Compreendendo a capacidade Adaptativa ao nivel local
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Compreendendo a capacidade Adaptativa ao nivel local
COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Compreendendo a capacidade Adaptativa ao nivel local em Moçambique Alianca Africana para a Resiliencia as Mudancas Climaticas (ACCRA) Relatorio sintese de Mocambiquet Alexander Huw Arnall, Professor de Agricultura e Desenvolvimento da Universidade de Reading 8 Foto da capa, fontanela de agua em caia ACCRA é um consórcio que reúne Oxfam GB, Overseas Development Institute (ODI), Care Internacional, Save the Children e World Vision Internacional. ACCRA é operacional na Etiópia, Uganda e Moçambique, com financiamento do DFID e CDKN. 2 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Conteudos Acknowledgments 3 Agradecimentos e Abreviaturas3 Sumario executivo 4 Secção 1: Analisando as características da capacidade de adaptação 6 1.1 Porque focalizar na capacidade adaptativa? 7 1.2 Compreender a capacidade adaptativa e a “Adaptação” 8 1.3 O quadro da capacidade adaptativa local 10 1.4 Pesquisa do ACCRA em Moçambique 12 Secção 2: O contexto local e nacional 13 2.1 Entendendo o Clima de Moçambique 14 2.2 Background dos locais da pesquisa do ACCRA 16 2.2.1 Estudo de caso 1: Distrito de Chibuto 17 2.2.2 Estudo de caso 2: Distrito de Caia 19 Secção 3: Analisando a capacidade de adaptação ao nível local 22 3.1 Quais as mudanças que preocupam as Comunidades? 23 3.2 Como as pessoas respodem às mudanças ?23 3.2.1 Adaptações incrementais 23 3.2.2 Adaptações transformacionais 24 3.2.3 Sumario das respostas as mudanças 25 3.3 Como as intervenções de desenvolvimento afectam a capacidade de adaptação 25 3.3.1 Conhecimento e informação 26 3.3.2 Inovação 27 Secção 4: Qual o significado da pesquisa do ACCRA’S para as práticas de desenvolvimento? 30 4.1 limitações das intervenções externas 31 4.2 Barreiras para a realização do potencial adaptativo 31 4.2.1 Heterogeneidade sócio económica 32 4.2.2 Relações de poder intracomunitário 32 4.2.3 Economia politica 33 Referencias34 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Agradecimentos O presente documento foi elaborado por Alex Arnall, que visitou os distritos de Chibuto e Caia, com o apoio das equipas de campo das organizações membros do ACCRA, tanto em Maputo como nos distritos visitados, e de representantes do INGC e MICOA a todos os níveis. A equipa de coordenação do ACCRA em Moçambique, gostaria de reconhecer a contribuição das comunidades onde os estudos de caso se realizaram, as autoridades distritais e provinciais, bem como os serviços centrais da CARE, WORLD VISION E SAVE THE CHILDREN. Apreciação especial aos assessores técnicos do INGC, MICOA e dos membros do consórcio pelos comentários relevantes e valiosas contribuições durante o seminário de validação realizado em Maputo em Setembro de 2011. Este relatório é resultado de um grande trabalho de equipa de todos os membros da ACCRA, nomeadamente Josephine Lofthouse, Melq Gomes, Samuel Maibasse, Sophie Chotard, Lesley Holst, Emmet Costel, Catherine Pettengell, Simon Levine e Alex Arnall. Abreviaturas ACCRA Aliança Africana de Resiliência às Mudanças Climáticas CLGR Comités Locais de Gestão de Risco IDS ITCZ Zona de Convergência Inter- Tropical LAC Capacidade Local de Adapatação ODI Instituto de Desenvolvimento Além Mar ONG Organização Não Governamental RRD Redução de Riscos de Desastres PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Comunidade de Meboi – discussão durante o exercício de época 3 4 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Sumário Executivo Moçambique enfrenta o duplo desafio de responder as mudanças climáticas que acontecem rapidamente e as pressões advindas do desenvolvimento. Ao nível local, muitas comunidades não têm as necessárias ferramentas, os recursos ou a capacidade para adaptarem-se, e depedem da assistência e apoio do governo e de outros actores de desenvolvimento. Embora grande parte das intervenções de desenvolvimento não sejam directamente dirigidas aos aspectos ligados às mudanças climáticas, é provável que os impactos desses projectos influenciem as habilidades de individúos e comunidades a responder e adaptar-se aos impactos das mudanças e variações climáticas. Contudo poucos actores de desenvolvimento têm considerado o quanto as suas intervenções podem influenciar a capacidade de adaptação das comunidades, ou de como favorecer o desenvolvimento dessa mesma capacidade. A pesquisa feita pela Aliança Africana para Resiliência às Mudanças Climáticas (ACCRA) pretende analisar como as intervenções (em curso) nas áreas de Redução de Risco de Desastre (RRD), de Protecção Social e de Meios de vida afectam a capacidade de adaptação à nível local em Moçambique. Esta análise foi feita usando o quadro da capacidade de adaptação local (local adaptive capacity framework - LAC), esta ferramenta apresenta cinco características da capacidade de adaptação, nomeadamente: Recursos Disponíves (infrastrura, recursos naturais e humanos, etc..) ; Conhecimento e Informação; Instituições e prerrogativas; inovação; e tomada de decisão Flexível e visionária. A pesquisa do ACCRA em Moçambique, centrou-se em duas características do LAC: (i) O conhecimento e informação e (ii) Inovação. Os estudos de caso foram conduzidos em dois distritos, nomeadamente o Distrito de Chibuto na Província de Gaza (sul) e o Distrito de Caia, Província de Sofala (centro). Este relatório é uma síntese das constatações chaves e tem como objectivo informar e influenciar o trabalho dos parceiros de desenvolvimento (Governo, ONGs e Sociedade Civil) no apoio as comunidades mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas e com limitada capacidade de adaptação. Constatações e Recomendações da Pesquisa: 1. A maioria dos camponeses nos districtos de Caia e Chibuto, acreditam que a actual forma de resposta, usada por eles, contra as chuvas irregulares, seca e cheias são inadequadas, de forma geral restrigem-se à mudança do período da sementeira e colheita. Do contrário, eles gostariam de ter acesso à diferentes terras, localizadas nas zonas altas e baixas (ao longo dos rios), mas se dizem impossibilitados de o fazer, considerando as actuais restrições de acesso à essas terras. Como resultado, muitas famílias esforçam-se pra responder às pressões climáticas e do desenvolvimento, procurando outras formas complementares de meios de vida, muitas destas actividades são insustentáveis, e apenas possível para as pessoas com mais recursos. 2. As informações externas são mais efectivamente assimiladas por grupos de farmeiros com acesso ao suporte aos meios de vida e por tanto, mais pré-dispostoas à inovação. Isso acontece porque esses grupos geram o espaço necessário para que seus membros compartilhem, testem e experimentem novas idéias, o que contribui para o desenvolvimento de um ambiente propício à adaptação. O maior problema com esses grupos é o fato de excluir a maior parte da comunidade, o que limita a disseminação efectiva do conhecimento; como por exemplo, em Chibuto e Caia, o conhecimento externo adquirido por beneficiários de programas, são repassados apenas com a clara definição de alguma recompensa em retorno pelo tempo e esforço empregados nessa tarefa. 3. Os Actores de desenvolvimento geralmente assumem que as comunidades precisam de recursos externos para desenvolverem a capacidade de daptação. Nas diversas abordagens locais de adaptação observadas nesse estudo, as comunidades raramente foram levadas em conta pelas agências de desenvolvimento.; mesmo quando os programas investiam em iniciativas locais, era esperado que os grupos comunitário fossem capazes de adaptar as suas actividades e aspirações aos critérios externos. COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE 4. Mais atenção é requirida no processo de desenvolver a capacidade de adaptação dos próprios beneficiários nas comunidades; Essa ação requer assistência às pessoas, para que possam reconhecer e superar as inumeras barreiras sociais, economicas, culturais e políticas que lhes é imposta. Enquato muitas intervenções de desenvolvimento já actuam para remover esses obstáculos, eles, por outro lado, podem sem perceber torná-los bem pior. Nas comunidades observadas, esse foi um problema em potêncial em três áreas principais: heterogenia socioeconomica, relações de poder dentro da comunidade e no âmbito da politica e economia. 5. O governo e agências de desenvolvimento precisam identificar as tensões sociais, economicas e divisões políticas existentes ao nível da comunidade e acima dela, e considerar como essas relações poderam afectar ou serem afectadas por suas intervenções. Considerando que a capacidade de adaptação é dependente do seu contexto específico, fica claro que as estratégias para auxiliar as pessoas à encontrarem as suas próprias soluções são variadas, Portanto mais investimento em pesquisa preliminar deveria ser feito, para o melhor entendimento do contexto onde as intervenções serão implementadas. 6. O estudo desenvolvido pelo ACCRA, aponta para o facto de que ajudar os camponeses em Caia e Chibuto a encontrar uma solução para o acesso de terras em novas zonas agro-ecologicas, pode resultar em uma melhor capacidade de adaptação. ONGs poderiam investir na disseminação do conhecimento sobre a lei da terra e de como esses direitos interagem com a forma tradicional de gerir a terra; poderiam contribuir também para garantir fluxo de comunicação entre os actores envolvildos na gestão da terra, facilitando o diálogo entre tomadores de decisão e os actores ao nível distrital e na comunidade,em como interagir com o sector privado. 7. Mudanças transformacionais foram observadas, nas tendências da redução da emigração de homens, a monetarização da economia local e da feminização da agricultura. Esses processos são pouco compreendidos no contexto da capacidade de adaptação e mudanças climáticas, mais estudos sobre esses tópicos na zona rural de Moçambique. 8. A gestão da descarga feitas nas albufureiras para beneficiar irrigação ou navegabilidade pode trazer prejuízos ao produtor de subsistência não informado; governo e os actores de desenvolvimento devem investigar os impactos locais e trabalhar para o desenvolvimento de sistemas de aviso prévio, com a finalidade de proteger os pequenos produtores e seus meios de vida. 5 Secção 1: Analisando as características da capacidade de adaptação COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Analisando as características da capacidade de adaptação Responder às mudanças climáticas é um dos principais desafios para o desenvolvimento (Boyd et al., 2209). Os impactos das mudanças observadas e projectadas no clima global e regional terão implicações significativas para o ecossistema e para os meios de subsistências das comunidades que dele dependem (Adger e tal., 2002). Para África - e Moçambique em particular – estes impactos precisam de ser considerados no contexto de fortes e variadas pressões do desenvolvimento, tais como a pobreza generalizada, marginalização e gestão de recursos naturais escassos, sendo que cada um desses impactos podem se sobrepor e tendem a serem exacerbadas pelas mudanças climáticas. Neste âmbito, é crucial que os fazedores de políticas e responsáveis pelos planos de desenvolvimento entendam como reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas e assegurar que as comunidades tenham capacidade para se adapatar ao longo do tempo. O presente documento sintetiza as principais constatações do estudo realizado pela Aliança Africana de Resiliência às Mudanças Climáticas em Moçambique. A secção 1 - analisa os principais conceitos e faz um enquadramento do ACCRA, ainda nessa secção temos a explicação da metodologia do estudo e apresenta a ferramentas de análise do projecto, o Quadro da Capacidade Local de Adaptação (LAC). A secção 2 realça os desafios do clima e do desenvolvimento para Moçambique,assim como descreve as principais intervenções de desenvolvimento em Chibuto e Caia. A secção 3 - baseia-se nas observações da pesquisa para analisar como as comunidades respondem às mudanças e como as intervenções de desenvolvimento afectam as características da capacidade de adaptação. Por fim, a secção 4 – revela o significado das evidências do estudo do ACCRA para a prática do desenvolvimento em Moçambique. 1.1 Porque concentrar-se na capacidade de adaptação? A Aliança de cinco parceiros de desenvolvimento – Oxfam GB, Overseas Development Institute, Save the Children, World Vision UK e CARE – o consórcio ACCRA evoluíu consideravelmente desde o seu começo em 2009, em resposta ao pedido do Governo do Reino Unido (DFID) para identificação de evidências sobre como a abordagem dos programas de Redução de Risco ao Desastre (RRD), de Protecção Social e de meios de vida, pode gerar resiliência às mudanças climáticas. Discussões envolvendo o consórcio ACCRA, o DFID (Strenthening Climate Resilience consortium) e outros especialistas apontam dois claros desafios: Primeiro, um estreito foco sob as intervenções humanitárias e uma definição para resiliência ;considerando que a definição usual (“ a capacidade de se recuperar depois de um choque”) não satisfaz as necessidades das comunidades sujeitas a mudanças climáticas - Tanto as comunidades como os sistemas precisam adaptar-se aos desafios e incertezas (os relacionados ao clima e outros mais), o termo resiliência continua a ser fortemente debatido havendo muitas pessoas que decidiram considerar uma definição mais geral, havendo vários e diferentes significados. Em segundo lugar, um dos maiores desafios nos programas de desenvolvimento é assegurar que os indivíduos e a sociedade possam adaptar-se para além do encerramento da intervenção; Isto é crucial para os programas de adaptação, porque não há um ponto final para a adaptação: as pessoas precisam adquirir a capacidade de adaptar-se considerando várias gerações futuras; Segue o desafio para os que se envolvem com a implementação de intervenções de desenvolvimento, que é atender as necessidades imediatas e ao mesmo tempo construir a capacidade para adaptação no futuro. O consórcio ACCRA decidiu, com o apoio do DFID, na reflexão sobre a necessidade de flexibilidade a longo prazo e alternativamente concentrar-se na capacidade de adaptação. De maneira geral, a capacidade de adaptação refere-se à capacidade de uma pessoa ou de uma comunidade em responder e adaptarse aos possíveis impactos resultantes de mudanças abruptas e estresses (Lim and Spanger-Siegfried, 2004). Os estudos do ACCRA em Etiópia, Uganda e Moçambique alvejam produzir o conhecimento para ajudar indivíduos e comunidades a construir a sua própria capacidade de adaptação e entender como as intervençoes de desenvolvimento contribuem para a capacidade de adaptação ao nível da comunidade. 7 8 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Como os termos referem-se ao potencial de indivíduos e grupos para responder às mudanças, a capacidade de adaptação não pode ser medida. Contudo, os estudos do ACCRA investigam as características chaves que contribuem para a capacidade de adaptação de um sistema dentro de um contexto particular (veja a secção 1.3). O ACCRA investigou o impacto das intervenções de desenvolvimento sob a capacidade de adaptação de indivíduos e comunidades afim de: • Entender como as diferentes abordagens programáticas podem construir ou minar a capacidade de adaptação. • Entender como programas que não tem obejctivos directamente relacionados com os impactos das variações e mudanças climáticas, podem contudo, melhorar a capacidade de adaptação no futuro. • Aprender como melhorar as intervenções em todos as abordagens programáticas no sentido de construir a capacidade de adaptação. A conclusão desse relatório é direcionada à suportar o desenho e implementação de intervenções humanitárias e de desenvolvimento, tanto pelo governo e ONGs, bem como influenciar as políticas direcionadas as comunidades vulneráveis, com o objectivo de aumentar a sua capacidade de adaptação e resiliência. 1.2 Compreendendo capacidade de adaptação e o processo de adaptação O ambiente, os meios de vida e as fontes de riquezas das pessoas são influenciados pelo clima (Adger 2003). Incertezas e variabilidade do clima são intrínsecos e a sociedade humana frequentemente enfrenta e responde a essa realidade. Contudo, a maneira como a sociedade tem enfrentado as incertezas e a variabilidade do clima até à data e os vários mecanismos para enfrentá-las, parecem não ser suficientes para lidar com os novos desafios trazidos pelas mudanças climáticas (Van Aslst et al.,2008) As sociedades mais vulneráveis não serão só aquelas que tem experimentado os maiores impactos, mas aquelas mais sensíveis e pouco capazes de adaptar-se às mudanças climáticas e às pressões do desenvolvimento. Muitas comunidades nos países em desenvolvimento que já enfrentam os desafios das actuais condições de clima, deverão mudar algumas das suas características, bem como transformar as suas estruturas sociais, para que se organizem com vista à uma adaptação bem-sucedida para uma resposta eficiente às futuras variações climáticas. Os desafios que se apresentam as comunidades não estão apenas relacionados com a resposta as mudanças climáticas, mas também ao peso do desenvolvimento reflectido em questões tais como, as crises dos modelos económicos e alteração nos padrões das migrações no globo. Capacidade de adaptação refere-se ao potencial de adaptar-se, não necessáriamente ao acto ou o resultado da adaptação. No contexto das mudanças climáticas, fala-se da habilidade de um sistema de se ajustar, modificar ou alterar as suas características e ações para moderar um dano em potencial; tirar vantagens das oportunidades; ou saber lidar com as consequências de um clima em mudança (IPCC, 2007; Brooks, 2003).As comunidades que são capazes de antecipar, lidar com e responder rapidamente às mudanças climáticas são consideradas tendo alta capacidade de adaptação (Smit & Wandel,2006). Capacidade de adaptação é multi-dimensional e não há uma aceitação universal sobre os seus elementos, está essencialmente relacionada ao facto de as pessoas terem ferramentas correctas e um ambiente conducivo necessário que lhes permita adaptar-se com sucesso por um prazo longo. É também importante ter em mente que a capacidade de adaptação é específica ao contexto e varia de país para país, de comunidade para comunidade, entre grupos sociais, de pessoa a pessoa e ao longo do tempo (Smit & Wandel,2006). De maneira practica, uma ação efectiva ao nível local depende da combinação de escolhas de desenvolvimento, de acções e de capacidades locais de adaptação (Kuriakosse at el., 2009). O conceito de adaptação é relativamente fácil de descrever em princípio, mas é difícil de decifrar e detalhar na prática. No contexto desta pesquisa, adaptação refere-se ao processo pelo qual, a comunidade reduz os efeitos adversos dos choques e dos stresses, incluindo mudanças climáticas, sobre o seu meio de vida e bem-estar, tirando vantagens das novas oportunidades criadas pelas mudanças no ambiente (TERI, 2007). COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Especificamente, pode ser descrito como um ajustamento do sistema natural ou humano, em resposta a um actual ou esperado estímulo climático e seus efeitos, o qual explora prejuízos moderados ou oportunidades benéficas (IPCC, 2001; 72). Este relatório olha para as mudanças que as populações têm feito, em relação ao que fazem e/ou como o fazem, sem distinção entre estímulo ou processo para mudança e sem avaliar se as mudanças têm ou não, sido bem-sucedidas.Os termos ‘adaptar’, ‘adaptando’ e ‘adaptação’ aparecem ao longo do relatório, sendo importante observar que estes termos são usados de forma distinta daquele usado no ambito da adaptação as mudanças climáticas, onde ‘adaptação’ refere-se unicamente, as ações bem sucedidas e sustentáveis, executadas por pessoas ou instituições em antecipação ou em resposta ao clima em mudança. As acções levadas a cabo para adaptação à variabilidade e mudanças climáticas podem ser de vários tipos. Neste relatório descrevemos alguns tipos diferentes de adaptação a nível local (vide figura 1) Discutindo o calendário sazonal 9 10 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Tipo de adaptação Descrição Adaptação autónoma Adaptação que ocorre naturalmente pelos actores privados sem intervenções de agência públicas. Normalmente a adaptação autónoma não constitui uma resposta consciente a estímulos do clima, mas activado por mudanças ecológicas nos sistemas naturais e pelos mercados ou mudanças no bem-estar dos sistemas humanos Adaptação planificada Acções de adaptação que resultam de deliberações de decisões políticas ou acções por parte das agências públicas Adaptação incremental Adaptação que resulta de pequenas mudanças incrementais, geralmente com o objectivo de capacitar a pessoa ou comunidade para manter os objectivos funcionais num ambiente de mudanças Adaptação de transformação Adaptação que resulta da mudança do individuo ou da comunidade na sua estructura primária e funcionalidade. Mal adaptação Qualquer resposta de adaptação feita sem considerar a interdependência dos sistemas, o que poderá, inadvertidamente, pôr em risco outros sistemas que são sensíveis às mudanças climáticas. Figura 1: Diferentes tipos de adaptação a nível local Enquanto as ações constituem diversos tipos de adaptação, ter o conhecimento destes diferentes tipos de adaptação é útil para caracterização de como as pessoas reagem às mudanças, e explorar as barreiras para uma adaptação bem sucedida e sustentável. 1.3 O Quadro da Capacidade de Adaptação Local O ACCRA tem quatro Objectivos: 1. Compreender como é que Projectos de RRD, de Protecção Social e de Meios de vida implementados pelos membros do ACCRA, constroem a capacidade de adaptação às mudanças climáticas e como essas abordagens podem ser fortalecidas. 2. Usar os resultados para influenciar os doadores, parceiros de desenvolvimento e sociedade civil a melhorar acções e planos futuros; 3. Trabalhar com Governos Locais e Centrais para estimular a capacidade de implementar intervenções que possam construir a capacidade de adaptação das comunidades 4. Encorajar processos de aprendizagem entre os países e entre diferentes sectores temáticos. Estes objectivos foram definidos através do uso do LAC, que foi elaborado com base em extensas consultas com académicos, fazedores de políticas e agentes de desenvolvimento, sendo testado em estudos piloto em cada um dos três países. A grande maioria das avaliação da capacidade de adaptação já conduzidas, concentram-se nos recursos disponíveis (naturais, humanos e o capital) como indicadores(Dulal et al., 2010). Enquanto importante indicador para entender quais os recursos necessários para a adaptação, COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE 11 ao mesmo tempo tende a mascarar o papel dos processos e funções(Jones et al., 2010). Compreender a capacidade de adaptação, exige de nós o reconhecimento da importância de vários processos intangíveis, incluindo: a tomada de decisão e governação, a promoção da inovações e experimentação, e da exploração de novas oportunidades, a estrutura das instituições e das prerrogativas. O que significa não apenas considerar o que um sistema tem (recursos), mas também considerar aquilo que um sistema faz para o capacitar à adaptação.(WRI, 2009). O ACCRA procura entender como as actividades de desenvolvimento suportam essa capacidade, e o que pode ser feito para fortalecer essas ações. O quadro LAC incorpora as dimensões tangiveis e intangíveis necessárias à análise da capacidade de adaptação ao nível local.A pesquisa do ACCRA reconhece que não é factível medir as potencialidades de pessoas e da sociedade directamente. Assim a LAC propõe que a capacidade de adaptar-se ao nível da comunidade, será, de uma forma geral, similar em todos os grupos e separada em cinco características distintas, ainda que inter-relacionadas (vide figuras 2 e 3): • Recursos Disponíveis • Conhecimento e Informação • Instituições e prerrogativas • Inovação • tomada de decisão Flexível e visionária. O pressuposto básico por detrás deste quadro refere que os impactos positivos de cada uma das cinco características vão melhorar a capacidade da adaptação do sistema (Jones et al., 2010). Recursos Disponíveis Tomada de decisão Flexível e visionária Conhecimento e Informação Instituições e prerrogativas Figura 2: Relações entre características de capacidade de adaptação Inovação 12 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Capacidade de Adaptação Local Características Atributos que reflectem alta capacidade de adaptação Recursos Disponíveis Disponibilidade de recursos chaves, que permitam o sistema responder à circusntâncias em evolução Instituições e prerrogativas Existência de um ambiente institucional evolutivo que permita o acesso de maneira igualitaria aos direitos sobre os recursos chaves e necessários. Informação e Conhecimentos O sistema tem a capacidade de recolher, analisar e disseminar informações e conhecimento para suportar as actividades de adaptação. Inovação O sistema cria um ambiente propício para acelerar a inovação, a experimentação e a capacidade de explorar nichos de soluções, de forma a tirar vantagens das novas oportunidades Tomada de decisão Flexível e Visionária e Governação O sistema é capaz de antecipar, incorporar e responder a mudanças em relação às suas estruturas de governação e planificação futura Figura 3: Características e descrição da LAC 1.4 A Pesquisa do ACCRA em Moçambique A pesquisado ACCRA em Moçambique concentra-se em dois aspectos da LAC: conhecimento e informação e inovação. A interacção entre estes factores e as intervenções de desenvolvimento rural não são bem compreendidas em Moçambique, no entanto será prova decisiva para a determinação da capacidade de adaptação. Contudo, como as cinco características da LAC estão interligadas, a pesquisa também irá referir as outras três componentes sempre que necessário. A pesquisa foi conduzida em dois lugares. Um no Distrito de Chibuto, Província de Gaza na zona Sul e outro no Distrito de Caia, Província de Sofala, na zona Centro. Estes locais foram seleccionados nas consultas feitas a intervenientes locais, incluindo Governos e ONGs de desenvolvimento. Seguindo o desenvolvimento do quadro LAC e a metodologia da pesquisa, foi realizado um seminário de validação em Maputo-Moçambique em Abril de 2010. Este reuniu membros do Governo, ONGs e representantes da comunidade tendo permitido testar as componentes da LAC e adapta-las ao contexto nacional. A primeira fase de recolha de dados decorreu entre Novembro de 2010 e Março de 2011. O trabalho de campo, na segunda fase, realizou-se entre Julho e Agosto de 2011. Dados primários foram recolhidos de duas formas. Inicialmente foram entrevistados informantes chaves, sendo estes os representantes das comunidades, Governos distritais, ONGs que operam nas áreas da pesquisa. Em segundo lugar, foram formados grupos focais com os membros da comunidade e de acordo com os critérios desenhados com representações de homens, mulheres e grupo de jovens. A selecção dos entrevistados foi precedida por uma distribuição dos Agregados Familiares por níveis de riqueza (situação económica), levada a cabo com apoio de líder da comunidade. A distribuição dos Agregados Familiares por níveis de riqueza ajudou a assegurar que todos os extractos sociais fossem representados na pesquisa. Grupos de actividades foram criados com homens e mulheres separadamente bem como com grupos de diferentes níveis de riqueza e meios de vida. Os dados secundários foram recolhidos a partir dos documentos de planificação e relatórios produzidos a nível nacional e distrital pelo governo e agências de desenvolvimento. Dados meteorológicos disponíveis no Instituto Nacional de Meteorologia de Moçambique (INAM) foram obtidos e analisados. Secção 2: O contexto national e local 14 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE O Contexto National e Local Desde o início dos anos 1990, as reformas macroeconómicas, o apoio dos parceiros de financiamento e a estabilidade política de Moçambique têm ajudado a alcançar rápidas melhorias nas taxas de crescimento económico do país e na redução da pobreza. Mesmo com este progresso, Moçambique continua dependendo de uma forte assistência externa no seu orçamento anual, e grande parte da população vive abaixo da linha de pobreza. No último relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, Moçambique foi classificado em 184 de um total de 187 países. Mais de 80% da População de Moçambique depende da agricultura de sequeiro de pequena escala (ISDR, 2009), Os melhores solos estão localizadas ao longo das zonas baixas nas planícies de inundação, embora estas áreas sejam sujeitas a inundações regulares, que destroem as capacidades locais de sobrevivência. (Brouwer and Nhassengo, 2006). Moçambique está exposto a frequentes períodos de secas, particularmente nas zonas do interior das regiões sul e centro. Alguns distritos costeiros sofrem a passagem regular de ciclones nos meses de verão (Outubro a Março) trazendo fortes chuvas, ventos e tempestades. No ano 2000, chuvas intensas e prolongadas inundaram a zona sul e centro dos pais, resultando em 700 mortos, 491.000 deslocados, e milhões de dólares perdidos (World Bank, 2000). Desde esse acontecimento traumatizante, esforços significativos do Governo e Doadores para instalar rapidamente um sistema de alerta nas zonas de alto risco, particularmente nos Rios limpopo e Zambeze, têm reduzido considerávelmente os impactos das cheias. Contudo um vasto leque de factores socioeconómicos, incluindo altos níveis de malnutrição e infecção por HIV, acompanhados por um baixo nível de escolaridade e assistência médica, tornam Moçambique extremamente vulnerável a choques externos e stresses e com uma limitada capacidade de adaptar-se às mudanças. As mudanças climáticas representam, portanto, um considerável desafio para o desenvolvimento sustentável em Moçambique. 2.1 Entendendo o Clima de Moçambique O clima de Moçambique é tropical a subtropical com duas épocas: uma época chuvosa de Outubro à Março e uma época de inverno e seco que começa de Abril à Setembro. As temperaturas médias variam entre 25-27°C (verão) e 20-25°C (inverno) nas zonas baixas e quentes do país, e 20-25°C (verão) e 15-20°C (inverno) nas zonas do interior e de maior altitude do norte (McSweeney, New et al. 2011). A chuva é mais intensa entre os meses de Dezembro e Fevereiro, sendo mais forte ao longo da faixa costeira com uma extensão de 2.700km (a terceira mais longa em África) e nas áreas montanhosas viradas para leste (DFID 2009). As chuvas também variam consideravelmente por região, com a região mais húmida no norte, recebendo 150-300mm da chuva por mês e a zona sul recebendo 50-150mm por mês (McSweeney, New et al. 2011). Chuvas intensas são associadas com a passagem de ciclones tropicais ao longo do canal de Moçambique. Estes sistemas climáticos de grande escala podem variar consideravelmente de ano para ano, às vezes resultando o cenário da época chuvosa, causando seca e inundação. Outra fonte importante da variabilidade são Temperaturas Superficiais do Oceano Índico (SSTs) que, na sua fase quente (El Niño), causam épocas mais quentes e mais secas do que as condições médias na época chuvosa e, na sua fase fria (La Niña), causam condições relativamente mais frias e húmidas. O alto nível da variabilidade pode ofuscar as tendências nas mudanças do clima. Dados recentes realmente mostram uma redução pluviométrica anual média em Moçambique a uma taxa média de 2.5mm por mês (3.1%) por década entre 1960 e 2006. Esta variação foi devida a reduções pluviométricas em DezembroJaneiro-Fevereiro (DJF), que diminuiu em 6.3mm por mês (3.4%) por década (PNUD, 2010). Existe também evidência de um início tardio da época chuvosa, bem como um aumento na persistência do dia seco e extensão da época seca, no nordeste do país. Um constrangimento na análise da tendência climática é a distância entre as estações meteorológicas, pois de acordo com o INAM uma estação cobre uma área de 29.000 km² (em comparação com 1.017 km² por estação na África do Sul) (INGC 2009). Os modelos climáticos podem fornecer indicações úteis sobre o futuro COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE 15 provável do clima, embora sejam também sujeitos a grandes incertezas. Actualmente os modelos climáticos prevêm que comparativamente com as médias do clima no períodoo de 1961 – 1999 a temperatura anual no país irá aumentar em 1.0 a 2.8°C até 2060 e em 1.4 a 4.6°C até os anos 2090s (figura 4). Mozambique: Total precipitation anomaly, annual Precipitation anomaly (mm) 600 400 200 High 0 Medium -200 -400 -600 1960 Low 1980 2000 2020 2040 2060 2080 2100 Mozambique: Mean temperature anomaly, annual Temperature anomaly (0C) 6 4 High 2 Medium 0 Low -2 1960 1980 2000 2020 2040 2060 2080 2100 Os gráficos mostram as tendências da temperatura média anual do passado recente e projecção do futuro. A linha preta sólida mostra a média dos dados observados (1960-2006). O sombreado de castanho mostra a gama de simulaçõesmodelo de um conjunto de 15 modelos climáticos durante o mesmo período. As linhas coloridas de 2006 em diante mostram a mediana (linha sólida) e a gama (o sombreado) de projecções conjuntas do clima segundo cenários de emissões altos, médios e baixos. As barras coloridas do lado direito das projecções resumem a gama das médias (20902100) simuladas pelos 15 modelos, para cada cenário de emissões, alto (SRES A2), médio (SRES A1B) e baixo (SRES B1). Figura 4: Média da anomalia anual de temperatura e precipitação, Moçambique A taxa projectada do aquecimento é mais rápida nas regiões interiores de Moçambique do que naas áreas mais próximo à costa, e durante os meses de Setembro-Outubro-Novembro (SON). Espera-se que a região centro também seja desproporcionalmente afectada, com temperaturas projectadas para aumentar até 5-6°C durante os meses de SON até 2100, comparado com a temperatura média de 1962-1990. As projecções da média de precipitação não indicam mudanças substanciais na precipitação anual. A gama das projecções feitas pelos 15 modelos é grande, indicando mudanças mensais tanto negativas como positivas (-15 a + 20 ou -15 a +34) figura 4. (McSweeney et al., 2011). As projecções sazonais mostram maior coerência, com projecções a tender para o decréscimo na época seca (JJA e SON), contrabalançado por um aumento na época de chuvas (DJF). Osvários Modelos projectam de forma consistente aumento na proporção de chuvas que caem de forma violenta – até 15% nos anos 2090. 16 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Quando comparado com as mudanças na taxa de evaporação, o modelo sugere que a estação seca tornarse-ará muito seca em todo lado a partir de 2055. Também existe incerteza sobre as potenciais mudanças na intensidade e percurso de ciclones tropicais que os modelos climáticos quase não captam (McSweeney, New et al. 2011). Há indícios de que os ciclones tropicais provavelmente tenderão a ser mais intensos num clima mais quente em resultado das temperaturas superficiais do oceano mais altas (Christensen, Hewitson et al. 2007). A figura 5 1 resume as várias mudanças projectadas para o clima de Moçambique. 2.2 Distritos onde ocorreram a pesquisa do ACCRA As duas comunidades do estudo de caso, localizadas nos distritos de Chibuto e Caia, foram seleccionadas para capturar uma variedade de actividades de meios de vida e de exposição a riscos climáticos. Estas são resumidas na figura 5. Local Região Principal perigo climático Principal fonte de subsistência Principais actividades da ONG Chibuto Sul (Província de Gaza) Seca Agricultura de subsistência de produção de alimentos; criação de gado; migração Distribuição de alimentos e sementes; microcrédito; diversificação de de meios de vida Caia Centro (Província de Sofala) Cheias Agricultura de subsistência; produção para rendimento; emprego ocasional Diversificação de meios de vida Figura 5: Sumário das características dos dois locais de pesquisa Ambas as áreas da pesquisa são dominadas por grandes sistemas hidrológicos: a Bacia do Rio Limpopo no Distrito de Chibuto e a Bacia do Rio Zambeze no Distrito de Caia. Nestas regiões existem pelo menos duas áreas agro ecológicas determinadas pela proximidade do rio: zonas baixas, próximo ao rio e zonas altas mais distantes (FEWS NET 2000). Zonas baixas tendem a ter uma densidade demográfica mais alta, solos férteis, e enfrentam uma alta probabilidade de cheias. Nestas áreas é possível organizar duas épocas de sementeira, a , primeira durante a época chuvosa (Outubro à Março), e a segunda na época seca (Abril à Setembro) quando as águas das cheias recuam, expondo os solos húmidos que oferecem condições apropriadas para o cultivo de culturas de rendimento tais como tomate, repolho e alface. Ao contrário, nas zonas altas somente uma época de cultivo é possível (Outubro à Março), devido ao tipo de solos caracterizado por fraca retenção da água o que reduz o número e tipo de culturas a praticar. Normalmente os pequenos agricultores vivem em casas temporárias junto às suas machambas nas zonas baixas e mantêm as suas machambas e casas definitivas nas zonas altas. No entanto, sucessivas e complexas intervenções governamentais durante os períodos colonial e socialista, que incluiram relocações, aldeamentos e comunalização (Coelho, 1982, Bowen, 1989) destruiram o modelo anterior, havendo agora novos assentamentos permanentes localizados em zonas altas, mas ainda próximo da zona baixa. (Myers. 1994; O’laughlin. 1995; west & Myers. 1996). Este modelo ainda sofreu com os diversos deslocamentos que tiveram lugar nas zonas rurais, devido à Guerra civil na decada 80 (Myers, 1994, O’Laughlin, 1995). O pocesso de reversão das machambas estatais para os sectores privado e familiar resultou numa relativa reorganização desregulamentada dos direitos de terra entre os pequenos agricultores (West and Myers, 1996). Desde 2000, a sucessão de cheias de grande dimensão em paralelo com a crescente preocupação sobre as mudanças climáticas, tem estado a levar a um novo processo de reassentamentos liderado pelo governo de Moçambique. Estes programas são desenhados para reduzir a exposição às cheias, através da retirada COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE permanente das pessoas das zonas de risco para zonas altas. Os pequenos agricultores, vivendo em aldeias reassentadas, são encorajados pelo governo a aceder a novas terras nas zonas altas para cultivo durante a época chuvosa - quando o risco de cheias nas zonas baixas é alto, contudo ao mesmo tempo são encorajdos à alternarem sua circulação entre zonas altas e zona baixa durante a época seca, quando podem utilizar as terras fertéis e húmidas sem o perigo de cheias. Até à data, os reassentamentos tem ocorrido principalmente no vale do Zambeze e Limpopo, embora tenha ocorrido em outras áreas incluindo os vales dos rios Save e Incomati. Apesar da escala destes programas, há pouca informação global sobre número de pessoas movimentadas por eles e sobre os impactos socio-económicos. 2.2.1 Estudo de Caso Comunidade 1, Distrito de Chibuto O Distrito de Chibuto situado na zona sul de Moçambique, no sudeste da Província de Gaza (Figura 7); cobre uma área de 5.700 km2 e alberga aproximadamente 200.000 pessoas (Governo do Distrito de Chibuto 2005). O distrito é composto por seis Postos Administrativos, nomeadamente: Malehice, Godide, Alto-Changane, Changanine, Tchaimite e o próprio Chibuto, onde se lcoaliza a sede de Distrito (também designado Chibuto). Changanine Alto Changane Chaimite Chibuto Malehice Figura 6: Mapa do distrito de Chibuto 17 18 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE O distrito é parte integrante do Vale do Rio Limpopo, que é o recurso hidrológico principal na área. O rio é importante tanto para a agricultura como para criação do gado. Para além do rio Limpopo vários pequenos rios periódicos tais como os rios Changane, Chégua e Jatingué, fazem parte do sistem hidrológico do distrito. A agricultura de sequeiro representa a fonte mais importante para a subrevivência das comunidades. As culturas mais importantes são milho, mandioca, amendoim e feijões, no entanto nas zonas baixas cultivam ainda tomate, repolho e alface. A Província de Gaza tem uma longa tradição de criação de gado. A guerra civil e mais recentemente as cheias resultaram em grandes perdas para o gado (Mattick, 2000), embora este esteja em franca recuperação. A região é, há longa data, fornecedora de mão-de-obra para a África do Sul, e os jovens continuam a seguir essa tendência buscando oportunidades de trabalho, notando-se a redução desses números nos últimos anos (Fews Net 2000). Como resultado, somente cerca de 43% dos residentes do distrito são homens (Governo do Distrito de Chibuto 2005), dessa forma, a agricultura de pequena escala no sul de Moçambique tornou-se primariamente um trabalho feminino e consequentemente intimamente ligado às actividades domésticas e de educação das crianças (Bowen, 1989). A diferenciação dos níveis de riqueza entre famílias é feita com base no tamanho da família e na àrea da machamba, com as famílias mais ricas e maiores cultivando entre 7 e 13 hectares e as mais pobres, famílias pequenas cultivando entre 5 e 6 hectares. Outromensal indicador de riqueza , é o número de Variação da temperature media e daimportante precipitação animais com as famílias mais ricas muitas vezes animais mais valiosos como gado bovino, incluindo total mensal notendo Distrito de Caia, 2007 para tracção animal. E as famílias mais pobres, por outro lado, possuindo poucos ou nenhum animal, e 30.0 muitas vezes 250.0 restringem-se a poucas galinhas. 25.0 Temp 0C P (mm) 200.0 O clima do Distrito de Chibuto é predominantemente tropical e seco,a época chuvosa ocorre de Novembro 20.0 a Abril e constitui 150.0 o período principal da produção agrícola. O distrito é caracterizado por pouca chuva, muito irregular , variando em média entre 400 e 600mm em grande parte do distrito e15.0indo até 700mm 100.0 ao longo da costa (Governo do Distrito de Chibuto 2005). Eventos como tempestades, 10.0 secas e cheias acontecem mas com diferentes níveis de frequência, período e intensidade . Por exemplo, a Avaliação da 50.0 5.0 Vulnerabilidade e Capacidade feita recentimente por agências de desenvolvimento mostra que o Distrito 0.0 0.0 de Chibuto esteve sujeito aFebsecaMar entreApr os anos 2005 e Jul 2008.Aug Isto contrasta com a época do ano 2010-2011 Jan May Jun Sep Oct Nov Dec que foi na generalidade considerada como um bom ano para agricultura. Temperature (0C) Precipitation (mm) Variação da temperatura media mensal e da precipitação total mensal, Distrtito de Chibuto, 2007 30.0 180.0 160.0 25.0 120.0 20.0 100.0 15.0 80.0 60.0 Temp 0C P (mm) 140.0 10.0 40.0 5.0 20.0 0.0 0.0 Jan Feb Mar Apr May Jun Precipitation (mm) Jul Aug Sep Oct Nov Dec Temperature (0C) Figura 7: Variação da temperatura media mensal e da precipitação total mensal, Distrtito de Chibuto, 2007. A pesquisa foi conduzida numa comunidade no posto administrativo de Godide, a 25km da cidade de Chibuto. A localidade é considerada pouco integrada aos maiores mercados nacionais devido à sua localização remota e a falta do desenvolvimento de estradas. Segundo as autoridades do Distrito, a comunidade tem uma população de aproximadamente de 3.800 pessoas. A agricultura de sequeiro é a COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE 19 base para o sustento e as populações têm apenas acesso à zona alta para cultivo e por conseguinte são restringidos a uma colheita por ano, pois não têm acesso a zonas baixas. Como resultado, a comunidade é vulnerável a seca e normalmente experimentam bolsas de fome durante os meses de Dezembro a Março antes da primeira colheita. Esses problemas são exarcebados quando as chuvas atrasam e chegam em Novembro , contrariamente a Setembro (considerado um ano bom), atrasando ainda mais a colheita. Atrasos nas chuvas foram reportados aproximadamente uma vez em cada três anos (Governo do Distrito de Chibuto, 2005 Cerca de dez organizações não governamentais (ONGs) atuam no districto nos últimos anos, uma ONG internacional destaca-se das demais, desenvolvendo os seus projectos à dez anos com programas integrados nas áreas de saúde, educação, agricultura e projectos de micro crédito. Na opinião dos entrevistados as actividades mais importantes na comunidade de estudo de caso foram a formação de grupos de micro-crédito e meios de vida, além da distribuição de sementes. No total, seis grupos fizeram parte da pesquisa (quatro dos quais eram de micro-crédito) com cerca de 120 membros.A distribuição de semente de variedade de ciclo curto de milho e amendoim acontecia todos os anos no inicio da campanha. Embora esses programas não tenham sido desenhados para responder às mudanças climáticas, eles tem potencial para afectar o desenvolvimento da capacidade local de adaptação, inluindo o uso de informação e conhecimento e a habilidade de inovar. 2.2.2. Estudo de Caso Comunidade 2, Distrito de Caia O Distrito de Caia, cobre uma área de 3,542km2, e é localizado na Província Sofala na região central de Moçambique (Figura 9). O distrito tem três Postos Administrativos: Murraça, Sena e Caia Sede. De acordo com o lll Censo Geral da População e Habitação o distrito tem cerca 116.000 habitantes, aproximadamente 61.000 (53%) são de sexo feminino e 55.000 de sexo masculino . A região oriental do distrito é dominada pelo sistema de planície do Rio de Zambeze e seus afluentes. R.Muanalavo Sena R.Candela R.Murena Nhacuecha Regulo Chataila Murraca Chibongoloua Phaza Ntopa Caia Mengane Figura 8: Mapa do distrito de Caia Sombe Mozambique 20 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Tal como no distrito de Chibuto, a agricultura de sequeiro é a actividade principal para a população de Caia. Para muitas famílias, o período de consumo dominante é estabelecido pela colheita de sequeiro, entre Abril e Julho. E a segunda colheita provém do cultivo nas zonas baixas entre Agosto e Setembro. E a terceira época é determinada pela pesca quando esta se torna a actividade principal, entre Janeiro e Abril, ou seja, quando o nível das águas no rio tende a aumentar (USAID, 2008). O gergelim é a melhor cultura de rendimento, embora sejam também de grande valor as hortícolas cultivadas nas margens do Rio Zambeze onde o solo é o mais fértil. Em comparação com Gaza, Caia tem pouca migração masculina e como consequência há um maior envolvimento masculino na agricultura comparativamente a Chibuto. O gado também é altamente valorizado para transporte e como mecanismo de poupança para venda durante os períodos difíceis . O tamanho da area cultivada e o número de animais são os determinantes primários da diferenciação social e de riqueza, com as famílias mais pobres a cultivar menos que um hectare de terra e raramente criando animais. As famílias mais ricas, por outro lado, cultivam de 3 a 5 hectares e criam entre 10 a 20 cabritos (USAID,2008). As infraestruturas de comercialização no distritos não estão bem desenvolvidas, embora o acesso seja relativamente fácil. Os informants chaves locais descreveram como a zona se integrou nos maiores mercados nacionais desde finais da década 80 e início de 90, com a liberalização da economia. Esta liberalização criou excedentes de produção e resultou no aumento de cultivo de culturas de rendimento, facilitado por uma sucessão de intervenções orientadas pelo Governo e ONGs. O clima de Caia é, no geral, semi-árido no Norte do distrito e semi-tropical no interior e sul (Governo de Distrito de Chibuto 2005). A precipitação média anual é 987mm em comparação com apenas 400-600 em Chibuto, 80 à 95 por cento entre Novembro e Março. Segundo o Governo do Distrito de Caia (2005), as chuvas a partir de 2002 apresentam um padrão irregular com tendências a abaixo do normal. Contudo, isto não foi verificável, devido a grandes lacunas na base de dados meteorológicos a partir de 1965 . Contudo, a seca e as cheias representam um risco permanente para a agricultura no distrito. A perda de culturas devido a cheias em zonas baixas é comum (Thá e Deager, 2008). As maiores cheias em 2000, 2001 e 2007 conduziram ao reassentamento de cerca de 20.400 no distrito de Caia, aproximadamente 15% da população total do distrito (Comunicação pessoal, Governo Distrital de Caia, 2011). O programa de reassentamento em Caia foi coordenado pelos Serviços Distritais de Planeamento e Infra-Estrutura e implementado pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, INGC. 250.0 30.0 200.0 25.0 20.0 150.0 15.0 100.0 Temp 0C P (mm) Variação da temperature media mensal e da precipitação total mensal no Distrito de Caia, 2007 10.0 50.0 5.0 0.0 0.0 Jan Feb Mar Apr May Jun Precipitation (mm) Jul Aug Sep Oct Nov Dec Temperature (0C) Variação da temperatura media mensal e da precipitação total mensal, Distrtito de Chibuto, 2007 Figura 9: Variação da temperature media mensal e da precipitação total mensal no Distrito de Caia, 2007 160.0 P (mm) 140.0 120.0 100.0 80.0 60.0 40.0 30.0 25.0 20.0 15.0 10.0 5.0 Temp 0C 180.0 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE A pesquisa foi conduzida numa comunidade de estudo de caso no Posto Administrativo de Sena, a 17km da Vila de Sena. Segundo as autoridades locais, a comunidade tem uma população aproximada de 4300 pessoas. Na comunidade do estudo de caso, uma ONG internacional investiu recursos significativos para facilitar a criação de grupos ou associações desde 2008. Estas associações permitiram que os membros da comunidade realizassem projectos para melhorar os meios de vida da sua própria escolha com o objetivo de aumentar e diversificar o seu rendimento. Na altura da pesquisa, havia 14 grupos a operar com um total de 200 pessoas aproximadamente. Estes grupos foram organizados em quatro actividades de meios de vida: tracção animal, comercialização de pescado, criação de cabritos e produção de hortícolas em irrigação. Como referido na secção 2.2, os agricultores são, teoricamente, capazes de aceder a novas terras nas zonas altas nas quais practicam agricultura de sequeiro durante a época chuvosa, evitando os riscos de inundações nas zonas baixas; mas praticam a agricultura nas zonas baixas logo que se inicia a redução das cheias durante a época seca. De acordo com os informantes chave, a combinação da agricultura de zonas altas e das zonas baixa é uma estratégia de sucesso para aqueles que conseguem pratica-la. As áreas de reassetamento são por regra localizadas ao longo das Estradas principais, o que resulta numa maior acessibilidade aos mercados e aos serviços do Governo e das ONGs tais como escolas e centros de saúde. A região do Zambeze, nos últimos anos, tem sido alvo de apoio de diversos doadores para financiar programas de desenvolvimento baseados na comunidade que apoiam o processo de reassentamento. Muitas destas intervenções são estruturais e referentes ao desenvolvimento de infra-estruturas , tais como bombas de água e casas melhoradas na zona alta. Comitê de comunidade 21 Secção 3: Analisando a capacidade de adaptação ao nível local COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Analisando a capacidade de adaptação ao nível local Esta secção sintetiza os aspectos chaves da pesquisa do ACCRA em Chibuto e Caia .Esta enfatiza os aspectos comuns bem como as diferenças mais importantes, entre os dois casos de estudo, e providencia uma ideia geral sobre como é que intervenções de desenvolvimento afectam a capacidade de adaptação das pessoas. 3.1 Quais as mudanças que preocupam as comunidades? Os entrevistados nos dois casos de estudo experimentaram regularmente ocorrências de desastres. Os inquiridos em Chibuto, por exemplo, afirmaram que o clima tinha se tornado bastante imprevisível nos últimos anos, caracterizado por atrasos nas chuvas e aumentos na severidade e frequência das mesmas. O atraso das chuvas resultam no atraso da época de cultivo (prolongando a fome) e afectou a disponibilidade de água para o gado; Outros desastres reportados refere-se à eclusão de doenças no gado bovino e caprino que ocorreram cada dois anos, e o surgimento de pragas e doenças de culturas. Em Caia , os inquiridos afirmaram que o aumento na severidade das cheias durante a época chuvosa, resultou em perdas de culturas antes destas serem colhidas. Alguns informantes afirmaram que as mudanças observadas foram devidas à alteração do clima, enquanto que outros acreditam que a construção da Barragem de Cahora Bassa, a montante do Zambeze, em 1974, foi a razão das cheias, portanto responsável pelas suas perdas. Conforme referido na secção 2.2.1, não é possível analisar as percepções dos inquiridos sobre mudanças do clima através dos dados metereológicos, devido a falta na série de dados ao nível local. Adicionalmente, pesquisadores ainda não relacionam as características de aumento de ocorrência de cheias em Moçambique à mudanças climáticas antropogénicas (Goodness, 2011). 3.2 Como as pessoas respodem às mudanças ? Respostas às mudanças conforme descrito acima, foram registradas nos estudos feito nas comunidades através de um número de actividades de meios de vida. 3.2.1 Adaptação Incremental Alguns ajustes às practicas usadas na agricultura, como resultado de cheias foram observadas, sendo a maioria desses registros ligados a mudanças da época de sementeira ou colheita, como uma tentativa de evitar choques externos, sendo implementados com antecipação. Boa parte das respostas aos impactos das cheias, só foram possível quando os camponeses puderam receber alertas por meio da rádio comunitária. Chibuto (Chuvas atrasada e irregulares ) Caia (Cheias) 50:50: Se chover no início de Agosto, apenas plantar metade das sementes. Plantar o remanescente 50% em Setembro ou Outubro quando a época chuvosa estiver mais estabelecida Espere e veja: atraso na sementeira de culturas na primeira época de sementeira até que reduza ou passe o risco de cheias Atraso: Quando chover, primeiro esperar quatro ou cinco dias para ter certeza que não é um ‘falso alarme’. Colheita precoce: colher o máximo quanto possível antes das cheias Chegarem Armazenamento de alimento: Plantar apenas 80% das sementes de milho, guardando os 20% de lado. A semente guardada pode servir de alimento no caso de ano mau de ponto de vista agrícola. Replantio: retirar, em particular as culturas valiosas que não podem ser colhidas e replantar na zona alta. Figura 10: Resposta aos impactos das cheias e secas Em geral, os inquiridos consideraram que estas respostas são de uma efectividade limitada. Por exemplo, a resposta “esperar e ver”, onde as culturas são plantadas na primeira época de crescimento foram atrasadas até que o risco das cheias reduzissem, o que resultou no atraso da colheita para o ano seguinte ou mesmo ariscou a perda de cultivo na zona baixa. Outras respostas, tais como “colher cedo” foram consideradas 23 24 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE como forma de minimizar perdas, mas foi claramente resposta de ultimo recurso. Como alternativa, muitos inquiridos em Chibuto e Caia afirmaram que a resposta preferida seria o acesso a novas áreas de cultivo em novas zonas. Para ilustrar, em Chibuto, o número de inquiridos consciente das vantagens de cultivo em zonas baixas, o qual era largamente visto como protegido de cheias, mostraram desejo de fazer a produção da segunda época ( época seca) nestas áreas. Contudo, eles não puderam fazê-lo devido a perda do direito as terras durante a Guerra civil quando muitas pessoas tiveram que abandonar a área para o local mais segura na cidade de Chibuto. Igualmente, em Caia, muitos dos inquiridos que tiveram que ser reassentados na zona alta mostraram que eram incapazes de aceder a novas áreas para cultivo. Isto devido ao facto de muitas áreas na zona alta terem sido adjudicadas a agricultura de grande escala para a produção de algodão. “Pode usar a terra [na zona alta] se quiser mas não tem direito sobre a parcela” (líder de comunidade). “A zona alta pertence às companhias. Você pode tentar cultivar alguma coisa mas a mesma pode ser retirado de você” (Presidente de associação de agricultores). “Não há espaço na zona alta. Se usarmos a terra, dizem-nos que devemos plantar algodão, uma vez que é isto que os proprietários de terras querem. Mas o algodão traz pouco dinheiro para nós. Preferiríamos cultivar algo diferente” (agricultor de gergelim). Figura 11: Residentes no caso de estudo incapazes de ter segurança de posse da terra nas zonas altas. Conforme descrito na secção 2.2.1, complementar a produção agrícola com uma produção pecuária limitada foi a base de sustento no primeiro caso de estudo. Muitos inquiridos, contudo, reportaram um aumento de adopção de outras formas de vida para obter rendimentos adicionais em reposta às mudanças climáticas e à pressão das actividades de desenvolvimento, tais como produção e destilação de bebidas, emprego sazonal na agricultura e outros ( por exemplo colheita e venda de capim para construção). As famílias mais pobres, em particular, descrevem-se como altamente dependentes de alternativas de rendimentos, embora sejam frequentemente apanhados no meio de um ciclo vicioso, pois a seca pode resultar na excassez de recursos alternativos e na redução de oportunidades de emprego sanzonal; famílias menos pobres puderam vender os seus animais como uma primeira defesa contra a ocorrência periódica de desastres. Contudo, este grupo também se considera vulnerável a choques externos, particularente quando as fontes de água escasseiam reusultando em pouca disponibilidade da mesma para o gado. Esta situação contrasta com o segundo estudo de caso, onde as populações reassentadas tiveram novas oportunidades de mercados para as famílias menos pobres. Por exemplo, varios inquiridos descreveram como iniciaram um pequeno negócio ao longo da estrada e próximo das vilas de Sena e Caia como resultado do reassentamento. Por outro lado os inquiridos das famílias mais pobres continuam altamente dependentes do emprego na machamba para melhorar os rendimentos obtidos pela venda de culturas de rendimentos. Eles afirmaram que a dependência desta fonte tem aumentado desde 2000 quando as cheias começaram a ocorrer com mais frequência. 3.2.2 Adaptação Transformacional O maior exemplo de adaptação transformacional é observado em Chibuto, onde os entrevistados referiram que com a redução das oportunidades de emprego na África do Sul e restrições de vistos recentemente introduzidas, significava que muitos homens estam à procura de emprego mais próximo de casa, nas cidades de Maputo e Chibuto, ou envolvidos em migração sazonal uma vez que a época agrícola em casa termina em Junho. Os que retornam da África de Sul com uma significativa poupança, poderiam investir em gado ou em pequenos negócio, enquanto aqueles que retornaram com pouco capital financeiro muitas vezes recorriam as fontes de renda complementares; da mesma forma, em Caia, os entrevistados descreveram como a monetização gradual da economia local foi levando a uma maior produção de culturas de rendimento. Um agricultor afirmou: COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE “Há muito tempo nós não produziamos para venda; herdámos essa cultura de nossos antepassados: “- devemos produzir apenas o suficiente para comer” - Agora as pessoas estudaram e querem ganhar dinheiro, outras pessoas vêm para a comunidade encorajarnos a plantar vegetais que são coisas que elas precisam “. Muitos informantes atribuíram a recente introdução de gergelim ao aumento dos preços e demanda crescente deste pelos comerciantes, que passaram a visitar a comunidade frequentemente. Desde 2001, o processo de monetização tem sido acelerado pelo reassentamento de populações do vale do rio Zambeze, de zonas que eram de acesso difícil, para uma nova localização na zona alta junto a uma estrada principal. Em geral, os entrevistados foram positivos sobre a importância cada vez maior do dinheiro no seu dia-adia, pois que oconsideram como um sistema mais conveniente do que a troca e o intercâmbio. No entanto, alguns informantes comentaram que, em algumas áreas, uma maior ênfase no cultivo de culturas de rendimento às margens do rio desestabilizaram algumas áreas nas margens do rio, portanto, tornando as culturas mais vulneráveis as inundações. 3.2.3 Sumário de respostas às mudanças ? Em resumo, a análise acima aponta para um quadro complexo de mudanças e respostas, e três resultados principais podem ser observados. 1. Muitas das respostas a ocorrência periódica de desastres, incluindo cheias e secas, mostraram-se de adapatação, no sentido em que os meios de vida foram mantidos sob condições de mudanças. No entanto, algumas estratégias, como a colheita de capim para venda mostraram-se problemáticas num contexto de seca e de escassez de recursos localmente, sendo pois pouco sustentáveis e de sucesso duvidosos a longo prazo. Estas limitações apontam um papel claro para organziações externas e do governo para ajudar as comunidades, facilitando um ambiente local mais adaptativo. Em geral, as famílias mais pobres foram mais limitadas na sua capacidade de responder e tirar proveito das mudanças do que as famílias mais ricas. Sugerindo uma diferenciação sócio-econômica que deve ser reconhecida e consideradas pelas ONGs e pelo pessoal do governo na realização de intervenções para desenvolvimento da capacidade local. 2. Muitos entrevistados manifestaram o desejo de implementar um processo mais voltado à adaptação transformacional da agricultura, envolvendo o acesso a parcelas em novas zonas agro-ecológicas. No entanto, devido ao acesso limitado à terra, a maioria foi incapaz de implementar esta estrategia. Esta situação foi mais complexa no segundo estudo de caso, em Caia, onde a implementação do programa de reassentamento que promoveu alterações consideravéis sobre os direitos aos recursos locais. Com o reassentamento uma série de impactos positivos foram observados, tais como melhoria no acesso ao mercado para famílias mais ricas. No entanto, os riscos consideravéis associados a um reassentamento orientado pelo governo (Cernea, 1997) e a presença da barragem de Cahora Bassa definindo a vulnerabilidade às inundações em particular, levanta questões sobre a eficácia e adequação de uma estratégia de adaptação planificada de cima para baixo. Estas questões sugerem que, para além de facilitar a adaptação áo nível da comunidade local, as ONGs e o governo também devem prestar atenção ao enquadramento económico e politico global em que as comunidades realizam as acções de adaptação. 3. Muitas respostas referentes ao processos estruturais de mudança a longo prazo, tais como a “feminização da agricultura” (FAO, 2008) identificados em Gaza, são susceptíveis de ter implicações importantes para a futura capacidade de adaptação das populações; Apesar de uma investigação detalhada das respostas estar fora a do âmbito deste estudo, algumas mudanças podem facilitar adaptação à mudança climática a longo prazo, enquanto outras podem refletir a mal-adaptação. Muitos destes processos são, actualmente, mal compreendidos e representam uma área importante para pesquisas futuras. 3.3 Como as intervenções de desenvolvimento afectam a capacidade de adaptação As intervenções de desenvolvimento das ONGs descritas na seção 2.2 podem influenciar directa e indiretamente a capacidade das famílias para responder às mudanças climáticas e pressões de 25 26 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE desenvolvimento. Os entrevistados de ambos os locais de pesquisa apontaram que os projectos haviam contribuido na capacitação dos indivíduos parae responder à variabilidade climática. Conforme descrito na secção 1.4, a pesquisa do ACCRA em Moçambique começou por analisar as interações entre as intervenções de desenvolvimento e as duas características da LAC, em especial: (i) conhecimento e informação e (ii) inovação. No entanto, a análise que se segue refere-se também aos restantes aspectos da LAC conforme o caso: (i) Recursos disponíveis, (ii) instituições e prerrogativas, e (iii) tomada de decisões e governação flexível e antecipativa. 3.3.1 Conhecimento e Informação. Um sistema é considerado como tendo uma capacidade de adaptação elevada se for capaz de recolher, analisar e disseminar informações e conhecimento.. A ONG operando na comunidade de caso de estudo, providenciou informação directamente aos grupos criados, com a expectativa de que os membros destes, iriam numa fase posterior dissemina-la para a população no geral. Na maioria dos casos esta informação não se referia ao clima, mas poderia ter um efeito sobre a capacidade das pessoas para se adaptarem. Por exemplo, a formação sobre a gestão em grupo dos recursos naturais, pode aumentar a capacidade de uma comunidade para uma acção colectiva, aumentando assim o potencial de adaptação (Adger, 2003). Noutros casos, as informações fornecidas destinavam-se especificamente a ajudar os grupos a dar resposta aos efeitos das secas e cheias. Por exemplo, os membros de um grupo comunitário para tracção animal em Caia, relataram que a ONG ensinou-os a preparar forragem durante a época chuvosa quando os recursos naturais são mais abundantes na zona, para uso durante a época seca. No caso de organizações para actividades de rendimento, tais como de produção de hortícolas e criação de gado para tracção; grande parte da informação providenciada pela ONG foi utilizada de uma maneira relativamente eficaz. Isso ocorreu porque as organizações e os membros criaram um espaço para partilhar, testar e experimentar novas idéias. Nestas situações, a abordagem “fazendo e aprendendo” foi aplicada, registrando falhas e revézes temporários que foram tolerados pelos intervenientes e membros dos grupos formados. Por exemplo, discussões com um grupo que fora ensinado como iniciar um negócio de padaria, mostraram como é que a empresa havia interrompido as actividades devido à concorrência local e pela falta de capacidade para a gestão de negócios eficiêntes. No entanto, os membros do grupo explicaram o que tinham aprendido com essa experiência - Eles descreveram um conjunto de acções a levar a cabo a fim de lançar o negócio novamente, com base na procura local de pão fresco. Neste exemplo, o grupo tenta colectivamente ajustar as suas prácticas de gestão, de modo a tirar vantagens de novas oportunidades. Em outros casos, as actividades e orçamentos das organizações eram controladas pelas ONGs, Isso porque a organização temia que os membros do grupo pudessem vender os bens e recursos fornecidos, incluindo sementes e fertilizantes, para satisfazer as prioridades de curto prazo. Segundo a ONG em questão, esta abordagem arriscou destruir o objectivo de tornar o grupo financeiramente auto-suficiente a longo prazo, devido à erosão da sua base de recursos. Na prática, o excessivo controle sobre as actividades de rendimento, resultou numa transformação limitada de informação em conhecimento pelos membros do grupo. A relação de dependência entre a ONG externa e a organização local pareceu ter-se formado nestes casos, tendo os lideres comunitários afirmado que não tentaram criar vínculos com outros projectos e nem procurar investimentos adicionais pois a ONG externa tem “tudo para eles” fornecendo-lhes “tudo o que precisavam” até à data. O principal desafio para facilitar a criação de um ambiente mais propício à adaptação, em relação a grupos de meios de vida depende do processo de disseminação de conhecimento para a população de forma mais ampla. Em Chibuto e Caia, os beneficiários do programa mostraram-se relutantes em partilhar informações recebidas de fora com a população no geral, a menos que houvesse uma troca clara de benefícios, tal como pagamento. Isto proque o processo de transforma a informação em conhecimento, de forma útil localmente tem riscos (Blaikie et al, 1997.). o processo requer recursos e esforço por parte do usuário, bem como o interesse dos beneficiários em ver o retorno do seu “investimento”. Para além disso, o facto de os chefes locais se agruparem em torno dos grupos de rendimento, indica que o conhecimento local traz beneficios, não apenas na área economica, mas também politicamente. Em geral, esses factores não foram considerados nas intervenções das ONG,as quais tendem a considerar a informação como abundante e livremente disponível, logo passível de distribuição. COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Nestas circunstâncias, a transmissão de conhecimentos nas comunidade do caso de estudo parece ter ficado confinada ao que as pessoas observaram umas das outras. Mas isto só foi possível em atividades altamente visíveis, como horticultura e criação de gado. Este problema parece estar enraizado no fato de que grupos baseados na comunidade são muitas vezes vistos como beneficiários, em vez de parceiros de desenvolvimento e agentes potenciais para disseminar os impactos e os benefícios para além do grupo, (comunicação pessoal, trabalhador de uma ONG, 2011). A única excepção significativa a estas observações ocorreu quando um grupo de meios de vida dividiu-se, devido a problemas internos ou para satisfazer a procura em outros lugares, como aconteceu com vários grupos de poupança e crédito. Nestes casos, um membro pode romper os vínculos com o grupo inicial para formar uma nova organização comunitária, e assim, transmitir seus conhecimentos e habilidades para um novo grupo de pessoas. No estudo de caso do Chibuto, por exemplo, foi reportado que um grupo inicial de poupança e crédito se dividiu três vezes. Quando a transmissão de informações é passiva, por exemplo através de manifestações ou folhetos de instruções, a sua adopção é variável. Pois, as pessoas nem sempre se envolvem com as informações na forma pretendida pela ONG. Por exemplo, informantes-chave locais descreveram como os comitês agrícolas receberam os ‘manuais’ de gestão da seca, que davam informações sobre o tipo de culturas a usar em determinadas circunstâncias. No entanto, revelaram que muitos comitês nunca leram esses manuais devido a “falta de tempo”. Em vez disso, os grupos pareciam dar valor aos manuais não como fontes de informação sobre a resiliência da agricultura à seca, mas como símbolos de seu status como grupo escolhido para ‘assistência’ pela ONG. Isto mostra a natureza política da informação fornecida às comunidades. Noutros casos, as pessoas foram capazes de aceder às informações, mas incapazes de usá-la para seu benefício. Isto foi observado em relação a informação disponibilizada pelos serviços distritais de meterologia sobre as previsões sazonais e avisos sobre secas e cheias pelas rádios comunitárias. As mensagens eram regularmente reforçados pelos Comités Locais de Gestão de Risco (CLGR) criados pelo Governo na sequência das inundações de 2000 e 2001 No entanto, de acordo com os entrevistados, o conselho fornecido por estes comités refere-se especialmente à localização ideal da agricultura entre as zonas agro-ecológicas baixa e alta. Teoricamente, esta informação permitiu aos agricultores tomarem decisões mais informadas sobre sobre onde plantar suas culturas em determinadas épocas do ano. Contudo, esta informação foi de uso limitado nas comunidades do caso de estudo, que enfrentam restrições no uso da terra devido ao desigual acesso aos principais ativos agrícolas. Em suma, a maioria dos esforços das ONGs foram concentradas na introdução de informações aos grupos. No entanto, não significa que estas informações tenham sido usadas pelos destinatários da forma esperada pelos provedores das mesmas nem que as pessoas tinham capacidade para agir sobre as mesmas. As ONGs foram incapazes de reconhecer que a informação precisa ser convertido em relevante conhecimento local por indivíduos dos projectos, isto significa dizer que o significado político do processo, foi desconsiderado. Estas constatações sugerem que, para facilitar a capacidade de adaptação, as ONGs externas e o governo devem analisar mais profundamente a forma como as pessoas implementam as informações recebidas externamente e como torná-las significativas no dia-a-dia das comunidades, e também os impactos destes processos . 3.3.2 Inovação Um dos principais componentes da capacidade de adaptação é um ambiente favorável à inovação. Em ambos os casos de estudo as comunidades têm uma percepção generalizada de que o clima tornou- se altamente imprevisível. A pesquisa do ACCRA reporta que muitas inovações que acontecem fora do ambito da agricultura,mas em diferentes formas de actividades de geração de rendimento, particularmente em Chibuto, sujeito a baixas precipitações e com baixa fertilidade de solos. Contudo, foram observadas relativamente poucas inovações na agricultura resultantes de cheias e secas, isto, apesar de várias ONGs terem implementado iniciativas desenhadas para assistir agricultores a lidarem com as pressões climáticas e de desenvolvimento. Estas incluiram a promoção e o estabelecimento de grupos de poupança e crédito e de novas tecnologias tais comoo uso de semente melhoradae métodos e equipamentos para agricultura de irrigação. 27 28 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Os desafios que os agricultores enfrentam na adopção de novas práticas foram atribuídos por alguns entrevistados do governo e de ONGs a uma cultura de “aversão ao risco”, ou ao fato de os agricultores se mostrarem “desmotivados”, como resultado das dificuldades, ou “dependentes” de doações externas. No entanto, outros informantes-chave referiram que, devido à natureza de risco inerente à agricultura em Moçambique, particularmente no vale do Zambeze, onde a agricultura pós- cheias é implementada regularmente, muitos agricultores mostraram-se muito sensíveis ao risco. Ao invés de ser adversos ao risco, os agricultores “priorizaram a redução e controle dos riscos nas actividades existentes, ao invés de adotar novas práticas que podessem trazer novos riscos pouco conhecidos. Esta atitude, , ajuda a explicar porque algumas iniciativas introduzidas pelas ONG, tais como serviços de crédito, os quais envolvem quantidades elevadas de divida foram na sua maioria pouco utilizados pela maioria da população local, que mostrou preferência em não se envolver em contratos de emprestímos formais. Estas constrastam com as intervenções baseadas em práticas socialmente mais integradas, tais como os fundos sociais destinados a promover rendimentos durante tempos de crise, que não têm juros nem período de pagamentos prédefinidos. Estes arranjos são similares ao sistema informal de Xitique, baseado na confiança mútua (Marsh, 2002), muito melhor aceite que os serviços de crédito. Esta diferença entre as ONGs e as comunidades, na interpretação da gestão de risco e do papel que o risco desempenha para estimular a inovação entre os pequenos agricultores pode ver-se em relação a distribuição de sementes (Figura 12). Numa das comunidades de estudo de caso foram distribuídas sementes de milho e de amendoim todos os anos no ínico da campanha em Outubro, entre 2005 e 2008. Estas intervenções foram desenhadas para aumentar a produção devido ao ciclo curto das sementes de origem externa em relação as variedades locais, apesar de variedades externas serem menos tolerantes à seca. Embora as sementes de origem externa sejam consideradas pelos trabalhadores de campo da ONG de qualidade superior às variedades locais, os agricultores manifestaram a sua preferência pelas variedades locais. Pois os agricultores estavam mais preocupados em trabalhar com confiança em condições climáticas imprevisíveis, mesmo que o seu rendimento fosse menor, assim minimizando o risco. A ONG, no entanto, pensa que os agricultores devem ter como objectivo a maximização da produção, mesmo que isso só seja possível dentro de uma estreita gama de paramêtros, tais como estabilidade e baixa variabilidade do clima. Como resultado, os destinatários escolheram comer em vez de plantar as sementes externas lado a lado com as suas variedades locais, mesmo tendo aceites sem perguntas as sementes oferecidas pela ONG. Eventualmente, a ONG ficou frustrada com este comportamento e cancelou o programa, afirmando que foi devido a “dependência” desenvolvida no seio da população local. Nesta situação, no entanto, citar dependência parece mais uma “escapatória” para a ONG através da referência a alguma característica da população local, em vez de um reconhecimento de uma deficiência na planificação e implementação dos programs pela ONG (Schaffer, 1984) Figura 12: Deferenças nas atitudes das ONGs e da comunidade em relação à produção agrícola, ao risco e à seca. Embora as intervenções das ONGs tivessem como objectivo apoiar os mais pobres e os mais vulneravéis, na prática a maioria dos grupos para actividades de subsistência eram concentrados nos membros da comunidade em melhores condições, incluindo os lideres. A pesquisa sugere para os dois casos de estudo que há uma tendência para que os beneficiários deste projectos tenham elevado um nível de recursos e estejam em melhor posição para aceder a fontes de informação e conhecimento externo das ONGs e dos governos locais e consequentemente com maiores possibilidades e vontade para inovar. Foi observado durante as entrevistas com estes grupos que as experiências obtidas por individuos participantes em acções de gestão financeira colectiva, permitiram uma maior confiança nas suas próprias capacidades e na criação de uma visão para o desenvolvimento da comunidade. Por exemplo, o grupo de poupança e crédito no Chibuto reportou que pretende fazer futuros investimentos na compra de animais, no estabelecimento de um campo irrigado e na construção de um escritório. Porque a capacidade de adaptação refere-se ao “potencial dos indivíduos, das comunidades e das sociedades para participar activamente na COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Professor com os seus alunos -Escola primaria de Meboi mudança” é vital o desenvolvimento da auto-confiança no seio de populações que procuram responder aos efeitos das mudanças climáticas. Estas mudanças verificadas nos grupos de activitdades para subsistência, poderão ser um primeiro passo para para o desenvolvimento de um ambiente local mais adaptável nas comunidades de estudo. Estes desenvolvimentos foram certamente positivos, mas as suas potencialidades para ‘’conseguir’ inovação foram limitados devido a várias exclusões (reais ou apenas “sentidas”) existentes na comunidade em que estas organizações estão localizados. Os esquemas de poupança e crédito são tendencialmente geridos por grupos seleccionados de mulheres poderosas na comunidade, e por isso muitos entrevistados sentem que não podem participar. Este aspecto foi reportado por um grupo de mulheres jovens que não foram capazes de se juntar ao grupo devido às elevadas taxas de participação ou à restrição do número de membros. Muitos inquiridos, especialmente rapazes, não foram capazes de diferenciar entre diferentes tipos de organizações operando no distrito e tinham um pouco conhecimento sobre os objectivos e as actividades das ONGs na sua comunidade. Alguns inquiridos afirmaram que todo o processo de desenvolvimento tem sido feito através dos lideres comunitários e que as pessoas sem ligações com a liderança não beneficiam de intervenções externas. Noutros casos, a separação parece ocorrer dentro dos grupos. Foram reportados vários casos em que os lideres do grupo, que frequentemente são os indivíduos com muito conhecimento sobre a área de actividade do grupo, estavam a reter benefícios económicos para eles mesmos, à custa do resto do grupo. Em resumo, estas fraquezas ilustram como regalias e direitos equitativos são essenciais para construir a capacidade de adaptação. Esta característica poderá ser diluida pela fraca integração das estruturas sociais e pela captura dos processos pelas elites (Platteau e Gaspart, 2003, Platteau e Abraham, 2002). 29 26 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Secção 4: Qual o significado da pesquisa do ACCRA’S para as práticas de desenvolvimento? COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Qual o significado da pesquisa do ACCRA’S para as práticas de desenvolvimento? Ambos os estudos, examinaram um número de intervenções, algumas delas voltadas para ajudar as pessoas a se adaptarem as variações e mudanças climáticas. Todas as intervenções desde aquelas que providenciaram recursos financeiros, àquelas que investiram em treinamentos no campo da agricultura registraram potencial para fortalecer a capacidade de adaptação.Estas atividades conduziram a alguns sucessos na assimilação e uso de informação entre grupos, criando conhecimento adequado às caracteristicas locais, bem como favorecendo o aumento da confiança e visão. No entanto, uma série de limitações também foram observadas, de forma mais significante, muitos beneficiários não fizeram uso das informações fornecidas, pelo menos - não pelo modo esperado pelas organizações de desenvolvimento. Estas dificuldades significaram que, no geral, os projectos não conseguiram com sucesso facilitar um ambiente de adaptação local. 4.1 Limitações das intervenções externas. Muitos dessas limitações resultam do facto de que as organizações não valorizaram a capacidade de agir e produzir resultados próprios da comunidade; esta capacidade pode ser entendida como a abordagem utilizada pelas pessoas frente à certos constrangimentos e oportunidades, traduzida pelo esforço colectivo para alcançar os seus objectivos, incluindo a tomada de decisão e ação (Johnston et al., 2000). No ambito das intervenções para o desenvolvimento é necessário considerar seriamente as capacidades e conhecimentos locais se quisermos promover a capacidade de adaptação. Uma apreciação da capacidade local de resposta significa prestar atenção ao que as pessoas estão fazendo em diferentes contextos. A pesquisa do ACCRA em ambos os locais de estudo, encontrou exemplos de respostas autonomas de adaptação às incertezas do clima e às pressões do desenvolvimento. Algumas destas sendo bem sucedidas do ponto de vista de sustentabilidade. No entanto, essas ações e as respostas autonomas raramente foram levadas em consideração pelas organizações de desenvolvimento. Pelo contrário, o ponto de partida para o desenvolvimento e implementação das intervenções reflecte o que as ONGs eram capazes de fazer e o que elas poderiam fazer para ajudar as pessoas, desconsiderando o que as pessoas realmente podem fazer por si próprias. O pressuposto principal foi de que os meios através dos quais as comunidades teriam capacidade para responder e adaptar-se viriam sobretudo de “fora”; que popluações “não-motivadas” e “ com aversão ao risco” são problemas para o desenvolvimento, problema este, que poderia ser analisados e resolvidos através da implementação de políticas por profissionais de desenvolvimento bem treinados.Diferentes projectos refletem estas suposições em maior ou menor grau, algumas intervenções fizeram tentativas genuínas para capturar as idéias das próprias pessoas e desenvolvê-las através da injecção de recursos financeiros; Mesmo essas intervenções, selecionaram os projectos desenvolvidos pelos seus beneficiários de acordo com critérios externos e os grupos comunitários tinham que adaptar as suas actividades e aspirações conforme o determinado. Tais abordagens levaram a pressupostos sobre o que necessitam as pessoas que estão a responder às mudanças ambientais e de desenvolvimento. Isso muitas vezes resultou em incompatibilidades com as prioridades locais 4.2 Barreiras para o desenvolvimento do potencial de adaptação. IEm vez de focalizar em “determinar” o que é “melhor” para as comunidades, as organizações de desenvolvimento e o governo poderiam dar mais atenção na identificação das numerosas barreiras sociais, económicas, culturais e políticas que as pessoas enfrentam no seu dia-a-dia. Eles poderiam, ajudar as pessoas a remover ou superar estas barreiras de modo a que façam escolhas significativas e possam alcançar o seu potencial de adaptação. Muitas intervenções observadas já contribuiram para a remoção de barreiras que os beneficiários dos projectos encontraram. Isto incluiu disponibilização de meios financeiros para superar constrangimentos económicos ao investimento, aumentando a capacidade organizacional dos beneficiários para superar as barreiras sociais à acção colectiva, e promoção de conhecimentos de gestão para ajudar a combater as deficiências financeiras. No entanto, as intervenções também podem 31 S Qual o 32 COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE inconscientemente (ou até conscientemente) agir para consolidar as barreiras ao potencial de respostas autonomas. Esta pesquisa sugere três áreas onde isto potencialmente terá ocorrido. • heterogeneidade socioeconômica • O exercício do poder na comunidade • A economia política global em que as comunidades e as intervenções dos projectos se localizam. Trabalhando de maneira mais explicíta para a identificação e remoção dessas barreiras poderia ajudar os beneficiários a aproveitar no máximo a sua capacidade de resposta autonoma e portanto, o potencial de adaptação. 4.2.1 Heterogeniedade Socio-económica A heterogeniedade socio-económica é algo reconhecido em muitos estudos de desenvolvimento, mas ainda não foi integralmente incorporado nas práticas de desenvolvimento (Agrawal e Gibson, 1999). A pesquisa do ACCRA em Moçambique sugere que a capacidade de adaptação varia as pessoas dependendo dos bens e recursos acumulados e da facilidade ao acesso ao conhecimento e às instituições. Estas diferenças foram pouco consideradas pelas ONG’s, apesar de que os projectos muitas vezes são implementados ao nível da comunidade. A pesquisa de campo mostrou que as pessoas menos pobres beneficiaram-se mais das intervenções do que os grupos mais pobres; o que poderá ter agravado as diferenças socio-económicas existentes. Como resposta, as ONGs e o governo podem identificar os estratos socio-económicos mais relevantes existentes na comunidade e orientar as diferentes componentes do projecto de acordo com as necessidades de cada estrato. As evidências dos estudos de caso do ACCRA sugerem que em alguns momentos, é preferível trabalhar com os indivíduos capazes no grupo dos menos pobres para ajudar a “arrancar” o processo de inovação, embora haja o risco de obter como resultado uma abordagem ao desenvolvimento em que os grupos desfavorecidos não têm acesso aos benefícios devido a barreiras institucionais. Em outros casos, será mais desejável que se trabalhe com os grupos mais pobres , talvez através da provisão de esquemas de segurança social para ajudar a previnir a adopção de estrategias insustentáveis nos momentos de crise. Como a capacidade de adaptação é específica para cada contexto, o conjunto de diferentes estratégias para remover as barreiras socio-económicas e consequentimente facilitar a resposta autonoma de diferentes grupos irá, muito possivelmente, variar caso a caso. Pesquisas para determinar as estratificações sociais locais podem incluir as consultas com os lideres locais, mas também precisam de ir além, pois não se pode considerar os mesmos como representantes de todos os estratos da comunidade. Onde forem realizados estudos de base antes das intervenções de desenolvimento, estes podem ser um caminho relativamente efectivo na identificação dos diferentes grupos socio-económico, bem como medir os impactos. 4.2.2 Relações de poder na comunidade AA pesquisa do ACCRA mostra como as intervenções deveriam ser consideradas como um processo políticos, considerando à tradução de informação em conhecimento por diferentes grupos. Isto levanta a possibilidade que as ONGs tem de reduzir a capacidade das pessoas para se adaptarem às mudanças futuras através do fortalecimento de instituições não equitativas. Os resultados da pesquisa sugerem que este processo terá ocorrido em certa medida, nas comunidades do estudo de caso, pois os líderes tendem a dominar os grupos com actividades de meios de vida estabelecidos pela ONG, havendo uma transferência limitada de conhecimento para a população no geral. Organizações de desenvolvimento devem, portanto, prestar mais atenção às relações de poder nas comunidades onde trabalham e analisar que impactos as suas intervenções poderão ter nestas relações. Em particular, há necessidade de distinguir as acções de curto prazo para melhoria rápida das condições de vida dos beneficiários, que poderiam agir de forma a incorporar as estruturas de poder existentes, e as acções que pretendem capacitar os membros da comundiade a longo prazo, o que pode eventualmente levar a desafios à ordem política estabelecida, de acordo com Hulme (1994), muitas organizações têm sido historicamente relutantes em examinar este problema, escolhendo, pelo contrário, uma estratégia ambígua que permite apresentar diferentes imagens para públicos diferentes. Estas considerações são particularmente importantes em zonas rurais de COMPREENDENDO A CAPACIDADE ADAPTATIVA AO NIVEL LOCAL EM MOÇAMBIQUE Moçambique, onde três décadas de transições caracterizadas pela implementação de políticas socialistas, uma prolongada guerra civil e uma privatização de activos estatais significam que a identificação de autoridades locais e instituições “legítimas” com as quais podem trabalhar não é uma tarefa simples. Estas considerações adicionais sugerem que, na concepção das intervenções de desenvolvimento destinadas a aumentar a capacidade de adaptação as ONGs e o governo devem investir, de início, em aumentar os períodos para pesquisas qualitativas com vista a analisar as situações locais bem como a forma como as comunidades se constituem, no contexto da estrutura de poder (Markowitz, , 2001). 4.2.3 Economia Política A Capacidade de adaptação é de contexto específico, mas também se relaciona com a economia política em que as pessoas e as comunidades estão localizadas. Na pesquisa do ACCRA indica que forças políticas e econômicas globais raramente foram considerados pelas organizações de desenvolvimento que têm tendencia a actuar ao nivel micro e comunitário. O perigo de negligenciar esses fatores mais abragentes é que os projectos podem inadvertidamente levar os beneficiários a integrar-se mais profundamente em processos globais de marginalizção e desvantagem. Por exemplo, muitas organizações de desenvolvimento estão envolvidas em programas governamentais de reassentamento como “adaptação às mudanças climáticas” ou projectos “humanitários” dando pouca atenção à sua eficácia na promoção da capacidade de adaptação (cf. Patt e Schroter, 2008) ou à forma como interagem com os interesses econômicos nacionais e internacionais, bem como às pressões na área do Zambeze (cf. Thá e Deager, 2008). A pesquisa do ACCRA destaca o papel crítico que o acesso à terra pode desempenhar na facilitação da capacidade de adaptação em torno das bacias hidrográficas em Moçambique. Como primeiro passo, as ONGs devem aumentar a consciencialização das comunidades sobre as leis e os direitos à terra e como as formas tradicionais de gestão da terra interagem com as formas legais e formais. O papel dos líderes comunitários nas negociações com terceiros sobre os direitos à terra, suas relações e responsabilidades também deve ser reforçado. A capacitação do governo distrital na implementaçõ das leis é necessária. Isto inclui o fornecimento de pessoal extra, de recursos e de formação em resolução de conflitos, bem como o estabelecimento e utilização de um sistema de de monitoria e de relatórios. Todos os elementos devem ser integrados numa Política Nacional de Reassentamento de Moçambique. Segundo, as ONGs devem influênciar a melhora dos fluxos de informação entre os diversos intervenientes na gestão da terra e para facilitar a consulta entre o distrito e as partes interessadas ao nivel da comunidade na sua interacção com o sector privado. Entrevistas com o governo local revelaram que os maiores desafios estão na coordenação entre diferentes níveis administrativos do governo, na tomada de decisões sobre uso da terra. As organizações de desenvolvimento e o governo podem ajudar a resolver essas limitações, promovendo a melhoria dos fluxos de informação entre esses níveis. Em geral, a Análise da Economia Política (Bjuremalm, 2006) pode ter um papel importante a para ajudar os parceiros de desenvolvimento a enfrentar as estruturas sociais existentes e a compreender a complexidade do contexto em que suas atividades ocorrem. Em última análise, a construção de capacidade de adaptação local significará o desenvolvimento de uma melhor consciencialização sobre a influências que as intervenções da ONG terão na capacidade das pessoas para utilizar a capacidade de resposta autonoma. Não se pretende sugerir que o investimento nas pesquisas qualitativas e quantitativas irão resolver todos os problemas em jogo. Mas o reconhecimento de que a preocupação com a capacidade de adaptação significa a identificação e remoção das diferenças socioeconômicas e políticas, tanto na comunidade como ao nível mais amplo, é em si um elemento valioso. Combinado com um melhor conhecimento sobre como as intervenções de desenvolvimento trabalham na prática pode contribuir para o desenvolvimento e valorização do papel potencial da capacidade de adaptação para ajudar as populações a responder e tirar vantagem da incerteza e da mudança. 33 Referências ADGER, W. N. (2003) ‘Governing natural resources: institutional adaptation and resilience’ in BERKHOUT, F., LEACH, M, SCOONES, I (eds.) Negotiating Environmental Change. Cheltenham: Edward Elgar ADGER, W. N., HUQ, S., BROWN, K., CONWAY, D. & HULME, M. (2002) ‘Adaptation to climate change in the developing world’, Progress in Development Studies 3:179-195 AGRAWAL, A. & GIBSON, C. (1999) ‘Enchantment and disenchantment: the role of community in natural resource conservation’, World Development 27: 629-649 BEILFUSS, R. & BROWN, C. 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