MARCAS DA VIOLÊNCIA – UM DIAGNÓSTICO A SER PENSADO
Transcrição
MARCAS DA VIOLÊNCIA – UM DIAGNÓSTICO A SER PENSADO
1 MARCAS DA VIOLÊNCIA – UM DIAGNÓSTICO A SER PENSADO Luci Pfeiffer Mestre e Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pelo Departamento de Pediatria da UFPR; Membro do Departamento Científico de Segurança das Sociedades Paranaense e Brasileira de Pediatria; Coordenadora Voluntária do Programa HC-DEDICA – Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, UFPR. Psicanalista de crianças e adolescentes. * INTRODUÇÃO Dentre as manifestações trazidas pela criança ou adolescente, seja de doenças ou disfunções orgânicas, podem-se encontrar sintomas ou sinais nem sempre bem definidos, que não se encaixam nas patologias habituais ou não preenchem os critérios diagnósticos mais complexos. Muitas vezes são enquadradas entre as dificuldades de relacionamento e socialização, dos distúrbios de comportamento, ou mesmo em doenças psíquicas. Considerando ser hoje o grupo das causas externas (eventos não intencionais – acidentes e intencionais – violências) a primeira causa de morte a partir do primeiro ano de vida, até os 39 anos, é preciso pensar que aqueles que sobrevivem a situações traumáticas ou vivem em condições de violência representam um numero muito maior. O tipo e a severidade da violência e de suas consequências podem variar largamente, podendo chegar à morte. No entanto, sejam quais forem as situações violentas, das mais ínfimas às de grande intensidade, a memória não só testemunha sua existência como também relaciona suas marcas com outras situações parecidas ou acontecidas simultaneamente. São registros do que se gostaria de esquecer e, aparentemente são deixados fora da consciência, especialmente quando muito marcantes ou acontecidos em idades de menor maturidade psíquica. No entanto, permanecerão ali, arquivados no inconsciente e retornando à mente independentemente da vontade ou controle, se transformando em sintomas atualizados a cada experiência que se assemelhe, mesmo que minimamente, com aqueles sofrimentos não elaborados. DA EPIDEMIOLOGIA DA VIOLÊNCIA À DE SUAS CONSEQUÊNCIAS A Organização Mundial de Saúde considera que centenas de milhares de crianças morrem a cada ano de traumas ou violência, e milhões de outras sofrem em consequência das injúrias não fatais1. Segundo o Departamento de Emergência de Avaliação do Abuso Infantil, mais de 3 milhões de casos de abuso infantil e negligência são denunciados anualmente nos Estados Unidos, atingindo um índice de 44 por 1000 crianças. No entanto, consideram que estes são apenas uma pequena parcela das vítimas que conseguiram chegar a um atendimento especializado2. Estudos internacionais mostram que aproximadamente 20% das mulheres e 5%–10% dos homens relatam terem sido abusados sexualmente quando crianças3. Em 2006, no Programa Rede de Proteção a Crianças e Adolescentes em Situação de Risco para Violência de Curitiba, foram efetuadas 3390 notificações referentes a situações de violência ou suspeita de, sendo que a faixa etária prevalente foi a de 5 a 9 anos, com 33,2% dos casos. Não houve diferença significativa entre o sexo das vítimas, sendo que em mais de 90% dos casos a violência foi praticada dentro da moradia da criança ou adolescente, por seus responsáveis, ou por aqueles com quem mantinham algum vínculo de dependência, parentesco, convivência, afeto ou confiança4 2 No ano de 2010 o Programa HC-DEDICA (Programa de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Clínicas - Universidade Federal do Paraná) atendeu 309 casos de violência cometida contra crianças e adolescentes, encaminhados pelas outras áreas da pediatria, dos Juizados da Infância e Juventude, Conselhos Tutelares, Delegacia da Criança e Defensoria Pública, por serem considerados casos de extrema gravidade5. Destes, 304 foram de natureza doméstica, permanecendo a criança ou adolescente como refém de seu agressor ou agressores. Em mais da metade dos casos, a violência começou já na gravidez, 97% das vítimas apresentavam comprometimento do estado geral. Menos de 5% apresentavam boa convivência social e mesmo familiar. Mais de 90% tinham como agressor seu(s) responsável(eis) Em todos estes casos a história de desvinculação e abuso iniciou com suas vidas6. É evidente que, quanto maior o laço afetivo ou de dependência da criança ou adolescente com o agressor, piores as consequências. Assim, as situações de violência, especialmente as cometidas pelos pais ou responsáveis, têm efeito deletério duplo na infância e adolescência, tanto pelo ato em si que vai ficar registrado na memória, independentemente da idade em que ocorra, como pela quebra do estímulo ao desenvolvimento7. A criança evolui pela observação das manifestações de satisfação do adulto por suas ações, ocorrendo o contrário quando frente à agressividade, quando passa a considerar a violência como consequente a algum erro seu ou, pior, por não conseguir ser ou fazer o que seus cuidadores dizem ou demonstram esperar dela8. Quando estes acontecimentos excedem a capacidade de compreensão e elaboração da criança e do adolescente, tanto podem ter efeitos imediatos como tardios, que repercutirão no seu modo primário de pensar e agir, bem como na sua capacidade de enfrentar outras situações de dificuldades ou estresse, para o resto de suas vidas 9,10,11 Com o crescimento, as repercussões de seus atos na sociedade e dela para as vítimas continuam, pois a violência está ligada a adultos com altos níveis de criminalidade, desordens psiquiátricas, abuso de substâncias e vida familiar persistentemente disfuncional 12. Estudos que avaliam os efeitos de longo prazo dos maus-tratos e disfunções familiares durante a infância, incluindo abuso físico, psicológico, sexual, violência contra a mãe, convivência com viciados, doentes mentais ou suicidas ou que tenham estado em prisão indicam uma maior incidência de obesidade, inatividade física, abuso de substâncias, depressão, promiscuidade sexual e tentativas de suicídio na adolescência e idade adulta13. O DANO QUE FICA Os sintomas na infância e adolescência vão apontar para um fator excessivo, além de sua capacidade de compreensão e elaboração. Podem-se perceber sinais e sintomas imediatos, que se seguem ao trauma, classificados como reações imediatas de estresse pós-traumático. A falta de maturidade psíquica e verbal e, muitas vezes, a ausência de apoio ou mesmo a conivência familiar potencializa este sofrimento, dificultando o tratamento. À falta de diagnóstico, tratamento e acompanhamento adequados, ou em situações repetitivas, que se estendem no tempo, quando da manutenção do quadro de violência, estas crianças e adolescentes passam a reagir com manifestações crônicas, variadas, orgânicas e psíquicas, levando a graus progressivos de dificuldades e déficits de desenvolvimento, atenção e aprendizado. 3 Da violência física: Muitas sequelas físicas, como consolidações viciosas de fraturas por falta de tratamento, sintomas neurológicos consequentes a hemorragias de sistema nervoso central, hipoacusia ou dificuldades visuais devidas a traumas diretos, podem ser interpretadas numa abordagem superficial, como consequentes a lesões ditas acidentais, ou de injurias não intencionais. No entanto é preciso que se tenha conhecimento dos mecanismos de lesão, histórico do trauma e avaliação geral da criança, para que se possa encontrar a real causa, inclusive as pregressas. Na análise das sequelas devem-se levar em conta os mesmos parâmetros das lesões recentes para investigação diagnóstica da causa, como: as que não seriam compatíveis com o desenvolvimento psicomotor, não justificáveis pelo mecanismo do acidente relatado, de história confusa ou inconstante, bilaterais ou simétricas, ou em vários estágios de cicatrização ou cura. Lesões não tratadas ou consequentes ao atraso na procura de tratamento por si só são indicativas de, no mínimo, negligência, ou da intenção do agressor em ocultar o dano, prolongar ou agravar o sofrimento. Deve-se levantar a suspeita de trauma intencional, considerando um diagnóstico que embora tardio, será suficiente para que o profissional da saúde desencadeie as medidas de proteção e a interrupção da violência. São sequelas tardias mais frequentes dos traumas físicos: • Tecido cutâneo: As lesões mais frequentes em caso de violência contra crianças e adolescentes são as de pele que, quando intensas, vão se transformar em marcas e cicatrizes, que devem ser avaliadas com o cuidado de se encontrar nelas as sobras da violência sofrida. Da mesma forma como na lesão aguda14, deve-se suspeitar de traumas intencionais no encontro de marcas ou cicatrizes de: o Lesões em diferentes estágios de cicatrização ou cura o Lesões bilaterais, simétricas ou em áreas habitualmente protegidas do corpo o Lesões que lembram o instrumento agressor o Lesões circulares, em forma de colar, pulseira ou tornozeleira o Mordidas com dimensão e número de dentes de um adulto o Queimaduras que não obedecem a distribuição pelo principio da gravidade, em formato de luva ou meia, em o Que indiquem tortura ou rituais de perversidade • Aparelho locomotor: As lesões de aparelho locomotor ocupam o segundo lugar em frequência na violência física, sendo grande causa de atendimento em serviços de emergência15. Guenther e colaboradores16, ao avaliar 9795 crianças, encontraram 47% de procura de serviços de emergência antes do diagnóstico de violência, quando comparados à população pediátrica em geral (27%). Pelo mecanismo do trauma, diferente das quedas e choques acidentais ou não intencionais, que obedecem a distribuição dada pela atividade frontal do ser humano e respeitam áreas naturalmente protegidas, também as fraturas e deslocamentos ósseos ou articulares provocados demonstrarão a intencionalidade. Portanto, certos tipos de fraturas consolidadas, lesões musculoesqueléticas e sua distribuição no corpo podem levantar a suspeita de violência, como: o Atrofias musculares o Encurtamento de tendões o Perda articular o Perda de mobilidade o Desvios ósseos ou articulares por consolidação de fratura sem tratamento adequado. 4 o Fraturas consolidadas, mas consideradas indicativas de trauma intencional, como em alça de balde, em espiral, de costelas em menores de 2 anos, de crânio em menores de 5 meses e outras já enumeradas no texto Indicadores de Risco, neste número. Como resultado final, encontram-se deformidades, imobilidades, paralisias, diferenças ou parada de crescimento do membro lesado, déficits e ou alterações do desenvolvimento harmônico esperado • Sistema Nervoso Central: Existem indicações que em situações envolvendo maus-tratos, o desenvolvimento cerebral pode ser fisiologicamente alterado por estresse prolongado e severo durante os primeiros anos. Tal alteração no desenvolvimento do cérebro pode afetar negativamente o crescimento físico, cognitivo, emocional e social17. Porém, além do dano indireto provocado pelas situações de violência em geral, as agressões envolvendo o crânio aparecem em terceiro lugar de frequência e são as que mais levam à morte, especialmente nos primeiros anos de vida. Quando não mortais, deixam sequelas, tanto mais severas quanto mais imaturo o cérebro e maior a violência, especialmente pela progressiva perda ou não aquisição das etapas de desenvolvimento psicomotor. O diagnóstico diferencial com maus-tratos frente a quadros neurológicos de origem obscura deve ser sempre feito e, como marcas mais frequentes, encontram-se: o Quadros neurológicos - paralisias ou paresias, consequentes a hemorragias ou lesões neuronais por cisalhamento (Síndrome da Criança Sacudida) ou por traumatismos cranianos diretos o Atrofia cortical o Hidrocefalia o Microcefalia o Áreas localizadas de atrofia de tecido cerebral pós lesionais – leucomalacia o Quadros convulsivos o Parestesias o Paralisias o Hidrocefalia o Deficiência mental As sequelas que ficam são de disfunção cerebral em suas mais variadas apresentações. • Crânio e face: A face com frequência traz as marcas da violência, não só pelo sinais de tristeza e sofrimento, mas por sinais diretos de socos, bofetões, espancamentos com mãos e objetos, lesões dentárias e outras, como: o Áreas de alopecia, por arrancamento de cabelos o Fraturas de cartilagem auricular – orelha em couve-flor o Fratura de mandíbula sem comprovação de trauma não intencional de grande impacto o Lesões de articulação têmporo-mandibular o Faltas de dentes por arrancamentos dentários • Aparelho auditivo: Nos quadros de violência contra crianças e adolescentes as lesões do aparelho auditivo tanto podem ser decorrentes da omissão do cuidar (negligência), responsável por quadros de otites de repetição ou crônicas que evoluem sem tratamento adequado, quanto por violência física, como pelo traumatismo direto. Os espancamentos que atingem a cabeça da vítima podem provocar fraturas, lacerações ou, pelo barotrauma, destruir a estrutura do ouvido médio (lesão do boxeador), levando a diferentes graus de hipoacusia, até a perda completa da audição. São danos que se manifes- 5 tam com intensidades diferentes em cada orelha e muitas vezes passam despercebidos, acompanhando a criança numa cascata de sequelas, onde as dificuldades de aprendizagem e/ou fracasso escolar seriam inevitáveis, se não diagnosticados. Como sequelas mais freqüentes tem-se: o Lacerações, perfurações de membrana timpânica o Deslocamento ou fratura dos ossículos o Fraturas ósseas o Lacerações e hemorragia de conduto auditivo o Fístulas entre regiões média e interna o Lesão de cóclea A hipoacusia ou acusia será a consequência direta de curto e médio prazo e com todas as suas repercussões no desenvolvimento neuropsicomotor, dificuldades de relacionamento, agressividade ou apatia pela falta de compreensão ou diminuição do contato do que o meio lhe oferece. Portanto a triagem para verificação da acuidade auditiva deve fazer parte não só de todos os casos de déficit de aprendizagem, como também de suspeita de violência. • Aparelho ocular: Ocorrem como traumas diretos, visando o dano da visão, ou secundários a espancamentos, ou consequentes a quedas provocadas pela agressão. O exame oftalmológico é parte vital da pesquisa de abuso, especialmente em crianças pequenas. Hemorragia de retina é um sinal que acompanha a maioria das crianças com a Síndrome da Criança Sacudida. Como sequelas de médio e longo prazo tem-se: o Cicatrizes em córnea, levando a diminuição da acuidade visual, secundárias a lacerações ou queimaduras o Perfuração de globo ocular por baurotrauma ou lesão por objeto contundente o Hifema o Hemorragia de retina o Descolamento de retina o Atrofia do nervo óptico o Catarata o Glaucoma Como consequências, podem ocorrer diminuição da acuidade visual, ambliopia, cegueira, secundárias às lesões diretas ou o esvaziamento do globo ocular. Podem levar a danos estéticos irreversíveis, compondo a máscara que aquela criança ou adolescente carregará como memória da violência sofrida para toda a vida. • Coluna vertebral: Os traumas intencionais de coluna vertebral podem levar a edema de tecido paravertebral, dor ao toque ou à movimentação, porém os de maior intensidade causam contusões, edemas, hemorragias e lacerações de tecido medular, sem que necessariamente ocorra fratura óssea. São casos de difícil diagnóstico e que podem evoluir, sem tratamento, para níveis variados de atrofia medular, com sinais progressivos de diminuição de sensibilidade e força motora, com localização de acordo ao trauma inicial. Outros achados, secundários à violência sofrida, são: déficit neurológico crescente, sensitivo ou motor, semanas, meses ou anos após o trauma e degeneração de tecido medular (mielomalácia, siringomielia). • Lesões abdominais: Os atos violentos que levam à lesão abdominal habitualmente acontecem em crianças maiores e adolescentes, que deambulam e muitas vezes tentam fugir da agressão. Correspondem a socos, pontapés, ou pisoteamento, podendo atingir vísceras maciças e ocas. 6 o o o o o o o Devem ser pesquisadas as seguintes lesões: Ruptura de vísceras Hematomas capsulados em vísceras maciças Hematoma de parede intestinal Síndromes obstrutivas decorrentes de hematomas de parede intestinal Hemorragias Micro hemorragias ou disfunções provocadas por seqüelas destas Necrose e atrofia de órgãos ou partes destes Todas estas lesões secundárias a traumas físicos devem ser investigadas com o mesmo rigor do traumatismo recente, para que sempre se avalie a possibilidade da lesão intencional. Da violência sexual: Das várias formas de violência sexual, a mais devastadora para a infância e adolescência é o incesto, onde existe o uso da criança ou adolescente para gratificação sexual de um adulto ou adolescente com maturidade psicossexual mais adiantada, tendo estes uma relação de parentesco próximo ou afins com a vítima18. Roudinesco a define como uma relação sexual sem coerção nem violação entre parentes consanguíneos ou afins adultos, no grau proibido pela lei que caracteriza cada sociedade: em geral entre mãe e filho, pai e filha, entre irmão e irmã e, por extensão à família próxima19. No entanto, deve ser avaliada a relação de desigualdade, como a de pais e filhos ou, adultos e crianças ou adolescentes, uma vez que sempre existirá uma forma de coerção e de poder, associada à inocência e fragilidade da vítima, totalmente dependente de seu agressor. Estatísticas nacionais e internacionais apontam como maiores abusadores pessoas do relacionamento direto da vítima, com as quais mantém vínculo de dependência física e psíquica, como padrastos, pai, familiares, incluindo avós, mãe, tios e irmãos5,6. Segundo Kaplan & Sadock, os pais são responsáveis pela violência contra seus filhos em 75% dos casos, seguidos por outros parentes e cuidadores20. Deve-se avaliar também a possibilidade de um relacionamento incestuoso sempre que se identificam atitudes, por parte da criança ou adolescente, de exibicionismo, ou de imposição de intimidades, desrespeito ou invasão à privacidade, muitas vezes interpretadas como naturais pelos cuidadores, que colocam aquela criança ou adolescente como propriedade exclusiva. Crianças com domínio da linguagem, com bom nível de compreensão, submetidas ao coleito com os pais, ou que são colocadas à cama para substituir a ausência de um destes responsáveis, expostas rotineiramente à nudez e às intimidades do casal, tendem a desenvolver quadros variados de déficit de atenção, agressividade e podem apresentar puberdade precoce Habitualmente são diagnósticos tardios, pelo mascaramento desta relação abusiva, com sintomas de angustia e ansiedade, advindos da incapacidade da criança em suportar a invasão velada de sua sexualidade. Mostram-se como pessoas equilibradas e de boa intenção, mas que colocam a criança como seu objeto de satisfação principal. As apresentações do abuso sexual variam desde a imposição de intimidades progressivas, exibicionismo, erotização precoce, fetichismo, pornografia, até os atos sexuais diretos, como carícias, manipulações de genitália, sexo oral, penetração anal e vaginal, que vão desestruturar a formação da personalidade e sexualidade da criança ou adolescente. Expostos a estímulos que não conseguem compreender, vão se deixando seduzir pelo abusador, aceitando suas aproximações por considerar formas normais de atenção. O agressor se torna 7 cada vez mais insistente e mais invasor, a criança se vê escrava daquele senhor, se sentindo culpada por não conseguir escapar, nem denunciar, aterrorizada pelas ameaças utilizadas pelo abusador. A lei brasileira não tipifica como crime as relações incestuosas, cabendo o crime de estupro de vulnerável para qualquer ato sexual contra crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos. Mas uma lei simbólica, que instituiu um dos dois pilares para a formação de uma sociedade - a proibição do canibalismo e do incesto - rege a lei entre os homens21. Nenhum pai ou mãe, ou adulto cuidador ou responsável pode basear a sua defesa alegando não saber que o incesto é proibido pelas leis da cultura e da sociedade. Na exploração sexual, tem-se o uso da criança ou adolescente para fins sexuais intermediado por um terceiro, visando lucro para si e deve-se avaliar não apenas a exploração comercial direta, mas também as famílias coniventes que trocam o silêncio frente ao abuso por uma situação de maior conforto, sustento ou privilégios financeiros ou sociais. Como danos secundários, têm-se todas as manifestações psicológicas advindas de estímulos que excedem sua capacidade de elaboração. o o o o o o Como consequências diretas do abuso sexual tem-se: Erotização precoce, levando a desvios da sexualidade Dificuldades de relacionamento social pela masturbação descontrolada e compulsiva Doenças sexualmente transmissíveis Abortos clandestinos e suas consequências físicas e emocionais Gravidez não desejada Filhos de consanguíneos A imposição de atividade, com fins sexuais, ao corpo e psiquismo impúberes pode desencadear distorções da estrutura da personalidade e uma total desvalorização de si mesmos, procurando muitas vezes outros parceiros sexuais fora de casa, numa tentativa de interdição do abuso. Deixa marcas na estruturação do psiquismo infantil, com tendência a distúrbios do desenvolvimento da sexualidade, com graves repercussões na pós puberdade, como : o Aumento, diminuição e até mesmo ausência de desejo sexual o Fobia sexual e aversão o Dor à atividade sexual o Frigidez o Ausência ou perda de orgasmo o Disfunção erétil o Ejaculação precoce o Impotência Como desvio da sexualidade, dentro de uma progressão para as perversões ou parafilias, com classificação pelo DSM IV TR 2423, é possível encontrar: o Promiscuidade o Exibicionismo o Fetichismo o Uso de pornografia o Voyeurismo o Homossexualidade o Transexualidade o Travestismo o Sadomasoquismo o Pedofilia 8 Da violência psicológica: Aquilo que excede a capacidade de compreensão e elaboração pela criança ou adolescente deixará marcas, nem sempre evidenciáveis ou claras o suficiente para que sejam relacionadas diretamente a situações de violência. Não existiriam, portanto, padrões característicos de sinais e sintomas consequentes à violência psicológica em sua forma isolada ou à que acompanha todas as outras apresentações de abuso na infância e adolescência. O que é certo é que esta criança irá reagir, com maior ou menor intensidade, às agressões sofridas e a escuta atenta e a observação criteriosa daquilo que ultrapassa o esperado para sua idade e desenvolvimento é o que trará o diagnóstico, bem como o caminho para seu tratamento. Exposta a um excesso, a criança reagirá na dependência de sua idade e capacidade de expressão, exteriorizando o sofrimento através de sinais e sintomas secundários. São estes sintomas, variados e multiformes, em todas as faces de seus relacionamentos que habitualmente vão perturbar os adultos, sejam eles os próprios agressores ou os que fazem parte de seus ambientes familiares, comunitários ou sociais. Surgem como transtornos das funções normais de seu corpo, nos distúrbios do sono, na dificuldade de concentração, eliminação descontrolada de urina e ou fezes, alterações do apetite como a inapetência ou fome exagerada, distúrbios da fala, alterações dos movimentos ou fixações em estereótipos. Nas relações com os outros e consigo mesmo as vítimas de violência podem assumir comportamentos delinquentes e de autodestruição, que devem ser interpretados como sua desistência de um futuro junto ao mundo adulto. o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o São manifestações secundárias ao dano psíquico: Comportamentos extremos de apatia ou agressividade, isolamento Irritabilidade ou choro frequentes sem causa aparente Reações exageradas à contrariedade Medos de difícil explicação Sinais de ansiedade ou medo constantes Sensações de angústia como taquicardia, episódios de falta de ar (síndrome do Pânico?) Dificuldade de socialização Perda de aquisições neuropsicomotoras e ou afetivas, regressão Atraso do desenvolvimento psicomotor Déficit de aprendizagem, fracasso escolar Déficits na fala, gagueira. Alterações do humor Alterações do apetite Dificuldades do sono Cansaço crônico Apatia e desinteresse pelas atividades habituais Enurese Encoprese Comportamento hiperativo Deslocamento da atenção Sem interrupção da violência e sem tratamento, os sintomas evoluirão para dificuldades do dormir, com insônia, pesadelos e terror noturno; da dificuldade de concentração para a diminuição de memória, dificuldade de aprendizagem, fracasso escolar e apatia. A enurese, segundo o DSM IV TR, é a eliminação de urina (involuntária ou intencional) na cama ou na roupa em crianças acima de cinco anos, com frequência de duas vezes por semana por 9 um período mínimo de 3 meses, com sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, acadêmico ou em outras áreas importantes para o indivíduo, excluídas causas orgânicas ou medicamentosas23. . Por outro lado, Winnicott a considera como uma perturbação mais ou menos grave do desenvolvimento afetivo Para este autor e outros da área da psicanálise, pode desaparecer espontaneamente e reaparecer na puberdade sob a forma de poluções noturnas e se transformar mais tarde em ejaculação precoce24. O que se tem de concreto é que a enurese aparece como sintoma comum em vítimas de violência, especialmente a doméstica, causando-lhes extremo constrangimento e oferecendo aos abusadores mais um motivo para sua depreciação e mau-trato. Quanto à encoprese o DSM IV TR define como a repetida evacuação de fezes em locais impróprios, involuntária ou intencional, ao menos uma vez por mês, por um período mínimo de três meses, excluindo-se causas orgânicas ou medicamentosas. Também sintoma comum em situações de abuso na infância e adolescência, a encoprese parece fazer parte de um quadro de extremo masoquismo, onde a criança oferece ao mundo adulto um motivo real para o seu mal querer, ou uma forma sádica de agredir de alguma forma, mesmo com alto custo pessoal, estes que não conseguem protegê-la ou respeitá-la. Pode evoluir para disfunções intestinais severas, com longos períodos de obstipação, seguido de dias de diarréia, não deixando nunca esquecida esta região do corpo. O CID 10 e o DSM IV- TR também enumeram sinais e sintomas em vários tipos de transtornos, oferecendo-lhes nomes e instituindo síndromes, como quando classifica os transtornos de humor, de ansiedade, de comportamento como de devidos a uma condição médica geral, como doenças degenerativas, cerebrovasculares, processos tumorais e outros, raros na infância, como de causa idiopática, ou transtornos primários23. A Classification Francaise Des Troubles Mentaux De L'enfant Et De L'adolescent (CFTMEA) R-2000 em seu eixo I: Categories Cliniques, classifica igualmente nesta rubrica as manifestações mais duráveis de distúrbios de comportamento na infância e adolescência. Ressaltam, porém, que o caráter patológico não pode ser afirmado em todas as situações de alterações comportamentais, como por exemplo em certas dificuldades escolares que parecem ter relação com outros fatores precursores (orientação, pedagogia) ou certos aspectos originais da personalidade da criança ou adolescente. São diagnósticos nomeados como angústias, rituais, momentos depressivos, conduta de oposição, de isolamento, dificuldades escolares, retardos ou regressões transitórias e os aspectos originais da personalidade25. O comportamento hiperativo é queixa comum, muitas vezes o motivo da busca ao tratamento, por pais e professores, que comungam a imagem construída da criança que “nasceu assim, difícil de ser controlada”. Kaplan e cols26 consideram que crianças que sofrem abuso físico se comportam em geral de forma agressiva e têm tendências a serem hipervigilantes e responderem de forma exagerada aos estímulos. A hiperatividade pode representar mais um sintoma da dificuldade de contenção pela criança de seu corpo e de seus impulsos exacerbados pela violência. Harris e cols27 afirmam que a exposição à violência tem seu papel nocivo no desenvolvimento de milhões de crianças. Sem diagnóstico, essas crianças têm um risco aumentado de fracasso escolar, ansiedade e depressão, bem como abuso de drogas e, na vida adulta, reprodução da violência sofrida. A falta de concentração e memória, outro motivo de consultas psiquiátricas das vítimas de maus-tratos e de indicação de psicofármacos que, embora preencham os critérios das tabelas internacionais para transtorno de déficit de atenção, fazem parte da lista das manifestações secundárias da violência, em especial a doméstica. A submissão a um estado de permanente ameaça e angústia prenunciada leva a uma condição de expectativa constante e um deslocamento da atenção, que não estará facilmente disponível para situações rotineiras e sem risco. 10 o o o o o o o o o Como evolução dos danos psíquicos, tem-se: Anorexia nervosa Bulimia Insônia, pesadelos, terror noturno Tiques ou manias Transtornos dos aparelhos excretórios Transtornos da sexualidade Atraso global do desenvolvimento Delinquência Auto-destrutividade − Drogadição − Comportamento de risco − Lesões factícias − Automutilação − Tentativas de suicídio Dos sintomas digestórios à progressão para a anorexia, onde o indivíduo “passa a comer a si mesmo”, com o uso da região oral como seu objeto de prazer masoquista constante, à obesidade, ingerindo quantidades absurdas de alimento e, na bulimia, o prazer inverso na eliminação de tudo que conseguiu colocar dentro de si. Para o adulto que carregará o sofrimento infantil não elaborado em sua vida diária, nos caminhos dos fracassos e frustrações, fica o risco dos distúrbios de comportamento e doenças mentais, como: o Manias o Depressão o Neuroses o Psicoses o Obsessões o Perversões sexuais COMENTÁRIOS FINAIS A mente humana, especialmente em seres em desenvolvimento, aceita o que recebe de seu meio familiar como a maneira normal de viver, e se adaptará ao estímulo positivo como também ao negativo. O estresse crônico hipersensibiliza as respostas neurais e super desenvolve as regiões do cérebro envolvidas com as respostas à ansiedade e ao medo. Irá focar suas forças na sobrevivência e viver em persistente estado de ameaça antecipada para qualquer direção28. Quando a vítima passa a reproduzir as agressividades que lhes são infligidas, ou não responde aos requisitos esperados pelo mundo adulto, passa a ser ré e culpada de todas as suas más condutas. Imputando-lhe toda a responsabilidade de seu comportamento, como se tivesse “nascido assim”, ela incorpora também a culpa e desresponsabiliza o seu agressor, cristalizando em si a pobre imagem que fazem dela. Com a piora do quadro, não apenas seus agressores não lhe darão lugar, mas todos os que não têm capacidade de interpretar seus sintomas. A procura comum para atendimento é para que se controlem os sintomas e o desconforto causado pela vítima. No entanto, os sintomas que mobilizam, ou incomodam o mundo adulto, na verdade representam para a vítima seu modo de escape e demonstração do sofrimento. A urgência do tratamento deve ater-se às suas raízes e não na necessidade imediata de controle daquilo que a criança consegue manifestar. Muitas vezes é este sintoma que mantém seu equilíbrio psíquico e sua 11 retirada simples, com a manutenção da violência ou de suas memórias não elaboradas, pode provocar um deslocamento do sintoma para outra área, colocando-a em situações de angústia crescente e de maior risco. Deve-se ter muita cautela e não se passar a diagnósticos superficiais, baseados em enquadramento dos sinais de ansiedade apresentados em listas de protocolos massificados, elaborados pela queixa do adulto e não pela escuta e observação da criança. É fundamental que o profissional que atue na área da infância e adolescência evite ser um instrumento a mais de violência, imputando-lhes diagnósticos precipitados e oferecendo tratamentos medicamentosos para distúrbios de comportamento, que nada tem de orgânico em sua origem. Surge assim mais uma forma de violência, que chamo de Violência Química, imposta hoje em dia por profissionais da saúde e educação, na ânsia de controlar os sintomas da criança ou adolescente que incomodam o mundo adulto, parte violador, parte intolerante e impaciente, sem que primeiro se avalie as suas causas e a real necessidade de tratamento. As marcas da violência devem ser identificadas como tal, para que se possa agir frente à proteção da criança ou adolescente, bem como instituir o tratamento adequado, e não ser partícipe na cronificação dos sintomas. REFERÊNCIAS 1. Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA et al. World report on child injury prevention. World Health Organization 2008 2. J AM. Evaluation of child abuse. Emergency medicine clinics of North America. Volume 17, number 3, August 1999 3. Butchart A, Harvey AP Harvey et al. Preventing child maltreatment: a guide to taking action and generating evidence. World Health Organization and International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect. Toronto, Canadá, 2006 4. SMS Curitiba. Relatório. Banco de Dados, Rede de Proteção, SMS – Curitiba. 2007 5. HC DEDICA. Relatório 01/2008. Departamento de Pediatria. UFPR. 2009 6. Pfeiffer L. Método de Classificação da Gravidade da Violencia contra Crianças e Adolescentes. Tese de Doutorado defendida em 2011, pela UFPR. 7. Pfeiffer L, Cardon L. Violência contra crianças e adolescentes: do direito à vida. In: Os vários olhares do direito da criança e do adolescente. Coleção Comissões. Curitiba. Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná; 2006. p 105. 8. Kaplan H., Sadock B., Grebb J. Problemas Relacionados ao Abuso ou Negligência. In: Kaplan e SadocK, Compêndio de Psiquiatria. 9.o edição. Porto Alegre. Artmed Editores; 2007. p.943. 9. Nancy D. Kellogg, MD and the Committee on Child Abuse and Neglect. Evaluation of Suspected Child Physical Abuse. PEDIATRICS. Vol. 119 No. 6, June 2007. pp. 1232-1241 10. Cardon L., Pfeiffer L. Conseqüência dos traumas na Infância e Adolescência. In: Crianças e Adolescentes Seguros – Um Livro para Pais. Sociedade Brasileira de Pediatria. Publifolha: 2006. 11. Brown GR, Anderson B Psychiatric morbidity in adult in patients with childhood abuse. Am J Psychiatry 14855-61, 1991 12. Elitti VJ et al. Relationship of childhood abuse and household dysfunction to many of the leading causes of death in adults: the adversechildhood experiences (ace) study. American Journal of Preventive Medicine, 1998, 14:245–258. 12 13. Pfeiffer L, Waksman R D. Violência contra crianças e adolescentes. Manual Segurança da Criança e do Adolescente. SBP. Nestlé. São Paulo. 2004. 14. Forlin E, Pfeiffer L. Maus-tratos na Infância e Adolescência. Programa de Atualização Médica Continuada à Distância – PROATO. Artmed/ Panamericana Editora Ltda. Porto Alegre. 2004 15. Guenther, Kunight S, Olson L, Dean M, Keenan T. Prediction of Child Abuse Risk from Emergency Department Use.The Journal of Pediatrics, Volume 154, Issue 2, February 2009, Pages 272-277. 16. Butchart A, Harvey AP Harvey et al. Preventing child maltreatment: a guide to taking action and generating evidence. World Health Organization and International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect. Toronto, Canadá, 2006. 17. Chemama R. Dicionário de Psicanálise.Imago. 1995:105 18. Roudinesco E, Plon M. Dicionário de Psicanálise. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro.1998 19. Kaplan & Sadock. Problemas relacionados ao abuso e negligência. In: Compêndio de Psiquiatria. 9. Edição. Porto Alegre. Artmed Editores; 2007. p 940. 20. Freud S. Totem e Tabu. Buenos Aires. Amorrortu Editores. 1980. 21. Cavaiola AA, Schiff M Behavioral sequelae of physical and/or sexual abuse in adolescents. Child Abuse Negl 1997.12:185-188. 22. American Psichyatric Association. Diagnosis and Statistical Manual of Disorders23. 4th ed. Waschington, 2000 23. Winnicott DW. Contribuition à une discussion sur l’ énurésie. Lénfant, la psyché et le corps.Paris. Éditions Payot & Rivages. 1999: 203-09 24. Classification Francaise Des Troubles Mentaux De L'enfant Et De L'adolescent. CFTMEA R2000 25. Kaplan & Sadock. Problemas relacionados ao abuso e negligência. In: Compêndio de Psiquiatria. 9. Edição. Porto Alegre. Artmed Editores. 2007,1317 26. Harris WW, Lieberman AF, Marans S. In the best interests of society. J Child Psychol Psychiatry. 2007 Mar-Apr;48(3-4):392-411 27. The Royal College of Psychiatrists. The British Journal of Psychiatry. UK. 2008. 192: 73-74 13 AUTOAGRESSÃO COMO FORMA DE VIOLÊNCIA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Luci Pfeiffer * Mestre e Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pelo Departamento de Pediatria da UFPR; Membro do Departamento Científico de Segurança das Sociedades Paranaense e Brasileira de Pediatria; Coordenadora Voluntária do Programa HC-DEDICA – Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, UFPR. Psicanalista de crianças e adolescentes Leo Cardon * Médico, Psicanalista, Coordenador voluntário do Programa em Saúde Mental do HC DEDICA – Programa de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Universidade Federal do Paraná Auto agressão Na infância e adolescência poderia se separar as formas de violência em: violência doméstica ou intra familiar, violência extra familiar e, a violência auto infligida, esta última sempre consequência das primeiras. São crianças e adolescentes com comportamentos de auto agressividade e que chegam a se expor à morte, algumas vezes com êxito em seu propósito desesperado de acabar com seus sofrimentos e angústias. Viver o pouco tempo que passamos entre o nascimento e a morte – e vivê-lo da melhor forma possível – deveria ser o objetivo lógico de todos os seres humanos. No entanto, existem pessoas que, além de não se dedicarem a obter o melhor para si, também parecem fazer coisas que lhes trazem danos, físico, emocional ou ainda prejuízos materiais. Não escapam a esta forma de violência as crianças e adolescentes, que buscam atitudes e comportamentos desafiadores ou de risco, levando-os a uma maior incidência de danos ainda, provocando constantemente a ira dos adultos e os castigos. Habitualmente vistos como sujeitos de azar, ou, desobedientes e até mesmo delinquentes, envolvem-se em situações traumáticas ditas acidentais com muita frequência, ou com grupos de comportamentos de risco ou fora das leis dos costumes e tradições familiares ou sociais. Tanto pais como estas vítimas de si mesmo não conseguem associar os fatos danosos consequentes como originários de suas escolhas, demonstrando sua origem inconsciente e portanto, inacessível em condições normais do dia a dia. É como se houvesse uma falta de registro daquilo que os prejudica ou os coloca em risco, levando à repetição dos mesmos erros. Define-se a autoagressão na infância e adolescência, como a busca de forma constante, objetiva, inconsequente e progressiva, de situações de risco, ou da execução das atividades rotineiras de maneira frequentemente perigosa, ou ainda, pela necessidade, habitualmente inconsciente, de causar dor a si mesmo, sendo seu grau máximo, o suicídio. É possível interpretá-la como forma de violência que se destina a uma autopunição, necessidade esta gerada por culpas de situações negativas vivenciadas, seja na violência direta, nos conflitos entre os pais ou responsáveis e a criança ou adolescente, ou de forma indireta, na participação como testemunhas ou também vítimas das dificuldades de relacionamento entre o casal parental ou familiares e entes queridos próximos. São crianças e adolescentes que trazem consigo as marcas do sofrimento, pois acreditam não serem suficientes para o amor dos pais, ou, de alguma forma, são levados a crer que são causa dos fracassos e frustrações de seus antecessores. 14 Nas situações de violência familiar ou de gênero, os filhos envolvidos nas situações de violência de casais em conflitos constantes, acreditam, desde muito pequenos, que eles são a causa das desavenças. As mudanças no contexto familiar, como por exemplos, a vinda de um irmão ou irmã, separação do casal, influência negativa e ou invasiva de familiares podem levar a sensações normais de desamparo e sofrimento. Se estas sensações encontram acolhimento e escuta dos pais, sem reações agressivas, mas sim de compreensão e reforço das posições materna e paterna, aquela não passará de questionamentos e colocação de sentimentos que se farão transitórios. No entanto, situações de desamparo que se repetem, trarão à criança a sensação de falta de lugar e desamor. Também as crises graves ou constantes de violência familiar, ou ainda de alterações drásticas do ambiente familiar, como nas separações do casal, sem que haja um cuidado e proteção extra com o bem estar físico e psíquico da criança ou adolescente, poderão lhes deixar marcas de sofrimentos profundas. São ansiedades e angústias que restarão guardadas em suas memórias, determinando uma vasta possibilidade de maltrato a si mesmo, como um castigo supostamente merecido pela sua impotência em resolver a situação de violência que testemunharam ou também sofreram e de insuficiência, como objeto de amor. A autoagressão caracteriza-se por atitudes e condutas marcadamente desarmônicas, envolvendo várias áreas de funcionamento, como por exemplo, da afetividade, da excitabilidade, controle de impulsos, modos de percepção e de pensamento, levando a estilos distorcidos de relacionamento com os outros e consigo mesmo. O fracasso de aprendizagem, a delinquência, drogadição, distúrbios alimentares extremos como a anorexia, bulimia e obesidade mórbida são formas doentias de violência contra si mesmo e seu tratamento terá mais chance de sucesso se for buscar e reparar as reais causas da necessidade de destruição. Desejo de morte O que leva alguém a desistir completamente da vida e ainda, quando no início desta, quando deveriam ter muitas esperanças e planos de evolução, como uma criança ou adolescente? Mesmo na infância e adolescência, o ser humano pode usar sua vontade para resolver se continua ou não vivendo e, as situações de desespero e desamparo a que são submetidas, podem ser extremas a ponto de escolherem desistir da vida. Entre as motivações mais comuns, as grandes perdas e o desamparo, sejam por dificuldades e conflitos familiares, fracasso ou ausência de metas, as grandes injustiças, incertezas ou induções à distorção da sexualidade, honra ou dignidade, ou ainda por não conseguir satisfazer as expectativas próprias ou alheias, e assim por diante. Na infância e adolescência, são atos extremos, habitualmente de muitas tentativas anteriores, elaboradas através do que assistem em filmes, novelas, noticiários e buscam na internet, muitas vezes com ingestão de super doses de medicação psicoativa de pais que se colocam como portadores de distúrbio de comportamento ou de humor. Nem sempre o desejo da morte vem associado de acabar com a vida, mas sim de uma solução para acabar com algum sofrimento insuportável e este desejo da morte não costuma aparecer de repente, mas vai se mostrando nas atitudes de auto agressão e exposição a riscos progressivas, como pedidos de atenção e socorro. Nem sempre os motivos que levam às tentativas de suicídio são evidentes e a idéia de marcar um encontro com a morte pode ser uma saída para problemas crônicos de relacionamentos familiares. 15 O suicídio na infância acontece especialmente entre crianças submetidas a formas constantes de violência grave, seja física, psicológica, seja por alienação parental, seja por abandonos, omissão do cuidar ou por abuso sexual, especialmente quando doméstica. A maioria dos estudiosos considera o fenômeno raro, mas hoje se crê que os números publicados não correspondem à realidade, seja por ocultamento de dados, seja por falta de diagnóstico da causa da morte. Isso forma a falsa idéia de que o suicídio infantil é raro, ou que as causas mais comuns das mortes violentas são acidentais. Na puberdade podem intensificar-se as atitudes de risco e também as tentativas conscientes de suicidar-se, pois o seu ideal de ser ainda é distante de suas realizações futuras, e os sonhos de vida plena ainda estão em vias de construção. A fragilidade psíquica do adolescente, em geral, o impede de opor-se àqueles a quem dá alguma importância fora da família, especialmente se participam de sua vontade de se contrapor aos valores familiares, para fazer valer sua identidade como única, o leva a cultuar quem se põe a desvalorizá-los. Busca grupos fora da família para expandir sua visão de mundo e de ser, mas, pertencer a um grupo tem um preço, tanto para entrar, como para permanecer.preço para aceitá-lo. Alguns propiciam uma convivência normal, mas, existem os que cultuam a violência, o machucar a si mesmo e aos outros como ritual de iniciação. Há também aqueles que cultuam a morte: há sites na internet sobre o tema, explicando e orientando com detalhes a melhor forma de se matar – com dor ou sem dor, de forma rápida ou lenta, silenciosa ou tragicamente. Algumas crianças ou adolescentes submetidos a situações de conflitos e desamor durante seu período de desenvolvimento, poderão perpetuar este lugar negativo oferecido pelos seus pais ou responsáveis, ou nem oferecido, procurando sempre a posição de vítima nas escolhas de suas vidas. Como conseqüência, buscam, sem se darem conta, um jeito triste de viver! Demonstram dificuldades na luta pelo que desejam, como se a mola que impulsiona a busca do que se quer, estivesse travada. Mostram-se tímidos e resignados, como se nada valesse a pena, e aparentam falta de ambição e de agressividade na luta pela vida. São diagnosticados como pessoas sem auto-estima, ou sem determinação, mas também se poderia dizer que permanecem à espera de serem ajudadas pelos outros ou despertar nestes piedade ou culpa pelas suas dificuldades ou impossibilidades, e não se inibem em atribuir automaticamente a um terceiro, a culpa pelo que fazem consigo mesmas. São as crianças e adolescentes, por exemplo, que sempre estão a colocar no irmão, amigo ou mesmo professor, a causa de seus insucessos, seja no estudo, seja nas ações de irresponsabilidade, seja nos fracassos de relacionamentos. E muitas vezes têm a cumplicidade dos pais, que consciente ou inconscientemente desejam se ver livres deste que consideram um pesado fardo. É preciso lembrar que nem todos tem a capacidade de manter a alegria de viver – o que muitos imaginam como aspecto comum, na verdade é um privilégio, construído desde antes do evento do nascimento, quando a família e a comunidade criam o lugar que vai acolher o bebê. Da ameaça à passagem ao ato agressivo: Quem ameaça se suicidar deve ser levado a sério e nunca se pode tomar uma ameaça dessa natureza apenas como desculpa para chamar a atenção ou como mera bravata. É preciso rever a convivência familiar, a história deste filho desde sua idealização, concepção, nascimento e desenvolvimento e, que lugar está sendo oferecido a ele. È tempo dos pais e responsáveis reverem suas histórias como filhos, de seu relacionamento conjugal, do desejo de filiação e da gravidez, e como foi recebida esta criança, e tentar encontrar ali traços de repetição ou motivos de intolerância para com o filho. 16 É mais fácil acreditar que se deu tudo ao filho, que ele recebeu mais ainda do que precisava, e permanecer cego frente a identificação de atos de auto destruição e de extremo de desespero. Ressentimentos, sentimentos de ingratidão e raiva não irão ajudar. Concluindo, há que se saber que não existem medidas totalmente eficientes de supervisão e controle de uma criança ou adolescente e, se o motivo das auto agressões ou mesmo da desistência da vida persiste. A busca do castigo, do fracasso ou ainda, da morte como solução definitiva ou como prova final do sofrimento não reconhecido ou minimizado, irá ser pensada novamente. É preciso que se possa rever a história de cada um da relação familiar, sem reservas ou preconceitos, na busca do que faltou ou sobrou neste relacionamento e por onde haveria possibilidade de outro caminho. O acompanhamento dedicado e prolongado de especialistas na infância e adolescência, como o pediatra, além do psicólogo, ou psicanalista e psiquiatra, é indispensável, tanto para a vítima como para seus pais. 17 ÁLCOOL NA ADOLESCÊNCIA Paula Cristina Ranzini * Médica Pediatra.Plantonista da UPA Hospital Israelita Albert Einstein Morumbi. Assistente de Ensino PS Infantil Hospital Santa Marcelina Itaquera. Membro do Departamento de Emergências da SPSP O álcool é uma das drogas de abuso mais comuns na nossa sociedade. Ele começa a ser usado por muitas pessoas quando ainda são crianças e adolescentes. É ilegal a venda e consumo de bebidas alcoólicas antes dos 18 anos sendo, porém, frequente o uso antes desta idade. Quanto mais cedo o início do uso do álcool pelos jovens, maior será o risco de problemas durante a vida: envolvimento com a violência, comportamento sexual de risco, abuso de outras drogas, baixo rendimento escolar além de outros comportamentos prejudiciais. A adolescência é uma idade de particular vulnerabilidade ao consumo de álcool. A prevenção do consumo de álcool entre crianças e adolescentes deve levar em conta diferentes fatores aos quais eles responderão nas mais diversas situações (curiosidade, rito de passagem, desejo de aventura, excitação, afirmação nos grupos sociais etc.). Estatísticas dos EUA estimam que 11% dos adolescentes com menos de 21 anos consomem álcool, sendo que 40% dos estudantes da “high school” já tiveram contato com bebidas alcoólicas e destes, 25% em “binge drink” (4 ou mais doses por ocasião). Números impressionantes de adolescentes alcoolizados se envolvem em acidentes automobilísticos fatais: 2.000/ano e que dão entrada em departamentos de emergência: 150.000/ano. No Brasil, o Relatório Brasileiro sobre Drogas publicado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) de 2009, constatou que 15% dos jovens de 12 a17 anos já tiveram contato com o álcool. Crianças a partir dos 12 anos chegam ao Pronto atendimento com sinais clínicos de intoxicação que levam a hipoglicemia, desidratação, insuficiência respiratória e até coma, necessitando de suporte hemodinâmico e ventila tório. Além do tratamento clínico, estes pacientes requerem encaminhamento para avaliação psicológica e psiquiátrica. No Hospital Israelita Albert Einstein, o NEAD (Núcleo Einstein de Álcool e Drogas) dá todo amparo às famílias e à criança ou adolescente. Chama a atenção, o fato de serem crianças e adolescentes com orientação familiar, de diversos grupos socioeconômicos que muitas vezes se intoxicam em casa antes de irem para festas, no famoso “esquenta”. Cabe ao médico que atende estes pacientes orientar a família, a criança ou adolescente dos riscos do álcool tanto do ponto de vista de doença na intoxicação aguda e do que isto pode ocasionar para ela e todos que estão a sua volta: amigos, famílias e sociedade. Todos têm um papel fundamental na orientação sobre os efeitos deletérios do uso precoce do álcool. 18 RECÉM-NASCIDO FILHO DE MÃE ADOLESCENTE USUÁRIA DE DROGAS Departamento de Bioética da Sociedade de Pediatria de São Paulo Relatores: Simone Brasil de O. Iglesias e Mário Roberto Hirschheimer A admissão de parturientes adolescentes drogaditas nas unidades materno-infantis traz conflitos quanto à responsabilidade pelo seu recém-nascido (RN) e pela própria mãe adolescente. A exposição pré-natal a drogas pode implicar em prejuízo no desenvolvimento do concepto, comprometendo-o física, intelectual e emocionalmente. Portanto, ambos podem ser considerados em situação de vulnerabilidade. Como garantir segurança a esse RN após a alta? Pais drogaditos têm autonomia em relação aos seus filhos? A notificação dessa situação fere o princípio ético do sigilo? Esses dilemas trazem à reflexão as referências bioéticas de beneficência, autonomia e justiça e como conduzi-las frente aos melhores interesses da criança. Considerando que o Código de Ética Médica, nos seus artigos 73 e 74, veda ao médico revelar fato de que tenha conhecimento no exercício de sua profissão, salvo por motivo justo ou dever legal, mesmo se relacionado a menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que ele tenha capacidade de discernimento, salvo quando sua não revelação possa acarretar dano ao paciente, ponderamos: • Segundo o Artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o RN possui personalidade civil e é sujeito de direitos referentes ao dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar-lhe o direito à saúde, colocando-o a salvo de toda forma de negligência e violência. Quando exposto às drogas na vida intrauterina, ele pode ser considerado vítima de violência por negligência, mesmo que não intencional e não consciente. • Como, de acordo com o Artigo 4° do Código Civil de 2002, drogaditos (mesmo os maiores de idade) e adolescentes são relativamente incapazes de exercer atos da vida civil e os Artigos 13 e 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinam o dever legal de comunicar o Conselho Tutelar, o Ministério Público ou a Vara da Infância e da Juventude da situação de vulnerabilidade deste RN e de sua mãe adolescente, objetivando o benefício de ambos, esta notificação não pode ser considerada quebra de sigilo. • A situação de RN filho de mãe drogadita deve ser submetida a processo de perda ou suspensão do poder familiar por parte dela na Vara da Infância e Juventude da região de sua moradia, de acordo com o Artigo 24 do ECA. • Por decisão judicial, se o genitor (pai) for conhecido, maior de idade e capaz, ele pode ser considerado responsável pela guarda de seu filho, assim como os pais ou responsáveis de adolescentes drogaditos podem ser considerados responsáveis pela guarda de seu neto. Na falta deles, a Justiça da Infância e Juventude deve nomear um tutor. 19 PAPÉIS DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE E DOS PAIS NA PROMOÇÃO DA SEGURANÇA Danilo Blank * Professor Associado do Departamento de Pediatria e Puericultura da Faculdade de Medicina da UFRGS; Membro do Departamento Científico de Segurança da Criança e do Adolescente da SBP. Uma mancha roxa na canela, uma esfoladura no cotovelo, um galo na testa: fatos corriqueiros na vida de toda criança. No imaginário popular, são acidentes – eventos que simplesmente acontecem – de repente, sem querer, imprevisíveis. Eventos desagradáveis, mas que não costumam ter maiores consequências e são até vistos como “normais” no processo do desenvolvimento da criança. Do ponto de vista médico, o que mais importa são os danos físicos que esses eventos traumáticos ocasionam, comumente chamados de lesões, traumas ou injúrias físicas. Mas todo acidente ou violência também pode ter consequências psicológicas. A moderna ciência do controle das injúrias físicas mostra que não existem “bons acidentes”. Todo traumatismo físico é causado pela quebra do equilíbrio entre os sistemas de defesa da vítima e um sem-número de riscos que qualquer ambiente pode apresentar, através da liberação de algum tipo de energia. Essa energia pode ser mecânica (transmitida por automóveis, motos, bicicletas, armas, brinquedos, cordas, mordidas de animais e todo tipo de quedas e trombadas), térmica (fogo e objetos quentes), química (envenenamentos por medicamentos ou produtos de limpeza, animais peçonhentos), elétrica (choques) e até radiação. Esse desequilíbrio é consequência negativa da falta de medidas de proteção entre a criança e o ambiente e – muita atenção – pode ser intencional (quando existe intenção de ferir, configurando a situação de violência ou maus-tratos) ou não. Acidente tem causa, origem e determinantes epidemiológicos como qualquer doença e pode ser evitado ou controlado por meio de medidas de prevenção adotadas antes (primárias), no momento (secundárias) ou depois dele ocorrer (terciárias). Prevenção primária: tenta evitar a ocorrência dos acidentes e, se possível, da transferência de energia à vítima em quantidades que excedam seus limiares de tolerância. Prevenção secundária: envolve um sistema efetivo de atendimento aos feridos e cuidados hospitalares. Prevenção terciária: trata de auxiliar (reabilitar) a vítima a voltar ao seu potencial máximo de antes do evento traumático, com o menor grau de deficiência. Os conhecimentos atuais de epidemiologia (estudo da distribuição do risco de acidentes entre populações de crianças), da biomecânica (avaliação da transferência de energia) e do comportamento (busca de caminhos efetivos para uma vida mais segura) são capazes de explicar como e por que acontece cada tipo de evento traumático, intencional ou não. É bom lembrar que um número razoável de ferimentos não são tão inocentes assim. Embora grande parte dos machucados possa ser tratada em casa, os acidentes e violências (classificados como causas externas) ocasionam mais mortes de crianças e jovens do que todas as principais doenças juntas. Dependendo da idade, até dois terços das mortes são por causas externas, principalmente traumas no trânsito, afogamentos, queimaduras e, a partir da adolescência, homicídios. Além disso, para cada uma das mais de vinte mil crianças brasileiras que morrem todo ano por trauma, ocorrem entre 20 e 50 hospitalizações e até 1000 atendimentos ambulatoriais, que deixam cerca de 200 mil jovens com deficiências físicas para o resto da vida. Durante muito tempo, todas as medidas preventivas baseavam-se na tentativa de mudar o comportamento das pessoas; prevenir acidentes significava simplesmente educar os pais e, no caso dos adolescentes, transmitir recomendações de cautela. 20 As estratégias preventivas são hoje muito mais efetivas, se bem aplicadas: reconhecem os riscos inerentes à imaturidade da criança e às hostilidades do meio; combatem a desinformação, a imprevisão, a falta de cuidado e promovem a segurança no âmbito da comunidade. Para aplicar essas estratégias, é essencial entender por que as violências e acidentes acontecem. Até que ponto podem ser confundidos os efeitos do que foi intencional ou não? E por que em crianças e jovens as lesões que resultam desses eventos traumáticos são frequentemente mais graves? Para responder estas questões, vale a pena pensar nos fatores de risco individuais, a seguir nos familiares e, por fim, nos da comunidade. O fator mais importante, dentre os individuais, é a idade. Traumas específicos acontecem em idades definidas; representam janelas de vulnerabilidade em que a criança vai encontrando ameaças à sua integridade física, para as quais ela ainda não está madura e preparada para enfrentar e que exigem ações de proteção específicas. Por outro lado, a idade também influencia a gravidade do trauma. Por exemplo, menores de dois anos têm maior tendência a sofrer danos neurológicos em caso de traumatismo craniano do que crianças maiores. Nos primeiros meses de vida, o bebê está sujeito a riscos impostos por terceiros: pode ser deixado cair no chão, queimado por líquidos que sejam derramados sobre ele, intoxicado por medicamentos mal administrados ou colocado em um automóvel sem uma cadeirinha de segurança adequada. Com o tempo, adquire a capacidade de buscar objetos perigosos. Os pais podem acentuar o desacerto entre o grau de desenvolvimento e os riscos, por exemplo, colocando um bebê em um andador. A criança pré-escolar tem um tipo de pensamento mágico; compreende o seu ambiente de uma maneira muito voltada para si própria e sem muita lógica. Pode se achar capaz de voar, como os super-heróis, ou cair de certa altura sem se machucar, como nos desenhos animados. Tem também dificuldade de fazer generalizações a partir de experiências vividas: por exemplo, ter caído de uma cerca não quer dizer que vá ter medo de subir em árvores. O escolar já aprende noções de segurança, mas não faz julgamentos precisos sobre velocidade e distância. Além disso, seu comportamento e os riscos a que se expõe começam a ser fortemente influenciados pelos amigos, gerando atitudes de desafio a regras. Suas habilidades motoras (por exemplo: acender fogo) estão bem além do seu julgamento crítico, mas muitas vezes sai de casa sem a supervisão dos adultos, tendo que lidar com situações complexas como o trânsito. O adolescente já tem o pensamento organizado, mas é muito comum achar que pode tudo e que nada de mal vai lhe acontecer. Sob fortes pressões sociais, é comum que o jovem se exponha conscientemente a certos riscos. Por outro lado, ganha cada vez mais liberdade, passa mais tempo sem supervisão de adultos e bem mais longe de casa. O uso de bebidas alcoólicas passa a ser um fator a mais para a perda de controle. Além disso, a violência urbana e a intoxicação por abuso de drogas ilícitas tornam-se uma realidade palpável. O segundo fator individual relevante é o sexo: meninos têm o dobro de chance de sofrer traumas físicos do que as meninas. Características individuais, temperamento e personalidade também contam: crianças hiperativas, dispersivas, com dificuldades motoras, visuais ou auditivas têm maior propensão a traumas físicos. Dentre os fatores familiares de risco para o trauma, alguns têm a ver com a situação geral da comunidade: condição socioeconômica, pais muito jovens e/ou separados, baixo nível de educação, desemprego, habitações carentes, famílias numerosas e uso de álcool e drogas. Com frequência, os pais saem de casa para trabalhar e deixam crianças pequenas sob os cuidados de irmãos pouco mais velhos, sem condições de assumir essa responsabilidade. Neste ambiente desfavorável, as crianças 21 estão muito mais expostas a vias de tráfego intenso e vizinhanças mais violentas, além de terem menor acesso aos meios de socorro. É ainda no âmbito familiar que costumam ocorrer situações de negligência por parte dos cuidadores ou maus-tratos intencionais, principalmente contra crianças menores. Nem sempre é fácil diferenciar um traumatismo involuntário (acidental) de outro infligido intencionalmente; a dificuldade de diagnosticar a violência doméstica torna-se um fator a mais para a sua perpetuação. Por fim, existe a falta de um entorno protetor, para além do âmbito da família e do bairro. O chamado macroambiente pode proteger através de legislação voltada para a segurança e do envolvimento ativo de toda a comunidade em ações de controle de acidentes e violências. A experiência de países desenvolvidos mostra que, onde quer que tenham sido implementadas leis rígidas visando à proteção da integridade física das crianças (por exemplo: obrigatoriedade do uso de cadeirinhas de segurança em automóveis ou de tampas de segurança em medicamentos), as ocorrências de ferimentos e mortes por causas externas caíram drasticamente. O grande sucesso das chamadas comunidades seguras – em franca expansão na Europa, Ásia, Canadá e Austrália – reside na mobilização de todos os setores da sociedade, em torno de ações de promoção de segurança. Estas ações incluem: conscientização popular, formação de sistemas de pronto-atendimento eficazes, estratégias educativas, campanhas permanentes na mídia, financiamento de produtos de segurança, captação de recursos, vigilância e lobby político prósegurança. Em paralelo às ações comunitárias, independente do padrão socioeducacional, a orientação familiar específica para a segurança tem papel relevante na proteção da criança. Pais devem ser capazes de avaliar, pelo menos num nível básico, a relação entre o desenvolvimento da criança e o risco de injúrias físicas. Precisam saber que o objetivo fundamental é bloquear a transferência da energia que causa o trauma e não tentar modificar o comportamento da criança. Devem ser capazes de examinar o ambiente em que a criança vive, a fim de detectar e remover a maioria dos fatores de risco. No entanto, há muitos pais com um bom nível de escolaridade, que colocam bebês em andadores, ou não instalam grades nas janelas de andares altos, ou transportam as crianças de modo inseguro no automóvel, ou ainda mantém armas de fogo em casa. Toda essa desinformação deve-se à falta de educação para a segurança, que deveria fazer parte como prioridade educacional na formação para a vida das pessoas. A Sociedade Brasileira de Pediatria tem contribuído para melhorar o grau de informação das famílias com várias iniciativas; a mais dinâmica e variada delas é o site “Conversando com o Pediatra” [http://www.conversandocomopediatra.com.br/], que contém muitas dicas de segurança. Enfim, traumas físicos – com seus componentes emocionais – não são acidentes. Acontecem mais com crianças e jovens por características de desenvolvimento próprias de cada idade, por desinformação, negligência e maus-tratos, falta de previdência, ausência de um ambiente protetor e por falta de consciência social. Os progressos mais significativos do controle desse grande problema de saúde pública provêm da aplicação prática da epidemiologia, associada aos conhecimentos de biomecânica e mudança de comportamento, através da concentração de recursos humanos e econômicos nas intervenções apoiadas em evidências científicas, deixando de lado aquelas que simplesmente parecem fazer sentido ou são baseadas na cultura popular. Recomendações da Organização Mundial da Saúde para prevenção de traumas nãointencionais, segundo o “World report on child injury prevention” (Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2008/9789241563574_eng.pdf). Trânsito Fatos: os acidentes de trânsito são a causa principal de morte entre 10 a 19 anos. 22 ● ● ● ● ● Mais de 260 000 crianças e adolescentes morrem anualmente por esta causa Aproximadamente 10 milhões mais sofrem traumatismos não fatais No Brasil, mais de 5456 mortes (< 19 anos) em 2010 Em países de alta renda – crianças são passageiros de veículos a motor Em países de média e baixa renda – crianças são pedestres ou ciclistas Traumatismos no trânsito: o que funciona? ● Leis – idade mínima para ingestão de álcool; ● Tolerância zero e limites de velocidade menores para motoristas jovens ● Sistemas graduados de obtenção de carteira de habilitação ● Uso obrigatório de capacetes ● Cadeirinhas e cinto de segurança ● Redutores de velocidade ● Separar usuários de vias públicas ● Faróis acesos durante o dia para motocicletas Afogamentos Fatos: morrem 480 crianças e adolescentes a cada dia. ● Menores de 5 anos – maior risco ● Mais de 65% das mortes acontecem em água doce ● Crianças pequenas podem se afogar em 15 cm de água ● A maioria dos eventos ocorre dentro e perto de casa ● Países de média e baixa renda – espaços abertos de água Afogamentos: o que funciona? ● Remover (ou cobrir) reservatórios de água ● Cercas de isolamento (4 lados) ao redor de piscinas ● Uso de dispositivos individuais para flutuação ● Assegurar medidas de ressuscitação imediatas Queimaduras Fatos: 260 crianças morrem a cada dia. ● Únicos eventos não intencionais que ocorrem mais em meninas do que em meninos ● Crianças pequenas correm maior risco ● Quase 75% das queimaduras não fatais relacionadas a escaldo – líquidos quentes ● Muitas crianças ficam com cicatrizes desfigurantes por toda a vida Queimaduras: o que funciona? ● Estabelecer e reforçar leis de detectores de fumaça ● Desenvolver e implementar padrão de acendedores e queimadores ● Educar, estabelecer e reforçar leis de controle de temperatura de água quente ● Tratamento de pacientes em centros especializados Quedas Fatos: 47000 crianças e adolescentes morrem a cada ano (130 a cada dia). ● 60% das quedas de alguma altura ● Andador, trocador, carrinho, cama, beliche, janela, escada ● Equipamentos de parquinhos, árvores e esportes Quedas: o que funciona? ● Redesenhar móveis e outros produtos ● Estabelecer padrões para playground: profundidade e altura dos equipamentos e manutenção ● Legislação para grades em janelas ● Implementar programas comunitários, como o “crianças não podem voar” 23 Intoxicações Fatos: 125 crianças e adolescentes morrem no mundo a cada dia. ● Menores de 1 ano – maior letalidade, pico aos 15 anos (intencional) ● Faixa etária mais acometida – 0 a 5 anos ● Agentes mais comuns: medicamentos e produtos químicos de uso domiciliar Intoxicações: o que funciona? • Estabelecer Centros de Controle de Intoxicações • Remover o agente tóxico • Legislar para (e reforçar) o armazenamento de remédios e venenos • Embalar remédios em quantidades não letais / tampas de segurança O QUE DEVE SER FEITO? A base das evidências • Reproduzir estratégias seguras para adultos não protege crianças • Programas de prevenção devem ser multidisciplinares e levar em consideração a vulnerabilidade das crianças; os mais bem sucedidos combinam: legislação, modificação dos produtos; modificação do ambiente • Desenvolvimento de educação e de habilidades • Tratamento médico de emergência apropriado Recomendações Gerais • Integrar as injúrias físicas numa abordagem compreensiva à saúde e ao desenvolvimento das crianças • Política de prevenção e plano de ação • Atuações específicas – adaptadas para a realidade regional • Fortalecer os sistemas de saúde para atender crianças e adolescentes vítimas de traumas • Melhorar a qualidade e a quantidade de informação • Definir prioridades para pesquisa • Criar a cultura da prevenção e melhorar os investimentos nesta área 24 CASA + SEGURA Rogério Toledo Jr. * Coordenador da Comissão de Prevenção a Acidentes Domésticos da AMB O projeto Casa+Segura integra as ações desenvolvidas pela Comissão de Prevenção a Acidentes Domésticos da AMB, coordenada por Rogério Toledo Jr. A estrutura, que simula uma casa de classe média, estará montada em uma carreta e circulará por cidades da região Sudeste. De forma lúdica e interativa, os visitantes aprenderão formas de prevenção de acidentes domésticos. O objetivo do projeto é melhorar a segurança doméstica e prevenir acidentes que lesem a população. Segundo dados 2008-2009 da Vigilância de Violência e Acidentes (VIVA), 38% dos acidentes acontecem dentro das residências. Destes, 36,5% são provocados por queda; 26,4% por acidentes de transporte; 7,2% por ferimento com objeto perfurante; 4,7% por torção; 3,7% por queda de objetos sobre as pessoas e 2,2% por queimadura. Outro dado preocupante e que moveu a criação desta Comissão e o desenvolvimento do projeto Casa+Segura é que cerca de 20% dos atendimentos registrados pelo Corpo de Bombeiros e 40% dos atendimentos registrados em prontos-socorros são gerados por acidentes domésticos; 90% deles poderiam ter sido prevenidos com medidas simples. 25 A REALIDADE DA ADOÇÃO NO BRASIL Anna Christina Cardoso de Mello Psicóloga de Vara da Infância e Juventude em São Paulo, doutora pela Universidade de São Paulo, professora e supervisora de Psicologia Jurídica na Universidade Mackenzie e Membro do Núcleo de Estudos da Violência contra Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo. A adoção é o processo pelo qual se atribui juridicamente uma família a uma criança ou a um adolescente cujos pais faleceram, desapareceram ou perderam o poder familiar1 sobre eles. Assim, o instituto da adoção torna essa criança ou esse adolescente filho das pessoas que o adotam, com total igualdade de direitos e deveres em relação a um filho biológico. Conforme o artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069 de 1990): “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.” A mesma definição se encontra no artigo 1.626, caput, do Novo Código Civil (2002). De acordo com GRANATO (2003), “Esta é, realmente, a finalidade moderna da adoção: oferecer um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma criança, que, por algum motivo, ficou privada de sua família biológica. A adoção, como hoje é entendida, não consiste em ‘ter pena’ de uma criança, ou resolver situação de casais em conflito, ou remédio para esterilidade, ou, ainda, conforto para a solidão. O que se pretende com a adoção é atender às reais necessidades da criança, dando-lhe uma família, onde ela se sinta acolhida, protegida, segura e amada.” 2 Podem adotar pessoas maiores de 18 anos, com diferença mínima de idade de 16 anos em relação ao adotado, casados ou em união estável reconhecida, se sozinhas podem ser solteiras, divorciadas, viúvas, provando ter condições materiais/financeiras e emocionais para tanto. Podem ser adotadas crianças e adolescentes de zero a 17 anos e 11 meses, sozinhas ou com irmãos, que se tornam adotáveis porque seus pais faleceram, desapareceram, os abandonaram, os entregaram espontaneamente ou foram destituídos do poder familiar em razão de ação ou omissão grave3 em relação ao filho, sem que se tenha encontrado alguém na família extensa que pudesse assumi-los. Assim, processo de adoção tem dois lados: o da criança/adolescente e o dos pretendentes. Mas o direito na lei de ter uma família é da criança e do adolescente e não da pessoa que pretende adotar. Esta tem direito a se candidatar e será habilitada se aprovada em todos os requisitos. A existência de candidatos aprovados é o que possibilita o início do processo de concretização desse direito para a criança. O processo da criança e o processo dos pretendentes se iniciam em momentos distintos por razões diversas e se encontram em certo ponto do caminho para se transformar em um processo de adoção. 1 Art. 1634 do Código Civil de 2002, Parte Especial, Livro IV: Do Direito de Família, Título I: Do Direito Pessoal, Subtítulo II: Das Relações de Paren-‐ tesco, Capítulo V: Do Poder Familiar, Seção II: Do Exercício do Poder Familiar: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I -‐ dirigir-‐lhes a criação e educação; II -‐ tê-‐los em sua companhia e guarda; III -‐ conceder-‐lhes ou negar-‐lhes consentimento para casarem; IV -‐ nomear-‐lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V -‐ representá-‐ los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-‐los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-‐lhes o consentimento; VI -‐ reclamá-‐los de quem ilegalmente os detenha; VII -‐ exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. 2 GRANATO, E. F. R. Adoção: Doutrina e Prática. Curitiba: Juruá, 2003. 3 Art. 98 do ECA. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I -‐ por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II -‐ por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III -‐ em razão de sua conduta. 26 Deste modo, ao contrário do que a maioria dos pretendentes pensa e idealiza, o cadastro de adoção não trabalha na busca do filho que eles gostariam de ter. A adoção se dá como medida de proteção para a criança que perdeu sua família por alguma razão, porque justamente o direito garantido por lei é o da criança e do adolescente: “Art. 19 do ECA: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.” O processo da criança/adolescente se inicia na Vara da Infância e da Juventude porque houve ameaça ou violação de seus direitos e a Justiça foi acionada para providenciar medidas de proteção. A criança pode ter sido deixada na rua ou em outro lugar, ter sido entregue à Justiça ou a terceiros, ter sido retirada da família por queixa de negligência ou de violência, ou por outras razões tão graves a ponto de ameaçar ou violar sua integridade física, psíquica e/ou moral. Por esse motivo, pode ter sido abrigada para sua proteção. A intervenção da Justiça, em conjunto com toda a rede pública de serviços, se dá no sentido de avaliar e trabalhar a família biológica para que esta vença os obstáculos ou resolva os problemas que ensejaram a separação ou retirada da criança, de modo que esta possa ser reintegrada ao lar de origem ou de outros familiares, de modo a garantir seu direito à convivência familiar. O Juiz da Infância e Juventude e sua equipe técnica trabalham então, primeiramente, no sentido de manter a criança e o adolescente em sua família de origem e sua comunidade, pois esse é o direito dela. Caso seja necessário retirá-la do convívio familiar provisoriamente, o foco do trabalho será fortalecer a família por meio de orientação, tratamento quando necessário e inclusão em programas de auxílio (renda, emprego, moradia, etc.) para reintegrar criança e adolescente em sua família. No entanto, se os vínculos foram rompidos ou não há condições de restabelecê-los, pois houve séria ameaça ou violação da integridade física e/ou psíquica da criança, o caminho será a colocação em família substituta. Nesse último caso, a adoção é a forma definitiva de se garantir esse direito. Enquanto isso, pretendentes à adoção – casados, em união estável, solteiros, divorciados, viúvos – se candidatam a se tornar família dessas crianças que se tornaram adotáveis e, para tanto, devem ser submetidos a um processo de avaliação psicossocial, além da análise de documentos (RG, CPF, certidão de casamento ou de nascimento, comprovante de rendimentos, de residência, atestado de sanidade física e mental, certidões de antecedentes cíveis e criminais em nível estadual e federal), o que culminará em uma habilitação para adoção deferida pelo Juiz da Infância e da Juventude com a concordância do Ministério Público. Todo esse rigor e cuidado no processo de habilitação têm o intuito de encontrar pessoas e famílias em situação estável o suficiente para atender verdadeiramente ao que a criança necessita para seu desenvolvimento e evitar ao máximo nova rejeição. Habilitados, os pretendentes entram na fila de adoção da Vara da Infância e Juventude onde estão inscritos, bem como nos cadastros estadual e nacional, tendo prioridade de receber a criança no Fórum da localidade onde reside. O processo de habilitação compreende uma reunião ou curso inaugural com as informações básicas sobre o processo de adoção, como as que estão nesse texto, seguida de avaliação psicossocial (entrevistas psicológicas, aplicação de testes psicológicos, entrevistas sociais, visitas domiciliares, entre outros) realizada por psicólogos judiciários e assistentes sociais judiciários que têm autonomia para definir técnicas e instrumentos de trabalho dentro do prazo estabelecido por lei para a avaliação. Esses procedimentos culminam em um laudo psicológico e um laudo social, ou um laudo psicossocial, com pareceres conclusivos fundamentados que recomendarão ou não a aprovação dos candidatos para o cadastro de pretendentes à adoção. Em caso de reprovação, pode ser sugerido ao candidato um acompanhamento psicológico, se o caso, feitas sugestões do campo social, bem como de freqüência a grupos de apoio à adoção, que os ajudarão a se familiarizar com questões específicas desse universo. Aliás, a participação dos candidatos em grupos de apoio à adoção é sempre in- 27 dicada para todos por ser este um dos melhores meios de se entrar em contato com a adoção e suas vicissitudes, de compartilhar experiências com pais que já adotaram e pretendentes que já esperam há mais tempo. Em geral, esses grupos espontâneos e voluntários, formados por pais adotivos, pretendentes e pessoas interessadas no assunto proporcionam reuniões mensais aos fins de semana com temas como processo de adoção, mitos e preconceitos, revelação, entre outros. Esses grupos são muito organizados e realizam encontros regionais, estaduais e nacionais para debater essas questões e compartilhar experiências. Os pretendentes, no final do processo de habilitação, preenchem uma planilha detalhada com dados deles e do perfil da criança que desejam adotar, indicando o que aceitam nesta criança em termos de seu histórico familiar e de sua saúde física e mental, informando também se aceitam adotar em outros estados da federação, especificando em quais deles. Isso porque, se forem chamados para conhecer uma criança ou um adolescente de outro estado, devem arcar com os custos de viagem e permanência no local até que possam retornar com a criança para sua cidade de residência. Não obstante tenha sido criado o Cadastro Nacional de Adoção, como trabalhamos pela garantia do direito da criança, o caminho da busca por uma família que irá adotá-la se dá sempre do cadastro regional para o nacional, e nunca o contrário, exatamente para garantir que a criança fique sempre o mais próximo possível de sua origem, de sua comunidade. Assim, no caso de uma criança de São Paulo, por exemplo, cidade que possui 12 Varas da Infância e Juventude, iremos procurar uma família primeiramente no cadastro da Vara onde está o processo dessa criança, geralmente em um dos foros regionais da cidade. Caso não encontremos pretendente para a criança no cadastro da Vara onde seu processo corre, vamos buscar se há pretendentes no estado de São Paulo, consultando uma lista que fica na CEJAI (Comissão Estadual Judiciária de Adoção), sediada no Fórum João Mendes. Se ainda não encontrarmos pretendentes no estado, aí sim consultaremos o Cadastro Nacional de Adoção, por meio de sistema on line. Deste modo, na prática, só consultamos o Cadastro Nacional de Adoção para buscar pretendentes para as crianças para as quais não encontramos famílias em nosso cadastro regional, nem no estadual, em geral com idades acima de nove ou dez anos, com irmãos e com problemas de saúde. A imensa maioria dos cadastros, algo em torno de 95%, aguarda crianças na faixa etária de zero a cinco anos. Atualmente4, existem no Brasil 31.277 pretendentes à adoção habilitados e 8.654 crianças e adolescentes cadastrados. Logo, se a questão fosse apenas matemática, todas as crianças e os adolescentes para adoção já estariam em família, mas as curvas reais são inversamente proporcionais, isto é, uma maioria de pretendentes espera uma minoria ínfima de crianças, enquanto para a maioria das crianças e adolescentes que esperam tantos anos há um pequeno número de famílias muito disputadas por sinal. Em função disso, o tempo médio de espera varia muito e depende diretamente do perfil escolhido, isto é, quanto mais nova a criança esperada, mais clara (90% dos pretendentes aceitam brancas e 60% aceitam pardas), criança única (83% dos pretendentes só quer uma criança), mais tempo se espera, tempo que pode chegar a cinco anos para uma criança de até um ano, branca. Isto porque 52,37% de crianças que esperam por adoção são consideradas de “raça parda” e 17,46% de “raça preta” (somados: 69,83%), enquanto 29,24% de “raça branca”, 0,47% de “raça amarela” e 0,46% de “raça indígena”, segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (março de 2011). A criança real e o adolescente real que esperam ser adotados são, em sua maioria, de cor de pele parda, como apontado acima, com mais de cinco anos (76,77% ou 6644 dos adotáveis têm de 5 a 17 anos e 11 meses), somente 28,84% ou 2496 não possuem irmãos. Quanto à saúde, 82,10% ou 7105 4 Dados estatísticos do Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça de março de 2011. 28 não apresentam problemas, 7,44 ou 644 têm problemas tratáveis, 1,6% ou 139 foram considerados com problemas não tratáveis, 2,68% ou 232 com deficiência física, 5,65% ou 489 com deficiência mental, 2,09% ou 181 são portadores do vírus HIV e para 2,21% ou 192 o estado de saúde é declarado como ignorado5. Além dessa pequena porcentagem de crianças com problemas físicos/mentais, problemas psicológicos podem ou não existir e se relacionar ao histórico de vida da criança (ao abandono propriamente e ao fato de ter sofrido violências, por exemplo) e ao tempo de acolhimento institucional. Por isso que a lei manda hoje não ultrapassar dois anos de acolhimento em abrigo. Os parágrafos abaixo foram acrescentados ao ECA pela Lei 12.010 de 2009, delimitando esse tempo e obrigando a reavaliação semestral, que hoje acontece por meio das audiências concentradas: ”§ 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. (Acrescentado pela L - 012.010 - 2009) § 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. § 3º A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. ” (ECA, art. 19) Não obstante, a clínica psicológica de crianças/adolescentes que foram adotados nos indica que problemas surgem com mais frequência quando há dificuldades dos pais adotivos relacionadas, por exemplo, à falta de preparo destes, à não-aceitação da história da criança, à ocultação do fato da criança ter sido adotada e de dados de suas origens, o que leva esses pais a criar inúmeras mentiras e o filho a se sentir profundamente traído quando descobre a verdade de sua história, o que pode levar a desajustes mais graves ou menos graves em cada um individualmente e certamente nas relações familiares. Quanto mais preparados os pretendentes e pais estiverem, quanto mais maduros e coerentes forem, quanto mais conhecerem desta realidade, menos problemas enfrentarão. Outros problemas que surgem na clínica em nada se diferenciam daqueles das crianças biológicas, ou seja, problemas que podem estar ligados a fases do desenvolvimento, como a adolescência. Por isso, devemos cuidar para não estigmatizar a criança/o adolescente/ a família adotiva. Com bem enfatizou HAMAD6 (2010), “A adoção serve às vezes de álibi para justificar toda a espécie de dificuldades que surgem em uma família adotiva. Um adolescente que causa problemas à sua família encontra desculpas naquilo que sua família denomina muitas vezes crise de adolescência. O adolescente adotivo é ao mesmo tem 5 Espera-‐se que os abrigos providenciem exames básicos nas crianças e adolescentes tanto por ocasião do acolhimento, quanto no acompanhamen-‐ to: esses seriam sorologias para HIV, sífilis, entre outros possíveis, além de hemograma completo. Se a criança já apresenta alguma dificuldade ou doença específica, terá avaliação, acompanhamento e tratamento médicos igualmente especializados, conforme o caso. Assim, em geral, o adotan-‐ te não precisa solicitar exames para a criança que pretende adotar, salvo se no abrigo os responsáveis não tiverem feito nenhum dos apontados e nada souberem do histórico de saúde desta criança, o que é mais raro, mas infelizmente pode acontecer. 6 HAMAD, N. Adoção e parentalidade: questões atuais. Porto Alegre: CMC, 2010. 29 po este adolescente e aquele, cujas crises sempre querem dizer mais do que as dos outros.” (p.62) Voltando à explanação sobre o cadastro de adoção, para as crianças e os adolescentes maiores de nove/dez anos que esperam uma família a fila praticamente não anda, ou melhor, anda mais devagar quanto mais idade eles têm, praticamente estacionando a partir dos 11, 12 anos. Já para os pretendentes de crianças menores de cinco anos, que têm a impressão que a fila nunca anda, a fila anda sim, muito mais do que para os adolescentes que esperam uma família. O filho por adoção chega, mas demora quanto mais exigente os pretendentes forem, quanto mais longe o perfil desejado estiver da criança real. O tempo de espera sofre influência também do número de cadastrados na Vara de Infância de origem (pois a prioridade para a criança é de conhecer uma família pretendente de sua região), bem como do número e das características das crianças disponíveis para adoção, além do fato de o pretendente ter optado ou não por aceitar crianças e adolescentes de outras regiões do Brasil. Para uma criança de 10 anos ou mais branca ou parda não existe espera alguma, isto é, os pretendentes podem encontrá-la imediatamente em muitas localidades do Brasil, a começar na própria Vara onde está inscrito. Quando os pretendentes são chamados para conhecer uma criança, todo o histórico dela lhes é passado, fotografias podem ser vistas em geral e, em caso positivo, a aproximação se inicia quase imediatamente, esperando apenas a autorização judicial para iniciar e um breve preparo da criança e dos futuros pais para o encontro (pois supostamente estes já vinham se preparando). Este período de aproximação durará o tempo necessário para que a criança possa ir para a casa sem dificuldades, isto é, deve-se respeitar o tempo de cada parte se conhecer e confiar minimamente na situação, respeitando-se com a máxima delicadeza e sensibilidade o tempo da criança se separar dos vínculos que criou no abrigo onde está. Quando este momento chega, os pretendentes pedem a guarda provisória da criança, documento que lhes assegura direitos, como de colocá-la como sua dependente e se opor a terceiros, e lhe atribui deveres, de guarda, proteção, de apresentar ao Juízo sempre que necessário etc. Aqui se inicia o estágio de convivência que tem um prazo variável dependendo de vários fatores, podendo durar, em geral, de quatro a doze meses até que a sentença seja proferida. Após os pretendentes tomarem ciência da sentença e desta transitar em julgado, isto é, decorrer o prazo de recurso sem interposição deste, um mandado é expedido pelo juiz para confecção em cartório extrajudicial na nova certidão de nascimento da criança com seu novo sobrenome, nomes dos adotantes e dos pais destes que constarão como avós paternos e avós maternos da criança que foi adotada, tornado-se esta filha ou filho desses pais, em ato irrevogável. Após a adoção, sugiro sempre aos novos pais que solicitem no cartório da Vara da Infância e Juventude onde adotaram cópias dos documentos mais importantes dos autos do processo da criança, nos quais constem dados da história familiar, de saúde etc., pois é direito da criança saber sobre suas origens no devido tempo. Depois de dois anos da adoção, período no qual a família que adotou ainda é acompanhada na Vara da Infância e Juventude, como rege a lei, o processo será arquivado e, portanto, mais difícil será o acesso rápido a ele, que ficará sujeito à ação do tempo. Espero que, quanto mais a realidade da adoção for divulgada, esclarecida, mais esta realidade de crianças e adolescentes que precisam de famílias e já as esperam seja considerada e integrada a nossa cultura, caminhando para a realização de adoções verdadeiramente necessárias. Referências: • BRASIL, Estatuto da Criança e do adolescente. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em 20 de março de 2011. • BRASIL, Código Civil do Brasil. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em 20 de março de 2011. 30 • GRANATO, E. F. R. Adoção: Doutrina e Prática. Curitiba: Juruá, 2003. • HAMAD, N. Adoção e parentalidade: questões atuais. Porto Alegre: CMC, 2010. 31 LEI Nº 12.010, DE 3 DE AGOSTO DE 2009 A LEI NACIONAL E AS NOVAS DIRETRIZES PARA A ADOÇÃO NO BRASIL, À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E GARANTIAS DOS ADOTANDOS Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.Citado por 7 § 1º A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal, será prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada.Citado por 2 § 2º Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as regras e princípios contidos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e na Constituição Federal. Art. 2º A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 8º ............................................................................. § 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. § 5º A assistência referida no § 4º deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção." (NR) "Art. 13. ........................................................................... Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude." (NR) "Art. 19. ........................................................................... § 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. § 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. § 3º A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei." (NR) "Art. 25. ......................................................................... 32 Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade." (NR) "Art. 28. ......................................................................... § 1º Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. § 2º Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. § 3º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. § 4º Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. § 5º A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. § 6º Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: I. que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; II. que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; III. a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso." (NR) "Art. 33. ........................................................................... § 4º Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público." (NR) "Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar. § 1º A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos desta Lei. § 2º Na hipótese do § 1º deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos arts. 28 a 33 desta Lei." (NR) "Art. 36. A tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 18 (dezoito) anos incompletos." (NR) 33 "Art. 37. O tutor nomeado por testamento ou qualquer documento autêntico, conforme previsto no parágrafo único do art. 1.729 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, deverá, no prazo de 30 (trinta) dias após a abertura da sucessão, ingressar com pedido destinado ao controle judicial do ato, observando o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei. Parágrafo único. Na apreciação do pedido, serão observados os requisitos previstos nos arts. 28 e 29 desta Lei, somente sendo deferida a tutela à pessoa indicada na disposição de última vontade, se restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e que não existe outra pessoa em melhores condições de assumi-la." (NR) "Art. 39. ........................................................................... § 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. § 2º É vedada a adoção por procuração." (NR) "Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. § 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. § 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. § 5º Nos casos do § 4º deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. § 6º A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença." (NR) "Art. 46. ................................................... § 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. § 2º A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. § 3º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias. § 4º O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida." (NR) "Art. 47. .......................................................................... § 3º A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência. § 4º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro. 34 § 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome. § 6º Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é obrigatória a oitiva do adotando, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei. § 7º A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6º do art. 42 desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito. § 8º O processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados serão mantidos em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo." (NR) "Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica." (NR) "Art. 50. ........................................................................... § 3º A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. § 4º Sempre que possível e recomendável, a preparação referida no § 3º deste artigo incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com apoio dos técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento e pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. § 5º Serão criados e implementados cadastros estaduais e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção. § 6º Haverá cadastros distintos para pessoas ou casais residentes fora do País, que somente serão consultados na inexistência de postulantes nacionais habilitados nos cadastros mencionados no § 5º deste artigo. § 7º As autoridades estaduais e federais em matéria de adoção terão acesso integral aos cadastros, incumbindo-lhes a troca de informações e a cooperação mútua, para melhoria do sistema. § 8º A autoridade judiciária providenciará, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a inscrição das crianças e adolescentes em condições de serem adotados que não tiveram colocação familiar na comarca de origem, e das pessoas ou casais que tiveram deferida sua habilitação à adoção nos cadastros estadual e nacional referidos no § 5º deste artigo, sob pena de responsabilidade. § 9º Compete à Autoridade Central Estadual zelar pela manutenção e correta alimentação dos cadastros, com posterior comunicação à Autoridade Central Federal Brasileira. § 10. A adoção internacional somente será deferida se, após consulta ao cadastro de pessoas ou casais habilitados à adoção, mantido pela Justiça da Infância e da Juventude na comarca, bem como aos cadastros estadual e nacional referidos no § 5º deste artigo, não for encontrado interessado com residência permanente no Brasil. § 11. Enquanto não localizada pessoa ou casal interessado em sua adoção, a criança ou o adolescente, sempre que possível e recomendável, será colocado sob guarda de família cadastrada em programa de acolhimento familiar. 35 § 12. A alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção serão fiscalizadas pelo Ministério Público. § 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: I. se tratar de pedido de adoção unilateral; II. For formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III. oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei. § 14. Nas hipóteses previstas no § 13 deste artigo, o candidato deverá comprovar, no curso do procedimento, que preenche os requisitos necessários à adoção, conforme previsto nesta Lei." (NR) "Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no Artigo 2 da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo no 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.087, de 21 de junho de 1999. § 1º A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado: I. que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; II. que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art. 50 desta Lei; III. que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei. § 2º Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro. § 3º A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional." (NR) "Art. 52. A adoção internacional observará o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei, com as seguintes adaptações: I. a pessoa ou casal estrangeiro, interessado em adotar criança ou adolescente brasileiro, deverá formular pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país de acolhida, assim entendido aquele onde está situada sua residência habitual; II. se a Autoridade Central do país de acolhida considerar que os solicitantes estão habilitados e aptos para adotar, emitirá um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam e sua aptidão para assumir uma adoção internacional; III. a Autoridade Central do país de acolhida enviará o relatório à Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira; IV. o relatório será instruído com toda a documentação necessária, incluindo estudo psicossocial elaborado por equipe interprofissional habilitada e cópia autenticada da legislação pertinente, acompanhada da respectiva prova de vigência; 36 V. os documentos em língua estrangeira serão devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público juramentado; VI. a Autoridade Central Estadual poderá fazer exigências e solicitar complementação sobre o estudo psicossocial do postulante estrangeiro à adoção, já realizado no país de acolhida; VII. verificada, após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual, a compatibilidade da legislação estrangeira com a nacional, além do preenchimento por parte dos postulantes à medida dos requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu deferimento, tanto à luz do que dispõe esta Lei como da legislação do país de acolhida, será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade por, no máximo, 1 (um) ano; VIII. de posse do laudo de habilitação, o interessado será autorizado a formalizar pedido de adoção perante o Juízo da Infância e da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente, conforme indicação efetuada pela Autoridade Central Estadual. § 1º Se a legislação do país de acolhida assim o autorizar, admite-se que os pedidos de habilitação à adoção internacional sejam intermediados por organismos credenciados. § 2º Incumbe à Autoridade Central Federal Brasileira o credenciamento de organismos nacionais e estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de habilitação à adoção internacional, com posterior comunicação às Autoridades Centrais Estaduais e publicação nos órgãos oficiais de imprensa e em sítio próprio da internet. § 3º Somente será admissível o credenciamento de organismos que: I. sejam oriundos de países que ratificaram a Convenção de Haia e estejam devidamente credenciados pela Autoridade Central do país onde estiverem sediados e no país de acolhida do adotando para atuar em adoção internacional no Brasil; II. satisfizerem as condições de integridade moral, competência profissional, experiência e responsabilidade exigidas pelos países respectivos e pela Autoridade Central Federal Brasileira; III. forem qualificados por seus padrões éticos e sua formação e experiência para atuar na área de adoção internacional; IV. cumprirem os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas normas estabelecidas pela Autoridade Central Federal Brasileira. § 4º Os organismos credenciados deverão ainda: I. perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições e dentro dos limites fixados pelas autoridades competentes do país onde estiverem sediados, do país de acolhida e pela Autoridade Central Federal Brasileira; II. ser dirigidos e administrados por pessoas qualificadas e de reconhecida idoneidade moral, com comprovada formação ou experiência para atuar na área de adoção internacional, cadastradas pelo Departamento de Polícia Federal e aprovadas pela Autoridade Central Federal Brasileira, mediante publicação de portaria do órgão federal competente; III. estar submetidos à supervisão das autoridades competentes do país onde estiverem sediados e no país de acolhida, inclusive quanto à sua composição, funcionamento e situação financeira; IV. apresentar à Autoridade Central Federal Brasileira, a cada ano, relatório geral das atividades desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período, cuja cópia será encaminhada ao Departamento de Polícia Federal; V. enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, pelo período mínimo de 2 (dois) anos. O envio do relatório será mantido até a juntada de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o adotado; 37 VI. tomar as medidas necessárias para garantir que os adotantes encaminhem à Autoridade Central Federal Brasileira cópia da certidão de registro de nascimento estrangeira e do certificado de nacionalidade tão logo lhes sejam concedidos. § 5º A não apresentação dos relatórios referidos no § 4º deste artigo pelo organismo credenciado poderá acarretar a suspensão de seu credenciamento. § 6º O credenciamento de organismo nacional ou estrangeiro encarregado de intermediar pedidos de adoção internacional terá validade de 2 (dois) anos. § 7º A renovação do credenciamento poderá ser concedida mediante requerimento protocolado na Autoridade Central Federal Brasileira nos 60 (sessenta) dias anteriores ao término do respectivo prazo de validade. § 8º Antes de transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção internacional, não será permitida a saída do adotando do território nacional. § 9º Transitada em julgado a decisão, a autoridade judiciária determinará a expedição de alvará com autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando, obrigatoriamente, as características da criança ou adolescente adotado, como idade, cor, sexo, eventuais sinais ou traços peculiares, assim como foto recente e a aposição da impressão digital do seu polegar direito, instruindo o documento com cópia autenticada da decisão e certidão de trânsito em julgado. § 10. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá, a qualquer momento, solicitar informações sobre a situação das crianças e adolescentes adotados. § 11. A cobrança de valores por parte dos organismos credenciados, que sejam considerados abusivos pela Autoridade Central Federal Brasileira e que não estejam devidamente comprovados, é causa de seu descredenciamento. § 12. Uma mesma pessoa ou seu cônjuge não podem ser representados por mais de uma entidade credenciada para atuar na cooperação em adoção internacional. § 13. A habilitação de postulante estrangeiro ou domiciliado fora do Brasil terá validade máxima de 1 (um) ano, podendo ser renovada. § 14. É vedado o contato direto de representantes de organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros, com dirigentes de programas de acolhimento institucional ou familiar, assim como com crianças e adolescentes em condições de serem adotados, sem a devida autorização judicial. § 15. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá limitar ou suspender a concessão de novos credenciamentos sempre que julgar necessário, mediante ato administrativo fundamentado." (NR) "Art. 52-A. É vedado, sob pena de responsabilidade e descredenciamento, o repasse de recursos provenientes de organismos estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de adoção internacional a organismos nacionais ou a pessoas físicas. Parágrafo único. Eventuais repasses somente poderão ser efetuados via Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente e estarão sujeitos às deliberações do respectivo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente." "Art. 52-B. A adoção por brasileiro residente no exterior em país ratificante da Convenção de Haia, cujo processo de adoção tenha sido processado em conformidade com a legislação vigente no país de residência e atendido o disposto na Alínea "c" do Artigo 17 da referida Convenção, será automaticamente recepcionada com o reingresso no Brasil. § 1º Caso não tenha sido atendido o disposto na Alínea "c" do Artigo 17 da Convenção de Haia, deverá a sentença ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. § 2º O pretendente brasileiro residente no exterior em país não ratificante da Convenção de Haia, uma vez reingressado no Brasil, deverá requerer a homologação da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça." "Art. 52-C. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de aco- 38 lhida, a decisão da autoridade competente do país de origem da criança ou do adolescente será conhecida pela Autoridade Central Estadual que tiver processado o pedido de habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à Autoridade Central Federal e determinará as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização Provisório. § 1º A Autoridade Central Estadual, ouvido o Ministério Público, somente deixará de reconhecer os efeitos daquela decisão se restar demonstrado que a adoção é manifestamente contrária à ordem pública ou não atende ao interesse superior da criança ou do adolescente. § 2º Na hipótese de não reconhecimento da adoção, prevista no § 1º deste artigo, o Ministério Público deverá imediatamente requerer o que for de direito para resguardar os interesses da criança ou do adolescente, comunicando-se as providências à Autoridade Central Estadual, que fará a comunicação à Autoridade Central Federal Brasileira e à Autoridade Central do país de origem." "Art. 52D. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida e a adoção não tenha sido deferida no país de origem porque a sua legislação a delega ao país de acolhida, ou, ainda, na hipótese de, mesmo com decisão, a criança ou o adolescente ser oriundo de país que não tenha aderido à Convenção referida, o processo de adoção seguirá as regras da adoção nacional." "Art. 87. .......................................................................... VI. políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes; VII. campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos." (NR) "Art. 88. ........................................................................... VI. integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei; VII. mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade." (NR) "Art. 90. ........................................................................... IV. acolhimento institucional; § 1º As entidades governamentais e não governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária. § 2º Os recursos destinados à implementação e manutenção dos programas relacionados neste artigo serão previstos nas dotações orçamentárias dos órgãos públicos encarregados das áreas de Educação, Saúde e Assistência Social, dentre outros, observando-se o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente preconizado pelo caput do art. 227 da Constituição Federal e pelo parágrafo único do art. 4º desta Lei. § 3º Os programas em execução serão reavaliados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, no máximo, a cada 2 (dois) anos, constituindo-se critérios para renovação da autorização de funcionamento: 39 I. o efetivo respeito às regras e princípios desta Lei, bem como às resoluções relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis; II. a qualidade e eficiência do trabalho desenvolvido, atestadas pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público e pela Justiça da Infância e da Juventude; III. em se tratando de programas de acolhimento institucional ou familiar, serão considerados os índices de sucesso na reintegração familiar ou de adaptação à família substituta, conforme o caso." (NR) "Art. 91. ......................................................................... § 1º Será negado o registro à entidade que: e) não se adequar ou deixar de cumprir as resoluções e deliberações relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis. § 2º O registro terá validade máxima de 4 (quatro) anos, cabendo ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, periodicamente, reavaliar o cabimento de sua renovação, observado o disposto no § 1º deste artigo." (NR) "Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional deverão adotar os seguintes princípios: I. preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; II. integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; § 1º O dirigente de entidade que desenvolve programa de acolhimento institucional é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito. § 2º Os dirigentes de entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional remeterão à autoridade judiciária, no máximo a cada 6 (seis) meses, relatório circunstanciado acerca da situação de cada criança ou adolescente acolhido e sua família, para fins da reavaliação prevista no § 1º do art. 19 desta Lei. § 3º Os entes federados, por intermédio dos Poderes Executivo e Judiciário, promoverão conjuntamente a permanente qualificação dos profissionais que atuam direta ou indiretamente em programas de acolhimento institucional e destinados à colocação familiar de crianças e adolescentes, incluindo membros do Poder Judiciário, Ministério Público e Conselho Tutelar. § 4º Salvo determinação em contrário da autoridade judiciária competente, as entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional, se necessário com o auxílio do Conselho Tutelar e dos órgãos de assistência social, estimularão o contato da criança ou adolescente com seus pais e parentes, em cumprimento ao disposto nos incisos I e VIII do caput deste artigo. § 5º As entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional somente poderão receber recursos públicos se comprovado o atendimento dos princípios, exigências e finalidades desta Lei. § 6º O descumprimento das disposições desta Lei pelo dirigente de entidade que desenvolva programas de acolhimento familiar ou institucional é causa de sua destituição, sem prejuízo da apuração de sua responsabilidade administrativa, civil e criminal." (NR) "Art. 93. As entidades que mantenham programa de acolhimento institucional poderão, em caráter excepcional e de urgência, acolher crianças e adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, fazendo comunicação do fato em até 24 (vinte e quatro) horas ao Juiz da Infância e da Juventude, sob pena de responsabilidade. 40 Parágrafo único. Recebida a comunicação, a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público e se necessário com o apoio do Conselho Tutelar local, tomará as medidas necessárias para promover a imediata reintegração familiar da criança ou do adolescente ou, se por qualquer razão não for isso possível ou recomendável, para seu encaminhamento a programa de acolhimento familiar, institucional ou a família substituta, observado o disposto no § 2º do art. 101 desta Lei." (NR) "Art. 94. ............................................................................. § 1º Aplicam-se, no que couber, as obrigações constantes deste artigo às entidades que mantêm programas de acolhimento institucional e familiar." (NR) "Art. 97. .......................................................................... § 1º Em caso de reiteradas infrações cometidas por entidades de atendimento, que coloquem em risco os direitos assegurados nesta Lei, deverá ser o fato comunicado ao Ministério Público ou representado perante autoridade judiciária competente para as providências cabíveis, inclusive suspensão das atividades ou dissolução da entidade. § 2º As pessoas jurídicas de direito público e as organizações não governamentais responderão pelos danos que seus agentes causarem às crianças e aos adolescentes, caracterizado o descumprimento dos princípios norteadores das atividades de proteção específica." (NR) "Art. 100. ........................................................................ Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal; II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares; III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais; IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida; VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente; VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada; IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente; 41 X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta; XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei." (NR) "Art. 101. ......................................................................... VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta. § 1º O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. § 2º Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa. § 3º Crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições que executam programas de acolhimento institucional, governamentais ou não, por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela autoridade judiciária, na qual obrigatoriamente constará, dentre outros: I - sua identificação e a qualificação completa de seus pais ou de seu responsável, se conhecidos; II - o endereço de residência dos pais ou do responsável, com pontos de referência; III - os nomes de parentes ou de terceiros interessados em tê-los sob sua guarda; IV - os motivos da retirada ou da não reintegração ao convívio familiar. § 4º Imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a entidade responsável pelo programa de acolhimento institucional ou familiar elaborará um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente, caso em que também deverá contemplar sua colocação em família substituta, observadas as regras e princípios desta Lei. § 5º O plano individual será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento e levará em consideração a opinião da criança ou do adolescente e a oitiva dos pais ou do responsável. § 6º Constarão do plano individual, dentre outros: I - os resultados da avaliação interdisciplinar; II - os compromissos assumidos pelos pais ou responsável; e 42 III - a previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o adolescente acolhido e seus pais ou responsável, com vista na reintegração familiar ou, caso seja esta vedada por expressa e fundamentada determinação judicial, as providências a serem tomadas para sua colocação em família substituta, sob direta supervisão da autoridade judiciária. § 7º O acolhimento familiar ou institucional ocorrerá no local mais próximo à residência dos pais ou do responsável e, como parte do processo de reintegração familiar, sempre que identificada a necessidade, a família de origem será incluída em programas oficiais de orientação, de apoio e de promoção social, sendo facilitado e estimulado o contato com a criança ou com o adolescente acolhido. § 8º Verificada a possibilidade de reintegração familiar, o responsável pelo programa de acolhimento familiar ou institucional fará imediata comunicação à autoridade judiciária, que dará vista ao Ministério Público, pelo prazo de 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo. § 9º Em sendo constatada a impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, será enviado relatório fundamentado ao Ministério Público, no qual conste a descrição pormenorizada das providências tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, para a destituição do poder familiar, ou destituição de tutela ou guarda. § 10. Recebido o relatório, o Ministério Público terá o prazo de 30 (trinta) dias para o ingresso com a ação de destituição do poder familiar, salvo se entender necessária a realização de estudos complementares ou outras providências que entender indispensáveis ao ajuizamento da demanda. § 11. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um cadastro contendo informações atualizadas sobre as crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar e institucional sob sua responsabilidade, com informações pormenorizadas sobre a situação jurídica de cada um, bem como as providências tomadas para sua reintegração familiar ou colocação em família substituta, em qualquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. § 12. Terão acesso ao cadastro o Ministério Público, o Conselho Tutelar, o órgão gestor da Assistência Social e os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, aos quais incumbe deliberar sobre a implementação de políticas públicas que permitam reduzir o número de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e abreviar o período de permanência em programa de acolhimento." (NR) "Art. 102. .......................................................................... § 3º Caso ainda não definida a paternidade, será deflagrado procedimento específico destinado à sua averiguação, conforme previsto pela Lei no 8.560, de 29 de dezembro de 1992. § 4º Nas hipóteses previstas no § 3º deste artigo, é dispensável o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para adoção." (NR) "Art. 136. ......................................................................... XI - representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural. Parágrafo único. Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinenti o fato ao Ministério Público, prestandolhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família." (NR) "Art. 152. ..................................................................... 43 Parágrafo único. É assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação dos processos e procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução dos atos e diligências judiciais a eles referentes." (NR) "Art. 153. ..................................................................... Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica para o fim de afastamento da criança ou do adolescente de sua família de origem e em outros procedimentos necessariamente contenciosos." (NR) "Art. 161. ..................................................................... § 1º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar, bem como a oitiva de testemunhas que comprovem a presença de uma das causas de suspensão ou destituição do poder familiar previstas nos arts. 1.637 e 1.638 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, ou no art. 24 desta Lei. § 2º Em sendo os pais oriundos de comunidades indígenas, é ainda obrigatória a intervenção, junto à equipe profissional ou multidisciplinar referida no § 1º deste artigo, de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, observado o disposto no § 6º do art. 28 desta Lei. § 3º Se o pedido importar em modificação de guarda, será obrigatória, desde que possível e razoável, a oitiva da criança ou adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida. § 4º É obrigatória a oitiva dos pais sempre que esses forem identificados e estiverem em local conhecido." (NR) "Art. 163. O prazo máximo para conclusão do procedimento será de 120 (cento e vinte) dias. Parágrafo único. A sentença que decretar a perda ou a suspensão do poder familiar será averbada à margem do registro de nascimento da criança ou do adolescente." (NR) "Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado. § 1º Na hipótese de concordância dos pais, esses serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações. § 2º O consentimento dos titulares do poder familiar será precedido de orientações e esclarecimentos prestados pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, em especial, no caso de adoção, sobre a irrevogabilidade da medida. § 3º O consentimento dos titulares do poder familiar será colhido pela autoridade judiciária competente em audiência, presente o Ministério Público, garantida a livre manifestação de vontade e esgotados os esforços para manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa. § 4º O consentimento prestado por escrito não terá validade se não for ratificado na audiência a que se refere o § 3º deste artigo. § 5º O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção. § 6º O consentimento somente terá valor se for dado após o nascimento da criança. § 7º A família substituta receberá a devida orientação por intermédio de equipe técnica interprofissional a serviço do Poder Judiciário, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar." (NR) 44 "Art. 167. ................................................................... Parágrafo único. Deferida a concessão da guarda provisória ou do estágio de convivência, a criança ou o adolescente será entregue ao interessado, mediante termo de responsabilidade." (NR) "Art. 170. ................................................................... Parágrafo único. A colocação de criança ou adolescente sob a guarda de pessoa inscrita em programa de acolhimento familiar será comunicada pela autoridade judiciária à entidade por este responsável no prazo máximo de 5 (cinco) dias." (NR) "Seção VIII Da Habilitação de Pretendentes à Adoção Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste: I - qualificação completa; II - dados familiares; III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; V - comprovante de renda e domicílio; VI - atestados de sanidade física e mental; VII - certidão de antecedentes criminais; VIII - certidão negativa de distribuição cível. Art. 197-B. A autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, dará vista dos autos ao Ministério Público, que no prazo de 5 (cinco) dias poderá: I - apresentar quesitos a serem respondidos pela equipe interprofissional encarregada de elaborar o estudo técnico a que se refere o art. 197-C desta Lei; II - requerer a designação de audiência para oitiva dos postulantes em juízo e testemunhas; III - requerer a juntada de documentos complementares e a realização de outras diligências que entender necessárias. Art. 197-C. Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei. § 1º É obrigatória a participação dos postulantes em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. § 2º Sempre que possível e recomendável, a etapa obrigatória da preparação referida no § 1º deste artigo incluirá o contato com crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com o apoio dos técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento familiar ou institucional e pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. 45 Art. 197-D. Certificada nos autos a conclusão da participação no programa referido no art. 197-C desta Lei, a autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, decidirá acerca das diligências requeridas pelo Ministério Público e determinará a juntada do estudo psicossocial, designando, conforme o caso, audiência de instrução e julgamento. Parágrafo único. Caso não sejam requeridas diligências, ou sendo essas indeferidas, a autoridade judiciária determinará a juntada do estudo psicossocial, abrindo a seguir vista dos autos ao Ministério Público, por 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo. Art. 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis. § 1º A ordem cronológica das habilitações somente poderá deixar de ser observada pela autoridade judiciária nas hipóteses previstas no § 13 do art. 50 desta Lei, quando comprovado ser essa a melhor solução no interesse do adotando. § 2º A recusa sistemática na adoção das crianças ou adolescentes indicados importará na reavaliação da habilitação concedida. ""Art. 199-A. A sentença que deferir a adoção produz efeito desde logo, embora sujeita a apelação, que será recebida exclusivamente no efeito devolutivo, salvo se se tratar de adoção internacional ou se houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando." "Art. 199-B. A sentença que destituir ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar fica sujeita a apelação, que deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo." "Art. 199-C. Os recursos nos procedimentos de adoção e de destituição de poder familiar, em face da relevância das questões, serão processados com prioridade absoluta, devendo ser imediatamente distribuídos, ficando vedado que aguardem, em qualquer situação, oportuna distribuição, e serão colocados em mesa para julgamento sem revisão e com parecer urgente do Ministério Público." "Art. 199-D. O relator deverá colocar o processo em mesa para julgamento no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da sua conclusão. Parágrafo único. O Ministério Público será intimado da data do julgamento e poderá na sessão, se entender necessário, apresentar oralmente seu parecer." "Art. 199-E. O Ministério Público poderá requerer a instauração de procedimento para apuração de responsabilidades se constatar o descumprimento das providências e do prazo previstos nos artigos anteriores." "Art. 208. "IX - de ações, serviços e programas de orientação, apoio e promoção social de famílias e destinados ao pleno exercício do direito à convivência familiar por crianças e adolescentes." (NR) "Art. 258-A. Deixar a autoridade competente de providenciar a instalação e operacionalização dos cadastros previstos no art. 50 e no § 11 do art. 101 desta Lei: Pena - multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais). Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas a autoridade que deixa de efetuar o cadastramento de crianças e de adolescentes em condições de serem adotadas, de pessoas ou casais habilitados à adoção e de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional ou familiar." "Art. 258-B. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de efetuar imediato encaminhamento à autoridade judiciária de caso de que tenha conhecimento de mãe ou gestante interessada em entregar seu filho para adoção: Pena - multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena o funcionário de programa oficial ou comunitário destinado à garantia do direito à convivência familiar que deixa de efetuar a comunicação referida no caput deste artigo." "Art. 260. ........................................................................... 46 § 1º-A. Na definição das prioridades a serem atendidas com os recursos captados pelos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, serão consideradas as disposições do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar, bem como as regras e princípios relativos à garantia do direito à convivência familiar previstos nesta Lei. § 5º A destinação de recursos provenientes dos fundos mencionados neste artigo não desobriga os Entes Federados à previsão, no orçamento dos respectivos órgãos encarregados da execução das políticas públicas de assistência social, educação e saúde, dos recursos necessários à implementação das ações, serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, em respeito ao princípio da prioridade absoluta estabelecido pelo caput do art. 227 da Constituição Federal e pelo parágrafo único do art. 4º desta Lei." (NR) Art. 3º A expressão "pátrio poder" contida nos arts. 21, 23, 24, no parágrafo único do art. 36, no § 1º do art. 45, no art. 49, no inciso X do caput do art. 129, nas alíneas "b" e "d" do parágrafo único do art. 148, nos arts. 155, 157, 163, 166, 169, no inciso III do caput do art. 201 e no art. 249, todos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, bem como na Seção II do Capítulo III do Título VI da Parte Especial do mesmo Diploma Legal, fica substituída pela expressão "poder familiar". Art. 4º Os arts. 1.618, 1.619 e 1.734 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente." (NR) "Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente." (NR) "Art. 1.734. As crianças e os adolescentes cujos pais forem desconhecidos, falecidos ou que tiverem sido suspensos ou destituídos do poder familiar terão tutores nomeados pelo Juiz ou serão incluídos em programa de colocação familiar, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente." (NR) Art. 5º O art. 2o da Lei no 8.560, de 29 de dezembro de 1992, fica acrescido do seguinte § 5o, renumerando-se o atual § 5º para § 6o, com a seguinte redação: "Art. 2º ................................................. § 5º Nas hipóteses previstas no § 4º deste artigo, é dispensável o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para adoção. § 6º A iniciativa conferida ao Ministério Público não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade." (NR) Art. 6º As pessoas e casais já inscritos nos cadastros de adoção ficam obrigados a frequentar, no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da entrada em vigor desta Lei, a preparação psicossocial e jurídica a que se referem os §§ 3o e 4o do art. 50 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, acrescidos pelo art. 2º desta Lei, sob pena de cassação de sua inscrição no cadastro. Art. 7º Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação.Citado por 1 Art. 8º Revogam-se o § 4o do art. 51 e os incisos IV, V e VI do caput do art. 198 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, bem como o parágrafo único do art. 1.618, o inciso III do caput do art. 10 e os arts. 1.620 a 1.629 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e os §§ 1º a 3o do art. 392-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943. 47 Brasília, 3 de agosto de 2009; 188º da Independência e 121º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Tarso Genro Celso Luiz Nunes Amorim Este texto não substitui o publicado no DOU de 4.8.2009 e retificado no DOU de 2.9.2009