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DOI: 10.4025/4cih.pphuem.718 AS EPOPÉIAS HOMÉRICAS E A
DOI: 10.4025/4cih.pphuem.718
AS EPOPÉIAS HOMÉRICAS E A POSSIBILIDADE DE SUA
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Augusto Henrique Gaia Wiezel-UEM
Juliana Cristhina Faizano Murari-UEM
Orientador: José Beluci Caporalini-UEM
UEM/PIBIC/CCH
Introdução
http://www.thejohnsongalleries.com/002.htm - Acesso em 14/08/2009
O presente estudo tem como objetivo refletir sobre a dificuldade e a importância de se
traçar, ainda que aproximadamente, o contexto histórico referente à Ilíada e Odisséia de
Homero. Como se sabe, afirma-se que esses poemas figuram como os mais antigos
documentos escritos da literatura grega, contendo vestígios significativos da antiquíssima
civilização micênica.
Esses poemas épicos abriram portas para outros grandes poemas clássicos. A narração
escrita do mito - vinculado a um passado de glórias - contribuiu decisivamente para a
formação da literatura grega, como também para as posteriores composições literárias. Ambos
os poemas fazem referência a um tempo histórico que compreende os séculos IX e VIII a.C.
Nesse período houve importantes acontecimentos sociais e políticos. A polis grega estava
gradativamente se estabelecendo, e aqueles que formaram o povo grego encontravam-se
desenvolvendo a primeira forma de escrita grega. Esses acontecimentos foram fundamentais
na estruturação da Ilíada e da Odisséia. Não se sabe, contudo, com certeza quando elas foram
originalmente escritas, mas supõe-se que no século VI a.C. já havia muitas cópias escritas dos
dois poemas, os quais se tornaram extremamente populares preservando a história da cultura
da Grécia Antiga, tornando possível que sejam estudados ainda na atualidade.
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A formação do povo grego
Geograficamente a Grécia é um dos países mais montanhosos da Europa, hoje ela
abarca o sudeste da Europa, e o sul da península balcânica, sendo circundada ao norte
pela Bulgária, pela Macedônia e pela Albânia; ao oeste pelo mar Jônico; ao sul pelo
mar Mediterrâneo e ao leste pelo mar Egeu. Possui inúmeras ilhas e um vasto litoral.
http://bama.ua.edu/~ksummers/cl222/active_gateway.htm - Acesso em 14/08/2009
Historicamente é bastante complexo traçar com precisão a qual época os poemas
fazem referências; isto porque ainda não é possível dispor de elementos que permitam com
exatidão conhecer as características sociais e culturais da época. Todavia a arqueologia e a
historiografia se preocupam há séculos com essas dificuldades, incitadas pela vontade de
desvendar os mistérios da lendária guerra de Tróia. Aqui trabalharemos mediante os indícios e
apontamentos da tradição historiográfica. Nessa empreitada de visualizar as epopéias
homéricas não somente como uma literatura, mas sim como vestígios de acontecimentos e
civilizações reais, procuraremos esboçar como se compôs o povo grego, até a formação da
cultura micênica que pode ter contribuído para o surgimento desses poemas.
Os gregos fazem parte de um conjunto de povos denominados Indo-Europeus, que a
partir do terceiro milênio migraram em diversas direções, uns se direcionaram para a Ásia e
outros permaneceram na Europa, tal como afirma Brandão (BRANDÃO, 1997, p.45). Essas
migrações proporcionaram a independência entre os grupos nômades, e em decorrência disso
eles desenvolveram expressões linguísticas e culturas distintas. No que diz respeito aos gregos
e à sua composição, pode-se falar que aqueles que habitaram a Hélade, e depois ficaram
conhecidos como helenos, foram constituídos por quatro povos: jônios, aqueus, eólios e
dórios. Esses chegaram à Grécia em séculos muito dispersos, tendo cada um deles uma
organização social e a cultura distinta.
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No fim do período denominado Bronze Antigo que compreende entre 2600 a.C., e
1950 a.C., o primeiro grupo desses povos atingiu a Hélade, e são conhecidos como jônios.
Esses dominaram os anatólios, outro povo que ali estava, e criaram uma sociedade organizada
com características estruturalmente militares. Seus palácios eram fortificados e protegidos
com imensas muralhas, trabalhavam com o bronze e já conheciam o cavalo. Ainda que
existente, o comércio não representava relações significativas, ainda que eles já construíssem
barcos, não se arriscavam muito a se lançarem no território do deus do mar: Poseídon. Através
da sua organização social se percebe que eram um povo dotado de certo refinamento.
Dentre esses povos, o que mais nos interessa aqui são os aqueus. Esses invadiram a
Grécia por volta de 1600-1580 a.C. Creta era a grande potência política e econômica da época
e era o mais importante centro dos tempos antigos; não obstante foi dominada pelos aqueus
(ROSTOVTZEFF, 1986, p.36). Os habitantes de Creta, os cretenses, já tinham desenvolvido
toda uma organização social, cultural, política e habilidades marítimas. Tinham relações
comerciais muito significativas e inclusive a condição da mulher era muito alta (BONNARD,
1980, p.16). Ela poderia exercer várias atividades na sociedade, não se encontrava de modo
algum em posição inferiorizada ao homem. Os cretenses criaram uma civilização próspera
atingindo a plenitude no século XV a.C., com grande esplendor cultural e chegaram a
desenvolver uma espécie de escrita primitiva denominada Linear A. A escrita Linear A
compreende um sistema ideo-silábico: isto é, contém silabogramas e ideogramas. Contudo,
permaneceu indecifrada mas, foi a precursora da escrita Linear B da civilização micênica.
http://faculty.maxwell.syr.edu/gaddis/HST210/Sept23/Default.htm - http://first-my.pp.ru/blogging/the-worlds-10-most-famous-uncracked-codes.html - Acesso em 14/08/2009
Segundo Bonnard os aqueus herdaram dos cretenses a agricultura e a navegação, e
com a arte marítima eles se tornaram piratas e construíram a sua civilização através do
banditismo (BONNARD, 1980, p.17). Por isso tornaram-se riquíssimos, sendo visível em
muitos túmulos numerosas jóias de ouro, assim como taças e vasos e máscaras sobre os rostos
dos grandes chefes. A última de muitas expedições aquéias originou a lendária história da
guerra de Tróia. Sua causa foi historicamente econômica, tal como nos conta Bonnard (idem,
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ibidem, p.17), pois Tróia, localizada próximo a Dardanelos enriquecera cobrando direitos dos
mercadores que ali passavam, prejudicando o comércio dos aqueus.
Depois da destruição de vários palácios importantes inclusive o de Cnossos em 1400
a.C., devido a causas ainda não conhecidas com certeza, Creta é dominada pelos aqueus. Com
a invasão de Creta pelos Aqueus, e a assimilação de sua cultura, origina-se a civilização
micênica.
O período denominado micênico é uma subdivisão temporal da chamada Idade do
bronze, também conhecido por período Heládico final. Essa cultura desenvolveu-se por volta
de 1600 a.C e 1050 a.C, e dominou economicamente e culturalmente todos os povos do
mediterrâneo oriental. Uma de suas mais importantes criações foi o desenvolvimento do
dialeto jônio que contribuiu substancialmente para o surgimento da Ilíada e da Odisséia.
Os micênicos utilizavam uma forma de escrita denominada Linear B, que foi
desenvolvida a partir da escrita utilizada anteriormente em Creta conhecida como Linear A.
Segundo Rostovtzeff (ROSTOVTZEFF, 1986, p.36), a língua desses tabletes é uma forma
antiga do grego, e tem parentesco com o dialeto aqueu tardio, sendo escrito com noventa
sinais silábicos que eram usados para registrar transações comerciais. Eram utilizadas também
para fins administrativos, lista de registro, de funcionários ou trabalhadores, soldados,
declarações de dívidas ou oferendas feitas aos deuses, tal como nos apresenta Baldry
(BALDRY, 1969, p.29). Essa forma de escrita foi descoberta por Sir Arthur Evans na
primeira metade do século XX, enquanto esse fazia escavações no palácio de Knossos em
Creta; somente em 1952 o arquiteto britânico Michael Ventris a decifrou.
Com as invasões dórias por volta do século XII a.C., a civilização micênica foi
destruída, a escrita desapareceu.
Desapareceu a arte da escrita, os centros poderosos ruíram, as guerras insignificantes
eram permanentes, tribos e grupo pequenos deslocaram-se dentro da Grécia e para
leste, atravessando o Mar Egeu em direção à Ásia Menor, e os níveis material e
cultural empobreceram em todos os aspectos, se comparados à civilização micênica
(FINLEY, 1998, p.14).
Os aqueus regressam à Ásia Menor expulsos pelos seus novos conquistadores, os
dórios. De acordo com Brandão (BRANDÃO, 1997, p.105) os aqueus assim como os jônios e
os eólios voltam a Ásia como suplicantes, como imigrantes nostálgicos que se vangloriavam
de seu passado de glórias. Mesmo voltando vencidos à terra que seus antepassados
conquistaram, esses povos levavam consigo um sentimento de orgulho referente às antigas
conquistas e ao passado cheio de riquezas.
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O período denominado Idade das Trevas da Grécia corresponde a um momento de
retrocesso tanto cultural, como social ou econômico. Nessa época os mitos, que seriam
narrados posteriormente nos poemas épicos homéricos, eram preservados oralmente. Eles se
tornaram fundamentais na vida cotidiana, já que proporcionavam coragem e esperança e na
preservação de valores tradicionais, que eram repassados para as próximas gerações pela
oralidade.
Destarte, foi nesse cenário de conflitos e contradições, próprios de um período de
transição, que a Ilíada e a Odisséia foram transformadas pelos aedos e poetas em veículos das
lembranças e do orgulho. Eles remeteram os jovens a uma descendência heróica da qual eles
podiam se orgulhar e que até mesmo servia como acalento em períodos de lutas, de escassez
de alimentos ou em condições difíceis de qualquer ordem.
Nesse período os poemas homéricos eram transmitidos oralmente, os versos da Ilíada
e da Odisséia foram cantados pelos aedos e pelos poetas, geração após geração, reproduzindo
os valores fundamentais para aquela comunidade. Segundo Finley (FINLEY, 1998, p.17),
“por detrás da Ilíada e da Odisséia há séculos de poesia oral, composta, recitada e transmitida
por bardos profissionais, sem o auxílio de uma só palavra escrita.”
Devido a essa oralidade a poesia estava sempre em constante movimento e
crescimento, pois cada um que cantava o poema o fazia ao seu particular modo, acrescentando
algumas coisas e modificando outras.
Nos dizeres de Baldry (BALDRY, 1969, p.30) “a recordação do antigo em conjunção
com a necessidade de improvisar um novo material torna-se a característica principal da
narrativa de Homero.” A Ilíada é constituída por 15.693 versos em hexâmetro dactílico.
Hexâmetro dactílico é uma forma de métrica poética ou esquema rítmico. Um dáctilo é uma
sequência de três sílabas poéticas, a primera longa e as duas seguintes breves. Portanto, o
verso hexâmetro dactílico ideal consiste de seis (do grego hexa) pés, cada um sendo um
dactílico. Tipicamente, porém, o último pé do verso não é um dactílico, mas sim um espondeu
ou um troqueu, ou seja, a penúltima sílaba é sempre longa e a última silaba pode ser breve ou
longa. A estrutura hexâmetra, que possivelmente nunca foi usada na fala corrente, foi
adaptada pelos cantores para seguir uma estrutura métrica, resultando no verso hexâmetro.
Vale lembrar que as epopéias homéricas retratam em seus cantos a vida, os costumes,
a organização, entre tantas outras características da população micênica, sendo fontes básicas
para o estudo dessa civilização. Privilegiadas, neste sentido, são as informações sobre
guerreiros e famílias aristocraticas que buscavam sua ascendência até um fundador herói ou
de procedência divina. Essa atribuição de poder por meio de uma ascendência heróica ou
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divina pode ser facilmente observável em muitas passagens da Ilíada. Segundo Rostovtzeff
(ROSTOVTZEFF, 1986, p.52) “a tradição grega conserva o registro de duas delas: a guerra
de Micenas contra Tebas e a da coligação micênica dos aqueus contra Tróia, celebrada por
Homero em sua Ilíada.”
Outra questão a se considerar diz respeito ao fato de Homero relatar em seus poemas
eventos muito anteriores à sua própria época. Encontram-se fragmentos de acontecimentos
que podem ter ocorrido em meados do século XIII até o século VIII a.C. Assim, nessas
epopéias se encontram inúmeros cantos que fazem referência a momentos distintos da história
grega, desde um passado glorioso a um presente que se apresenta conflituoso. Para Baldry
(BALDRY, 1969, p.39) não há dúvida de que, na altura em que a Ilíada foi composta, estes
episódios do passado foram exagerados e glorificados muito para além da realidade histórica.
Acontecimentos, diz ele, que devem situar-se em diferentes épocas e lugares tornaram-se
episódios dessa única campanha.
Também, devido a essas desconexões temporais, se contesta a real existência de
Homero e a legitimidade de suas obras. Ainda que a tradição o tenha adotado como o autor da
Ilíada e a Odisséia, há várias dúvidas quanto à sua real existência. Questiona-se se o poeta
criou algo novo ou foi só o relator de mitos preexistentes. Não obstante, a principal questão
que se coloca entre os estudiosos – por exemplo, Vico e Wolf, é se teria sido ou não Homero
o autor de ambas as obras, pois é visível que a Ilíada e Odisséia dizem respeito a períodos
distintos da história grega.
Uma questão homérica
http://faculty.maxwell.syr.edu/gaddis/HST210/Sept23/Default.htm - http://witcombe.sbc.edu/ARTHgreece.html - Acesso em 14/08/2009
A tradição adotou Homero como o autor da Ilíada e a Odisséia, contudo, muitos
estudiosos contestam a sua real existência e legitimidade de suas obras. Diz-se comumente
que ele viveu por volta do século VIII a.C., era cego e diariamente caminhava pelos lugares
movimentados da polis cantando o passado memorável dos gregos. Muitas cidades gregas
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reivindicam o título de ter sido o local do seu nascimento, segundo Paine (PAINE, 2007,
p.17) crê-se que tenha sido provavelmente em Esmirna, uma antiga cidade, que se encontra
hoje movimentada por ser um porto fora de controle grego. A única evidência da vida de
Homero, continua Paine, (idem, ibidem, p.17), são seus próprios poemas; devido a alguns
detalhes da obra e a composição preponderante em dialeto iônico indicariam que a casa dele
encontrava-se em algum lugar ao longo da costa oeste da Turquia, ou em alguma das ilhas
próximas.
Ao longo dos séculos muitos estudiosos especularam sobre diversas questões
pertinentes aos poemas. Fizeram, e ainda fazem, inúmeros questionamentos, como por
exemplo, sobre a real existência de Homero, e a legitimidade de suas obras. Não se sabe se ele
criou algo novo ou foi só o copiador de mitos já existentes. No entanto a principal questão que
se coloca entre os estudiosos, assim como Vico e Wolf, é se teria sido ou não Homero o autor
de ambas as obras, pois é visível, como já indicamos anteriormente, que a Ilíada e Odisséia
dizem respeito a séculos distintos da civilização grega.
As diferenças sociais, culturais e políticas são explícitas. A Odisséia em relação à
Ilíada representa uma posteridade histórica. Isso se faz perceptível na organização social da
cidade de Ulisses, nos seus modos, na sua polidez, nos costumes e nas tradições. Um exemplo
foi a necessidade de a rainha Penélope escolher um novo marido, já que o seu se encontrava
desde muitos anos longe da casa. Em todas as relações interpessoais percebe-se que se trata
de um povo já mais refinado e politicamente desenvolvido. A Ilíada representa um tempo de
guerra, onde os valores ideais estavam centrados na coragem e na honra, incluindo sempre a
força bruta. Já na Odisséia percebe-se um tempo de paz, pois, ela retrata o pai e marido que
precisa voltar à sua pátria e reassumir o seu papel na família e na sociedade. Enquanto em um
momento temos os sentimentos aflorados e o homem guiado sempre pelos seus apetites, no
outro o homem já se encontra no domínio de sua razão, e é por ela que ele está destinado a
vencer suas dificuldades. A maior arma de Ulisses é a razão, embora não a razão que seria
desenvolvida posteriormente pela filosofia, mas uma razão estritamente ligada à prudência, à
engenhosidade, à percepção. Ulisses é astuto e sagaz, e é por meio desses atributos que ele se
mantém vivo, como no episódio em que engana Polifemo.
Na Ilíada, a figura do guerreiro é central. O comportamento do homem não está
voltado para a vida pública, em sociedade, mas para suas atitudes na guerra. A figura do herói
nesses poemas está sempre inserida em alguma batalha, e o que determina suas virtudes é sua
bravura, lealdade, coragem e espírito de liderança. O cenário desse poema é sempre repleto de
lutas, em que o mais valente é também o mais respeitado por todos. Pode-se dizer que esse
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modelo é reflexo da vida daquele tempo e corresponde historicamente a um período em que a
civilização ainda não estava consolidada; o homem dessa época se via constantemente em
guerra e as tribos migravam sempre e lutavam entre si.
Na Odisséia encontra-se um cenário diferente; efetivamente, Ulisses aparece como um
rei, um marido e um pai que deseja regressar à sua casa. Nota-se o refinamento de Ulisses e
dos pretendentes de Penélope. Por suas manifestações culturais - como o comer, o beber, o
cantar ou celebrar - percebe-se quanto o mundo grego já estava mais evoluído. O homem,
inclusive na figura do herói, está muito mais centrado em sua casa do que na guerra. Agora
ele tem uma terra natal, fixa, onde ele vive envolto em muitos costumes, como as libações que
deve fazer aos deuses, ou o respeito à tradição, ou o caso da rainha que teve obrigatoriamente
de escolher um novo rei, já que Ulisses estava ausente havia mais de vinte anos. O homem se
vê dentro de uma cidade, de uma comunidade onde prevalecem leis jurídicas e regras morais.
Nesses dois poemas vê-se claramente o que Homero concebia como expressão de seu
próprio pensamento conjugado com a realidade por ele percebida. Há aqui uma passagem do
“primitivo” para o já “civilizado”, em que o guerreiro é substituído pelo cidadão polido.
Homero, ao ressaltar as características do herói, enquanto força bruta na Ilíada e astúcia na
Odisséia, mostra sua preocupação e o objetivo da sociedade em dois momentos diferentes. A
clara mudança do predomínio guerreiro para o cidadão revela um desenvolvimento dentro de
um determinado período histórico.
Devido a essas diferenças, hoje muitos aceitam a idéia de que tenham sido dois autores
e não somente um para ambas as obras.
Tróia histórica
Além de questionar a existência de Homero, muitos pesquisadores objetivaram provar
a existência histórica, baseando-se nos fatos descritos nos poemas. Interrogou-se se seria
possível descobrir a verdade histórica por detrás dos mitos, e buscou-se descobrir se gregos e
troianos enfrentaram-se realmente, por um motivo ou outro.
Nos últimos anos a arqueologia tem colaborado para responder essas questões. A
partir de 1870 um alemão chamado Heinrich Schliemann dedicou-se em provar a
historicidade da guerra de Tróia. Até aquele momento não havia dados muitos precisos, mas,
com o início das escavaçoes de Schliemann muitas comprovações sobre a guerra, até então
lendária, surgiram. Em 1871 ele presumiu identificar o lugar da antiga Tróia na colina de
Hissarlik, na atual Turquia, apontou um lugar onde encontrou sete cidades sobrepostas; no
entanto, mesmo inclinado-se a pensar que seria Tróia II, ele não soube identificar com certeza
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qual teria sido a Tróia de Príamo. Schliemann foi o responsavel por achar a máscara atribuída
a Agamenon, o rei mítico grego.
http://joseames.blogspot.com/2007/12/metfora-dos-deuses.html - Acesso em 14/08/2009
Wilhelm Dörpfeld, seu ajudante desde 1882 prosseguiu com as escavações e
encontrou mais duas cidades abaixo dessas; com isso ambos os pesquisadores inclinaram-se a
pensar que havia sido a Tróia VI, pois essa continha muitas peças de cerâmicas semelhantes
às micênicas. Essa Tróia data possivelmente de 1900 a.C., e foi fundada por um povo indoeuropeu.
Os estudos de Carl William Blegen, um arqueólogo americano nascido em
Minneapolis e especializado em pré-história grega, realizou escavações no período de 1932 a
1938 que confirmaram a existência de nove cidades sobrepostas e, segundo ele, a Tróia VI foi
destruída por um temor de terra em aproximadamente em 1275 a.C., não sendo portanto a
Tróia homérica.
http://www.galenfrysinger.com/pergamum_turkey.htm - Acesso em 14/08/2009
Através desses três arqueólogos pode-se saber que:
•
Tróia I - existiu por volta de 3000 a 2600 a.C., se refere à primeira fase do bronze
antigo.
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•
Tróia II - existiu por volta de 2500 a.C., ainda que pequena e formada por um castelo
simples e fortificado, era muito rica, lá Schliemann encontrou muitos objetos
preciosos, jóias altamente sofisticadas, quantidade grandiosa de ouro, e os chamou
equivocadamente de “tesouro de Príamo”, acreditando ter descoberto a Tróia referente
ao poema. Essa foi destruída pelo fogo por volta de 2300a.C.
•
Tróia III, IV, V- existiram por volta de 2300 a 1900 a.C., tinham importância local,
referem-se ao fim do Bronze antigo.
•
Tróia VI - existiu por volta de 1725 a.C, mais rica e importante, foi destruída por um
terremoto em aproximadamente 1275 a.C.
•
Tróia VII – ergueu-se sobre as ruínas da Tróia VI, e os indícios indicam que
provavelmente seja essa a Tróia de Príamo. A verdadeira Tróia histórica.
•
Tróia VIII –. Refere-se ao período clássico grego.
•
Tróia IX - Refere-se ao período helenístico- romano.
As escavações que começaram com Schliemann na metade do século XIX,
continuaram, e o sitio arqueológico nas proximidades de Hisarlik, ainda revelam restos
históricos da lenda.
O responsável por encerrar as dúvidas sobre a realidade histórica de Tróia foi Manfred
Korfmann, arqueólogo alemão que liderou as escavações em Tróia a partir de 1988. Em 1996
colaborou na construção de um parque nacional em torno do sítio arqueológico de Tróia, dois
anos mais tarde a UNESCO declarou o sítio como patrimônio cultural mundial. Esse
arqueólogo reuniu várias provas, confirmando que Schliemann estava correto. Inclusive
refutou o argumento de alguns historiadores que dizem que na Ilíada Tróia aparece como uma
cidade portuária, com apenas 600 metros de distância do mar. Contudo, hoje Hisarlik fica a
seis quilômetros do mar, mas Korfmann com suas escavações detectou fósseis marinhos
exatamente 600 metros de Tróia provando que o mar já estivera ali, possivelmente na época
da lenda; com o passar dos anos teria recuado. Korfmann morreu em 11 de abril de 2005,
mas, as escavações em Tróia continuam até hoje, e em decorrência disso, hoje poucos
duvidam da existência de Tróia.
Mas o fato de Tróia realmente ter existido, não significa que a cidade esteve envolvida
em uma guerra tão grandiosa tal como é descrita por Homero. Para Korfmann existem alguns
indícios que revelam que a cidade esteve envolvida com combates, como por exemplo, o fato
de ser tão fortificada e cercada por muralhas e trincheiras, representaria a necessidade de
defesa perante inimigos. Além disso, foram achadas ossadas com indícios de morte violenta e
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também lanças e flechas enterradas no vão das muralhas, o que revela que Tróia esteve sob
ataque. Entretanto, não foram encontrados resquícios arqueológicos nas proximidades, o que
indicaria que os gregos não estiveram por ali durante dez anos, tal como afirma Homero. Os
refúgios e objetos gregos nunca foram encontrados, ou seja, é provável que a guerra tenha
durado menos tempo do que é descrito na lenda.
Conclusão
Desse modo podemos concluir que traçar historicamente a lendária guerra de Tróia,
carrega consigo uma complexidade inesperada devido, sobretudo à falta de informações
precisas sobre o período relativo a essas epopéias. Isto se agrava ainda mais devido à
impossibilidade de se datar com exatidão o momento em que ocorreram os possíveis
acontecimentos descritos nos poemas. Em decorrência de seu meio de propagação e pela
própria tradição literária, ocorre uma miscelânea de acontecimentos e concomitantemente de
períodos históricos. Todavia, graças à curiosidade que os versos gregos despertam em muitos
estudiosos, tem-se perseguido há muitos anos, o intuito de provar a veracidade da lenda.
Muitos pesquisadores já conseguiram dar à história uma perspectiva mais verdadeira, mais
confiável; revelando, através de relatos míticos bastante fantasiosos, a existência de uma
civilização muito rica e antiguíssima, que atingiu um desenvolvimento e uma estrutura
organizacional nunca pensada para a época, e que pode realmente ter contribuído para a
criação dos poemas que há muitos séculos vêem preenchendo a mente de muitos
pesquisadores.
Procurar na lenda uma veracidade, um fato histórico, não retira dela, porém, sua
mágica e beleza. As epopéias homéricas carregam consigo muito de elementos que agradam a
nossa imaginação, demonstram a capacidade figurativa e criativa da mente humana; e
revelam, ainda, como os homens daquele tempo responderam as suas próprias indagações.
Nesse sentido, aqui consideramos que as epopéias homéricas contenham tanto uma
beleza e realidade literária e simultaneamente uma beleza e existência histórica. Ainda que
esse tema possa despertar muitas abordagens, a Ilíada e a Odisséia se fundamentam como
significativos vestígios de um passado que deve ser lembrado, e ainda como um importante
exemplo para as composições literárias posteriores.
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REFERÊNCIAS
BALDRY, B. C. A Grécia Antiga: cultura e vida. (Trad. Mario Matos e Lemos). Lisboa:
Verbo, 1969.
BLEGEN, C. W. Tróia e os troianos. Lisboa: Editorial Verbo, 1966.
BONNARD, A. A Civilização Grega. (Trad. José Saramago). Lisboa: Edições 70, 1980.
BRANDÃO, J. S. Mitologia Grega. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
FINLEY, M. I. O legado da Grécia. (Trad. Ivette V.P. de Almeida). Brasília: EdUnB, 1998.
___________. Os Gregos Antigos. (Trad. Arthur Mourão). Lisboa: Edições 70, 1963.
HAMILTON, E. A Mitologia. (Trad. Maria Luisa Pinheiro). Lisboa: Dom Quixote, 1983.
HOMERO. Odisséia. (Trad. Fernando C. de Araújo Gomes). São Paulo: Ediouro, 2004.
HOMERO. Ilíada. (Trad. Carlos A. Nunes). São Paulo: Tecnoprint, s/d.
PAINE, M. Ancient Greece. Harpenden: Pocket Essentials, 2007.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de história da cultura clássica. 3.ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.
ROSTOVTZEFF, M. História da Grécia. Trad. Edmond Jorge. Rio de Janeiro: Guanabara,
1986.

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