“Para ter uma vida melhor”: um estudo de
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“Para ter uma vida melhor”: um estudo de
“Para ter uma vida melhor”: um estudo de intervenções com meninas de rua no Recife, Brasil E. J. Salter Dissertação submetida à Escola de Estudos Desenvolvimentais da Universidade East Anglia como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Gênero e Desenvolvimento Setembro 2003 Agradecimentos Primeiramente, gostaria de agradecer a todas as meninas e educadores da Casa I pela hospitalidade brasileira e por fazerem uma estranha se sentir em casa. Gostaria também de agradecer a meus auxiliares de pesquisa do grupo de artesanato e a Cristina e Zoracy que foram tão generosas com seu tempo, assim como a todos os outros membros do quadro de pessoal da Casa, em especial a Érika, uma verdadeira amiga. Também desejo expressar meu reconhecimento pela ajuda e suporte dados tão generosamente por Kurt Shaw da Shine a Light e Janet Seeley da UEA, sem os quais este trabalho não teria se tornado realidade. Agradeço também à minha família e amigos no Reino Unido que me apoiaram tanto nas dificuldades quanto nos bons momentos desta incrível experiência. Emma Sumário Introdução Estrutura dos capítulos 1 4 Capítulo 1 – Montando o Cenário 5 Capítulo 2 – A Casa de Passagem 7 Capítulo 3 – Metodologia e Métodos 3.1 Metodologia 3.2 Métodos 12 12 12 Capítulo 4 – Revisão da Literatura 4.1 Por que as meninas estão na rua? 4.2 Por que as meninas precisam de intervenções diferentes das intervenções para meninos? 4.3 O que as meninas precisam e esperam de um projeto? 4.4 Que intervenções são consideradas importantes? 15 15 Capítulo 5 – Resultados 5.1 Por que as meninas estão na rua? 5.1.1 Violência 5.1.2 Falta de alimentação 5.2 O que as meninas precisam e esperam de um projeto? 5.2.1 Comportamento 5.2.2 Estudo 5.2.3 Auto-estima 5.2.4 Família 5.2.5 Amigos e carinho 5.2.6 Informação 5.2.7 Mudança e sonhos 5.2.8 Protagonismo e cidadania 5.3 Que intervenções são consideradas importantes? 5.3.1 Família 5.3.2 Amigos 5.3.3 Estudo 5.3.4 Atividades pedagógicas em grupo 5.3.5 Limites e vida em comunidade 5.4 Por que as meninas vêm para a Casa de Passagem? 22 22 22 24 25 25 26 26 26 27 27 28 28 30 31 32 33 34 35 37 Capítulo 6 – Análise 6.1 Que intervenções podem ser introduzidas por projetos trabalhando com meninas de rua com o objetivo de incluí-las nos seus programas? 6.1.1 Família e envolvimento da comunidade 6.1.2 Amigos como comunidade 6.1.3 Educação 6.1.4 Confiança e carinho 6.1.5 Atividades pedagógicas em grupo 6.1.6 Regras e limites 6.2 Que melhoras podem ser feitas nos projetos existentes? 6.2.1 Pesquisa 6.2.2 Capacitação para o trabalho 39 17 18 20 39 40 42 42 43 44 44 45 47 48 Conclusão 49 Anexo I - Entrevistas com meninas do grupo de acolhimento Kátia Marcela Maria Roseane 50 50 50 50 51 Anexo II – Entrevistas com educadores Zoracy Cristina Olívia 52 52 53 55 Anexo III – Lista de palavras-chave 58 Referências bibliográficas 59 Tabelas Mapa do Brasil Tabela 1 Classificação feita pelo grupo de artesanato: O que é importante para as meninas? Tabela 2 Classificação feita pelo grupo de educadores I: O que é importante para uma organização trabalhando com meninas? Tabela 3 Classificação feita pelo grupo de educadores II: O que é importante para uma organização trabalhando com meninas? Tabela 4 Classificação feita pelo grupo de artesanato: O que é importante para uma organização trabalhando com meninas? Tabela 5 Motivos pelos quais as meninas vêm para a Casa, segundo Cristina Tabela 6 Motivos pelos quais as meninas vêm para a Casa, segundo meninas dos grupos de acolhimento e de artesanato 5 25 29 29 29 37 38 “Para ter uma vida melhor”: um estudo de intervenções com meninas de rua no Recife, Brasil Introdução Crianças de rua não são um fenômeno novo na paisagem urbana tanto de países desenvolvidos quanto daqueles em desenvolvimento. Dificuldades de definição e métodos de cálculo levaram a uma estimativa confusa e divergente do número de crianças nas ruas. Embora haja uma literatura abundante que trata de questões relacionadas a uma definição adequada (Glauser 1990; Williams 1993), nenhum termo que englobe a complexidade e a heterogeneidade da população de rua foi adotado de comum acordo por pesquisadores ou educadores. Geralmente, o termo "crianças de rua" é usado tanto para se referir às crianças que trabalham, quanto àquelas que vivem nas ruas de nossas cidades. Embora definições vagas e imprecisas possam ser problemáticas, elas também podem ser úteis para fins de lobby, financiamento e captação de recursos destinados a investigar o problema (Williams 1993). "Em situação de risco" é um outro termo que tem sido adotado por várias organizações. Segundo Barker e Fontes, esse termo denota: uma categoria extremamente abrangente que geralmente se refere a crianças que enfrentam condições ambientais, sociais e familiares que impedem o seu desenvolvimento pessoal e a sua inserção na sociedade como cidadãos produtivos. No cerne da noção de risco está o impacto da pobreza ou do estresse econômico nas famílias de baixa renda. (Barker e Fontes 1991:1) Crianças de rua estão, naturalmente, incluídas nessa categoria. No entanto, geralmente há pouca diferença entre as crianças que moram ou trabalham nas ruas e aquelas que vivenciam a pobreza e a violência em suas casas e comunidades. Não existe uma 'típica criança de rua', assim como não há uma 'típica criança'. Apesar disso, programas e projetos tendem a formular um estereótipo e então desenvolver e implementar estratégias para essas crianças 'míticas' (Connolly and Ennew 1996). A maioria dos projetos é direcionada a crianças de rua e não fazem distinção de gênero. Já que os problemas sociais "afetam meninos e meninas de forma diferenciada", a questão de gênero deve ser uma consideração importante tanto na pesquisa quanto no planejamento de programas. Entretanto, a maioria dos projetos são direcionados a meninos porque eles têm, consistentemente, representado uma grande proporção da população de rua. Os estudos sobre crianças de rua que abordaram a questão de gênero concluíram que meninas representam aproximadamente dez por cento da população de rua (Barker e Fontes 1996, Scanlon et al 1998). A maioria das razões pelas quais há menos meninas visíveis nas ruas é decorrente do fato de que a sociedade tem expectativas diferenciadas a respeito do papel do homem e da mulher. Entretanto, esses números ainda são significativos, fato não reconhecido por muitos projetos que ignoram as necessidades diferenciadas das meninas (IADB 1996). Até mesmo quando os projetos reconhecem uma lacuna no provimento de serviços, eles nem sempre estão certos sobre como proceder para tornar seus programas menos orientados para o sexo masculino, incorporando intervenções efetivas e específicas para meninas. Segundo Bemak, poucas pessoas têm tempo, energia e inclinação para perguntar por que elas estão fazendo o que estão fazendo com as crianças de rua (1996:149) estando mais preocupadas em fornecer um serviço, sem se darem ao luxo de questionar a adequação do mesmo. Poucas pesquisas abordam a questão das meninas de rua, fato comprovado por Connolly e Ennew (1996:137) e os pesquisadores freqüentemente caem na armadilha de estereotipar meninas de rua como prostitutas (Beers 1996). Diferentemente dos meninos, elas são vistas sob uma ótica sexual, embora haja várias formas diferentes de as meninas ganharem dinheiro nas ruas, sendo a prostituição uma forma usada por uma minoria atualmente. Essa conotação sexual tem afetado a decisão de ONGs em lidar ou não com meninas de rua. A Undugu Society no Quênia, por exemplo, tem fortes inibições com relação ao tratamento com meninas de rua devido à questão da sexualidade feminina e a possibilidade de gravidez (UNICEF 1993:41) No entanto, grande parte da literatura, segundo Beers, se ocupa da prostituição ao invés de tentar descobrir as causas fundamentais, as razões pelas quais elas [as meninas] estão nas ruas ou as suas percepções sobre a vida, a sociedade e seus grupos de convivência (1996:198-9). Com relação ao levantamento das necessidades e dos anseios das meninas de rua, muito pouco tem sido documentado. A presença de meninas na rua desafia as normas e os valores existentes dentro da sociedade (Beers 1996:197). Tal atitude não passa desapercebida pelas meninas de rua. Uma menina em Dhaka declarou que "todos os adultos odeiam meninas que ficam na rua" e se mostrou muito consciente das atitudes diferenciadas dos adultos em relação a meninos e meninas (West 1998:277). Essas atitudes têm sido atribuídas à inveja, raiva, pena e admiração provocadas pela aparente liberdade, carência e manipulação da criança de rua (Swart 1990:97). O objetivo deste estudo é responder a seguinte pergunta: Que intervenções podem ser introduzidas por projetos trabalhando com meninas de rua com o objetivo de incluí-las em seus programas? A finalidade desta pesquisa não é identificar a solução mágica para os problemas relacionados ao trabalho com meninas de rua, pois não existe um método único, uma solução miraculosa para o problema das crianças de rua e das crianças que trabalham (UNESCO 1995:19) Pretendo, entretanto, chamar a atenção para algumas lacunas na pesquisa e na prática com meninas de rua, fazendo uso da literatura e dos resultados da minha pesquisa na Casa de Passagem em Recife, Brasil, com o objetivo de abordar as seguintes questões: Por que as meninas estão na rua? Por que as meninas precisam de intervenções diferentes das intervenções para meninos? O que as meninas precisam e desejam de um projeto? Que intervenções são consideradas importantes? Estrutura dos capítulos Os dois primeiros capítulos descrevem o contexto social da Casa de Passagem e das crianças de rua no Brasil, bem como os métodos do próprio projeto. O capítulo três apresenta a metodologia e os métodos usados na minha pesquisa. Os capítulos quatro e cinco apresentam uma revisão da literatura existente e uma análise dos resultados da minha pesquisa em relação às questões sendo pesquisadas. O capítulo seis conclui este estudo conectando o material dos dois capítulos anteriores para responder à principal questão pesquisada. Capítulo 1 – Montando o Cenário A Casa de Passagem está situada no Recife, capital do estado de Pernambuco no nordeste do Brasil. Mapa do Brasil Fonte: http://geography.about.com/library/cia/blcbrazil.htm O Brasil é um país de muitas contradições e de uma imensa desigualdade social. Apesar de ocupar a oitava posição na classificação das nações mais industrializadas do mundo, "quase metade da população do Brasil vive em estado de pobreza absoluta" (Novartis 2003). A falta de um sistema de suporte por parte do estado significa que uma família cujo chefe está desempregado não tem com o quê sobreviver. Embora nos últimos anos o governo tenha implantado programas como a Bolsa Escola e o Programa do Leite em Recife, as quantias envolvidas são pequenas e muitas famílias não são contempladas. Muitos nascimentos não são registrados, o que pode impedir que muitas famílias se inscrevam nesses programas por não possuírem a documentação exigida. Atualmente a taxa de desemprego no Brasil é de 12,8 por cento, com um índice de inflação acima de 15 por cento (Latin Focus 2003). Esta situação está afetando o sistema de classes no Brasil. Devido às pressões econômicas, acredita-se que a classe média esteja em vias de extinção e brevemente se transformará em classe operária ou classe alta (comunicado pessoal). Essas pressões afetam mais duramente os pobres, pois fatores econômicos e sociais podem se combinar para exacerbar a pobreza e aumentar o consumo e a dependência de drogas e álcool como uma tentativa de fugir dos problemas. Crianças de rua são originárias de famílias atingidas pela pobreza e que vivem nas favelas das periferias das grandes cidades (Barker e Fontes 1996). Muitas famílias migraram de zonas rurais em busca do emprego que não conseguiram, passando assim a fazer parte do crescente número de famílias empobrecidas e desempregadas que vivem em condições precárias nos barracos de favelas em franca expansão. Contrariamente à opinião popular, a maioria das crianças de rua tem algum tipo de contato com suas famílias, mesmo quando elas não estão morando com membros da família. Apenas uma pequena porcentagem dessas crianças cortou completamente os laços com as respectivas famílias (Barker and Fontes 1996; Rizzini and Lusk 1995; Szanton Blanc 1994). Pesquisas sobre o tipo de família da qual as crianças de rua se originam são unânimes em mostrar que tal família é predominantemente chefiada por uma mulher. Quando um companheiro do sexo masculino está presente, ele assume a posição de chefe da família (Szymanski in Moulin and Pereira 2000). É próprio da sociedade brasileira criar expectativas, baseadas em gênero, sobre o papel dos homens e das mulheres, dos meninos e das meninas. As mulheres esperam que os homens sejam os provedores da família, já que este é o papel esperado deles e, além disso, é difícil sobreviver sem os rendimentos de um companheiro. A instabilidade do mercado de trabalho faz com que a mulher tenha uma sucessão de companheiros na busca daquele que ficará e proverá o sustento da família. Que a pobreza é a causa principal dessa situação é universalmente aceito. Essa não pode, porém, ser a única causa. (UNESCO 1995:13-4) A pobreza, largamente apontada como a causa fundamental do fenômeno crianças de rua, não é o único fator determinante. Outras dinâmicas, incluindo violência, abuso e coesão familiar, se somam à pobreza para influenciar o número de crianças na rua, com um impacto que varia de acordo com o sexo da criança. Capítulo II - A Casa de Passagem A Casa de Passagem no Recife é um dos poucos projetos que trabalham exclusivamente com meninas no Brasil. Ela é uma das organizações participantes da Shine a Light, uma rede de organizações em prol das crianças de rua na América Latina. A Casa de Passagem foi fundada em 1987 por uma advogada brasileira com o objetivo de "melhorar o bem estar das meninas de rua através de serviços de saúde, geração de renda e abrigo" (Barker e Knaul 20), assim como empoderá-las para se reintegrarem e confrontarem a sociedade. As fundadoras do projeto começaram a conversar com meninas nas ruas porque na época elas estavam sendo ignoradas e porque, como mulheres, elas já estavam sofrendo os efeitos da sujeição dentro da sociedade patriarcal brasileira. A partir das conversas com as meninas, suas necessidades foram identificadas e, baseadas nessas descobertas, as fundadoras organizaram a Casa de Passagem. Durante os últimos dez anos, porém, a situação das meninas de rua no Recife sofreu mudanças. Devido às crescentes intervenções tanto do governo, quanto de ONGs na cidade, menos meninas são agora encontradas nas ruas. Além disso, o desenvolvimento do centro do Recife como um centro comercial afastou a maioria das famílias pobres para comunidades na periferia. Todas as meninas que agora têm acesso ao projeto têm algum tipo de abrigo permanente ou uma casa para a qual retornar à noite, mesmo que essa casa seja talvez feita de papelão (Zoracy). Devido a essas mudanças, a Casa de Passagem agora também trabalha com meninas em situação de risco, ao invés de atender somente meninas de rua (Casa de Passagem 2002). No entanto, todas as meninas do projeto vivem em circunstâncias que a qualquer momento podem levá-las a viver na rua. Além disso, em termos do histórico de suas famílias e das suas oportunidades na vida, elas apresentam as mesmas características das meninas de rua discutidas na literatura. O perfil das meninas com as quais a Casa de Passagem trabalha mudou - pobreza, falta de alimentação e baixo nível de condições de vida são fatores que as levam a buscar a Casa. (Zoracy) Por essa razão e pelo fato de que algumas das meninas ainda estavam trabalhando nas ruas antes ou durante sua passagem pela Casa, eu pretendo situar o exemplo do projeto dentro de uma discussão teórica sobre questões e estratégias de intervenção inerentes ao trabalho com crianças de rua, ao invés de restringir a discussão a crianças em situação de risco. O projeto se desenvolveu durante os anos que se seguiram e agora tem uma tríplice abordagem com relação às questões que confrontam adolescentes em situação de risco na sociedade atual. A Casa I é a primeira porta de entrada para meninas que se inteiraram sobre o projeto, geralmente através de amigas ou membros da família. Quando as meninas vêm para o projeto, elas passam por exames médicos e psicológicos para avaliar o seu estado e identificar suas necessidades imediatas que precisam ser abordadas. A seguir, as meninas passam duas semanas no grupo de acolhimento, começando a relatar suas experiências e a fazer amizade com outras meninas em situações semelhantes. No final desse período, um outro levantamento é feito para avaliar o progresso das meninas em termos de freqüência escolar, contato com a família e capacidade de viver em uma comunidade e respeitar as poucas regras que a Casa tem. Estes critérios formarão a base do progresso das meninas na Casa I. Elas se graduam do programa de diferentes grupos, dependendo da idade e do progresso apresentado, permanecendo, em média, entre dois e dois anos e meio na Casa I. Na Casa I as meninas recebem café da manhã e almoço e passam a manhã junto com seus grupos, discutindo questões e também participando de atividades, tais como desenho, pintura, dança, música e esportes. Uma vasta gama de questões são abordadas: discussão sobre os direitos e responsabilidades da vida em comunidade, relato de suas experiências, higiene pessoal, informação sobre saúde sexual, entre outras. As atividades em grupo formam a espinha dorsal do trabalho com as meninas durante a sua permanência na Casa I. O trabalho em grupo também continua na Casa II, mas tem um enfoque diferente, abordando mais o desenvolvimento das meninas no trabalho e nos estudos do que no âmbito pessoal. Liderado por psicólogos e estagiários, os grupos abordam diferentes questões nas vidas das meninas e as encorajam a falar sobre suas situações. A importância da educação é enfatizada e a Casa consegue uma adequação do horário de forma que as meninas possam freqüentar a escola e a Casa. Assim que entram no projeto, as meninas são revistadas em busca de drogas e facas, mas o consentem satisfeitas, pois esta medida lhes dá a certeza de que a Casa é um lugar seguro. Qualquer briga resulta em três semanas de suspensão do projeto e uma entrevista por ocasião da volta, se a menina quiser retornar. O uso de drogas não é permitido dentro do projeto e as meninas não são admitidas se chegam sob a influência de drogas. Um trabalho gradual é feito, individualmente, com meninas usuárias de drogas e elas são motivadas a abandonar o vício completamente. No decorrer das duas primeiras semanas da chegada de uma menina ao projeto, os educadores visitam sua família e motivam os pais a participarem dos encontros para pais. Se o contato entre a menina e sua mãe foi cortado, são feitos esforços para uma reconciliação e apoio é oferecido para fortalecer o relacionamento entre elas. Isto é facilitado pelos encontros para pais, nos quais são levantadas e discutidas questões sobre a criação de filhos, tal como, por exemplo, lidar com o comportamento desafiador dos adolescentes. Também são discutidas questões que afetam os pais (geralmente as mães ou outros membros da família, do sexo feminino), tais como a auto-estima e a não-aceitação de violência por parte de companheiros e parentes do sexo masculino. Instruir as mães a respeito dos seus direitos e dos direitos da menina faz com que ambas se conscientizem dos fatores externos que influenciaram a sua condição atual e suporte lhes é dado para mudarem tal condição. Os pais também se fortalecem nos seus encontros com outros pais e com o fato de terem espaço e oportunidade para falar sobre problemas que já enfrentaram ou que estão enfrentando. O objetivo principal deste período é preparar as meninas para irem para a Casa II onde elas irão aprender os rudimentos de uma profissão, tais como cozinha industrial e oficina de moda e confecção de bonecas, além de outras atividades culturais. A transição da Casa I para a Casa II é difícil para meninas que passaram vários anos na Casa I e estão deixando para trás amigos e educadores que elas conhecem e nos quais confiam. Para facilitar o processo de transição, as meninas mudam para o grupo de desligamento para falarem sobre questões que surgem devido à sua mudança. O grupo de artesanato é o programa que ensina a fazer bonecas, mosaicos, etc e é constituído na sua quase totalidade de meninas da Casa I, às quais é dada prioridade para participar daquele grupo. Na Casa II, meninos das comunidades nas quais a Casa atua se juntam às meninas. Os adolescentes permanecem na Casa II por vários anos, continuando a freqüentar a escola (uma exigência do projeto), até que estejam preparados para conseguirem emprego e seguir com suas vidas. A terceira parte do projeto é o programa de cidadania e comunidade que atua nas comunidades da periferia do Recife, desenvolvendo atividades em grupo com mulheres e famílias e treinando adolescentes na função de multiplicadores de informação sobre saúde e AIDS a outros adolescentes e a adultos. Devido ao fato de que a Casa I é a parte do projeto que trabalha diretamente com as meninas assim que elas chegam à Casa, esta é a parte do projeto na qual concentrarei minha discussão a respeito da Casa de Passagem. Capítulo III - Metodologia e Métodos 3.1 Metodologia Pesquisas desenvolvidas até a presente data têm geralmente sido quantitativas ao invés de qualitativas, baseando-se fortemente em questionários (Ennew e Milne, sem data). Em uma outra vertente, os testemunhos das crianças têm sido usados, ou melhor, "abusados", já que muito freqüentemente os mesmos são apresentados fora de contexto ou usados para confirmar dados coletados em um contexto diferente (Lucchini 1996). O período limitado que pude passar no Brasil, assim como a disponibilidade das meninas dentro de suas rotinas na Casa, impossibilitaram uma abordagem participatória completa. Ainda assim, eu trabalhei o máximo possível com meninas nos diferentes estágios do projeto para me certificar a respeito de suas opiniões quanto aos métodos usados no projeto, usando entrevistas com pessoas chave na Casa para obter o histórico do projeto e do contexto social. Uma sessão de trabalho de grupo foi conduzida com educadores, baseada nos resultados do trabalho de grupo desenvolvido com o grupo de artesanato. 3.2 Métodos Trabalhei com o grupo de acolhimento, cujas meninas se encontravam nas suas duas primeiras semanas na casa e com o grupo de artesanato, cujas participantes já estavam, em média, há seis anos na casa. Meu objetivo era adquirir uma compreensão de como o projeto é percebido por ambos os grupos e me certificar se havia diferenças significativas entre os dois grupos. Também me foi dada a oportunidade de participar de uma sessão com o grupo de desligamento na qual discutiam as características de comunidades boas e ruins e de sua comunidade ideal. Alguns dos meninos da Casa II haviam participado de uma pesquisa em uma das comunidades (Chão das Estrelas) e eu pude assistir a um encontro comunitário onde os resultados de suas pesquisas foram apresentados aos participantes e discutidos. Passei uma grande parte do meu tempo observando ou participando de diferentes atividades da Casa I, desde sessões de esportes até discussões sobre as vidas das meninas, no intuito de melhor compreender como os diferentes aspectos do projeto se encaixavam. Conduzi breves entrevistas com meninas do grupo de acolhimento para entender o motivo que as levaram à Casa e suas impressões iniciais sobre o projeto. Eu já havia passado algum tempo observando o grupo e participando de algumas atividades, mas já que os membros eram novos no projeto e não estavam familiarizados comigo, eu solicitei que voluntários se apresentassem. Dentre os doze membros, quatro se ofereceram para serem entrevistadas. As entrevistas foram gravadas, transcritas e se encontram reproduzidas no Anexo I. Com a finalidade de obter uma visão do projeto na sua totalidade e devido ao fato de que as meninas mudaram durante sua permanência no projeto, eu conduzi atividades em grupo com as meninas do grupo de artesanato que haviam estado tanto na Casa I quanto na Casa II. Dentre as oito participantes do grupo, sete puderam comparecer no horário marcado para o trabalho. Adaptei a técnica 'desenhe e escreva' para 'desenhe e fale' para encorajar as meninas, por si mesmas, a avaliarem o projeto, comigo na posição de facilitadora. A atividade foi desenvolvida em quatro partes. Primeiro estágio: as meninas fizeram um desenho de como elas eram quando vieram para a Casa e um outro de como elas se viam no presente. Segundo estágio: cada menina falou sobre seu desenho e o explicou para o grupo. Quaisquer palavras consideradas importantes pelo grupo eram escritas em folhas de papel. Terceiro estágio: cada menina escolheu duas ou três das palavras chaves que elas consideravam importantes para um projeto para meninas e explicaram a razão de suas escolhas. Quarto estágio: as palavras escolhidas foram classificadas em ordem de prioridade para uma organização hipotética trabalhando com meninas. Depois de muita discussão, as meninas acabaram formando duas listas, uma representando o que é importante para meninas (tabela1) e outra representando o que é importante em uma organização trabalhando com meninas (tabela 4). A opção por duas listas deveu-se ao fato de que as meninas queriam abordar os dois lados da questão e acharam complicado representálos dentro de uma única lista. Classificações não estruturadas foram usadas para dar maior liberdade às meninas tanto em relação à quantidade de palavras consideradas importantes, quanto ao número de níveis necessários para incluir tudo que elas julgassem apropriado. A lista de palavras-chave escolhidas pelas meninas (Anexo III) foi mais tarde apresentada a dois grupos de educadores, aos quais foi solicitado que escolhessem e classificassem as palavras que consideravam importantes para um projeto trabalhando com meninas (tabelas 2 e 3). Ambos os grupos escolheram incluir um objetivo como parte da classificação, apesar de esse não ser um requisito da atividade, enquanto as outras fileiras apresentavam os elementos considerados importantes. Uma vez concluídas as classificações, membros de um grupo as explicaram para o outro grupo e, finalmente, lhes foi perguntado se gostariam de combinar as duas listas, mas eles escolheram não fazê-lo, pois achavam que ambas as listas diziam a mesma coisa, apenas de forma diferente. Também entrevistei três pessoas-chave na organização: uma das mulheres que trabalham na Casa II (Olívia), uma das fundadoras da organização e que agora dirige a Casa I (Cristina) e um membro da equipe técnica que trabalha com questões de gênero e que havia trabalhado anteriormente na Casa I como psicóloga (Zoracy). Anotações foram feitas tanto em inglês como em português durante as entrevistas e, posteriormente, expandidas nas transcrições encontradas no Anexo II. Capítulo IV - Revisão da Literatura Há um aumento crescente da literatura sobre intervenções e programas para crianças de rua em todo o mundo, apresentando sugestões de como os mesmos podem ser aperfeiçoados. Obviamente, a população de rua está longe de ser homogênea e qualquer intervenção tem que levar em consideração a cultura na qual as crianças estão inseridas, assim como as necessidades das crianças às quais o programa se destina. 4.1 Por que as meninas estão nas ruas? Examinar as diferentes razões pelas quais meninas e meninos se encontram nas ruas é um passo essencial no design de programas cuja finalidade é dar-lhes apoio (Gustaffson-Wright e Pyne 2002). Ainda assim, a maioria das pesquisas examina apenas o total dos dados sobre as crianças de rua. Takahashi e Cederlof citam causas diretas e indiretas para as crianças estarem nas ruas, sendo pobreza e urbanização causas indiretas e violência, abuso e abandono causas diretas (2002:2). Em um outro estudo, de Oliveira et al descobriram que as principais causas que levam as crianças a deixarem suas casas são violência, álcool e abuso (1992:165). No entanto, o impacto diferenciado dessas causas sobre meninas e meninos, bem como o seu efeito nas razões pelas quais eles se encontram na rua, ainda precisa ser reconhecido e é raramente abordado na literatura (Szanton Blanc 1994). Em uma sociedade patriarcal como a brasileira, com papéis claramente definidos para homens e mulheres, meninos e meninas são educados de forma diferenciada, com diferentes expectativas e pressões colocadas sobre eles. O papel da mulher é gerar e educar as crianças, enquanto o papel do homem é o de provedor da família. As crianças são, portanto, educadas de forma que os meninos esperem cumprir o papel de pais e provedores e as meninas, o de mães. A natureza patriarcal da sociedade pode colocar pressões enormes sobre os chefes de família, pois têm que sobreviver e prover para o restante da família. Com o crescente desemprego, as oportunidades de trabalho são poucas e muitos homens lutam com dificuldade para trazer para casa o suficiente para manter suas famílias. O desemprego continuado e a incapacidade de preencher o papel atribuído ao homem podem causar sérias repercussões na família: o homem se sente frustrado e impotente por não ser capaz de cumprir suas responsabilidades para com a família e perde o respeito próprio, o que leva ao aparecimento de sérias tensões no seio da família (de la Luz Silva 1981:164) Essa situação acarreta duas sérias conseqüências para as meninas. Em primeiro lugar, na ausência de um homem para sustentar a família, mulheres e crianças tornam-se 'provedores substitutos', encarregados de trazerem o sustento para a casa (de la Luz Silva 1981). Devido à natureza da sociedade brasileira, é muito mais provável que os meninos se juntem às mães na busca por trabalho e as meninas permaneçam em casa, fazendo o trabalho doméstico na ausência da mãe. Isso pode resultar não somente em negligência com relação à escolarização das meninas, mas também em um corte de relação entre mãe e filha devido à prolongada ausência materna (Szanton Blanc 1994). Estudos concluíram que a desintegração do relacionamento entre mãe e filha tem um enorme impacto no bem estar da menina, possivelmente por que os padrões de socialização de garotas são muito mais dependentes desse relacionamento primário (Barker e Knaul 2000). Em segundo lugar, os sentimentos de frustração e impotência do homem são freqüentemente amenizados por bebida e drogas, levando por sua vez a um aumento do comportamento abusivo em relação à companheira e/ou filhos, principalmente as filhas (Szanton Blanc 1994). Barker and Knaul descobriram que o push factor (fator que pressiona meninas a deixarem suas casas) mais freqüentemente citado ... é o assédio sexual ou o conflito com um padrasto ou companheiro da mãe, ou outro membro da família do sexo masculino, no começo da adolescência (2000:8) A ausência da mãe pode deixar a menina vulnerável a abuso e, nos casos em que a mãe não acredita na filha, o relacionamento entre ambas pode ser cortado completamente. Dessa forma, embora a pobreza seja um fator que contribua para a presença de meninas nas ruas, o mesmo é uma causa indireta, porque é o efeito danoso das pressões da pobreza e as estratégias de se lidar com a mesma que representam os principais responsáveis por impulsionar as meninas a trocarem suas casas pela rua. 4.2 Por que as meninas precisam de intervenções diferentes das intervenções para meninos? Há uma crescente conscientização de que intervenções que funcionam com meninos não são necessariamente bem sucedidas em satisfazer as necessidades das meninas de rua (Barker e Knaul 2000:9) A maioria dos programas existentes tem como foco a população de rua do sexo masculino, ocasionando a afirmação de que, discriminação por gênero na sociedade é simplesmente refletida, freqüentemente aumentada, na rua, tanto na pesquisa quanto em programas sociais (Connlolly e Ennew 1996:138) embora tal fato tenha sido considerado 'compreensível' devido aos números relativos de meninos e meninas nas ruas (Gustaffson-Wright e Pyne 2002). É, no mínimo, de igual importância, que meninas recebam influências positivas em suas vidas, especialmente em sociedades cujas próprias estruturas fazem de mulheres e meninas seres subordinados. Além da discussão de que meninas têm direito às mesmas oportunidades que meninos, as intervenções diminuem a incidência de gravidez prematura e indesejada e melhoram a saúde e a nutrição das meninas através da distribuição de informação (WHO 2000a). No que diz respeito ao bem estar de gerações futuras, tem sido sugerido que investimento na educação de meninas tem retorno mais alto do que investimento semelhante em meninos (World Bank 1992). Está confirmado que meninas que deixam as ruas estão provavelmente mais bem equipadas com meios para evitar que suas próprias crianças precisem viver nas ruas. O aumento de sua auto-estima reduz a probabilidade de que elas se envolvam em relacionamentos destrutivos (Barker e Fontes 1996) como fizeram suas mães, quebrando, assim, o círculo vicioso da pobreza. 4.3 O que as meninas precisam e esperam de um projeto? é seguro afirmar que muito poucas crianças escolheriam viver ou trabalhar nas ruas se lhes fossem dados segurança, proteção, alimentação e roupa suficientes, pessoas que lhes dessem apoio e carinho, acesso seguro a boas escola (Reynolds, prefácio de Swart 1990). Esta afirmação representa um importante resumo da situação. As meninas não estão nas ruas em busca de liberdade e aventuras como foi descoberto em países industrializados, mas porque sua família não foi capaz de protegê-las ou fornecer-lhes o necessário para sua sobrevivência. Devido à posição ocupada por meninas na sociedade latino-americana, a presenças delas na rua é mais contraditória do que a dos meninos: a meninice para as meninas é muito mais circunscrita, mais inimiga da rua, mais intimamente aliada à casa (Hecht 1998:43) Isso pode resultar em um tratamento diferenciado por parte das pessoas que, acreditando ser errado meninas estarem nas ruas, não as vêem com bons olhos, um fato do qual, como foi mencionado anteriormente, as meninas estão perfeitamente conscientes. O tratamento que elas recebem nas ruas as embrutece, já que não são tratadas como gente. Portanto, a primeira fase de um projeto deve se ocupar em tratar as meninas como seres humanos e dar o amor e o carinho que lhes faltam nas ruas e, na maioria das vezes, em suas próprias casas. Confiança é também moeda rara na vida das ruas, pois meninas que têm sido maltratadas e exploradas não estão propensas a acreditar em ninguém, principalmente nos adultos. É, freqüentemente, através de um projeto que essas meninas têm sua primeira experiência com adultos que as querem ajudar e dar apoio, ao invés de usá-las para proveito próprio (World Bank 2000). Como conseqüência, essas crianças geralmente testam o relacionamento com essas pessoas e as pressionam para descobrir seus limites, como testemunhado por um membro de um projeto: "Elas nos testam, para ver se estamos seguros dos limites que impomos" (Swift 1991:11). Evidentemente, já que se encontram em um mesmo ambiente, meninas e meninos partilham dos mesmos problemas: uso de drogas, abuso físico e verbal, victimização e marginalização (Scanlon et al 1993:24). As meninas, no entanto, enfrentam os riscos adicionais de gravidez precoce, abuso sexual, prostituição, seqüestro e um risco maior de contraírem doenças sexualmente transmitidas (Scanlon et al 1993:24; Rizzini e Lusk 1995). As meninas relatam não serem capazes de dormir à noite por medo de serem molestadas ou mortas. Meninas são mais prováveis de serem atacadas ou molestadas, enquanto meninos correm um risco maior de serem mortos, pela polícia ou por esquadrões da morte. A violência é uma realidade sempre presente para todas as crianças morando ou trabalhando nas ruas, bem como para todos aqueles vivendo em comunidades pobres na periferia das cidades. As meninas, portanto, precisam de um lugar onde elas se sintam seguras e bem cuidadas para se concentrem simplesmente em viver, sem estarem constantemente na defensiva para se protegerem. As meninas não vêem a prostituição como uma escolha positiva (Scanlon et al 1993), mas como a única opção de sobrevivência ou como produto de coerção, inicialmente em troca de comida, roupa ou abrigo noturno, situação batizada por Scanlon et al (1998) como "sexo de sobrevivência". Meninas que estão deixando o comércio do sexo precisam de intervenções direcionadas à recuperação de seu amor-próprio e do respeito e controle sobre seus próprios corpos e sexualidade (Barker e Knaul 2000). 4.4 Que intervenções são consideradas importantes? É amplamente reconhecido que uma variedade de estratégias são necessárias para abordar a natureza multifacetada dos problemas que a vida nas ruas pode produzir nas crianças em geral e nas meninas em particular. Com crianças precisando de um lugar seguro, educação, melhoras nas relações familiares e fim da violência nas suas vidas, torna-se imperativo a utilização de mais de uma abordagem para contemplar as necessidades de tais crianças (Rizzini and Lusk 1995). Seguindo essa mesma vertente, Volpi reconhece que um conjunto de intervenções é necessário já que as necessidades emocionais, educacionais, de saúde e de sobrevivência das crianças de rua são geralmente impossíveis de serem abordadas separadamente (Volpi 2002:27) O relatório da OMS sugere cinco categorias para a promoção de "desenvolvimento saudável para crianças de rua": um ambiente seguro e de apoio, informação, desenvolvimento de habilidades, serviços de terapia e crescimento pessoal. (WHO 2000b:5) Entretanto, recomendações baseadas em questões de gênero são difíceis de serem encontradas. Uma revisão de programas trabalhando com Crianças em Circunstâncias Especialmente Difíceis (CCED), feita pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), recomenda que: Futuros programas CCED devem avaliar a melhor maneira de ajudar meninas, levando em consideração possíveis necessidades especiais e oferecendo oportunidade igual de educação e treinamento para o trabalho. (IADB 1996:1) Intervenções usadas para alcançar menores vulneráveis têm que lhes permitir serem respeitados e respeitar a si mesmos novamente, antes que outras atividades, tais como programas de trabalho, possam ser introduzidas. Também lhes deve ser permitido terem a infância que a maioria, talvez todos, perderam, tempo para brincar e receber cuidados, ao invés de sempre tomarem conta de outros e de si mesmos. uma variedade de intervenções se faz necessária embora haja evidência crescente de que uma opção viável e apropriada seja as crianças retornarem para suas famílias (Scanlon et al 1998:8) A importância do contacto com a família para a reintegração de meninas na sociedade é enfatizada em muitos relatórios que tratam de questões de gênero (UNESCO 1995). Este capítulo forneceu um breve panorama de questões abordadas na literatura, examinando as razões pelas quais meninas se encontram na rua, bem como intervenções para se trabalhar com essas meninas. Como ficou evidente, pesquisas sobre gênero estão em falta nesta área. O próximo capítulo apresenta os resultados da pesquisa desenvolvida na Casa de Passagem com a finalidade de investigar se as opiniões das meninas e de educadores diretamente envolvidos em um projeto para meninas em situação de risco confirmam ou contradizem pesquisas existentes. Capítulo V - Resultados Este capítulo apresenta os resultados da minha pesquisa com relação às questões pesquisadas (Introdução). Para maior clareza, cada seção foi dividida em tópicos que surgiram a partir da pesquisa. 5.1 Por que as meninas estão na rua? As entrevistas por mim feitas, bem como as sessões de trabalho de grupo que observei, identificaram duas causas principais para as meninas estarem nas ruas: violência e falta de alimentação. 5.1.1 Violência Um dos tópicos mais impressionantes que surgiram repetidas vezes durante a minha estadia no Recife foi a presença da violência nas vidas das meninas. Cristina admitiu que a violência "sempre existiu nas comunidades, mas agora ela é mais constante". Uma pesquisa feita em Chão das Estrelas, com a participação de meninos da Casa, concluiu que a principal preocupação das famílias era com a segurança, devido à violência e falta de policiamento. Enquanto participavam de uma atividade de grupo sobre 'comunidades boas e ruins', as meninas do grupo de desligamento também mencionaram a falta de policiamento nas suas comunidades. Quando precisavam ir ao posto de saúde, situado longe de suas casas, elas somente podiam fazê-lo em determinadas horas do dia, quando era então considerado seguro. Uma das meninas presentes também relatou o assassinato de seu primo, ocorrido alguns meses antes, em casa e na presença da mãe dele. Em uma sessão com o grupo de acolhimento, as meninas falaram francamente sobre a violência que tinha afetado suas famílias. O tio de uma menina e o avô de outra haviam sido mortos por causa de pequenas quantias de dinheiro. Elas também falaram sobre os abusos que sofreram por parte de padrastos e outros homens da família. Cristina disse que, embora 90 por cento das meninas tenham contato com suas famílias, O motivo pelo qual elas não permanecem em suas casas é que elas são molestadas pelos seus padrastos e apanham de seus irmãos. Mesmo nos casos em que a violência não atinge diretamente as meninas, suas mães podem tentar protegê-las, afastando-as de casa. A mãe é maltratada e apanha de seu companheiro, então as meninas vêm para casa e comem e então as mães as mandam embora por causa da violência. (Cristina) Entretanto, violência e maus-tratos são vistos como um 'estilo de vida', como foi indicado por Kátia ao dizer que gostava da Casa porque "eles não fazem nada de mau para nós ”, deixando claro o tipo de tratamento que ela foi levada a esperar das pessoas em sua vida. Outra menina do grupo de desligamento afirmou que sua comunidade não era violenta "apesar de que um homem foi morto na semana passada". Outra participante comentou, "é porque ela já está acostumada com isso ”. 5.1.2 Falta de alimentação Fome e falta de comida causam a maioria das dificuldades nas famílias. Drogas sim e violência também, mas a fome e a falta de comida são os pontos principais a considerar (Zoracy). Apesar de atualmente haver menos meninas na rua, as meninas que vêm para a Casa estão correndo risco se não forem para a escola, se elas não conseguirem ajuda de programas como Casa, mesmo que apenas em termos de conseguirem alimentação (Zoracy). Um projeto pode ajudar quando ele fornece alimentação, pois a família então terá menos bocas para alimentar. Marcela e Roseane mencionaram comida como um dos aspectos de que elas mais gostavam na Casa. Duas meninas do grupo de artesanato disseram que vieram para a Casa por necessidade, "para ter alguma coisa que comer". No Brasil, até mesmo famílias com poucos membros sofrem por falta de alimentação. Uma menina de 10 anos de idade que encontrei em uma praça, à noite, estava coletando latinhas para serem vendidas. Sua família era composta por ela e a mãe, mas se ela não conseguisse coletar sessenta latinhas, elas não teriam o que comer no dia seguinte. No entanto, estar sozinha nas ruas à noite é uma experiência arriscada. Zoracy menciona os riscos de seqüestro para tráfico para a Europa ou de sofrer violência, ou de ser explorada e levada à prostituição - fazendo sexo com alguém apenas em troca por comida. 5.2 O que as meninas precisam e esperam de um projeto? Segundo o grupo de artesanato (tabela 1), as meninas precisam de auto-estima para aprenderem como se comportar e estudar. Elas precisam ter pessoas à sua volta - família, amigos - com os quais possam interagir. Precisam ser organizadas, precisam de carinho e de informação sobre questões de saúde, especialmente sobre gravidez na adolescência. Também precisam de mudança, de ter sonhos e, principalmente, precisam conhecer seus direitos e saber como reivindicá-los. Tabela 1 Classificação feita pelo grupo de artesanato: O que é importante para as meninas? Comportamento Estudo Auto-estima Amigos Interação com a família Ser organizada Carinho Informação sobre gravidez na adolescência Informação sobre questões de saúde Mudança Sonhos Protagonismo Cidadania 5.2.1 Comportamento 'Comportamento' aparece como um dos aspectos mais importantes para as meninas, junto com o comentário de que elas precisam aprender uma nova maneira de se comportarem, diferente da forma como elas viviam nas ruas. Esse aspecto está ligado a 'ser organizada', o segundo item na classificação. As meninas sentiram que era importante aprender 'o que você pode ou não pode fazer' e comentaram sobre meninas vindas das ruas para o projeto que escreviam nas paredes como se não houvesse regras. Essas meninas iriam fazer daqui um lugar sujo, todo mundo aqui dentro quer um lugar limpo (Angeline) e regras ajudam as pessoas a reconhecerem isso. Dentre os seus aspectos favoritos da Casa, Roseane gostou do fato de que elas brincam com coisas que ensinam a você como se comportar e respeitar os outros, respeitar os professores e respeitar sua família. 5.2.2 Estudos A importância dada à educação é evidenciada pela colocação do item 'estudos' entre os primeiros na classificação do que é importante para meninas em um projeto. Elas disseram que as pessoas precisam estudar e ter o direito de aprender. Educação também foi mencionada por Marcela como uma das razões pelas quais ela considera a Casa um bom lugar. Kátia disse que um de seus motivos para vir para a Casa foi a oportunidade de aprender. 5.2.3 Auto-estima As meninas "precisam se fortalecer, aumentar sua auto-estima" (Cristina). Foi dada alta prioridade para a auto-estima na classificação feita pelas meninas, junto com o comentário de que "você precisa gostar de si mesma antes de qualquer outra coisa" (Lea). A auto-estima ajuda as meninas a progredir nas atividades do projeto, na escola e, futuramente, no seu local de trabalho. A auto-estima das meninas também é aumentada pelas sessões de trabalho em grupo, visto que "crianças e adolescentes se tornam mais fortes toda vez que falam" (Cristina). 5.2.4 Família As meninas discutiram essa categoria com alguns detalhes, falando sobre a importância de suas famílias em suas vidas e da estabilidade que isso lhes dá para se desenvolverem na escola e no treinamento para o trabalho. 'Família' também foi mencionada novamente pelas meninas na categoria 'suporte', englobando tanto suporte emocional quanto prático "de amigos, educação e família". 5.2.5 Amigos e Carinho Juntamente com 'interação', a categoria 'amigos' foi considerada tão importante quanto 'família' na classificação do que é importante para meninas em um projeto. Segundo Angeline, "todo mundo precisa interagir com os outros, as pessoas não podem viver sozinhas". Cristina expressa a mesma opinião: "você não se sente feliz, ou bem, se você está sozinho". Cristina acredita que as meninas vêm para a Casa e permanecem lá movidas por uma necessidade de carinho e humanização. Freqüentemente, esse carinho está em falta em suas casas onde, ao invés de serem tratadas como crianças, circunstâncias exigem que elas se tornem 'pequenas adultas' (Cristina). 'Carinho' também foi escolhido para aparecer na classificação com a justificativa de que "é importante, não é?" Elas também indicaram que o fato de receberem carinho as deixava mais confiantes para enfrentar o mundo. 5.2.6 Informação A categoria 'informação' apareceu nas duas classificações feitas pelo grupo de artesanato e se desdobrou em dois tipos: informação sobre gravidez na adolescência e informação sobre questões de saúde. Informação sobre gravidez precoce foi considerada necessária porque "meninas com idades entre 11 e 12 anos ficam grávidas e perdem sua liberdade". As meninas acharam que era necessário falar sobre sexualidade e informar adolescentes sobre as conseqüências de ficarem grávidas. A informação sobre saúde compreendeu a necessidade de se cuidarem, de ter campanhas e aulas sobre questões de saúde. 'Informação' era importante para elas, obter informação sobre "as coisas, a vida, a escola". Essa troca de informações também fazia parte dos motivos pelos quais as meninas vieram para a Casa. Kátia disse que veio para a Casa porque "a professora fala sobre drogas", enquanto Marcela disse que veio "porque aqui você aprende a não gostar de drogas". 5.2.7 Mudança e Sonhos As meninas incluíram as categorias 'mudança' e 'sonhos' na sua classificação do que era necessário para meninas. Uma menina do grupo de artesanato declarou: "porque nós todos temos sonhos, não temos?" Elas falaram de meninas nas ruas sonhando em ter uma família, sua própria casa e liberdade, mas com alguma responsabilidade também. Com relação a 'mudança', as meninas acharam que era importante que mudanças ocorressem e acreditavam que elas ocorriam através do diálogo e que as pessoas podiam ver as mudanças. 5.2.8 Protagonismo e Cidadania Protagonismo foi definido pelo grupo de artesanato como "lutar pelos seus direitos e deveres" e Angeline forneceu o seguinte exemplo: Eu comprei este lápis com meu próprio suor, então eu mereço ter este lápis. Isso se resume em tomar posse do que é seu de direito na sociedade, aceitando também as responsabilidades que tal ato acarreta. Uma das razões que motivou Cristina a começar a trabalhar com meninas foi porque elas estavam na mesma situação que as mulheres - elas precisavam... se tornarem cidadãs, conhecerem seus direitos em termos de gênero, serem iguais aos homens, terem os mesmos direitos que os homens. 'Protagonismo' e 'cidadania' foram os últimos colocados na classificação do que era importante para meninas, sinalizando o estágio final na sua preparação para a vida no mundo fora da Casa. Depois de extensa discussão sobre o que era mais importante, as meninas finalmente decidiram listar as duas categorias juntas, considerando-as interligadas e, portanto, de igual importância. Após identificar as razões pelas quais existem meninas nas ruas e o que as meninas da Casa consideram importante para que se desenvolvam e progridam na vida, o próximo estágio será examinar as intervenções que um projeto pode implementar para abordar tais considerações. Tabela 2 Classificação feita pelo grupo de educadores I: O que é importante para uma organização trabalhando com meninas? Objetivo: Protagonismo Acreditar em mudança Perseverança Cidadania Família Tabela 3 Classificação feita pelo grupo de educadores II: O que é importante para uma organização trabalhando com meninas? Objetivo: Uma vida melhor Protagonismo Cidadania Envolvimento da família Auto-estima Atividades pedagógicas em grupo Estudos Saúde Tabela 4 Classificação feita pelo grupo de artesanato: O que é importante para uma organização trabalhando com meninas? Paciência Apoio Envolvimento da família Informação Diálogo Atividades pedagógicas em grupo Atividades educacionais Regras 5.3 Que intervenções são consideradas importantes? O grupo de educadores e as meninas expressaram a mesma opinião a respeito do que consideravam mais importante para uma organização trabalhando com meninas. Embora os educadores e as meninas tenham escolhido diferentes denominações para a categoria considerada mais importante ('perseverança', do ponto de vista dos educadores e 'paciência', na escolha das meninas), os atributos subjacentes às duas denominações são os mesmos. A categoria 'acreditar em mudança', listada pelo grupo de educadores, tem um papel fundamental no sucesso de um projeto. Todos precisam acreditar que mudar é possível e aceitar o fato de que todo processo de mudança é lento e gradual, o que requer 'perseverança/paciência'. Cristina acredita que a força da organização está na coesão e no treinamento da equipe, que se esforça para refletir sobre as suas próprias infâncias para melhor compreender a infância das meninas. A equipe também precisa receber suporte para lidar com as histórias das meninas, já que provavelmente seja mais difícil para um educador ouvir, do que para as meninas falarem sobre suas experiências. As poucas regras que a Casa possui são colocadas em efeito por todos os membros da equipe, evitando-se, assim, que as meninas tentem manipular educadores como havia ocorrido no início do projeto. Pode-se perceber um sentimento muito forte de que toda a equipe acredita no potencial de cada menina que participa do projeto, possibilitando que as meninas cresçam dentro dessa atmosfera positiva. As meninas classificaram 'suporte' como uma das principais prioridades para um projeto. Elas explicaram que se referiam tanto a suporte prático, quanto a suporte emocional, consistindo de família, amigos e educação. Essas três subcategorias são examinadas mais detalhadamente a seguir. 5.3.1 Família A colocação da categoria 'família' em nível tão alto é justificada pelo fato de que houve uma categoria em separado para 'envolvimento da família' na classificação feita pelas meninas e também pelo fato de 'família' ter ocupado o segundo lugar na classificação feita pelos dois grupos de educadores. Em termos mais práticos, todos os três grupos concordaram que o envolvimento da família era o aspecto mais importante para o projeto, com todos eles colocando 'família' em segundo lugar em suas classificações. Família também foi mencionada pelas meninas dentro da categoria 'suporte'. As meninas explicaram que por 'família' elas queriam dizer ter encontros com os pais e envolver a família (geralmente as mães) no desenvolvimento das meninas. Elas sentiam que era importante para os membros de uma família ajudar uns aos outros. Embora famílias geralmente não fossem retratadas nos desenhos feitos pelas meninas, Francis representou o seu progresso juntamente com o progresso de sua família. Quando ela veio para a Casa de Passagem eles moravam em uma casa situada em uma comunidade onde todas as casas ficavam muito próximas umas das outras. Sua casa não era grande o suficiente para a sua família e todos se amontoavam nos poucos cômodos. Agora eles têm uma casa maior e sua mãe deixou o companheiro violento. A sua família era parte importante na visão de Francis sobre como sua vida havia mudado durante sua permanência na Casa. A importância dada ao papel da família é, sem dúvida, influenciada pela maneira como a família é envolvida nos projetos da Casa. Espera-se que os pais compareçam a reuniões e o fortalecimento da família é um dos primeiros passos dados com as meninas recém-chegadas. Zoracy também acha que esse é um dos métodos mais importantes usados pela Casa no seu trabalho com as meninas. Isso fica evidente na inclusão de 'contato com a família' como um dos três critérios usados para avaliar o progresso das meninas de um grupo para outro na Casa I. 5.3.2 Amigos A violência presente nas comunidades onde vivem afeta a capacidade e as oportunidades de as meninas fazerem amizades. Elas falaram sobre não saírem de casa por medo de serem atingidas por uma bala perdida. Essa situação é ilustrada nos seus desenhos onde três delas se retrataram sem amigos nas suas representações do 'antes', mas se retrataram felizes e cercadas de amigos nos desenhos do 'desde'. Lea se desenhou, como em uma história em quadrinhos, incluindo a seguinte fala: "Por que eu sou assim? Ninguém gosta de mim?" As discussões acerca desses desenhos levantaram temas como tristeza, solidão e falta de amigos. No entanto, os desenhos de como elas se vêem agora as mostram com amigos à sua volta e incluem outros símbolos de felicidade como flores e raios de sol ou uma árvore com muitas folhas crescendo nos galhos, enquanto que nos desenhos anteriores havia poucos desses símbolos. Léa agora se retrata rodeada de amigos e dizendo: "Agora eu tenho pessoas com quem falar e brincar. Agora eu sou feliz”. A Casa dá às meninas a oportunidade de encontrar outras meninas da mesma idade e com histórias de vida semelhantes. Roseane afirmou que o que ela gostava mais a respeito da Casa eram "as amizades que eu não tinha antes, mas que agora eu tenho", enquanto Marcela gosta do fato de que há 'muitas meninas'. Essas afirmações indicam que as meninas, além do apoio que recebem da família e do projeto, também acham importante receber apoio de outras meninas em situação semelhante. Isso ficou evidente na discussão sobre amizades conduzida com o grupo de artesanato. As meninas reconheceram que existem diferentes níveis de amizade e disseram que na Casa elas fizeram amizades 'apropriadas', "onde você pode falar sobre coisas sérias também ”. 5.3.3 Estudos 'Estudos' é a próxima categoria listada pelo grupo de educadores II e 'atividades educacionais' ocupou uma posição um pouco inferior na classificação feita pelas meninas. Elas consideraram importante saber sobre sua cultura, aprender, aprender sobre outros lugares também Muitas das meninas haviam perdido vários anos de escola - as meninas com quem falei estavam em média dois ou três anos atrasadas, sendo que algumas estavam atrasadas até cinco anos. O padrão de escolarização em geral é fraco. O grupo de desligamento falou sobre sua escola onde havia obras em andamento durante o semestre letivo e sobre como não podiam ir à escola quando chovia por causa das goteiras. A priorização da educação se faz necessária para que as meninas tenham mais oportunidades de trabalho no futuro. A educação poderá também ter um efeito positivo nas gerações futuras, diminuindo o número de meninas na mesma situação: devido à educação que recebem, essas meninas provavelmente não deixarão seus próprios filhos irem para as ruas (Cristina). As meninas na Casa são avaliadas quanto ao seu engajamento com a escola, assim como no contato com a família e sua habilidade de viver em comunidade. Na Casa II todas têm que freqüentar a escola, se ainda estiverem em idade escolar. Essa é uma exigência para participarem do programa de capacitação para o trabalho. Além disso, elas recebem o suporte de um instrutor que faz o elo entre a educação formal e as habilidades e informações necessárias para conseguirem empregos. As meninas também recebem ensinamentos sobre a origem multifacetada da cultura brasileira, pois o projeto considera importante que elas tenham consciência de quem são e de onde vêm. Uma outra intervenção mencionada pelos dois grupos é a importância do trabalho de grupo. 5.3.4 Atividades pedagógicas em grupo Todas as quatro meninas do grupo de acolhimento que entrevistei mencionaram as atividades em grupo como uma das coisas das quais elas mais gostavam na Casa. Maria mencionou especificamente que a Casa era um bom lugar porque "nós podemos falar sobre o que acontece em nossa casa". As meninas do grupo de artesanato também afirmaram que para elas 'trabalho em grupo' significava "falar em grupos sobre o que já aconteceu com elas". A justificativa que usaram por escolherem 'falar' como uma parte igualmente importante de uma organização foi a de que é importante compartilhar com os outros sobre sua vida, sobre o que você tem medo, o que você gosta e o que já se passou com você. Segundo os educadores, as atividades em grupo formam a espinha dorsal do trabalho com as meninas. A idéia de se trabalhar em grupo foi inspirada pela tendência natural que os adolescentes têm em buscar outros adolescentes com os quais formam grupos enquanto estão nas ruas. O trabalho da Casa começou com esses grupos na rua e, mais tarde, essa prática foi transferida para dentro do projeto. Embora a Casa II também conduza trabalhos em grupo, as atividades têm um enfoque diferente daquelas da Casa I, ou seja, são "mais individualizadas, mais personalizadas, dando suporte a elas [as meninas] como pessoas" (Olívia). É nos grupos que as meninas se tornam mais fortes. Entretanto, isso leva tempo. Para recémchegadas, como Kátia, isso não é tão simples. Ela obviamente não estava acostumada a falar em grupos: elas prestam atenção em mim e algumas vezes eu não gosto que prestem atenção em mim. No entanto, gradualmente as meninas se acostumam com seu grupo e a forma de trabalhar e admitem se sentirem melhor por haverem falado sobre suas experiências, geralmente pela primeira vez. Cristina afirmou que as ONGs existentes quando a Casa recém começou seu trabalho não sabiam como falar com elas [as meninas], mas crianças e adolescentes precisam falar com alguém que eles respeitem. Cristina acredita que as meninas descobrem que precisam falar apenas depois que elas percebem o interesse dos educadores no que elas falam: Elas se sentem importantes porque um educador dispôs de seu tempo para falar com elas, então a auto-estima delas cresce. A auto-estima está, portanto, intimamente ligada ao trabalho de grupo, como já vimos anteriormente. O grupo de educadores II listou 'auto-estima' na mesma posição que 'apoio da família', considerando essas duas categorias como as bases sobre as quais o trabalho de grupo e outras intervenções podem ser construídos. Entretanto, os grupos não são 'sérios' todo o tempo. As meninas do grupo de acolhimento apreciam as atividades lúdicas desenvolvidas em seus grupos, tais como jogos, desenho e pintura, as quais são mencionadas por elas com freqüência. Essas atividades tiveram uma alta cotação entre os aspectos da Casa preferidos pelas meninas. 5.3.5 Limites e Vida em comunidade A categoria 'regras' recebeu a última colocação na classificação feita pelas meninas do que era importante para uma organização trabalhando com meninas. Essa categoria não figura nas classificações feitas pelos educadores, mas é semelhante à inclusão de 'comportamento' nas classificações do que era importante para meninas em uma organização. As meninas geralmente vivem em um ambiente caótico, no qual não existe nenhum lugar seguro para guardarem os poucos objetos que possuem e onde, em geral, a falta de supervisão e regras em suas casas lhes dá uma vida 'livre', já que elas não prestam conta de seus atos a ninguém. A vida nas ruas é uma extensão desse caos, onde elas não são tratadas como gente e, portanto, não se comportam como tal (Cristina). Cristina acredita que as meninas permanecem na Casa em busca de 'humanização' e revelou que a Casa é, muitas vezes, o primeiro lugar onde as meninas são chamadas pelo nome, ao invés de insultos. Todas as meninas do grupo de artesanato admitiram não ter tido nenhum senso de limite antes de chegarem à Casa de Passagem, tendo agido sem controle e sem limites e sendo rebeldes por natureza. Agora, porém, elas já estão muito conscientes da necessidade de organização tanto na forma de pensar, quanto na vida das pessoas, para que estas possam, então, ser bem sucedidas nos estudos e no trabalho. As oportunidades para pensar e refletir, proporcionadas pela Casa, ajudam as meninas a desenvolverem a capacidade de se organizarem (Cristina). O grupo de educadores I considerou 'protagonismo' como o objetivo do projeto, enquanto que o grupo de educadores II colocou 'protagonismo' e 'cidadania' como suas prioridades mais altas, como o ponto de partida para o restante do projeto. Esses são, provavelmente, os objetivos finais da Casa: que, ao deixarem a Casa, as meninas tenham o conhecimento e a capacidade de exercerem seus direitos e reconhecerem seus deveres. Esses objetivos não são intervenções em si mesmos, mas o resultado de outras intervenções, tais como o fornecimento de informações, a educação e o estabelecimento de limites dentro dos quais uma comunidade pode funcionar. Todas essas intervenções contribuem para que as meninas compreendam o que significa ter direitos e responsabilidades e ajudam a prepará-las para a vida fora da Casa. 5.4 Por que as meninas vêm para a Casa? Todas as meninas com as quais falei haviam se inteirado sobre a Casa através de amigos ou parentes, sendo que várias já tinham irmãs ou primas envolvidas no projeto. Nenhuma pressão é exercida para que as meninas venham ou permaneçam. No entanto, após uma longa ausência, elas passam por um novo processo de avaliação por ocasião de sua volta. Alguns projetos fornecem bolsas para as crianças como um incentivo para que participem de um programa. A Casa, porém, nunca adotou tal procedimento (Cristina). As meninas, sem dúvida, sentem que têm liberdade, provavelmente devido ao fato de que este não seja um projeto residencial e, nas palavras de Roseane, a "Casa de Passagem não obriga você a fazer nada". As meninas são motivadas para falarem e participarem das atividades, mas não são forçadas a fazê-lo e o direito delas de optar por não participarem de determinadas sessões também é respeitado. Tal procedimento é provavelmente mais eficaz, pois as meninas percebem que seus desejos são considerados importantes. Tabela 5 Motivos pelos quais as meninas vêm para a Casa, segundo Cristina Saúde Limites Um lugar permanente e estável Carinho Humanização Interação Tabela 6 Motivos pelos quais as meninas vêm para a Casa, segundo as meninas do grupo de acolhimento e do grupo de artesanato "Não ficar sozinha em casa" "Para passar o tempo" "Curiosidade - para saber mais" "Necessidade, alimentação, ter alguma coisa para comer" "Necessidade financeira" "Minha irmã me disse que eu conseguiria trabalho depois" "Eu vim porque minha irmã disse que a Casa de Passagem é boa" "Porque ela disse que aqui você aprende a não gostar de drogas e todo dia ... você não vê aqueles que ficam lá [na rua]" "Ela disse que era bom e [para] não ficar mais nas ruas" "Porque minha irmã disse que eu estava sentada em casa fazendo nada então eu vim para cá" Este capítulo apresentou alguns dos tópicos principais que surgiram durante a minha pesquisa, tais como os motivos que levaram as meninas a estarem nas ruas, o que as meninas e os educadores consideram importante em um projeto e o que as meninas consideram importante para o seu desenvolvimento como indivíduos e como cidadãs. Capítulo 6 - Análise 6.1 Que intervenções podem ser introduzidas por projetos trabalhando com meninas de rua com o objetivo de incluí-las em seus programas? A compreensão das causas da presença de meninas nas ruas é necessária para que sejam abordadas as questões específicas enfrentadas por aquelas que participam de um projeto. Já vimos que a pobreza é, sem dúvida, a causa subjacente, sendo mencionada freqüentemente na literatura e evidente nas entrevistas conduzidas no Brasil. Entretanto, a pobreza não é a única causa, pois outros fatores compõem as circunstâncias nas quais essas crianças vivem, levando algumas delas a deixarem suas casas em busca de uma vida 'melhor' nas ruas. O mais freqüente denominador comum para as meninas é a presença constante da violência em suas famílias e comunidades, somada à ameaça de abuso por parte de parentes do sexo masculino ou de companheiros de suas mães. Um outro fator significativo é o rompimento do relacionamento entre mãe e filha, essencial para o desenvolvimento e socialização de uma menina na adolescência. A vida nas ruas atinge as meninas de forma diferente daquela que afeta os meninos, pois para as meninas... viver nas ruas representa uma aniquilação de valores culturais. Isso as deixa com uma auto-estima mais baixa do que a dos meninos. (Swift 1991:13) A presença de meninas nas ruas é considerada menos 'natural' que a de meninos, o que, como vimos, leva as meninas a serem insultadas, molestadas, tratadas sem nenhum respeito e, freqüentemente, confundidas com prostitutas. Como já vimos, até mesmo meninas em situação de risco que não estão vivendo nas ruas sofrem os efeitos do ambiente no qual elas são criadas. Novamente a violência nessas comunidades e a falta de recursos as impedem de aproveitar a companhia de outras meninas. As meninas têm como modelo de comportamento mães submissas e vítimas de abuso e não têm ninguém que lhes diga que essa não é a forma como as coisas devem ser. Ambos cenários são responsáveis por meninas com baixa auto-estima, total desconhecimento de seus direitos e a crença de que os homens são seus donos, em particular aqueles para os quais elas perderam a virgindade (comunicado pessoal). Freqüentemente, essas meninas têm relacionamentos difíceis com suas mães, sem nenhum espaço para diálogo e desconhecem as enormes pressões que afligem seus pais. Como foi afirmado no início deste trabalho, não existe um modelo único que explique a heterogeneidade da população de rua, até mesmo para meninas. Diferentes contextos sociais influenciarão os fatores que impelirão as meninas às ruas. A reprodução em massa de modelos tem provado, repetidas vezes, que não funciona e essa ineficácia deve-se, talvez, à falha em se considerar as diferentes pressões sociais presentes em diferentes culturas (Dewees e Klees 1995). Entretanto, considerando-se o contexto latino-americano, talvez seja pertinente fazer recomendações sobre tipos de intervenções necessárias sem fornecer um plano para as organizações seguirem, já que nesse contexto as mulheres geralmente são discriminadas e as pressões econômicas têm afetado muitos países de maneira semelhante. 6.1.1 Envolvimento da família e da comunidade Uma intervenção fundamental quando se trabalha com meninas é envolver as famílias e comunidades, abordando alguns dos fatores tratados neste estudo e que afetam o número de meninas sendo levadas a viver nas ruas. Volpi enfatiza a importância desse envolvimento: O tipo certo de programa é aquele que ajudará os jovens participantes a fortalecerem seus laços com a família, escola e comunidade (Volpi 2002:28), listando os mesmos tipos de suporte que o grupo de artesanato classificou em primeiro lugar. O Estatuto da Criança e do Adolescente também demanda intervenções que fortaleçam o relacionamento das crianças com suas famílias e comunidades (Dewees e Kleees 1995). Do ponto de vista prático, se o contato com a família pode ser restabelecido ou fortalecido, isso garante um suporte mais duradouro do que aquele que as ONGs estão equipadas para fornecer. A família, particularmente para as meninas, deve ser o lugar onde elas se sintam seguras e bem cuidadas e possam se desenvolver. A literatura mostra que o relacionamento com a mãe tem uma enorme importância no desenvolvimento emocional e psicológico de uma menina. Muito do comportamento auto-destrutivo de adolescentes do sexo feminino em situação de risco é conseqüência direta da natureza problemática, ou do rompimento, do seu relacionamento primário com sua mãe ou família (Barker e Knaul 2000). Esse desenvolvimento afetará o futuro da menina em termos de sua auto-estima e do tipo de relacionamentos nos quais ela se envolverá (Barker e Fontes 1996). Embora esse aspecto não tenha sido especificamente discutido com as meninas, a alta colocação da categoria 'família' nas suas classificações indica o valor que elas dão a este relacionamento. Elas enfatizaram a importância da família trabalhando unida para vencer os problemas e expressaram que uma organização deve trabalhar não só com as crianças, mas também com a família. Visto que o colapso tanto das famílias quanto das comunidades são fatores fundamentais na decisão de uma menina em deixar sua casa, essas redes de apoio precisam ser reconstruídas para dar-lhe suporte a curto e longo prazo, assegurando, assim, que ela permaneça fora das ruas. A comunidade pode também ensinar as meninas sobre suas raízes e herança cultural, freqüentemente perdidas quando comunidades rurais migram para as periferias urbanas. 6.1.2 Amigos como comunidade Para as meninas, a 'comunidade' da qual elas recebem o maior suporte é, freqüentemente, o grupo de amigas que elas fazem dentro dos projetos. Como os resultados da minha pesquisa mostraram, a violência existente nas suas comunidades pode impedi-las de fazer amizades naquele meio. Em um ambiente seguro, como aquele proporcionado pelo projeto, as meninas têm a oportunidade de encontrar outras que possuem histórias de vida e experiências semelhantes, o que leva a amizades duradouras. Os desenhos feitos pelas meninas demonstram, de forma intensa, o papel que as amizades tiveram na perspectiva positiva que elas têm sobre suas vidas agora, comparada às imagens negativas e tristes de quando elas tinham poucas ou nenhuma amizade. 6.1.3 Educação A escolarização é importante para garantir o futuro de uma menina, dando-lhe as habilidades necessárias para encontrar emprego em outro setor que não o informal, que normalmente as exploraria. A educação formal é um componente fundamental do progresso de uma criança da infância para a idade adulta, como foi reconhecido nas sessões de discussão sobre as classificações feitas pelas meninas e pelos educadores. Se os projetos podem ajudar as meninas em sua formação escolar, interagindo com escolas e estabelecendo limites de comportamento para as meninas, elas poderão, então, se adaptar melhor dentro da disciplina das escolas, aumentando largamente suas chances de progresso. O trabalho com a família pode endossar os benefícios dessa educação e o interesse da família no progresso da criança também pode aferir benefícios: O envolvimento dos pais pode aumentar as chances de reintegração à escola. Em particular, o reconhecimento da importância da educação por parte da família e a sua participação nas atividades de aprendizagem têm ajudado as crianças a serem bem sucedidas nos seus estudos (Volpi 2002:26) 6.1.4 Confiança e Carinho Por ocasião da entrada de uma menina em um projeto, ela já terá sido vítima de maus-tratos nas mãos de muitas das pessoas com as quais manteve contato. Baseada em suas experiências anteriores, ela terá pouca confiança nas pessoas e duvidará que elas a tratarão bem. Portanto, a construção de um relacionamento genuíno e de apoio entre meninas e educadores deve ser um dos primeiros estágios de todos os programas destinados a prestar assistência a meninas e adolescentes em situação de risco. (Barker e Kanul 2000:25) Qualquer progresso somente será alcançado quando a menina confiar nos educadores e outros funcionários do projeto. Kátia declarou que um aspecto da Casa que ela apreciava era o de que "eles não fazem nada de ruim pra gente". Essa declaração é uma indicação tanto do valor que as meninas dão em se sentirem seguras e bem tratadas, quanto da desconfiança que elas têm se realmente o serão. Essas crianças, mais que a maioria, precisam de uma forma de atenção e carinho particularmente intensa e contínua (UNESCO 1995:301-2) Apesar de Scanlon et al (1993) sugerirem que crianças de rua que não tiveram um modelo de carinho e afeição sejam elas mesmas incapazes de demonstrá-los, as crianças que encontrei eram abertas e curiosas e, rapidamente, demonstravam afeição por mim, pelos educadores e pelas outras crianças do projeto. Embora elas não demonstrem tal afeição nas ruas, fato que pode ser percebido como sinal de fraqueza, quando elas estão em um ambiente seguro e estável e aprendem a confiar nas pessoas, elas se mostram ávidas pelo carinho que lhes faltava. Uma prova disso é o fato de que 'carinho' recebeu uma alta colocação na classificação feita pelas meninas. 6.1.5 Atividades pedagógicas em grupo Uma estratégia comum e freqüentemente bem sucedida é a terapia de grupo que inclui música, dança e dramatização. Esses grupos são formados por outros indivíduos com os quais eles podem se identificar e dos quais eles se tornam próximos. São normalmente lugares onde eles podem expressar seus sentimentos de forma não ameaçadora para si mesmos ou para os outros participantes. Nesses grupos eles podem encontrar solidariedade e apoio para mudar suas vidas. (Barker e Knaul 2000:25) Tanto as classificações feitas pelas meninas, quanto as feitas pelos educadores da Casa são evidência da afirmação acima, visto que 'trabalho de grupo' recebeu, de maneira consistente, uma alta colocação entre as intervenções práticas que uma organização deve usar. Além disso, as entrevistas com o grupo de acolhimento mostraram a importância e o prazer associados às sessões de trabalho em grupo, tanto nas sessões lúdicas quanto nas de discussão e diálogo. Essas sessões fortaleceram a auto-estima das meninas mais do que qualquer outra intervenção, dando-lhes a chance de falar sobre suas experiências e, principalmente, a oportunidade de terem seus pontos de vista e opiniões ouvidos e respeitados. 6.1.6 Regras e Limites Devido à natureza peculiar de suas vidas e problemas, as habilidades necessárias para sobreviver na rua e a falta de apoio dos pais, essas crianças têm dificuldade de adaptação ao currículo escolar padrão e à disciplina nas escolas (Volpi 2002:7) As meninas podem ter dificuldades em se comportarem de acordo com as normas da sociedade, não só nas escolas, mas também na sociedade em geral, devido ao fato de que a vida nas ruas as forçou a mudar o seu comportamento para sobreviverem. As meninas precisam, portanto, de apoio para se reintegrarem às escolas onde elas podem vir a ser discriminadas por causa de sua aparência e comportamento. A UNESCO (1995) sugere que o trabalho pode ser uma maneira de apresentar novamente as meninas às regras e à sociedade. No entanto, para enfrentar o ambiente de trabalho algumas regras básicas para a convivência em uma comunidade precisam ser estabelecidas com as meninas. A alta classificação dada à categoria 'comportamento' pelo grupo de artesanato mostra que elas acreditam que o seu comportamento tem uma grande importância no seu progresso. Essa importância é ainda mais enfatizada pela inclusão da categoria 'regras' como sendo necessária para uma organização, categoria esta que não foi listada por nenhum dos dois grupos de educadores. As meninas precisam ter limites dentro dos quais agir, pois esses limites dão uma estrutura para as suas vidas e as capacitam para enfrentar novamente os ambientes da escola e do trabalho. 6.2 Que melhoras podem ser feitas nos projetos existentes? Como fica evidente na literatura, existe a necessidade de intervenções para meninas que levem em consideração a questão de gênero. As opiniões das meninas da Casa de Passagem refletem a importância que essas intervenções têm tido em suas vidas. As meninas precisam da atenção e do carinho resultantes de estratégias diversas, principalmente nos estágios iniciais quando elas estão mais vulneráveis. Como a discussão sobre o trabalho em grupo sugere, as meninas se beneficiam com o contato com outras meninas. Portanto, uma menina participando de um grupo misto ficaria mais inibida e, provavelmente, progrediria em ritmo mais lento por não poder manter um relacionamento em diversos níveis com os outros participantes. Em outras palavras, para lidar com o desequilíbrio na provisão de programas, os projetos não podem simplesmente receber meninas e integrá-las em programas já em funcionamento. Ao contrário, os projetos devem trabalhar com um grupo de meninas, mesmo que pequeno, abordando suas necessidades específicas, como as identificadas acima. Vários projetos têm sido criticados por considerarem as meninas de rua apenas como prostitutas, apesar do fato de elas exercerem outras atividades de trabalho. Freqüentemente os termos meninas de rua e prostitutas são usados como sinônimos por programas não-governamentais e pesquisadores (Beers 1996) Esse rótulo leva a intervenções direcionadas a profissionais do sexo ao invés de meninas adolescentes, abordando suas necessidades em termos de sua suposta ocupação e, ao fazê-lo, negligenciando suas necessidades como adolescentes. A presença de meninas adolescentes na rua é menor do que a de meninos, mas como já vimos, esse é um período crítico para essas meninas e a falta de intervenções nesse estágio de suas vidas pode acarretar sérias conseqüências para seus futuros. Há o perigo de que adolescentes possam não se encaixar nas atividades de um programa - muito novas para serem 'mulheres', muito velhas para serem crianças. (Barker e Knaul 2000:2) Deve-se assegurar que tal não aconteça, estendendo-se e adaptando-se os projetos para crianças para que possam trabalhar com meninas mais velhas. No passado, os projetos não foram capazes de lidar com a sexualidade dessas meninas, o que ficou evidente até mesmo quando se tratava de meninas bem mais novas. No entanto, sua sexualidade está intimamente ligada às suas experiências de vida e deveria ser uma indicação de que elas precisam ser orientadas para adquirir o controle sobre sua própria sexualidade, ao invés de serem mantidas fora de um projeto exatamente por essa sexualidade. Finalmente, retornando ao importante papel da família no desenvolvimento de uma menina, tem-se observado que poucas ações protetoras para crianças que trabalham e/ou vivem na rua são direcionadas à família, a qual representa, afinal, a primeira linha de defesa. (Myers 1991:67) Projetos têm sido criticados por tirarem as crianças de suas famílias e comunidades para trabalhar com elas, ao invés de usar esses ambientes dos quais a criança já faz parte para ajudar no seu desenvolvimento e reintegração (Barker e Knaul 2000). Tanto a literatura quanto os resultados da minha pesquisa demonstraram que esse é um dos elementos mais importantes de um projeto e uma das mais importantes intervenções para meninas. 6.2.1 Pesquisa A falta de pesquisas conduzidas por organizações é um tema freqüente na literatura. O acúmulo de resultados de pesquisas também capacita os programas a avaliarem suas atividades, refletirem sobre elas e ajustarem suas intervenções onde se fizer necessário. (Beers 1996:200). Esse fato é reiterado por Bemak que enfatiza a importância da colaboração entre pesquisadores e programas ao invés de se ter pesquisadores fazendo 'pesquisa em um vácuo' (Bemak 196:147). Tal situação é compreensível dada a falta de recursos humanos e financeiros que muitas organizações enfrentam. Entretanto, pesquisa e avaliação são necessárias para que um projeto se certifique de que está atingindo seus objetivos ou se, devido a mudanças de circunstâncias, seus métodos precisam ser mudados. Existem, porém, formas simples e efetivas de descobrir se determinadas intervenções estão funcionando ou se ainda são necessárias. Todas as meninas com as quais falei tinham alguma coisa para dizer sobre o projeto, tanto as recém-chegadas quanto as que já freqüentavam a Casa por alguns anos. Os projetos precisam ouvir as vozes daqueles com os quais estão trabalhando para descobrir suas necessidades e avaliar se essas necessidades estão sendo satisfeitas. Kefyalew ressalta a capacidade que elas [as crianças] têm de assumir um papel importante na pesquisa e, especificamente, de falar sobre suas necessidades (1996:210) Uma estreita colaboração entre projetos também se faz necessária para que estratégias possam ser intercambiadas e reproduzidas em diferentes contextos, desde que se apliquem efetivamente a tais contextos. A escassez de recursos que a maioria das ONGs enfrenta torna ainda mais importante a colaboração entre programas para meninas, compartilhando idéias e resultados de pesquisas já conduzidas. Capacitação para o trabalho Embora muitos projetos para crianças de rua forneçam treinamentos, estes não levam necessariamente a um emprego no mercado de trabalho e, de forma geral, são 'pateticamente inadequados' (Moran e Moura Castro1997). Programas dirigidos por ONGs são freqüentemente influenciados pelos seus fundadores (Olívia) e podem, ou não, serem apropriados para os empregos disponíveis no mercado. Pesquisas precisam ser conduzidas para que se assegure de que as meninas estejam sendo treinadas para adquirir habilidades apropriadas para os empregos disponíveis. Freqüentemente se vê a perpetuação de estereótipos de gênero no treinamento para o trabalho: meninos recebem treinamento na área de mecânica, enquanto meninas aprendem a costurar. Embora tal procedimento possa ser um reflexo do próprio mercado de trabalho, é preciso se certificar de que as meninas não estejam sendo treinadas para trabalhos que reforcem uma posição submissa da mulher na sociedade ou que levem à exploração, por exemplo, no setor informal (Barker e Knaul 2000). Conclusão As inúmeras políticas de intervenção atualmente em prática representam soluções alternativas para um problema social de extensão muito maior (UNESCO 1995:14) Em países como o Brasil onde a pobreza é onipresente, pode-se parecer que quaisquer intervenções feitas por ONGs estejam apenas 'tocando a superfície' de um problema muito mais profundo. Entretanto, enquanto os governos se concentram no nível macro, as ONGs podem trabalhar no nível micro e serem sempre agentes de mudanças. Zoracy resume a situação de muitas famílias brasileiras pobres com a seguinte declaração: A falta de recursos e a falta de esperança levam à falta de comunicação, à busca de formas para aliviar o sofrimento e a fome (através de drogas e álcool) e, conseqüentemente, a um risco maior de violência para as crianças em casa ou por parte de membros da família em geral. Embora as ONGs não sejam talvez capazes de mudar a situação econômica de uma família, elas podem trabalhar com seus membros para restabelecer a comunicação, reconstruir relacionamentos, recuperar a auto-estima perdida pelas mães e meninas e fornecer às meninas o conhecimento e as habilidades que elas precisam para quebrar o círculo vicioso da pobreza e da violência. Se os projetos estiverem preparados para incluir intervenções específicas para meninas em situação de risco, elas poderão, de fato, terem uma vida melhor. Anexo I - Entrevistas com meninas do grupo de acolhimento Katia (10) How did you come to know Casa de Passagem? It’s like this. That the Casa de Passagem is good. That I came because my sister said that the Casa de Passagem is good that the Casa de Passagem is excellent, to paint, to play games, …teach various things, to learn, that I came for that Why did you decide to come to Casa de Passagem? The teacher talks about drugs and its good and I liked it. What do you like most about Casa? I like that it’s better, to paint, to do things, they don’t do anything bad to us, to draw Is there anything else you’d like to say? That talking… they pay me attention and sometimes I don’t like that they pay attention to me. Marcela (10) How did you come to know Casa de Passagem? Through a friend Why did you decide to come to Casa de Passagem? Because she said that here you learn not to like drugs and that every day you come and don’t see those that stay there. I don’t have school in the morning, only the afternoon and… What do you like most about Casa? The games we play, the groups. Many girls, activities, games, painting, things Is there anything else you’d like to say? That Casa is good because it is better that gives more education, like I came to casa, everything, food…that’s it. Maria (15) How did you come to know Casa de Passagem? Through a friend Why did you decide to come to Casa de Passagem? She said that it was good and not to stay on the streets any longer. Because it has sports, we can talk, we can talk about situations at home. Not to stay on the streets any longer, to have a better life. Was ten when first came but left when I was thirteen because I fought with another girl and I got 15 days suspension. I decided not to come back for….and the girls always want something from Casa de Passagem. I came back because I was working as with cars but my boyfriend didn’t like it. I entered another project which pays me a grant to be here. I used to get 15 reals a day. I left there because my boyfriend didn’t want me to go there any more and I came to Casa de Passagem, I returned all by myself again. The grant from PETI is 40 reals a month, when I was getting 80. What do you like most about Casa? The sport, football, I used to do football but can’t now. I like the group activities, drawing. Also I like the cleaning. I do a lot of cleaning so I’m used to it. Why? Because people use if and it has to be clean every day. Is there anything else you’d like to say? No. Roseane (15) How did you come to know Casa de Passagem? Through friends. I came because of that. Casa de Passagem doesn’t make you do anything, friends that I like. I left before because I was studying in the morning, but now I study in the evening. Why did you decide to come to Casa de Passagem? Because my sister said that I was sitting at home doing nothing so I came here. What do you like most about Casa? The friendships that I didn’t have before but now I have. Everything here. Everything like friends, teachers, the food, the coffee, everything. Because here it’s good and …to stay and the games are good. Is there anything else you’d like to say? That’s all. The games. Play things which teach you how to behave and respect others, to respect the teachers and respect your family Anexo II - Entrevistas com Educadores Zoracy E: Do you think the number of girls on the streets has grown or lessened in your time at the project? Z: Not less – instead since Casa started two things have happened firstly that the state intervenes much more, in fact intervenes at all with girls and literally takes them off the streets. Secondly, the visibility of these girls has diminished. There used to be a main square (Praça da Independencia) where they used to congregate but no longer because of state intervention and because the development of the commercial centre of the city has pushed the areas of poverty to the periphery. Girls now have some kind of housing whether only made of cardboard, but still some shelter – a roof over their heads – so the profile of girls Casa works with has changed- criteria of poverty, lack of food, low level of living conditions lead to entry into Casa. Food is one of the main problems – drugs yes and violence too – but hunger and lack of food is a primary point to consider. It can change the dynamics of a family for example, if the family has 3 children all needing to be fed it places huge demands on the family with trying to cope with these demands. However if two of the children are receiving food from a project or from school meals, then this alleviates the pressure on the parents and changes the family dynamics – makes life (slightly) easier. E: What help do families get from the government? Z: If they are working the minimum wage is R$240 a month. E: Can a family survive on that? Z: No. E: What if 2 parents were receiving it? Z: Well already that would be amazing to have both parents working. There are programs like the Bolsa escola which are added on top of the wage from the different ministries. The logic is apparently that if you increase the minimum wage you are effectively only increasing the contributions to health plans, pensions and tax whereas if you add the grants on top separately it’s more money. E: So who are the girls who come to Casa now? Z: they are girls at risk, at risk from what happens if they don’t go to school, if they don’t get help from programs like Casa, even if just in terms of getting food. If they can’t get food at home they are forced to look no the streets, the mother has no choice but to let the (usually oldest) girl go out for example to the fruit and vegetable market at night and collect up the leftovers so they can make soup, or she’ll go herself although she’s probably trying to get money or food by other means already. A girl by herself at the fruit and vegetable market is at risk of being kidnapped for trafficking to Europe or of violence, or of being exploited and pulled into prostitution – having sex with someone in exchange just for food. Programs like Casa minimise the immediate risk to the girls by prioritising schooling, by providing breakfast, lunch and a snack on sports days which minimises the necessity of children being out on the street earning money, whether washing car windows, or collecting paper or cans. All the girls come from families where surviving is an issue, where if you don’t work you have nothing, except the Bolsa escola and the milk programs (state funded programs) where a lack of resources and a lack of hope leads to a lack of communication, to finding ways to alleviate suffering and hunger (through drugs and alcohol) and consequently to an increased risk to the children of violence in the home, or from family members in general. There are other programs in Recife, working with both boys and girls on the streets, as well as the government programs although many of those are linked to getting children back into school. When Casa first started a lot of the girls were involved in prostitution but now there are not as many although adult prostitution still exists as now much more is being done at earlier stages to prevent the girls having to turn to prostitution, giving them other options and making them see how exploitative it is so that they don’t get involved in it. Cristina E: Why did you decide to work only with girls? C: We started in the streets in 1987. No one was helping the girls, only the boys. Girls on the streets were being raped, beaten, abused but weren’t seen by the educators on the streets. Partly for that and partly because they were in the same situation as women – they need to get stronger, to build their self-esteem, become a citizen, know their rights in terms of gender, in being equal to men, to have the same rights as men, a question of gender. Also through educating these girls, they probably will not let their children on to the streets, there will be fewer girls on the street because she won’t let them be there. E: Why did you decide on these methods to work with the girls? C: Our methodology you mean? E; Yes C: through observation and talking to the girls. To work with them we needed to know what they knew through talking and listening to the girls. I had a theoretical background in child/adolescent development but we needed to understand the girls. In the streets they were always in groups – they sought out equals and were in groups of equals. So we worked with the groups that already existed. The girls talked and exchanged information in groups. So from that we took the idea of working in groups as a basis of an exchange of understanding and knowledge – both of the girls and from us. The girls were out ‘radar’ – helped to orient us- e.g. in the question of limits. Limits were important to the girls. A girls would turn up to Casa all drugged up and sleep for 3 days. The girls would organise themselves to clean, to prepare food etc. When it came to mealtime a group of them would say to the drugged girl “you don’t get anything to eat because you didn’t do anything to help ” It was harsh but they felt that you had to earn your food. Gradually girls realised that to get food at Casa they had to help do the work. The girls saw the importance of limits, so we included them in our work – in setting timetables etc. to help them be organised. They internalise this organisation and it gives them a structure in their lives. E: So were you the first to work with street girls then? C: Yes, the first. We had seminars, workshops, talked about sexuality, rape, abuse. The girls have a very open sexuality and organisations couldn’t deal with it at first but bit by bit they realised the importance of working with girls. We were the first to work with families, to go and visit families. People thin that street children don’t have families but i905 have contact with their family. They go home to have a bath, to eat. The reason they don’t stay in their homes is that they are abused by their stepfathers, hit by their brothers. The mother is abused and beaten by their partner so the girls come home and eat and then the mothers send them away because of the violence. There’s violence in the streets too – they can be raped by the police, by their partners or partners’ friends. Girls say that they can’t sleep at night, that they have to sleep with one eye open, at any moment they could be dead. The only other place for street girls was institutions as they were too sexed for NGOs, institutions such as FEBEM where they’d stay til they were 18 and then go back to the streets. There was sexual abuse in the institutions too, from police, from staff. They used to drug them too – give them a vitamin pill in the afternoon and because they were too noisy, it had a drug in to calm them down. There was also a dark room – the ‘cafua’ – girls could be put there for 2 months without a change of clothes, or a wash, they had to go to the toilet there too, like animals. E: So why did others follow? C: We were on the TV a lot, talking about violence, about girls being neglected. Journalists were interested in our work as something new. Girls would be on TV talking about their experiences. NGOs wanted information about how to work with them. Girls used to say that other NGOS saw them as prostitutes or glue-sniffers, but that Casa saw them as people – addressed them by name. The girls said that they could be human at Casa, while they were animals on the streets. The work was carried out with lots of love and affection – the girls wanted to come to Casa because they wanted to be looked after, to be cared for. Other places give a grant for the girls to stay there. Casa didn’t – the girls have a feeling of belonging somewhere, which they didn’t get at home. They are not seen as children or as adolescents at home but as little adults. Casa provides for the basic needs of children and adolescents: basic nutrition, a secure space, care and health care, affection, limits, education, a welcome - many of the children don’t get these at home. The staff need to have the same limits or they will be manipulated by the girls – all the staff have to have the same consistent limits. Casa is a place to think, to reflect. They learn to think and that helps them to be organised. E: Has the number of children on the streets grown or lessened since you started working? C: The number has lessened. But there is more trafficking, more drugs in the communities. E: Why do you think there are fewer? C: Because a lot more work is being done by NGOs. There are a lot more NGOs, a choice of NGOs. And groups in the community. Violence has always existed in the communities but now it is more prevalent. The boys grow up, without schooling, with no prospect of work so get involved in drugs and many die. E: There are fewer street girls but more girls at risk? C: Yes E: What are the strengths of Casa?C: In what way? E: In how you work. C: An integrated team, everyone understands the work of the project, together, integrated, speaking the same language, the trainees, the nurses, the educators, that is the base. We have weekly meetings to talk about difficulties in the work and about things that have happened E: Why do you think girls come and then stay at Casa? C: Because they want health. They need limits, need a permanent stable, space where they are looked after, where they can get affection, they look for humanisation, bonds of affection. They need to interact with people, you can’t be an individual and be happy; you don’t feel happy or good if you’re on your own. E: If I were working in a project with boys and wanted to include girls what are the first steps I should take? C: The capacity-building of the team, the subjectivity of the team. We need to reflect on our own adolescence ad childhood because staff have similar experiences to the adolescents, you need to know yourself to work with children, to know your own childhood – staff and children share things in common, and the staff need to get in touch with that through games etc. Parents who don’t know how to deal with adolescence leads to lots of conflict. Parents don’t know what to do because they have forgotten their adolescence and their own parents had difficult relationships with them during their adolescence, so they repeat the actions of their parents. Casa contributed a lot to the care of children and adolescents. People didn’t know how to talk to them, but children and adolescents need to talk to someone they respect. It’s harder for the educator to handle the suffering of the child. Children and adolescents grow in strength every time they talk. They feel they have worth because an educator has taken the time to talk to them, so their self-esteem grows. Olivia E: When did Casa II start and why? O: Casa II is fairly recent – started about 7 years ago with its emphasis on professionalisation, it came out of a recognised need. Casa I is initially to give support to people, the need to get the adolescents off the streets. The adolescents are in the streets so the first step is to look for their families so they can leave the streets and from there form part of a community. Through the community and citizenship programme gain links with the community. Since started the demands of donors have changed so there is a demand for prevention work rather than meeting the basic needs of the adolescents. Need to make possible support of schooling and professionalisation, give them the tools to survive. Girls can start aged 7 at Casa I and leave Casa II aged 21. The principal focus of Casa II is a passage to adult life, through work. There are two lines of work – the technical side and the personal. The technical side is the courses. Both are necessary for entering the job market. Girls need to be at school to be in the programme. Also receive ‘apoio pedagogico’ at Casa II in Portuguese, maths, history and geography – supplement to education. Not just helping them with school work but broadening the subjects so that they apply to the workplace. For example in maths they study percentages and other things relating to sales, the practical application of maths. As for history they study the history of their culture, a recovery of culture as it relates to their lives, for example, the current fashion collection on Brazilian roots. They go to museums, go to shops, hear the language that’s used there. Artesanato is more than just learning a profession – it enables the girls to create something and can be done parallel to being in school. They learn manual skills alongside school subjects. Originally artesanato was decided on by a donor but after the financial backing was withdrawn Casa decided to keep it on as it is useful in many ways to the girls. Moda came from funding by POMMAR/USAID/Partners – a similar project existed in Bahia and they were looking for another project with a similar methodology to implement it in Recife. They had a contact with a designer and wanted to add to education so chose Casa. Led to the establishment of Maracatu – now 2 years and 3 months that it’s been running, It’s difficult because each donor has different demands. Eg. POMMAR are more focussed on the professionalisation, another more focussed on the community. So Casa has a vein running through all the projects but has to adapt to the different demands of 10-12 donors. The focus is on the process of the adolescent, their progress in life E: Do you have group work like in Casa I? O: We have groups but not like in Casa I – have ‘apoio pedagogico’ and ‘apoio psicologico’. Every day through the girls talking and their practical activities we see what the priorities are. Have apoio pedagogico twice a week and apoio psiocologico once a week. All in groups although the girls can have individual sessions if necessary, but generally the work is done in groups. In Casa I the focus is more individual, more internal, supporting them as people, in casa II the focus is more on guiding them in the outside world. E: Have you always had boys in the programme? O: For three years there have been boys and girls in the projects. It’s good because in the future in work they may have a female or male boss so they need to be used to being around men too. Artesanato is the only project that is just girls because priority is given to girls from Casa I E: How do they hear about Casa? O: From other people, other organisations, their communities – many different ways but mainly word of mouth like Casa I. The community leaders talk about Casa and that helps E: Is there a difference between those that come from Casa I and those who come from outside? O: No, the work is on the same level with all of them, wherever they are from. E: In the 5 years you’ve worked here have you seen a change? O: Yes a great difference. To start with we had courses for a few weeks or a few months but now they learn skills and professionalisation over a longer time. The priority now is their education – social, psychological, pedagogical. They gain a knowledge of the whole process. People develop through the pedagogical support, they manage to talk, learn about responsibilities and rights. The project is much more evenly divided between the technical and the personal now – they are balanced – and you can see the difference in people. Now the adolescents pass their knowledge on to others, they both learn and pass on their knowledge as ‘monitores’ – two of them at the moment – Francis and Angeline. The project gives them possibilities, gives them the initiative to look for their own work. The girls have a longer perspective on their lives, which you need in the workplace. E: In terms of social conditions have things changed in the last 5 years? O: Between 5 years ago and now, some things are the same, some different. The violence hasn’t diminished, the political situation is still bad but there are more initiatives now from the government for meeting basic needs. Anexo III – Lista alfabética de palavras-chave Acompanhamento familiar Alegre Amiga Amor próprio Apoio Atividades Pedagógicas Bagunceira Carinho Cidadão Comportamento Conversas Dançar Estudo Familia Feliz Gravidez na Adolescência (informações sobre) Ignorante Informações Medo Melhoras Mudanças Novas attitudes Paciência Passeios Educacionais Poder Protagonismo Psicólogo Rebeldia Reforço Escolar Family involvement Happiness Friend Self esteem Support Group work Mess Affection Citizenship Behaviour Talking Dancing Study Family Happy Teenage pregnancy (information about) Ignorant Information Fear Improvements Change New attitudes Patience Educational activities Power Protagonism Psychologist Rebellion Additional tutoring Regras Relacionar Saúde (informações sobre) Ser organizada Sonho Sozinha Triste Vida emocional Viver bem Rules Interaction Health (information about) Be organised Dreams Alone Sad Emotional life To live well Referências Bibliográficas Barker, G. and M. 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