a forma de jogos ou ações, era, às vezes, perseguido por fantasmas que o faziam correr em grande velocidade pela estrada da Clínica a Análise simultânea da mãe e da criança fim de escapar deles – ou melhor, da vingança fantasiada de sua terapeuta. Por um bom tempo, ele trouxe sua parte sã, ativa e criativa para o tratamento apenas quando transferia para a terapeuta os aspectos tranqüilos e construtivos de seu pai. A necessidade de possuir um porto seguro fez com que ele persistentemente mantivesse uma imagem positiva parcial do pai; ele negava a existência de um aspecto assustador do pai, assim como de seus próprios impulsos agressivos contra ele, embora seus pesadelos os tenham denunciado desde o princípio. A decisão de oferecer tratamento à mãe ocorreu três meses após Eric ter começado o dele. Haver trabalhado com ele durante aqueles três meses acrescentou novos dados às observações adquiridas no contato superficial com a mãe. Havia, agora, claras indicações das áreas em que os distúrbios dela pareciam estar profundamente vinculados aos dele. Elas se centralizavam em torno da ingestão e digestão do menino, dos perigos que rondavam a sua saúde e vida, e do papel da mãe na situação edípica dele. A Sra. A. aceitou o tratamento com relutância, deixando claro que ela não necessitava de ajuda, mas que estava preparada para fazer tudo que pudesse pelo bem do menino. Mais tarde, ela pensou no tratamento como uma possível cura de sua enxaqueca. Como era esperado, ela provou ser uma paciente extremamente problemática, brigando insistentemente com seu analista, sem- 35 pre disponível no horário das sessões, especialmente no que tange à regularidade e pontualidade. A empatia inesgotável do analista, sua compreensão das profundas angústias e depressão de sua cliente – que fizeram com que ela se voltasse em pânico para atacar o mundo externo –, lentamente a conduziram, na transferência, a experimentar bons sentimentos em si própria e a ver os aspectos bons de seus objetos de amor, presentes e passados. Emergiram as primeiras experiências de tristeza e culpa relacionadas aos seus falecidos pais. Foi trágico, a esta altura, quando os primeiros sentimentos de amor apareceram, que ela tivesse de viver a perda de seu analista. Ela não queria continuar com outro terapeuta. O SIGNIFICADO DA COMIDA NA ANÁLISE DA MÃE E DA CRIANÇA A incessante demanda de Eric por tempo, sua insistência por mais e mais materiais para trabalhar, sua impaciência e desespero quando seus pedidos não eram atendidos, forneceu à terapeuta uma experiência vívida de sua avidez e angústia. Ao mesmo tempo, a descrença na bondade e segurança da mãe, e na capacidade ou desejo da terapeuta em satisfazê-lo, evidenciou uma criança desprovida da antecipação de experiências boas e satisfatórias. Cada experiência satisfatória permanecia separada da precedente; a seguinte tinha de ser reconquistada e retirada desta. Qualquer atraso tornava sua angústia surpreendentemente intensa, levando à raiva e 36 sendo seguida de passividade e tristeza. A própria comida formava o núcleo de suas atuais batalhas com a mãe; exigia comidas especiais caras que ela não podia, e ele tinha noção disto, se dar ao luxo de comprar. A consciência que ele tinha dos conflitos inconscientes da mãe, relacionados à comida, se tornou claramente visível, e a noção que ele tinha do medo dela com respeito à sobrevivência dele, garantiu-lhe o controle sobre ela. No próprio tratamento da mãe, o analista experimentou a sua exigência e agressividade, bem como a ausência de boas expectativas. Ela tinha lidado com sua agressão oral, e o conseqüente medo da fome e vazio, adquirindo controle onipotente sobre a comida e tornando-se a pessoa cujo poder sobre seus objetos repousava na alimentação que ela fornecia ou retirava deles. Concomitantemente, ela era assombrada pelo medo de que a comida que fornecia poderia estar estragada e causar a morte de alguém. Seus desejos de morte contra um irmão-bebê, nascido quando ela contava três anos, o qual morrera logo após o nascimento, havia reforçado sua crença em sua onipotência destrutiva. Agora, Eric representava o objeto que ela alimentava abundantemente, ao passo que seu marido era mantido vivo com o mínimo possível. Ela jamais poderia recusar as extravagantes demandas que Eric repetidamente colocava como: “Ela tem que me comprar salmão de dezesseis xelins por libra.” O pensamento de que ele poderia Pulsional Revista de Psicanálise não comer nada se ela não realizasse seus desejos implicava, em sua mente, uma ameaça suicida da parte dele, que a deixava em pânico. Sua própria mãe havia cometido suicídio. Ela percebeu não ter tido consciência alguma do estado de espírito de sua mãe que precedera tal evento. Ela também não tinha consciência da tristeza, depressão e necessidade de apoio de Eric e de outras pessoas. Ela estava, inconscientemente, esperando a repetição da experiência suicida através de Eric. O sentido do suicídio e dos desejos de morte contra ele, especialmente a tentativa de aborto, tornaram-se claros e podiam ser vinculados com suas fantasias onipotentes de poder sobre a vida e morte por intermédio da comida. Com alimento, ela o manteve vivo e a ela atrelado; mas abrindo as cortinas de seus desejos de morte, ela lhe dera comida que, na verdade, sabia estar estragada. As fantasias de Eric com a comida da mãe mostraram que ele partilhava a crença onipotente no poder que ela possuía; só a comida dela poderia mantêlo vivo; e, por meio desta, ele permanecia ligado à mãe. Ele era incapaz de comer um alimento que ela não tivesse preparado; mas descobrimos que, ao mesmo tempo, ele suspeitava da comida, temia ser envenenado pela mãe, e tinha de investigar cada bocado. A projeção de sua agressão oral em seus temores paranóides relacionados à comida da mãe desempenharam, claramente, um papel importante. Mais tarde, suas fantasias levaram aos Análise simultânea da mãe e da criança temores de gravidez e desejos passivos relacionados ao pai. Ele se identificou com a mulher sofrida, e a identificação com a mulher grávida conduziu a uma vívida experiência de trabalho, com dores e exaustão na sessão. Se tivéssemos nos restringido apenas ao material da análise de Eric, teríamos que ver a projeção de sua agressão oral como o fator decisivo em seu medo de ser envenenado. Nossa visão do material da mãe, entretanto, nos mostrou que o seu desejo inconsciente de envenená-lo era real e irrompeu repetidamente. Eric experimentou essas rupturas, a angústia que as seguiu, e as defesas subseqüentes intensificadas como prova sempre renovada de que seu medo de ser envenenado era justificado. Neste âmbito, o problema da comunicação não é difícil de ser resolvido. Após as refeições, quando ela lhe dava comida que não era, de fato, nem fresca nem estragada, suas angústias se tornavam intensas. Ela, então, perguntava-lhe repetidamente a respeito de sua digestão, indagava sobre possíveis dores, olhava ansiosamente para ele e – sempre que sua angústia se tornasse muito forte a ponto de não mais tolerar a incerteza – dava-lhe um de seus muitos comprimidos para compensar o dano fantasioso que havia feito. Eric infalivelmente tomava estas pastilhas. Ele partilhava todas as crenças mágicas da mãe, usava apetrechos das vestimentas dela para segurança extra, e tomavam os mesmos comprimidos para prevenir o que eles antecipavam 37 como sendo a mesma doença. Ele até tomava pílulas prescritas para as dores menstruais da mãe. Ela, por sua vez, sentia a angústia e dor do menino como prova de que sua fantasia de tê-lo machucado era real, e a angústia que ele percebia na mãe confirmava a realidade de seus próprios temores. Tanto Eric quanto a mãe mostravam uma intensa angústia em relação a tudo sobre o que eles não tinham poder. Ele o expressava principalmente em relação ao clima, ao processo digestivo e germes. A tentativa de saber os detalhes sobre as doenças e o funcionamento corporal induziam, em ambos, sentimentos passageiros de domínio, porém, mais conhecimento trazia igualmente maiores ameaças. A crença mágica nas pílulas e o fato de as tomarem no início das sensações momentâneas ou fantasiadas era uma característica constante. Suas fantasias de unidade corporal tornaram-se patentes nas experiências simultâneas de dor. Ambos a antecipavam e a sentiam, projetando-a agressivamente um sobre o outro, e identificando-se, respectivamente, com as dores do outro. Apenas recentemente no trabalho analítico com Eric é que a separação de suas sensações corporais em relação à sua terapeuta começaram a aparecer, após uma fase de experiência comum fantasiada. Isto gradualmente acabou com a crença mágica de que as suas experiências e as da mãe eram as mesmas. No tratamento da mãe, foram observadas tentativas similares de ela 38 estender suas dores ao analista e desejar que ele as compartilhasse. A sessão mais instrutiva a este respeito foi uma em que ela queria que o analista sentisse suas dores menstruais – aliviando-a em virtude da sensação de que ele também sentia dor –, que não houvesse mais diferença entre homem e mulher, e que deste modo eles se uniriam. O NÓ SEXUAL ENTRE MÃE E FILHO A intensidade da hostilidade de Eric, que apareceu sem defesas na transferência, e a indulgência irrestrita nas fantasias sádicas eram surpreendentes. Ele foi, assim, por um bom tempo, um cirurgião que enganava os pacientes no hospital, prometendo a cura, mas, na verdade, fazendo-os sofrer a mais intensa dor decepando seus membros, arrancando suas peles etc., de modo que eles jamais pudessem se recuperar. Ele, assim, expressava a suspeita em relação à terapeuta e ao tratamento, projetando nela o seu próprio sadismo. Ele tentou, por si mesmo, dominar sua angústia, tornando-se um cirurgião sádico. O trabalho analítico nesta área levou às suas fantasias sádicas de relação sexual e à sua angústia de castração, que foi experimentada nestas sessões como repentinas dores abdominais e angústia sobre uma possível operação de apêndice. Seus impulsos agressivos de rivalidade com o pai e seu medo dele estavam fortemente defendidos e permaneceram inacessíveis por um longo tempo. Sempre que uma interpretação tratasse Pulsional Revista de Psicanálise do aspecto sexual das fantasias sádicas, ele evitava as sessões. Esta resistência mostrou que ele podia falar com certa facilidade a respeito de matar e torturar, mas que o aspecto libidinal, sexual, de suas fantasias estava fortemente guardado. Isto finalmente levou a terapeuta à convicção de que ele estava guardando um segredo. Mais tarde soubemos mais sobre a natureza deste segredo a partir da análise da mãe. Ela gradualmente pôde admitir que sua única gratificação sexual centrava-se em um intenso jogo amoroso com Eric. Ela era frígida com o marido e lutou contra as tentativas dele de ter relação sexual com ela, fingindo doença ou trazendo o menino para o quarto. Entretanto, ela podia atingir o orgasmo segurando Eric apertado e o estimulando em completo desamparo. Tais cenas começavam com lutas com o menino briguento e excitado, até que ele finalmente ficasse desarmado com a própria excitação e com a superioridade da mãe. Às vezes, ela enfiava a língua em sua boca. A origem desta prática pode ser relacionada às suas lembranças da cena primitiva em que as observações ou fantasias de sexo oral tinham um papel essencial. Durante ou após estas observações precoces de relação sexual, ela descarregava sua excitação e raiva através da masturbação e, posteriormente, usava seu irmão mais novo como parceiro. Em suas fantasias de masturbação e nos jogos sexuais com seu irmão, ela desempenhava o Análise simultânea da mãe e da criança papel de pai, utilizando a sua língua para penetrar. Seu horror de ser penetrada e de sentir o homem por cima dela impediu-a, por vezes, de ir às sessões. Quando, então, aparecia, ela tentava barrar as palavras do analista invertendo os papéis, atacando-o, tal como tentara fazer, ao brigar com o marido. A plena experiência física dos papéis invertidos e do poder que ela tinha de desarmar o parceiro foram alcançados com Eric que, agora, assumia o papel que o irmão da Sra. A. tinha desempenhado em sua infância. As práticas sexuais com seu irmão tinham continuado até ele atingir a puberdade. Quando finalmente pararam, ela ficou deprimida. Mais tarde, perto de seu casamento, uma doença prolongada ocasionada por uma infecção de ouvido negligenciada, deixou-a imobilizada no hospital por dois anos, logo após a morte de seu pai. Por causa disso, ela reconquistou a total atenção da mãe que agora cuidava dela com a mesma devoção que havia mostrado em relação ao pai. Fantasias de roubar as posses do analista e um certo número de delinqüências imaginárias postas em prática contra lojistas e cobradores de bonde revelaram a fantasia de roubar o pênis do pai. Estas fantasias estavam vinculadas à doença do pai e sua gradual deterioração, pelas quais ela, agora, sentia-se responsável. Para a Sra. A., Eric representava o irmão de sua infância, que, por sua vez, representava também parte de si mesma. O conhecimento adquirido desta parte 39 da patologia da mãe, sua prática sexual com Eric, e a ausência deste material no tratamento do menino, tornaram patente que a hostilidade aberta de Eric contra sua mãe tinha de ser igualmente compreendida em termos de sua necessidade de lutar contra sua sedução, que o ameaçava duplamente, já que ele ficava dominado por seus próprios impulsos e pelo corpo da mãe. Seu temor de ser envenenado e sufocado pode, agora, ser entendido em termos da penetração da língua de sua mãe. Nenhum detalhe específico ou diferenciado destas experiências sexuais apareceu na transferência, mas seu temor de ser subjugado por poderes incontroláveis era freqüentemente vivido na sessão. Ele apelaria, então, ao recurso de mecanismos megalomaníacos pelos quais tentava, em fantasia, ter o controle sobre os poderes que ele temia. Os elementos, e especialmente o clima, representavam os impulsos projetados no mundo externo, os quais tentou controlar por meio de fantasias de uma máquina climática. A realidade de suas experiências físicas com a mãe nos era mostrada apenas pela análise dela. Com relação ao seu temor de ser envenenado, descobrimos que a compreensão e a interpretação de seu medo de ser subjugado permaneceu incompleta somente enquanto era vista em termos da projeção de seus próprios impulsos. Ser estimulado por sua mãe até o desamparo e sentir o corpanzil dela prendendo-o foram experiências reais que continuaram a reforçar sua angústia 40 e contrapuseram-se ao trabalho analítico neste âmbito. Conforme progredia o trabalho analítico sobre o temor de Eric em relação à sua própria agressividade, ele reconheceu sua crença mágica no poder de seus desejos de morte e tornou-se capaz de fazer suas primeiras tentativas de se afastar da mãe. Voltou à escola após um ano de análise, teve os primeiros contatos com outros garotos, veio sozinho às sessões, mas ainda não podia dormir em seu quarto. Gradualmente, compreendemos a seqüência de fantasias que o impossibilitavam de sustentar a sensação de que ele era um ser masculino independente. Sentir-se forte era o mesmo que subjugar a mãe, e significava ser capaz de machucá-la por meio da relação sexual sádica; significava igualmente ser capaz de atacar e matar o pai. Enquanto trabalhava sobre estes sentimentos na análise, ele desenvolveu um sintoma claustrofóbico temporário relacionado ao diretor do colégio cuja morte súbita temia. Durante esta mesma fase, questões similares eram trabalhadas: pesadelos em que ele enfrentava uma mulher sangrando com a cabeça decepada; ataques diretos contra sua analista nos quais ele “acidentalmente” a machucava com uma faca; e muitas fantasias sádicas seguidas de regressão e adoecimento. Crescer e estar separado significava perder a unidade com a mãe onipotente e ao mesmo tempo ser impotente como o pai, ou poderoso e capaz de machucá- Pulsional Revista de Psicanálise la. As próprias fantasias onipotentes da mãe lhe eram transmitidas em palavras ou atos. No triângulo edípico ela tinha um controle desmesurado sobre o pai. Este era um fator importante na incapacidade do menino de se identificar com a masculinidade do pai. O segredo sexual entre mãe e filho, do qual ele devia excluir o pai e a terapeuta, tinha de ser guardado porque revelá-lo traria perigo tanto para a mãe quanto para o pai. Até aqui traçamos a incapacidade da mãe e do filho de desfazerem seu nó sexual, os mútuos desejos de morte e suas projeções. Embora a brevidade da análise da mãe não tenha possibilitado um trabalho abrangente, o papel da depressão – a consciência de ambos a seu respeito e a decorrente angústia – foi mais um fator importante na necessidade que eles tinham de aderir um ao outro. O progressivo desejo de Eric de se separar e de voltar-se para o pai e professores teve sérias repercussões no estado da mãe. Ela viveu as mudanças físicas da puberdade de Eric e a recusa de contato físico entre eles como uma ameaça. A percepção de que ela não podia mais controlar a mente e corpo dele aumentou sua angústia, intensificando a raiva e a necessidade de experiências sexuais com ele. Ambas serviram como defesa contra a depressão e o sentimento de “vazio” que ela tinha sem a sua presença. Ela já não podia mais apelar à sua defesa de exibir satisfação e excitação, e começou a se sentir Análise simultânea da mãe e da criança desvalorizada e desamada. Após assistir a um filme em que a mulher do diretor do colégio seduzia um aluno a fim de salvá-lo da homossexualidade, ela se sentiu extremamente culpada e, pela primeira vez, viu Eric como uma criança a quem tinha prejudicado. Sua luta para que não tivesse mais jogos sexuais com ele, levaram-na à masturbação com fantasias de um homem ideal, apaixonado, a quem, por sua vez, ela não poderia amar, e aos seus primeiros sentimentos de amor na transferência. No início da análise, ela havia recordado os sentimentos de amor por seu pai, mas, agora, experimentava seus primeiros sentimentos de luto por ele e a culpa por sua total despreocupação durante sua longa doença e posterior morte. Após a morte de seu analista, até o presente momento, houve sinais claros de sua luta para deixar Eric se libertar dela. Ela tentou ter satisfação longe dele de acordo com uma fantasia mais antiga em que ela vendia roupas em uma grande loja, superando deste modo o seu pai que vendia roupas usadas. O público e a vida da loja anularam seus sentimentos internos de vazio e de morte. Em outras ocasiões, ela ficou doente, passou por pequenas cirurgias, e adorou o fato de estar na cama e ser cuidada por enfermeiras. Havia sinais definitivos de orgulho por algumas das excelentes realizações de Eric na escola, e um alívio evidente por sua boa saúde física. Não era mais possível a 41 percepção de detalhes de suas fantasias em contatos ocasionais. O EFEITO PATOGÊNICO DA MÃE Do material levantado a partir dos pontos de interação desta dupla mãefilho, podem ser extraídas certas conclusões relativas à questão do efeito patogênico do distúrbio da mãe sobre a criança. Aproximando-nos da questão sob o ângulo do desenvolvimento, surge o seguinte quadro: ao nascer, Eric encontrou uma mãe que não desejava encontrá-lo. O material disponível mostrou que a própria gravidez foi vivida, primeiramente, como “prova de que ela tinha perdido a batalha”, tal como afirmara. Seu marido tinha ganho, tinha empurrado algo nela contra a sua vontade, e sentiu-se compelida a tentar se livrar disto. O bebê dentro dela era sentido como um inimigo. Ela projetou, no bebê, sua própria hostilidade contra a mãe grávida, representando o bebê tanto a sua parte agressora quanto o seu irmão morto logo após o nascimento. Ela se lembrava de ter reagido com raiva aos primeiros movimentos do bebê dentro de si: ela não podia controlar seus movimentos enquanto o carregava. Imediatamente após o seu nascimento, suas fantasias levaram o bebê a um estado de privação de suas necessidades básicas de satisfação. Quando o sentia em seu seio, as fantasias de ser sugada até secar e de ser esvaziada por ele eram o principal; ela experimentou a amamentação como uma luta pela sobrevivência e seu fluxo de leite 42 permaneceu insuficiente. Às vezes, quando a sensação de ser sugada se tornava agradável, o conteúdo do que ela projetava no bebê se alterava e suas fantasias ativas de sexo oral faziam-na retirar abruptamente o mamilo. Por meio destas fantasias, Eric foi desde o início privado das boas experiências de satisfação com o peito, e realmente sentiu fome durante as primeiras semanas, enquanto as enfermeiras tentavam estabelecer a alimentação ao seio sem que houvesse capacidade de cooperação por parte da mãe. Ele foi privado não apenas da experiência real de boa alimentação, mas também do contato corporal em geral. Enquanto era bem pequeno, o temor da mãe de esmagá-lo fez com que ela evitasse tocá-lo o máximo possível. Tampouco poderia permitir que o pai ou outras pessoas a substituíssem, porque ela projetava seus próprios impulsos sobre eles ou ficava submetida a repentinos sentimentos de ciúmes ao ver o pai alegremente segurando Eric, visão que a compelia a interferir. Uma depressão pós-parto levou-a a um retrocesso, à incapacidade de comer, e à conseqüente perda de peso; seus pensamentos focalizaram pela primeira vez a sua mãe morta. Ela tinha de olhar para o bebê constantemente, jamais deixá-lo fora da vista, do contrário poderia de repente encontrá-lo morto. Este medo agudo também teve um efeito imediato sobre o desenvolvimento de sua motilidade. Ele foi mantido enfaixado muito mais freqüentemente e Pulsional Revista de Psicanálise muito além do normal, e lhe foi dada pouca oportunidade de se movimentar livremente quando já estava andando. Assim, Eric não teve os elementos importantes que contribuem para o desenvolvimento normal da fase inicial: faltava-lhe a experiência do manuseio bom e carinhoso, e a antecipação de suas necessidades pela mãe. Eles poderiam ter levado ao estabelecimento, em sua pessoa, de sentimentos de amor fortes o suficiente para mitigar e fundir seus impulsos agressivos, e ao desenho de uma mãe segura e amorosa. Em contraste com o mal causado pela ausência da necessidade de satisfação nos aspectos corporais e emocionais de seu desenvolvimento, houve uma superestimulação contínua de seu corpo inteiro durante toda a latência, adentrando o início da puberdade. O pior estrago causado por tal estimulação sexual intensa, sem adequada descarga, não pôde ser inferido deste material, mas está claro que as experiências físicas passivas com sua mãe impediram-lhe a tentativa de estabelecer a sua genitalidade masculina ativa. Além disso, a angústia pela perda de controle foi elevada pelo fato de serem os acessos de raiva o único caminho aberto para a descarga. O papel da estimulação corporal durante toda a infância, e seu impacto posterior nas questões da identidade, foram discutidos por Phyllis Greenacre (1958). O papel desempenhado pelo narcisismo e agressão oral da mãe, bem como o papel de uma inveja do pênis e suas Análise simultânea da mãe e da criança conseqüências danosas sobre Eric, fica claro a partir do material. Independente do conteúdo de suas fantasias, o efeito desastroso dos mecanismos de defesa da mãe é de particular importância. Esta mãe, como foi mostrado, fez de seu filho um objeto de projeção. A Sra. A. não reagiu às necessidades e impulsos da criança com base na percepção da situação interna de seu filho, mas de acordo com as suas próprias projeções. O comportamento aberto e as diversas necessidades da criança reviveram, na mãe, uma sucessão de diferentes conflitos infantis. Como se tornaram pré-conscientes, eles afloraram manifestações de suas próprias angústias, fantasias e defesas. A criança representava, sucessivamente, aspectos da própria mãe, bem como os diferentes objetos do passado, a partir dos quais ela havia experimentado estes conflitos. Além do mais, ela apelava a pensamentos onipotentes sempre que tinha de admitir que não poderia conhecer ou controlar os pensamentos e sentimentos alheios. Em relação ao analista, ela negava tanto a vontade de saber o que ele sentia e pensava a respeito dela quanto a curiosidade que sentia a respeito da vida particular dele. Em vez disso, ela triunfalmente contou-lhe “fatos” que afirmava saber a seu respeito, colocando grande ênfase na sua “intuição infalível.” Os fatos que ela conhecia por “intuição” eram inteiramente resultantes de seus próprios desejos e projeções. 43 Era particularmente notável o fato de que ela, obviamente, não estava capacitada a utilizar aquelas percepções que poderiam tê-la levado a um conhecimento correto dos fatos. O que ela percebia não era levado em consideração, ou era subseqüentemente distorcido quando a percepção correta poderia provocar uma alta dose de angústia; por exemplo, ela sabia, “por intuição”, que o analista era um solteirão. O pensamento de que ele pudesse ter uma esposa estimulava um intenso ciúme e o desejo de separar um do outro e atacá-la. Conseqüentemente, ela não via os fatos que claramente demonstravam ser ele casado. “Intuitivamente” ela contornava as necessidades da criança e, em seu lugar, forçava nela suas próprias necessidades. A inconsistência das respostas que se seguiram na relação com o filho, induziu Eric a uma constante cautela baseada na necessidade de antecipar os sentimentos e atitudes da mãe. Na última fase de sua análise, esta cautela e sua tentativa de separar seus sentimentos e percepções dos da terapeuta, tornaramse características proeminentes na transferência. Ele observava, percebia e persistentemente testava suas percepções e a confiabilidade destas. Ele tinha de se certificar constantemente que ela não iria subitamente confrontá-lo a um comportamento para o qual ele não estava preparado e que ela tinha sentimentos distintos dos dele. Ele gradualmente aprendeu a aceitar seus sentimentos e percepções como verdadeiros, 44 e por meio desta experiência encontrou sua própria identidade. A distorção materna da realidade externa, à qual o menino estava sujeito, levou-o a um exame falho da realidade. Descobrimos que o pensamento mágico da mãe, a negação onipotente de que ela se utilizava a fim de evitar os fatos intoleráveis da realidade externa, haviam sido introjetados por Eric que, por sua vez, operava a partir dos mecanismos dela a serviço de suas próprias defesas. Mãe e filho experimentaram seus próprios exames da realidade como um perigo, embora por diferentes razões. Para a mãe, o perigo veio do medo de que a criança fosse forçá-la a encarar os fatos inaceitáveis e tentar afrouxar a sua unidade com ela. Para a criança, o exame da realidade e a aceitação dos fatos que não estavam de acordo com o quadro distorcido oferecido pela mãe ameaçavam ocasionar a perda de sua unidade com ela e ter, deste modo, de suportar a carga mais pesada da hostilidade dela. No caso de Eric, a distorção dizia respeito, particularmente, à realidade do pai, a imagem dele como uma pessoa cujos aspectos potentes e masculinos a mãe negava. Em ressonância com a negação da mãe e com o propósito de se defender de sua angústia com relação ao pai, ele também negou o papel real deste. A este respeito, sua negação dos fatos reais era, por sua vez, constantemente reforçada pela mãe que, desta forma, aumentava sua confusão. Por exemplo, quando confrontada com Pulsional Revista de Psicanálise a masculinidade emergente e as mudanças corporais de Eric, ela reagiu à sua questão sobre a sua primeira ejaculação dizendo: “Não tem nada de especial. Todos os homens e mulheres têm isso.” O EFEITO BENÉFICO DA MÃE Embora este comunicado esteja preocupado com o efeito patogênico de certos aspectos dos fortes laços entre mãe e filho, gostaria de dar um exemplo, mostrando o vínculo entre o importante aspecto do relacionamento da mãe com a sua própria mãe, que – em sua repetição com Eric – conduziu a uma área em que Eric se dá bem e pode ser bem-sucedido, e na qual a mãe pode repartir seu sucesso através da identificação. Na parte inicial de seu tratamento, a capacidade de verbalização de Eric estava severamente restringida; as próprias palavras eram perigosas. A maior parte de seu material era trazida por atos e meios não-verbais. Com o progresso de seu tratamento e o gradual desaparecimento de suas projeções persecutórias, a sua utilização de palavras e a capacidade de verbalização aumentaram e o prazer crescente de uma linguagem bonita se tornou aparente. Ele começou a escrever poesia e este esforço criativo levou às primeiras experiências de prazer a respeito de suas boas capacidades e ao sucesso por meio da apreciação de sua professora. Pela análise da mãe sabemos que a po- Análise simultânea da mãe e da criança esia e o desejo de falar de maneira bonita tinham formado, desde a infância, um estreito laço entre ela e sua própria mãe. Este desejo tinha tido uma qualidade defensiva e havia sido objetivado como impeditivo da agressão oral. Significava uma “união secreta” contra o pai, cuja linguagem crua era desagradável para a mãe da Sra. A. Acima de tudo, “a mãe lendo poesia para ela” havia sido uma experiência real de estar durante um tempo em paz com ela, experiência que, simbolicamente, representava boa comida – comida que era exclusivamente dada a ela e à qual tanto a mãe quanto o pai não tinham acesso. Enquanto a Sra. A. não pôde amamentar Eric satisfatoriamente, ela repetia, com ele, sua própria experiência com a leitura. Lendo para Eric, ela o fez sentir sua satisfação com a linguagem bonita. Estes seriam para ele, tanto quanto podemos inferir, os únicos momentos em que ela estava tranqüila e era capaz, em relação a ele, de se preocupar com algo além de seu corpo. Por sua dupla identificação – com sua mãe que dissera as palavras bonitas, e com a criança que as recebera –, ela estava apta a partilhar a alegria de Eric e, neste sentido, progredir. Em um outro âmbito, em que seus dons e atividades se derivavam de sua identificação com o pai, ela os vivenciou como uma rivalidade e sua inveja a compeliu a interferir neste progresso e a arruinar a alegria do menino. Em “Sonhos e ocultismo” (1932), Freud mencionou o problema da 45 comunicação de pensamentos entre mãe e criança, e citou uma observação feita por Burlingham (1932) na qual uma outra explicação, que não a da transferência direta de pensamento entre mãe e filho, podia ser encontrada para a aparente consciência da criança do conteúdo dos pensamentos da mãe em um dado momento. Nas análises simultâneas de Eric e sua mãe, eu não descobri qualquer evidência disto, embora o fato de eu não ter um contato direto com ambos os pacientes possa ser uma explicação. O conhecimento, por parte de Eric, das fantasias da mãe, tanto quanto eu possa percebê-lo, poderia estar sempre relacionado às percepções de seu comportamento manifesto em relação a ele e às pessoas e objetos do mundo externo que os rodeava. Outros pesquisadores fizeram observações similares. Crianças cujos laços com a mãe são caracterizados pela angústia e descrença, tal como no caso de Eric, e cujos laços físicos com elas são irregularmente prolongados, mostraram ser capazes de estar alertas e observar cuidadosamente as menores pistas verbais fornecidas inconscientemente por suas mães. A consciência amplificada das percepções externas e sua interpretação com relação a si próprio são características do paciente paranóide. Quando as idéias paranóides da criança, resultantes de suas projeções, encontram uma realidade externa que confirma estas idéias, quando os próprios desejos de Pulsional Revista de Psicanálise 46 destruição ou de sedução da mãe a tornam não apenas um perigo fantasiado, mas real, a criança se apega tenazmente a esta cautela com relação a ela, mesmo após suas projeções terem sido compreendidas enquanto tais. Só uma mudança interna da mãe pôde finalmente livrá-lo deste aspecto de um laço anormal e da necessidade real de proteger-se dela. BIBLIOGRAFIA BONNARD, A. (1949). “School phobia – Is it a syndrome?” Trabalho lido no Congresso Internacional de Psiquiatria. Paris, 1949. Publicado in Archives, V, 1949. BURLINGHAM, D. “Child analysis and the mother”. Psa. Quart., IV, 1935. ____ . & GOLDBERG, A; LUSSIER, A. (1955). “Simultaneous analysis of mother and child”. This Annual, X. F REUD , S. (1932). New Introductory Lectures on Psycho-Analysis. London: Hogarth Press, 1933. A redação da Pulsional Revista de Psicanálise recebe até o dia 15 as notícias a serem veiculadas no mês subseqüente. O cumprimento deste prazo é primordial para a sua divulgação. G RENACRE , P. (1958). “Early physical determinants in the development of the sense of reality”. J. Am. Psa. Assn., VI. JOHNSON, A. (1953). “Factors in the etiology of fixations and symptoms choice”. Psa. Quart., XXII. ____ . & SZUREK, S. (1942). “Collaborative psychiatric therapy of parentpchild problems”, Am. J. Orthopsychiat., XII. LEVY, K. (1960). “Simultaneous analysis of mother and child”. Psychoanalytic Study of the Child, XV. S PERLING , M. (1950). “Children’s interpretation of their mother ’s unconscious”. Int. J. Psa., XXXI. ____ . (1951). “The neurotic child and his mother”, Am. J. Orthopsychiat., XXI. ____ . (1954). “Reactive schizophrenia”. Am. J. Orthopsychiat., XXIV. WINNICOTT, D.W. (1948). “Reparation in respect of the mother’s organised defense”. Collected Papers. London: Tavistock Press, 1958. Na Livraria Pulsional, você tem 20% de desconto na compra de livros da Editora Escuta. Imperdível!!!