Djailton é lavador de carro - Sinduscon-Rio

Transcrição

Djailton é lavador de carro - Sinduscon-Rio
OPERÁRIO DA CONSTRUÇÃO É COISA CHIQUE!
Texto de Alberto Bruno
TEXTO ORIGINAL (Embora a nossa estória tenha sido criada para ser dita com a musicalidade do
regionalismo do nordeste, o texto pode ser adaptado para qualquer região do Brasil, sem que com isso a
sua trama sofra com perdas em seus tempos e ritmos, característicos do gênero comédia popular ou
teatro de rua).
CENÁRIO - (Esse texto foi concebido em dois quadros distintos (Cena 1 e Cena 2) e pode ser apresentado
em salas de teatros, galpões, ao ar livre, enfim, em qualquer lugar, uma vez que a trama foi criada com o
objetivo de evitar ambientes difíceis de serem representados. Dessa forma, encaminho, apenas como
sugestão, dividir o espaço em dois, somente para ganhar tempo na mudança de um quadro para o
outro: Espaço Um: 01 churrasqueira, de preferência, elétrica; 04 cadeiras brancas de plástico; 01 mesa
branca de plástico e 01 Aparelho de Som. Espaço Dois: 01 balde colorido de plástico e 01 pano de
algodão ou saco de lavar chão.
CENA I
Djailton é um jovem desempregado que está se virando como lavador de carro. No início da peça ele
está sozinho no palco, torcendo um pano molhado, retirado de um balde. Nisso, ouve-se o bater da
porta de um automóvel, seguido do som de alarme sendo acionado para trancá-lo. Em seguida entra
Antônio pela esquerda, vindo dos bastidores ou por detrás de um biombo. Quando Antônio está
atravessando o palco é interceptado por Djailton.
Djailton – Bom dia doutor.
Antônio – Bom dia! (diz, passando por ele).
Djailton – Vamos lavar o carro hoje, doutor?
Antônio – Macho, tu pode até lavar o meu carro, mais eu mesmo num sou doutor não (Olhando melhor)
Ôxe seu Cabra, tenho a impressão que li conheço...
Djailton – (Também reconhece o primo) Antônio Nonato, meu primo?
Antônio – Sou eu mesmo. Djailton?
(Os dois se abraçam emocionados)
Djailton – Está indo pra uma festa?
Antônio – Não primo, estou chegando do serviço.
Djailton – Assim, perfumado desse jeito?
Antônio – Tumei um banho antes de sair de lá.
Djailton – No serviço!
Antônio – Foi.
Djailton - (Observando Antônio dos pés à cabeça) Mas olhe só. Tu ta muito bem pelo que vejo.
Antônio – Então. Que sorte a minha. Acabei de sair do serviço e como a minha muher me ligou, pedindo
para eu passar no supermercado, dou de cara contigo Djailton (Vai dar outro abraço no primo, esse,
porém, barra-o com uma mão em seu peito).
Djailton – Mas macho, vamos deixar de trêlêlê e me diga com sinceridade, onde tu conseguiu tudo isso:
carro novo, relógio Michael kors dourado (pronunciar do jeito que se lê), óculos hailang (railangue),
roupas nos trinques, tudo chique, para alguém que chegou nessa cidade, juntinho comigo, somente há
dois anos e com uma mão na frente e outra atrás? Rum? Explique.
Antônio – Não Djailton, me perdoe o primo mar num foi bem com uma mão na frente e a outra atrás.
Nós chegamos foi com nossas malinhas na mão e com um baita esperança de encontrar um bom
emprego, não foi?
Djailton – E conseguimos? Não... Duas semanas depois de aqui chegado, nós fomo expulso daquela
pensão dos inferno, porque o dinheiro tinha acabado certo Antônio?
Antônio – Até aí o primo Djailton só falou a verdade! E nossas malas com nossos pertences ficaram de
garantia com a dona da pensão. Num foi não Djailton?
Djailton – E que depois dessa tragédia escomungada, ficamos apenas com a roupa do corpo e sem
dinheiro até para comprar um pastel. Num é mesmo Antônio?
Antônio – O primo Djailton está certíssimo: dormimos debaixo de marquise, passamos fome...
Djailton – (Interrompendo-o) Mas sem nunca meter a mão no que não é nosso. Certo primo Antônio?
Antõnio – Certíssimo! Verdade verdadeira! Pobres sim, porém honestos!
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Djailton – O primo chegou ao ponto que me interessa. Então me ajude a refrescar minhas idéias: nós
dois fomo separado naquela noite do baculejo...
Antônio – Espera aí! Porque os polheciais nos confundiram com uns malandros que estavam
procurando.
Djailton – Oxe, e tu vai explicar isso pra mim, é? Eu tava lá Antônio, junto contigo.
Antônio – O primo me desculpa, mas eu só estou levantando os fato, para que o primo não me inclua
nas suas visão negativa.
Djailton – Homem, num seje valente, é justamente onde eu quero chegar. Porque a partir daquela noite
a polícia nos separou. Certo?
Antônio – É verdade! O primo foi para um canto e eu para outro. E de lá para cá... Dois anos se
passaram. Dá aqui então outro abraço primo.
Djailton – Num se apresse. (Interceptando-o, com a mão em seu peito) Que besteira tu ta fazendo
então? Olhe para mim e olhe para tu, primo?
Antônio – (Olhando) É... Tu não ta nada bem, Djailton.
Djailton – Mas tu está e todo nos trink. Debandou-se para a malandragem, foi?
Antônio – Aí, começou com sua visão negativa.
Djailton – Quer matar titio Genivaldo de desgosto, criatura?
Antônio – Homem me respeite!
Djailton – (Bravo) Te respeitar? Que eu num sei onde to com a cabeça que não lhe parto a cara.
Antônio – Se acalme. Se avexe não. Num seje valente.
Djailton - Quer despachar tia Lilica pra Jesus, é? (Humilde) Ela num merece isso, Tonho. Deixe disso e me
explique direito essa tramolha.
Antônio – (Irritado) Pois então? É o que estou tentando, mas tu não deixa Djailton.
Djailton – Pois fale, fale.
Antônio – Eu consegui um emprego inoxidável depois que nos separamos, e se tu quiser segunda-feira
eu te levo para... (Sendo interrompido).
Djailton – Não me convide! Eu sei muito bem que emprego é esse.
Antônio – Mas ó Homem negativo. Não é nada do que está pensando não, infeliz...
Djailton – Rum! Sei.
Antônio – O que eu quero lhe dizer, primo, é que se tu quiser...
Djailton – Macho... Eu não nasci ontem!
Antônio – (Bravo) Eu posso ou não posso falar?
Djailton - Desembucha!
Antônio – Se tu quiser...
Djailton – Quero não!
Antônio - ... eu posso lhe apresentar...
Djailton - ... Apresente não, apresente não, deixe só contigo.
Antônio – Chega! Não vou contar mais nada.
Djailton – Me desculpa o primo, mas é que não entra na minha cabeça se tratar de serviço honesto, uma
pessoa com poucos estudos, como eu e tu, trabalhar o dia inteirinho e ainda sair cheirando a sabonete,
cabelo penteado e roupa limpa? Hum, hum...
Antônio – Eu posso explicar?
Djailton – (Quase chorando) Oh Tonho, tu ta fazendo parte do Comando Vermelho, é?
Antônio – (Se benzendo) Deus me livre e guarde.
Djailton – Acertou na Sena!
Antônio – Não. Mas é como se fosse. Eu consegui algo tão bom, mas tão bom que e como se tivesse
acertado.
Djailton – (Pensativo) Entendi. Acho que eu to começando a atender.
Antônio – Já era tempo do juízo entrar em sua cabeça.
Djailton – O primo não acertou na Sena, mais é como se tivesse acertado!
Antõnio – Exato!
Djailton – E ficou bem de vida!
Antônio – Isso primo. E cada vez ficando melhor.
Djailton – E não ganhou na Sena?
Antônio – Já disse que não.
Djailton – Não roubou?
Antônio – Olhe o respeito.
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Djailton – Já sei! Tu é gigolô!
Antônio – Que isso primo?
Adjailton - Amante de luxo de madame!
Antõnio – O que?
Djailton – Conte. Eu prefiro ter um primo gigolô que um primo ladrão.
Antônio – (Nervoso) Olhe Djailton, não vai ser em dez minutos que eu vou conseguir lhe convencer da
grande mudança que a minha vida sofreu.
Djailton – Se converteu, foi? Amém.
Antônio – Não macho. Eu e Silvinha...
Djailton – Ih! Entrou muher no meio... Já entendi tudo.
Antônio – Entendeu o que se eu ainda não consegui dizer nada, infeliz?
Djailton –Tu abriu um puteiro, foi? Ta ganhando dinheiro com quenga?
Antônio – Homem negativo.
Djailton - Diga na minha cara primo: EU SOU GINGOLÔ! Diga?
Antônio – Está bem. Está bem. Lá vai!
Djailton – (Fechando os olhos e tapando os ouvidos) Agüente firme, Djailton.
Antônio – EU SOU: Mestre de Obra, Operário da Construção Civil! (Tempo)
Djailton – Tu é o quê, Homem?
Antônio – (Orgulhoso) Sou Operário da Construção Civil e minha muher também.
Djailton - Tu é um mentiroso!
Antônio – (Ameaçador) Homem, se estou dizendo que sou Operário da Construção Civil, é por que sou.
Djailton – (Os dois se armando para lutar) Tu sempre foi muito criativo.
Antônio – E tu, sempre muito é negativo.
Djailton – Sua muher na construção civil?
Antônio – Num to li dizendo.
Djailton - Conte outra!
Antônio – Estou falando a verdade, primo.
Djailton – Homem rapaz, deixe de ser descarado. Sabe por que tu ta mentindo?
Antônio – Sei não. Diga-me então?
Djailton – Em primeiro lugar: muher nunca trabalhou ou vai trabalhar na construção civil.
Antônio – Os tempo mudaram...
Djailton – (Interrompendo-o) Cale essa boca e me deixe continuar. Em segundo lugar: cabra que
trabalha na construção civil saí é todo sujo e arrebentado no final do dia. Olhe pra tu, Antônio? Conte
outra.
Antônio – Trabalhar hoje na Construção Civil não é como foi nos tempos de nossos pais não, Djailton...
Djailton – Ah, não é não?
Antônio – Não é não.
Djailton – (Mangando) Só falta tu me dizer que nos canteiros de obra tem salão de beleza.
Antônio – Não! Mas tem redário.
Djailton – (Desfazendo a luta) Mentira.
Antônio – E os Canteiro que não tem refeitório, distribui ticket alimentação.
Djailton – Num exagere.
Antônio – Homem, o mundo ta mudando e tu nesse serviço miserável. Vem pra luz, Djailton. Sai dessa
escuridão. Vem para a Construção Civil. Lá dentro, além do trabalho bem remunerado temos a chance
até de estudar e crescer profissionalmente. E é o que eu e Silvinha estamos fazendo.
Djailton – (Para o público) Acredito ou não acredito?
Antônio – Eu sou a prova viva, Djailton. Olhe só a grande mudança que tu está vendo. Entendeu?
Djailton – Minha cabeça dá dando volta. Um lado quer acreditar, porque parece ser bom de mais, e o
outro não quer acreditar porque parece até mentira de tão bom.
Antônio – Mas por que, se eu to te dizendo que é verdade?
Djailton – É porque ta bom de mais para ser verdade.
Antônio – (Olhando para frente e apontando) Bom, eu preciso entrar nesse supermercado.
Djailton - Olhe só Antônio, esse lugar é pra rico, meu primo.
Antônio – Djailton, escute bem... Por favor, me escute. A construção está pagando e muito bem a seus
funcionários.
Djailton – Hum! Um lado ta escutando e o outro ta surdo! Mas continue, continue.
Antônio – Segunda-feira, se tu quiser, vou li apresentar ao meu encarregado.
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Djailton – Quero não! Quero não. To muito bem onde estou. (Chorando de forma engraçada) Homem,
vem trabalhar comigo. O pouco com Deus é muito!
Antônio – E onde está escrito que é pecado o “muito com Deus”?
Djailton – Sei não. Agora tu me pegou.
Antônio – Pois tu tem que ir à minha casa pra tu ver a belezura de lugar. Em que conforto estou vivendo.
Djailton – E é?
Antônio – É! (Toca o celular) Oi Bem... Sei. Eu estou indo. É que eu encontrei o meu primo Djailton,
lembra? (Para ele) Ela quer lhe conhecer e está te convidando para ir almoçar amanhã com agente.
(Para a esposa) Já estou indo meu bem. Tchau! (Desligando) Então, aceita ou não aceita o convite?
Djailton – (Se esquivando do convite) Não sei primo. Cremilda é muito sistemática.
Antônio – Não me diga que tu também se casou, é?
Djailton – Como se diz lá na nossa terra: Juntado com fé, casado é!
Antônio – (Consultando o relógio) Pois olhe... Está passando da hora e Silvinha vai ficar chateada. Vá lá
em casa amanhã para tu ver o que é hoje a vida de um operário da Construção Civil.
Djailton – Ôxe! Do jeito que tu fala, até parece que essa Construção Civil ta operando milagre, é?
Antônio – Está! O milagre do funcionário bem preparado e bem remunerado.
Djailton – Mas tu não desiste, Antônio. Tu quer mesmo que eu acredite, é?
Antônio – Quero!
Djailton - Mas menino, conte outra.
Antônio – Por que o primo não tira a prova dos nove?
Djailton -(Para o público) Quanto descaramento para mentir.
Antônio - Pois faça o teste de São Tomé.
Djailton – Como? Explique-me.
Antônio – (Rindo) Se tu e tua muher aceitar o meu convite de ir a minha casa amanhã, eu vou li dizer
outra coisa primo, a partir da segunda-feira, aqui nessa atividade miserável tu não vai continuar mesmo!
Djailton – É um desafio?
Antônio – Pois então. (Escrevendo num pequeno papel) Aqui está o meu endereço. Segura!
Djailton – (Colocando as mãos para trás).
Antônio – Deixe de drama e segure isso Djailton
Djailton – Quero não!
Antônio – Segure, Homem.
Djailton – Seguro não!
Antônio – Ó Homem negativo! Amarelou, foi?
Djailton – Não é isso não. É que... (Sendo interrompido por Antônio que coloca em seu bolso um papel
com o endereço)
Antõnio - Espero-te e tua muher amanhã, na minha casa, com um almoção daqueles.
Djailton – Vou nada!
Antônio – Tu que sabe. Pensei em fazer um churrasco para comemorar.
Djailton – Gosto de carne mais não.
Antônio – Oxe coitado, tu gostava tanto. Virou vegetariano é?
Djailton – Não é isso não.
Antônio - Uma buchada então...
Djailton - Homem, não me corrompa!
Antônio - ... acompanhada daquela rapadura que tu gosta na sobremesa?
Djailton – (Para o público) Corrompeu!
Antônio – (Saindo sorrindo) Aguardo vocês lá então? Vou até soltar uns fogos.
Djailton – (Gritando) Solte não. Solte não. O povo pode pensar que é briga. (Sozinho) Meu Padrinho
Padre Cícero toma de conta de nós, porque agora, com esse desafio, enquanto eu não tirar isso a limpo
eu num sossego! (Saindo lendo o endereço no papel)
CENA II
Domingo, 10 horas da manhã, Antônio e Silvinha estão curtindo maior som no terraço. Vez ou outra ele
para e meche o churrasco que está assando numa churrasqueira elétrica. O som da campainha faz com
que Silvinha se desloque, indo até o proscênio, parte da frente do palco, olha para baixo, em direção à
porta de entrada da sua casa.
Silvinha – Neguinho, acho que é o seu primo que chegou com a mulher.
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Antônio – Pois dessa e vá abrir a porta para eles, Silvinha. Ta esperando o quê?
Silvinha – Mas olhe Homem, pode num ser eles. Estão muito desarrumados.
Antônio – (Indo até ela e olhando para baixo) São eles sim. Vá lá enquanto eu viro o churrasco.
Silvinha – Eu to bem?
Antônio – Está linda, minha rainha. Está parecendo, como você mesma diz, atriz de novela!
Silvinha – Agora estou convencida que estou bonita.
Silvinha é uma mulher bonita, com os cabelos muito bem cuidados, vestido solto no copo e uma
sandália que deixa à mostra as unhas dos pés muito bem feitas. Com brincos grandes, pulseiras, anéis,
colar e tudo que pode deixá-la um pouco exagerada no arranjo, porém, sem ficar feia. Quando sobe com
os primos, eles chegam acanhados. Achando que entraram na casa errada.
OS PRIMOS: Adjailton personagem vestido como o Chico, do Auto da Compadecida. Sua mulher,
Cremilda, ao contrário de Silvinha, está bem desleixada. Sua aparência deve beirar à feiúra. Cabelos mau
cuidados. Roupa muito simples e não combinando nada com nada. Uma bolzinha bem feia só para
aumentar o quadro esteticamente desarmonizado, contrastando assim com a opulência de Silvinha,
embora exagerada, mas belíssima.
Silvinha – Chegamos!
Cremilda – Menina mas que casa grande. (Encantada) Cheia das escadas.
Cremilda – Pra quem nem tomou café da manhã, subir essas escadas me deu até tonteira.
Antônio – Se aproxime primo Djailton. Tu e tua muher.
Silvinha – (Muito agradável, espalha cadeiras de plástico para as visitas. Somente Antônio fica de pé, ao
lado da churrasqueira). Sentem-se por favor.
Cremilda – (Observando tudo) Mar como é que pode, desculpe a liberdade, mas um Homem bonito com
tu e uma muher vistosa como Silvinha ser parente disso aqui.
Adjailton – Começou a destruição. Essa praga quando começa a falar de mim é capaz de provocar um
terremoto.
Silvinha – Então vamos parar por aí, que ainda não acabamos de pagar nossa casa. Está quase, mas
ainda não acabamos. (Servindo-a) Aceita um pãozinho com alho?
Cremilda – Gente, que coisa mar chique. Quem diria... Eu comendo pão com alho. Mas me explica
direito prima Silvinha. Como é isso de uma casa que está quase pagada...
Silvinha – Então... Tu vai a um banco com o contracheque de onde tu trabalha e lá tu abre um
financiamento.
Cremilda – Simples assim?
Silvinha – Simples assim quando se tem um bom emprego. A bem da verdade, eu e Neguinho já
tínhamos umas economias...
Antônio – Umas reservas depositadas no banco.
Cremilda – Homem de Deus (para o Djailton) eles falam como gente rica.
Antônio – Rico não, mas tudo quanto é lugar aonde eu e Silvinha vamos, quando apresentamos nossos
registros como Operários da Construção Civil, as portas todas se abrem.
Silvinha – Todo mundo quer vender pra gente. (Rindo) O difícil é saber se segurar. É muita tentação!
Djailton – (Para a mulher) Tentação? Ta escutando? Coisa do demo. Presta só atenção.
Cremilda – Coisa do demo nada, infeliz. Ó Homem negativo! Eles estão falando que é uma tentação ter
crédito na praça. É porque se você não se segurar, da vontade de sair comprando é tudo. Não é assim
Silvinha?
Silvinha – Exatamente! Captaste a minha mensagem. Por que eu compro mesmo. Trabalhar pra quê, não
é não? (Rindo) Neguinho é que segura minhas pontas. Manda-me retroceder quando exagero, não é
amor?
Antônio – O!
Cremilda – Djailton você ouviu como ela fala bonito: re-tro-ce-der. O que quer dizer isso?
Silvinha – Voltar atrás, minha filha. Às vezes eu tenho que devolver aquela sandalhinha linda para a
vendedora...
Antõnio – Por que ela já está com outras quatro na outra bolsa.
Silvinha – (Manhosa) Pára neguinho. Também não vamos lavar as roupas sujas na frente dos primos,
não é mesmo?
Cremilda – (Chorando engraçado) Pode lavar minha linda. (Para o marido) Até a lavagem de roupa suja
deles é bonita. Não, gente, vocês brigando é uma maravilha. Parece assim... (procurando palavras) coisa
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de novela, sabe? (chorando engraçado) Eu fico até emocionada de ter parentes chique que nem vocês
dois. Nossas roupas sujas eu lavo mais é no tanque. E olhe que esse Homem suja roupa, muher.
Silvinha – Pois eu tenho é maquina de lavar. Não estrago minhas unhas nem na construção. E olhe que
trabalho o dia inteiro assentando azulejo, mas com luvas nas mãos e capacete na cabeça. Uma
maravilha.
Cremilda – Que beleza.
Silvinha - Nossa casa tem de um tudo. Geladeira frost free; Fogão de seis bocas forno auto limpante;
Sofá dos bom; TV de plasma.
Cremilda – Pára! Pode parar. A prima falou uma porção de coisas que eu nem sei do que se trata.
Silvinha – Depois explico. Fora o carrinho zero do Neguinho lá na garagem e minha moto novinha, vice?
Cremilda – E tu tem uma moto, é?
Silvinha – Pois tenho. E não é moto qualquer não, vice. É coisa fina. Dá melhor qualidade. Quando da de
manhã e Neguinho vai de carro para o Canteiro de Obras onde trabalha, eu pego minha moto, me visto
inteirinha, de bota, capacete e tudo e me mando para o Canteiro de Obras.
Djailton – E tu não tem medo de levar um chifre, primo?
Silvinha – Ôxe cabra, e tu vem me dizer isso na minha cara? Está pensando que eu sou o quê?
Antônio – Diga Adjailton. Diga o que tu pensou quando te falei de Silvinha...
Djailton – (Cortando-o) Homem, deixa de besteira que eu nunca falei nada não.
Silvinha – Acho bom, vice, Senhor Adjailton? Já fui informada da sua negatividade com a vida.
Cremilda – Ligue não, ligue não... Isso aí qualquer dia esquece de acordar e passa para o andar de cima
achando que ainda ta dormindo.
Antõnio – Ó Djailton, Canteiro de Obras é coisa séria. Não rola essas coisas não.
Silvinha – Neguinho, dá para eles aquela revista que fala sobre nós, trabalhadores e trabalhadoras da
construção civil? Aquela... “As Flores do Canteiro”.
Antônio – (Entregando um exemplar para Djailton) Tome. Leia quando tiver um tempo.
Cremilda – E como vocês se conheceram?
Silvinha – Nós trabalhava no mesmo Canteiro. Por uns dois meses, só nos olhares. Um dia, quando eu
esperava um coletivo para casa de meus pais, ele chegou como quem não queria nada. Eu só olhando,
esperando para ver se ele tinha tutano para falar comigo. Aproximou-se e me convidou para um cinema.
Aceitei, é claro. Vimos TITANIC. E de lá para cá, nos mergulhamos no oceano de nosso amor. Não é meu
Neguinho?
Antõnio – Sim, minha flor.
Adjailton – Pois muher minha num trabalha em Canteiro de Obra.
Cremilda – E quem disse que não?
Adjailton – Cala essa boca Cremilda!
Cremilda – Cala a boca já morreu, quem manda nessa boquinha sou eu!
Adjailton – Eu li parto a cara se continuar...
Cremilda – Por venha (pegando uma das cadeiras) Por venha que eu quebro essa cadeira todinha em ti.
Silvinha – (Tomando-lhe a cadeira) Ave Maria muher. Pelo amor de Deus, Cremilda. A cadeira não.
Custou muito caro. Quebre outra coisa.
Cremilda – Por me dê outra coisa que eu possa quebrar nesse desgraçado.
Silvinha – (Olhando) Só se for esse garfinho de plástico. Aqui em casa tudo é caro. Pode quebrar nada
não!
Cremilda – É que eu não agüento quando ele fala assim comigo.
Silvinha – É por isso que eu e Neguinho vivemos no maior Love, que é para num ter que estragar nada.
(Para o público) Pobre tem uma mania de sair quebrando coisa, gente, que eu não entendo isso.
Djailton – Por num vai trabalhar mesmo não.
Cremilda – (Sendo segurada por Silvinha) Eu vou sim, trabalhar na Construção Civil.
Adjailton – (Segurado por Antônio) Vai não!
Cremilda – Vou!
Adjaiton – Vai não!
Cremilda – Eu quero ter uma casa como essa.
Adjaiton – Quer não!
Cremilda – Quero ter os cabelos bonitos como os de Silvinha, as unhas pintadas, os lábios floridos de
baton.
Djailton – Pra quê?
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Cremilda – Pra no final do expediente, voltar para casa montada numa moto que nem a dela e cantando
“I Love You, My Love Adjailton”.
Adjailton – (Afrouxando) Do que mesmo que ela me xingou?
Antônio – Só sei que é de amor.
Adjailton – Relaxou, pode me largar, assim eu não consigo brigar com ela.
Cremilda – (Aproximando-se) Vamos fazer que nem eles, amorzinho. Vamos para a Construção Civil
também. Com o tempo nós podemos ter uma casa que nem essa, com tudo que a gente precisa,
amorzinho.
Adjailton – Mas eu nunca vou conseguir.
Cremilda – Conseguir o quê, bem?
Adjailton – Ficar bonito pra tu.
Cremilda – (Com amor) Não fosse essa carinha tão enrugada de sol, seria meu Brad Pitt.
Djailton – (Chorando) Quando criança eu tinha uns cachinhos loirinho que balançava quando eu corria, e
minha cara num tinha uma espinha, um queimadinho de sol. Dizia mamãe que eu parecia um anjinho.
Num era Antônio?
Antônio – Era mesmo.
Adjailton – Ó o quê que eu virei.
Silvinha – Homem, deixa de besteira. Tu já viu gente rica feia?
Cremilda – É isso mesmo amorzinho. Até o Neymar ficou bonito.
Adjailton – Me animou!
Antônio – Segunda-feira então no Canteiro de Obras?
Adjailton – Segunda-feira!
Silvinha – E eu apresento Cremilda ao encarregado do meu Canteiro de Obra. (O som vai aumentando
enquanto eles vão falando)
Antônio – O churrasco está pronto pessoal.
Adjailton – Oxe! Onde elas estão indo?
Silvinha – Voltamos logo. (Falando para Cremilda) Vamos lá ao meu quarto que eu lhe mostro. É um
produto chique que só. Seu cabelo vai ficar uma coisa assim... quem nem aquelas mulher de novela?
Cremilda – Ave Maria, Verdade?
Silvinha – Oxe, num to dizendo? Pois então. Também tenho um esmalte que vai ficar muito bom em
você.
FIM
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