- Programa de Pós Graduação em História

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- Programa de Pós Graduação em História
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
MESTRADO EM HISTÓRIA
HISTÓRIA, TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS
GILBERT ANDERSON BRANDÃO
SÍRIOS E LIBANESES EM CUIABÁ: IMIGRAÇÃO, ESPACIALIZAÇOES E
SOCIABILIDADE.
Cuiabá – MT
2OO7
GILBERT ANDERSON BRANDÃO
SÍRIOS E LIBANESES EM CUIABÁ. IMIGRAÇÃO, ESPACIALIZAÇOES E
SOCIABILIDADE.
Dissertação apresentada para a obtenção do
título de Mestre junto ao Programa de Mestrado em
História – História, Territórios e Fronteiras do Instituto
de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Federal de Mato Grosso.
Orientador: Professor Doutor João Carlos Barrozo.
CUIABÁ – MT
2007
Ficha Catalográfica
B817s
Brandão, Gilbert Anderson.
Sírios e Libaneses em Cuiabá: imigração,
espacializações e sociabilidade / Gilbert Anderson
Brandão – Cuiabá: O Autor, 2007.
144 f. : il. ; color.
Dissertação (Mestrado em História). UFMT –
Universidade Federal de Mato Grosso.
Orientador: Prof. Dr. João Carlos Barrozo.
Inclui bibliografia.
1. História. 2. Sírios. 3. Libaneses. 4. Diversidade
populacional. 5. Cuiabá. I. Barrozo, João Carlos. II.
Universidade Federal de Mato Grosso. III. Título.
CDU – 94:351.88
Catalogação elaborada por Leonel Gandi dos Santos
Bibliotecário UNIC – CRB-512
GILBERT ANDERSON BRANDÃO
SÍRIOS E LIBANESES EM CUIABÁ. IMIGRAÇÃO, ESPACIALIZAÇOES E
SOCIABILIDADE.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Presidente orientador. Professor Dr. João Carlos Barrozo.
______________________________________________________
Examinador Externo: Professor Dr. Marco Aurélio de Oliveira.
______________________________________________________
Examinador interno: Professor Dr. Pio Penna Filho.
Cuiabá, 10 de dezembro de 2007.
DEDICATÓRIA
A minha mãe Albertina, minha avó Glicélia e meu avô
Domingos (in memorian). Por todo amor, dedicação e
desprendimento, que possibilitaram o meu crescimento.
Ao Meu Pai Khaled Mohamad Dahroug (in memorian), libanês
de Karaoun, pela inspiração.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a vida, por sempre estar me dando chances de
ousar e continuar crescendo.
Ao Professor Doutor João Carlos Barrozo, orientador e amigo desde os
tempos de graduação quando me deu a oportunidade de ingressar num projeto de
iniciação científica. Muito do que sou e aprendi, devo a sua orientação criteriosa e
dedicação que tem para comigo e com todos os seus orientandos.
Aos professores Mestres Carlos Américo Bertoline, Flávio Paes e as
Professora Mestre Thereza Marta Borges Pressoti, pelos primeiros incentivos nesse
caminho acadêmico.
Ao Professor Doutor Pio Penna Filho por todo o aprendizado desde os
tempos de graduação, por acreditar e por ter viabilizado através do PADCT boa
parte dessa dissertação.
Aos professores do programa de Pós Graduação em História da UFMT, em
especial os Professores Doutores Oswaldo Machado Filho, Vitale Joanone Neto e
Carlos Alberto Rosa. E em especial as Professoras Doutoras Leny Caselli Anzai por
toda dedicação à frente do Programa de Pós Graduação; Maria de Fátima Gomes
Costa e Maria Adenir Peraro pela oportunidade de troca e aprendizagem durante o
cumprimento dos créditos do mestrado, Regina Beatriz Guimarães Neto, pelos
desafios impostos, por todas as recomendações para a feitura deste trabalho.
A minha amiga de todas as horas Mirian Rejane Guimarães Ferreira,
presença constante durante todos os momentos, desde a graduação até o mestrado,
o coração registrou seus gestos.
Aos meus amigos Anderson Domingos da Silva, Julio César Coelho, Maria
Carolina Ramos e Rachel Tegon de Pinho, por terem feito cada momento valer a
pena, por estarem sempre juntos a mim e participarem ativamente dessa minha
conquista.
Aos amigos Antonio Braz Spolti (Guido) e Priscila Xavier, como era bom
“operar desvios”, alegria e companheirismo em todos os momentos do mestrado. A
Antonio Leôncio pela irreverência, sua loucura é inspiradora.
Aos colegas do programa de pós graduação, em especial Ângela Magalhães,
Gilberto Brizola, Viviane Gonçalves e Célio Pedraça por todos os momentos de
aprendizagem e descontração nesses últimos dois anos.
A Mônica Acendino do Programa de Pós Graduação, presença constante,
simpática e competente, pronta nos auxiliar em qualquer problema. Seu carinho ta
registrado.
A Famíla Ramos, nas pessoas de Severino Ramos e Neide Ferraz Ramos,
por todo suporte, pela partilha constante. Aos amigos de longa data Cláudio, Eblin,
Paulo, Davenir, Mario e Márcia, pela calorosa acolhida no Rio de Janeiro, por
ocasião de minha visita ao Arquivo e Biblioteca Nacional, pela partilha, por tudo.
Aos novos amigos, colegas da UNIC, Maristela, Rosemai, Gesevany, Maria
Angélica e Débora, por terem agüentado toda minha loucura nesses últimos meses.
A Yasmin Jamil Nadaf, e aos meus Depoentes Jamil Boutros Nadaf, Aidda
Nagib Saddi, Mirian Saddi, Ivens Cuiabano Scaff e Lourdes Kalix Ferro, por me
deixar ouvir suas histórias, pela partilha da vida e história de suas famílias.
A Luis Castanha, quase um anjo da guarda, sempre possibilitando que eu
tivesse livros à mão, mesmo quando não tinha recursos no momento. A Luzinete e
Vanda Silva do Arquivo Público do Estado de Mato Grosso, por toda atenção e
indicação de documentos durante minha pesquisa. Aos funcionários do NEDHIR
toda atenção dedicada a nós pesquisadores.
Aos meus irmãos Gislaine, Khadyge, Magyda, Oumar e Zaryf, por estarem
sempre presentes em minha vida, por serem parte formadora do que sou. A Issaf
Araji Dahroug pelo carinho, pela preocupação comigo durante esses anos de
mestrado. A minha família materna, pelos incentivos, por suportarem minhas
ausências nesse momento em que o recolhimento se fazia necessário
Enfim, a CAPES /CNPQ, pelo financiamento dessa pesquisa, por tornarem
possível a realização desse trabalho
EPÍGRAFE
“A reminiscência funda a cadeia da tradição, que
transmite os acontecimentos de geração em geração. Ela
corresponde à musa épica no sentido mais amplo. Ela inclui
todas as variedades da forma épica. Entre elas, encontra-se
em primeiro lugar a encarnada pelo narrador. Ela tece a rede
que em última instância todas as histórias constituem entre si,
uma se articula na outra, como demonstraram os orientais. Em
cada um deles vive uma Sherazade, que imagina uma nova
história em casa passagem da história que está contando. Tal
é a memória épica e a musa da narração”.1
1
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 31.
RESUMO
A presença de sírios e libaneses no Brasil se tornou bastante significativa a partir da
década de 1880. Nesse período, dinâmico e conturbado, o Brasil, um país com suas
instituições ainda se fortalecendo, elaborava leis e lançava decretos, visando uma
melhor definição do perfil da população desejada para o país. Nesse sentido,
definia-se o perfil de imigrantes desejados, idealizados, sempre ligado a teorias
raciais em voga na época. Mesmo fora do perfil definido como ideal nas últimas
décadas do século XIX, que era o europeu de origem latina, os sírios e libaneses
constituíram parte importante do quadro de imigrantes que entraram no Brasil,
contribuindo significativamente para formação da população e desenvolvimento da
diversidade populacional do Brasil. No Estado de Mato Grosso, a ânsia propagada
pelos discursos oficiais era a de povoar o Estado, com imigrantes e garantir a
exploração de suas riquezas naturais propiciando seu desenvolvimento econômico.
Havia também no Estado, a exemplo do Brasil, uma preferência pelos imigrantes de
origem européia, e uma necessidade de se livrar do perfil de indolência atribuída à
população local, num claro discurso “racista”. Os primeiros imigrantes sírios e
libaneses que chegaram a Cuiabá, professavam a fé cristã e tinham suas atividades
produtivas no país de origem ligadas a agricultura, entretanto se dedicaram as
atividades de mascate num primeiro instante, e posteriormente a abertura de
empresas comerciais. Fizeram-se presentes no processo de expansão comercial e
populacional da Capital de Mato Grosso, e se integraram a sociedade local,
estabelecendo sínteses culturais, a ponto de em tempos atuais, os descendentes
desses primeiros sírios e libaneses corresponderem em parte, ao que comumente se
representa como “Cuiabania”.
Palavras chave: História, Sírios, Libaneses, Diversidade populacional, Cuiabá.
RÉSUMÉ
La présence des immigrants d‟origine syrienne et libanaise au Brésil est devenu très
important dès la décennie de 1880. Au cours de cette période, dynamique et en
difficulté, le Brésil, un pays avec ses institutions lesquelles étaient encore en
renforcement, élaborait des projets des lois et des décrets en visant à mieux définir le
profil de la population du pays. En conséquence, on a vérifié la mise en place du
profil des immigrants, désirés et idéalisés, lequel est connecté à des théories raciales
en vogue à l'époque. Même en dehors du profil défini comme idéal dans les
dernières décennies du XIXe siècle, c‟est-à-dire le profil européenne d'origine latine,
les immigrants d‟origine syrien et libanais ont constitué la majorité des immigrants qui
sont arrivés au Brésil, en contribuant de manière significative à la formation et au
développement de la diversité de la population au Brésil. Dans l'État du « Mato
Grosso », le désir, propagé par les discours officiels, c‟était le désir de peupler l'état,
avec les immigrants tel que assurer l'exploitation de leurs richesses naturelles pour
aider le développement économique de cette région. Il y avait aussi dans l'État,
comme le Brésil, une préférence pour les immigrats d'origine européenne, et il y a
avait aussi la nécessité de se débarrasser de l'image de l‟apathie attribuée à la
population locale, dans un discours «raciste». Les premiers immigrants libanais et
syriens qui sont arrivés à « Cuiabá », étaient chrétiennes et leurs activités
productives, dans le pays d'origine, étaient relatives à l'agriculture, mais ils,
désormais, étaient consacrés à des activités d'un colporteur, et ensuite, ils sont
consacrés à l'ouverture du marché des entreprises. Ils ont aidé le processus de
l'expansion du commerce et de la population de la capitale du « Mato Grosso », et ils
ont intégré la société locale par la création de la synthèse culturelle jusqu‟au présent
de nos jours. On peut dire que ces immigrants, syrians et libanais, peuvent
correspondre, en partie, à ce qui on est communément répresenté comme la
« Cuiabania ».
Parole-clé : Históire, Syriens, Libanais, Diversité de La population, « Cuiabá ».
LISTAS
Tabelas
Tabela 1 - Imigração Estrangeira (sic) no Brasil entre 1884 e 1943 ....................... 53
Tabela 2 - Imigrantes residentes em Cuiabá conforme informações dos censos de
1890 e 1943 .............................................................................................................. 98
Tabela 3 – Quadro comparativo das imigrações para os estados de Goiás, Mato
Grosso e sua capital Cuiabá ................................................................................... 100
Tabela 4 – Imigração para Mato Grosso e Cuiabá em 1920 ................................... 100
Tabela 5 – Empresas de sírios e libaneses abertas em Cuiabá 1905 até 1920 ...... 110
Figuras
Figura 1 – Hotel Universal 1914 .............................................................................. 107
Figura 2 – Sobrado Casa Mansur ........................................................................... 108
Figura 3 – Boabaid e Irmãos – anúncio em jornal 1919 .......................................... 109
Figura 4 – Maria Bubarack Kalix e Miguel J. Kalix – fotografia tirada quando
chegaram ao Brasil ................................................................................................. 123
Figura 5 – Miguel J. Kalix e Maria Mubarack Kalix – década de 1970 .................... 124
Sumário
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 - CENÁRIOS DESCOBERTOS .......................................................... 25
Tensão e sonho na pátria mãe. ............................................................................. 26
Império Turco Otomano - Síria e Líbano................................................................ 29
Fazendo-se migrante ............................................................................................. 43
Imigração para o Brasil .......................................................................................... 52
CAPÍTULO 2- TENSÃO E SONHO EM TERRA ESTRANHA .................................. 59
Brasil – Leis e projetos sobre imigração: a auto-imagem de um país, em
comparação ao “outro”. ......................................................................................... 60
Mãos que trabalham e purificam a raça: criação do conceito de imigrante ideal. .. 66
Políticas imigratórias durante o Estado Novo ........................................................ 77
Mato Grosso – Conjuntura, projetos, discursos sobre imigração........................... 81
Imigrantes sírios e libaneses. ................................................................................ 88
CAPÍTULO 3. SÍRIOS E LIBANESES NO ESPAÇO URBANO DE CUIABÁ.
PRÁTICAS E SOCIABILIDADES. ............................................................................ 91
Navegação da Bacia Platina, população e imigração de sírios e Libaneses para
Cuiabá: dados demográficos. ................................................................................ 92
População de Mato Grosso, do recenseamento de 1872 ao recenseamento de
1920 ....................................................................................................................... 96
Sírios e libaneses na cidade de Cuiabá. .............................................................. 102
Sírios e Libaneses em Cuiabá – Trajetórias sociais e redes de cooperação ....... 115
CONSIDERAÇÕES FINAIS. ................................................................................... 130
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 136
13
INTRODUÇÃO
Se cortássemos todos os cedros do Líbano
E os cedros são fonte de inspiração
E com eles erigíssemos aqui um templo
Cujas torres atravessam as nuvens.
Se arrebatássemos de Baalbeck e de Palmira
Vestígios do nosso passado glorioso
Se arrancássemos de Damasco
O túmulo de Saladino
E de Jerusalém, o sepulcro do redentor dos homens.
Se doássemos todos esses tesouros
À grande nação independente
E a seus generosos filhos
Sentiríamos que ainda assim
Não pagamos tudo o que devemos
Ao Brasil e aos brasileiros
(Elias Farhat – 1928)
2
Este poema foi o vencedor do concurso realizado por ocasião da
inauguração do monumento “Amizade Síria-libanesa” no Parque D. Pedro II em
1928. Em 1988 o monumento foi transferido para uma praça, nas proximidades
da rua 25 de março, a mais tradicional rua de comércio de São Paulo. A poética
de Farhat retrata as relações existentes entre os libaneses e o Brasil, mas que
também poderiam ser utilizadas para outros grupos étnicos que se dirigiram
para o Brasil. Por mais romântico que possa parecer, o poema e o contexto em
que foi criado, trazem pistas importantes para se entender a importância da
imigração de sírios e libaneses para o Brasil.
Edgar Alan Poe em seu conto “O Homem das multidões” descreve um
encontro casual e somente visual entre um observador, e um transeunte que lhe
2
Cf. KHATLAB, Roberto. Brasil-Líbano: Amizade que Desafia a Distância. Bauru: EDUSC, 1999.
14
chamou a atenção. Inquieto e curioso com o que via, se pôs a seguir
compulsivamente aquele anônimo por entre as ruas da cidade. Depois de longo
trajeto noite adentro, avançando pela madrugada, por entre avenidas, ruas, vielas e
outros cenários como o porto da cidade com seus cassinos e casas de prostituição,
percebe exausto, ter retornado ao lugar onde a perseguição havia começado.
Perseguindo este tema, me deparei com novas possibilidades em
relação àquelas que haviam pensado originalmente. Os novos estudos,
propiciados nas disciplinas do mestrado em história revelaram novos caminhos,
sepultaram outros, abalaram algumas certezas já cristalizadas, enfim libertou
percepções.
No trabalho de pesquisa é surpreendente perceber, no decorrer do
caminho, sinais que apontam para outras abordagens diferentes daquelas que
apontavam os primeiros indícios levantados. Tarefa difícil é realizar a depuração
dos “achismos”, figuras mentais que só existem em nossas cabeças, quase
sempre com começo, meio e fim. Por vezes partimos de impressões e
pensamos abarcar o todo com elas, e construir a mais fabulosa e faustosa das
narrativas.
Neste caminhar, foi fundamental apreender que as primeiras impressões
são figuras que servem de fio condutor para a realização de novos percursos, e
não constituem um achado em si que se baste. Faltava nesse ínterim a
mediação proporcionada pela prática do “fazer” história, para se apontar,
descobrir novos meandros, novas abordagens. Faltava inteligibilidade teórica e
metodológica para, nos moldes do proposto por Certeau 3 em “A Escrita da
História”, “operar desvios” que possibilitassem o encadeamento de problemas
necessários para a construção de uma narrativa. Quando pensava a pesquisa e
a
escrita,
estava
embasado
por
noções
de
período,
sem
a
devida
problematização.
Nesse sentido, este trabalho que pretende abordar imigrantes sírios e
libaneses em Cuiabá, é o desdobramento da pesquisa realizada durante a
graduação em História, da qual resultou um projeto apresentado à banca
avaliadora do programa de pós-graduação em História da UFMT em 2004. No
3
CERTEAU, Michel de. Operação Historiográfica. In: A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002.
15
projeto inicial, pretendia estudar a presença de árabes em Cuiabá, motivado
pelas impressões familiares, nas quais sírios libaneses e outros povos do
Oriente Médio se denominam como árabes em Cuiabá. Tentando escapar da
armadilha de tal generalização, uma vez que a documentação arrolada permite
vislumbrar somente a presença de sírios e libaneses, e não de outras
nacionalidades, optei por mudar o enfoque. Entretanto, outro “nó” se faz visível.
Os sírios e libaneses constituem nacionalidades diferentes, e como tais
apresentam especificidades.
A opção por manter a abordagem de sírios e libaneses, se deu pela
constatação de motivações semelhantes enfrentadas por ambos para emigrar,
as quais podem ser sintetizadas em fatores religiosos e pela relação de
submissão ao Império Turco otomano, e suas leis que regulavam o acesso a
terra, mudando a estrutura fundiária dos países gerando aumento da população
urbana e do o desemprego nesses países. 4 Há semelhanças nas práticas
produtivas desempenhadas por esses imigrantes em Cuiabá, com destaque
para suas espacializações e ausência de constituição de territórios étnicos e
culturais, bem como suas relações com a sociedade local, que resultou na
assimilação desses contingentes de fé cristã à cultura local.
Sírios e libaneses passaram a chegar ao Brasil em levas consecutivas a
partir das décadas de 1860 e 1870. Os primeiros indícios sobre a presença deles em
Cuiabá aparecem nos dados do recenseamento de 1890. Segundo Hajjar, pode-se
dividir a imigração de sírios e libaneses em duas grandes etapas: a primeira, iniciada
nos anos de 1860/1870, a qual termina por ocasião da 2ª guerra mundial. A segunda
começa a partir de 1945 e continua até os dias atuais.5
Os que vieram na primeira leva migratória eram em sua maioria cristãos, que
estavam fugindo da dominação do Império Turco Otomano. Ivens Cuiabano Scaff,
neto de libaneses, narra que um dos motivos que levou seus avôs e bisavôs a
emigrarem foi a situação de guerra em que se encontrava o Líbano no século XIX,
sobretudo pela perseguição sofrida pelos cristãos.6 Esses primeiros imigrantes
4
Cf. HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. São Paulo: Cia das Letras. p. 291-3.
NUNES, Heliane Prudente . A Imigração Árabe em Goiás. Goiânia: Editora UFG, 2000. p 23
5
HAJJAR, Claude Fahd. Imigração árabe: Cem Anos de Reflexão. São Paulo: Editora Ícone, 1985.
6
SCAFF, Ivens Cuiabano, médico, neto de libaneses, cujo pai nasceu em Corumbá em 1907.
Residente em Cuiabá. 30/10/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
16
ficaram conhecidos como turcos, porque seus passaportes vinham com o carimbo
de registro do império Otomano. Convém destacar que no Brasil, no senso comum,
mesmo em tempos atuais, o gentílico turco ainda é usado para denominar os povos
oriundos do Oriente Médio, independente da nacionalidade.
Esta imigração tem caráter espontâneo, pois não se deu por meio de projetos
governamentais nem do Império Otomano nem tão pouco co Império e da república
brasileira. Entretanto a “espontaneidade” está ligada a fatores de expulsão na terra
natal, e a tentativa de re-criar melhores condições de vida, ainda que a opção seja
emigrar. Chegaram ao Brasil num momento privilegiado no qual as bases do Estado
Nacional brasileiro, firmadas desde o período Imperial já estavam alicerçadas,
privilegiado pelas possibilidades recorrentes da implantação da república no Brasil, e
pelo crescimento das cidades, o que favorecia o comércio. Entretanto também era
um período de definição do perfil populacional desejado pelo Estado brasileiro, no
qual a nação brasileira através de decretos e leis estabelece critérios para a vinda de
imigrantes para o país, baseado, sobretudo nas teorias raciais em voga no período.
Mesmo estando fora do perfil desejado para os imigrantes, os sírio e libaneses
conseguiram se instalar no país e obter o que sociologicamente se denomina
mobilidade social.7
Oswaldo Truzzi fornece pistas, roteiros, elementos para a observação e
levantamento das trajetórias sociais e econômicas dos imigrantes Sírios e
Libaneses.
Destaca alguns elementos a serem considerados: a) distribuição
demográfica dos sírios e libaneses nas mais variadas regiões do território brasileiro,
e também as suas características predominantemente urbanas. b) as relações de
complementaridade entre tais imigrantes, que vai desde a acolhida favorável à
facilitação de crédito e fornecimento de mercadorias para o trabalho enquanto
mascates. c) ressalta o que chamou de “processo de realimentação”, que consistia
em trazer para o Brasil amigos e parentes. Aponta ainda que deva ter sido esta
7
Existem modelos de sociedade cujo sistema de classe se baseia na hereditariedade. Estas são
chamadas de sociedades de classe fechadas, havendo imobilidade social. Outras sociedades nas
quais os critérios se baseiam na seleção e competição é denominada de sociedades de classe
abertas, nas quais é possível a mobilidade social, que se revela como uma mudança do status do
indivíduo e por vezes do grupo a qual pertence. Cf. KOENING, Samuel. Elementos de sociologia. 5
ed. Trad: Vera Borda. Rio de Janeiro: Zahar editores. 1976. p. 262.
17
prática um fator impulsionador da imigração de grande parcela de sírios e libaneses.
Truzzi ainda ressalta as relações de complementaridade e ajuda. 8
Os que chegaram primeiro vinham como temporários, na intenção de ganhar
dinheiro e retornar à sua terra natal. Entretanto, o que se observou nessas
experiências migratórias foi a adoção do trabalho de mascate, e depois a fixação no
comércio. A instalação dos primeiros imigrantes atraiu membros das famílias e
outras pessoas da mesma aldeia ou cidade. O que reforça a tese sobre as relações
de complementaridade, exemplificada de maneira simples por Lourdes Kalix 9: “um
olhava o outro”, que é uma expressão comum em Cuiabá, a qual remete ao sentido
de cuidados com o outro. Uma atividade característica entre os imigrantes em
Cuiabá, como entre os sírios e libaneses que se dirigiram aos estados do Norte do
Brasil, foi a de mascates fluviais. Estes mascates viajavam pelos rios, em barcos
pequenos ou grandes, vendendo suas mercadorias a comunidades ribeirinhas,
favorecendo a comunicação dessas comunidades com as cidades.
[...] Os sírios e libaneses colaboraram no processo de
ocupação do território nacional e funcionavam como elementos
dinamizadores dos mercados local e regional, integrando regiões até
então isoladas do mercado consumidor. 10
Marco Aurélio Machado de Oliveira11 em sua tese de doutoramento informa
que muitos dos sírios e libaneses que estavam em Corumbá, se dirigiram a outras
cidades do sul do Mato Grosso no início do século XX. Entretanto, um dos
apontados em suas pesquisas, Miguel Gattas Orro, após se casar com Sofia Scaff,
se dirigiu a Cuiabá, mantendo os negócios familiares instalados em Corumbá,
Cáceres e Cuiabá. A dispersão territorial dos sírios e libaneses pelo território matogrossense se torna visível no confronto dessas informações com os dados do censo
de 1920, que apontava 91 imigrantes “turcos árabes” em Cuiabá, e 1232 no Estado
8
TRUZZI, Oswaldo M. Serra. A vinda de Libaneses e Sírios ao Brasil. In: Relações entre o Brasil e o
Mundo Árabe: construção e perspectivas. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.
9
FERRO, Lourdes Kalix. 71 anos, cuiabana, filha de pai e mãe libaneses, oriundos da cidade de
Zahle no Líbano, chegaram a Cuiabá em 1912. 05/11/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson
Brandão.
10
NUNES, Heliane Prudente. A Imigração Árabe em Goiás. Goiânia: Editora UFG, 2000. p. 49.
11
OLIVEIRA, Marco Aurélio Machado de. O mais importante é a raça: sírios e libaneses na política
em Campo Grande. São Paulo: FFLCH-USP. Tese de doutoramento, 2001.
18
de Mato Grosso. Lembrando que o território de Mato Grosso nesse período
corresponde hoje aos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia.
Para a feitura desse trabalho, foram realizadas consultas à bibliografia sobre
a temática abordada, e outras obras que ajudaram a compor um referencial teórico e
explicativo acerca do tema.
Como fontes documentais, destaco os censos de 1890 e de 1920. A partir do
cotejo das informações contidas nesses recenseamentos com os documentos da
coletoria de Cuiabá, 1º e 2º distrito,12 foi possível realizar um quadro visível desses
imigrantes na cidade, e suas práticas cotidianas. As quantificações das entradas
de imigrantes no Brasil podem ser encontradas na revista de colonização e
migração, editada entre os anos de 1939 e 1945. Nela estão presentes dados
sobre a entrada e saída de imigrantes bem como as nacionalidades e religiões
professadas. Entretanto, elas não apresentam detalhamentos sobre as
migrações para os estados do Brasil.
No tocante a Cuiabá e Mato Grosso, existem dados demográficos e
quantitativos presentes em documentos da junta comercial, cartórios e
documentos da Cúria diocesana microfilmados no Núcleo de Documentação e
História Regional (NEDHIR). Além de dados demográficos, foram levantados no
arquivo público de Mato Grosso e no site da Universidade de Chicago 13 os
discursos dos presidentes da Província e do Estado, na tentativa de identificar
as políticas governamentais no tocante à migração, colonização e população.
A abordagem das famílias foi enriquecida com depoimentos da 2ª e 3ª
gerações, possibilitando a recomposição de parte do processo imigratório.
Entretanto, é necessária uma crítica interna apurada às entrevistas por se tratar de
memórias familiares, apresentadas quase sempre de maneira romantizada. A maior
parte das informações contidas nos depoimentos precisa ser decodificada, levandose em conta o tempo da memória, sua seletividade, e comparada com outras fontes
para construção do trabalho.
12
O 1º distrito era composto pela Sé, que abrangia o centro da cidade e arredores. 2º distrito era
comumente chamado de freguesia de São Gonçalo, e abrangia o bairro do Porto e arredores. 3º
distrito era também chamado de “outro lado”, e corresponde hoje a Várzea Grande, cidade conurbada
com Cuiabá.
13
http://www.crl.uchicago.edo/info/brazil
19
Nas análises dos documentos paroquiais e cartoriais, Marieta Moraes14
aponta dois caminhos: o primeiro direcionado para a quantificação do material
levantado, podendo ser obtidos “índices de natalidade, mortalidade, idade média de
casamento, número de filhos”. Outra abordagem possível é a que permite
acompanhar as trajetórias pessoais e familiares “com vistas a obter informações que
permitam a reconstrução das atividades econômicas, redes de relações sociais,
estratégias matrimoniais, gerações, descendências e genealogias”.15
O cruzamento das fontes paroquiais e cartoriais com depoimentos de
história oral possibilita recuperar as trajetórias de imigrantes e seus descendentes,
detectando as ascensões e declínios econômicos.
O trabalho de Knowlton 16 traz dados riquíssimos sobre os imigrantes
sírios e libaneses, em São Paulo. O autor estudou a mobilidade social e
espacial dos sírios e libaneses, examinando as características demográficas dos
que vieram para o Brasil e para o estado de São Paulo. O estudo de Knowlton é
um dos primeiros elaborados sobre essa temática. Posterior a Knowlton,
Osvaldo Truzzi 17 realizou uma ampla pesquisa sobre o assunto, o que resultou
em sua tese de doutorado.
Na região Centro Oeste os trabalhos mais significativos são os
realizados pela professora Heliane Prudente Nunes 18 de Goiás, que escreveu
sobre a “Imigração Árabe” para aquele estado. Posterior ao trabalho de Nunes,
o Professor e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
Marco Aurélio Machado de Oliveira 19 defendeu sua tese de doutorado
analisando as trajetórias políticas dos sírios e libaneses em Campo grande. O
mesmo continua, inquietantemente, pesquisando sobre a temática. No Estado
de Mato Grosso, existe o trabalho de Marildes do Rego Ferreira, 20 que estudou
a memória dos sírios e libaneses em Rondonópolis. Ainda há muito a fazer.
14
FERREIRA, Marieta de Moraes. Fontes Históricas para o Estudo da Imigração: "Perspectivas
Teórico-Metodológicas”. GT. Migrações Internacionais. XXIV Encontro Anual da ANPOCS – 2000.
15
Ibidem, p. 03.
16
KNOWLTON, Clark S. Sírios e Libaneses. Mobilidade Social e Espacial. São Paulo: Anhembi, 1950.
17
TRUZZI, Oswaldo M. Serra. Patrícios, sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1995.
18
NUNES, Heliane Prudente. A imigração árabe em Goiás. Goiânia: Editora da UFG, 2000.
19
OLIVEIRA, Marco Aurélio Machado de. Op. Cit.
20
FERREIRA. Marildes do Rego. Memória da imigração de sírios e libaneses em Rondonópolis –
MT. Cuiabá: UFMT. Dissertação de Mestrado. 2006
20
Tendo em vista a realização desse trabalho, defini como objetivo
historicizar as trajetórias de sírios e libaneses até a cidade de Cuiabá e analisar
as relações sociais praticadas nos espaços da cidade. Compreender as
emergências que possibilitaram a emigração de suas respectivas nações, e sua
posterior chegada ao Estado de Mato Grosso. Estudar as relações desses
contingentes com os projetos governamentais definidos para o Brasil, traçando
paralelos entre o que se discutia sobre imigrantes no país e no Estado de Mato
Grosso. Estudar as estratégias de fixação desses contingentes populacionais na
cidade de Cuiabá, suas interações com as práticas produtivas, e as relações
sociais e espaciais produzidas, na fronteira cultural, compreendida enquanto
muro que separa, mas também como ponte que une no encontro entre
diferentes.
Para a realização desses objetivos, essa dissertação foi dividida em 3
partes, apresentadas a seguir.
No Capítulo I, abordo a problemática das imigrações sírias e libanesas no
Século XIX e nas primeiras décadas do século XX. A tentativa é de estabelecer
encontros narrativos entre as múltiplas emergências causadoras do processo
migratório, utilizando os relatos de percurso (memória), pesquisa documental e
bibliografia competente. Apresento o contexto vivido na Síria e no Líbano,
pertencentes á época ao Império Turco Otomano, demonstrando as motivações
para que ocorresse o processo emigratório. Os trabalhos escritos anteriormente
sobre essa temática apresentam problemas de ordem econômica, religiosa e
demográfica como causas da emigração. A análise de boa parte delas revela
um enfoque marxista nas abordagens presentes nas narrativas.
Atrevo-me a utilizar as noções de “poder”, delimitadas por Foucault.
“Poder‟ este percebido nas relações sociais e na manutenção do “Status”
familiar. Tal abordagem direciona para questões que vão além da “subsistência,
demonstrando a existência de conceitos como “orgulho” familiar. Tenho a
pretensão de utilizá-lo para explicar as micro-relações existentes entre as
famílias das aldeias da Síria e do Líbano. Tento apresentar o “jogo de
espelhos”21 que estas famílias travavam entre si como uma das motivadoras da
emigração.
21
O que defino como “jogo de espelhos” é a necessidade de tentar parecer estar melhor do que
realmente está, se mostrando ao outro numa teatralização da realidade, enaltecendo tão somente o
21
Além de representar uma fuga das dificuldades de caráter
estrutural, a emigração passou a representar para as famílias da
Síria e do Líbano, uma forma de manter seu prestígio, seu poder
e sua honra, financiados pelos lucros advindos do exterior. As
famílias foram sendo cada vez mais compelidas a enviar um ou
mais de seus membros á America, se desejassem manter sua
posição de destaque em suas aldeias ou cidades. 22
As definições de categorias são fundamentais neste trabalho. Para tanto
utilizo as definições de migrante, nômade e sedentário discutidos por Deleuze e
Guattari em Mil Platôs. O meu objeto, firma sua particularidade sobre o que ele
não é. O migrante não é o nômade. Este último vive desterritorializado,
percorrendo um espaço liso aquém do controle direto do estado. Migrante é um
ser social, que recebe influência direta de todo o aparato governamental,
constituindo um espaço estriado. Outro fator que caracteriza o migrante é o
constante deslocamento, e a dimensão do “retorno”, como o discutido por
Sayad.23
Por fim, apresento os dados demográficos das imigrações para o Brasil,
dando ênfase à migração árabe.
No Capítulo segundo procuro fazer uma discussão sobre o Brasil,
analisando o contexto sócio econômico e as políticas públicas direcionadas à
imigração, colonização e regulamentação das relações de trabalho. Durante a
pesquisa pude constatar uma grande discussão, no fim do século XIX e primeira
metade do XX, sobre assimilação, eugenia, mestiçagem, caldeamento de raças,
ganhando mais força no período do governo provisório de Vargas, e durante o
Estado Novo. Embora a periodização do Estado Novo não seja parte
fundamental deste trabalho, considerei importante sua menção em se tratando
do período no qual se instalam cotas para imigração, e as teorias raciais
ganham força de políticas de governo com a criação do Conselho Nacional de
que há de bom nas famílias. Orgulho pelo status que a família tinha, e vergonha em assumir perante
a comunidade que a situação não estava tão boa assim. Essa relação é bem definida no depoimento
de Ivens Cuiabano Scaff, quando afirma que lá, “não trabalhavam de vergonha de desempenhar
qualquer função, já aqui faziam qualquer trabalho”.
22
NUNES, Heliane Prudente . Op. Cit. p. 36.
23
Cf. SAYAD, Abdelmalek. O retorno: Elemento Constitutivo da Condição do Imigrante. In: Travessia
Revista do Migrante. São Paulo: número especial; janeiro. 2000.
22
Imigração. Utilizo para tanto, bibliografia específica e documentos como as leis
aprovadas
no
Brasil
para
regulamentar
a
imigração.
A
teoria
sobre
governamentalidade elaborada por Foucault norteia a escrita no tocante ao
estudo de populações.
Foucault revela que na estruturação de um modelo de estado nacional a
partir do século XVII, as preocupações com a soberania, cuja arte de governar, a
manutenção e defesa do território, declina para outro modelo no qual a população, e
suas problemáticas emergem como base de políticas estatais.
Retrata o
amadurecimento das táticas, técnicas e artes novas na maneira de governar.
A população aparece, portanto, mais como fim e instrumento
do governo que como força do soberano; a população aparece
como sujeito de necessidades, de aspirações, mas também como
objeto nas mãos do governo; como consciente, frente ao governo,
daquilo que ela quer e inconsciente em relação aquilo que se quer
que ela faça.24
Os projetos de imigração fazem parte de ações governamentais
durante o Império e a República. Acrescentam-se ainda discussões sobre
etnicidade. Segundo Lesser, a junção entre etnicidade e economia na formação das
identidades brasileiras enfatiza o jogo de poder existente nas negociações destas
identidades. Procura explicar o “como” foi possível a imigrantes não europeus
definirem seus lugares dentro da identidade brasileira. 25
No tocante aos sírios e libaneses, é salutar observar que não se
enquadravam no perfil do branco idealizado, nem tampouco podiam ser
considerados amarelos ou negros. Lesser destaca ainda, o exotismo atribuído a
esses contingentes por meio das pretensas elites brasileiras, e aponta algumas
razões para a incorporação desse contingente na sociedade brasileira.
Na segunda parte do Capítulo 2, apresento dados sobre os discursos
dos presidentes de província e de estado a respeito da imigração, colonização e
24
FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004. p. 289.
Cf. LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela
etnicidade no Brasil. Trad. Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo, editora UNESP, 2001.
p. 31
25
23
população. Procuro demonstrar, a partir dos discursos governamentais, qual era
a imagem que se fazia sobre a população do Mato Grosso, e qual a relação
existente entre a imigração e os discursos sobre progresso e povoamento da
região.
No capítulo terceiro estão presentes dados demográficos a respeito da
população do Estado de Mato Grosso, de Cuiabá, a inserção dos imigrantes em
meio ao quadro populacional da cidade. Destaco a importância da navegação
fluvial pela Bacia Platina para o desenvolvimento sócio econômico do estado, e
como caminho utilizado pelos imigrantes para chegar até Cuiabá.
Através da
articulação
dos
procedimentos
de
micro-história
em
consonância com os estudos de memória, levanto informações sobre imigração
e as relações sociais vivenciadas em Cuiabá em seus múltiplos cenários
representados pelas espacializações presentes na cidade. Para tanto, fontes
privilegiadas são os dados contidos nos documentos da Coletoria de Cuiabá, de
onde foram extraídas informações sobre os empreendimentos, profissões e
localização desses imigrantes na cidade, demonstrando as espacializações
realizadas pelos sírios e libaneses em Cuiabá, sobretudo as suas práticas
cotidianas. As concepções de Michel de Certeau com relação a espaço, lugar e
percursos apontam um direcionamento para a realização da narrativa. Michel de
Certeau estabelece distinções entre os conceitos de lugar e espaço. Para este autor,
lugar é:
A ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem
elementos nas relações de coexistência. Aí se acha portanto
excluída a possibilidades, para duas coisas, de ocuparem o mesmo
lugar. Aí impera a lei do “próprio”: os elementos considerados se
acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar “próprio” e
distinto que define. Um lugar é, portanto uma configuração
instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade.
26
Já espaço, em seu entender é condicionado pelo movimento realizado
pelos sujeitos. Ele é produzido nas relações sociais. O espaço é o lugar
26
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. Trad. Epraim Ferreira Alves.
Petrópolis RJ, Vozes, 1994. p. 201
24
trabalhado, vivenciado, intercruzado, onde sonhos e desejos se manifestam,
onde a existência se efetua.
“Espaço é o efeito produzido pelas operações que o
orientam, o circunstanciam, o temporalizam e levam a funcionar
em
unidade
polivalente
proximidades contratuais”.
de
programas
conflituais
ou
de
27
É nessa concepção que se apóia a narrativa sobre espacializações.
Trata-se de uma busca por demonstrar a presença de sírios e libaneses,
praticando um “lugar” e o transformando em espaço.
Os estudos sobre a relação História e Memória servem para embasar,
tanto a utilização de técnicas como a História Oral, quanto a análise documental
escrita. Objetivando dar inteligibilidade as considerações sobre as relações de
complementaridade e realimentação do processo migratório, bem como as
sociabilidades alcançadas pelos sírios e libaneses em Cuiabá.
Em síntese, dentro da urbanidade da cidade de Cuiabá, destaca-se a
presença de imigrantes e analisam-se as relações sociais mantidas entre sírios,
libaneses e a população local. Procura-se identificar também a existência ou não de
territórios culturais sírios e libaneses em meio à cidade de Cuiabá.
27
Ibidem, p. 202
25
CAPÍTULO I - CENÁRIOS DESCOBERTOS
Cantos Dos Emigrantes28
Com seus pássaros
Ou a lembrança dos seus pássaros
Com seus filhos
Ou a lembrança dos seus filhos
Com seu povo
Ou a lembrança de seu povo
Todos emigram
De uma pátria a outra do templo
De uma praia a outra do atlântico
De uma serra a outra das cordilheiras
Todos emigram
Para o corpo de Berenice
Ou o coração Wall Street
Para o último tempo
Ou a primeira dose de tóxico
Para dentro de si
Ou para todos
Para dentro de si
Ou para todos
Pra sempre todos emigram
28
MELO, Alberto De Cunha: Cordel Do Fogo Encantado – Álbum Transfiguração, 2006
26
Tensão e sonho na pátria mãe.
Olá, como vai?
Eu vou indo e você, tudo bem?
Tudo bem eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro, e você?
Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranqüilo, quem sabe...
Quanto tempo...
Pois é... Quanto tempo...29
Contar uma história é deveras prazeroso. Quando nos lançamos à
construção de uma narrativa, várias e necessárias são as incursões às
temporalidades diversas; passado e presente se misturam na tentativa de vislumbrar
processos, aos quais as vidas das pessoas foram submetidas. Nessa epígrafe o
poeta apresenta um encontro possível em seus percursos. Um encontro casual, que
pode ser revelado na narrativa como cruzamento de intenções, aspirações. São,
grosso modo, pessoas apresentando seus sonhos, suas buscas. “Pegar meu lugar
no futuro” sugere incentivo a ações que propiciem um encontro no tempo projetado
entre o sonho-desejo e sua realização. Ainda que pareça etéreo por não apresentar
a que futuro se dirige, é de fato revelador na medida em que coloca os sonhos e a
disposição por alcançá-los em primeiro plano.
Mesmo não sendo contemporânea das pessoas que estudo, essa letra de
música faz parte de todo um arsenal simbólico e cognitivo do qual me nutro para
inspirar a narrativa sobre escolhas, trajetórias, ações de pessoas em seu tempo.
Penso que esse encontro narrado na poesia de Paulinho da Viola, aplicado neste
trabalho, pode suscitar a imaginação de muitos prováveis encontros entre amigos,
familiares e desconhecidos. Imaginando os encontros e desencontros nos portos do
Líbano, Turquia e Egito, entre tantos outros lugares. Portos são espaços de
“encontros e despedidas” como já aludiu Milton Nascimento em sua letra ao falar das
estações de trem de Minas Gerais. Encontros reveladores de sonhos, intenções
desejos que coloquem a vida em movimento com promessas de futuro melhor.
Encontro entre os que seguem juntos, os sonhos de “fazer a América, ou fazer-se na
29
VIOLA, Paulinho da. Sinal Fechado. In: Letras Brasileiras. Oswaldo Montenegro. 2000.
27
América”; entre os que vão e os que ficam com gosto de saudade e esperança, e
tantos outros cenários possíveis.
Se analisarmos com o olhar de Touraine, “o migrante é um ser de
esperança, cheio de utopias as quais deseja concretizar. O migrante torna real um
sonho”.30 Esse encontro na poesia de Paulinho da Viola ganha concretudes
importantes. Os migrantes são seres sociais, que se dispuseram, ou foram dispostos
por condições externas a se desterritorializar em busca de outros portos onde
possam ancorar e realizar o que desejam.
Um exemplo dessa busca foi a trajetória de Moysés Nadaf que nasceu na
cidade de Seydanay na Síria, até então uma província do Império Turco Otomano,
que vinha sofrendo conseqüências da 1ª guerra mundial. Emigrou de seu país em
1916, em busca de trabalho e enriquecimento rápido. Em seu trajeto, aportou na
cidade de Buenos Aires, Argentina, onde residiu por 11 meses.31
A sua vinda para Cuiabá está enraizada na memória familiar como uma
grande aventura em busca de riquezas, atraído pelas notícias de que Mato Grosso
era uma terra riquíssima e em sua capital Cuiabá encontrava-se ouro nas ruas.
Segundo Jamil Nadaf, sobrinho de Moysés, a intenção do tio era ficar pouco tempo.
“Meu tio era moço, veio para trabalhar, tava com vontade de voltar em dois anos,
ficar bem de situação e voltar”,32 no entanto, como em muitos outros casos, o sonho
de “fazer a América”, e retornar à terra natal foi frustrado inicialmente pela própria
realidade encontrada em chão mato-grossense.
Apresentados como “aventura”, os percursos vividos por Moysés Nadaf e
descritos por Jamil, apresentam alguns sentidos não ditos, sobretudo se
observarmos sob o ângulo das reflexões sobre a situação social e econômica
estabelecidas na Grande Síria, geradoras da necessidade de emigrar. A
necessidade força a emigração, como uma resposta a situação que se está
vivenciando, e leva a busca de melhores condições de sobrevivência e realização de
sonhos pessoais. Sonho é algo que se cultiva no mais íntimo do ser juntamente com
o desejo. Ambos são alimentados pela necessidade. O migrante quando se desloca,
30
TOURAINE, Alan. A Crítica da Modernidade. apud ZART, Laudemir L. Desencanto na Nova Terra:
Assentamento no Município de Lucas do Rio Verde MT na Década de 1980. 1998. Florianópolis:
UFSC, Dissertação de Mestrado. p. 39.
31
Cf. NADAF, Jamil Boutros. 16/12/2002. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
32
Ibidem.
28
o faz em busca de algo que está faltando. Essa busca pode ser forçada pelo tédio
cotidiano que o arremessa a novas aventuras, e também pelo desejo de realizar
sonhos, melhorar de vida, vontades estas que podem ser partilhadas por familiares,
clãs e outros agrupamentos.
Estudando o comportamento de migrações internas no Brasil, em específico
de colonos da região sul, a antropóloga Wortman, conclui que a migração de
grandes contingentes populacionais é sobremaneira, uma forma de reprodução da
pequena propriedade, uma possibilidade de manutenção do homem na terra.
Dessa forma, a migração é a solução mais coerente com o
que se poderia chamar uma identidade camponesa: ela permite a
reprodução enquanto camponeses, não só daqueles que migram,
mas igualmente daqueles que ficam, ela significa a busca de novas
terras em outro lugar, e a preservação da terra no lugar de origem.33
No entender da antropóloga migrar é antes de tudo um problema social,
uma questão de utopia, e aqueles que migram o fazem para “melhorar de vida”, para
construir um futuro. Esse deslocamento se faz necessário pela dificuldade
enfrentada em manter as condições mínimas de sobrevivência no lugar de
emigração. A busca dos migrantes por melhores condições de vida está relacionada
às influencias políticas e econômicas.
A Síria e o Líbano eram em fins do século XIX territórios eminentemente
agrícolas, e a maior parte da população de tradição camponesa. Portanto, se a
emigração de um grande número de pessoas contribuiu para a manutenção do
sistema social familiar do lugar, o mesmo não se deu com as práticas realizadas por
esses imigrantes na terra que os acolheu. Nas experiências americanas observa-se
uma maioria de sírios e libaneses envolvidos em práticas comerciais, inicialmente
como mascates, e posteriormente como comerciantes radicados em centros urbanos
nos mais variados lugares dos estados nacionais americanos, seja Brasil, Estados
Unidos, Argentina dentre outros.
33
WOORTMANN, Ellen F. Colonos do Sul e sitiantes do nordeste. apud ZART.Laudemir L. Op. Cit.
p. 91.
29
O ato de migrar possui motivações que se relacionam tanto com a realidade
vivenciada por esse grupo social em sua terra natal, quanto com a imagem oferecida
pela terra que o acolherá. Nesse sentido é salutar lembrar o pensamento de
Foucault34 sobre “emergências” que, para o filósofo, vão além do conceito de
“evidência”, pois são frutos das relações sociais vivenciadas num tempo histórico.
Importante é salientar como emergem as idéias motivadoras dos deslocamentos, e
quando elas ganham visibilidade e importância a ponto de serem assumidas
inclusive como projeto familiar.
Os autores consultados35 apontam em seus escritos sobre condições de
vida dos migrantes em sua terra natal, problemas como crises religiosas, condições
políticas conflitantes e opressoras, aliadas a uma realidade econômica baseada em
culturas agrícolas, cuja produtividade era incapaz de garantir a subsistência de toda
a população. São essas as principais questões apontadas por esses autores para as
tensões existentes no império Otomano. A essas tensões geradoras de
necessidades é que pode ser creditado o impulso de migrar em busca de novas
terras. Nas palavras de Toufic Doun
[...] o bem que os libaneses possam ter feito aos países que
procuraram deu-se a custo do mal que sofreram em sua própria
pátria. Naturalmente a necessidade „mãe da invenção‟ foi o fator
principal da conquista [...]. 36
Império Turco Otomano - Síria e Líbano
O Estado Otomano originou-se de principados criados pelos avanços dos
turcos para a porção oeste da Anatólia, estabelecendo contatos e proximidades com
os Bizantinos. Todos os principados estavam sob controle dos Seljúcidas, dinastia
dominante, entretanto, cada principado mantinha certa autonomia. O principal
principado foi o fundado por Osman no século XIV (do nome Osman se originou a
34
FOUCAULT, Michel. A poeira e a nuvem. In: Estratégia, poder-saber. (Org) Manoel Barros da
Motta. Trad.Vera Lúcia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
35
Cf. HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia de bolso, 2006.
NUNES, Heliane Prudente. A Imigração Árabe em Goiás. Goiânia, Editora UFG, 2000. TRUZZI,
Osvaldo Mario Serra. Patrícios, Sírios e Libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1995.
36
DOUN, Toufic. A imigração Síria-libanesa ás terras da promissão. São Paulo: Tipografia editora
árabe, 1944. p 86.
30
expressão “Otomana”), na porção noroeste da Anatólia, em contato próximo com o
Império bizantino. Inicialmente através de acordos diplomáticos, sobretudo nos
estados balcânicos, os otomanos se fortaleceram, possibilitando ampliar suas
fronteiras anexando terras a oeste do Mar Negro e os Bálcãs. Em 1453 avançou
para a tomada de Constantinopla, incorporando o que havia restado do Antigo
império bizantino no ano de 1455. Fortalecido pelas conquistas européias, o novo
Império avançou para a porção oriental da Anatólia, e para as terras do Império
Mameluco em 1517, que compreendia as terras do Egito e Síria.37
O Império Otomano era uma das maiores estruturas políticas
que a parte ocidental do mundo conhecera desde a desintegração
do Império Romano: dominou a Europa Oriental, a Ásia Ocidental, e
a maior parte do Magreb, e manteve juntas, terras de tradições
políticas muito diferentes, muitos grupos étnicos – gregos, sérvios,
búlgaros,
romenos
armênios,
turcos
e
árabes
–
e
várias
comunidades religiosas – muçulmanos sunitas e xiitas, cristãos de
todas as Igrejas históricas, e judeus. Manteve seu domínio sobre a
maioria deles por mais ou menos quatrocentos anos, e sobre alguns
deles por até seiscentos anos.38
Uma das principais estratégias adotadas pelos otomanos, para garantir o
controle sobre o Oriente Médio, foi a integração total entre Estado e instituição
religiosa islâmica de motivações sunitas39. Implantaram as leis sagradas do Islã
como lei principal sobre a terra. Fortaleceu-se como um defensor das tradições
sunitas contra a ameaça constante dos xiitas, grupo majoritário na Pérsia, estado
que freqüentemente ameaçava as fronteiras dos Estados Sunitas.40
O Império Otomano formou-se com anexações internas dentro da Anatólia, e
externas, como o Leste europeu, e estados do Oriente Médio. Cristãos romanos e
ortodoxos, muçulmanos sunitas e xiitas e algumas minorias compunham o mosaico
37
CF HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia de bolso, 2006. pp
285-6
38
Ibidem, p. 287.
39
Sunismo é um modo de pensamento baseado na importância do Corão e da prática (suna) do
Profeta. São também conhecidos como ortodoxos. Xiitas é um grupo formado por ocasião da morte
de Maomé, por parentes e pessoas ligados a família do mesmo. O grupo se formou por um cisma
político, essas pessoas apoiavam a subida ao trono de Ali, marido de Fátima filha de Maomé. Cf.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia de bolso, 2006. p. 63-4.
40
Cf. LEWIS, Bernard. O Oriente Médio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p.108
31
religioso. O Império Turco Otomano estava estabelecido com características multiétnicas e multiculturais.
O império otomano se organizava por meio de governos provinciais
submetidos ao Sultanato central. Dentro da organização burocrática do estado, o
posto mais alto cabia ao grão vizir, uma espécie de ministro de estado que presidia
as reuniões do conselho de governadores e funcionários de alto escalão. Os
governos provinciais tinham como principais funções garantir a segurança e o
controle da população, bem como cobrar impostos. As taxações de impostos eram
feitas sobre a produção do campo, das atividades produtivas desenvolvidas nas
cidades, e um terceiro, os impostos pessoais, pagos por cristãos e judeus.
Dono de um corpo burocrático poderoso, a sociedade otomana se dividia
basicamente em dois pólos: os dominantes (aska) e súditos (reaya).41 O primeiro era
composto pelos governos, exército e uma aristocracia feudal ligada ao Sultão, cuja
principal função era manter as terras produzindo, e garantir o bem estar no campo.
Embora estivessem acima das outras categorias de organização social na
hierarquia, eram considerados como escravos pessoais do Sultão, uma vez que
todos os seus privilégios e posses podiam ser revogados. O segundo grupo, mais
numeroso, era formado pelas massas populares do campo e da cidade. Vale
destacar que cristãos e judeus faziam parte do segundo grupo, não possuindo direito
de ocupar cargos públicos.42
Durante séculos, a superioridade otomana sobre a Europa foi bastante visível.
Os islâmicos detinham grande extensão de terras, e controle sobre pontos
estratégicos de comercialização, navegação e dos caminhos de comercialização
com as Índias. A respeito disso, Bernard Lewis escreve:
Especiarias eram cultivadas em muitas partes do Oriente
Médio e também importadas em grande volume do sul e sudeste da
Ásia. Figuraram também com destaque as exportações para o
mundo ocidental, até que as potências marítimas européias abriram,
e em seguida dominaram, uma rota direta para a Ásia.43
41
Cf. HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia de bolso, 2006. p.
291
42
Cf. LEWIS, Bernard. Op. Cit. p 118.
43
Ibidem, p. 148
32
O equilibro do poder começou a mudar com as grandes descobertas
marítimas para a América e com a nova rota para as Índias, contornando a África.
Com esses fatores, as antigas rotas comerciais das especiarias foram perdendo
força, e concomitantemente o império também, ficando cada vez mais endividado
externamente. Nesse ínterim, os gastos com guerras, sobretudo contra a Rússia nos
séculos XVII ao XIX, debilitaram ainda mais a economia otomana. “Exércitos
otomanos dominavam a terra e suas frotas, durante algum tempo os mares. Os
comerciantes
europeus,
porém,
discreta
e
pacificamente
capturaram
os
mercados”.44
As relações internacionais entre o Oriente Médio e a Europa estavam cada
vez mais pendendo para os ocidentais. Os otomanos passaram a usar de diplomacia
ao invés de beligerância contra a França e a Inglaterra, entretanto, esses acordos
diplomáticos, contribuíram para um maior enfraquecimento da economia otomana,
ocasionado pelo déficit da balança comercial com o Ocidente. Tal déficit encontrou
razões fortes para seu desenvolvimento, sobretudo após a revolução industrial na
Europa. Após a revolução, o Império Turco Otomano passou de grande exportador à
consumidor de produtos industrializados da Europa, a se destacar: têxteis e armas.
Tudo isso somado à maior riqueza da Europa em madeira,
minerais, energia e transporte fluvial, contribuiu para debilitar o
Oriente
Médio
em
relação
à
Europa
e
para
facilitar
o
estabelecimento e manutenção do domínio econômico europeu na
área. O declínio dos otomanos, porém deveu-se não tanto a
mudanças internas, mas à incapacidade deles de acompanhar o
rápido avanço do Ocidente em ciência e tecnologia, nas artes da
guerra e da paz, e no governo e comércio.45
Os países que hoje conhecemos como Líbano e Síria pertenciam, em fins do
século XIX ao Império Turco Otomano, e estavam sujeitos às leis impostas pelo
conquistador. O território compreendido pela Síria e Vale do Bekaa no sul do Líbano
era conhecido como “A Grande Síria”. A região noroeste do Líbano, chamada de
Monte Líbano, passou em 1864 a ser autônomo em relação ao governo turco. Após
44
45
LEWIS, Bernard. Op. Cit. p. 164
Ibidem. p. 259
33
a derrota turca na 1ª guerra mundial, o Monte Líbano foi anexado ao vale do Bekaa,
formando o grande Líbano (1920), ficando sob o protetorado da França, como a
Síria.
Nessa região sob o domínio do império turco otomano até a 1ª guerra
mundial, a estrutura da sociedade era bastante desigual, conforme
o texto de
Prudente,
A estrutura social na grande Síria era formada no século
XIX, por duas grandes classes sociais antagônicas, os senhores e
os camponeses. As duas classes estavam em constantes conflitos,
uma marcada pela opulência e a outra pela miséria, de forma que o
abismo social que os separava era muito profundo.46
Mudanças na estrutura fundiária do Império contribuíram para o acirramento
das desigualdades. As quais, segundo Hourani, são efeitos da expansão das
economias dos países europeus sobre o Oriente Médio e o Magreb. 47 Tal influência
se dava por meio da intervenção política, controle das economias através do
comércio de exportação e venda de bens industrializados da Europa, principalmente
França, Inglaterra e Alemanha. Outra forma de intervenção apontada pelo autor era
o constante endividamento por parte do governo turco perante os países europeus,
através de empréstimos a juros altos, a fim de custear gastos com o exército e a
administração pública48.
Em 1881 criou-se uma administração da dívida pública, representando os
credores estrangeiros, os quais tinham controle sobre parte das receitas do Estado
Otomano, dominando os atos do governo na área financeira. Os países europeus
influenciavam econômica e politicamente o Império Turco Otomano, forçando-o a
fazer reformas, como a lei de Terras de 185849 que definia as várias categorias de
terra:
46
NUNES, Heliane Prudente. A Imigração Árabe em Goiás. Goiânia, Editora UFG, 2000. p 32.
Região norte da África, que abrange o atual Marrocos, Saara Ocidental, Tunísia e Argélia, na orla
mediterrânea.
48
Cf. HOURANI, Albert H. Uma História dos Povos Árabe. trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Cia
das Letras. p. 286
49
Algumas analogias são possíveis entre essa lei, e um problema que é análogo ao Brasil: a
minifundização das propriedades familiares e a concentração de terras nas mãos de latifundiários. Na
França, a aplicação do Código Napoleônico instituiu a lei de herança, obrigando os antigos
„patriarcas‟, a dividir as terras entre todos os filhos, e não mais deixá-la sob os cuidados do filho mais
47
34
A terra agrícola mais cultivada era encarada de acordo com
a tradição de longa data, como pertencente ao Estado, mas os que
a cultivavam, ou pretendiam fazê-lo podiam obter um título que lhes
possibilitava desfrutar do uso pleno e inconteste dela, vendê-la ou
transmiti-la a seus herdeiros.50
Para Hourani, à exceção do Líbano, onde as remessas feitas pelos
emigrados às suas famílias propiciaram o trato das pequenas propriedades
produtoras de seda, as terras próximas aos centros urbanos caíam nas mãos de
famílias urbanas mais capitalizadas e com melhor acesso aos bancos para obter
financiamento. Os camponeses que cultivavam eram trabalhadores sem terra ou
meeiros, ficando com o suficiente da produção para sobreviver. O resultado direto da
aplicação das leis foi a concentração de mais de 40% da terra cultivada nas mãos de
grandes proprietários – mais de 50 feddans, o equivalente a 20 hectares nas
medidas brasileiras - e cerca de 20% dividiam-se em propriedades de menos de
cinco feddans (2 hectares). Caracterizando uma intensa minifundização no campo,
dificultando para as futuras gerações o acesso a terra,
O
padrão
no
campo
altera-se
de
pastores
tribais
organizados em clãs familiares para o grande proprietário que tinha
suas terras cultivadas por camponeses, que entravam com a mão
de obra e podiam alugar ou cultivar. Em outro lado estava um
número cada vez maior de trabalhadores sem terra51.
velho representando o fim do sistema de „patriarcado‟. Tais diretrizes legais forçaram a uma
individualização da propriedade. No Império Turco Otomano, a Lei de Terras, concedeu valor de
compra a uma terra outrora comunal, pertencente aos respectivos clãs. Conforme a obra de Hourani,
o resultado direto foi a criação de uma força de trabalho, provocada pela expulsão do campo. Tais
indagações foram suscitadas após prazerosa conversa com a Socióloga Sueli Castro pesquisadora
do NERU que na sua tese de doutorado escreveu sobre as problemáticas das divisões de herança
sobre comunidades tradicionais de organização patriarcal como eram as antigas sesmarias da
baixada cuiabana. Cf. CASTRO, Sueli Pereira. A festa de Santo na Terra da Parentalha: Festeiros,
Herdeiros, Parentes. Sesmaria na Baixada Cuiabana Mato-grossense. São Paulo: FFLCH /USP. Tese
de Doutorado.
50
HOURANI, Albert H. Uma História dos Povos Árabes. São Paulo, Cia das Letras. p. 291.
51
Ibidem, p. 293.
35
Segundo o autor, o governo aplicou as leis fundiárias obrigando os chefes
tribais a registrar a terra em seu nome e, por conseguinte alterar a prática cotidiana
de suas tribos da atividade pastoril para a agrícola, produzindo grãos e tâmaras no
sul, voltados para a exportação. O autor traça ainda uma assertiva a respeito dos
motivos do governo para que houvesse tal indução. Com os camponeses
assentados em colônias agrícolas ficava mais fácil recrutá-los para o exército do que
se fossem nômades, vivendo fora da comunidade política e podendo constituir um
perigo para a ordem. Além do recrutamento, o assentamento favorecia também um
melhor controle sobre a coleta de impostos, cada vez mais pesados à população.
Às novas formas de apropriação da terra impostas pelo reordenamento político imposto pela Lei de Terras Turco Otomana de 1858, somam-se
as questões econômicas e demográficas, que segundo Truzzi não diferem dos
processos vividos pelos países europeus no mesmo período, gerados pela
expansão mundial do capitalismo no século XIX. 52
Em função dos escassos meios de transporte e pouca comunicação entre si
e com outros países, várias aldeias eram praticamente auto-suficientes. Os
camponeses dessas regiões, a exemplo do europeu, produziam bens de consumo e
instrumentos para sua subsistência. Tannou Afif, citado por Truzzi, traduz bem essa
relação de trabalho.
Num padrão em que o tear doméstico constituía um
equipamento essencial à família, artesãos e agricultores também
operavam quase que exclusivamente sobre a base territorial definida
pela aldeia, em relações de caráter fortemente pessoais53.
Hitti, citado por Truzzi, afirma que as atividades de agricultores e artesãos
passavam a sofrer concorrência direta dos produtos fabricados nos grandes centros
industriais da Europa. A concorrência dos produtos europeus foi possível pela
abertura de estradas e melhorias na navegação marítima. Uma sociedade formada
sob organizações tradicionais se via invadida por uma nova reordenação fundiária e
mais próxima dos grandes centros produtores, desestabilizando o modus vivendi.
Soma-se a esse fato o grande crescimento das cidades. “Beirute, por exemplo, que
52
Cf. TRUZZI, Osvaldo Mario Serra. Patrícios, Sírios e Libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec,
1995.
53
Ibidem p 21.
36
havia iniciado o século 19 com menos de cinco mil habitantes chegaria ao seu final
com mais de 120 mil”.54 O crescimento urbano gerou a demanda de uma grande
produção agrícola, e sua comercialização, forçando as propriedades familiares a
mudar o perfil de sua produção. Com todas essas mudanças impostas, a relação de
subsistência entre a população e terra agricultável chegou a um limite, não sendo
mais possível a reprodução do modo de vida tradicional, ligado a terra e a famílias
numerosas.
A manutenção do patriarcado tradicional no qual até três gerações de uma
família conviviam sob o mesmo teto estava inviabilizado pela pouca oferta de terras,
e baixa produtividade, ocasionada pelo uso de instrumentos rudimentares como a
enxada, o arado e a pá entre outros.55 Nessa encruzilhada formada pelo aumento
populacional, e a escassez de terras agricultáveis reside parte da tensão vivida pelos
habitantes dessas regiões.
As perseguições religiosas sofridas, pela minoria cristã, constituem
outro fenômeno gerador de tensões. Mesmo partilhando das mesmas bases
históricas e culturais, árabes cristãos e muçulmanos não constituem uma única
identidade, havendo de ambos os lados posturas sectárias em relação ao outro. Em
fins do século XIX as políticas de estado do império turco otomano, incentivaram
discórdias entre cristãos e drusos no Líbano, e entre muçulmanos e cristãos na Síria.
Heliane Prudente Nunes fez um levantamento sobre autores que
escreveram sobre a problemática da religião nesses territórios, apurando na
historiografia opiniões dissonante. “Alixa Naff sustenta a tese de que as
perseguições religiosas ocorridas nos respectivos territórios não constituem causa
que explique a emigração daqueles povos”.56 Nunes escreve que para Alixa Naff tal
explicação foi propagada pelos cristãos maronitas, que desejavam o Líbano sob o
protetorado francês novamente, entretanto, aponta para o fato da maioria dos
emigrados professar a fé cristã, o que demonstra as perseguições religiosas com
sendo uma das motivadoras dos deslocamentos. A respeito disso, Lourdes Kalix
Ferro descreve:
[...] papai era Miguel J Kalix, era Miguel porque era cristão.
Então mamãe contava que lá no Líbano, que os cristãos, que os que
54
Ibidem. p. 22
Cf. NUNES, Heliane Prudente. Op. Cit. p. 23
56
Ibidem, p. 30
55
37
não eram cristãos, não gostavam dos cristãos, então se viam na
calçada, descia da calçada para não passar junto. E aqui em Cuiabá
ela ficou admirada, porque os que não são cristãos aqui também, e
tem quem não é cristão, e que todos tinham amizade, aqui era
diferente de lá, e ela achava muito bom que isso acontecia, porque
lá era muito ruim isso [...]57
É preciso relembrar que a administração otomana incitava cristãos e
muçulmanos ao conflito visando maior controle das regiões que compunham seu
território. Ressaltam-se ainda as interferências européias nesse campo, incitando
seitas religiosas, ansiando também por um maior controle sobre a região.58
Embora, a intolerância religiosa tenha sido uma das causas que motivou as
grandes emigrações dos sírios e libaneses, os interesses políticos europeus no
Oriente, em última análise, foram reconhecidamente fomentadores de discórdias.
Truzzi apresenta outros fatores como competição e manutenção do status
familiar. Apóia-se em Naff e nas suas considerações sobre as relações pessoais
entre as famílias no tocante a troca de favores e presentes. A ênfase na manutenção
da honra familiar denota o fenômeno da migração como um projeto muitas vezes
gerado no meio da família. Em todas as aldeias havia famílias dominantes,
tradicionais, que mantinham ao redor de si outras famílias coligadas em relações de
reciprocidade. A preservação do status familiar foi parte das motivações para migrar,
em busca de dinheiro para financiar plantios, resgatar terras e casas hipotecadas,
comprar novas posses. Nesse sentido, os primeiros a migrar o faziam com a
intenção de ganhar dinheiro e retornar à sua terra. Isso talvez explique a
predominância de homens solteiros nesses contingentes de emigrantes.59
Levando em conta as questões familiares, e os relacionamentos mantidos
com outras famílias das aldeias a que pertenciam, percebe-se as relações de poder
existentes em cada aldeia. Práticas estas, presentes nas micro-relações,
legitimadoras de ações cotidianas e culturais. Formando redes de relacionamentos,
57
FERRO, Lourdes Kalix. 71 anos, cuiabana, filha de pai e mãe libaneses, oriundos da cidade de
Zahle no Líbano, chegaram a Cuiabá em 1912. 05/11/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson
Brandão.
58
Cf. NUNES, Heliane Prudente. Op. Cit. p. 31
59
Cf. TRUZZI, Osvaldo Mario Serra. Patrícios, Sírios e Libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec,
1995. p. 27.
38
que influenciavam na vida dos grupos sociais. A respeito disso, as considerações de
Roberto Machado sobre o conceito de poder defendido por Foucault é bastante
significativo.
Não existe de um lado os que têm o poder e de outro
aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o
poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que
significa dizer que poder é algo que se exerce, que se efetua, que
funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina
social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo,
mas se dissemina por toda a estrutura social.60
A manutenção da boa imagem familiar era uma questão de honra para
esses povos. A grande preocupação com a castidade das mulheres é um traço
comportamental e de princípio dessas sociedades, entendidas como questão de
honra e prestígio. Da mesma forma a necessidade de ostentar financeiramente,
demonstrar possuir riquezas era uma constante nessas relações.
Nessa conjuntura, a necessidade de migrar baseou-se nas relações sociais
existentes na grande Síria. As ações governamentais juntamente com as condições
econômicas e demográficas desfavoráveis em relação direta com a reduzida área de
terras agricultáveis incitaram de forma agressiva a essas famílias, o dever de
encontrar soluções para sua crise e desprestígio local. O poder dos “dominantes” se
apóia dessa forma sobre os “dominados”, e estes se apóiam onde esse “poder“ os
afeta. Nesse sentido cultiva-se a necessidade de responder a esse quadro
conjuntural, aliada ao sonho de trabalhar e ganhar dinheiro, como motivadores de
buscas e realizações. Migrar é uma forma de resistência, mas também de
legitimação das relações sociais existentes, uma vez que busca inclusive a
manutenção dessas práticas.
Quando se deslocou de Buenos Aires em direção a Cuiabá em 1917
Moysés Nadaf enviou à sua família em Seydanay na Síria a maior parte do dinheiro
economizado em sua estada na Argentina. Seguiu a trilha do sonho rumo ao
60
MACHADO, Roberto. Por uma Genealogia do poder (introdução): IN FOUCAULT, Michel. A
Microfísica do Poder. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004. Página XIV.
39
desconhecido, porém sem descuidar de repassar aos familiares em sua terra natal
parte de seus ganhos. Sua ação sugere se não um projeto coletivo formulado em
família – não revelado no depoimento de Jamil Nadaf – uma intenção de garantir aos
outros mais recursos, bem como provar ter sido bem sucedida sua aventura.
Nagib Saadi saiu da cidade de Zahle, deixando sua mulher e filhos
pequenos no Líbano no ano de 1909, viajou para França, para Nova Iorque nos
Estados Unidos, finalmente chegou a Cuiabá, pelas embarcações que faziam a rota
do Rio da Prata. Trabalhou como mascate, e mandava dinheiro para sua família
semestralmente. Ficou em solo mato-grossense até meados de 1914, quando
estourou a primeira guerra mundial, decidiu voltar para o Líbano, vindo a falecer de
Febre Tifóide, com sua esposa grávida de oito meses do filho mais novo, Filipe
Saadi. A experiência de Nagib foi repetida pelo filho mais velho César Nagib Saadi,
que veio para Cuiabá em 1916, trabalhou como mascate até se estabelecer como
comerciante na Rua 13 de junho centro de Cuiabá. Aidda Nagib Saadi narra que as
remessas de dinheiro feitas por César garantiam a sobrevivência da família no
Líbano, inspirando por sua vez a vinda para solo mato-grossense de Nicola Nagib
Saadi, seu irmão, em 1925.61 A atitude de Moysés, Nagib e César, a exemplo de
outras, feitas por outros migrantes, retro-alimenta em sua terra a ânsia por
mudanças, e a esperança delas serem possíveis.
Abdelmalek Sayad, ao realizar estudos sobre a emigração de argelinos em
direção da França, aponta reflexões acerca das motivações da alimentação do
processo migratório na Argélia. Nesse estudo, aparece o conceito paradoxal da
"Elghorba”, definida a priori como “terra do exílio”, “escuridão”, “isolamento”,
atribuída à terra estranha, fora de seu país, de sua terra natal. Entretanto, no operar
da intenção de migrar, a terra estranha, é idealizada como “fonte de riqueza”,
“felicidade”, “luz”, “alegria” e “segurança”. Em conseqüência, a terra natal ganha
status de “Elghorba”. Sayad, a partir de suas entrevistas, identificou os mecanismos
utilizados para realizar essa inversão, que era no caso dos imigrantes argelinos na
França, o de mascarar a real situação em que se encontravam.
61
SAADI, Aidda Nagib. Libanesa da cidade de Zahle Líbano nascida em 1905, reside em Cuiabá
MT. 30/08/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
40
O
desconhecimento coletivo da
verdade
objetiva da
emigração que todo grupo se esforça por manter (os emigrantes que
selecionam as informações que trazem quando passam algum
tempo na terra; os antigos emigrantes que “encantam” as
lembranças que guardavam da França; os candidatos à emigração
que projetam sobre a França suas aspirações mais irrealistas)
constitui a mediação necessária através da qual se pode exercer a
necessidade econômica.62
Ivens Scaff informa que um dos motivos impulsionadores da saída dos
membros de sua família de Zahle no Líbano ainda no século XIX foi a falta de
trabalho, aliada à “vergonha” das pessoas em se dedicarem a qualquer trabalho em
sua terra. Em seu entender, havia um consenso que membros de determinadas
famílias não pudessem se dedicar a todos os serviços, como forma de manter o
“status familiar”.63 A saída encontrada foi a busca por espaços onde pudessem
desenvolver atividade de sobrevivência, sem expor a situação em que se
encontravam, para isso, cruzaram o Atlântico em busca dessas realizações.
Percebe-se a necessidade de demonstrar sucesso em suas incursões na nova terra,
apresentando um tipo de realidade que nem sempre condizia com a situação
vivenciada. Esse pode ter sido um dos fatores que contribuíram para a emigração.
Farhat citado por Truzzi escreve a partir das cartas trocadas com sua mãe
residente em uma aldeia no Líbano as quais retratam essas redes de re-alimentação
de migrantes em busca de recursos. Nesse caso, a emigração de um membro da
família motivou a emigração de outras,
Patifes. Abusando da mãe sem importarem com minhas
lágrimas, com meu sofrimento. Vou lá, apanho o que puder, e volto.
Foi o que o Iskândar me falou. Disse que era fácil, contaram-lhe que
o dinheiro estava na estrada, pra quem quisesse pegar, foi a
conversa dele, do Iskândar. Eu ainda repeti umas cem vezes para
ele que não era preciso muito. Sempre vivêramos com pouco. Que
trouxesse só o que fosse possível. Sem demorar demais.
62
SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Edusp, 1998. p. 44.
SCAFF, Ivens Cuiabano, médico, neto de libaneses, cujo pai nasceu em Corumbá em 1907.
Residente em Cuiabá. 30/10/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
63
41
Lembro-me muito bem do “volto podre de rico” do até então
discreto Iskândar, o primeiro da fila, o puxador dos trânsfugas.
Embora tudo tivesse ocorrido em anos diferentes, cada uma
parecia ter passado ao outro o ensaio da astúcia ou empáfia na hora
da despedida.
Enquanto seu pai e eu fingíamos tranqüilidade no momento
dos beijos e do “Allah mâak” (“Deus te abençoe”), cada aventureiro
que foi soltou sua tirada de adeus.
Ziad e In-Hula embarcaram juntos, talvez um para encorajar o
outro. Mas antes de partir já roncavam como efêndis. Cada qual
queria mais bolsos internos com forro de lona, nas calças, na frente
e atrás e até embaixo das dobras, “para o massari (dinheiro), para
muito massari” que haveriam de ganhar e trazer.
Que dizer então da petulância desse sempre atrevido
Muzáref? Depois dos abraços dentro de casa, saiu para a varanda e
trovejou para o casario que se enfileirava rua abaixo: “Adeus,
pobreza!”
Felizmente eram cinco e meia da manhã. Caso contrário eu
estaria até hoje ouvindo os ricochetes zombeteiros sobre as fortunas
que meus filhos americanos amontoaram ou mandaram64.
Está presente no texto, outra face da migração, representada por quem não
viajou, ficando com suas saudades, temores, tristezas, esperanças e indignação. É
possível também identificar a denúncia da pobreza dessa família, indignação diante
da ausência prolongada dos emigrados e não remessa significativa de dinheiro por
parte destes.
Nesse texto identifica-se a maneira como essa sociedade representava a si
mesma, e como a migração para a América apresentava uma saída em meio à crise
econômica, demográfica e religiosa. Era um projeto de família, mas que ainda não
havia obtido êxito. As histórias de sucesso dos expatriados representavam para os
outros a possibilidade de vitória diante das dificuldades. As somas de dinheiro
64
FARHAT, Emil. Dinheiro na estrada: uma saga de imigrantes. apud TRUZZI, Oswaldo Mário Serra,
Op. Cit. p. 33.
42
enviadas se avolumavam e eram maiores dos que as ganhos mensais dos que
ficaram.
Um analfabeto vai para a América e no curso de seis meses
manda um cheque de 300 ou 400 dólares, mais do que o salário de
um professor ou de um pastor em mais de dois anos. Durante os
meses passados veio para Zahle da América uma média de 400 a
500 dólares diariamente. Quase tudo é usado para pagar velhas
dívidas, hipotecas e para levar outros emigrantes além mar. Dos
relatos dos emigrantes só se ouvem louvores irrestritos à América
[...] A emigração, como um fermento possante, agita todas as
aldeias e povoados de nosso campo. Todo mundo está em
movimento e ninguém parece disposto a ficar, desde que possa, de
um jeito ou de outro, arranjar dinheiro suficiente para pagar a
viagem.65
O fenômeno migratório estava inserido num complexo jogo de relações de
poder. Se as ações governamentais do império turco otomano, juntamente com a
conjuntura econômica foram motivadoras dos sonhos de vida melhor, de outro lado
tal busca aliviou as tensões existentes na terra de origem, diminuindo as pressões
causadas pelo grande contingente populacional cuja sobrevivência estava
ameaçada pela pouca oferta de terras. De outra forma os pioneiros na “aventura de
migrar”, abriram caminhos para outros emigrantes, influenciados pelo exemplo de
seus familiares e conterrâneos. O “sonho de fazer a América” estava incentivado
pelas remessas de dinheiro e a imagem de “bem sucedidos,” mostrada pelos
imigrados.
65
TRUZZI, Oswaldo Mário Serra. Op. Cit. p. 32.
43
Fazendo-se migrante
A condição básica para a categoria migrante é o deslocar. Movimentos
criam percursos e fundam novas significações na interação entre o lugar de partida,
o caminho percorrido e do ponto de chegada. Nesse caminhar, ao já sabido na terra
de origem somam-se experiências apreendidas no percurso realizado e na
sociedade que o acolhe. Historicamente as sociedades primitivas ou primeiras, são
classificadas como nômades, por serem errantes e não se fixar numa terra
determinada. Costumeiramente se atribui a essa prática, a busca por melhores
terras e condições de sobrevivência para um grupo de pessoas.
Migrantes e nômades destoam dos sedentários, por serem os primeiros
semelhantes no princípio de se deslocar. Entretanto, existem diferenças conceituais
entre eles. “O nômade não é de modo algum o migrante, pois o migrante vai
principalmente de um ponto a outro, ainda que este outro ponto seja incerto,
imprevisto ou mal localizado”.66
Para Deleuze e Guatari embora o nômade siga caminhos costumeiros, este
não realiza o caminho sedentário, que é o confinamento num espaço fechado,
estriado, representado pelos territórios e estados. Nesse sentido, o nômade é um
desterritorializado,
porque
não
faz
a
reterritorialização
posteriormente.
A
característica do nômade é ser desterritorializado na própria terra.67
Enquanto o migrante abandona um meio tornado amorfo ou
ingrato, o nômade é aquele que não parte, não quer partir, que se
agarra a esse espaço liso onde a floresta recua, onde a estepe ou o
deserto cresce, e inventa o nomadismo como resposta a esse
desafio68
O migrante apresenta características peculiares em comparação ao
nômade. Quem migra o faz a partir de um espaço estriado, cercado e de ligação
66
DELEUZE,Gilles; GUATARI, Felix. Mil Platôs, Capitalismo e esquizofrenia. Trad. Peter Pál Pelbart e
Janice Caiafa. São Paulo: ed. 34, 1997. Coleção Trans. p. 51
67
Cf. Ibidem. p. 53
68
Deleuze e Guatari fazem essa afirmação, concordando com Toynbee, “Eles se lançavam na
estepe, não para atravessar seus limites, mas para ali fixar-se e ali sentir-se realmente em casa”.
DELEUZE,Gilles; GUATARI, Felix. Op. Cit. p. 52.
44
sedentária. Movimenta-se quando este espaço se torna amorfo, incapaz de
reproduzir seu modo de vida, e parte em busca de seus projetos. O migrante é
aquele que vai de um ponto ao outro na definição de Deleuze. Entretanto, em
situação análoga ao nômade, o trajeto é importante, uma vez que nele a migração
soma consistência, com as múltiplas experiências acrescentadas ao vivido.
Na vivência dessas experiências é que o migrante interage com o meio que
o acolhe e produz novo significado. Nas relações sociais, torna visível em suas
práticas o apreendido em seu ponto de saída e na trajetória desenvolvida. A
materialização do vivido pelo migrante em seus percursos constitui parte das
sínteses culturais que se formarão no encontro com o outro. No percurso sobre esse
espaço estriado, controlado, já definido como territórios dos estados nacionais, o
migrante constitui seus territórios. Para Rafestin69 “o espaço é anterior ao território, e
este último somente se realiza a partir de uma ação programada de um sujeito que
se apropria concreta e ou simbolicamente de um espaço”. Turra Neto acrescenta
que a “apropriação de um determinado espaço constitui território a partir do
momento em que o ator social o representa para si e para os outros”
70
. Os
migrantes tentam de várias formas reproduzirem costumes, tradições, formas de
vida, de trabalho, estabelecer relações econômicas e sociais análogas ao que viviam
em seu lugar de origem.
O migrante é alguém capaz de deixar o lócus estrutural onde se encontra,
para ir à busca de um objetivo ou resolver uma necessidade, estruturando um novo
lócus estrutural no ponto de chegada. Bourdieu define essa movimentação a partir
de sistemas simbólicos, como arte, religião, língua, entre outros, que constituem
estruturas simbólicas passíveis de análises71. Quando deixa sua terra, o migrante
carrega consigo todo um arcabouço de experiências e estruturas simbólicas, que
exercem poder sobre ele. Nesse sentido o poder simbólico dessas estruturas atua
no modus operandi do imigrante, no contato com outras culturas. O migrante procura
reconstruir no espaço de chegada muitas das relações sociais e espaciais que
vivenciou no local de origem, e o instrumental precioso para a construção de tal
território é a memória do vivido, quer seja individual ou coletiva.
69
RAFESTIN, Claude. Do Espaço ao Território IN: Por uma Geografia do Poder. trad. Maria Cecília
França. p. 142.
70
TURRA NETO, Nécio. Do Território aos Territórios: Paisagem Território e Região – Em Busca da
Identidade. Cascavel: EDUNIOESTE, 2000. p. 88.
71
Cf. BOURDIEU,Pierre. O poder simbólico. 9ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 08-15.
45
Se na trajetória do migrante existe uma intersecção entre dois pontos, o de
partida e o de chegada, o vetor da direção pode inverter-se e adquirir uma
perspectiva de retorno. Para que haja imigrante é preciso que haja emigrante, um
ser social cuja ausência é sentida em sua terra natal em função do seu
deslocamento.
O retorno é parte integrante de um processo imigratório, porém o desejo de
fazê-lo, não o garante em si. Os primeiros imigrantes sírios e libaneses se
aventuravam rumo à América com o intuito de ganhar dinheiro e retornar à sua terra
e à sua família com os seus sonhos realizados. Nos depoimentos coletados por
diversos autores, essa intenção da volta se faz presente de forma incisiva, como no
texto de Farhat72 no qual sua mãe chama pelo retorno de seu filho “Tauil” que havia
se deslocado para o Brasil em busca de seu irmão Iskândar. O trecho citado por
Truzzi não apresenta afirmações sobre o retorno ou não desses imigrantes. A dor da
ausência dos filhos, sentida pela mãe é que direciona a narrativa da carta.
Em seu relato sobre a vinda de seu tio Moysés Nadaf aos 17 anos em 1917
para a cidade de Cuiabá, Jamil Nadaf assegura a intenção deste imigrante em
trabalhar por dois anos na América e depois retornar para a Síria. O próprio Jamil
saiu de seu país; a Síria, em 1948 com intuito de conhecer os parentes e depois
retornar, entretanto, isso não ocorreu.
Sayad afirma, em suas pesquisas, a dimensão do retorno como sendo uma
condição específica do migrante. Fazer a América para sírios e libaneses era ganhar
dinheiro e retornar para manter os planos familiares
O retorno é naturalmente o desejo e o sonho de todos os
imigrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta ao cego, mas
como cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só
lhes resta então, refugiarem-se numa intranqüila nostalgia ou
saudade da terra73.
72
FARHAT,Emil. Dinheiro na estrada: uma saga de imigrantes apud, TRUZZI, Oswaldo Mário Serra
Op.cit. p. 33.
73
SAYAD, Abdelmalek. O retorno: Elemento Constitutivo da Condição do Imigrante. In: Travessia
Revista do Migrante. São Paulo: número especial; Janeiro. 2000.
46
A esses sentimentos constitutivos do imigrante, somam-se a manutenção
dos laços de cooperação mantidos com a família. Rupin, citado por Truzzi afirma que
entre um terço e metade dos emigrantes saídos voltaram para investir suas
economias em terras e casas novas.74 A idéia de retorno, em alguns casos, faz
então parte dos desejos de um grupo familiar, num projeto bem concebido e
direcionado.
A idéia de retorno apresenta limites, pois se pode sempre voltar ao ponto
inicial, definindo outra trajetória, re-espacializar-se, reencontrar espaços. Porém não
é possível retornar ao tempo da partida original. O tempo não se conforma às idas e
vindas, permanecendo somente na memória. Com relação ao espaço, há mais
flexibilidade. Este se adapta melhor ao ir e vir. Para Sayad, o espaço para onde se
retorna é qualificado, repleto de nostalgias, carregado de afetividades.
Se existe uma nostalgia agarrada ao espaço, e se este é no
fundo de si mesmo um lugar de nostalgia, como se experimenta em
todos os deslocamentos é porque se trata de um espaço vivo,
concreto, qualitativo, emocional, e até mesmo apaixonadamente
distinto.75
A terra natal ganha através da memória nostálgica, ares de sacralização. O
espaço deixado é o da saudade, alimentado pela “nostalgia da memória”, e o retorno
à terra natal é um reencontro consigo mesmo, retorno à origem, tornada sagrada
pela nostalgia e pela afirmação de uma identidade de pertença a determinado
espaço. Sayad usa como exemplo a história de Ulisses e sua trajetória em busca do
lar que acredita ser seu. Poder-ia- falar de um lugar para onde retornar, vivido na
memória e na saudade.
Dentro dessa abordagem, entra o Estado nacional, e todos os seus
tentáculos ideológicos e identitários. Não se retorna só à sua terra, mas à sua pátria,
o lugar onde não se é diferente pela origem, onde há um maior pertencimento ao
espaço, que é o nacional e a grupos que são grupos nacionais. Quando o migrante
chega à terra de destino, ele é categorizado enquanto pertencente a este ou aquele
74
TRUZZI, Oswaldo M Serra. Op.cit. p. 30
SAYAD, Abdelmalek. O retorno: Elemento Constitutivo da Condição do Imigrante. In: Travessia
Revista do Migrante. São Paulo: número especial; janeiro. 2000. p. 12.
75
47
país. A nação configura identidades. Os libaneses e os sírios eram cidadãos turcos,
mas eles não se identificavam enquanto sendo. No Brasil eram classificados como
turcos, mas não se reconheciam turcos. Para Sayad o imigrante só deixa de sê-lo
quando não é mais nomeado enquanto tal, quando sua inserção na terra de destino
faz com que ele não seja assim caracterizado e não se veja mais como imigrante.
A extinção desta denominação apaga, a um só tempo, a
questão do retorno inscrito na condição do imigrante. Na verdade
não se trata, sob pretexto do retorno, da questão mais fundamental
da legitimidade intrínseca da presença daquele que é visto e
designado como um imigrante?76
O retorno é deslocamento, caracteriza o ser social como imigrante, o
colocando na categoria de temporário em terra estranha. A sua permanência nesse
espaço e suas novas territorializações frutos das relações sociais constituem novas
sínteses culturais e étnicas. O produto dessas relações foi comumente chamado de
assimilação77. Muito freqüente em documentações oficiais, o termo assimilação foi e
ainda é utilizado “de forma simples”, para explicar as mudanças sociais e culturais
que ocorrem da interação de minorias a uma determinada sociedade nacional.
Quando as condições de sobrevivência na Grande Síria78 começaram a ficar
difíceis pelas razões apontadas anteriormente, muitos dos habitantes dessa região
se lançaram na aventura/projeto de migrar. A crise no campo contribuiu para o
crescimento acelerado das cidades. O vai e vem constante dentro do território
nacional configurou novo perfil de relacionamento produtivo com a terra. Esgotadas
as tentativas na Grande Síria e no Monte Líbano a alternativa foi emigrar, ir de
encontro ao diferente em vários aspectos, sobretudo culturais. Nova forma de se
relacionar com o mundo conhecido, fazer-se migrante, descobrir o ainda não visto.
Segundo Toufic Doun, no Oriente Médio, os libaneses foram os pioneiros a
emigrar seguidos pelos sírios. Emigravam inicialmente para o Egito, e depois para
76
Ibidem. p 11
Ver conceitos sobre assimilação no capítulo 2.
78
Grande Síria era o nome dado a região compreendida pelos territórios da Síria e do vale do Bekaa.
Este último corresponde ao leste e sul do atual Líbano. A região noroeste do Líbano era conhecida
como Monte Líbano.
77
48
outros países. A vida de quem migra é feita de tentativas de onde resultam alguns
ou muitos sucessos. De porto em porto, de ocupação em ocupação, os migrantes,
sem perder a idéia de retorno vão constituindo suas trajetórias espaciais e sociais.
As condições de permanência no Egito foram prejudicadas pela pressão inglesa,
que ameaçava bombardear o porto de Alexandria e enviar soldados para intervir
diretamente naquele país para acabar com a rebelião nacionalista do coronel Arabi.
Encontravam-se
naquela
época
de
1882
em
Cairo,
Alexandria e várias cidades agrícolas do Egito, muitos sírios e
libaneses que para lá emigraram em busca de fortuna, eles foram
surpreendidos por tal acontecimento que ameaçava tanto as
propriedades como as vidas dos 88 estrangeiros sem exceção.79
Forçados a emigrar, os sírios e libaneses continuaram suas buscas
aproveitando os navios oferecidos pelos ingleses para o transporte. Do Egito eles
foram para países da América, Europa e para Austrália.
Segundo Heliane Prudente Nunes, até 1890 o movimento emigratório
limitou-se a princípio a algumas aldeias. A partir deste período, em meados do
século XIX, a emigração se alastrou pela maioria das aldeias. Além das rotas que
levavam ao Egito havia as que levavam às Américas e Oceania. Os cristãos eram a
maioria nessas rotas ocidentais, partindo de Trípoli e de Beirute em péssimas
condições de viagem.80 A esse respeito Doun é categórico ao denunciar as trapaças
impostas por agentes que acompanhavam os migrantes desde suas aldeias. Na
trajetória desses emigrantes, formou-se uma verdadeira indústria de migração,
coordenada principalmente por sírios nos portos europeus. Os emigrantes viajavam
em grupos da mesma aldeia ou em levas mistas, compostas de representantes de
diversas regiões. A intenção de se fazer uma viagem direta ao destino era frustrada
pelas articulações desses agentes “facilitadores” da emigração.
Em ambos os casos os emigrantes hospedavam-se em
albergues sujos e destituídos de toda a comodidade, a espera do
79
DOUN, Toufic. A imigração Síria-libanesa ás terras da promissão. São Paulo: Tipografia editora
árabe, 1944. p. 89
80
NUNES, Heliane Prudente. Op.cit. p. 37
49
navio
que
os
levasse,
todos,
porém
eram
explorados
impiedosamente pelos intermediários que exerciam o tráfico de
embarques
clandestinos.
Enganavam-nos,
extorquindo,
sob
pretextos inúmeros, tudo o que podiam, ficando alguns com a
impossibilidade de continuar a viagem por falta de recursos. Não era
raro embarcarem alguns em navios que demandavam portos
diferentes do combinado. A maioria dos navios era de pequena
tonelagem de carga, fazendo escalas sem conta, e não obedecendo
a itinerário nenhum, permanecendo em alguns portos dias a fio, para
carregar ou descarregar81
Embarcando em portos do Levante, os emigrantes se dirigiam a portos
europeus para depois se dirigirem ao seu destino. A falta de sincronia entre os
navios dificultava a vida dos emigrantes, sendo estes, obrigados a ficar em hotéis
próximos aos portos, onerando o custo da viagem. Alguns gastavam suas
economias e eram obrigados a desistir da empreitada e retornar para casa. Alixa
Naff citada por Prudente ilustra esse mercado que se formou nos portos em função
do grande número de emigrados árabes.
A indústria de emigração cresceu rapidamente e incluía
desde transportes das vilas para os portos e hospedaria, para
acomodar aqueles que tivessem de esperar por um barco, até
serviços de guia, botes e remadores, que contrabandeavam
emigrantes durante a noite, para os navios ancorados no mar, com o
objetivo de evitar os fiscais do Serviço de Emigração. Agentes
enganavam os oficiais turcos, e os guias conduziam os emigrantes a
lugares escondidos, onde aguardavam os barcos que os levariam
aos navios.82
Esses problemas com a imigração dificultavam o sonho de “fazer a
América”, colocando em alguns o gosto amargo do retorno para suas aldeias com o
desejo frustrado. Os que resistiam eram embarcados na segunda e terceira classe
81
82
DOUN, Toufic. Op.Cit. p. 90
NAFF, Alixa. Arabs in América: a historical overview. Apud NUNES, Heliane Prudente p. 39.
50
dos navios e ainda tinham que enfrentar, em muitos casos, os desvios de rota e
eram aportados em outros países. Isso acontecia principalmente com os desejosos
de aportar nos Estados Unidos, e que enganados, iam muitas vezes parar em portos
do Brasil e Argentina.83
Quando chegavam ao país de destino permaneciam juntos,
salvo nos casos de alguns terem de juntar-se a parentes ou amigos
que os haviam precedido e que os esperavam em outras
localidades. É por isso que se acham grupos radicados, naturais de
uma aldeia ou cidade, em certa zona deste ou qualquer outro país
de imigração.84
Os que não possuíam parentes, podiam ainda contar com o apoio das
colônias radicadas em cidades portuárias, como o caso de Moysés Nadaf, que
recebeu apoio da colônia de Seydanay em Buenos Aires. No Brasil é característica
da imigração árabe a dispersão nos mais variados locais do território nacional, não
se restringindo às regiões litorâneas, o que favoreceu a integração dos novos
imigrantes nas cidades. Esses encontros com os “patrícios” amenizavam medos e
traziam a possibilidade de permanência através das redes de cooperação.
Encontrar pessoas conhecidas, ou que falem a mesma língua, pertençam
ao mesmo país constitui uma tranqüilidade para o imigrante, que nos últimos meses
haviam desenvolvido percursos por vezes intermináveis, expostos a toda sorte de
acontecimentos como doenças, má alimentação e incertezas com o próprio destino.
Ancorar no ponto de chegada os expõe a outra realidade, e o desejo da busca ter
chegado ao seu final. Nos portos, locais de idas e vindas, as imagens mentais
sugeridas e as experiências são muitas, ir e vir denota movimento, dinâmicas
próprias. Pode significar buscas, gerar saudades, conotar ações externas à vontade
de quem se movimenta.
Nas estações e portos da vida, muitas são as paragens, variadas são as
necessidades do movimento. Toda estação, deixa de ser lugar para se transformar
em espaço, produtor de significado, repleto de múltiplas relações sociais conforme
83
84
Cf. DOUN, Toufic. Op. cit. p. 92.
Ibidem, p. 92
51
os escritos de Michael de Certeau em Invenção do cotidiano. Em seu entender,
espaço é o cruzamento de móveis, onde se cruzam percursos, temporalidades e
múltiplas relações definidoras de espacializações.85
Seguindo
o
pensamento
deste
autor, os portos
podem
ser
considerados como espaço das relações sociais entre inúmeros transeuntes que
estão em busca de seus sonhos, realização de seus desejos. Mas também é espaço
de recepção, triagem de pessoas, definidor de destinos. É a porta de entrada, mas
também de dispersão e de exclusão. Muitos dos que chegavam eram albergados até
conseguir uma ocupação, ou mesmo após a triagem partiam em busca de suas
próprias oportunidades. Havia ainda os que ficavam de quarentena á espera de
permissão para entrar. Doentes, velhos sem família eram descartados, sendo
geralmente impedidos de realizar o sonho que os levaram a viajar meses em busca
do sonho da “América”.
Minha avó ficou retida na ilha das Flores pois estava com
tracoma. Meu pai, minha mãe e meus tios imploravam às
autoridades que a liberassem, mas não conseguiram. O governo de
Washington Luís pagou sua passagem de volta ao Líbano aonde
veio a falecer.86
A hospedaria da Ilha das Flores foi fundada em janeiro de 1877 em Niterói,
pertencente ao governo da União. Nela eram albergados e registrados os
estrangeiros. Essa hospedaria era o maior centro de convergência de imigrantes
para o Brasil. Ela funcionava como lugar de referência para os imigrantes que não se
adaptavam aos locais para onde eram enviados, sobretudo fazendas de café, e
retornavam para serem redistribuídos.87
85
CERTEAU, Michel de Certeau. A invenção do cotidiano: Artes de Fazer. Trad. Ephraim Ferreira
Alves. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 202
86
Entrevista concedida por uma imigrante libanesa de Goiânia apud NUNES, Heliane Prudente.
Op.cit. p. 41
87
Cf. ARAUJO, Maurício Thomaz de. Migrações na Baixada.
http://www.ipahb.com.br/genera_migra.php, 31/08/2006. 14h10min horas
52
Imigração para o Brasil
O processo de imigração para o Brasil estava inserido dentro de um
contexto internacional bastante agressivo com as transformações trazidas pela 2ª
revolução Industrial, também chamada de revolução tecnológica. Soma-se a isso o
capital monopolista internacional, que fortaleceu o capital financeiro em detrimento
de outras formas de produção como a agricultura e as indústrias antigas. A crise do
campo na Europa deveu-se à revolução industrial e à expansão do capitalismo
industrial e financeiro provocando a dissolução, falência das indústrias artesanais
domésticas88.
A expansão do capitalismo industrial e financeiro gerou grande riqueza para
uma parcela da população, excluindo um número muito maior dos meios de
produção, e mesmo de sobrevivência, como os artesãos e agricultores. Somam-se a
estes fatos as grandes crises econômicas e as guerras pela formação dos estados
nacionais europeus. No caso dos países árabes, a expansão do poder dos países
europeus sobre o império Turco Otomano, a imposição de reformas governamentais
e controle financeiro gerou uma crise social e econômica análoga á vivenciada pelos
europeus.
O contexto da época era de grande miséria no campo, o que gerou a
emigração de um grande número de pessoas para as Américas. Estes imigrantes
vinham atraídos por promessas de uma vida melhor, veiculadas através de
propagandas do governo e companhias de imigração. A tabela abaixo aponta os
números dessa imigração para o Brasil.
88
Cf. MARX, Karl, Cap. XXIV – A Assim Chamada Acumulação Primitiva; XXV – A Teoria Moderna
da Colonização in: O Capital – Crítica da Economia Política. V. I: O Processo de Produção do Capital.
Tomo 2 (capítulos XIII a XXV). São Paulo: Nova Cultural, 1985. HOBSBAWN, Eric J. A Era do Capital:
1848-1875: Trad. Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 3 ed. 1982.
53
Tabela 1- Imigração estrangeira (sic) no Brasil entre 1884 e 1943
Nacionalidade
Número de Imigrantes
Porcentagem do Total
Turco – árabes
106.088
2,5%
Italianos
1.412.880
33,7%
Portugueses
1.224.274
29,2%
Espanhóis
582.536
13,9%
Japoneses
188.769
4,5%
Alemães
172.347
4,1%
Russos
108.168
2,6%
Austríacos
85.834
2,1%
Poloneses
48.609
1,1%
Romenos
39.204
0,9%
Franceses
32.926
0,8%
Lituanos
28.707
0,7%
Ingleses
24.567
0,5%
Iugoslavos
22.891
0,5%
Argentinos
20.763
0,5%
Outros
97.272
2,3%
Todos os imigrantes
4.195.832
100%
Fonte: Revista de Imigração e Colonização, ano 1, n. 4, p. 641-642, out. 1940 e ano 4, n. 136, p. 209223, dez. 1945.
Na segunda metade do século XIX a imigração árabe se deu de forma
bastante acentuada devido ao período de conflitos políticos e econômicos em razão
do domínio do Império Otomano na região do Oriente Médio. Porém, o período de
maior fluxo migratório árabe, especialmente de sírios e libaneses, foi entre 1920 e
1930.
Os recenseamentos de 1920 e 1940 revelam o número de imigrantes sírios
e libaneses fixados no Brasil. O estado São Paulo destacou-se como principal centro
de absorção de imigrantes, calculado entre 38,4% e 49,0%. Os libaneses não só
aportaram em São Paulo, como também chegaram de outros estados da União,
atraídos pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira e, principalmente, pelo seu
parque industrial, onde marcavam presença. O estado de Minas foi o segundo
estado a receber o maior contingente de libaneses. Em muitas cidades, eles
dominaram o comércio varejista. O antigo Distrito Federal, composto pela cidade do
Rio de Janeiro ocupou o terceiro lugar, seguido do estado do Rio de Janeiro. A
presença do imigrante árabe na Amazônia também foi significativa.
54
Para Jamil Safady, a vinda dos imigrantes, do Oriente Médio, iniciada em
1871, fez-se tradicionalmente com moradores do campo, lavradores ou proprietários
de terras. Esses, porém, não vinham para dedicar-se a esta atividade, preferindo
atuar no que parecia mais propício à obtenção de lucros rápidos, com os quais eles
pretendiam voltar às suas terras de origem. A maior parte dos imigrantes síriolibaneses que veio para o Brasil estava disposta a trabalhar para enriquecer. Esse
desejo esteve presente durante todos os movimentos de adaptação e todos os
passos de construção da sua vida neste país. Os imigrantes libaneses em sua
maioria não buscaram trabalho em fábricas ou propriedades agrícolas. Dedicaramse especificamente ao comércio e às pequenas indústrias. 89
Os árabes, sobretudo os que professavam a fé cristã, começaram a chegar
ao Brasil em grandes levas a partir de 1875, e tiveram um número significativo de
entradas no país até 1940. Em sua maioria eram da Síria – até então uma província
do Império Otomano que incluía o território do Líbano. Segundo Khatlab tal
deslocamento se acelerou após as visitas que o imperador D. Pedro II fez à região
do Levante em 1876.90 Segundo o autor, esta visita estimulou a emigração
espontânea91 do Levante para o Brasil, se configurando como uma “estratégia para
estimular a imigração de mão de obra para o Brasil, já que o trabalho escravo estava
em vias de abolição”. Toufic Doun em seus escritos caracteriza essa visita como de
fundamental importância para o processo migratório
É também sabido que o próprio imperador D. Pedro II
empreendeu uma excursão ao país dos sagrados cedros e onde foi
tão bem recebido e venerado que voltou com a melhor das
impressões e as mais duradouras das lembranças. Para patentear o
seu contentamento se dignou a manifestar o desejo de ver no seu
querido Brasil o maior número possível dos filhos do Líbano e
89
SAFADY, Jamil. Panorama da Imigração árabe. São Paulo: Editora Impressora de jornais e
revistas, 1970.
90
Levante, é o nome dado antigamente aos países da orla mediterrânea oriental ocupada pelos
muçulmanos, aonde os mercadores Cristãos, sobretudo italianos iam comprar especiarias e sedas do
oriente. Cf. KHATLAB, Roberto. Op. Cit. p.19.
91
Imigração espontânea é aquela que ocorre sem o patrocínio de nenhuma empresa, e não faz parte
de nenhum projeto governamental. Ela se dá como resposta ao próprio contexto sócio econômico
cultural em que esse migrante vive, e a atração que o local de destino exerce sobre o mesmo.
55
prometendo-lhes toda a proteção e assegurando-lhes voltar
prósperos e felizes.92
Apesar das paixões demonstradas nesses textos, o imperador não tinha
condições de acolher e garantir nenhuma condição de sobrevivência a esse
imigrante em uma sociedade cuja relação de trabalho era escravista. Entretanto,
talvez em função da visita, a quantidade de imigrantes aumentou consideravelmente
depois de 1880 podendo apresentar uma chave para se entender o Brasil como
escolha. Segundo Knowlton
Muitos sírios e libaneses vieram para o Brasil porque tinham
parentes no país, que mandaram chamá-los ou animaram-nos a vir.
E finalmente, muitos imigraram para o Brasil porque acreditavam
que o país fosse mais propício a fazer dinheiro do que outros.
Emigrantes de torna viagem, saques bancários e cartas dirigidas a
pessoas nas suas aldeias natais convenceram-nos de que o Brasil
continha grandes possibilidades financeiras93
Dados do Departamento Nacional de Imigração demonstram a entrada de
somente 156 Sírios e Libaneses, registrados até 1892. E até esta data eram
classificados como turcos. Depois, os libaneses foram incluídos entre os sírios, só
vindo a ser listados como libaneses a partir de 1926 quando o Líbano se tornou
independente.94
Durante muito tempo, no Brasil, quaisquer estatísticas de
entradas de imigrantes daquela região eram consolidadas sob a
categoria ‟outras nacionalidades‟ e somente no estado de São
Paulo, cuja organização dos serviços migratórios tornou-se mais
cuidadosa a partir de 1908, esses imigrantes foram registrados ora
como turcos, turcos asiáticos, libaneses ou sírios95.
92
DOUN Toufic. A imigração síria-libanesa ás terras da promissão. São Paulo: Tipografia editora
árabe, 1944. p 87.
93
KNOWTON, Clark. Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo: Anhambi, 1961. p.
35
94
Cf. Ibidem, p. 37. Ver também: NUNES, Heliane Prudente. Op. Cit. p. 44.
95
TRUZZI, Oswaldo M. Serra. A vinda de Libaneses e Sírios ao Brasil. In: Relações entre o Brasil e o
Mundo Árabe: construção e perspectivas. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.
56
Reflexo dessa imprecisão com relação a origem das nacionalidades dos
imigrantes árabes é a confusão que se faz até os dias atuais ao se chamá-los
vulgarmente de turcos. O estereótipo “turco” assume um caráter pejorativo, quando
do uso das expressões “turco miserável”, “pão duro”. A continuidade do uso da
denominação Turcos para tratar sírios e libaneses tem sua base na ignorância, e na
falta de informação da população brasileira a respeito da diversidade de culturas –
costumes, etnias – que compõe a estrutura populacional e política do Oriente Médio
no início do século XX.
A imigração para o Brasil aumentou pós 1910, em razão da fuga dos jovens
do alistamento militar obrigatório do Império Otomano. Este fluxo aumentou entre
1911 e 1913, devido ás fugas, em razão das pressões feitas pelos turcos. Nos anos
de 1920 e 1930, a imigração árabe para o Brasil atingiu seu apogeu com uma média
de 5000 pessoas ao ano e em 1926 chegou ao ápice com 7308 entradas.96
Essa intensa emigração para o Brasil proporcionou, segundo dados obtidos
por Khatlab, a formação da maior comunidade de origem libanesa fora do Líbano,
com aproximadamente seis milhões de pessoas, entre imigrantes e descendentes.
Tal valor corresponde a aproximadamente 3,2 % da população brasileira em 2006 e
mais que o dobro da atual população do Líbano. É de se destacar também, o fato de
que em 1999, 10% do congresso nacional brasileiro era formado por descendentes
de Sírios e Libaneses.97
Ao desembarcarem no Brasil, os sírios e libaneses iam principalmente para
os estados da região sudeste e para a Amazônia – na época vivendo o grande surto
da borracha. A maioria dos imigrantes era vinculada ao trabalho no campo em sua
terra natal. Entretanto, no Brasil, tiveram que encarar uma situação completamente
nova. Todo um sistema de grandes lavouras, uma estrutura agrária centrada nas
mãos de grandes latifundiários, e a terra possuía um valor de compra e venda
definido pela lei de terras de 1850.
Em São Paulo, alguns se empregavam como colonos nas grandes
fazendas, mas logo fugiam para as cidades próximas. O faziam pela desmotivação
96
97
Revista de Imigração e colonização 1942. Arquivo Nacional. Rio de janeiro.
Cf. KHATLAB, Roberto. Op. cit. p. 19.
57
com a vida nas fazendas, e com o sonho presente em todo aquele que migra, que é
o de mudar de vida. Os sírios e libaneses, procuravam novas formas de inserção no
mercado de trabalho, optando quase sempre por uma atividade autônoma, no caso
especifico o comércio. Além do comércio urbano, a principal atividade desses
imigrantes era a de mascate, responsável pelo fornecimento de mercadorias para
cidades do interior do Brasil e para as zonas rurais, onde eram bem recebidos pelos
colonos. Ao comprar do mascate, o colono diminuía a dependência em relação ao
armazém do fazendeiro. Com isso, a atividade de mascate contribuía para a
redefinição de novas relações sociais além de ser um ótimo meio de comunicação
sertão adentro.
Depois de algumas experiências mal sucedidas nas fazendas de café a
atividade de mascate foi o primeiro trabalho autônomo realizado pelos imigrantes
libaneses. Importante salientar que, muitas vezes, os mascates trabalhavam para
seus patrícios, já estabelecidos, que forneciam mercadorias a serem pagas quando
retornavam de suas viagens. Esses fornecedores eram quase sempre ex-mascates
que haviam ascendido socialmente tornado-se lojistas. Deduz-se, portanto que tal
atividade era provisória e aconteceria até que este imigrante conseguisse acumular
e se estabelecer numa loja nas cidades. 98
Na região Amazônica a riqueza propiciada pela extração e venda de látex
foi fundamental para a atração de um contingente considerável de imigrantes sírios e
libaneses, que dirigiam os regatões, barcos-armazéns que subiam os rios rebocados
por gaiolas99.
Inúmeros regatões eram de origem libanesa ou Síria e
exerceram, sobre as populações ribeirinhas dispersas nos principais
rios produtores de borracha do Amazonas, um verdadeiro fascínio
porque traziam novidades e as notícias da capital. Varriam os rios em
embarcações típicas, de madeira, cobertas com palha ou lona de
meia-nau para ré, fechada com laterais de tábuas pintadas e
abarrotadas de mercadorias variadas. 100
98
Cf. TRUZZI, Oswaldo M. Serra. Patrícios, Sírios e Libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec,
1995, passim.
99
Barcos maiores que os regatões, que também levavam passageiros.
100
TRUZZI.Oswaldo M. Serra. A vinda de Libaneses e Sírios ao Brasil. In: Relações entre o Brasil e o
Mundo Árabe: construção e perspectivas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001. p 301.
58
A imigração de libaneses e sírios para a Amazônia se deu efetivamente até
a 1º Guerra Mundial e o fim do ciclo da borracha, quando vários imigrantes se
mudaram para São Paulo, Rio de Janeiro e para as zonas agrícolas de Minas
Gerais. No Rio de Janeiro, a maior parte se concentrou nos arredores da Rua da
Alfândega, onde mais tarde, a partir dos anos de 1960 criou-se a associação
conhecida como SAARA (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da
Alfândega). Já em São Paulo, eles foram se fixando pouco a pouco nos arredores da
Rua 25 de março a partir de 1885, montando seus comércios e fixando residências.
Em Cuiabá, os locais iniciais de fixação de comércio dos primeiros imigrantes eram
as ruas De baixo, e do meio, atuais Galdino Pimentel e Ricardo Franco
respectivamente, e a Rua Conde D‟eu atual XV de Novembro e praça Luís de
Albuquerque no bairro do Porto. Estes eram os espaços da cidade com intensa
atividade comercial. O estudo sobre os espaços urbanos de Cuiabá, e as práticas
dos imigrantes sírios e libaneses, será apresentado no 3º capítulo.
Segundo Truzzi um dos fatores da concentração na Rua 25 de março é o
fato de lá terem se fixado os pioneiros, o que atraiu outros patrícios, que lá
chegando encontravam apoio, para se ajustar à nova vida. Informa também um
movimento muito comum entre os sírios e libaneses até a primeira guerra mundial,
que era o de retornar à terra de origem com algum recurso. No entanto, muitos dos
que vieram solteiros para o Brasil ganharam dinheiro e voltaram para a terra natal
onde ao comparar as condições locais com as possibilidades encontradas no Brasil,
casaram e migraram novamente.101
No segundo capítulo, serão apresentadas discussões sobre as políticas de
imigração do Brasil nos séculos XIX e início do século XX, destacando os projetos
encaminhados pelo governo no tocante à imigração e colonização no Brasil.
Destacam-se ainda as mudanças nos princípios que regulam as leis aprovadas
nessa periodização. Permeiam essas discussões, conceitos como assimilação
cultural, caldeamento, eugenia, arquétipo do imigrante ideal. Há que se destacar as
estratégias praticadas pelos imigrantes de origem árabe para obterem sucesso em
seus projetos. Serão apresentados também, os discursos dos presidentes de
Província e de Estado no Mato Grosso, e sociedade sobre a imigração e
colonização.
101
Cf. ibidem. p 301.
59
CAPÍTULO 2- TENSÃO E SONHO EM TERRA ESTRANHA
O POETA COME AMENDOIM102 - 1924.
Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...
Foi o sol que por todo o sítio do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.
Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...
A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...
Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram à sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre'm-deus-padre irmanava os homens de meu país...
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu...
Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.
A gente inda não sabia se governar...
Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade...
Será o que Nosso Senhor quiser!... [...]
[...] Brasil amado não porque sejam minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.
102
Mário de Andrade, escrito em 1924. http://www.culturaemtopicos.hpg.ig.com.br/andrade2.htm.
Acessado em 14/09/2006, 22: horas.
60
Brasil – Leis e projetos sobre imigração: a auto-imagem de um país, em
comparação ao “outro”.
Décadas atrás a sambista carioca Dona Ivone Lara, compôs esta canção:
“Foram me chamar, eu estou aqui o que é que há. Eu vim de lá pequenininho,
alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho” [...]. Nessa letra a autora
descreve a história de uma pessoa que foi da Bahia para o Rio de Janeiro, e se
declara como partidária do samba cultivando outras identidades. Sem assombro,
utilizo tal texto, como alusão aos projetos e leis discutidos e aprovados no Brasil,
tendo em vista a regularização da colonização e imigração no Brasil. Pisar no chão
“devagarinho” remete a cuidados em terra estranha, sugere atenção ao que se
aproxima e respeito com o desconhecido. Na temporalidade vivida pelos imigrantes
pesquisados, essa música não existia, porém certamente, estes haviam de tomar
cuidado, pisar devagar nessa terra, conhecê-la. Submeter-se às leis que
regulamentavam a estada de imigrantes no Brasil, e quando possível resistir.
Na nascente Nação brasileira, em pleno século XIX, muitos foram os
projetos elaborados com o intuito de promover o desenvolvimento do país. Com este
objetivo, foram criadas leis através das quais os projetos de colonização e imigração
fossem regulamentados. Dentro da organização de um estado, o direito é a forma
pela qual uma sociedade representa para si e para o estrangeiro, suas diretrizes,
normas, condutas. É através da legislação que uma sociedade se organiza, e este
código de leis obedece ao pensamento em voga no seu tempo, atendendo diversos
interesses. Ainda que não universalmente, reflete formas de pensar e organizar de
cada sociedade. Michel de Foucault, em seus escritos sobre relações de poder,
enfatiza o papel do direito na regulamentação e exercício do poder dentro de um
estado. Na introdução do livro Microfísica do poder, Roberto Machado faz algumas
análises do pensamento de Foucault a respeito do poder e do direito.
Por um lado, as teorias que têm origem nos filósofos do
século XVIII que definem o poder como originário que se cede, se
aliena para constituir a soberania e que tem como instrumento
privilegiado o contrato; teorias que, em nome do sistema jurídico,
criticarão o arbítrio real, os excessos, os abusos de poder. Portanto,
exigência que o poder se exerça como direito, na forma da
61
legalidade. Por outro lado, as teorias que, radicalizando a crítica ao
abuso do poder, caracterizam o poder não somente por transgredir o
direito, mas o próprio direito por ser um modo de legalizar o
exercício da violência e o Estado o órgão cujo papel é realizar a
repressão. Aí também é na ótica do direito que se elabora a teoria,
na medida em que o poder é concebido como violência legalizada. A
idéia de Foucault é de mostrar que as relações de poder não se
passam fundamentalmente nem ao nível do direito, nem da
violência; nem são basicamente contratuais nem unicamente
repressivas.103
Foucault aborda a dinâmica do poder de forma positiva, como uma
maquinaria capaz de criar e moldar o indivíduo. Não estando este, alijado desse
processo.
Daí a importante e polêmica idéia de que o poder não é algo
que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se
possui ou não. Não existe de um lado os que têm o poder e de
outro, aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente
falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de
poder. O que significa dizer que poder á algo que se exerce, que se
efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como
uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado
ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é
um objeto, uma coisa, mas uma relação.104
No texto sobre a questão da governamentalidade, as relações entre direito e
poder ficam claras, quando Foucault apresenta a disciplinarização da população
como um instrumento de poder utilizado pelo estado. Aborda a transferência da
noção de economia, outrora centrada na família, para o de população. Para Foucault
essa transferência foi possível graças à interferência de processos mais gerais como
103
MACHADO, Roberto. Por uma Genealogia do poder (introdução): IN Michel Foucault. A Microfísica
do Poder. São Paulo: Paz e Terra, 2004. p. XV.
104
Ibidem. p. XIV.
62
o crescimento demográfico, a expansão agrícola e abundância monetária no século
XVII.
O problema do desbloqueio da arte de governar está em
conexão com a emergência do problema da população; trata-se de
um processo sutil que, quando reconstituído no detalhe, mostra que
a ciência do governo, a centralização da economia em outra coisa
que não a família e o problema da população estão ligados.105
A utilização das novas artes de governo, da instrumentalização do saber
econômico, fortaleceu as relações de soberania, à medida que a disciplinarização da
população foi realizada. Na aplicação disciplinar tenta-se gerir as populações em
minúcias. Utilizam-se dados estatísticos, definições de categorias apoiadas nas
ciências emergentes. Nesse percurso o estado deixa de ser somente imaginado e
operado, tendo como base a noção de território nacional. Passa-se a abordar a
problemática da população categorizada em sua massa, sua densidade, e a
disciplinarização desse contingente humano tendo em vista a manutenção da
governamentalidade. Pensando no caso do Brasil, utilizando essa base de análise,
pode-se destacar a relação existente entre população e território nacional como
base para criação das leis e políticas de imigração.
Uma das primeiras iniciativas de colonização e imigração no Brasil foi a de
suíços, fundadores de Nova Friburgo na região serrana do Rio de Janeiro. Essa
iniciativa tornou-se real a partir de um tratado assinado por D. João VI em 1818, cujo
objetivo era o de diversificar as produções agrícolas, em regiões periféricas ás
grandes propriedades escravistas.
Posteriormente, a partir de 1824, as pressões ocasionadas pela tensão na
fronteira do Brasil com a Argentina, e a disputa pela província da Cisplatina (atual
Uruguai), motivaram novos projetos de colonização. Esta ocupação coordenada pelo
governo se deu, sobretudo com imigrantes açorianos e alemães, e tinha motivações
relacionadas a geopolítica do lugar. O maior objetivo era de povoar “terras vazias” no
sul do país com imigrantes europeus preservando as fronteiras com a ocupação
territorial. A lógica da ocupação se dava em função dos conflitos internacionais que
105
FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. São Paulo: Paz e Terra, 2004. p. 288.
63
se prenunciavam, com os países vizinhos. Fazendo valer o princípio do “Uti
Possidetis”, inspirada em teorias liberais como a teoria da propriedade formulada por
John Locke, filósofo contratualista inglês do século XVII.
Para Locke o ser humano era por natureza livre e proprietário
de si mesmo e do seu trabalho. Se na prática cotidiana desse
trabalho, o homem amealha para si bens materiais, esses bens eram
por direito dele.106
Ou seja, o trabalho incorporado a terra é que legitimava o direito de
propriedade. No entender dos governantes a ocupação de um território e o uso
deste para atividades produtivas garantiriam a posse das terras fronteiriças aos
países Sul-americanos.
Nos primeiros séculos de colonização portuguesa no Brasil, a base da
economia estava alicerçada nas relações sociais de produção escravagista. Diante
de crises internacionais em relação ao tráfico negreiro, e da impossibilidade de
manutenção desse sistema, o governo brasileiro iniciou uma série de medidas
visando estabelecer regras nas relações de trabalho através da regularização dos
preços das terras consideradas devolutas. Esse ordenamento se deu através da
instauração da lei de terras em 1850, o que só viria a ser regulamentada em 1854.
O objetivo era regulamentar as relações de trabalho em função da provável
abolição da escravatura, e da imigração para o Brasil. Uma nova fase das políticas
imigratórias se alicerçava na necessidade de suprir a carência de mão de obra para
as lavouras cafeeiras. O imigrante europeu nesse momento era imaginado como
sendo o ideal, por possuir experiência na agricultura, e por apresentar cor branca.
Estes direcionamentos estavam presentes de maneira indireta nos discursos
proferidos nas leis. 107
A função da lei de terras de 1850 era impedir que todo imigrante residente
no Brasil, ou escravo liberto pudesse se tornar proprietário das terras devolutas,
oriundas do rompimento do sistema sesmarial em 1822.
106
WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 1998. p. 85-6.
Cf. SEYFERTH, Girarda. Colonização imigração e a questão racial no Brasil. In: Revista USP. São
Paulo: nº 53. p. 117-149, março/maio 2002. p. 118.
107
64
O sistema sesmarial correspondeu à ordenação jurídica de
apropriação territorial que a metrópole impôs à colônia enquanto
durou o seu domínio sobre ela [...] [...] o instituto de sesmarias foi
criado em Portugal, nos fins do século XIV para solucionar uma crise
de abastecimento. As terras portuguesas ainda marcadas pelo
sistema feudal eram na maioria apropriadas e tinha senhorios, que
em muitos casos não as cultivavam, nem arrendavam. O objetivo
básico da legislação era acabar com a ociosidade das terras,
obrigando ao cultivo sob pena de perda de domínio. Aquele senhorio
que não cultivasse nem desse em arrendamento suas terras perdia
o direito a elas, e as terras devolutas (devolvidas ao senhor de
origem, à Coroa) eram distribuídas a outrem para que as lavrassem
e aproveitassem e fosse respeitado, assim, o interesse coletivo. 108
A Lei de Terras em 1850 estabeleceu um valor de compra para a terra,
inclusive as devolutas, tornando-as um equivalente de capital, uma mercadoria. De
fato, a Lei de Terras, ao estabelecer um valor de compra à terra, obrigou o imigrante
europeu a trabalhar nas fazendas de café e nas colônias de abastecimento para
sobreviver, e tentar acumular capital a fim de adquirir a tão sonhada terra. O sonho
de fazer a América, presente no imaginário do imigrante estava dificultado pelas
medidas legais tomadas pelo governo do Brasil, representado pelas novas relações
de trabalho e políticas fundiárias.
A realidade social e econômica do Brasil não estava distanciada do resto do
mundo, e sofria influências da expansão do sistema capitalista, assim como os
países da Europa no mesmo período. Segundo Martins havia um descompasso
entre a reprodução da força de trabalho baseada no escravismo, e a influência do
sistema capitalista, gerando um prenúncio de crise na estrutura produtiva brasileira.
Fatores internos também contribuíram para essa crise, como a sanção da Lei de
Terras em 1850 e a aprovação da Lei Áurea em 1888. Martins acrescenta que a
base legal e situacional para a instauração de uma política de imigração para o
Brasil se justificava em razão dessa crise, e não o contrário.109
108
. SILVA, Lígia Osório da. Terras Devolutas e Latifúndios. Efeitos da Lei de 1850. São Paulo:
EdUNICAMP, 1996. p. 36.
109
Cf. MARTINS, José de Souza. A imigração e a Crise do Brasil Agrário. São Paulo: Pioneira, 1973,
p. 17.
65
Dentro do projeto de imigração havia basicamente dois modelos: a) o
sistema de colonato em São Paulo, no qual os imigrantes assalariados substituíram
a mão de obra escrava negra nos cafezais b) no sul, a formação de colônias
agrícolas, constituídas de pequenas propriedades dirigidas por imigrantes açorianos,
alemães e italianos. O que se buscava era depois da criação das condições
institucionais de trabalho livre, a garantia de mão de obra para as lavouras de café
em expansão, substituindo gradativamente o trabalho escravo. 110 A partir de 1870
[...] a vinda de imigrantes europeus para o Brasil,
principalmente para a lavoura cafeeira em São Paulo, ou como
pequenos proprietários para os núcleos coloniais no sul do Brasil,
recebeu apoio tanto do governo imperial como de particulares. No
sul, os incentivadores da imigração juntaram-se à corrente favorável
à colonização por meio da pequena propriedade. 111
As
políticas
imigratórias,
coordenadas
a
partir
das
necessidades
governamentais, estavam alicerçadas em toda uma tecnologia estatal de governo,
visando o ordenamento de populações. Nas grandes propriedades, produtoras de
café para exportação, a imigração em massa abria novas possibilidades de
manutenção da produção agrícola, embasadas no trabalho dos imigrantes. Nas
Colônias do sul questões geopolíticas, e de relações internacionais com a Argentina
e a Província Cisplatina, aliada à necessidade de ocupação territorial e diversificação
agrícola foram os objetivos almejados pelas iniciativas governamentais.
110
Cf. Ibidem, p. 17.
HUTTER, Lucy Maffey. A imigração Italiana no Brasil. Apud, CUSTÓDIO Regiane C. São
Domingos: A Outra Face de Sorriso. Cuiabá UFMT, 2002. Monografia de graduação.
111
66
Mãos que trabalham e purificam a raça: criação do conceito de imigrante ideal.
Enquanto teoria, a prática da governamentalidade prevê a criação de
tecnologia de poder que possa garantir uma disciplinarização da população, que se
torna base das políticas governamentais. É imprescindível associar o modelo de
composição étnica, racial e econômica desejada para uma população às políticas
implantadas para introduzir no seio da população brasileira, novos contingentes
oriundos de outros países. O discurso governamental é elaborado consoante às
práticas e teorias do período. No século XIX, a formulação do conceito de “raça”
pelas ciências biológicas é influenciada pelas teorias de Darwin, e ganha
credibilidade e funcionalidade no campo social, gerando o darwinismo social e o
evolucionismo social.
Segundo Shwarcz havia duas correntes de pensamento principais durante o
século XIX: a visão monogenista, que acreditava numa origem única para a
humanidade e, e as teorias poligenistas que defendiam a existência de vários
centros de onde a humanidade teria se originado. Cada local de origem configuraria
a criação de uma “raça” diferente.112
De um lado, monogenistas como Quatrefage e Agassis,
satisfeitos com o suposto evolucionista da origem una da
humanidade continuaram a hierarquizar raças e povos, em função
de seus diferentes níveis mentais e morais. De outro lado, porém,
cientistas poligenistas, ao mesmo tempo em que admitiam a
existência de ancestrais comuns na pré-história, afirmavam que as
espécies humanas tinham se separado havia tempo suficiente para
configurarem heranças e aptidões diversas.113
A aplicação política dos conceitos Darwinistas sustentou e direcionou práticas
de governo em todo mundo ocidental. Segundo Hobbsbawn, serviu de base para a
expansão do “imperialismo europeu” por sobre a América, África e Ásia, como uma
forma de justificativa para o domínio ocidental. O conceito de “raça” no século XIX
assume um postulado de “povo”, e se confundia com nação. A pretensa
superioridade européia se baseava também em conceitos como civilização e
112
Cf. SHWARTZ,Lilia Moritz. O Espetáculo das raças: Cientistas, instituições e questão racial no
Brasil 1870-1930. p 48
113
Ibidem, p. 55.
67
progresso, caros às idéias iluministas, e consideradas como premissas universais.
Do ponto de vista europeu, o progresso cultural, científico, característicos da
“civilização ocidental” garantiriam o direito de intervenção em outros povos eles
consideravam “menos evoluídos” enquanto civilização. 114
Coadunante a essas incursões ocidentais sobre o continente africano e
asiático, as concepções de seleção natural de Darwin eram transformadas pelos
poligenistas em “degeneração social”. Nesse ínterim, a percepção em torno da
“mestiçagem racial” era tida como negativa.
Um outro tipo de determinismo, um determinismo de cunho
racial, toma força nesse contexto, denominada „darwinismo social‟
ou „teoria das raças‟, essa nova perspectiva via de forma pessimista
a miscigenação, já que se acreditava que „não se transmitiriam
caracteres adquiridos‟, nem por meio de um processo de evolução
social. Ou seja, as raças constituiriam fenômenos finais, resultados
imutáveis, sendo todo cruzamento, por princípio, entendido como
erro. As decorrências lógicas desse tipo de postulado eram duas:
enaltecer a existência de „tipos puros‟ – e compreender a
mestiçagem como sinônimo de degeneração não só racial como
social. 115
Lilia Schwartcz chama a atenção, ao fato de que no Brasil os modelos
deterministas raciais passaram por adaptações. A autora fez um estudo apurado
sobre os perfis das instituições científicas fundadas no Brasil a partir de meados do
século XIX, destacando as transformações das teorias raciais originais, realizadas
por esses institutos.
O desafio de entender a vigência e absorção das teorias
raciais no Brasil não está, portanto, em procurar o uso ingênuo do
modelo de fora e enquanto tal desconsidera-lo. Mas interessante é
refletir sobre a originalidade do pensamento racial brasileiro que, em
seu esforço de adaptação, atualizou o que combinava e descartou o
que de certa forma era problemático para a construção de um
114
115
Cf. HOBSBAWN, Eric. A era do Capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
SHWARTZ Lilia Moritz. Op. Cit. p. 58.
68
argumento racial no país.116 [...] aqui se fez o uso inusitado da teoria
original, na medida em que a interpretação darwinista social
combinou com a perspectiva evolucionista e monogenista. O modelo
racial servia para explicar as diferenças e hierarquias, mas feitos rearranjos teóricos, não impedia pensar na viabilidade de uma nação
mestiça. [...] 117
Pensava-se no Brasil, devido à composição “altamente mestiçada de sua
população”, na viabilidade de uma nação mestiça. Esses debates se davam
sobretudo entre os “Homens de sciência”, sendo posteriormente aplicados às
políticas estatais. Nos estudos de Schwartcz aparece o discurso científico brasileiro
legitimando o perfil de mestiço para a população do Brasil, porém, aponta o
preconceito em relação a essa condição. O mestiço seria viável desde que se
aproximasse do perfil europeu, branco, através de “cruzamentos raciais”. Grande
ícone desse pensamento é Silvio Romero, da faculdade de direito de Recife, que ao
mesmo tempo em que defendia a mestiçagem, defendia as teses poligenistas
baseadas no princípio de diferenças entre os seres humanos, teorizados pelo
determinismo racial.
De fato, Silvio Romero, que se dizia avesso “a contemplação
exclusiva das coisas”, afastou-se dos modelos teóricos puros para
encontrar no mestiço “a condição da vitória do branco no país”. Ou
seja, em vista da constatação da inexistência de um grupo étnico
definitivo no Brasil, esse intelectual elegia o mestiço como um
produto final de uma nação em formação. Utilizando forma pouco
ortodoxa as máximas poligenistas da época, Romero encontrava na
mestiçagem o resultado da luta pela sobrevivência das espécies,
como estabeleciam as teorias evolucionistas da época. Porém,
paradoxalmente, ao invés de condenar a hibridação racial, seguindo
os modelos evolucionistas raciais, esse autor encontrava nela a
futura “viabilidade nacional”.118
116
SHWARTZ Lilia Moritz. Op. Cit p. 19
ibidem, p. 65
118
ibidem, p. 154
117
69
Assumindo perspectivas cada vez mais políticas no mundo, o darwinismo
social, se desdobra para uma teoria e prática conhecida como Eugenia. Baseada na
concepção de diferenças raciais, e numa pretensa hierarquia, a Eugenia pretendia
intervir na reprodução da população. As concepções sobre “hierarquização das
raças” avançam da Biologia para o campo político, e este último utiliza como força
legitimadora desse pensamento, as práticas higienizantes, a psiquiatria e outros
saberes médicos.
Ao conceber a eugenia em 1883, seu criador Francis Galton estava
teorizando através de estatística e genealogia, que as funções humanas em geral se
davam em função da hereditariedade, e não através da criação ou da cultura. Dessa
forma pessoas alcoólatras, alienadas entre outras eram considerados problemas,
pois transfeririam esses “caracteres indesejáveis” para os seus descendentes.119
Nova ciência a eugenia consiste no conhecer as causas
explicativas da decadência ou levantamento das raças, visando a
perfectibilidade da espécie humana, não só no que respeita o
phisico (sic) como o intelectual. O método tem por objetivo o
cruzamento dos sãos, procurando educar o instinto sexual, impedir a
reprodução dos defeituosos que transmitem taras aos seus
descendentes. Fazer exames preventivos pelos quais se determina
a siphilis (sic), a tuberculose e o alcoolismo, trindade provocadora
da degeneração. Nesses termos a eugenia não é outra coisa senão
o esforço para obter uma nação pura e forte... os nossos males
provieram do povoamento, para tanto basta sanear o que não nos
pertence.120
Estando consonante com as teorias em voga no século XIX e nas primeiras
décadas do século XX, as práticas governamentais procuravam adequar a
população brasileira a esses novos postulados. Paralelo a necessidades de mão de
obra, o determinismo racial avança do campo discursivo e científico para se
constituir em legalidades, a partir da constituição de 1891. Princípios como a
eugenia e a frenologia, eram aplicados no início do século XX como uma maneira de
em longo prazo, formar o perfil ideal para a população brasileira. Nesse sentido, as
119
120
Cf. SHWARTZ Lilia Moritz. Op. Cit. p. 60.
Ibidem, pg. 231
70
políticas de imigração visavam atender não só a necessidade de mão de obra, mas
também a intenção de produzir um perfil de população, condizente com os ditames
do período. No caso do Brasil a síntese ideal apontada pelos discursos seria a
mestiçagem, com o prevalecimento do perfil europeu. As descrições e análises feitas
neste levantamento têm por objetivo demonstrar essas práticas como constituidoras
do pensamento defendido no período estudado. Certamente não se aplicam a outros
períodos uma vez que a naturalização e a defesa das diferenças e superioridades
raciais são contrárias a máxima da “igualdade” preconizada pelos iluministas, e bem
distante das concepções da antropologia no presente.
As políticas de imigração durante o império, mesmo assinalando o caráter
geopolítico, como no caso da colonização do sul, apresentavam uma condição
fundamental, a presença de pessoas com fenótipo da pele branca, ligadas a
contingentes de origem européia. Salvo exceção das experiências com chineses, a
partir de 1810, trazidos para o Brasil com o intuito de agregar mão de obra,
sobretudo para o cultivo de chá no Rio de Janeiro.
A justificativa para a inserção dos chineses estava na alegação de que eram
laboriosos e conhecedores de técnicas agrícolas. Estavam, portanto, de maneira
geral, propícios a constituir parte da população brasileira. Entretanto a presença dos
chineses não era unanimidade, pois estavam em discussão outros atributos, como a
capacidade de assimilação desses povos á cultura brasileira.121
Deve-se fixar no povo que melhor pode convir, e como sobre
assunto ultimamente apareceu um folheto com o título de “A crise da
Lavoura”, apresentando os Coolies como a imigração mais fácil, a
mais conveniente e a mais profícua, eu direi que, considerando a
corrente da imigração espontânea como termo emergente de todos
os nossos esforços, e não tendo até hoje, a raça asiática,
apresentado
a
menor
tendência
ou
sintoma
de
seu
desenvolvimento, por qualquer forma que seja, não sei como
possamos admitir a possibilidade de entreter uma imigração cuja
ineficácia neste ponto fica provada nas próprias palavras do escripto
121
Cf. LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela
etnicidade no Brasil. Trad. Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: editora UNESP, 2001. p.
40-41.
71
(sic) [...].
mas nas circunstâncias em que nos achamos, ela
somente viria a entorpecer ou retardar esse desenvolvimento que o
país precisa, e que nasce e se desenvolve com a concorrência de
braços
laboriosos,
e
convenientemente
educados.
Para
aproveitarmos os Coolies devemos aspirar que maior auxílio se
preste ao assunto da catequese.[...]122
Está presente nesse discurso uma clara associação dos chineses aos
indígenas brasileiros, motivados pelas semelhanças físicas entre os dois povos.
Propõe nesse sentido a catequese como um procedimento necessário ao processo
civilizatório dos chineses. Almeida Portugal afirmava que a assimilação dos índios
asiáticos só seria possível quando a imigração de europeus fosse significativa.
123
Por trás do discurso operante que criava como colono ideal o imigrante que
possuísse experiência agrícola, e que migrasse com toda a família, estava a
afirmação da superioridade branca européia em detrimento das outras. Indígenas e
africanos eram respectivamente os últimos nessa escala de preferências.
As primeiras iniciativas de colonização colocavam os alemães como colonos
ideais, o sucesso obtido nas colônias formadas no Rio Grande do Sul e Santa
Catarina entre 1824 e 1829 reforçava este pensamento.
[...] há uma premissa básica articulada a essa imigração: a
classificação do colono alemão como agricultor eficiente, um critério
presente em toda legislação imigratória vinculadas à colonização.
Nas regras de admissão de estrangeiros o imigrantes ideal, o único
merecedor de subsídios é o agricultor: mais do que isso, um
agricultor branco que imigra juntamente com a família.124
O agenciamento de imigrantes foi suspenso por uma lei aprovada pela
oposição em 1830, porém incentivado pelo governo recomeçou em 1845 com a
fundação de novas colônias alemãs no sul do Brasil. A relação privilegiada com
122
PORTUGAL, Joaquim Maria de Almeida. Crítica a imigração chinesa presente na proposta para
organização de um conselho de emigração apresentada ao ministério de obras públicas em 1868.
apud SEYFERTH Girarda. Op. Cit.123-4.
123
Ibidem p. 124.
124
SEYFERTH, Girarda. Op. cit p. 119.
72
colonos alemães perdurou até 1870, quando as pressões dos discursos
nacionalistas se tornaram mais freqüentes. A preocupação desse segmento
nacionalista era a introdução de pessoas com língua, religião protestante e culturas
diferentes, de difícil assimilação.125
As colônias do sul tinham um perfil homogêneo, no qual a maioria alemã
não se submetia a aculturação de maneira acelerada e nem muito menos a
assimilação cultural. Tinha influência definitiva nessa resistência a língua, a cultura
bem enraizada e a religião predominantemente protestante.
Nos projetos de formação da identidade nacional no século XIX, e primeiras
décadas do século XX, estavam em pauta a aspiração pela modernização e a
composição étnica fazia parte deste jogo de interesses. Associavam-se novos
componentes étnicos para a miscigenação, associados à imigração branca.
[...] o distanciamento cultural (marcado pela continuidade do
uso cotidiano da língua alemã e pela presença protestante) e
ideologia germanista, depois codificada na imprensa pelo termo
Deutchutm, deram motivação ao discurso assimilacionista e a
conseqüente desqualificação da imigração alemã. Isso remete a um
desvio na concepção do imigrante ideal no final do século XIX,
definido como aquele que melhor se deixa assimilar. Nos idos de
1850 ou 1860, assimilar significava uma adequação do estrangeiro à
formação latina e católica do país, mantendo-se, por certo, a opção
preferencial pelos brancos, agora, da Península Ibérica e da Itália.
126
O agenciamento preferencial de latinos se baseia num novo modelo de
imigrante ideal, além da pele branca, traços culturais como línguas semelhantes e
mesma religião são preponderantes dentro de um projeto de assimilação do
estrangeiro.
Segundo o sociólogo Samuel Koening, a assimilação se dá num processo de
interação entre grupos diferentes e não é de forma alguma homogênea, uma vez
que acontece em diferentes escalas. É um conceito análogo ao utilizado pelas
125
126
Cf. Ibidem, p. 121.
SEYFERTH, Girarda. Op. cit. p. 129.
73
ciências biológicas, que trata da incorporação de um substrato ou de um organismo
por outro. Para a sociologia, bem como para outras ciências sociais e humanas, a
aplicabilidade de tal conceito se dá na esfera da cultura. O primeiro passo para a
assimilação é a aculturação, que ocorre quando um indivíduo ou grupo cultural
interage com outro, se apropriando de características, elementos culturais,
incorporando a sua própria cultura ocasionando sua modificação. A aculturação se
dá numa relação de forças que poderíamos tratar “grosseiramente” de “mais forte
culturalmente”, e “menos forte culturalmente”. Entretanto, mesmo que o “mais forte”
submeta o “mais fraco”, este último também influencia o primeiro.127
Assimilação, disseram Park e Burgess, é um processo pelo
qual „pessoas e grupos adquirem as memórias, sentimentos e
atitudes de outras pessoas ou grupos e, compartilhando sua
experiência e história, são incorporados numa vida cultural comum‟.
No processo de assimilação, indivíduos ou grupos abandonam sua
própria cultura para adotar a de outros. Em outras palavras, como
observa Henry Pratt Fairchilde em Immigrant Backgrounds, „o
processo
envolve
tanto
a
desnacionalização
quanto
a
renacionalização‟. 128
No Brasil do início do século XX a perspectiva apontada pelos nacionalistas
era de um processo assimilatório unidirecional desembocando no abrasileiramento,
que seria a transformação dos „imigrantes alienígenas em Brasileiros.
129
Tal
conceito é problemático atualmente, pois assume perspectivas raciais e biológicas,
num momento em que a própria Biologia revê conceitos como racialidade.
Entretanto, em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX a tônica nos
discursos e projetos governamentais no tocante ao estrangeiro se baseava nessa
premissa. A miscigenação assume também a ponta das discussões, o objetivo era
promover gradativamente o branqueamento da população brasileira.
127
Cf. KOENING, Samuel. Elementos de Sociologia. 5 ed. Trad: Vera Borda. Rio de Janeiro: Zahar
editores. 1976. p. 319-320.
128
Ibidem, p 319.
129
Cf. SEYFERTH, Giralda. Assimilação dos Imigrantes no Brasil. GT Migrações Internacionais XXIV
Encontro Anual da ANPOCS. 2000.
74
O conceito de assimilação passa a ser visto não só a partir de questões
culturais, mas também raciais, e “indicava a crença numa seleção „social‟ e „natural‟
pelo qual a população mestiça chegaria progressivamente a um fenótipo branco,
com a conseqüente eliminação das raças inferiores”. 130 Seyferth conceitua, que as
confusões entre assimilação e nacionalismo provocaram a condenação das
diferenças de natureza étnica e das diversas categorias de pluralidade cultural e
social decorrentes do processo de imigração. Outra abordagem conceitual a respeito
do termo assimilação é dada por Emílio Willens, que em 1940 discordando do
conceito estabelecido pelas políticas brasileiras de imigração afirma que
a assimilação social somente se compreende como processo
bilateral, embora prevaleça em geral, o padrão de um grupo. A
assimilação implica na seleção de certos dados dos grupos
adventícios e a eliminação de outros. A assimilação se estende
apenas aos dados transmitidos pelo convívio e pela educação, não
abrangendo elementos biológicos 131
Longe de chegar a uma conclusão definitiva, o conceito de assimilação
aparece nesse trabalho como uma forma de demonstrar como a questão do
imigrante era tratada pelas autoridades brasileiras nas primeiras décadas do século
XX.
Nesse perfil enquadram-se fundamentalmente, portugueses espanhóis e
italianos, para os quais incentivos de uma imigração coordenada pelo governo em
coadunância com os agentes foi estabelecida. A Latinidade assume uma posição de
preferência nesse contexto. Segundo Seyferth o conceito de latinidade se torna
fundamental na idealização do imigrante desde o início da república. A idéia era
“amalgamar”, “caldear”, “fundir”, “miscigenar”, “assimilar” imigrantes e descendentes
para atingir uma totalidade brasileira totalmente homogênea.132
Em 1891 o governo brasileiro ao promulgar a constituição, na seção II, título
IV – Declaração de Direitos– assegurava a brasileiros e estrangeiros, residentes no
130
Ibidem, pagina 4.
Ibidem, página 9
132
Cf. SEYFERTH, Girarda. Colonização imigração e a questão racial no Brasil. In: Revista USP. São
Paulo: nº 53. p. 117-149, março/maio 2002. 132.
131
75
país, a inviolabilidade dos direitos à liberdade, à segurança e à propriedade, e
algumas garantias funcionais e militares. A Constituição no título IV, Sessão I, artigo
69, procedeu também a uma grande naturalização em 1891, e reconhecia como
cidadãos brasileiros
4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro
de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar
em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de
origem; 5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e
forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto
que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não
mudar de nacionalidade;
6º) os estrangeiros por outro modo
naturalizados. 133
Entretanto, as teorias e os direcionamentos das políticas de imigração por
parte do governo eram fundamentados em bases racistas. Mesmo com a grande
naturalização, a cidadania não era concedida a todos que entrassem no país. Em
1889, o governo republicano proibiu a entrada de asiáticos e africanos no Brasil,
reafirmando a proibição nas décadas posteriores. Estavam implícitas nessa
determinação, teorias relacionadas a “degenerescências”, que seriam ocasionadas,
segundo o discurso, pelo cruzamento com raças asiáticas e africanas. Pretendia-se
o afastamento de qualquer contato com povos oriundos desses continentes. Os
contingentes oriundos do Oriente Médio desafiavam tal proibição, pois não se
enquadravam no perfil sonhado como o europeu, nem tampouco eram associados
aos asiáticos e africanos.
Os princípios eugenistas avançam para o século XX, constituindo a tônica
dos discursos oficiais. A idéia de um Brasil ideal, branco, racialmente se afirmava por
sobre os que eram considerados indesejáveis. Na intenção das políticas públicas, a
incorporação progressiva do elemento branco resultaria na criação de uma
133
Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891.
Título IV Dos Cidadãos Brasileiros. Seção I – Das Qualidades do Cidadão Brasileiro Art. 69 – são
cidadãos brasileiros.
76
sociedade ideal, entretanto abrasileirada, com os traços culturais brasileiros
destacados, e com a assimilação das culturas estrangeiras.
No período republicano, a crítica veemente às políticas imperiais foi
constante. A primazia pela imigração alemã era duramente atacada. O objetivo de
assimilação dos estrangeiros, chamados de alienígenas no século XX não surtiu
efeito. Os projetos de homogeneização da população brasileira enquanto branca,
cristã, e enaltecendo a “brasilidade”, imaginada como ideal para o progresso da
nação, havia falhado.
No século XX, a questão racial estava implícita em vários discursos, que
objetivavam o branqueamento da raça, baseados em teorias eugenistas. Entretanto
a constituição cultural dos imigrantes e sua capacidade ou não de assimilação
passam a ser determinantes para sua aceitação, ou não. Um dos pensadores mais
expressivos sobre esse assunto foi Oliveira Vianna.
[...] foi defensor da imigração européia não mudou sua
opinião sobre a inferioridade racial dos não brancos, embora
atenuasse a retórica racista na década de 30, expressando-se por
eufemismos teve grande influência nos assuntos de imigração
durante o Estado Novo.134
Oliveira Vianna entre outros, defendia a retórica da unificação racial,
pregando à homogeneização do “tipo” brasileiro, que deveria ser baseada em
característica fenotípica comuns, que em sua definição seria a “branca”. Concebia a
“brasilidade” enquanto origem e sínteses diante das misturas raciais e culturais.
As teorias tratavam as interações raciais como reagentes num laboratório
de química. As ações do estado falharam nas tentativas de se produzir o brasileiro
ideal, pois esbarraram em grande parte nas idiossincrasias dos imigrantes.
Importante destacar, o conhecimento do caráter mestiço da população brasileira.
Não era a mestiçagem que estava sendo negada, mas a aproximação fenotípica
negra e índia.
134
SEYFERTH, Girarda. Colonização imigração e a questão racial no Brasil. In: Revista USP. São
Paulo: nº 53. p. 117-149, março/maio 2002. p. 133
77
Enfim,
os
pensadores
sociais,
a
elite
imigrantista
comprometida com o modelo de colonização baseada na pequena
propriedade,
e
os
próprios
assimilação/miscigenação
com
legisladores,
imigração
ao
articular
européia,
estavam
sinalizando a noção pretendida – mestiça, porém com um povo
branco na aparência, mantidas as características sócio culturais da
civilização latina de língua portuguesa.135
Políticas imigratórias durante o Estado Novo
O Estado Novo, período da história do Brasil iniciado em 1937, foi rico em
ações governamentais, especialmente aquelas voltadas para o controle da
população. Desde a posse de Getúlio Vargas em 1930, o discurso nacionalista
assumiu relevância fundamental no direcionamento político do Brasil. Entretanto, é a
partir de 1932 que essas ações se intensificam em defesa do nacionalismo
brasileiro,
combatendo
os
“enquistamentos”
sociais
e
raciais
no
Brasil.
Enquistamento é uma palavra emprestada da medicina, utilizada nesse período,
fazendo alusão à presença de quistos num organismo. No caso, os quistos seriam
os imigrantes inassimiláveis ao organismo nacional. As colônias alemãs do sul do
Brasil eram citadas freqüentemente como exemplos de enquistamentos sociais. Era
classificado como alienígenas todos estrangeiros e descendentes nascidos no Brasil
que não fossem assimilados. A imagem do migrante ideal durante o governo Vargas
passa a ser o agricultor, e categorias de trabalho ligadas a urbanidade como o
técnico e o operário.
Segundo Pájaro Peres, a exemplo dos modelos imperiais e da primeira
república, imigrantes considerados vagabundos, mendigos, indolentes, ciganos eram
completamente rechaçados, não importando a nacionalidade.
O que importava, em um primeiro momento era sua
capacidade em desempenhar funções ou transmitir conhecimentos
que atendessem aos interesses do país adotivo. No entanto,
135
Ibidem, p. 134
78
aparece como sendo de extrema importância a questão do potencial
reprodutor do imigrante. Fala-se em braços para lavoura e indústria,
mas também em “sangue novo” ou plasma de reprodução. 136
O ano de 1938 foi emblemático na criação e aplicação das políticas de
estado. Cria-se o Conselho de Imigração e Colonização, e promulga-se o decreto
2.265 de 25 de janeiro de 1938, criando a comissão de nacionalização. O objetivo da
comissão de nacionalização era instituir, e viabilizar os canais necessários à
assimilação dos estrangeiros, seja através da nacionalização em massa e forçada,
seja por meio do impedimento crescente de contato com seus países de origem. 137.
Outra ação do governo brasileiro foi o decreto 383 de 18 de abril de 1938 que proibia
aos estrangeiros a atividade política no Brasil.
Consta também das ações governamentais a criação da resolução 3.010 de
20/08/1938, que criou o serviço de registro de estrangeiros no Distrito Federal e nos
estados, implantando o registro de permanência. Pelo artigo 149 os estrangeiros
residentes no país deveriam registrar-se nas delegacias policiais, caso não existisse
nesses locais o serviço de estrangeiros. Em 20 de outubro de 1938 foram feitas
revisões na lei, e as disposições ficaram:
Art. 91.
As autoridades imigratórias, policiais e sanitárias
reunir-se-ão em torno de uma mesa, para a visita, cabendo a
presidência a autoridade imigratória.
Artigo. 120. Dentro do limite de quota, não havendo
impedimento da saúde ou da polícia e para o fim da legalização de
documentos, poderá a imigração autorizar, excepcionalmente, o
desembarque de estrangeiros, mediante caução em dinheiro,
correspondente à passagem de volta. 138
136
PERES Elena Pájaro. Proverbial Hospitalidade? A revista imigração e colonização e discurso
oficial sobre o imigrante (1945-1955). In: Acervo: revista do Arquivo Nacional. – v.1, n. 2, jul./dez. de
1997. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1998. p. 55
137
Cf. DUARTE, Adriano Luiz. A criação do estranhamento e a construção do espaço público. In:
Acervo: revista do Arquivo Nacional. – v.1, n. 2, jul./dez. de 1997. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,
1998. p. 133.
138
Revista Nacional de imigração e colonização. 1940. p. 144.
79
Para fins de divulgação das idéias e das resoluções do Conselho de
Imigração e Colonização, foi criada em 1940 a Revista de Imigração e Colonização.
Nela estão presentes informações demográficas sobre imigração desde o século
XIX. Porém, o papel de maior destaque da revista foi de porta voz do pensamento
político cultivado pelo conselho.
As informações geralmente continham idéias racistas, princípios eugênicos de
branqueamento da raça, existentes ainda na ainda na década de 1940, talvez coadunante com o nazi-facismo. È fato, que mesmo com a instauração de cotas para a
imigração a partir dos decretos lei 406 de maio de 1938, e 3010 de agosto de 1938,
o conselho nacional de imigração, controlador da revista de imigração e colonização
publicava periodicamente elevação de taxas anuais para imigrantes europeus, como
os oriundos da Noruega, descritos abaixo
Tendo em vista a solicitação da Legação da Noruega no
sentido de que seja elevada para 3000 pessoas a quota anual
atribuída àquele país, a qual, presentemente, é apenas de 1,52; e
Considerando
que
a
imigração
norueguesa
consulta
(sic)
perfeitamente os interesses nacionais nos seus aspectos étnico,
econômico e cultural;
O conselho de Imigração e Colonização, de acordo com os
artigos 14, § 5.º, e 76, letra a, do decreto lei n º 406, de 4 de maio
de 1938, e artigos 4.º e 226, letra a, do decreto nº. 3.010, de 20 de
agosto de 1938, resolve:
I – Elevar para 3000 pessoas a quota anual da Noruega.139
É notória a preocupação com o número reduzido desses contingentes
imigratórios em território brasileiro, uma vez que as cotas foram elaboradas tendo
em vista a porcentagem de cada nacionalidade presente no país até o ano de 1938.
Entretanto é preciso atentar para a ênfase dada às questões étnicas e culturais
desses países cujas cotas foram elevadas, em relação às resoluções anteriores.
Situação essa que se repete com
139
Resolução nº. 7 de 24 de outubro de 1938: Elevação da quota anual de imigração destinada aos
nacionais da Noruega. In: Revista Nacional de imigração e colonização. 1940. p. 147.
80
a Suíça, resolução nº. 9 de 7 de novembro de 1938; com os
Estados Unidos, resolução nº. 15 de 5 de dezembro de 1938; com o
Grão-Ducado de Luxemburgo resolução nº. 17, de 12 de dezembro
de 1938; com os Países Baixos, resolução nº. 22 de 9 de janeiro de
1939; da Tchecoeslováquia resolução nº. 25 de março de 1939;
Argentina resolução nº. 26 de27 de março de 1939; Alemanha,
resolução nº. 30 de 3 de abril de 1939; Isenção de quotas para os
portugueses, resolução nº. 34 de 22 de abril de 1939; Polônia,
resolução nº. 40 de 23 de junho de 1939; Hungria, resolução nº. 43
de 23 de junho de 1939; Bélgica, resolução nº. 46 de 14 de julho de
1939. 140
Segundo Pájaro Peres, a revista recebia contribuição de médicos,
psiquiatras, higienistas, jornalistas, juristas, educadores e diplomatas. Discutiam e
publicavam textos referentes ao perfil do imigrante ideal, utilizando saberes médicos
e psiquiátricos para fazer a distinção entre desejáveis e indesejáveis. O discurso
racial não estava abandonado, uma vez que os atributos psicológicos e físicos
considerados indesejáveis continuavam sendo atribuídos à população não branca. 141
O imigrante, segundo os autores da revista, serviria para
encher os „espaços vazios‟ e cultivar os campos, mas também
contribuiria para a formação étnica brasileira, favorecendo o
„embranquecimento da raça‟, ou até a formação de uma „nova raça,
uma vez que o brasileiro, contudo sendo, na opinião de muitos um
poço em formação. Considera-se necessário examinar o „pedigree
dos reprodutores‟ [...]142
O “pedigree” era avaliado através de seleção médica e psiquiátrica,
devendo evitar a entrada de imigrantes com deficiências morais, físicas e mentais.
Essas atribuições da medicina, ligadas às estratégias de governo, remetem à
governamentalidade. O estado investe sobre a população, a fim de ordená-la,
140
Revista Nacional de imigração e colonização. 1940. p. 147-72.
Cf. PERES, Elena Pájaro. Op. Cit. p. 54-55.
142
PERES, Elena Pájaro. Op. Cit. p. 56.
141
81
utilizando para isso os saberes médicos. São estratégias definidas por Foucault
como bio poder, socialização do corpo.
Segundo Lesser143 as experiências assimilatórias no Brasil foram raras, mas
não as cita prontamente. Considera como mais constante a aculturação, entendida
como a modificação de uma cultura específica, pelo contato com outra. Sustenta em
sua tese, que conceitos como latinidade foram amplamente negociadas entre as
diversas nacionalidades estrangeiras no Brasil, e a cultura brasileira. Os projetos
políticos de assimilação esbarraram na resistência étnica.
Mato Grosso – Conjuntura, projetos, discursos sobre imigração
A imigração para a província de Mato Grosso nos séculos XIX estava
associada ao contexto internacional vigente. As emergências dos processos de
emigração de sírios e libaneses se relacionam diretamente com a imagem de
prosperidade atribuída à terra que os receberia. A imigração de sírios e libaneses
para o Mato Grosso iniciou-se a partir da década de 1880. Em se observando o
contexto local, se torna imprescindível à visualização das questões pertinentes á
população na província de Mato Grosso nas últimas décadas do século XIX, e a
continuidade dessas políticas no estado no século XX.
Havia uma preocupação por parte dos governantes da província no tocante
á constituição étnica da população, relacionada com a carência de mão de obra para
o trabalho na agricultura. A população local era representada como sendo indolente,
preguiçosa, não afeita ao trabalho. Em contraste, estavam as “inumeráveis riquezas
naturais” carentes de braços para fazê-las produzir, alcançando o tão sonhado
progresso.
O desprestígio da população local se articula diretamente no discurso
governamental à preferência pela vinda de imigrantes que pudessem “alavancar”, o
progresso da região. A imigração serviria para aproximar o Mato Grosso do processo
de desenvolvimento experimentados pelas outras províncias.
143
LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela
etnicidade no Brasil. Trad. Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo: editora UNESP, 2001.
82
O único meio de que pode servir-se o governo brasileiro para
salvá-la, é abrir mão das suas riquezas às companhias estrangeiras,
principalmente as inglesas, que, está provado, são as que com mais
vantagens e energia levam avante as suas empresas, já pelo gênio
empreendedor e audaz que sempre manifestaram [...]. Se os
estrangeiros, como dissemos, não virem arrancar do abandono
esses tesouros quase fabulosos, ficarão estes para sempre
sepultados no esquecimento sem que produzam os resultados que
deviam produzir, e a província de Mato Grosso representará sempre
um papel bem diferente daquele a que foi fadada pela beneficência
da natureza.144
As considerações de Moutinho encontravam ressonância com outros da elite
Cuiabana e Presidente da Província, para os quais a imigração propiciaria a
exploração das riquezas do Mato Grosso. Galetti, ao analisar esses discursos,
concluiu que
[...] sua realização, que requeria inicialmente o povoamento e
colonização do território mato-grossense, ponto de partida para a
exploração
inteiramente
e
comercialização
do
concurso
de
de
suas
capitais
riquezas,
dependia
estrangeiros.
Estes
preferencialmente europeus, que acreditavam dotados de atributos
opostos aos da população local – amor ao trabalho, disciplina e
espírito empreendedor.145
Galetti destaca também nesses discursos, o fato de que o nativo é visto
como mero figurante do processo de modernização. Não estava, pela indolência,
aptos a coordenar suas ações, dirigir sua própria história, necessitando, pois do
braço estrangeiro. A representação acerca da indolência da população matogrossense é reforçada nos diários de viajantes que passaram pela província no
144
MOUTINHO Joaquim Ferreira. apud GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos Confins da Civilização:
sertão, fronteiras e identidade nas representações sobre Mato Grosso. São Paulo: USP, Tese de
Doutoramento. p. 130
145
GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Op. Cit. p.130
83
século XIX. Alguns como Smith, assinalavam para a futura extinção da massa de
pessoas caracterizadas por ele como “escória social”, que não resistiria ao
avanço do progresso.
[...] aumentam as listas da população, mas para o estado são
verdadeiros zeros. [...] quase nada trazem ao mercado ainda menos
levam para casa; vivem ao deus dará satisfeitos porque tem
provisões para um dia e palhoça que os abrigue. Hão de
desaparecer em grande parte à medida que da terra se forem
apossando gentes mais industriosas. Hão de submergir-se e morrer
diante da onda de imigração européia. Pois que morram! É o único
serviço que podem prestar ao país, e a lei inexorável do progresso
determinou sua extinção. Não lhes contesto sua felicidade presente.
E seu viver pitoresco tem certo encanto, não há dúvida. Também
uma árvore morta é pitoresca, mas prefiro-as vivas. 146
Os discursos dos presidentes de província reforçavam a idéia da Indolência
da população, e que esta vivia à margem das transformações ocorridas no mundo. A
imigração européia contribuiria para a civilização do Mato Grosso, livrando a
província, dos “selvagens”. O pronunciamento de João José Pedrosa, Presidente da
Província em 1878, é emblemático nesse sentido, afirmando que as longas
distâncias, a falta de recursos do estado e os índios, dificultavam a imigração para o
Mato Grosso.
Suprima-se a distância, catequise-se o selvagem menos
bravio, e afugente-se o mais indomável, se tanto for preciso, e a
colonização espontânea, única profícua, virá com seus braços e
capitais transformar esta terra dita de desterro num Éden do Brasil.
Não vejo outro meio de progresso e engrandecimento para esta
província. 147
A esse respeito Moutinho discorre:
146
147
SMITH, Herbert. apud GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Op. Cit. p. 129
Pronunciamento de João José Pedrosa, Presidente da Província do Mato Grosso em 1878. APMT
84
E se o Brasil banir a escravidão: se reconhecer que um homem
não deve ser escravo de outro [...] perece de fome a província de
Mato Grosso? Há de perecer [...] seu principal defeito é a preguiça,
é a indolência [...] a fome e a miséria são só devidas à preguiça do
povo que ali devia viver na abundância. [...] lance o governo um
olhar de compaixão para aquele povo, e procure lhe dar remédio
eficaz à preguiça, ao contrário terá de vê-lo sempre miserável. É lhe
necessário um reativo violento.148
A tônica dos discursos presidenciais em Mato Grosso se baseava na
relação existente entre a grande oferta de terras, e a ausência de mão de obra para
explorar e desenvolver esses potenciais locais. A questão “racista” aparece na
preferência dada aos imigrantes de origem européia, aos quais se creditava ser os
mais capazes de levar o Mato Groso a condição de grande estado da nação.
Não havia, entretanto, uma política imigratória nacional voltada para o Mato
Grosso, a exemplo das que ocorriam em São Paulo e nas províncias do Sul do país.
Em função da falta de recursos, os projetos de colonização na província de Mato
Grosso ficavam inviabilizados. Além destes fatores, a grande distância em que se
encontrava a província em relação aos principais portos brasileiros dificultava a
implantação de projetos de colonização. Essas dificuldades ficam evidentes no
discurso de Pedrosa, quando se refere à imigração espontânea como a única
possível.
Em 1907, atrair e fixar “imigrantes voluntários” em lotes
coloniais do Estado constituía-se em uma das principais metas do
governo de Mato Grosso. A categoria de “imigrante espontâneo” foi
regulamentada, sendo considerada, como tal, os que chegassem à
cidade de Corumbá, vindos de qualquer porto estrangeiro ou
qualquer dos estados da união como passageiros de 3ª classe, a
148
MOUTINHO, Joaquim de Souza. 1869. APMT
85
custa própria, com o propósito deliberado de se ocuparem da
agricultura nas colônias do Estado. (decreto nº. 200, 1907, art.28)149
A preferência pelo imigrante espontâneo se deu em função da ausência de
meios para se efetuar uma colonização dirigida. Entretanto, as políticas
governamentais traçadas, visaram estabelecer colonos em território mato-grossense.
A intenção era ceder lotes de 50 mil hectares, a serem divididas entre 500 famílias,
totalizando 100 hectares cada família. A idéia era a cessão de até um milhão de
hectares, e instalação de cerca de 40.000 pessoas nessas áreas.150
Nos jornais de Cuiabá, alguns discursos eram escritos reforçando as idéias
sobre imigração e colonização. Num artigo de 1910, Antonio F. de Souza, traçava
considerações sobre a imigração para Mato Grosso, argumentando que sem a mão
de obra migrante, seriam difíceis o desenvolvimento e progresso do estado.
Apresenta queixas sobre a baixa produção agrícola e o pouco aproveitamento das
terras do estado. Cita em especial o não aproveitamento das terras do Vale do Rio
São Lourenço, que a seu ver seriam “fertilíssimas”, em condições de suprir de
cereais a Cuiabá e Corumbá. Compara as experiências de colonização nos estados
do Sul do país em relação ao Mato Grosso.
[...] bastam os exemplos dos estados de São Paulo, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e tantos outros, onde os
braços de colonos estrangeiros vêem aumentar a produção fazendo
mesmo concorrência aos produtos iguais da indústria e agricultura
de
outros
países.
E
enquanto
esses
estados
progridem,
acompanhando a evolução da culta e velha Europa, Mato Grosso
continua no status-quo, importando por preços fabulosos toda a
classe de produtos que o seu invejável solo poderia produzir em
abundância. É preciso que se faça uma propaganda inteligente e
contínua sobre o clima, as terras, os meios naturais e a posição
geográfica do Estado, a fim de torná-lo conhecido dentro e fora do
país atraindo assim capitais e braços de que ainda tanto carece.151
149
CERZÓSIMO GOMES, Cristiane T. do Amaral. Viveres, fazeres e experiências dos italianos na
cidade de Cuiabá 1890-1930. Cuiabá: Entrelinhas, EdUFMT. 2005. p. 47
150
Ayala & Simon. Álbum Gráfico de Mato Grosso. 1914. p. 171.
151
SOUZA, Antonio F. de. Imigração. Jornal O Comércio. 14/04/1910, p.1.
86
Antonio Souza propunha a utilização da publicidade como meio de atrair
imigrantes para a colonização do estado. Refuta a idéia da espera pelos imigrantes
espontâneos chamando a atenção para a necessidade de juntar esforços para atrailos, por meio da propaganda oficial sobre as riquezas e possibilidades do estado.
Em seu entender, o Mato Grosso era pouco conhecido fora de seus limites, e aponta
este desconhecimento como causa da pouca procura pelo estado, em detrimento de
outros, localizados no litoral. Em um outro artigo de março de 1911, chamava a
atenção para a necessidade de políticas governamentais. Reitera o discurso sobre a
aquisição de “mãos laboriosas” que fizessem desenvolver a lavoura e a indústria
definhante.
Venha, pois, o nosso governo em auxilio de nossa lavoura
agonizante, criando e dirigindo associações que cuidem seriamente
e patrioticamente da colonização de nossas imensas florestas; mas
para alcançar o fim desejado torna-se necessário o emprego de
muito critério em todo esse serviço, principalmente na escolha do
respectivo pessoal dirigente, do contrário será o dispêndio de pura
perda de dinheiro público.152
Em 1910, outro articulista que assinava L.P. denuncia as imagens negativas
que se faziam sobre o Mato Groso nos estados litorâneos. O Estado de Mato Grosso
era representado como sendo um lugar no qual animais caminhavam livremente
pelas ruas das cidades, bem como índios e suas “flechas envenenadas”. Em tempo,
acusa as elites locais de não reagirem, fazendo uma propaganda positiva a respeito
do estado, se importando somente em fazer políticas. No decorrer do seu texto fica
perceptível a irritação com o jogo político imperante, e as disputas entre adversários,
por fim encerra com a seguinte frase “chega de atraso. Bugres, bugres, não somos,
mas bem possível é que lá cheguemos. É preciso reação! Mudemos de Rumo,
sejamos unidos”.153
152
153
SOUZA, Antonio F. De. Colonização. Jornal O Comércio. 03/ 1911. p.1
Cf. L.P. Conversa fiada. Jornal O comércio. 03/03 de 1910.
87
Século XX adentro os discursos em torno da necessidade do progresso
para a região se acentuam. Outros fatores se associam à questão populacional,
como a necessidade de maior infra-estrutura. Sobre esse dado discorre Galetti.
[...] colonização, investimentos de grandes volumes de
capitais e imigração estrangeira, preferencialmente de europeus. Eis
a síntese da fórmula civilizadora prescrita para Mato Grosso... [...]
ferrovias,
navegação
empreendimentos
que
a
vapor,
aparecem,
estradas,
então,
telégrafos
como
são
instrumentos
fundamentais, juntamente com a presença de imigrantes e capitais,
para preencher o vazio e concretizar em Mato Grosso a versão
moderna do paraíso. 154
Cerzózimo Gomes aponta que as iniciativas do governo mato-grossense no
tocante a imigração e colonização como infrutíferas. Fato este, comprovado na
documentação existente. Escrevendo sobre os italianos em Cuiabá, não encontrou
vestígios de italianos nas zonas rurais próximas a cidade, e indica nestes, práticas
ligadas predominantemente a atividade urbana.155 Com os sírios e libaneses o
processo de ligação cidade se deu de maneira semelhante, com a predileção pelos
ambientes urbanos e práticas comerciais. Em 1920, o censo apontou como o
proprietário de terras, Moysés Nadaf, no município de Nossa Senhora do
Livramento; José Caim Mansur em Aquidauana; Abdo Manzud em Campo grande e
Salvador Waldk Hoge Chaim em Coxim.156
154
GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Op.cit. p. 131
Cf. CERZÓZIMO GOMES, Cristiane Thaís do Amaral. Op. Cit. p. 49.
156
Diretoria geral de estatística. Recenseamento realizado em 1º de setembro de 1920. Relação dos
Proprietários dos estabelecimentos rurais recenseados no Estado de Mato Grosso. APMT.
155
88
Imigrantes sírios e libaneses.
Mesmo estando fora do perfil cultivado como “ideal” para a imigração, os
turcos, libaneses e sírios, dentre outros do Oriente Médio começaram a se deslocar
em grandes levas a partir de meados do século XIX. Apesar de serem agricultores
em seus países, no Brasil se concentraram principalmente em atividades urbanas
ligadas ao comércio, desafiando o modelo ideal, que era a do agricultor.
Os sírios e libaneses não eram os imigrantes idealizados, não eram
“brancos europeus”, não se dispuseram de maneira efetiva ao trabalho agrícola, e
não receberam incentivos governamentais, consistindo em imigrações espontâneas.
Entretanto, a maioria dos que chegaram ao Brasil era de origem cristã, o que os
aproximava no aspecto religioso. Mesmo não sendo agricultores, a ascensão social
de parte considerável de seu contingente, ligado às atividades comerciais, atendia
prontamente aos anseios das elites e do governo, ansiosos por braços laboriosos e
industriosos. No caso dos imigrantes árabes (sic), Lesser defende a criação de uma
cultura hifenizada, um cruzamento das etnicidades brasileiras e árabes. Estes não
deixavam todos os seus costumes, e assimilavam outros costumes da cultura
brasileira.157
A atitude de se dedicar a atividades comerciais certamente foi estimulada
pela presença de grandes latifúndios, e uma estrutura agrária voltada para a
exportação. Os reflexos a Lei de Terras se faziam sentir de uma forma geral a
imigrantes de todas as nacionalidades. O preço da terra afastava da posse aqueles
imigrantes agricultores desprovidos de recursos, restando como alternativa direta o
trabalho como colonos nas grandes fazendas.
Truzzi argumenta as diferenças existentes entre o modelo agrícola
vivenciado na Síria e no Líbano em contraste com a estrutura agrária do Brasil. As
práticas
agrícolas
desses
países
estavam
sustentadas
sobre
pequenas
propriedades cultivadas pela famílias, enquanto que no Brasil, havia predominância
de latifúndios e monocultura.158
Outro fator determinante seria o caráter espontâneo da imigração Síria e
Libanesa, e um maior número de homens solteiros nesse contingente, bem como os
157
Cf. LESSER, Jeffrey. Op. Cit. passim.
Cf. TRUZZI, Osvaldo Mario. Patrícios, Sírios e Libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1995
p 43
158
89
parcos recursos financeiros, impeditivos de se adquirir terras e trabalhar como
agricultores. A junção desses fatores, certamente os impeliu a trabalhar como
mascates.
Mas de qualquer forma, o importante a se reter no caso de
sírios e libaneses é que a manutenção original do ramo de atividade
ou do tipo de inserção na estrutura ocupacional, a etnia em massa
optou por esta última, ao reafirmar, desde o início, usa aspirações ao
estabelecimento do seu próprio negócio – no dizer de um
entrevistado, ao optarem por “cuidar de seus próprios narizes”, no
dizer emproado de outros, “ao não se sujeitar a ocupações servis” 159
A prática de mascate se fixou tanto nas vivências urbanas quanto nas
inserções pelo interior do Brasil. Seja entrando pelo porto de Santos, Rio de Janeiro
ou mesmo via Bacia do Prata, os imigrantes sírios e libaneses se dispersaram para
as mais distantes regiões do Brasil. Buscavam brechas, maneiras de se colocarem
profissionalmente, e a prática de mascate foi a escolhida, viabilizando uma trajetória
econômica e social ascendente em boa parte dos casos.
Truzzi já havia aludido à grande expansão demográfica e espacial dos sírios
e libaneses, no estado de São Paulo, fato este que pode ser observado em outros
estados também. Aponta ainda outros elementos para se entender as trajetórias
econômicas e sociais destes imigrantes, relacionadas diretamente com as relações
de complementaridade existentes dentro das colônias. Destaca nesse sentido a
acolhida, a facilitação de crédito e fornecimento de mercadorias para o trabalho.
Outro elemento apresentado por Truzzi e que se aplica às várias experiências no
Brasil é o “processo de realimentação” que consistia em trazer para o Brasil amigos
e parentes.160
Nos dados coletados durante a pesquisa sobre a imigração de sírios e
libaneses para o Mato Grosso, ficam claras as relações de complementaridade, bem
como a dispersão espacial por sobre o território do estado. Nas primeiras décadas
do século XX é possível encontrar indícios de sírios e libaneses nas principais
159
KURBAN, Taufik. Ensaios e biografias. Apud . TRUZZI, Osvaldo Mário Serra. Patrícios, Sírios e
Libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1995 p 45
160
Cf. Ibidem,. passim.
90
cidades de Mato Grosso, a se destacar Cuiabá, Campo Grande, Corumbá,
Aquidauana, Livramento, Poconé e Cáceres.161
161
Censo 1920. Relação dos proprietários dos estabelecimentos rurais recenseados no Estado de
Mato Grosso. APMT.
91
CAPÍTULO 3. SÍRIOS E LIBANESES NO ESPAÇO URBANO DE CUIABÁ.
PRÁTICAS E SOCIABILIDADES.
“Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus.
Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele
encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boa dilatada,
suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto
está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de
acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula
incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele
gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos.
Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com
tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele
irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o
amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que
chamamos de progresso”.162
162
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 226
92
Navegação da Bacia Platina, população e imigração de sírios e Libaneses para
Cuiabá: dados demográficos.
Um dos grandes problemas enfrentados pelo Estado de Mato Grosso nos
seus primeiros séculos foi grande distância deste, dos grandes centros do Brasil
como o Rio de Janeiro, em relação com os meios de transporte da época. Nos
primeiros tempos de sua colonização, o trajeto monçoeiro constituía a principal
forma de se chegar às minas do Cuiabá. A grande questão inicial era a de buscar
um atalho que diminuísse as 530 léguas que separavam Porto Feliz de Cuiabá. Além
das Monções, foi aberto um caminho terrestre via Goiás, utilizado por tropeiros em
lombo de mula.
Os
governantes
de
Mato
Grosso
almejavam
buscar
alternativas à navegação monçoeira e aos caminhos terrestres que,
através de Goiás, permitiam chegar ao centro–sul, como única
forma de barateamento dos custos do transporte de mercadorias e
de romper o isolamento com o restante do império. No leque de
soluções, a Bacia do Prata passou a ser área de profundo interesse
dos governos imperial e provincial, pois era vista como única via de
acesso para extensas áreas do Brasil central.163
Fruto de intensa negociação por parte da diplomacia brasileira, estabelece-se
em 6 de abril de 1856 um “Tratado de Amizade, Navegação e Comércio” entre Brasil
e Paraguai, permitindo a navegação pelo Rio Paraguai de navios brasileiros.
Entretanto tal tratado fixava limites na comercialização, ficando os navios impedidos
de atracar de porto a porto de cada nação, para fins de comercialização. Tal
limitação se deveu também pelo fato de ainda existir disputas fronteiriças entre Brasil
e Paraguai, que ainda não estavam resolvidas.164 Tal indefinição em relação às
fronteiras foi uma das causas da Guerra com o Paraguai, que paralisou a navegação
em 1864, a qual só foi retomada em 1870 no pós-guerra.
Segundo Peraro, a 1º contribuição da navegação para a Província de Mato
Grosso foi a diminuição do tempo de trajeto do Rio de Janeiro para Cuiabá que
163
PERARO, Maria Adenir. Bastardos do Império: família e sociedade em Mato Grosso no século
XIX. São Paulo: Contexto, 2001. p. 37.
164
Cf. BRANDÃO, Jesus da Silva. História da Navegação em Mato Grosso. Cuiabá: Livro Matogrossense, 1991. p. 47
93
encurtou dos 180 dias gastos pelas monções, para 30 dias com a utilização dos
navios a vapor. A produção de açúcar passou a ser exportada, juntamente com o
gado bovino.165 Peraro escreve, entretanto, que no espaço de abertura da
navegação, até o início da guerra com o Paraguai, que paralisou a hidrovia, os
grandes beneficiados eram uma pequena parte da população correspondente aos
proprietários de terras. A exportação de açúcar, poaia, e couro não garantiram nesse
primeiro momento uma dinamização da economia, nem tão pouco, renda para os
cofres públicos, que permanecia deficitário, dependente de recursos do tesouro
nacional para garantir a administração da província.166 No período posterior à guerra,
ocorreu uma maior dinamização. “No prazo de 10 anos, de 1873 a 1882, Mato
Grosso conseguiu duplicar a produção de açúcar – se em 1873 a produção de
rapadura era de 7.043 unidades, em 1882 esse total ascende a 17.101 unidades”. 167
A reabertura da navegação facilitou a exportação dos produtos mato-grossenses e
importação de máquinas modernas para as usinas de açúcar, propiciando um
aumento da produção e aquecimento da economia local.168 Em 1880 foi fundada a
Usina da Conceição às margens do rio Cuiabá, e em 1895, de posse de Antonio
Paes de Barros foi fundada a Usina de Itaici, também às margens do rio Cuiabá, que
produzia açúcar, aguardente e álcool.169
Por essa época enxameia o rio Cuiabá de embarcações, que
vão levar às usinas os artigos de importação e buscar o açúcar
fabricado, para oferecer aos consumidores distantes. Chatas, a
reboque
de
lanchas,
ou
tocadas
por
zingueiros,
barcos
acondicionados a mascateação com os ribeirinhos, batelões, a
remos, de reduzida capacidade, para cargas menores, e até canoas,
tudo contribui para o transporte de sacas de açúcar e garrafões ou
pipas de álcool ou aguardente. Como também dos produtos da
lavoura ribeirinha, que procuram o mercado consumidor franqueado
pelas usinas. Principalmente para o corte dos seus canaviais, que
165
Cf. ALEIXO, Lucia helena Gaeta. Mato Grosso: trabalho escravo e trabalho livre. (1850-1888)
PERARO, Maria Adenir. Bastardos do Império: família e sociedade em Mato Grosso no século
XIX. São Paulo: Contexto, 2001. p 40
167
Ibidem, p. 63
168
Cf. SILVA, Edil Pedroso. O Cotidiano dos Viajantes nos Caminhos Fluviais de Mato Grosso 18701930. Cuiabá: UFMT, dissertação de Mestrado.
169
PERARO, Maria Adenir. Bastardos do Império: família e sociedade em Mato Grosso no século
XIX. São Paulo: Contexto, 2001. p. 63
166
94
as abastecem de matéria-prima, conforme alguns dos convênios
adotados.170
Nesse período se identifica a presença de mascates – mercadores
ambulantes que faziam nesse caso específico, comércio junto às populações
ribeirinhas. Os imigrantes europeus foram os primeiros a se dedicar a essas
atividades em solo mato-grossense. Nesse período era muito utilizado o sistema de
escambo como meio de pagamento das mercadorias levadas pelo mascate.
Brandão cita como exemplo o caso do português Manoel Cavassa, que se tornou o
maior comerciante de Mato Grosso à época, trabalhando inicialmente como
mascate.171
Posterior à reabertura da navegação, o comércio instaurado a partir dela,
provocou sensíveis mudanças na vida do povo mato-grossense. A navegação
propiciou o crescimento das cidades ribeirinhas, que se encontravam às margens
dos grandes rios. A cidade que mais se desenvolveu foi Corumbá, em função de ser
o maior porto e ter a Alfândega instalada em seu território. Corumbá passou a ser
maior arrecadadora de tributos, tornando-se praticamente a capital econômica da
província.
Tratando ainda de perceber as emergências viabilizadoras do processo
migratório para Mato Grosso, convém estabelecer relações entre a conjuntura
mundial no último quarto do século XIX – já descritas no capítulo 2 – com a abertura
da navegação pela bacia do Prata, que facilitou o acesso à Província de Mato
Grosso. Segundo Brandão, o caminho fluvial se estabeleceu como uma porta de
entrada de imigrantes em território mato-grossense. O governo imperial tendo em
vista o estímulo à imigração para a província oferecia a todos que se identificassem
como “colonos” no consulado brasileiro em Montevidéu; passagem, ferramentas e
víveres por um ano. A companhia de navegação do Alto Paraguai recebia
subvenções do governo para transportar até 20 colonos por viagem. Muitos destes
não eram colonos, mas pessoas em busca de fortuna rápida.
Partindo da reflexão de que memória também pode ser entendida como
relatos de percurso, o trajeto pela hidrovia se apresenta como uma das partes
170
171
CORREA FILHO, Virgílio. Fazendas de gado no pantanal mato-grossense. p. 37
Cf. BRANDAO, Jesus da Silva. Op. Cit. p. 57.
95
constitutivas da migração para o Mato Grosso. Segundo os depoentes, os libaneses
que se encontravam em Cuiabá eram em sua maioria, oriundos de Zahle, cidade do
Vale do Bekaa, região sul do Líbano. Os Sírios eram em sua maioria oriundos de
Seydanay na Síria. Saindo de seus respectivos países, desenvolveram diversos
trajetos até chegar a Cuiabá.
[...] quando meu tio Moysés chegou pra cá em 1917 ele já
tinha passado 11 meses na Argentina. [...] Ele saiu da Argentina por
um conhecimento de um que foi de Cuiabá pra lá, voltando para
Síria, voltando para minha cidade natal. Então a colônia de
Seydanay lá de Buenos Aires receberam, fizeram festa e
perguntaram: Como vai Mato Grosso? “é um lugar muito rico, acha
ouro na rua, é o mais rico que tem” meu tio como era moço novo,
veio pra trabalhar, tava com vontade de voltar em 2 anos, ficar bem
de situação e voltar. No final da festa perguntou pra ele? Como que
é, como vai lá, realmente tem ouro? “é fácil, vem aqui no alto do
Prata, vai pra Corumbá, depois pega outro navio e vai pra Cuiabá
direto” [...]chegou em Corumbá, ficou quase 15 dias para poder
encontrar navio. Aí ele chegou em Cuiabá [...]172
A respeito do percurso realizado pelos seus pais, Miguel J. Kalix e Maria Mubarack Kalix,
Lourdes Kalix depõe:
Mamãe estava prometida pra papai, porque naquele tempo
era assim, pra casar com papai. Aí o papai queria vir pro Brasil,
casaram... ela tinha 17 anos e ele 18. Casaram em Zahle e vieram,
aí chegaram a Bahia, onde estava tio Abrão, irmão de papai. Aí tio
Abrão já tinha falado que vinha pra cá, porque Miguel Mansur tava
aqui, aí vieram pra Cuiabá. Vieram de Lancha, do que eles podiam
vir naquela época?173
172
NADAF, Jamil Boutros Sírio da cidade de Seydanay. Residente em Cuiabá desde 1948.
16/12/2002. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
173
FERRO, Lourdes Kalix. 71 anos, cuiabana, filha de pai e mãe libaneses, oriundos da cidade de
Zahle no Líbano, chegaram a Cuiabá em 1912. 05/11/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson
Brandão.
96
População de Mato Grosso, do recenseamento de 1872 ao recenseamento de
1920
Em 1869, a província detinha 52 mil habitantes. O censo de, 1872 apontou
para a província, uma população de 60.417 Mil habitantes, e sua capital Cuiabá com
37.020 mil em seu município.174 Contava também com uma população imigrante de
524 pessoas.175 Segundo Brandão, em 1875 entraram na província mato-grossense
485 estrangeiros, sendo 228 paraguaios, 109 italianos, 31 espanhóis, 30
portugueses e 20 argentinos.176
Apresentando números modestos em se comparando as províncias do
centro sul do país, Mato Grosso recebeu imigrantes europeus e platinos no período
pós-guerra com o Paraguai. Segundo Peraro o crescimento demográfico a partir de
1870 ocorreu em função do crescimento vegetativo, e das migrações internas e
internacionais. A esse respeito Elisabeth Madureira Siqueira discorre:
O aumento da população mato-grossense se deveu à nova
fase econômica imperante a partir de 1870, quando, atendendo à
dinâmica do capitalismo internacional, tornou seu território atrativo
para os empresários que, pessoalmente ou através de suas
representações comerciais, povoando e transformando sua antiga
paisagem. Nessa dinamização a figura dos adventícios ganhou
expressão.177
O censo de 1890, primeiro realizado no período republicano e segundo do
Brasil – o primeiro foi em 1872 – demonstra a existência de um contingente
considerável de imigrantes na cidade de Cuiabá. Os trabalhos coordenados por José
Barnabé de Mesquita resultaram em dois livros, dos quais é possível extrair múltiplas
informações, como nome de moradores, idade, profissão, raça, estado civil, religião,
nacionalidade, defeitos físicos, instrução. De outra forma, ao esquadrinhar as ruas
174
BUENO, Francisco A. P. apud SIQUEIRA, Elisabeth Madureira. Luzes e Sombra: a população da
Província de Mato Grosso.
175
Censo demográfico de 1872 - APMT
176
BRANDÃO, Jesus da Silva. Op. Cit. p. 112.
177
SIQUEIRA, Elisabeth Madureira. Luzes e Sombra: a população da Província de Mato Grosso. p.
97
com seus respectivos nomes, moradores e estabelecimentos comerciais, permitem a
reconstrução das práticas desenvolvidas no cotidiano das ruas da cidade.
No censo de 1890, a população de Cuiabá era de 17.759 mil habitantes,
sendo que destes, 56 eram imigrantes locados nos distritos da Sé e da Freguesia de
São Gonçalo. Os números de nativos e imigrantes no censo de 1890 apontam para
um decréscimo populacional de ambos na cidade de Cuiabá em relação ao censo de
1872. Esse fato se deve provavelmente ao desmembramento de municípios
originados a partir do município de Cuiabá.
Exemplo disso são: Nossa Senhora do Livramento (ex São
José dos Cocai), que desde 1835 era distrito de Cuiabá, elevado à
categoria de município por lei provincial de 21-05-1883. esse
desmembramento implicou, por parte de Nossa Senhora do
Livramento, a incorporação das freguesias de Nossa Senhora de
Brotas (atual Acorizal) e de Nossa Senhora da Guia, auferidas do
município de Cuiabá. Ainda Santo Antônio do Rio Abaixo (hoje
Santo Antônio do Leverger), desmembrado de Cuiabá e elevado á
categoria de município em julho de 1890, com a instalação em 1900.
ressalte-se que em 1899 o distrito de Brotas voltou a ser
incorporado ao município de Cuiabá.178
Na observação do censo de 1890, foi possível encontrar a presença de
imigrantes de origem árabe dentro do contingente de estrangeiros em Cuiabá já no
século XIX.179 Felipe Jorge, apontado como o primeiro sírio a penetrar em terras
cuiabanas; José Fortunato, João Jorge, Cecília Raphaela, Jorge José Marcum,
Felippe de Siqueira, Jorge e Cecília. No censo, são todos descritos como turcos,
entretanto fica a indagação em relação aos sobrenomes brasileiros de alguns deles,
e a ausência de sobrenome em outros, fato que os dados presentes no censo não
permite apurar.180
O censo de 1920, já demonstra um considerável aumento populacional. O
Estado de Mato Grosso contava com 220.948 mil habitantes e sua capital Cuiabá
178
PERARO, Maria Adenir. A imigração para Mato Grosso no século XIX – Mulheres paraguaias:
estratégias e sociabilidades. p. 4.
179
PERARO, Maria Adenir. A população urbana de Cuiabá em 1890. Censo de 1890.
180
Ibidem.
98
contava com 33. 678 mil habitantes. Destes 16.440 mil eram homens e 17.238 mil
eram mulheres. 181
Tabela 2 - Imigrantes residentes na Cidade de Cuiabá, conforme informações
dos censos de 1890 e 1920
Nacionalidades
Africanos
Censo de 1890
63
Censo de 1920
-
Alemães
11
19
Argentinos
04
8
Austríacos
01
3
Belgas
-
1
Bolivianos
03
-
Chilenos
-
1
Dinamarqueses
01
-
Espanhóis
01
12
Franceses
02
19
Ingleses
01
1
Italianos
18
112
Norte Americanos
-
8
Paraguaios
133
63
Portugueses
25
60
Suíços
01
-
Turcos árabes
08
91
Uruguaios
-
13
Total
204
441
Fontes: Censo demográfico de Cuiabá, 1890. APMT Censo demográfico de Mato Grosso e Cuiabá de
1920 – APMT.
Estabelecendo-se comparações entre os dois censos, percebe-se um
aumento considerável de imigrantes no período de 30 anos que os separa, bem
como a diminuição de alguns contingentes populacionais. O dinamarquês e o suíço
catalogados no censo de 1890 desaparecem no censo de 1920, os motivos de tal
decréscimo não foi possível apurar. De mesma forma a presença de 63 africanos em
181
População recenseada em 1920 no estado e na capital, segundo os principais aspectos de sua
composição geral. APMT.
99
1890, não se repete em 1920. Observando o censo de 1890, a população é descrita
nominalmente, e um dos dados informados é a idade na data da consulta. Os
africanos catalogados em 1890 apresentavam idades que variavam de 66 anos a
100 anos. Certamente vieram para o Brasil como escravos, possivelmente antes da
proibição do tráfico negreiro em 1850. A ausência de africanos em 1920 se reflete
também na proibição de entrada no Brasil de imigrantes africanos, homologadas na
Constituição de 1891, e mantidas durante a república velha.
A população de paraguaios na cidade diminuiu, ao passo que no estado
aumentou. A maior parte deles se concentrou na porção sul do Estado de Mato
Grosso, dado a proximidade com o Paraguai. Entretanto o numero de Argentinos
embora pouco expressivos, aumentou. Chilenos, norte-americanos e uruguaios que
não apareciam em 1890, são catalogados em 1920, embora com números pouco
expressivos.
Em contraponto, o número de imigrantes de origem européia aumentou,
ainda que se comparado com os números nacionais, figurassem como pouco
expressivos.
Com
destaque
ao
acréscimo mais significativo
de
italianos,
portugueses, franceses, espanhóis e alemães respectivamente. Esses números se
encontram consonante com o aumento da imigração para o Brasil desses
contingentes, sobretudo os de origem Latina.
Em destaque nesse trabalho é a presença oficial de 91 imigrantes sírios
libaneses em solo cuiabano – catalogados no censo como “Turcos árabes”. Em
números relativos á imigrantes, a população de sírios e libaneses em Cuiabá é
muito expressiva, só ficando atrás da imigração italiana. Em se considerando que a
população total de imigrantes em Cuiabá em 1920 era de 441 pessoas, os sírios
libaneses correspondiam a mais de 20% desse total.
Embora as comparações com os números de entradas de imigrantes no
centro sul, os números de Mato Grosso sejam reduzidos, o censo de 1920
demonstra um afluxo bem maior de imigrantes para o Mato Grosso que para o
vizinho estado de Goiás. Conforme demonstrado na tabela abaixo.
100
Tabela 3 - Quadro Comparativo das imigrações para os estados de Goiás e
Mato Grosso e sua capital Cuiabá.
NACIONALIDADE
GOIÁS
MATO GROSSO
CUIABÁ
Turca
528
1232
91
Portuguesa
304
1310
60
Italiana
268
810
112
Espanhola
192
570
12
Fontes: Censo demográfico de Mato Grosso e Cuiabá de 1920 – APMT. Censo demográfico de 1920
– Goiás apud NUNES, Elaine, Prudente. A imigração Árabe em Goiás. – Goiânia: Ed., da UFG, 2000.
p. 69.
Tabela 4. Imigração para Mato Grosso e Cuiabá em 1920.
Países
Mato Grosso
Cuiabá
Alemanha
117
19
Áustria
34
3
Bélgica
10
1
Espanha
570
12
França
109
19
Inglaterra
118
1
Itália
810
112
Portugal
1.310
60
Argentina
2.833
8
Chile
12
1
Estados Unidos
31
8
Paraguai
13.118
63
Uruguai
448
13
Japão
514
-
Turquia Asiática
1232
91
Outros Países*
7093
30
Soma
25.321
441
Fonte: Sinopse Estatística do Estado. População recenseada em 1920 no Estado e na Capital
segundo os principais aspectos de sua composição geral. APMT.
Analisando a tabela acima, fica explícita a grande diferença entre o
contingente imigrante recebido pelo estado de Mato Grosso e o recebido pela capital
Cuiabá. Convém salientar que o estado de Mato Grosso à época deste
recenseamento correspondia territorialmente aos atuais estados de Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul e a maior parte de Rondônia. Os dados disponíveis não são
101
suficientes para fazer um detalhamento sobre as outras cidades de Mato Grosso, o
que dificulta os procedimentos de análise e comparação. A esse respeito, Marco
Aurélio de Oliveira reflete sobre a ausência de estudos demográficos sobre o Sul do
Estado de Mato Grosso em fins do século XIX, e na primeira metade do século XX.
Não existe estudos demográficos sobre a região que hoje
compreende o estado de Mato Grosso do Sul, o que me impede de
refletir sobre questões como: número de imigrantes, divididos por
nacionalidade, faixa etária e sexo, o que traria mais luz a esta
pesquisa. Para contornar este problema, consultei os livros de
registro de casamentos em Corumbá e Campo Grande, do período
de 1896 a 1944.182
É correto afirmar que referente ao censo de 1920, os “turcos árabes”
correspondiam ao quarto maior grupo de imigrantes em solo mato-grossense,
ficando atrás apenas dos paraguaios, argentinos e portugueses. No caso específico
de Cuiabá, o maior contingente é o italiano seguido pelos turcos árabes, paraguaios
e portugueses. No Estado, do total de 7.093 pessoas, oriundas de países não
declarados: 3.354 são oriundos de países europeus; 3.705 são de países da
América e 34 são de outros continentes não especificados. Na Capital Cuiabá das
30 pessoas, 12 são européias; 13 são oriundas da América do Norte e 5 de outros
continentes não especificados.
182
OLIVEIRA, Marco Aurélio Machado de. O mais importante é a raça: sírios e libaneses na política
em Campo Grande. Tese de doutoramento. São Paulo: FFLCH-USP, Tese de doutoramento, 2001. p.
83.
102
Sírios e libaneses na cidade de Cuiabá.
“Já menos interior a meu corpo que essa vida dos
personagens, vinha a seguir, meio projetada diante de mim, a
paisagem onde se desenrolava a ação e que exercia sobre meu
pensamento uma influência bem maior que a outra, aquela que tinha
sob os olhos quando os erguia do livro”183
A presença de sírios e libaneses em Cuiabá se deu, sobretudo no espaço
urbano. Na cidade desenvolveram práticas, enunciaram relações sociais e
participaram da constituição de espaços. “Espaço é um lugar praticado”
184
. Na
urbanidade previamente traçada das ruas e praças, se dão encontros e
desencontros. São em suas calçadas, pistas e passeios que o público e o privado se
entrelaçam, construindo relações sociais, definidoras de práticas cotidianas. “A
cidade, a maneira de um nome próprio, oferece assim a capacidade de conceber e
construir o espaço a partir de um número finito de propriedades estáveis, isoláveis e
articulados uma sobre a outra”.185
No espaço, organizado, estriado, da cidade de Cuiabá, foram encontrados
indícios sobre a presença de imigrantes de várias nacionalidades, dentre elas os
sírios e libaneses. Os relatos de percurso serão feitos de acordo com as informações
contidas no recenseamento de 1890 e nos lançamentos da décima predial do 1º
distrito da capital relativos ao exercício de 1908, 1909, 1917, 1918, 1920.186
O ano era de 1890, na casa de número 830, na Rua 13 de Junho estava
estabelecido em Cuiabá o senhor João Jorge, 26 anos, negociante, católico, “turco”,
casado com a senhora Anna Carvalho Jorge, brasileira. Na mesma casa estava
Felipe Jorge, irmão de João, 25 anos, negociante, “turco”, casado com a brasileira
Ana Josefa Bueno Jorge, 18 anos, branca, e a filha do segundo casal, Amélia Jorge,
de 1 ano.187
183
PROUST Marcel. No caminho de Swann. p. 87
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Trad. Epraim Ferreira Alves.
Petrópolis RJ, Vozes, 1994. p. 202
185
Ibidem, pg. 173
186
Relatórios da coletoria de tributos da capital. Lançamento de imposto de patente a que se refere o
§2º do artigo 1º da lei de orçamentos. APMT.
187
Recenseamento de 1890.
184
103
Seguindo o percurso traçado por José Barnabé de Mesquita, encontramos
na mesma rua, Cecília Raphaela 16 anos, branca, “turca”, casada com José
Marcum, 27 anos, branco, “turco”, profissão declarada de mascate.
Na Rua 27 de Dezembro, antigo “Beco do Candieiro”, residia Felipe de
Siqueira, 21 anos, branco, solteiro, mascate e que a despeito do sobrenome é
apontado como “turco”. Ainda na mesma casa, havia Jorge (sobrenome não
declarado), 28 anos, mascate, casado, “turco”, e Cecília 20 anos, branca, casada,
nacionalidade não apontada. Ainda nessa rua, José Fortunato, 26 anos, mascate,
casado e “turco”.
Chama atenção na leitura do censo, a categorização destes imigrantes
como turcos em virtude, da já discutida, submissão dos territórios da Síria e do
Líbano ao controle do Império Turco Otomano. Outro dado importante se dá em
relação à religião professada como sendo a católica, o que reforça o já escrito pelos
pesquisadores da imigração de sírios e libaneses para o Brasil, que estes primeiros
imigrantes eram em sua maioria cristã.
Num salto temporal, chegamos aos anos de 1908 e 1909. A escolha dessas
referidas datas, se deve à localização de indícios de sírios e libaneses em atividades
comerciais em Cuiabá. Os documentos reportados são os da coletoria municipal,
nos quais são descritas as firmas instaladas em Cuiabá, 1º distrito – Sé, e 2º distrito
– São Gonçalo, com os nomes dos proprietários, número da casa e ruas onde estão
os estabelecimentos. A localização dos imigrantes sírios e libaneses foi feita a partir
das informações obtidas através do cotejo das entrevistas realizadas e trechos de
jornais. Nos livros da coletoria aparece a razão social dos estabelecimentos e não o
nome fantasia, o que possibilita fazer uma triagem dos sírios e libaneses e suas
práticas dentro da urbanidade de Cuiabá. Convém destacar, que essa triagem, é
feita a partir do “espaço estriado”
188
, controlado pelos poderes governamentais,
legitimados pelas leis vigentes.
Na feitura da documentação, os estabelecimentos eram classificados de
acordo com a sua “função”, comercial, fábricas e serviços. Eram catalogados
188
Espaço estriado se opõe a definição de espaço liso. O primeiro se refere aos espaços controlados,
e legitimados por todo um aparato de leis estatais de cada Estado Nação. O segundo se refere ao
espaço habitado por nômades, que não se adéqüem ao controle do Estado Nação. Cf. DELEUZE,
Gilles & GUATARI, Felix. Mil Platôs, Capitalismo e esquizofrenia. V. 5. Trad. Peter Pál Pelbart e
Janice Caiafa. São Paulo: ed. 34, 1997. Coleção Trans.
104
profissionais como barbeiros, dentistas, médicos, alfaiates entre outros, e lojas
classificadas a partir dos produtos que comercializavam como fazendas, armarinhos,
panificações entre outros. Outro dado importante era a classificação dessas casas
em 1ª, 2ª e 3ª classe, que refletia a quantidade de tributos que deveriam ser pagos
por esses estabelecimentos, de acordo com a natureza e o tamanho do negócio,
enquanto variedade de produtos e numero de vendas.189
Ano de 1909, estabelecendo um percurso pelas ruas do centro de Cuiabá,
encontramos na Rua 13 de Junho 5 lojas de 1ª classe, uma delas pertencente ao
português Gabriel Francisco de Mattos, inaugurada em 1887, vendia fazendas em
geral, ferragens, secos e molhados. Na Sé, Praça da República, não havia nenhum
estabelecimento comercial registrado. Na rua 1º de Março, antiga rua do meio –
atual Galdino Pimentel havia quatro lojas de 1ª classe, dentre elas a dos italianos
Orlando Irmão & Cia, proprietários da Casa Orlando, que trabalhavam com
importações em geral, exportação de borracha, transações bancárias e eram
proprietários de seringais.190 E também a do sírio Felipe Jorge, que trabalhava com
importações e exportações.191 Na Rua Sete de Setembro, continuação da 1º de
Março, havia a casa de 1ª classe Euphrosina, da portuguesa Euphrosina H. Mattos,
e as lojas dos libaneses Salomão Scaff e José Scaff, e do italiano Raphael
Verlangiére, todas de 2ª classe.
Paralela à Rua 1º de Março, a Rua Ricardo Franco – antiga Rua do Meio –
encontramos 4 lojas de 2ª classe dos libaneses Anagib Miguel Amin, Salomão
Cerme Mussi, Abraão Nicola Maluf, Aide Ferres Assem Sebba. E uma de 1ª classe,
de Abdala Assem Sebba. Na Rua Antonio Maria, que se inicia na Sé, e segue
paralela a Rua 13 de Junho, encontramos Salim Boabaid, e a italiana Nedi
Naceralla, ambos com lojas de 3ª classe.192
De comércio ainda modesto, em 1909, Cuiabá já apresentava em termos
relativos, um número considerável de imigrantes estabelecidos nessas atividades. A
grande concentração de Sírios e libaneses se deu nesse período, sobretudo, nas
189
As casas importadoras e exportadoras de 1ª classe pagavam 300$000. As casas somente
importadoras de 1ª classe pagavam 250$000. As casas comerciais importadoras de 2ª classe,
150$000. As casas importadoras de 3ª classe 100$000. As que trabalhavam com jóias 150$000. As
casas que vendiam somente gêneros do país, 30$000. os profissionais liberais 50$000. Coletoria
Municipal, 1909 e 1920. APMT.
190
AYALA & SIMON. Álbum Gráfico Mato Grosso. Anexo X. 1914
191
Coletoria municipal. 1909. APMT.
192
Coletoria Municipal. 1909. APMT.
105
Ruas 1º de Março e Ricardo Franco, no centro histórico de Cuiabá. A maioria das
lojas, cujos proprietários eram sírios e libaneses pertenciam às categorias de 2ª e 3ª
classe. A exceção se dá com Felipe Jorge, que já era apontado em Cuiabá desde o
recenseamento de 1890, e Abdala Assem Sebba que aparece nos documentos da
Cúria, já no ano de 1901, solicitando a realização de seu casamento com Naza Aid
Fery. 193
Laura Antunes Maciel em sua dissertação de mestrado destaca que a partir
de 1910, embora tenham sido modestos, a capital de Mato Grosso passou a receber
alguns investimentos em melhorias urbanas. Os esforços de modernização estavam
inseridos dentro da preparação do bicentenário de Cuiabá, que aconteceria em
1919.194
Em Cuiabá, algumas ruas da capital foram pavimentadas
rapidamente, pois de abril a novembro do mesmo ano, várias foram
calçadas de pedra cristal, porém o melhor serviço foi feito pelo
processo macadame, que consistia compactar pedras de cor
ferruginosa, que em Cuiabá se chamava de “pedra canga”,
formando uma pista sólida por onde o carro passaria. [...] em 1919,
não havia firma de engenharia em Cuiabá e o desejo do presidente
do Estado de modernizar a capital pavimentando as ruas principais
não poderia ser realizado se a agilidade comercial da Casa Dorsa
não criasse as condições.195
Cerzózimo Gomes demonstra em sua dissertação a participação dos
italianos no processo de transformação urbanística da cidade. Embora considerado
acanhado, a pavimentação de algumas ruas com pedra propiciou no cenário
cuiabano a inserção de dois novos elementos, o automóvel e os ônibus, que faziam
a ligação do centro ao 2º distrito, o bairro do Porto, substituindo os bondes puxados
a burro, que operavam desde 1891. Interessante observar que a mesma empresa
realizadora dos serviços públicos de pavimentação, os italianos “Irmãos Dorsa”,
193
Documentos da cúria, caixa 52, rolo 33 NEDHIR.
MACIEL, Laura Antunes. A capital de Mato Grosso. São Paulo: PUC/SP, 1992. Dissertação de
mestrado. p. 65 - 75
195
CORREA, Afrânio. Os automóveis em Cuiabá – décadas de 1920 e 1930. apud. CERZÒZIMO
GOMES, Cristiane Thaís do Amaral. Op.Cit. p. 120.
194
106
também recebeu concessão do transporte coletivo e foram proprietários dos
primeiros automóveis da cidade, e dos primeiros carros de aluguel.196
Em se tratando de sírios e libaneses, os indícios revelam uma inserção no
ramo comercial da cidade, com suas lojas e casas de importação e exportação.
Seguindo o percurso pelas já ladrilhadas ruas de Cuiabá, destaca-se a maior
densidade de pessoas e maior variedade de estabelecimentos comerciais no ano de
1919 em relação a 1909.
Na Praça da República, que em 1909 não possuía registro de nenhum
estabelecimento comercial, em 1919 se apresentava além de espaço de civismo,
quando da comemoração do bicentenário de Cuiabá, como um espaço praticado
pelo comércio e serviços. Nela encontramos Jorge Haydammus & Irmão, libaneses
proprietários de lojas de fazendas armarinhos e calçados, a filial Mutran & irmãos,
que vendiam além de fazenda e armarinhos, guaraná no varejo, Gabriel Saadi
libanês de Zahle e Miguel Boldstein, tabelião e escrivão e o Drº Edmundo Ludolf,
advogado. 197
Encontrava-se também, Felipe Jorge, proprietário de loja de fazendas,
armarinhos, chapéus, calçados, gêneros alimentícios que desde em 1914, já
aparecia no álbum gráfico como proprietário do Hotel Universal localizado na Praça
da República, centro de Cuiabá. O sobrado onde se localizava o Hotel foi antes
residência do primeiro bispo de Cuiabá D. José Antônio dos Reis. Arthur Jorge, filho
de Felipe, assumiu a direção do hotel que passou a se chamar “Hotel Esplanada”.
Após sua morte o hotel foi vendido, demolido e os irmãos Affi –de origem libanesa –
construíram o Hotel Centro América198 que foi comprado e demolido pela rede de
lojas Riachuelo na década de 1990.
196
CERZÒZIMO GOMES, Cristiane Thaís do Amaral. Op. Cit. pp. 121-122
Coletoria da capital. 1919. APMT
198
Cf. PÓVOAS, Lenine C. “Sobrados e Casas Senhoriais de Cuiabá”. Fundação Cultural de Mato
Grosso.
197
107
Figura 1
Fonte : Álbum Gráfico de Mato Grosso. Ayala & Simon. Anexo XX, 1914.
Seguindo pela Rua 1º de Março, aberta durante o período da mineração no
século XVIII, encontramos também uma densidade comercial maior em se
comparando a 1909.
Estavam instaladas as lojas de fazendas, armarinhos e
chapéus de Gabriel Mansur Haydammus, a matriz de Mutran & Irmãos, e ainda a
tipografia de Boldstein e Cia. Por ser uma rua do comércio, mas também local de
residência da população havia a padaria de Latorraca & Fogari. Depois da pausa na
padaria, seguimos para encontrar as lojas do sírio Wady Boabaid, dos libaneses da
cidade de Zahle, Kalil Mansur Bunlai, e de Felix Mansur & irmão, vendendo
fazendas, armarinhos, calçados e chapéus. Nem só de lojas de fazenda se
compunha o cenário da Rua 1º de Março. Seguindo o percurso encontramos a
alfaiataria de Gulhermina de Carvalho, e a barbearia de seu marido Heráclito de
Carvalho, o advogado Manoel Francisco da Neves, e Miguel Kalix, libanês, com
armazém vendendo gêneros alimentícios nacionais e molhados.199
199
Coletoria municipal 1919.
108
Figura 2
Sobrado da casa Mansur. Fonte Lenine Póvoas, “Sobrados e Casas
Senhoriais de Cuiabá”. Fundação Cultural de Mato Grosso.
Na Rua Ricardo Franco, encontramos os mesmos estabelecidos em 1909, os
libaneses Nagib Miguel Amin, Salomão Cerme Mussi, Abraão Nicola Maluf, Aide
Ferres Assem Sebba, com lojas de fazendas, armarinhos e chapéus, e ainda Miguel
Kalix, vendendo produtos nacionais, molhados e gêneros alimentícios em pequena
escala.200
Seguindo pela Rua 13 de junho, percebe-se a ampliação do comércio em
relação a 1909. Em 1920 estavam instaladas nessa rua dezoito lojas, entre
drogarias, e casas de fazenda e de gêneros alimentícios. Acompanhando a
expansão do comércio na Rua13 de Junho, encontramos Gabriel Haydammus &
Abib Haydammus, Jorge Mutran, César Saddi, Antonio Abdalla Herani, Felipe Jorge
& Filho, Nagib Badur, José Abdalla Herani, Hid & Irmão, todos vendendo fazendas,
armarinhos e chapéus.201
A expansão também se deu em à Praça Ypiranga, onde se encontrava
Wady Saddi, e na Avenida Ponce, antiga travessa Villas boas, onde encontramos
200
201
Coletoria de Cuiabá. 1920, livro 04. APMT
Coletoria de Cuiabá, 1920, livro 04. APMT
109
Miguel Haydammus, Abraão Maluf, Elias Feriz Nemir, Pedro Haydammus, Felipe
Azar e o italiano Domingos Tenuta, todos vendendo fazendas, armarinhos, calçados
e chapéus.202 No Bairro do Porto, encontramos as lojas de Salim Haddad, Miguel
Ahi, David Saadi na Rua 13 de Junho, Gabriel Saadi na Praça Luís de Albuquerque
e a empresa Boabaid & Irmãos, na Avenida 15 de novembro, esquina com a Praça
Luís de Albuquerque.
Figura 3
Fonte: Jornal o Mato Grosso, 31 de março de 1919. NEDHIR
Na cidade ansiosa por mudanças, onde o discurso da modernidade e do
progresso compunha a tônica dos discursos oficiais e dos editoriais, que enfrentava
dificuldades ocasionadas pela baixa produção local, e altos preços de produtos
importados, os sírios e libaneses participaram ativamente da constituição dos
espaços urbanos. A atividade de imigrantes em Cuiabá foi bastante intensa, como
demonstra também o trabalho de Cerzózimo Gomes ao escrever sobre os italianos
em Cuiabá. A cidade em 1909 tinha sua vida comercial, restrita quase que
totalmente as três ruas mais antigas, a Rua de Baixo, do Meio, e a de Cima, e ao
bairro do Porto. O comércio de Cuiabá se projeta já em 1919 para outras ruas
centrais, se ampliando e se diversificando. Os imigrantes sírios e libaneses,
juntamente com outros imigrantes, fizeram parte desse processo de construção e
202
Coletoria de Cuiabá, 1920, livro 04. APMT
110
edificação desses novos espaços, representados pelas Ruas 13 de Junho, Avenida
Ponce e Praça Ypiranga.
Tabela 5 - Empresas abertas por sírios e libaneses abertas em Cuiabá de 1905
até 1920.
Empresas
01 Felipe
Atividade
Jorge
Irmão
02 Abdalla
& Loja importadora de 1ª classe. fazendas, 1905 Rua
armarinhos e chapéus.
calçados de 1ª classe
03 Aid Ferres Assem Loja
Sebba
de
2ª
classe,
vendendo
Rua Ricardo
fazendas 1907 Rua Ricardo
armarinhos.
Cerme Idem
Franco
1907 Rua Ricardo
Franco
Nicola Idem
Maluf
06 Nagib
de
Franco
Mussi
05 Abraão
1º
Março
Assem Loja de fazendas, armarinhos, chapéus e
Sebba
04 Salomão
Ano Logradouro
1907 Rua Ricardo
Franco
Miguel Idem
Amim
07 Salim Boabaid
1907 Rua Ricardo
Franco
Idem
1907 Rua Antonio
Maria
08 Felipe Jorge
Café vendendo bebidas a varejo e artigos de 1910 Praça
cigarraria com bilhares de 2ª classe
09 Felipe Jorge
Hotel
da
República
1914 Praça
da
República
10 José Affi
Casa comercial importadora de 2ª classe, 1916 Rua Ricardo
vendendo jóias, roupas feitas ou qualquer
Franco
outros artigos
11 Boabaid & irmãos Casa comercial importadora de 1ª classe
1916 Praça
da
República
12 Dib Aical Nemir
Idem
1916 Não consta
111
13 Kalil
Mansur Idem
Bunlai
1916 Rua
1º
de
1º
de
Março
14 Kalil Sebba
Idem
1916 Rua
Março
15 Jorge
Idem
Haydammus
&
1916 Rua 13 de
Junho
Irmão
16 Nagib Badur
Idem
1916 Não consta
17 Miguel Mutran
Idem
1916 Rua
1º
de
Março
18 Abdala Homesse
Casa somente importadora de 3ª classe
1916 Não consta
19 Abdala Gazar
Idem
1916 Não consta
20 Nicola Hayk
Idem
1916 Não consta
21 Dib Aical & Salim
Idem
1916 Não consta
22 João Jorge
Idem
1916 Rua 13 de
Junho
23 Nacib Nagib Cury Idem
1916 Não consta
24 Jorge
1916 Não consta
Abilem Idem
Tannus
25 Félix Sebba
Casa vendendo somente gêneros do país.
1916 Não consta
26 Gabriel Saadi
Armazém
1917 Praça
da
República
27 Celine Haddad
Armazém
1917 Rua 13 de
Junho
28 Garzuzi Cury
Armazém
1917 Rua 13 de
Junho
29 José Saadi
Casa comercial somente importadora
1917 Rua 13 de
Junho
112
30 Abdalla J. Athaya Casa comercial somente importadora
1917 Não consta
31 Hannum & irmão
Casa comercial somente importadora
1917 Não consta
32 Wady Saadi
Casa de Fazendas e armarinhos em pequena 1917 Praça
escala
33 Miguel Kalix
Casa
Ypiranga
especial
de
gêneros
alimentícios 1919 Rua
nacionais e molhados
34 Felix Mansur
de
1º
de
Março
& Fazendas, armarinhos, chapéus, calçados.
irmão
35 José
1º
1919 Rua
março
Abdala Casa
Herani
especial
de
gêneros
alimentícios 1919 Rua 13 de
nacionais e molhados
36 Hid&irmão
Junho
Casa de fazendas, armarinhos, chapéus e 1919 Rua 13 de
calçados
37 Gabriel
Junho
Casa de fazendas, armarinhos, chapéus e 1919 Rua 13 de
Haydammus
& calçados
Junho
Abib Haydammus
38 Jorge Mutran
Casa de fazendas, armarinhos, chapéus e 1919 Rua 13 de
calçados
39 César Saadi
Casa de fazendas, armarinhos, chapéus e 1919 Praça
calçados
40 Antonio
Junho
Ypiranga
Abdalla Casa de fazendas, armarinhos, chapéus e 1919 Praça
Herane
calçados
41 Felipe
Ypiranga
1919 Rua 13 de
Jorge&Filho
Junho
42 Abraão Maluf
Casa de armarinhos
1919 Av. Ponce
43 Miguel
Casa de Armarinhos em grande escala
1919 Av. ponce
Haydammus
44 Elias feriz Nemir
Casa de Fazendas, armarinhos, chapéus,
Av. Ponce
calçados
45 Pedro
Casa de fazendas, armarinhos, chapéus e
Av. Ponce
113
Haydammus
46 José Mubarack
calçados
Mercador de Cereais
1919 Rua 15 de
Agosto
47 Salim Haddad
Casa especial de fazenda em pequena escala 1920 Rua 13 de
Junho
-
Porto
48 David Saadi
Casa de fazendas e armarinhos em pequena 1920 Rua 13 de
escala
Junho
-
Porto
49 Gabriel Saddi
Casa de fazenda s, armarinhos, chapas, 1920 Praça
Luís
calçados, arreios, louças, ferragens, gêneros
de
alimentícios e sal.
Albuquerque,
Porto
Fontes: Coletoria da Capital. Anos de 1905 a 1920, jornal O Mato Grosso, janeiro de 1916 e 1917.
Além das práticas comerciais em loja, os sírios e libaneses praticavam
também a mascateação fluvial, comumente denominada de “zinga” em Cuiabá.
Imigrantes como Miguel Kalix e Abraão Kalix são exemplo dessas práticas,
entretanto os maiores “exploradores” do comércio fluvial foram os Boabaid e os Scaff
Gathas. Em 1926 foi fundada a empresa de navegação Boabaid & irmãos, que fazia
viagens entre Cuiabá e Corumbá. O governo estadual dava aos Boabaid um
incentivo mensal para que estes realizassem duas viagens semanais.203 Outros
imigrantes, os Gathas e os Scaff controlaram o comércio com os ribeirinhos por todo
e eixo navegável, de Corumbá a Cáceres e Cuiabá.
Em Cuiabá era Alfredo Scaff, em Corumbá era Fauzi Gathas.
Em Cáceres era o José Grande, tinha o Jorge Gathas, o José era
Scaff... [...] Miguel Gathas viajava daqui para Corumbá, de Corumbá
a Cuiabá e de Corumbá a Cáceres e voltava. Vendia mercadorias na
203
BRANDÃO, Jesus S. Op. Cit.
114
beira do rio e comprava mercadoria, comprava couro... [...] chegava
até a vender pros Estados Unidos. Exportar couro.204
Na descrição de Jamil aparece nitidamente a prática do escambo feita pelos
Scaff e Gathas com os ribeirinhos. Muitas vezes, entregavam suas mercadorias em
troca de couro seco e salgado, pronto para a exportação, permitindo a estes
mascates fluviais um processo de acumulação. Esta atividade só conheceu crise
com a instalação do curtume Stefano. Outro relato de Jamil é em relação às
exportações de Mato Grosso, passando pela alfândega de Corumbá, e seguindo
para Buenos Aires e Montevidéu e daí para a Europa e os Estados Unidos.
A respeito da mascateação fluvial, Ivens Cuiabano Scaff depõe:
Meu pai passou os primeiros anos dele na lancha, porque o
pai e a mãe dele moravam na lancha. Meu pai era mascate de
“zinga”. Com doze anos começou a fazer comércio e vender
material dentro das lanchas né. Ele fez dos doze anos até mais ou
menos os sessenta e poucos, que foi quando a estrada de chão
começou a tomar conta e aí a navegação deu aquela murchada. [...]
então cada família ficou assim, uma parte em Cáceres, uma parte
em Corumbá e uma parte em Cuiabá, com comércio e a navegação,
as duas coisas desbloqueadas.205
O depoimento de Ivens Cuiabano Scaff confirma o que já havia sido citado
por Jamil Nadaf em relação à distribuição da família Scaff Gathas Orro pelas
principais cidades portuárias de Mato Grosso, e sua prática no comércio com os
ribeirinhos. A união das famílias se deveu pelo casamento de D. Sofia Scaff com
Miguel Gathas Orro, ambos viúvos. D. Sofia tinha filhos do primeiro casamento com
Kalil Scaff: Ive Alfredo Scaff, pai de Ivens, que se casou com a cuiabana Lucinda
Cuiabano; Heloísa Scaff, Luís Miguel Scaff e José Miguel Scaff, popularmente
conhecido como José grande, que morava em Cáceres e se casou com uma
204
NADAF, Jamil Boutros Sírio da cidade de Seydanay. Residente em Cuiabá desde 1948.
16/12/2002. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
205
SCAFF, Ivens Cuiabano, médico, neto de libaneses, cujo pai nasceu em Corumbá em 1907.
Residente em Cuiabá. 30/10/2007. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
115
cacerense de nome não revelado por Ivens. Do Casamento de D. Sofia e Miguel
Gattas Orro nasceu Jorge Scaff Gattas Orro e Ada Scaff Gattas. A respeito das
mercadorias comercializadas pela família, Ivens Scaff depõe
Eles vendiam tudo quanto é intercâmbio (sic) desde rapadura,
açúcar, cimento tinha muito cimento eu me lembro, então todos
esses produtos vinham de cá, e daqui desciam outros [...]
eles
levavam de Cuiabá para Corumbá, de Corumbá a Cáceres, de
Corumbá para Cuiabá. Corumbá tinha cimento, vinha de Corumbá
pra cá. Mais tinha de tudo, era os estivadores, era o pessoal com
saco nas costas, era um grande movimento o Porto.206
Sírios e Libaneses em Cuiabá – Trajetórias sociais e redes de cooperação
Na história dos imigrantes sírios e libaneses em Cuiabá, se repete um
fenômeno comum em outras experiências migratórias no Brasil e outros países, a
formação de redes familiares e de solidariedade. Podendo ser definidas como
estratégias motivadoras da emigração e facilitadoras da adaptação e da manutenção
da vida em terra estranha.
Nesse processo de alimentação da emigração e adaptação na terra que
acolhe, o papel dos que chegaram primeiro é fundamental. As remessas de dinheiro
e as boas novas anunciadas em relação ao país que acolhe operam num jogo de
interesses que vai da necessidade material até aparatos simbólicos como
identidades culturais, e possibilidade de reprodução do modus vivendi. Na busca do
sonho de enriquecer, a trajetória de uns não significa necessariamente que todos
terão o mesmo sucesso, entretanto é preciso atentar para o fato da constituição de
redes familiares e de cooperação realizada entre imigrantes. Essas redes são
fundamentais na construção do discurso de que é possível realizar o sonho na
sociedade que o acolhe.
206
SCAFF, Ivens Cuiabano, médico, neto de libaneses, cujo pai nasceu em Corumbá em 1907.
Residente em Cuiabá. 30/10/2007. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
116
Os imigrantes num espaço interativo marcado pelo confronto
diferencial e étnico com a sociedade receptora buscaram se
acomodar às estruturas sócio-econômicas da cultura hospedeira,
realizando esforços constantes dirigidos à manutenção dos laços de
solidariedade grupal e alimentação de suas identidades sociais.
Sírios e libaneses por um lado se incorporaram à sociedade
brasileira, mas por outro, o fizeram como um grupo que é visto e
percebido
como
demarcaram
etnicamente
fronteiras
sociais
diferente
em
específicas,
virtude
de
do
que
inclusão
e
exclusão.207
Exclusão e inclusão, entendidas como faces de uma mesma moeda, se
articulando conjuntamente, cada inclusão traz em si um sentido de exclusão, uma
vez que pertencendo a um lugar não o somos de outro. Nesse sentido, entende-se
fronteira como um produto da cultura e não da natureza. Essa leitura pode se aplicar
tanto a fronteiras entre países, ou mesmo fronteiras mentais, formuladoras de
identidades e de pertença a uma ou outra região, etnia, e por que não salientar, os
gostos.
As fronteiras se marcam porque as distintas comunidades
interagem de diversas maneiras com outras entidades das quais
são, ou desejam ser distintas. A consciência de uma comunidade
inclui a percepção de quais são as suas fronteiras. Estes limites
podem ou não estar marcados nos mapas, porém sempre estão em
nossas mentes. A fronteira separa o “nós” do “eles” e ao definir o
“outro” definimos simultaneamente a “nós” mesmos.208
Em sua tese sobre a imigração árabe para Goiás, Heliane Prudente salienta
também a formação de redes por proximidade, de caráter associativo. O que ela
descreve através de um de seus depoentes, é a elaboração de uma estratégia de
manutenção dos imigrantes em Goiás, que ela denominou companheirismo étnico.
207
FÍGOLI, Leonardo Hipolyto G. Migração internacional, multiculturalismo e identidade: sírios e
libaneses em Minas Gerais. p. 14.
208
KAVANAGH, Willian. A natureza das fronteiras. In: Fronteras Y Fuente Oral. Barcelona: n. 12
1991, p. 7
117
Um amigo do meu pai arranjou-me emprego e alojamento.
Nessa casa onde hospedei-me tinha dez jovens, que como eu,
estavam aprendendo a forma de mascatear. Nos vivíamos muito
próximos uns dos outros, e nós mantínhamos certos costumes na
alimentação, nas diversões e o respeito para com os mais velhos.
Nós cantávamos, dançávamos o dabkeli e discutíamos sobre os
acontecimentos do dia... 209
Em Corumbá as estratégias de cooperação ganham mais vigor com a
instituição da sociedade de Beneficência Otomana, fundada em 07 de março de
1909. Um anúncio da sociedade, no Álbum Gráfico de Mato Grosso, editado em
1914, sugere a importância da instituição e o poder econômico da colônia sírio
libanesa em Corumbá. Importante ressaltar, que embora a instituição se chame
Sociedade de Beneficência Otomana, esses imigrantes eram na verdade sírios e
libaneses cujas nações ainda se encontravam sob o jugo do Império Turco
Otomano. Abaixo, reproduzo trecho do anuncio feito no Álbum Gráfico.
Dados os fins belíssimos que visa a nova agremiação que,
tendo por norma (um por todos e todos por um), e encarando a
reciprocidade de auxílios, a permuta de socorro entre seus
associados, a Sociedade de Beneficência Otomana é merecedora
da simpatia geral e da cooperação de todos os sírios que longe da
pátria,
queiram
continuar
a
engrandece-la
praticando
actos
militantes, e que irmanados pelos vigorosos lados de fraternidade,
realizando um ideal elevado. [...] levar o seu concurso a tudo quanto
se prender ao progresso desta terra hospitaleira e boa, onde os
sírios como todos os estrangeiros laboriosos que a ela aportam, são
recebidos com verdadeiro carinho.210
João Carlos Barrozo em sua tese de doutorado aborda a trajetória dos
garimpeiros do Alto Paraguai, e baseado em Bertaux e Batagliola, descreve um
emaranhado de situações nas quais as redes familiares e de solidariedade,
209
210
Entrevista concedida a NUNES, Heliane Prudente. Op. Cit. P. 86.
Ayala & Simon. Álbum Gráfico de Mato Grosso. p. 337-338
118
associadas à escolaridade foram fundamentais para mudança na trajetória individual
e mobilidade social.
A partir do conceito de “trajetória Social”, entendido como “o
encadeamento temporal das posições sucessivamente ocupadas
pelos indivíduos nos diferentes campos do espaço social”, concluiuse que a posição social não é estática, e que os indivíduos, a cada
momento de sua existência ocupam simultaneamente várias
posições “resultantes dos seus lugares nos campo profissional e
familiar”. Com o tempo estas posições se deslocam, se redefinindo
em um ou vários campos, traçando assim uma trajetória social
constituída de um feixe de itinerários.211
No entender de Barrozo, as trajetórias, e as conseqüentes mobilidades
dependem de um emaranhado de fatores, que vão desde as redes, a escolaridade,
esforço pessoal e utilização de recursos não monetários.212
Entretanto, é preciso salientar que embora análogas, as experiências não
são iguais. Cada realidade apresenta um determinado tipo de dificuldade, e cada
trajetória corresponde a uma história ímpar. Embora a prática da associação seja um
fato, ela não se dava para todos os grupos de imigrantes de forma irrestrita. Pesam
geralmente nessa formação laços de proximidade como pertença à mesma família,
nacionalidade ou aldeias. Em se tratando deste trabalho, procuro analisar um
microcosmo dessas relações, buscando identificar a existência dessas relações de
complementaridade, e não necessariamente estabelecer um estudo completo sobre
as trajetórias dos imigrantes sírios e libaneses. Apresento a formação de dois grupos
distintos, que se organizaram em Cuiabá, baseadas em informações cedidas pelos
depoentes
Segundo Jamil Nadaf quando seu tio Moysés Nadaf aportou em Cuiabá por
volta de 1917, já encontrou na cidade Azis e Anis Boabaid, Toufick Affi, Felipe Jorge,
Miguel Gathas, os Scaff, os Houssein, Abdala Mansur. Jamil relatou também em
entrevista fatos e curiosidades, histórias que ouvia seu tio Moysés Nadaf contar. No
211
BARROZO, João Carlos Barrozo. Em Busca da Pedra que brilha como estrela. Um estudo sobre o
garimpo e os garimpeiros do Alto Paraguai. Araraquara, UNESP. 1997. Tese de doutorado. p. 277.
212
Cf. ibidem, p. 278
119
trecho abaixo, Jamil relata a primeira experiência de seu tio, então com 18 anos, no
trabalho de mascate.
[...] Não falava português, não falava nada. Aí um dia ele tava
na praça Luís de Albuquerque no porto e ele escutou dois ou três
conversando em árabe e ele se aproximou deles, cumprimentou,
ficaram conversando e perguntaram de que cidade ele era, quando
chegou. Aí ele falou “sou de Seydanay, eu cheguei aqui já tem uns
10, 15 dias e eu queria trabalhar e não sei como começar, vim com
a fama que era muito rico, muito dinheiro, muito ouro [...] mas não é
tão fácil assim”. Aí tanto o Boabaid quanto o Affi, Anis Boabaid e
Toufick Affi que já tavam aqui falaram “ah não há problema, nós te
damos mercadoria, você paga na volta não tem problema”. Aí ele
comprou 2 burros, cavalos, carregou mercadoria e ensinaram como
que vai lá pra Rosário Oeste. A Primeira viagem que ele fez foi pra
Rosário. E foi indo nesse mato. Até chegar no Rosário, vendeu no
caminho até chegá lá, ele vendeu toda a mercadoria, foi feliz, mas
na volta tava tão apressado pra chegar, morreu um dos cavalos.
Então o lucro da primeira praticamente perdeu, mas foi certo.
Chegou aqui, carregou de novo, foi voltando e foi... viajando.213
Ao chegar a Cuiabá, Moysés se encontrou com Aniz Boabaid e Toufick Affi.
Na descrição desse encontro é perceptível o estabelecimento de uma atitude de
cooperação, quando Affi e Boabaid cedem para Nadaf mercadorias para iniciar suas
atividades como mascate, o pagamento da mercadoria só seria feito na volta de
Rosário Oeste. Moysés realizou essa viagem, mas na volta segundo Jamil “morreu
um dos cavalos, e o lucro se foi, mas foi certo, chegou aqui, carregou de novo, foi
voltando e foi viajando”.
Aí ele começou a trabalhar, trabalhar, quando melhorou
instalou em Várzea Grande. Várzea Grande pertencia a Cuiabá, não
era independente, não era município. E lá começou com seu
213
NADAF, Jamil Boutros Sírio da cidade de Seydanay. Residente em Cuiabá desde 1948.
16/12/2002. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
120
comércio, ficou feliz, prosperou muito, casou e depois foi pra Nossa
Senhora do Livramento. Aí depois resolveu, comprou uma fazenda
num aterrado, num lugar chamado Pinto, no município de
Livramento. Abriu comércio na fazenda para os que moravam ao
redor, os fazendeiros. Depois encontraram ouro na terra dele, aí ele
deixava o pessoal garimpar, e comprava o ouro e vendia
mercadoria. Ele dizia que não ia tirar ouro, ele era o comerciante, o
intermediário. “o povo fala ficou muito rico porque achou ouro, mas
eu comprava e vendia pro Banco do Brasil”.214
A estratégia de Moysés para ganhar dinheiro com o ouro é interessante,
cedia a terra para os garimpeiros e lhes vendia produtos de primeira necessidade.
Jamil não informou a relação existente entre os valores de venda da mercadoria e o
preço pago ao ouro. Mas pra se tirar dinheiro de uma relação tratada dessa maneira,
o ouro certamente era comprado por Moysés a preço de ouro bruto, e depois
transformado em barras de ouro e vendido ao Banco do Brasil, Moysés não
confeccionava jóias.
A narrativa feita por Jamil Nadaf é muito rica em detalhes, permitindo leituras
sobre a condição dos mascates e suas aventuras pelo sertão mato-grossense, ás
vezes num tom bastante romântico. Seguindo o raciocínio de que na trilha de uns,
outros vem, o próprio Jamil veio para Cuiabá para conhecer o tio em 1948, terminou
por se estabelecer, casar e ter os filhos em Cuiabá. Interessante notar que o
exemplo de um incita o outro de alguma forma. Quando Jamil Chegou a Cuiabá,
Salim Moysés Nadaf seu primo era Suplente de deputado estadual e havia
comprado a usina de Flexas em sociedade com Fauze Gattas.215
Nagib Saadi, Libanês da cidade de Zahle, é apontado no depoimento de
Aidda Nagib Saadi como um “aventureiro que gostava de conhecer o mundo”. Aidda
informa que antes de chegar ao Brasil, Nagib Passou Pela Austrália, Nova York,
aportando em Buenos Aires. De Buenos Aires seguiu para Cuiabá, fixando
residência em Santo Antonio de Leverger. Retornou ao Líbano, se casou e em 1909
retornou a Cuiabá, deixando a esposa e os filhos em Zahle.
214
NADAF, Jamil Boutros Sírio da cidade de Seydanay. Residente em Cuiabá desde 1948.
16/12/2002. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
215
Cf. PÓVOAS, Lenine Campos. O ciclo do Açúcar e a política de Mato Grosso. 2ª ed. Cuiabá:
IHGMT, 2000. p. 22
121
“Ele ficou 5 anos no Brasil[...] primeiro começou a guerra, ele
tava aqui. Ele pensou, a guerra vai demorar, e minha família sozinha
no Líbano [...] ele ficou lá, abriu armazém muito grande de
mantimento, pessoas tava morrendo de fome [...]” 216
Num caminho inverso, César Nagib Saadi veio para o Brasil em 1914,
trabalhando inicialmente como mascate, até abrir armazém na Rua 13 de Junho217.
Seguindo a trilha de César, vieram inicialmente dois irmãos, Gabriel Saadi, e Wady
Saadi, ambos com lojas de fazenda e calçados na Rua 13 de Junho e Avenida
Ponce.218 Nicola Saadi chegou a Cuiabá em 1925. “Papai não foi mascate, meu avô
quando veio para o Brasil sim, meu tio César quando chegou trabalhou como
mascate, quando meu pai chegou, tio César já era comerciante na rua 13 de
junho”.219
Percebe-se uma intensa trama familiar, motivada pelas dificuldades que se
apresentaram no Líbano após o retorno de Nagib. Ao retornar ao Líbano, Nagib e
sua esposa tiveram mais um filho, Jan Saadi, e quando a esposa estava grávida de
oito meses do último filho, Felipe Saadi, Nagib faleceu vítima de febre tifóide durante
a 1ª guerra mundial. Sem Nagib, e com irmãos mais velhos emigrados para o Brasil,
Aidda e a mãe faziam bordados em tecidos e vendiam aos franceses, para se
manterem, quando César e os outros não mandavam dinheiro para eles. Sobre a
situação de Zahle durante a guerra, Aidda descreve
As pobres coitados vinham de longe, sem roupa, sem
descanso, sem comer. Morreram na rua não sei quantos... não sei,
gente morreram na rua...eles vieram de terra deles, não tem comida
lá vieram nossa cidade e fica lá, graças a Deus tem bastante para
comer. Mas eles não tem automóvel... eles vêm a pé da cidade
deles para nossa cidade. Não sei quantos morreram de fome na rua.
Bastante gente, não é pouca. Cada um dia... um morre.
216
SAADI, Aidda Nagib, 30 de agosto de 2006. Libanesa da cidade de Zahle Líbano nascida em
1905, reside em Cuiabá MT. 30/08/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson Brandão.
217
Coletoria da Capital. 1920.
218
Coletoria da capital 1919.
219
SAADI, Mirian. Cuiabana, filha de libanês. 31/08/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson
Brandão.
122
Ao ser perguntada sobre o período pós-guerra, e se vieram muitas pessoas
de Zahle para o Brasil, Aidda responde:
Tava cheio deles aqui... eles veio,
aí cada um deles ia,
passar tempo lá, põe cadeira na frente da casa, fala do que tava
fazendo, eles davam alimento lá [...] eles assam carne, ficavam
contente[...] eles [...] aí os de lá... eles puxam cadeira, ficavam
sentados, na hora, maio, julho, pouco calor em Zahle, eles iam,
sentavam lá.
A narrativa de Aidda, se assemelha a alguns casos descritos por Sayad,220
quando do estudo sobre os emigrantes argelinos, e seus retornos para suas aldeias,
as histórias fabulosas que contavam sobre a França, alimentando nos jovens o
desejo de emigrar, e a certeza de serem bem sucedidos em território francês. No
caso descrito por Aidda, se intercalam uma situação de poucas oportunidades, por
ocasião também da 1ª guerra mundial, com as visitas rotineiras que os emigrados de
Zahle faziam á cidade, narrando suas experiências e alimentando o desejo de
migrar. Seguindo parte do caminho já realizado pelo pai Nagib, os filhos mais velhos
se deslocam a Cuiabá em busca de trabalho, artigo raro durante a 1ª guerra mundial
segundo Aidda, e aos poucos esse ramo da família Saddi se instalou em Cuiabá.
Um seguindo as trilhas dos outros, articulados em laços familiares e de
reciprocidade.
Em 1912 chegaram a Cuiabá Miguel J. Kalix e sua esposa Maria Mubarack
Kalix. Juntamente com eles veio Abraão Kalix, irmão de Miguel e esposa. Optaram
por Cuiabá devido às histórias que Miguel Mansur,221 libanês de Zahle, radicado em
Cuiabá desde os primeiros anos do século XX contava. [...] “com a vinda da família
de Miguel Mansur que eram parentes, vizinhos dos pais de mamãe e papai lá no
Líbano, papai também veio”.222
220
Cf. SAYAD, Abdelmaleck Sayad. A imigração e os paradoxos da alteridade. São Paulo: EdUSP,
1999.
221
O indício mais remoto encontrado da presença de Miguel Mansur em Cuiabá é a solicitação de
permissão para realização de festa em 1905, encontrado nos documentos da Cúria de Cuiabá. Rolo
53. NEDHIR.
222
FERRO, Lourdes Kalix. 71 anos, cuiabana, filha de pai e mãe libaneses, oriundos da cidade de
Zahle no Líbano, chegaram a Cuiabá em 1912. 05/11/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson
Brandão.
123
Figura 4
Maria Mubarack Kalix e Miguel J. Kalix. Fotografia tirada quando chegaram ao
Brasil. Cedida por Lourdes Kalix Ferro.
A cooperação existente entre os Mansur, Kalix e Mubarack, todos de Zahle,
atraíram para Cuiabá José Salomão Mubarack e sua Esposa Rosa Mubarack. José
Turquinho, como ficou conhecido em Cuiabá, era proprietário de armazém na Rua
15 de Agosto, e posteriormente na Avenida 15 de novembro, bairro do porto. Eram
pais de “Linda” Mubarack, que posteriormente, na década de 1940 se casou com
Nicola Nagib Saadi.
Tanto Miguel quanto Abraão Kalix iniciaram suas atividades em Cuiabá
trabalhando como mascates de “zinga”, vendendo produtos para comunidades
ribeirinhas, rio abaixo, em direção a Santo Antonio de Leverger, e Rio acima em
Direção a Rosário Oeste.
Posterior à sua experiência como mascate de “zinga” Miguel Kalix se
estabeleceu em comércio no centro de Cuiabá, inicialmente com lojas de produtos
alimentícios, e posteriormente com lojas de bebidas alcoólicas.
223
Por intermédio de
um senhor, de nome José Varandis, que viria a ser seu compadre, ao batizar seu
filho Abraão, Miguel passou a fabricar licor de Pequi cristalizado, da marca
cruzeirinho.
.
223
Cf. Coletoria da capital. 1917 e 1920.
124
De papai eram aquelas pedras lindas, que formavam no galho
chamado cruzeirinho. Então ia pegar cruzeirinho no tempo da seca
porque não podia molhar. Aí trazia a gente tirava toda aquela
florzinha dele, lavava e punha pra secar. Quando secava, papai
tinha umas garrafas chamadas “viúva rober” que vinha com um
vinho muito bom então papai comprava dessa garrafa, depois
passou a comprar em São Paulo, direto da fábrica. A gente punha o
galhinho aí enfiava na garrafa aí punha metade da garrafa de álcool,
aí tampava e ia passando de uma garrafa na outra, e quando ia
ficando mais escuro, porque o galhinho soltava uma corzinha, ai
trocava de álcool, passava em todos, punha rolha de cortiça. Aí ele
fazia o licor e ainda quente despejava nas garrafas. Aí que
cristalizava, lindo... teve uma vez que veio um senhor de fora que
comprou 100 dúzias de licor... mas foi uma trabalheira, nós éramos
todos crianças, e todo mundo admirava.224
Figura 5
Miguel J. Kalix e Maria Mubarack Kalix. Fotografia tirada na década de 1970.
Cedida por Lourdes Kalix Ferro.
224
FERRO, Lourdes Kalix. 71 anos, cuiabana, filha de pai e mãe libaneses, oriundos da cidade de
Zahle no Líbano, chegaram a Cuiabá em 1912. 05/11/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson
Brandão.
.
125
Vendendo Licor de pequi, Miguel Kalix e sua esposa criaram os filhos e
como se repete em outras experiências migratórias primaram pela educação dos
mesmos. A esse respeito descreve Lourdes Kalix
“Miguel Mansur veio, todos já vinham, queria vir pro Brasil, foi
muito bom, aqui nós nascemos, criamos, um é médico, Dito é
farmacêutico e bioquímico e Abraão meu irmão fez dois anos de
curso de ótica, e tem ótica em Cuiabá”.225
A partir das redes de solidariedade e redes familiares se constrói todo um
arsenal de possibilidades viabilizadoras da integração á sociedade que acolhe,
estabelecendo não só situações de fronteira enquanto muro que separa, mas
também relações de ponte com o diferente, se integrando, como disserta Willian R.
Douglas.226
As situações de “ponte” terminam por gerar sociabilidades, e integração
com outras comunidades. Em Cuiabá se verifica a aceitabilidade e a incorporação do
elemento sírio e libanês á cultura e a sociedade local, talvez facilitado pelo fato de
professarem a fé cristã. Exemplos como o de Miguel Kalix, que começou a fabricar e
comercializar uma bebida tradicional da região reforça a idéia de que em situações
de fronteira, ambos os lados se afetam, buscam sínteses que garantam a
sobrevivência dos grupos. Casos como o de Toufick Affi e esposa, freqüentadores
dos carnavais cuiabanos, comparecendo sempre fantasiado, reflete bem essas
relações de troca, e de troca cultural.227
O fato de serem cristãos, certamente facilitou uma maior integração de sírios
e libaneses em Cuiabá. Marco Aurélio Machado de Oliveira, afirma que em
Corumbá, “o fato desses imigrantes serem cristãos, criou uma espécie de
identificação religiosa, o que foi condicionante para a aproximação social”.228 Ele o
faz baseado em depoimentos, entre os quais se destaca o de Miguel Bechara
225
FERRO, Lourdes Kalix. 71 anos, cuiabana, filha de pai e mãe libaneses, oriundos da cidade de
Zahle no Líbano, chegaram a Cuiabá em 1912. 05/11/2006. Entrevista concedida a Gilbert Anderson
Brandão.
226
Cf. DOUGLAS, William R. As Fronteiras: Muros ou Pontes? In: fronteras. Historia Y Fuente Oral.
Barcelona: n. 12, 1994, p. 43-50
227
Cf. CERZÓZIMO GOMES, Cristiane Thaís do Amaral. Op. Cit. p. 113.
228
OLIVEIRA, Marco Aurélio Machado de Oliveira. Op. Cit. p. 83
126
“O fato de sermos cristãos nos deu tranqüilidade ao
chegarmos aqui, pois tínhamos a certeza de que não seríamos
perseguidos, como no Líbano. Os turcos muçulmanos não toleravam
as diferenças que existiam entre nós”.229
Quando da morte de João Jorge, um dos primeiros sírios que vieram pra
Cuiabá conforme o censo de 1890, o articulista do jornal o Mato Grosso escreveu o
seguinte anúncio:
Minado por uma grave enfermidade cruel, faleceu nesta
cidade, no dia 13 do corrente, às 23 horas e meia o Sr. João Jorge,
conceituado negociante nesta praça. Muito jovem ainda era o
estimado morto de hoje quando transportou-se para este estado, e
aqui radicou-se, tornando-se um dos nossos, de alma e de coração.
Ao enterramento de nosso inditoso sírio, que teve lugar no
dia 14 do fluente, no cemitério do 1º distrito, compareceu grande
numero de pessoas de sua amizade. À sua inconsolável família
nossas condolências.230
Percebe-se que possíveis tensões são aliviadas, quando elementos
diferentes passam a interagir uns nos problemas de outros. Quando da conquista da
independência da Síria, fizeram em Cuiabá festas e comemorações, conforme o
anuncio do Jornal “O Mato Grosso”.
A laboriosa colônia síria, desta capital associando-se aos
seus compatrícios residentes em nosso país, festeja hoje a
libertação da sua pátria, realizando entre outras demonstrações de
regozijo, uma sessão cívica, às 20 horas, no salão do “Cine
Parisien” a que comparecerão S Exc Revma. O Presidente
Estado,
altas
autoridades
e
distintos
convidados.
do
Como
demonstração de simpatia a essa numerosa e esforçada colônia, o
229
Entrevista com Michel Bechara. Corumbá, MS, 28 de setembro de 1996. Apud OLIVEIRA, Marco
Aurélio Machado de. Op. Cit. p. 83
230
Jornal “O Mato Grosso” 16 de março de 1917. NEDHIR.
127
governo do Estado resolveu mandar declarar feriado o dia de hoje
em todos as repartições públicas.
Enviando nossas efusivas congratulações aos dignos
representantes da luzida colônia síria, que representa entre nós um
grande elemento de trabalho e de progresso, agradecemos o
convite com que nos distinguiram para a patriótica festa e nela nos
faremos representar.231
O mesmo jornal, que tinha circulação semanal, em sua próxima publicação
referenda a comemoração ocorrida por ocasião da independência da Síria,
destacando a festa que se seguiu regada a pratos tradicionais da Síria, e a
participação das autoridades cuiabanas nos festejos.
O articulista destaca nos sírios, o perfil de laborioso, e em suas palavras,
“elemento do trabalho e do progresso”. No cotejo com as mensagens de Presidente
de Província e de Estado, nas quais apareciam a necessidade de braços laboriosos
para fazer desenvolver o Estado, eles respondiam ao perfil e as qualidades
esperadas dos imigrantes, o que certamente contribuiu pra sua socialização em
meio à sociedade cuiabana. Segundo José de Souza Martins,
A fronteira só deixa de existir quando o conflito desaparece,
quando os tempos se fundem, quando a alteridade original e mortal
dá lugar à alteridade política, quando o outro se torna parte
antagônica do nós. Quando a história passa a ser a nossa história, a
história da nossa diversidade e pluralidade, e nós já não somos nós
mesmos porque somos antropofagicamente nós e ou o outro que
devoramos e nos devorou.232
Em 1987, Lenine Póvoas escreveu um artigo denominado “cuiabanidade” no
qual expunha seu descontentamento com os ataques feitos contra a “cuiabania” por
meio dos migrantes oriundos de outros estados do Brasil, que vieram para o Mato
Grosso nas frentes de expansão a partir da década de 1960. A vinda de gaúchos,
231
Jornal “O Mato Grosso” 17 de outubro de 1918. NEDHIR.
MARTINS, José de Souza. O Tempo da Fronteira: retorno à controvérsia sobre o tempo histórico
da frente de expansão pioneira. In: Tempo Social, vol. 8, n. 1, maio, são Paulo: USP, 1996, p. 27.
232
128
paranaenses, mineiros, catarinenses entre outros, gerou no Estado de Mato Grosso
diversas tensões no encontro entre os diferentes. Póvoas reage contra o que ele
chama de “atrelamento” da cuiabania e da cidade de Cuiabá a uma imagem de
“inimiga do progresso”, propagado segundo ele em panfletos no interior do Estado.
Curiosamente, para responder a novas questões que estavam surgindo na década
de oitenta, Póvoas usa como base de seu discurso, as relações sociais
estabelecidas com outros contingentes migratórios, que se estabeleceram em
Cuiabá antes destes aos quais está combatendo.
Para nós, cuiabano não era apenas o que nascia na nossa
cidade, mas também aquele que aqui se estabelecia, “com ânimo
definitivo”, compartilhando conosco das dificuldades da vida numa
urbe tão isolada e tão distante dos grandes centros do país e
desfrutando conosco das delícias de uma comunidade solidária e
hospitaleira.
Os estrangeiros que no século passado e no atual vieram
para Cuiabá de tal forma integraram-se ao meio social que se
sentiram como se pertencessem a uma só família.
De fato, que um foi mais cuiabano do que os Fortunato, os
Cândia, os Fava, os Miraglia, os Gaeta, os Tenuta, os Barbieri, os
Lotufo, os Guerrize, os Dorsa, os Laraya, os Maiolino, os Boabaid,
os Mansur, os Gattas, os Ayoub, os Affi, os Biancardinni, os
Haddad, os Malouf, os Feguri e centena de outros.233
Não cabe a este trabalho resolver situações de conflito da “cuiabania” dita
“elite cuiabana”, com os novos elementos que vieram a se incorporar a população de
Mato Grosso posterior a década de 1960. Entretanto, o texto de Povoas referenda a
constatação de que houve uma grande integração destes primeiros contingentes de
imigrantes sírios e libaneses cristãos, que chegaram a Cuiabá em levas sucessivas,
a partir do último quarto do século XIX, e suas histórias se confundem com a história
de Cuiabá durante o século XX.
233
PÓVOAS, Lenine C. Cuiabanidade. SAD APMT Biblioteca. 1987. p. 7-8.
129
Este trabalho apresenta limitações, não dá conta de tratar de questões como
inserção desses imigrantes na política, das estratégias para uma melhor
sociabilidade com os naturais de Cuiabá, definidas em parte pelos casamentos interétnicos, apontados nos depoimentos, mas inviável de ser tratado nessa estrutura de
dissertação. Lacunas existem, muitos assuntos não foram tratados, como os
imigrantes de fé muçulmana que chegaram em maior número a partir do fim da 2ª
guerra mundial.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Uma das pretensões deste trabalho foi a de historicizar a trajetória de um
grupo de imigrantes que residiu em Cuiabá em fins do século XIX e primeiras
décadas do século XX. Acredito que a guisa de conclusão, se tornou imprescindível
verificar as emergências que geraram o processo de emigração na Síria e no
Líbano. No demonstrado no primeiro capítulo, as emergências podem ser
visualizadas na relação entre as condições ruins de sobrevivência de sírios e
libaneses em seus respectivos países por ocasião da dominação do Império
Turco Otomano.
Tanto pela posição geográfica, como pelas quantidades
herdadas, os libaneses, acossados pela necessidade, formavam na
primeira linha do ataque rumo ao estrangeiro, arrastando consigo,
mais tarde, por efeito de competição natural, os irmãos mais
necessitados e oprimidos na Síria, que foram os cristãos da cidade
de Homs, e gradualmente os de outros continentes além-mar. (...)234
Encaixam nessa explicação, questões como intolerância religiosa,
problemas de ordem social e econômica, geradas pela redefinição fundiária no
Império
Otomano,
em
consonância
com
a
competição
de
produtos
industrializados europeus. As conseqüências da lei de Terras Otomana de 1858,
se fez sentir na redefinição do acesso à terra, modificando as relações de
patriarcado, causando mudanças no sistema tradicional, forçando a uma
emigração para as cidades, e posteriormente para outros países.
Em
se
tratando de uma leva majoritariamente cristã, questões como intolerância
religiosa também são apontadas como causas para emigração. Nesse bojo
estavam cristãos Ortodoxos da Síria e Maronitas do Líbano.
As condições adversas geraram a necessidade da emigração em
busca de recursos para a manutenção e reprodução familiar em seus países.
Percebe-se que a emigração não se constitui de experiências somente individuais,
234
DOUN Toufic. A imigração síria-libanesa ás terras da promissão. São Paulo: Tipografia editora
árabe, 1944. p. 83
131
mas faziam parte de projetos familiares e ás vezes até de grupos de uma aldeia ou
cidade. A necessidade da emigração se justifica na manutenção do status familiar
perante a sociedade local. Isso se torna visível no cotejo da bibliografia abordada
com algumas entrevistas, nas quais, os relatos apontam para a emigração deu
membro da família, notadamente do sexo masculino e a constante remessa de
dinheiro feito por estes a seus familiares.
Os imigrantes viajaram em grupos, formando unidades
ligadas por laços de parentesco, amizade ou pela vizinhança, ou
ainda por serem naturais da mesma aldeia, cidade ou distrito.
Quando chegavam ao país de destino permaneciam juntos, salvo
nos casos de alguns terem de juntar-se a parentes ou amigos que os
haviam precedido e que os esperavam em outras localidades. E por
isso que se acham grupos radicados, naturais de uma aldeia ou
cidade, em certa Zona deste ou de qualquer outro país de
imigração.235
Nesse sentido, os primeiros a chegar ao Brasil o faziam com a intenção
de ganhar dinheiro e retornar para investir em seu país. Em vez disso, as
constantes remessas de dinheiro causaram o que Truzzi chama de processo de
realimentação do processo migratório, fazendo com que outros membros das
famílias e pessoas próximas às aldeias emigrassem para o lugar onde estavam
os primeiros que migraram. A esse respeito Clarck Knowton também cita:
Muitos sírios e libaneses vieram para o Brasil porque tinham
parentes no país, que mandaram chamá-los ou animaram-nos a vir.
E finalmente, muitos imigraram para o Brasil porque acreditavam que
o país fosse mais propício a fazer dinheiro do que outros. Emigrantes
de torna viagem, saques bancários e cartas dirigidas a pessoas nas
235
DOUN Toufic. A imigração síria-libanesa ás terras da promissão. São Paulo: Tipografia editora
árabe, 1944. p. 92
132
suas aldeias natais convenceram-nos de que o Brasil continha
grandes possibilidade financeiras.236
Destacam-se também as relações de complementaridade ocorrida na
terra hospedeira. Exemplos como a relação existente entre as famílias Mansur,
Kalix e Scaff Gattas Orro. Ou de outra forma, a atitude de Aniz Boabaid e
Toufick Affi, que mesmo não sendo da mesma cidade de Moyses Nadaf
forneceram-lhe mercadorias para iniciar suas atividades como mascate.
No capítulo 2, a abordagem sobre os projetos de imigração, colonização
oficiais no Brasil no século XIX, revelam a preferência por pessoas oriundas da
Europa. Essa preferência se justificava sobre o discurso claro de povoamento
do território, mão de obra para a lavoura e ainda seleção do perfil fenotípico da
população. Alguns políticos e intelectuais atribuía ao grande número de negros
e “mulatos” as causas do pouco desenvolvimento do país em comparação com
as nações européias. “o país necessitava naquele momento histórico, de
imigrantes que dispusessem de capacidade técnica e de capital. Nesse sentido
os grupos étnicos formados por italianos e alemães tinham maior aceitação”. 237
Num outro momento, passou-se a dar preferência por imigrantes de
origem latina, como forma de minimizar impactos culturais com a população
brasileira. Entrava em debate conceitos como aculturação e assimilação.
Acrescenta-se a estes últimos, novas discussões que incluem o conceito de
“etnicidade hifenizada” defendido por Jeffrey Lesser, como forma de explicar o
sucesso de imigrantes que não estivessem dentro do perfil desejado. As
estratégias incluíam a negociação da identidade, sem todavia, se deixar
aculturar. Estratégias notáveis foram os esforços por conseguir mobilidade
social e econômica, ora negociando suas identidades, ora as afirmando. A esse
respeito, Oswaldo Truzzi é categórico ao afirmar:
236
Referido por informantes a KNOWTON, Clark. Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial.
São Paulo: Anhambi, 1961. p. 35
237
NUNES, Heliane, Prudente. A imigração árabe em Goiás. Goiânia: Editora da UFG, 2000. p. 49
133
A pluralidade de combinações entre herança cultural e as
interações mantidas entre grupos e subgrupos étnicos e a nova
sociedade constitui um processo muito mais rico e contradiz a
noção de um padrão dominante em direção ao qual esses grupos
tenderiam a aproximar com o tempo. Os imigrantes não
necessariamente foram “assimilados”, mas construíram relações
sociais
absolutamente
sobrevivência na nova terra.
originais
como
estratégias
de
238
À guisa de conclusão, percebe-se um jogo muito bem elaborado, com
bases alicerçadas nas necessidades dos atores sociais envolvidos, sejam
nacionais ou estrangeiros. Pode-se afirmar que alguns imigrantes entenderam o
que o país almejavam e utilizaram de estratégias bem definidas para faze -los,
sem contudo abandonar a referencia do país de origem.
No tocante ao Estado de Mato Grosso, a partir meados do século XIX,
foram elaboradas várias propostas visando o crescimento populacional e
econômico da província. Os discursos de presidente de Província, e de Estado,
reforçavam a imagem de indolência da população já alardeada por viajantes e
cronistas que passaram pelo Mato Grosso. A tônica dos discursos comparava
sempre as grandes riquezas naturais de Mato Grosso, e a “falta de braços” que
as fizessem produzir. Os governantes incorporam o discurso de preguiça e
indolência da população, passando a apostar na imigração como forma de
povoar e desenvolver o Estado. Entretanto, ao contrário dos imigrantes que se
dirigiram ao Sul do Brasil, os que aportavam em Mato Grosso não contavam
com subvenções governamentais. Todas as iniciativas governamentais com o
objetivo de atrair os imigrantes falharam. Os que se dirigiram para Mato Grosso
o fossem europeus, sírios, libaneses entre outros, o fizeram espontaneamente,
sem incentivo oficial.
No capítulo 3, conclui-se que a cidade de Cuiabá vivenciava, ao modelo
do Brasil, uma busca pela “modernidade” e ansiava por “braços” que fizessem a
terra produzir e baratear custos como da alimentação. A exemplo dos discursos
238
TRUZZI, Oswaldo M. Serra. Patrícios, sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1995.
p. 228.
134
nacionais, via na imigração européia uma saída pra solucionar tanto as dificuldades
econômicas quanto traçar um perfil de população próxima ao da Europa. As
estratégias de integração traçadas pelos sírios e libaneses passaram pelo o
comércio, seja na prática de mascate, ou na abertura de lojas. Estratégias para
realizar o sonho de ganhar dinheiro e retornar as suas terras. Entretanto como o
observado nas outras regiões do Brasil, o retorno não aconteceu de maneira
generalizada.
Importante salientar, diante das evidências demográficas e, sobretudo com
o crescimento comercial da cidade e da participação destes imigrantes nesse
contexto, que a pretensão do retorno se colocava mais distante. Em vez disso, as
famílias eram trazidas para Cuiabá, para trabalharem juntas. Exemplo disso são
algumas lojas que em 1909 apareciam com um único dono. Posteriormente em 1920
já apresentavam sócios. Casos como o comércio de Miguel Mutran, que depois
passa a se chamar Mutran & irmãos, abrindo inclusive filial, ou o caso dos irmãos
César, Gabriel e Wady Saddi, cada um com suas respectivas lojas, que vieram pra
Cuiabá seguindo o trajeto já feito pelo pai Nagib Saddi.
Em Cuiabá, sírios e libaneses não constituíram territórios culturais e étnicos,
estando em contato direto e cotidiano com a população local nascida na cidade, e
com imigrantes de outras nacionalidades ali residentes. È também visível nos
imigrantes, chegados na 1ª etapa,239 a integração dos mesmos à sociedade
cuiabana. Isso se deve certamente ao sucesso econômico e social, e ao status
conseqüente dessa mobilidade, e também a uma intensa negociação das
identidades, criando novas sociabilidades, influenciando também a cultura local,
sobretudo na culinária. Outro fator de adaptação foram os casamentos inter-étnicos,
fora da colônia. Segundo os entrevistados, os casamentos ocorreram principalmente
entre os descendentes dos imigrantes. Entretanto, não foi possível chegar a um
resultado conclusivo neste trabalho.
É inegável a importância dos imigrantes sírios libaneses para o
desenvolvimento do estado de Mato Grosso. A incorporação desses imigrantes à
vida urbana da cidade é tamanha, que em tempos atuais, passa quase despercebida
239
Segundo Claude Hajjar, a imigração síria e libanesa para o Brasil se divide em duas grandes
etapas. A primeira de 186/70, até a segunda guerra mundial, de maioria cristã, e a segunda que vai
desde 1945 até dias atuais, de maioria muçulmana. Cf. HAJJAR, Claude Fahd. Imigração árabe: Cem
Anos de Reflexão. São Paulo: Editora Ícone, 1985.
135
a existência de logradouros públicos com os seus nomes, como a rua Sírio-libanesa,
Rua Toufick Affi; Praça Rachid Jaudy; Museu do Rio, Alfredo Scaff; Avenida
República do Líbano onde está localizada o clube Monte Líbano na saída para
Chapada dos Guimarães..
136
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