Clique para ler poemas

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Poesias dos Verdes Anos (1937-1941)
por
Sequeira Pinto
Sequeira Pinto
Fragmentos de uma Lyra
Poesias
Poesias dos Verdes Anos – Page 3
Notas
Depois do falecimento de meu tio, Raimundo (Ramon) de Sequeira Pinto, fui encontrar
entre os documentos que ele deixou, uma coleção de poesias que ele escreveu quando
ainda nos seus vinte anos de idade. Daí o titulo que ele lhes deu: “Poesias dos Verdes
Anos”.
Sequeira Pinto escreveu muitos contos humorísticos que foram publicados em vários
jornais em Lisboa, entre estes “O Cara Alegre”, o “Diário Popular”, o “Pifpaf”, e outros.
Ele também foi o autor de dois livros (talvez três, “Rumores na Lezíria”?) “A Farsante”
cuja segunda edição foi distribuída pela Agência Portuguesa de Revistas em 1958, e “A
Quarta Virtude” publicado pela Imprensa da Cidade Lda., Lisboa, também nesse mesmo
ano.
Entre os seus escritos encontrei vários compilados em vários volumes, entre eles
“Elementos Diversos”, “Prosas Insensatas (Contos)” e “Mascarilhas e Carapuças”.
Peças para teatro encontrei “O Cinto Dourado”, escrito em Outubro 1963, talvez nunca
publicado. Muitos destes contos foram publicados mas eu creio que nenhum destes seus
poemas o tenha sido.
É assim que em memória de meu tio - mais que um tio, um verdadeiro amigo – que eu
trago hoje ao alcance dos amantes de poesia estes versos que são uma introspeção da sua
mente, dos seus sentimentos íntimos, tavez da sua consciência.
Ao leitor não é pedida qualquer remuneração financeira por este ebook. Simplesmente
deixo aqui a sugestão de que se o leitor gostou da leitura destes versos que faça um
donativo para a organização humanitária de sua eleição.
Poesias dos Verdes Anos – Page 4
METAMORFOSES
Nasceu o cardo à beira do caminho,
viçoso, bom, macio.
O vento agreste, o Sol, o pó daninho
tornam-o mau; bravio.
Brotou o fio d'água no outeiro.
Cristal imaculado.
Desceu. Atravessou o Mundo inteiro
e fez-se o Mar irado.
Nasceu a pomba, dócil qual bonança;
boa, leal, sincera.
Cresceu. Sentiu. Sofreu; e a pomba mansa
é hoje a águia-fera.
Assim fui eu, meu Deus! Assim fui eu.
Meu ser jamais maldade concebeu
quando ainda inocente.
Amigos, desenganos, sofrimentos;
mil pontapés, mentiras e tormentos,
transformam muito a gente.
Poesias dos Verdes Anos – Page 5
A UM CIGARRO
Gigarro: confidente e amigo. Eu te adoro
excelso conselheiro!
Acompanhas-me ao rir; estás comigo se choro;
sempre bom companheiro.
O teu fumo consegue arrancar-me da mente
tremendos ideais...
Quando no ar o vejo, a subir, lentamente
em brancas espirais.
Torna a vida mais breve. Faz o sofrer melhor.
Persegue as más ideias;
afasta-as e dispersa-as, como o cão do pastor
dispersa as alcateias.
Se uma mulher, por ingrata, me transtorna o juízo
na decepção que deu...
Então fumo um cigarro e, de nada mais preciso,
essa mulher... esqueceu.
Ou ainda se consigo, em amoroso eleio,
uma mulher prender,
é no teu fumo amigo que procuro e que leio
quanto lhe hei-de dizer.
Poesias dos Verdes Anos – Page 6
INCITAÇÂO
“En toute chose il faut considérer la fin”
La Fontaine
Suba! Trepe, meu senhor!
(já vi que é bom escalador!...)
Insista! Force! Prossiga!
Não desanime um instante;
sempre acima; sempre avante!
Domine, iluda a fadiga!...
Recorra a toda a destreza!
Faça forças da fraqueza!
Trepe de qualquer maneira!...
Quando se atende à ambição
não se escua o coração
nem se perscruta a ladeira!...
Eleve-se até ao espaço!
'Inda vem longe o cansaço!
Sempre mais! Quanto puder!
Alardeando ao redor
a fama do seu valor
e o valor do seu querer!...
Porém, não esqueça senhor
este ínfimo pormenor...
Bom será nunca olvidá-lo:
- É que quanto mais trepar,
quanto mais alto chegar,
mais o vento há-de açoitá-lo!...
Poesias dos Verdes Anos – Page 7
CAPRICHOS DA NATUREZA
É feia. É grosseira
e veste pobremente.
Tem gestos de taberna e ditos de peixeira...
(com a devida vénia a essa boa gente).
Terá uns vinte anos.
Não sabe ler, sequer.
Tem tipo da mulher p'ra quem não há enganos...
- mas tem mais qualquer coisa ainda, essa mulher:
Sim! no seu rosto existe
um dom, um “tic”, um nada
que nos perturba, tenta, a gente não resiste
fitando mais de perto essa feição danada.
Que homem, ao olhá-la,
não sentirá desejos
de lhe civilizar o gesto, o modo, a fala,
arrancar-lhe os farrapos e vesti-la... de beijos.
Poesias dos Verdes Anos – Page 8
PASSEIO CAMPESTRE
… Não ouves, meu amor, a fonte a murmurar
uma canção dolente, harmónica, singela?...
Vai banhar tua fronte, ali, na água dela,
que a tens febril, ardente, estranha, singular.
Refresca a tua boca e deixa-me beijar
essa boca de sonho, e fogo, e aguarela!
Vem cá, senta-te aqui. Repara quanto é bela
a Natureza imensa – um milagre sem par!...
Ah! como é bom sentir um coração amante,
assim, bem junto ao nosso, a transbordar ventura,
buscando, para abrigo, a relva vicejante ...
Aperta contra o teu o meu peito escaldante!
Deixa que encontre em ti, nos teus lábios, frescura
que arrefeça nos meus este calor constante!!
Poesias dos Verdes Anos – Page 9
SONHOS D'AMOR
Mulheres formosas, tentadoras divas,
almas cativas de ilusões infindas!
Sonhai, sonhai!
Vivei sonhando!
Enchei a alma de quimeras lindas! …
Vós sois da vida a primavera em flor,
cofres de amor a transbordar ventura.
Sonhai donzelas!
Vivei sonhando!
Que a vida é bela enquanto o sonho dura.
Sonhos … meus sonhos! Também eu os tive,
que ninguém vive sem já ter sonhado;
porém, bem cedo,
p'la rude vida,
fui bruscamente aos sonhos despertado!...
Poesias dos Verdes Anos – Page 10
CAMPINAS
(Fragmento)
Ao ver-vos Campinas por onde brinquei
nos dias de infância, feliz, sem cuidados,
o que me vai n'alma... confesso, não sei;
lembranças, saudades dos tempos passados.
Campinas! Campinas! meu berço de amor,
enfim que vos tenho bem junto de mim.
Deixai casar tristes soluços de dor
aos vossos queixumes eternos, sem fim!...
Encheste-me a alma de alegres canções,
mostraste-me a vida mais nobre, mais pura,
e eu impelido por vãs ambições,
parti seduzido por falsa ventura!,,,
Que enorme saudade, que imensa tristeza,
vendo-vos tão perto, de mim se apodera.
Campinas! Campinas! de rara beleza!
Meu berço de amor! Ser vosso... quem dera!
…....
Fui alegre e livre como os passarinhos
que saltitam lestos ao redor dos ninhos,
entre os roseirais.
Como eles, eu tinha vidas carinhosas
que me davam mimos – graças preciosas
que não tive mais.
Poesias dos Verdes Anos – Page 11
Traz meu peito, erupto, um vulcão ardente
que me queima a alma, que me abrasa a mente...
– loucos idealismos!
Como vos invejo, rudes cavadores!
almas sacrossantas, fáceis optimismos,
débeis sonhadores...
Poesias dos Verdes Anos – Page 12
MADRIGAL
Conheci certa pequena
com os olhos cor do Céu,
que usava sempre uma pena
espetada no chapéu
Um dia, passo por ela
e digo-lhe assim, por graça:
- Menina, tenha cautela
com a pena, quando passa!...
Volve ela como a troçar,
numa voz doce e amena:
- Não sei... mas ia apostar
que você também tem pena!
Que tenho pena? Mas eu...
Sim, talvez tenha razão:
Não a uso no chapéu
mas trago-a no coração....
Poesias dos Verdes Anos – Page 13
A COR DOS SEUS OLHOS
Que cor são os olhos teus?
Cor da noite? Cor dos Céus?
Por que não mos deixas ver?!
Porque baixas o olhar
quando vamos a passar
um pelo outro, mulher?
Saberás tu quanto amor
me inspiras, linda flor?
Já sabes, meu doce bem?
Mas... não! Não podes saber.
Quem to podia dizer
se eu nunca o disse a ninguém?!
Poesias dos Verdes Anos – Page 14
SERENATA
Que noite serena,
que Lua tão bela.
Que linda pequena
eu vejo à janela.
Somente p'ra ela
será meu cantar.
Que noite tão bela,
que lindo luar.
Se acaso eu chorar,
ó bela,é que em mim
há mágoas sem par,
tristezas sem fim.
Eu, cantando assim,
não sei, mas pressinto:
Sentirás por mim
o que eu por ti sinto.
Se julgas que minto
ou choro por gosto,
vem ver que eu consinto
que vejas meu rosto.
Verás o desgosto
que traz estampado.
Verás o meu rosto
em pranto, banhado.
Poesias dos Verdes Anos – Page 15
O Mar encantado
cessou seus bramidos
e escuta, parado,
meus tristes gemidos.
Eles são tão sentidos
que a Lua, além,
ouvindo gemidos
parou já, também.
Só tu, qu'rido bem
não quer's escutar.
Vem ouvir, também,
meu triste cantar.
Ó doce luar
se podes chegar
àquela
janela
que deita p'ra o mar!
Vai e diz àquela
pequena tão bela
que está à janela
que eu canto p'ra ela
e choro ao cantar!...
Poesias dos Verdes Anos – Page 16
QUADRAS SOLTAS
Maria sem ter “Manel”,
ou “Manel” sem ter Maria...
é colmeia sem ter mel,
aldeia sem romaria.
Cá na cidade, as pequenas
podem ser enquadradas
em dois grupos, dois apenas:
as feias e... as pintadas.
Não exija, por favor,
mais amor. Pronto, já basta!
Tome tento, meu senhor,
que o amor também se gasta.
Compro-te o que desejares
mas anéis com pedras, não.
P'ra depois não me falares
com essas pedras na mão.
Poesias dos Verdes Anos – Page 17
DESMENTIDO
(À quadra popular: “O coração e os olhos são dois amigos leais...)
Quem ri e canta é feliz
no dizer de muita gente.
Mentira! O rosto não diz
o que a nossa alma sente.
Eu trago o olhar enxuto,
tenho expressão sorridente
e minh'alma anda de luto,
meu coração sofre e sente.
A tristeza, a mágoa, o pranto,
vivem só dentro de peito.
Quantas vezes riu e canto
com o coração desfeito...
Nem só carpindo se chora,
também se chora sorrindo...
Ante o raiar de uma aurora
não digas: que dia lindo!
Poesias dos Verdes Anos – Page 18
RECORDANDO
(À memória de C. S. de F.)
Ouvi-a dizer:
- A vida é tão doce!
E ontem matou-se.
Não mais quis viver.
Por tudo sorria,
vivia a cantar.
E ontem fui dar
com ela já fria.
Loucura ou paixão?
Desvaire ou desgosto?
Pudesse eu, no rosto,
ler-lhe o coração...
Se o rosto dissesse
o que a alma sente,
talvez que aquele ente
ainda vivesse! …
Poesias dos Verdes Anos – Page 19
DÚVIDA
Amar com muito amor e ser de alguém amado,
sentir dentro do peito o coração de alguém …
é ter em nós um Céu dulcíssimo e doirado;
ventura sublime, incomparável bem.
Quem não anseia amar? Sentir-se enamorado?
Viver o sonho ideal que do amor provém?!
Não há, nunca haverá prazer mais desejado;
transcende o que de bom nosso viver contém.
Amar e ser amado é bem um dom do Céu,
mercê sem igual que Deus nos concedeu;
divina gentileza em graça inexcedida...
– Pois sendo assim o amor um bem que não tem par
eu não vos sei dizer se é melhor amar
se não ter tido nunca amor algum na vida!...
Poesias dos Verdes Anos – Page 20
A TUA CRUZ, MULHER...
Mulher
que passa
por nós
na rua
e diz
qualquer
graça,
sorri e
insinua:
desgraça
traduz,
que nesse seu sorriso bem fácil se adivinha
o mais negro dos fados, a sina mais daninha,
tristíssimo arrastar de uma pesada cruz.
E vive
buscando
ansiosa
a graça
da rosa
ou do Sol
a flux...
E morre
tão nova
e já velha,
sem um só amor
nem uma centelha
da graça ansiada,
agonizando aos pés
da sua própria CRUZ!
Poesias dos Verdes Anos – Page 21
CONFIDÊNCIAS - 1
Quando alta noite, a sós e Deus, medito
vai-me o pensar em lonca correria,
galgando a Terra, o Mar, o Infinito;
transpondo a Luz, a Sombra, a Noite, o Dia!...
E delirante, salta, voa, corre,
sobe aos píncaros da Vida e do Mundo!
Devassa os Céus, onde a vista nos morre;
revolve o Mar tenebroso e profundo.
Vai sempre a toda a brida, qual corcel
desenfreado, febril, belicoso.
Não cessa um instante seu tropel
de tresloucado ou d'animal raivoso!...
É um pensar com transes de loucura,
que chora de pesar, ri em orgia...
– doida imaginação que me tortura
a procurar o dia em noite escura,
buscando entre a noite a luz do dia!...
Poesias dos Verdes Anos – Page 22
CONFIDÊNCIAS – 2
Oiço da vida o rolar incessante …
Pressinto o seu intenso movimento;
vejo a turba segui-la confiante,
e eu para aqui fico sem alento.
Se pretendo vencer esta apatia;
este cansaço físico e moral,
opõe-se-me a Razão à energia,
como se for a um dique a um caudal.
Fito então, revoltado, essa Razão;
interrogo esse monstro, que se esconde:
– Porque me prendes tu a própria acção?
porque susténs meu gesto? anda, responde.
E oiço-a, após soltar uma risada,
falar-me desta forma vaga e fria:
– Sossega louco! A vida ... não é nada!
Segui-la para quê? Tal caminhada
resultaria inútil. Vã. Vazia!...
Poesias dos Verdes Anos – Page 23
CONFIDÊNCIAS – 3
Dizem-me assim: Deixa a poesia, tolo!
Não engendres mais dessa “versalhada”!
Isso só te fará mal ao “miolo” …
e resultados monetários … nada.
Não penses o que pensas, sonhador!
Não faças o que fazes, segue os mais!...
Repara que só é dado valor
a quem possui alguns bens materiais!
Eu oiço a “sermonata” renitente,
finjo muita atenção e, quando só,
respondo-lhes assim, intimamente:
– Que moralista sois … fazeis-me dó!
Mas ide, enfim. Embora estreito e triste
vosso entender … talvez vejais um dia
que se na vida algum encanto existe,
se o viver tem beleza, esta consiste
na força de vontade que nos guia!...
Poesias dos Verdes Anos – Page 24
CARTAS PARA LONGE – 1
Meu caro, eu escreveria
(conforme me pedias)
toda a carta em poesia
se soubesse o que qu'rias.
Mas, confesso: primeiro,
pouco me ajuda a arte
- acredita, é certo,
a Musa inspiradora
ou caiu no tinteiro...
ou foi p'ra outra parte,
não a sinto aqui perto.
Depois... poemas, versos,
há tantos, tão diversos,
de temas diferentes,
sei lá o que preferes!
De tudo, no geral?
Sobre a vida? Ou de mulheres?
Tu por quem és, desculpa
mas não é minha culpa,
não sei, não sei que queres.
Queres tu que eu cante, a rir,
versos p'ra divertir...
com algumas pilhérias?
- Por mim prefiro cantar
cânticos de chorar,
dos pobres, das misérias.
Poesias dos Verdes Anos – Page 25
Se queres eu canto a vida!
Essa ilusão tão querida
de quem nunca sofreu.
- Que eu, prefiro canções
tristes como orações
que vão p'ra quem morreu.
Talvez cantando o amor
encontres bom sabor...
e venhas a gostar.
- Mas sobre essa farsada
ou eu não canto nada
ou tens que me aturar!...
E se for de mulheres?!
Já sei! É o que queres,
se és novo e solteiro;
- isso é encantador
vê-las loucas por nós,
implorando amor
se nos sentem … dinheiro!
E se eu cantar canções
onde as grandes paixões
predominem com brilho?
- Mas ... se hoje apenas sei
daquele amor-ensejo
que nasce, meio estarola,
a rir num fácil beijo
e morre ao primeiro filho.
Poesias dos Verdes Anos – Page 26
Da vida, creio, já disse;
será talvez tolice
ir repetir agora.
- Vida! Meu “dulce-engaño”. Pílula repugnante
que nós vamos doirando a todo o instante...
e tomando hora a hora.
…...
Se isto é pessimismo? não, não é verdade!
Tu aí nada vês, mas eu cá na cidade,
vivendo a sua vida, tão falsa e de encontrões …
é que vejo, oiço e sinto este monte de destroços
onde fui arrancar aqueles seis “Padres-Nossos”
a que, possivelmente, chamarás abjeções.
Poesias dos Verdes Anos – Page 27
CARTAS PASR LONGE - 2
… Mas sobre essa farsada
ou eu não escrevo nada
ou tens que me aturar!...
Assim dizia eu
em carta anterior,
fazendo referência ao tal “culto” sandeu
de que tu és o crente e eu sou o ateu,
que o vulgo chama: Amor.
E pedes tu agora, de modo assás renhido...
- escreve, diz, expõe quanto se te oferecer!
tratando-se de amor, de paixões, de mulheres
não aturo coisa alguma, antes pelo contrário,
é com prazer subido,
com o maior prazer,
que eu aqui lerei quanto daí disseres!...
Enfim, p'ra te ser franco dir-te-ei
que me parece um tanto imprevidente
esse desejo teu, manifestado.
O assunto é melindroso e, francamente,
custar-me-ia ver-te melindrado.
Por isso desde já te peço meças
p'ra alguma aleivosia que eu disser...
E, posto tal, desmascaremos essas
franquezas de incautos e piegas
que as almas entontece e torna cegas...
Seja o que Deus quiser!!
Poesias dos Verdes Anos – Page 28
Com efeito, meu caro, o tal Amor
é peta! é farsa! é um palão qualquer
(engenhoso? Talvez, mas plebeu...)
que o Homem engendrou com a Mulher
para esconder um feio instinto seu!...
Isto assim mesmo eu diria a Romeu,
Botelho, Abellard ou a Duval,
acrescentando, até:
– Por Deus! Com a vossa idade
tanta ingenuidade
a par de um tal banzé
só os coloca mal!...
Qual amor! qual cantiga! qual paixão!...
Isso é um mito piegas, vil, mesquinho!
Uma crendice vã!...
Deixem em paz a alma e o coração
que o vosso mal é outro …
esse sofrer, é de insatisfação
daquele instinto … – do tal desejozinho
que nos vem desde a história da maçã!...
P'ra minorar maleitas tais, existe
uma forma original,
contrária ao chinfrim
e nada desairosa.
E essa, notem bem! Que nem é triste
nem contem coisa alguma de anormal.
… talvez um puco menos limpa, sim,
mas muito mais saborosa!
Poesias dos Verdes Anos – Page 29
Enfim... pobres deles, vãos sonhadores
que por ignorância
quiseram transformar
todo um mundo de prazer em dissabores...
– coisa inverosímeis
que se faziam dantes!
Até nos custa agora acreditar.
….......
E tudo o mais que do amor nos reste...
tudo o que se lhe invente, o que se diga,
não passa, crê, de “música celeste”,
cheira a tramoia … envolve a magra intriga.
Poesias dos Verdes Anos – Page 30
CARTAS PARA LONGE - 3
É cá do cimo
da janela de sacada
duma velha água-furtada,
tendo aos pés a Madragoa,
que vou escrever
duas rimas para ti
acerca do que, daqui,
me parece esta Lisboa.
Olho este Céu
que os poetas dizem d'oiro
e a que chamam seu tesoiro
seu “azul” d'entontecer …
Só vejo nuvens
carregadas, doentias,
nuvens tristes e sombrias
fazem-nos adoecer.
No ar, o fumo
que envolve toda a cidade
rouba a visibilidade,
sofoca-nos, dispõe mal.
Mil chaminés
de fabricas e oficinas
espalham nuvens assassinas …
– é a tísica geral.
Poesias dos Verdes Anos – Page 31
Vejo os telhados
coberturas mui discretas …
a que esses mesmos poetas
chamam canteiros em jardim.
Canteiros... serão,
porém de imundices tais
que nem chuvas invernais
nem os ventos porão fim.
Além no cimo
duns barracões mais sombrios
ronda um gato preto, aos mios
agoirentos, diz desgraça.
Que, seja dito
em abono da verdade,
desgraça, adversidade
é tudo o que aqui se passa …
Depois, são divas …
saltitantes, luxuosas,
perfeitos botões de rosas...
a que a tinta aviva a cor.
Levam pulseiras,
peles, vestidos de alto preço,
e muito outro adereço
que amanhã vai p'ra o penhor.
Poesias dos Verdes Anos – Page 32
Muitas são mães,
mas não sabem dos maridos …
e os filhos vivem escondidos
em cotés – ou estão no Tejo ,,,
– E aqui tens:
Olhando da Madragoa
esta “encantada” Lisboa
é tudo o que daqui vejo.
--- Fim das Poesias dos Verdes Anos”
Poesias dos Verdes Anos – Page 33
Índice
Metamorfoses
Um Cigarro
Incitação
Caprichos da Natureza
Passeio Campestre
Sonhos d'Amor
Campinas
Madrigal
A Cor dos Seus Olhos
Serenata
Quadras Soltas
Desmentido
Recordando
Dúvida
A Tua Cruz, Mulher
Confidências – 1
Confidências – 2
Confidências – 3
Cartas Para Longe – 1
Cartas Para Longe – 2
Cartas Para Longe – 3
Pagina 4
Pagina 5
Pagina 6
Pagina 7
Pagina 8
Pagina 9
Pagina 10, 11
Pagina 12
Pagina 13
Pagina 14, 15
Pagina 16
Pagina 17
Pagina 18
Pagina 19
Pagina 20
Pagina 21
Pagina 22
Pagina 23
Pagina 24,25,26
Pagina 27.28,29
Pagina 30,31,32
Poesias dos Verdes Anos – Page 34

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