30. gt - constitucionalismo, garantias e democracia
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30. gt - constitucionalismo, garantias e democracia
ANAIS CONGRESSO DO MESTRADO EM DIREITO E SOCIEDADE DO UNILASALLE GT – CONSTITUCIONALISMO, GARANTIAS E DEMOCRACIA CANOAS, 2015 2389 A PLURALIDADE DOS LIMITES AO EXERCÍCIO DA LIBERDADE RELIGIOSA: O CASO CHURCH OH THE LUKUMI BABALU AYE V. CITY OF HIALEAH (1993) Pâmela Carolina dos Santos May Marco Félix Jobim RESUMO: Direito assegurado constitucionalmente, a liberdade religiosa, encontra-se amparada por muito mais que uma legislação, devido à sua relevância histórica, é protegida pelo coletivo. Quando a religião se torna pauta de uma discussão, a certeza e a verdade se tornam subjetivas, como então discutir os limites de uma liberdade que sobrepõe e prepondera princípios? Para análise do presente estudo, tem-se como base o caso julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos: O Church Oh The Lukumi Babalu Aye V. City Of Hialeah, polêmica presenciada na Flórida (EUA) envolvendo a religião Santeria, devido ao seu ritual essencial de devoção, que consistia em um sacrifício animal, confrontando normas da cidade. Fundamentando o livre exercício, a igreja argumentou com base na Primeira Emenda americana. Se de um lado as ONGs recriminavam o sacrifício, de outro, os seguidores da Santeria defendiam a inconstitucionalidade das normas, bem como o livre exercício do seu direito ao culto. Entretanto, a Suprema Corte reconheceu a ilicitude da pratica de sacrifício animal, uma vez que este atua como fator de risco significativo à saúde, assim como pode gerar dano à outrem, preservando assim o interesse da cidade. Observados os princípios e garantias, o livre exercício não deve ser interpretado como norma imutável, pois diante das inovações legislativas, cada vez mais o coletivo tem se adaptado ao individual, preservando, assim, além da garantia às crenças, as garantias fundamentais de saúde e bem-estar. PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; religião; precedentes. 1 INTRODUÇÃO Quando a religião se torna pauta de uma discussão, a certeza e a verdade se tornam subjetivas e pessoais, como então discutir os limites de uma liberdade que sobrepõe e prepondera princípios? Não é de hoje, que diversos filósofos, sociólogos e teólogos tentam explicar o fenômeno da fé e a crença no desconhecido, onde não é possível se chegar à conclusões taxativas. 2390 Para análise do presente estudo, tem-se como base o caso julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos: O Church Oh The Lukumi Babalu Aye V. City Of Hialeah, polêmica presenciada na Flórida (EUA) envolvendo a religião Santeria. 2 A LIBERDADE RELIGIOSA COMO MARCO HISTÓRICO NA FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Direito assegurado constitucionalmente, a liberdade religiosa, encontrase amparada por muito mais que uma legislação, o livre exercício da crença e do culto foram conquistadas com muito esforço e, deste modo, devido à sua relevância histórica, é protegida pelo coletivo. Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. O problema – sobre o qual, ao que parece, os filósofos são convocados a dar seu parecer – do fundamento, até mesmo do fundamento absoluto, irresistível, inquestionável, dos direitos homem é um problema mal formulado: a liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião, as liberdades civis, da luta dos parlamentos contra os 1 soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais [...]. O seu reconhecimento deu-se com o respeito individual diante das diferenças, tendo como ápice o surgimento das diversas legislações asseguradoras da liberdade religiosa, como exemplo, a Declaration on the Elimination of All Forms of Religious Intolerance, que esclarece de maneira detalhada o que consiste o direito a liberdade de pensamento, crença, religião e consciência. Somente depois da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade, em sua totalidade, partilha alguns valores comuns, podendo, assim, se crer na universalidade dos valores, não de forma objetiva, mas algo subjetivo acolhido por todos. Artigo 18. Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, 1 BOBBIO, Norberto Bobbio. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004. P. 25. 2391 pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou 2 coletivamente, em público ou em particular. O direito a liberdade religiosa foi conquistado após muito tempo de intolerância e de um estado católico cujos ideais eram predominantes. Muitas guerras foram traçadas para que hoje, todas as religiões fossem respeitadas e seu exercício, por intermédio da legislação vigente, garantido. No transcorrer dos últimos séculos, a religião e o Estado procuram encontrar uma fórmula que privilegie, acima de tudo, a liberdade humana. A própria Igreja Católica reconhece a necessidade dessa independência, em um dos documentos que compõem as resoluções do Concílio Vaticano 2º, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (sobre a Igreja no mundo atual): "No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autônomas"3. Em 1988 a Constituição Federal Brasileira assegurou o direito à crença e ao livre culto, muito embora em seu preâmbulo coloque em dúvida a laicidade do Estado4. Cumpre relembrar que ateísmo não é o mesmo que Estado laico, apenas que as instituições públicas e a sociedade civil mantêm independência em relação às diretrizes e aos dogmas religiosos, onde não se aceita, ao menos teoricamente, a ingerência direta de qualquer organização religiosa nos assuntos de Estado. A obrigatoriedade da prestação de assistência religiosa nasce com a imposição do Estado Laico e suas consequências sociais, uma medida compensatória do constituinte de 1988, que tem duas raízes na Constituição do império de 1824. O Direito, para Bobbio, é uma construção, um artefato humano fruto da política que produz o direito positivo. Requer a razão para pensar, projetar e ir transformando este artefato em função das necessidades 5 da convivência coletiva. 2 Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em 18/03/2015. 3 Disponível em http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em 10/03/2015. 4 O preâmbulo da CF/88 refere em sua redação que está é promulgada “sob a proteção de Deus”, o que gera controvérsias, a partir do momento em que o estado é laico, uma forma de governo sem qualquer confissão religiosa. 5 BOBBIO, Norberto Bobbio. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004. P. 32. 2392 Contudo, após a conquista da liberdade, outra discussão surge: Quais seriam os limites desta liberdade? Afinal, a libertinagem não pode ser utilizada com base neste direito, que assegura, acima de tudo, o respeito e a tolerância, mas não deve proteger atos ilícitos ou prejudicar a ordem pública. 3 DA INTOLERÂNCIA ENQUANTO VETO À LIMITAÇÃO DE DIREITOS Quando nos referimos à intolerância, de pronto, surge em nossas mentes o problema da convivência das crenças, semelhante a intolerância política. Que, nos remete à aquele antigo axioma popular: Religião e Política não se discute! Entretanto, ao que se deslumbra na própria afirmação, esta já é motivo para discussão, afinal, é necessário garantir a crença e convicção naquilo que o indivíduo achar que deve. Não se trata de declarar como verdade para si, mas sim, de declarar respeito para com aquele que, gozando de sua autonomia, optou por uma teoria ou estilo de vida. O motivo pelo qual me ocupo das razões da tolerância no primeiro sentido é que o problema histórico da tolerância, tal como foi posto na Europa durante o período das guerras de religião, e sucessivamente pelos movimentos de heréticos e depois filosóficos, como Loke e Voltaire, o problema tratado nas histórias da tolerância, é o problema relativo exclusivamente á possibilidade de convivência de confissões religiosas diversas, problema nascido na época em que ocorre a 6 ruptura do universo religioso cristão. A intolerância gera o discurso de preconceito e, por conseguinte, na quebra da liberdade religiosa. A discussão é de suma importância para o aperfeiçoamento e respeito de indivíduo, nos tornamos mais tolerantes com aquilo do qual demos a oportunidade de conhecer, não necessariamente experimentar, mas sim reconhecer a legitimidade do debate e pluralidade de ideias. Tanto a liberdade de consciência quanto a liberdade de crença abrangem ações e comportamentos que guardam íntima relação entre si. Este binômio “consiência/crença” indica, de um lado, que a liberdade de consciência não deve ser entendida como limitação à liberdade de expressão do 6 ibid P. 25. 2393 pensamento7, pois o constituinte a viu como um fenômeno muito mais próximo da convicção ou fé religiosa do que um mero posicionamento político-ideológico e como tal intimidade ligada à autoconcepção do titular do direito e não às vicissitudes do embate ideológico adequável aos mais diversos interesses subjetivos ou políticos, próprio da liberdade de expressão.8 Uma vez que o objeto do presente estudo é a pluralidade da liberdade e como impor limites sem ofender seus direitos, observa-se a linha tênue entre impor limites e ser intolerante. Ao passo que alguma liberdade religiosa é restringida, o primeiro argumento que se coloca em pauta é a intolerância daquele que a restringiu. Sendo assim, o aceite do debate deve estar em ambos os lados, tanto daquele que quer limitar para defender o coletivo, quanto daquele que quer proteger o seu direito privado. Segundo Jayme Weingartner, na busca de enfatizar o equilíbrio, trata-se de uma grandeza concretamente variável que trava com outros direitos uma “relação principal de mútua definição de limites”.9 4 A GARANTIA DA LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA A liberdade de culto está assegurada pelo inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal que declara inviolável a liberdade de crença e assegura “o livre exercício dos cultos religiosos”, além de garantir, “na forma da lei”, a “proteção aos locais de culto e suas liturgias”. O artigo 5º, VI, VII e VIII da Constituição Federal10, garante a inviolabilidade de consciência e de crença. No inciso VI, encontra-se a outorga 7 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; 8 MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. P. 354. 9 NETO, Jayme Weingartner. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. P. 192. 10 VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; 2394 clássica, a liberdade religiosa, que, entretanto, foi complementada pelo inciso VII. Este fixa um dos efeitos mais importantes do direito fundamental previsto no inciso VI. Ele determina que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de conviccção filosófica ou política”. O inciso VIII seria absolutamente supérfluo, não fosse a ressalva apontada, pois dizer que a liberdade de consciência e de crença é inviolável significa o mesmo que dizer que qualquer de seus exercícios não poderia ter como consequência a privação de direitos. Se há privação de direitos na hipótese descrita pela norma, está-se diante de uma limitação constitucional 11. A liberdade religiosa, foi outorgada sem uma reserva legal explicita pelo constituinte que declarou livre a crença, mas não impôs limites ao ser exercício, dando razão a discussão aludida no presente estudo. No momento em que não se determina os limites para uma determinada ação e sua exercia (a liberdade de religião) é permitida de forma livre, algumas normas entram em conflito. Isso não significa que o legislador da revisão esteja impedido de tocar em tais direitos, o que não pode é “eliminá-los do catálogo constitucional ou restringi-los em termos tais que afete o seu conteúdo essencial”12. È impossível assegurar os interesses coletivos, sem restringir direitos individuais. Cada ao indivíduo, enquanto ser que vive em sociedade, se adaptar aos limites de sua própria liberdade em detrimento dos demais. O exercício de um direito fundamental pode se dar tanto de maneira positiva quanto negativa. No seu aspecto positivo elas abrangem, em primeiro lugar, a liberdade interior (foro íntimo) de crer em alguma coisa ou acreditar estar vinculado a um determinado sistema axiológico, em outras palavras: o direito de pensar a sua religião ou convicção. Tratase, além disso, como segundo aspecto englobado, da liberdade para exteriorizar sua crença ou visão de mundo. Como por exemplo tem-se o culto, cuja proteção é expressamente garantida, denotando igualmente um dever de proteção contra agressões – estorvos ao culto 13 – provenientes de particulares. VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; 11 MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. P. 355. 12 NABAIS, José casalta Nabais. Por uma liberdade com responsabilidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. P. 85. 13 MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. P. 357. 2395 A constituinte em seu artigo 19, I, veda a intervenção estatal sobre os cultos, salvo em detrimento do interesse público. Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; Neste dispositivo obtemos uma ressalva ao livre exercício, ou seja, este não poderá se sobrepor ao interesse público, os cultos e crenças devem respeitar a coletividade sob pena de interferência do direito fundamental. Num sentido amplo, pode haver colisão entre direitos fundamentais e bens coletivos, sendo a segurança pública (ou interna) um bem coletivo, mas de caráter ambivalente, pois o “dever do Estado de proteger os direitos de seus cidadões obriga-o a produzir uma medida tão ampla quanto possível deste bem. Isso porém, não é possível sem interferir na liberdade religiosa daqueles que prejudicam ou ameaçam a segurança pública”.14 A liberdade religiosa vai confrontar-se, naturalmente, com os limites constitucionais diretos e indiretos que valem genérica e formalmente para as atividades de suporte: liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, de associação etc., estabelecidos já de forma ponderada pelo legislador constituinte. Neste contexto, por exemplo, veda-se a utilização da liberdade de reunião e associação religiosas para justificar a “prossecução de fins violentos” ou contrários à lei penal ou para contrariar a aplicabilidade de outras regras constitucionais que condicionem de alguma forma, o exercício desses direitos”. No mais, verificam-se limites imlícitos, que decorrem de leitura sinóptica da constituição e da necessidade de compartibilizar a liberdade religiosa com os “direitos de terceiros” e com “outros bens jurídicos” (por exepmlo vida, integridade física, saúde, meio ambiente, segurança pública), certo que o direito em tela “não protege práticas que ponham em perigo a saúde pública” – tudo no 15 quadro de um “processo de harmonização compromissória”. Nos EUA não há referência constitucional explicita aos limites, a imposição se dá pela jurisprudência da Suprema Corte, mediante interpretação 14 NETO, Jayme Weingartner. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. P. 193. 15 NETO, Jayme Weingartner. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. P. 197. 2396 extensiva dos conceitos de “estabelecimento de uma religião” e de “interesse governamental” 5 O CASO CHURCH OF THE LUKUMI BABALU AYE V. CITY OF HIALEAH Inúmeros são os casos em que liberdade religiosa colide com os demais direitos, o presente estudo bem como base o presente americano Of The Lukumi Babalu aye v. City of Hialeah, proferido em acórdão no estado do Rio Grande do Sul, pelo redator Des. Araken de Assis, em uma representação de inconstitucionalidade16. O motivo pelo qual a religião em questão se tornou alvo das discussões foi o ritual essencial de devoção, que consistia em um sacrifício animal, contudo, havia um conjunto de normas aprovadas na cidade de Hialeah que impediam os sacrifícios. O presente caso foi decidido no ano de1993 na Flórida e seu assunto tramitava em torno de uma regulamentação municipal de proteção aos animais.Na cidade de Hialeah existem diversas regulamentações e proibições, tornando ilegal o sacrifício de qualquer animal. Como fundamentação para o livre exercício, a igreja argumentou com base na Primeira Emenda americana que estabelece que “o congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos”. Se de um lado as ONGs e instituições recriminavam o sacrifício diante das suas incessantes lutas para a proteção da fauna, de outro, os seguidores da Santeria defendiam a inconstitucionalidade das normas, bem como o livre exercício do seu direito ao culto e liberdade religiosa. O “Sacrifício” foi definido pelo Regulamento 87-52 como “matar desnecessariamente, atormentar, torturar, ou mutilar um animal em um ritual ou cerimônia, pública ou privada, sem que haja o propósito primário de consumo”. A matança de animais ficou restrita a áreas de matadouros submetidas a autorização e inspeção do governo. 16 GARRET, Marina Batista. A necessidade de limites à liberdade religiosa. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1107. Acesso em 03/03/15. 2397 Sendo assim, a prática religiosa da Santeria acabou atingida por esta regulamentação. A Igreja Lukumi Babalu Aye, que pregava esta religião em Hialeah, insatisfeita com a repercussão que estas normas geraram no desenvolvimento de suas atividades, buscou através do Judiciário declarar inconstitucionais tais proibições alegando que as leis violavam a Cláusula de Livre Exercício da Primeira Emenda da Constituição americana. A Igreja acusava o legislador de ter criado essas leis com fins exclusivos de impedir a manifestação da Santeria na região, uma vez que os termos utilizados pelas normas aprovadas, quais sejam, “sacrifício” e “ritual” remetem a religiosidade. A Suprema Corte americana entendeu ser a reivindicação de discriminação plausível, ainda que não fosse conclusiva, uma vez que estas palavras ensejam uma forte conotação religiosa. Apurou-se que os vocábulos “sacrifício” e “ritual” têm uma origem religiosa, mas o uso atual também admite significados seculares. Primeiramente, os juízes e tribunais que analisaram o caso entenderam que as normas incidentalmente proibiam o exercício pleno da Santeria. A instância inferior, embora tenha reconhecido que os regulamentos não eram religiosamente neutros, concluiu que o propósito deles não era impedir a atividade da Igreja, mas dar um fim à prática de sacrifício animal. Conforme os argumentos suscitados pela Corte Distrital e corroborados pela decisão proferida pela Corte de Apelação, os regulamentos aprovados tinham por base objetivos nobres, quais sejam, em primeiro lugar o sacrifício animal como um fator de risco significativo à saúde, tanto para os participantes quanto para a coletividade, tendo em vista que os animais sacrificados são freqüentemente mantidos em condições anti-higiênicas e não passam por uma inspeção sanitária para serem abatidos, além da posterior disposição dos restos dos animais em locais públicos. Ademais, o interesse da cidade é proteger os animais da crueldade e da matança desnecessária. O método utilizado no sacrifício de Santeria para matar o animal é, de acordo com as palavras da Corte, “incerto e não humanitário, e 2398 os animais, antes de serem sacrificados, são mantidos freqüentemente em condições que produzem muito medo e lhes causam estresse”17. Ponderando os interesses governamentais e religiosos, a Corte Distrital concluiu “que os interesses governamentais justificam plenamente a proibição absoluta do sacrifício em rituais”. Notou-se ainda que, mesmo que a redação da lei dispusesse sobre uma conduta religiosa específica, a Primeira Emenda não estaria sendo violada quando essa conduta fosse julgada incompatível com a saúde pública e o bem-estar social. Outrossim, ainda uma proposição geral da Suprema Corte que consiste no fato de que uma norma secular e de aplicabilidade geral não pode ser considerada nula caso, incidentalmente, venha a acarretar a supressão de uma determinada atividade religiosa. Por fim, a Suprema Corte americana reconheceu à ilicitude pratica de sacrifício animal, sem o propósito de impedir as atividades de igreja, uma vez que este atua como fator de risco significativo à saúde, assim como pode gerar dano à outrem, no caso, o menor, ao presencial tal ato, preservando assim o interesse da cidade e a relevância em se restringir a matança dos animais. Aliás, de acordo com as críticas da Suprema Corte, se a cidade tem uma real preocupação quanto aos métodos utilizados para sacrificar um animal – classificando alguns como “menos humanitários” do que outros - então o assunto do regulamento deveria ser o próprio método de abatimento tipicamente judaico que tem por finalidade o menor sofrimento possível utilizando técnicas específicas para matar o animal. Cabe ressaltar que segundo o entendimento da Corte, a Emenda não resta violada, uma vez que tal ato é considerado incompatível com a saúde pública e o bem-estar social. Diversas foram os debates acerca da decisão que afastou a blindagem existente no livre exercício de culto, que por diversas vezes acaba se sobrepondo às demais normas, formando um juízo de valores que divide opiniões diante da subjetividade e particularidade do tema. 17 GARRET, Marina Batista. A necessidade de limites à liberdade religiosa. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1107. Acesso em 03/03/15. 2399 A Suprema Corte, em meio a suas considerações, entende que os riscos à saúde resultantes das carcaças de animais são os mesmos se decorrentes de sacrifício animal da Santeria ou de outras matanças não religiosas. Retomando um fundamento de uma decisão anterior, ela dispõe que, para a satisfação dos comandos da Primeira Emenda, uma lei que restrinja a prática religiosa tem que visar a interesses da mais alta ordem e deve ser feita precisamente para a perseguição desses interesses. Quando o Estado legisla de maneira a restringir as práticas religiosas, tem que justificar aquele demonstrando que se trata do meio menos gravoso para alcançar o interesse estatal. Sendo assim, a Primeira Emenda não garante uma blindagem total ao exercício da liberdade religiosa, sempre que esta se colidir com direitos coletivos, a discussão será avaliada e a preponderarão, bem como o equilíbrio devem prevalecer. Não se trata se ofensa à religião, ou intolerância Estatal, a regra deve valer a todo e qualquer ato que modificar e atingir de alguma forma a ordem pública e os direitos coletivos. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Cumpre ressaltar que a religião ocupa um espaço central na vida de muitas pessoas, requerendo, portanto, consideração e respeito, independente da forma como esta se manifesta. Sabe-se que, diversas são as religiões que se diferem em suas crenças e na maneira de se manifestar e difundir a fé. Entretanto, a liberdade individual para o livre exercício de uma religião não pode sobrepor-se ao coletivo. Desse modo, o direito a liberdade religiosa, como todas as demais garantias constitucionais, deve ter certo limite sob o risco de abrigar a pratica de atos ilegais. Observados os princípios e garantias, o livre exercício não deve ser interpretado como norma imutável, pois diante das inovações legislativas, cada vez mais o coletivo tem se adaptado ao individual, preservando, assim, além da garantia às crenças, as garantias fundamentais de saúde e bem-estar. 2400 REFERÊNCIAS BOBBIO, N. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004. P. 25. GARRET, M. B. A necessidade de limites à liberdade religiosa. Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1107>. Acesso em 03/03/15. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em 18/03/2015. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html>. Acesso em 10/03/2015. MARTINS, L. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. P. 354. NABAIS, J. C. N. Por uma liberdade com responsabilidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. P. 85.. NETO, J. W. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. P. 192. 2401 O VINHAIS VELHO E O DIREITO À MORADIA: A EXPERIÊNCIA DO PAJUPPROGRAMA DE ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR NA LUTA POR DIREITOS HUMANOS Anne Karoline de Jesus Aires RESUMO: Dentro de um contexto social marcado pela exclusão e desigualdade social, o Direito, no que tange ensino jurídico não pode se abster de conhecer a realidade social e de considerar debates que vão além dos muros da Universidade. Nesse sentido, este trabalho trata da AJUP- Assessoria Jurídica Universitária Popular, como um instrumento de mudança em contraposição ao ensino jurídico tradicional, relatando a experiência do PAJUP-Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular dentro da comunidade Vinhais Velho e sua luta pelo direito à moradia. PALAVRAS- CHAVE: Direitos Humanos; Vinhais Velho; PAJUP; Ensino Jurídico. 1 INTRODUÇÃO O ensino jurídico muitas vezes mostra-se inerte, permanecendo o estudo do Direito limitado dentro dos muros da Universidade, dentro de um cunho tradicional e positivista. Percebendo isso surge a AJUP- Assessoria Jurídica Universitária Popular como um instrumento que entende o Direito por uma perspectiva não meramente legalista ou que se limita ao âmbito legal e ao ensino jurídico propriamente dito, mas que reconhece a necessidade de práticas que levem ao estudante reconhecer que existe todo um contexto social e toda uma realidade social que precisa ser mudada, além do que percebendo que o ensino jurídico também se dá nas ruas, no movimento estudantil e na luta social. Sendo assim, este trabalho aborda o trabalho do grupo de extensão PAJUP – Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco de São Luís - Maranhão, abordando a metodologia de Paulo Freire que esta AJUP trabalha, a importância da prática de educação popular e de experiências que vão além do ensino jurídico apresentado dentro das salas de aulas. Assim, para tratar especificamente da prática da AJUP, 2402 serão feitas algumas considerações da experiência do PAJUP com a comunidade do Vinhais Velho, que passou por um processo de desapropriação de uma longa luta para a garantia do direito à moradia. Além do mais, é necessário que seja realizado um debate sobre a garantia de Direitos Humanos, sobre os conceitos universalizados desses direitos, demonstrando que a universalização dos Direitos Humanos deixam de considerar e levar em conta a particularidade de cada comunidade, criando conceitos prontos do que são determinados direitos. 2 A PRÁTICA DA ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR NA LUTA POR DIREITOS HUMANOS O ensino jurídico tradicional mostra-se incapaz de trazer soluções eficazes e emancipatórias para a realidade social, pois muitas vezes o ensino fica restrito, sem que tenha uma ligação direta com os conflitos sociais. Nesse contexto, surge a AJUP- Assessoria Jurídica Universitária Popular, como um instrumento de emancipação, de reconhecimento de conflitos sociais, construindo práticas com base na Educação Popular e promovendo debates além do âmbito do ensino tradicional através de grupos de extensão. De acordo com Murilo Oliveira (pág. 46), a assessoria jurídica universitária “compreende uma intervenção não só judiciária, mas também de orientação, organização e ação política-jurídica, pois entende que a esfera jurídica engloba, além da prestação jurisdicional do Estado, todo o processo constitutivo e organizativo dos movimentos sociais”. Assim, a assessoria jurídica tem seu papel inserido dentro de um contexto de um ensino jurídico positiva e não emancipador, a AJUP defende a existência de práticas emancipadoras na luta de Direitos Humanos, de tal forma que os estudantes não fiquem restritos ao âmbito das quatros paredes dos muros da Universidade, mas que reconheça a realidade e os conflitos sociais, para uma aplicação e entendimento do Direito que interaja nas mudanças sociais. De acordo com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 50): Trata-se de uma prática jurídica desenvolvida por estudantes de direito que tem hoje uma capacidade nova de passar da clínica jurídica 2403 individual, a la americana, totalmente despolitizada, para uma forma de assistência e de assessoria jurídica atenta aos conflitos estruturais e de intervenção mais solidária e mais politizada. Essa iniciativa em muito se distancia da assistência jurídica que é normalmente oferecida pelos Núcleos de Prática Jurídica das faculdades de direito brasileiras muito concentrada na preparação técnico-burocrática dos estudantes e orientada para acções individuais (despejo; pensão alimentícia; separação e divórcio etc.). Em sentido oposto, as assessorias jurídicas populares dão importância à ação de defesa de direitos coletivos em associação com movimentos sociais e organização populares. Com o objetivo pela busca de um Direito emancipatório e práticas fora das salas de aula foi criado o PAJUP (PROGRAMA DE ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR) dentro da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, este incialmente foi idealizado a partir de um minicurso realizado pela professora Márcia Cordeiro e conjuntamente com os alunos do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular “Negro Cosme” – NAJUP da Universidade Federal do Maranhão – UFMA a seguinte temática “Extensão Universitária e Educação Jurídica Popular”. O mini-curso em questão foi ofertado como uma das opções da III Jornada Jurídica da UNDB no ano de 2006, no qual foi debatido várias questões como ensino jurídico, educação popular, assessoria jurídica. Assim, tal debate ensejou com que um pequeno grupo de alunos criassem um projeto que inicialmente devia ser aprovado pela Coordenação do Curso de Direito (FERREIRA, 2011). No entanto, a coordenação entendeu que não era o momento para a criação de uma AJUP dentro da Faculdade e sugeriram que o método da assessoria jurídica fosse realizado dentro de um grupo de extensão que já existia, porém estava com suas atividades suspensas, denominado de “Direito na Divinéia”. Por outro lado, tal proposta não foi aceita pelos alunos, já que a vontade destes era de que fosse criada uma assessoria jurídica, um novo grupo de extensão, não seria viável reativar um grupo de extensão que não seguia o método de educação popular da AJUP. Após, várias problemáticas esse pequeno grupo de alunos continuaram a ter contato com a temática da assessoria jurídica, mas a criação do PAJUP se deu de fato no ano de 2008, com orientação do Elton Fogaça, que na época era coordenador de Pesquisa e extensão da instituição (FERREIRA, 2011). 2404 Ao longo desses anos o PAJUP, atuou com várias comunidades através da realização de oficinas e debates sobre Direitos, além de parcerias com instituições como a Defensoria Pública do Estado do Maranhão e SMDHSociedade Maranhense de Direitos Humanos. Atualmente, a assessoria está trabalhando com a comunidade da Eugênio Pereira, que sofre principalmente com a falta da regularização fundiária e o direito à terra, atuando também com a Comunidade da Portelinha, onde predominante é formada por palafitados e a principal demanda inicialmente é no foco da participação popular dos moradores da comunidade e oficinas que ensejem esse engajamento políticos para que estes sejam agentes da luta pelos seus direitos. O grupo também possui um projeto dentro da faculdade intitulado como “Ágora” que tem como principal objetivo debater questões que não discutidas dentro de sala de aula e que estão relacionadas com a realidade social, já foi realizada debates de várias questões, como feminismo, negritude e desmitarilização da polícia. Em relação a comunidade do Vinhais Velho, o PAJUP se envolveu com a demanda através de um grupo de uma rede social, o qual tinha o nome de “Salve o Vinhais Velho”, dentro do grupo existiam vários militantes e grupos relacionados com a defesa de direitos, assim o PAJUP foi convidado a atuar na luta pela permanência dos moradores na comunidade. Ao longo de vários os meses o grupo atuou dentro das reuniões no sentido de acompanhar todo o processo de resistência dos moradores, realizando inclusive manifestação em frente ao Tribunal de Justiça do Maranhão, bem como, construindo um evento de dois dias dentro do Vinhais Velho, o qual foi pensado em ter um acampamento com o fim principalmente de alcançar forças, de demonstrar a insatisfação desses moradores de continuarem no local onde moravam e alertar a sociedade sobre a importância da história do Vinhas Velho e da garantia de uma série de direitos que foram desrespeitados. Nesse sentido, a experiência dentro da comunidade serviu para ampliar a visão sobre o direito de todos os membros dos quais faziam parte do PAJUP, percebendo a importância do ensino jurídico ensejar experiências como essas, 2405 através de metodologias como a de Paulo Freire, para a percepção de que o ensino não é uma bolha fechada, a realidade grita por mudança e só tendo conhecimento desta que poderá muda-la. 3 ENSINO POPULAR E EDUCAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS A Assessoria Jurídica Popular atua no sentido de romper com o ensino jurídico tradicional e dogmático, por meio de uma práxis voltada para a ação e para reconhecimento da realidade social. O AJUP tem como objetivo superar o modelo de educação que predomina nos cursos de Direito, que se mostram distantes da práxis e da luta social, já que o próprio direito se apresenta formado por ideologias e muitas vezes pela predominância do conservadorismo. Neste sentido, é válido abordar sobre a atuação da AJUP, especificamente do PAJUP (Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular), que não e baseado em assistencialismo jurídico, de imposições de soluções, por outro lado, a AJUP que o grupo defende é aquela que defende a educação de Direitos Humanos, de sujeitos que atuem conjuntamente com a comunidade, em uma troca de aprendizagens, dessa forma existe diferença entre o que é denominado por assessoria e assistência jurídica. Apesar da palavra ‘Assessoria’, em sentido comum, ser quase sinônima da palavra ‘Assistência’, foi ela escolhida para simbolizar uma metodologia inovadora de extensão. A escolha busca exprimir um significado político contrário às propostas de índole ‘assistencialista’. A postura política da Assessoria, por surgir no espaço discursivo dos movimentos populares, é uma postura de contestação e não de caridade. Busca a Assessoria desconstruir o método assistencialista, contestar a sociedade da exploração do trabalho e rechaçar a Assistência como solução de problemas sociais. (FURMANN, 2003, p. 30). Com a compreensão da diferença entre a assistência e a assessoria, entende-se que o PAJUP atua justamente como um grupo de extensão de assessoria jurídica, tendo uma reflexão sobre a realidade social e formando sujeitos ativos dentro da mudança desta. Nesse sentido, a educação de Direitos Humanos, as oficinas realizadas pelo grupo são baseadas na educação popular baseada proposta por Paulo Freire, este que entende que “[...] para que a educação não fosse uma forma política de intervenção no mundo era 2406 indispensável que o mundo em que ela se desse não fosse humano.” (2001, p. 125). Assim, a Assessoria Jurídica entende que a educação de Direitos Humanos deve ser transformadora, não conservadora, baseada na práxis, levando em consideração o papel do educar e do educando de proporcionar debates sobre o contexto social e como o direito atua na mudança da realidade social. A educação de Direitos Humanos não deve meramente ser baseada na apresentação da dogmática desses direitos, mas demonstrar através de uma metodologia de educação diferenciada que seja direcionada para a autonomia do indivíduo, no sentido dos sujeitos se emanciparem e despertando sujeitos ativos na luta pela transformação, de acordo com Bittar: […] aprofundar a consciência sobre a importância dos direitos humanos e de sua universalização; provocar a abertura criativa de horizontes para a auto compreensão; incentivar a reinvenção criativa permanente das próprias técnicas; habilitar à criticidade; hillipe Cupertino Salloum e Silva, Breno M. de Mello, Maria Luiza P. de Alencar Mayer Feitosa 10 © PRIMA FACIE, JOÃO PESSOA, V. 12, N. 22, ANO 12, JAN-JUN, 2013, p. 1-13 desenvolver o reconhecimento histórico dos problemas sociais; incentivar o conhecimento multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar sobre a condição humana; habilitar a uma compreensão segundo a qual a conquista de direitos depende da luta pelos direitos; valorizar a sensibilidade em torno do que é humano; aprofundar a conscientização sobre questões de justiça social; recuperar a memória e a consciência de si no tempo e no espaço; habilitar para a ação e para a interação conjunta e coordenada de esforços; desenvolver o indivíduo como um todo, como forma de humanização e de sensibilização; capacitar para o diálogo e a interação social construtiva, plural e democrática. (2010, p. 331). Deste modo, a educação precisa preparar o sujeito para a sua emancipação, de modo que este seja capaz de mudar a sua própria realidade, com a construção de um sujeite que atue enfrentando as opressões. A Assessoria jurídica, em sua atuação tenta superar com o modelo tecnicista dos cursos de Direitos, entendendo que a educação de Direitos, em ênfase a de Direitos Humanos deve estimular a consciência crítica, através da ação dialógica que para Paulo Freire (1974) seria responsável por sujeitos que pratiquem a alteridade e o respeito com o outro. 2407 4 VALOR HISTÓRICO DO VINHAIS VELHO E A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS DA COMUNIDADE O Vinhais Velho é uma das comunidades mais antigas que existe na cidade de São Luís e que a sua história foi desconsiderada pela construção de um projeto de Via Expressa realizado pelo do Estado do Maranhão, com o argumento de que a construção beneficia a todos, que teve como objeto melhorar a mobilidade urbana da cidade. Por outro lado, nenhum processo democrático foi realizado dentro da comunidade do Vinhais Velho, em nenhum momento os moradores foram perguntados sobre o interesse de continuar ou não local onde moravam. Segundo Antônia da Silva Mota Professora Doutora do Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) “a comunidade de Vinhais Velho passou por todos os momentos da história das Américas”. Primeiramente a comunidade de indígenas que estavam ali eram chamados de Eussauap com a expulsão dos franceses em 1615 pelos portugueses o local foi chamado de Uçaguaba, de acordo com o historiador César Marques Na armada de Alexandre de Moura vieram os jesuítas Manuel Gomes e Diogo Nunes. Quando principiaram a estabelecer missões de índios a primeira que fundaram foi a que deram o nome de Uçaguava, onde com os da ilha da capital aldearam os índios que tinham trazido de Pernambuco, e como esta houvesse de ser a norma das mais aldeias, nela estabeleceram todos os costumes que pudessem servir de exemplo aos vizinhos e de edificação aos estranhos [...] foi chamada aldeia da Doutrina, e hoje chama-se Vinhais. (1970, p. 394 e 632). Então, se percebe o valor histórico do Vinhais Velho que desde a colonização feita pelos portugueses eles já estavam presentes e que foram um dos primeiros a serem aldeados. O aldeamento durou mais de um século e o trabalho feito pelos índios servia como mercadoria para a Companhia de Jesus e com o aldeamento as famílias indígenas sofreram grandes mudanças tendo que se adaptar a novos costumes “os aldeamentos desarticulavam as culturas indígenas, ao fixar populações seminômades e alterar radicalmente seu modo de vida”. (VAINFAS, 2000, p. 22 e 327). Em 1759 os jesuítas foram expulsos e os indígenas puderam ficar com as suas terras e livres e em 1757 a aldeia passou a ser chamada de “Vinhais Velho” e nos arquivos do Estado se pode encontrar todos os registros feito nessa época 2408 pela Igreja de São João Batista do Vinhais. A comunidade Vinhas Velho passou por grandes momentos de luta pelos registros que se tem, seja pela exploração feita pelos portugueses ou pelo fato de terem tidos seus costumes mudados por imposição do Estado com o objetivo de “civilizá-los”. Principalmente pela exploração pela terra da comunidade ser bastante fértil, ocorreu a escravidão deles e abusos contra a comunidade, de acordo com Cesár Marques Pela farta documentação depositada nos arquivos, acreditamos que durante todo o século XIX se consolidou o processo de expulsão das populações nativas e ocupação de suas terras pelos fazendeiros. Em poucas décadas fez-se a ruína da Vila de Vinhais, tanto que poucos assistiram à ruína da capela de São João Batista, sendo o pedido de reconstrução feito pelos vereadores da Vila em 1857. (1970, p.632 ). No Vinhais Velho alguns descendentes dos Tupinambás ficaram perto das ruínas mesmo com a destruição da capela. Os jovens com idade adequada para trabalhar buscavam empregos e as famílias do jeito que dava com pesca, frutos e caça. Seu Olegário um dos descendentes mais antigos que até hoje se encontra no Vinhais Velho relata que trabalha em uma fábrica de tecidos e que só vinha em casa a cada quinzena, mas que acompanhou de perto a resistência das pessoas no local. No século XX a comunidade do Vinhais Velho continuou afastada da cidade, mesmo com as grandes construções que estava ocorrendo na cidade, para chegar até a cidade eles utilizavam de canos e de uma estrada que levava o âmbito urbano. Na década de 80 em razão da especulação imobiliária várias construções foram feitas no local mudando as áreas do local e a natureza. Em 2012, foi dado início a construção da Via Expressa, projeto de uma via dentro do contexto urbano, passando por vários bairros, dentre eles o Vinhais Velho, que desapropriou uma série de moradores, que preservavam as suas tradições que foram herdadas de seus ancestrais que tanto lutaram para permanecer no local. A luta inicialmente dos moradores era para a permanência no local, com a resistência do Estado para realizar a desapropriação, os moradores mudaram de posição e começaram a lutar por indenizações de acordo com o valor das casas, já que as indenizações oferecidas pelo Poder Público eram baixíssimas, o que inviabilizaria que essas pessoas pudessem comprar outro imóvel dentro da cidade, levando em consideração a especulação imobiliária e os valores altos 2409 para a compra de imóvel, percebe-se assim o desrespeito e a negação do direito à moradia, bem como do próprio direito à cidade. O direito à moradia não está englobado apenas pelo simples fato de ser ter um teto, tal direito abarca vários outros direitos, inclusive a própria identidade que o sujeito cria com o local que mora, famílias que passaram ali parte de sua vida, como a do seu Olegário o morador mais antigo da comunidade descendente dos índios Tupinambás, dona Vitorinha e Dona Babá Ribeiro. As pessoas mais idosas na faixa de 80 anos nasceram e viveram a sua vida inteira nessa comunidade, assim como os seus ancestrais. 5 A IDEIA DE UNIVERSALISMO E A TENSÃO COM A DIVERSIDADE A ideia de universalismo dos Direitos Humanos é a predominante dentro das Cartas Universais, mas a universalização de conceitos prontos de Direitos implicam em tensões e um rol de problemáticas, pois é difícil esse termo alcançar de fato todas as culturas e as diferenças sociais. O problema está, mais uma vez, na concessão de cidadania igual a todos os grupos de um Estado poliétnico, baseada na universalização da ideia de indivíduo abstrato, sem considerar as especificidades culturais dos grupos envolvidos (LIMA, 2001 pág.62). Principalmente pelo fato dessa ideia de universalismo ser imposta por uma visão eurocêntrica. Quando as Grandes Navegações ocorreram e as sociedades europeias se debateram com outros povos, os primeiros viajantes e teóricos tentaram responder a questão se esses povos eram ou não humanos e os mesmos foram jogados para a natureza, sendo vistos como animais. Após isso com a Revolução Industrial e as catástrofes em que a Europa estava vivendo se teve a ideia do “bom selvagem” e do “mau civilizado”, mesmo assim ainda era uma visão preconceituosa sobre as outras sociedades. Depois disso teve a Teoria Evolucionista que respondeu a questão se esses povos eram ou não humanos, e a conclusão que se teve foi que sim, que todos eram humanos, porém existiam aqueles que estavam em um estágio menor. Para isso eles trabalharam com a unidade do conhecimento do espírito humano, por isso não existe diferença eterna e sem temporária, todos vão chegar ao mesmo nível de estágio, que é a “civilização”. 2410 Nesse sentido, surge um empecilho com essa política do universalismo, que não é suficiente para alcançar a especificidade de todas as sociedades, povo, culturas e comunidades. Essa política de universalismo não reconhece a pluralidade de culturas, não permitindo o reconhecimento de que existem outras culturas e diferenças sociais. A partir disso se pode fazer um paralelo com o surgimento dos Direitos Humanos, que só realmente poderão ser pensados de fato após o nazismo em que os horrores e os genocídios feitos pelos nazistas foram descobertos. Só com isso se houve a ideia de que esses Direitos Humanos deveriam ser respeitados por toda e qualquer sociedade. Segundo Immanuel Wallerstein essa política de universalismo “é sempre apresentada como se refletisse valores e verdades universais” (2007, pág.26). As diferenças culturais não é uma questão apenas de distância como muitos defendem, mas sim de perto, dentro de uma mesma sociedade existem vários tipos de pensamentos, modos e culturas e que muitas vezes são vistas como inferiores por não está de acordo com o que certo grupo pensa. Então, pensar que diferença cultural só é uma questão de distanciamento geográfico é uma falácia. E os Direitos Humanos deveriam prever essas diferenças, seja pela questão local ou pelo distanciamento geográfico, Boaventura de Sousa Santos(1995) é um dos autores que mais faz uma crítica em relação ao papel que esses Direitos Humanos possuem dentro da sociedade, o autor explora como esses direitos que foram criados na modernidade, poderão ser usados de fato como uma forma emancipatória, que reconheça a diversidade presente no mundo, levando sempre em conta a dignidade da pessoa humana. Com isso podemos fazer um paralelo com a situação do Vinhais Velho em que os valores universais de progresso ficam em contraste em relação a desapropriação dos moradores. Onde na qual os Direitos Humanos deveriam alcançar essa comunidade e resguardar os seus direitos, porém a justificativa do Estado foi no sentido de que a construção da Via Expressa visa o “bem- estar de todos”, desconsiderando a história e o próprio entendimento desses moradores sobre o direito à moradia. 2411 Para resguardar esse bem-estar da sociedade vai deixar de lado um patrimônio histórico que é o Vinhais Velho, como se o fato deles quererem ficar na comunidade em que cresceram e construíram suas vidas é uma questão de ir contra ao progresso da cidade e ao crescimento da mesma. Impondo como se fosse algo universal o progresso e a preservação dos Direitos Humanos da maioria e deixa de lado os direitos culturais e o direito da comunidade de ficar onde é o seu lugar de fato. Dando a ideia de que os Direitos Humanos de nove famílias devem ser deixados de lado, por uma questão de maioria e um bemestar de grande parte da sociedade. A partir dessa questão de universalismo ficam as questões para serem respondidas: Onde é que os Direitos Humanos da comunidade do Vinhais Velho fica? Como esses Direitos Humanos serão resguardados? Para o Estado com uma indenização seria a forma de resguardar esses direitos e deixa de lado que dentro desses Direitos Humanos estão presentes o direito à liberdade, à propriedade, à dignidade e assim por diante. Com a desapropriação das terras com certeza esses direitos não serão resguardados, a resistência da comunidade inicialmente não foi pela indenização, mas sim pela permanência de sua moradia. De acordo com Esteva (2001, pág. 47) “os Direitos Humanos não são senão a outra face do Estado-Nação”, e que, na era da globalização, “os direitos humanos universais têm começado a parecer um novo Cavalo de Tróia para a recolonização”. É o que está acontecendo no Vinhais Velho que pelo fato de não terem concordado com a desapropriação foram vistos como os não “civilizados”, os que possuem resistência com “progresso”. O ideal é que essa tensão entre o universal e o particular pode ser solucionada através da alteridade, que existe um lugar no mundo do outro e que ninguém pode interferir. Para é necessário, a perspectiva de multiculturalismo, o rompimento de conceitos prontos e impostos sobre Direitos Humanos. Os moradores do Vinhais Velho possuíam seu conceito daquilo que eles acreditavam como direito à moradia de qualidade, que não foi considerada na decisão da construção da Via Expressa, simplesmente considerando o bemestar da maioria. Nesse sentido, a ideia de uma política cultural e de Direitos 2412 Humanos contra majoritário Roberto Kant afirma que “a política cultural representa um importante meio encontrado pelas minorias socioculturais para resinificar o que é cidadania e democracia.” (2001 pág. 63). O fato de essas comunidades terem seus direitos respeitados são questões que vão além do que se pode pensar. É uma questão também de considerar a participação política nas cidades, de decisões dentro da cidades que levem em conta os moradores, garantindo o próprio direito à cidade. O papel que os Direitos Humanos devem exercer sobre o mundo e as sociedades é muito importante e que pode servir como uma visão emancipatória e de mudança sobre como eles são respeitados e resguardados por cada sociedade. Para que essa aplicação desses direitos possam ser apropriados de forma que reconheça a diversidade existente, seja na no mundo ou dentro das próprias sociedades. Só assim se poderá ter de fato Direitos Humanos Universais, que alcance a todos, mas sempre levando em conta as diferenças e a dignidade da pessoa humana. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A AJUP possui um papel relevante dentro da prática do ensino jurídico, pois questiona o modelo de ensino jurídico tradicional, que fica preso ao contexto das salas de aula, a universidade, sem re(conhecer) a realidade social e o contexto social. Tendo em vista, que Direito regula e muitas vezes é o instrumento para a manutenção do status quo. Nesse sentido, a experiência do PAJUP serviu para uma ampliação de mundo, na percepção de que não basta ficar restrito ao mundo positivado pelo Direito, que o ensino jurídico, inclusive o dos Direitos Humanos, se dá nas ruas, nos movimentos sociais, no engajamento da luta política. O entendimento e a educação em Direitos Humanos é rompida com o ensino tradicional deste pela a atuação da Assessoria Jurídica, pois rompe com as perspectivas que desconsideram a realidade social, o multiculturalismo e o embasamento conservador do Direito. 2413 Assim, na educação de Direitos Humanos deve-se considerar a atuação do ser como um sujeito político, que não apenas reflete sobre a realidade social, mas que atua como um sujeito ativo de mudanças e experiências em comunidades, em movimentos sócias, na luta por direitos, é a forma revolucionária de educação de Direitos Humanos, formando assim todo o ciclo da práxis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITTAR, E. C. B. Educação e metodologia para os direitos humanos: cultura democrática, autonomia e ensino jurídico in SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. et al. (orgs.). Educação em Direitos Humanos: fundamentos teóricometodológicos. [S.l.: s.n.], p. 313-334, [20-]. D’ABBEVILLE, C.. 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Monografia (Graduação em Direito)Coordenação de Graduação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003. LAPLANTINE, F.. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1998. SANTOS, B. de S.. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2003. Introdução. 2414 LIMA, R. K. de; NOVAES, Regina Reyes (Orgs.). Antropologia e Direitos Humanos. Niteroi: EdUFF, 2001. WALLESTEINS, I.. O universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo,2007. MARQUES, C. A.. Dicionário histórico e geográfico da Província do Maranhão. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, l970. SILVA FILHO, O. P. da S.. Arquitetura Luso-brasileira no Maranhão. 2ª ed. Belo Hor izonte: Formato, 1998 PORTUGAL. ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Manuscritos avulsos 2415 A ATUAÇÃO POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO: UMA BUSCA POR LIMITES COMO FORMA DE GARANTIA DE UMA DEMOCRACIA DELIBERATIVA SEGUNDO A TEORIA DE CASS SUNSTEIN Paulo Enderson Oliveira Teixeira RESUMO: Este trabalho tem por objetivo limitar a atuação política por parte do poder judiciário, para empreitada faz uso da teoria do Minimalismo Judicial de Cass Sunstein. A democracia deliberativa preza por decisões legitimadas tomadas em meio a uma esfera pública racional e ativa, afastando o judiciário da agenda política. Entretanto, os preceitos constitucionais que elencamos direitos fundamentais dos indivíduos possuem uma textura aberta. Nas democracias ocidentais contemporâneas marcadas pela pluralidade de valores os juízes encontram-se em dificuldades severas para chegar a decisões em virtude dos profundos conflitos no seio da sociedade. Diante dessa realidade, o judiciário ao se posicionar nas questões mais profundas e discutidas na sociedade corre o risco de obstruir os processos políticos democráticos. Dessa forma, é necessário limitar a atuação judicial em uma sociedade plural resguardada por um ideal democrático deliberativo como forma dos valores mais fundamentais de uma sociedade serem decididos por instancias mais democráticas do que o judiciário. Diante dessa realidade, A teoria minimalista de Sunstein se apresenta como uma proposta interessante capaz de oferecer alternativas para o problema apresentado. Isso, pois, o minimalismo através de uma postura judicial mais modesta baseado em decisões estreitas e superficiais, deixa em aberto as questões mais fundamentais sobre principio, favorecendo a deliberação pública. PALAVRAS-CHAVE: Minimalismo Judicial; Democracia; Pluralismo; Cass Sunstein. 1 INTRODUÇÃO Nos últimos anos uma das questões que mais se tem discutido no campo da teoria e filosofia constitucional diz respeito à defesa, justificação, ou ao limite do papel político ativo dos tribunais na vida política dos indivíduos que compõe a sociedade. 2416 Inúmeros fatores contribuíram para uma expansão do poder judicial, culminando em alterações da compreensão do constitucionalismo, da teoria política, teoria constitucional e da teoria do Estado tradicional. A utilização de instrumentos jurídicos para discutir conflitos políticos da sociedade se trata de um fenômeno global, sendo possível de verificar em tradições muito diferentes como o Commom Law e o Civil Law, nos quais a atuação do juiz e sua legitimidade se encontram de formas acentuadamente diferentes. Os juízes passaram cada vez mais a serem chamados a se posicionarem e resolverem conflitos em um número de setores da vida social cada vez mais extenso. Este é o contexto da proeminência do juiz em questões políticas e onde, também, se insere o ativismo judicial e a judicialização da política, este ultimo exige do judiciário um maior protagonismo na solução dos conflitos, particularmente em questões de direito que no passado não eram demandadas, para implementação do judiciário. Neste contexto poder-se-ia indagar se o judiciário não estaria perdendo sua identidade, pois cada vez mais se exige de um juiz o posicionamento em questões políticas, assim, o poder judiciário se vê obrigado a discutir questões que, em regra, deveriam ser discutidas na esfera política. O procedimento na esfera política democrático-deliberativa é marcado pela diversidade, e busca de solução para divergência fundamentais da sociedade. Ainda, é marcado por um principio da maioria, salvaguardando os direitos individuais e de participação no discurso, limitado por orçamentos que guiam as políticas públicas. Quando o judiciário se posiciona politicamente em tais questões sua intervenção é no mínimo atípica, e merecem limitação as decisões e de serem objetos de análise. 2 HÁ UMA CRISE NA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA Na França, no ano de 1996, o jurista e antropólogo Antoine Garapon lança a obra “Le gardien des promesses”. Nessa obra o autor afirma a 2417 existência de uma crise valorativa e simbólica nas sociedades contemporâneas, diante dessa crise, a idéia de justiça- tida como o judiciárioseria um ícone resistente no universo simbólico dos homens. A idéia de um símbolo é tão cara, pois propicia a estabilidade social em um mundo que enfrenta o colapso e o enfraquecimento de referências. É neste contexto que: O sujeito, privado das referências que lhe dão uma identidade e que estruturam sua personalidade, procura no contato com a justiça uma muralha contra o desabamento interior. Em face da decomposição do político, é então ao juiz que se recorre para a salvação. Os juízes são os últimos a preencher uma função de autoridade – clerical, quase que parental – abandonada pelos antigos titulares. (GARAPON, 1999, p. 27). No contexto de tal crise, é levado ao judiciário um volume e diversidade cada vez maior de demandas, “nada mais pode escapar ao controle do juiz, as ultimas décadas viram o contencioso explodir e as jurisdições crescerem e se multiplicarem, diversificando e afirmando, cada dia um pouco mais, sua autoridade”. (GARAPON, 1999, p. 24) Uma vez que aluíram os baluartes políticos, simbólicos, psíquicos e normativos a justiça é elevada à condição de instância simbólica central e de última instância da moral (GARAPON, 1999, p. 141). Ricoeur reafirma tal posição: “A demanda da justiça vem do desamparo da política, o direito tornando-se a última moral comum em uma sociedade que não mais a possui.” (RICOUER. In GARAPON,1999,p.15). Neste cenário a jurisdição: Converte-se no último disciplinador de uma sociedade em vias de desintegração, a política eleitoral de sociedades decepcionadas com suas instituições tradicionais, o único centro possível de uma sociedade policêntrica, a última instância moral no momento em que a religião desaparece no horizonte democrático, o último palco de uma sociedade sem projetos. (GARAPON, 1999, p. 173-174). E a figura do juiz, em um grupo com falta total de vínculos, é “convocado como ministro de orientação, numa sociedade desorientada”. (GARAPON, 1999, p. 137). Garapon acredita que o aumento da judicialização decorre da transformação da sociedade que para lidar com o pluralismo e complexidade das sociedades democráticas recorre cada vez mais ao judiciário para evitar sua derrocada e reafirmar a proposta democrática. Assim a legitimidade da atuação do judiciário na política adviria da expectativa da sociedade sobre o 2418 próprio conceito de democracia. No contexto proposto, deixam de existir questões exclusivamente políticas. O juiz não seria um garantidor do status quo, e sim um agente contestador da ordem social, um guardião das promessas (GARAPON,1999,). O Judiciário ao ocupar um papel central é conduzido para o centro do palco das questões políticas. Isto é decorrente da deterioração dos espaços republicanos tradicionais de deliberação. Em razão das debilidades dos Poderes Executivo e Legislativo, o Judiciário entra em cena, provocando uma transformação na democracia. Nas palavras do autor: O sucesso da justiça é inversamente proporcional ao descrédito que afeta as instituições políticas clássicas, causado pela crise de desinteresse e pela perda do espírito público. A posição de um terceiro imparcial compensa o “déficit democrático” de uma decisão política agora voltada para a gestão e fornece à sociedade a referência simbólica que a representação nacional lhe oferece cada vez menos. (GARAPON, 1999, p. 48). Ora, em tal sociedade retratada parece que se torna mais acessível o debate público nos tribunais do que no parlamento, este que possui um déficit de representação. Resultando ainda mais em uma substituição da representação política clássica pela busca crescente por mecanismos judiciais. Assim parece que a invasão do proeminência do judiciário: só poderá ser compreendida se relacionada a um movimento profundo, do qual ele é apenas uma das manifestações. Não se trata de uma transferência de soberania para o juiz, mas, sobretudo de uma transformação da democracia. A grande popularidade dos juízes está diretamente ligada ao fato de que foram confrontados com uma nova expectativa política, da qual se sagraram como heróis, e que encarnaram uma nova maneira de conceber a democracia. (GARAPON, 1999, p. 39). John Ralws (2000), em seu livro O Liberalismo Político, afirma que em uma sociedade moderna é comum a existência de um pluralismo de idéias políticas, religiosas, filosóficas e morais que são incompatíveis entre si. Apesar de incompatíveis, essas ideias são razoáveis, uma vez que concebidas pela razão pratica. Nas democracias contemporâneas o judiciário vem se tornando o ultimo reduto político-moral para se solucionar estes desacordos. O cidadão deposita no judiciário sua esperança para resolver demandas, ao invés de recorrer a seus representantes tradicionais - legislativo e executivo. É nesse contexto que 2419 se expande o papel dos atores judiciais nas praticas sociais. Pode-se citar alguns autores que compartilham da idéia apresentada como: Vianna Lopes com seu conceito de “Invasão do Direito” (2005) e Ingeborg Maus (2002) com o “Judiciário como superego da sociedade órfã” Ora, o judiciário vem se tornando o ultimo reduto político-moral da sociedade através da transformação social da democracia que culmina em participação política cada vez mais freqüente por parte deste, alguns autores atribuem o nome de judicialização a esse fenômeno. 2.1 O aumento das estruturas judicantes nas democracias Nos primórdios da história independente dos Estados Unidos da América já é possível falar de judicialização (TATE; VALLINDER ,1995 p. 17). A obra "O Federalista" (Federalist Papers), publicada em 1788, apresenta uma série de 85 artigos argumentando para a ratificação da Constituição dos Estados Unidos. Nestes textos se destaca a importância da adoção do federalismo para o chamado sistema de freios e contrapesos, bem como revela a influência das idéias de Montesquieu de separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Hoje a separação das funções do Estado já não é absoluta, no entanto há muitos que criticam a judicialização e que defendem o afastamento do judiciário das questões políticas para, segundo eles, garantir a vontade da maioria, e assim, da democracia. É possível constatar com Alexander Hamilton (HAMI LT ON; MADISON; JA Y,1973. p. 162-172), um dos autores de “O Federalista ”, um posicionamento cético diante de um governo que se baseia na regra majoritária. Bem como se pode notar, no mesmo autor, um interesse pelo papel constitucional dos tribunais, em contraposição ao interesse das maiorias ocasionais. Hamilton lança as bases para sustentação do controle pelo poder Judiciário dos atos legislativos e administrativos que culmina, em 1803. Com a suprema corte Americana declarando pela primeira inconstitucional, no caso emblemático Marbury vs. Madson. vez uma lei 2420 Ora, a revisão judicial da constitucionalidade das leis é uma característica elementar do sistema político americano, consolidada no século XIX. De sua consolidação até o século XX, se viu o tribunal aumentar ainda mais seu poder. Inicialmente tratando de questões de ordem federativa e posteriormente se dedicando à proteção das liberdades cíveis. (KOOPMANS, 2003. p. 41). A expansão do poder judiciário na democracia americana e a influência dos juízes na vida política norte-americana foram constatadas pelo pensador político e historiador Alexis de Tocqueville (2002) já no século XIX. Demonstrando tal peculiaridade o autor conclui: O juiz americano assemelha-se perfeitamente a magistrados das outras nações. Entretanto, revestem-se de imenso poder político. De onde isso provém? Move-se nos mesmos círculos e servem-se dos mesmos meios que os outros juízes. Por que possui poderes que os outros não têm? A causa reside num só fato: os americanos reconheceram nos juízes o direito de fundamentar seus veredictos na Constituição mais do que nas leis. Em outras palavras, permitiramlhes não aplicar as leis que lhe pareçam inconstitucionais. Sei que direito similar foi, algumas vezes, reivindicado pelos tribunais de outros países; mas nunca lhes foi concedido. Na América é reconhecido por todos os poderes; não se encontra partido nem indivíduo que o conteste. (TOCQUEVILLE, 2002. p.205-206). Cientistas políticos dos Estados Unidos da América, na metade do século XX, estudavam os tribunais, em especial as cortes constitucionais, como politicamente ativas. Cita-se, com destaque, Robert Dahl (1957) que defendia a Suprema Corte norte-americana como uma criadora de políticas nacionais, podendo gerar uma tensão com a democracia. O aparente paradoxo entre constitucionalismo e democracia é um dos problemas centrais das obras de Frank Michelman (1999, p. 01), o autor destaca: A democracia aparece como auto-governo do povo - as pessoas de um país decidindo por si mesmas os conteúdos decisivos e fundamentais das normas que organizam e regulam a sua comunidade política. O constitucionalismo aparece como a contenção da tomada de decisão popular através de uma norma fundamental, a constituição - law of lawmaking, projetada para controlar até onde as normas podem ser feitas, por quem e através de quais procedimentos. É parte essencial da noção de 2421 constitucionalismo que a norma fundamental deva ser intocável pela política majoritária ( que ela deve limitar). Vê-se que conciliar democracia e constitucionalismo é uma tarefa tão complexa. A democracia significa o povo decidindo as questões politicamente relevantes da sua comunidade, isso inclui os conteúdos da constituição de um país, isto é, as normas que organizam as instituições do governo e estabelecem limites aos respectivos poderes governamentais. Por sua vez, o constitucionalismo significa impor limites à soberania popular, então alguns conteúdos da Constituição devem permanecer fora do alcance da decisão majoritária ou das deliberações democráticas. A democracia constitucional se depara com esta delicada questão. Um dos vários meios de se conciliar a democracia e o constitucionalismo é apresentado por Michelman, (1987-1988), para o autor a jurisdição constitucional como espaço de mediação típica distancia do republicanismo clássico, que se baseava em valores sociais majoritários, assim o autor defende que caberia aos juízes a inclusão dos excluídos, conferindo uma participação política ao poder judiciário para implementar os direitos dessas pessoas. Mauro Cappelletti atribui o grande segredo do sucesso do sistema constitucional norte-americano ao controle recíproco dos poderes, através da coexistência de um Legislativo forte, com um Executivo forte e um Judiciário forte, o que tornaria possível um sistema de contrapeso e controle mútuo. Para o autor italiano, seguir o ideal clássico da estrita separação dos poderes traria como “[...]conseqüência um Judiciário perigosamente débil e confinado, em essência, aos conflitos privados” (CAPPELLETTI, 1993, p.53). Um sistema de checks and balances, com o crescimento do Judiciário é o ingrediente necessário ao equilíbrio dos três poderes. Além disso, dissertando sobre o aumento das estruturas judiciais nas democracias, Cappelletti (1993) afirma que o gigantismo estatal, do poder legislativo, do poder administrativo e da burocrácia do Wellfare Estate fez com que as funções e a responsabilidade dos juízes aumentassem, principalmente 2422 na forma de controle judiciário da legitimidade constitucional das leis, constitui um aspecto dessa nova responsabilidade. Assim, o Judiciário se depara com duas alternativas: a) permanecer fiel à concepção tradicional do século XVIII, dos limites da função jurisdicional; b) elevar-se ao nível dos outros poderes, tornar-se o terceiro gigante, capaz de controlar o legislador e o administrador. (CAPPELLETTI, 1993, p.39). O judiciário então emerge como um “terceiro gigante”, assumindo funções que ultrapassam a de simples guardião e contrapeso aos outros poderes. A teoria da tripartição dos poderes clássica foi iniciada por John Locke (2004) ao atribuir ao poder Legislativo à responsabilidade de criar a lei, ao executivo de executar a lei, e ao poder Federativo a responsabilidade de firmar ligar e alianças. Posteriormente, Montesquieu (2004) amplia essa idéia e passa a denominar os poderes como Legislativo, Executivo e Judicial, que exercem um sistema de pesos e contrapesos harmônicos entre si. Além de exercer sua função típica cada poder, para manter a harmonia, exercia de forma atípica a função dos demais, no entanto, em situações específicas e predeterminadas. A obra “A expansão Global do poder Judicial” produzida coletivamente por C. Neil Tate e Torbjörn Vallinder (1995) se tornou um clássico e uma referência para o estudo do aumento das estruturas judicantes e sua legitimidade democrática quando da atuação na política, a este fenômeno convencionou-se chamar judicialização da política. Neste trabalho os autores identificam algumas condições que consideram que facilitavam a expansão do poder judicial em vários países, são elas: 1. Um sistema político democrático; 2. A existência de um ordenamento institucional fundado na separação de Poderes; 3. A existência de uma Carta de direitos (constituição); 4.O recurso ao Judiciário por grupos de interesse; 5.O Recurso ao Judiciário pela oposição; 6. A Inefetividade das instituições majoritárias em impedir o envolvimento de instituições judiciais em certas disputas políticas; 7. Percepções negativas acerca das instituições majoritárias e legitimação de instituições judiciais; 8. Algum grau de delegação de poderes de decisão das instituições majoritárias em favor de instituições judiciais. (TATE, 1995, p. 28-33, tradução nossa). Para Tate e Vallinder (1995) escândalos envolvendo os representantes democraticamente eleitos abalaram a confiança do povo nos seus representantes. Como resultado a população depositou suas esperanças no 2423 judiciário. E posteriormente o povo o consagrou como um paladino contra os abusos praticados nas tradicionais arenas de deliberação política. Frente a um Executivo ineficiente para gerir sua burocracia, e um Legislativo fisiológico e demagogo (CAMPILONGO, 1994, p.20), as esperanças e anseios da população foram depositados no judiciário. No Brasil, a década de 90 foi marcada pela relevância dada ao estudo do papel político do poder Judiciário. Observando a realidade do Brasil, Eduardo Meira Zauli elenca outros fatores que estimularam a atividade do poder judiciário em questões políticas: 1. Em primeiro lugar a promulgação de uma Constituição cujo caráter principiológico e programático, acompanhado de uma nova hermenêutica que confere normatividade aos valores e princípios constitucionais, permitiu um processo de constitucionalização do direito, no sentido da irradiação dos princípios e valores constitucionais por todo o sistema jurídico; abrindo espaço para uma releitura do direito infraconstitucional e das decisões dos Poderes Legislativo e Executivo à luz da Constituição (BARROSO, 2009), interpretada “[...] em torno de enunciados abertos, indeterminados e plurissignificativos – as fórmulas lapidares que integram a parte dogmática das constituições” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p.58). 2. A ampliação do elenco de intérpretes da Constituição por meio da abertura do sistema de controle de constitucionalidade a um leque mais amplo de atores legitimados para propor ações de constitucionalidade; 3. As novas garantias de independência do Poder Judiciário e do Ministério Público; 4. Os novos mecanismos de acesso ao Poder Judiciário. Para além das condições mencionadas observa-se no Brasil também certo descompasso entre os valores e orientações predominantes no âmbito das instituições majoritárias, por um lado, e os valores e orientações predominantes no âmbito das instituições judiciais, por outro lado. Assim, de uma combinação de ativismo judicial e choque de valores entre aqueles dois tipos de instituição a resultante tem sido o fenômeno da judicialização da política. (ZAULI, 2010, p. 3-4). Percebe-se que, principalmente, a crescente constitucionalização do direito fruto do constitucionalismo moderno, bem como a jurisdição constitucional no exercício do controle de constitucionalidade, expandiu a atuação do judiciário na política, o que se convencionou chamar de judicialização. Enfim, vários trabalhos apontam o aumento mundial das estruturas judicantes no cotidiano das democracias, o que resulta em uma crescente utilização dos tribunais e, frequente ingresso em questões políticas. A judicialização é considerada por alguns como uma anomalia do equilíbrio entre 2424 os poderes, uma deturpação da democracia. Assim, se faz necessário um maior estudo sobre seu conceito e sua origem. 3 OS ACORDOS NÃO TOTALMENTE TEORIZADOS O pluralismo, marca das democracias modernas em sua complexidade, sugere um aparente paradoxo: como, em um sistema político pautado em ideais de deliberação e de autogoverno, pode ser possível o constitucionalismo, se os cidadãos em sua heterogeneidade frequentemente discordam sobre as questões mais cruciais para a sociedade? Nas sociedades contemporâneas (heterogêneas) a existência das mais diversas culturas, os valores, posições morais e políticas parecem ameaçar a ordem constitucional e estabilidade social. Os indivíduos discordam sobre questões de direito, de liberdade, de igualdade, e sobre como seria uma boa vida, estas e muitas outras questões se transformam em um verdadeiro obstáculo para os juízes e o processo de tomada de suas decisões. Diante desse grave problema, Cass Sunstein (2001; 2007) sugere que os acordos não totalmente teorizados colaboram para a elucidação sobre como membros de diversos grupos chegam a um respeito mútuo sobre o justo e o devido, dessa forma, possibilitando a existência do direito constitucional e da própria constituição, mesmo em países cujos povos discordem sobre as questões mais fundamentais que forma muma determinada sociedade. Sunstein sugere que há dois tipos de acordos não totalmente teorizados, em uma sociedade marcada por desavenças cruciais: o primeiro tipo se refere aos acordos não totalmente teorizados sobre formulações abstratas, tal como a liberdade de expressão e a igualdade perante a lei (SUNSTEIN, 2007); acordos desse tipo são fundamentais para o processo de elaboração constitucional. O segundo tipo se refere aos acordos não totalmente teorizados sobre questões concretas, práticas individuais; tal tipo de acordos é importante para a lei, constituição, e para a vida em sociedade. Sunstein (2001; 2007) acredita ser difícil que pessoas, ou grupo, teorizem completamente sobre determinada questão. Teorizar um assunto significa aceitar uma teoria geral e as conclusões 2425 concretas implicadas pela mesma; para o autor, é raro isso acontecer, no entanto, ele defende que acordos não totalmente teorizados poderiam ser uma alternativa viável à estabilidade social e jurídica, na medida em que: As pessoas muitas vezes podem concordar com as práticas constitucionais, e até com os direitos constitucionais ainda que não concordem com as teorias constitucionais por trás destes. Em outras palavras quando funcionam bem as normas constitucionais tentam resolver problemas através de acordos não totalmente teorizados. (SUNSTEIN, 2007. p. 1). Por teoria geral, entende-se valorar o direito com um alto nível de abstração e decidir os casos observando-se os fundamentos estabelecidos pela teoria. O tipo de acordo aqui estudado estabelece que, ao se envolverem abstrações aceitas em meio a grandes desentendimentos em casos particulares, as pessoas podem aceitar um princípio geral sem necessariamente aceitar todas as implicações do mesmo em casos concretos. Dessa forma, é possível, a título de exemplo, que as mesmas pessoas que não cheguem a um acordo sobre um discurso de incentivo à violência, podem aceitar um principio geral de liberdade de expressão: mesmo não concordando com o relacionamento homossexual, podem aceitar um princípio abstrato de não discriminação (SUNSTEIN, 2007). Para Sunstein (2007) a constituição só é concebível por meio desse tipo de acordo não totalmente teorizado. A constituição tanto protegeria os princípios mais abstratos e muitas vezes como seria dúbia sobre a exata implicação dos princípios; a determinação do significado desses princípios é interpretativa e tomada com base em um caso concreto. Assim sendo, o processo de produção constitucional se tornaria viável em decorrência dos acordos não totalmente teorizados, pois os mesmos evitam grandes conflitos na edição das leis. Entretanto, algumas vezes, os acordos não totalmente teorizados envolvem resultados concretos ao invés de abstrações; em casos difíceis, as pessoas podem concordar com a constitucionalidade, ou não, de certa prática, ainda que as teorias que fundamentam os seus diversos posicionamentos sejam divergentes, ajudando a dar um sentido à lei. Uma discussão sobre o que seria mais importante, a igualdade ou a liberdade, seria um exemplo desse tipo de acordo. Sunstein (2007) acredita que, em discussões difíceis sobre abstrações, uma descida conceitual reduziria o nível 2426 de abstração e possibilitaria às partes envolvidas chegarem a um senso Comum a descida conceitual: Demanda silêncio sobre certas questões básicas, como um dispositivo para a produção de convergência apesar do desacordo, da incerteza, dos limites de tempo, de capacidade, e de heterogeneidade. Em suma, o silêncio pode ser uma força construtiva. Os acordos parcialmente teorizados são uma importante fonte para sucesso do constitucionalismo e para estabilidade social, pois eles também fornecem uma maneira para que as pessoas demonstrem respeito mútuo. (SUNSTEIN, 2007. p. 02). Como exemplo, pode-se pensar no seguinte contexto: é possível que em certa sociedade as pessoas acreditem que se deva proteger a liberdade religiosa, mas tendo diversas teorias sobre o fundamento disso; pode ser que alguns acreditem nisso enquanto fato de paz social, já outros podem pensar que a liberdade religiosa se fundamenta na dignidade da pessoa humana, também há quem possa se valer do modelo utilitário ou do kantiano, ou de tantos outros para justificarem seu julgamento. Contudo, é possível que as regras e os princípios de um nível médio de abstração sofram esse tipo de acordo não totalmente teorizado, havendo, pois, uma teoria geral por trás do mesmo. Novamente retomando Sunstein (2007), tem-se que é possível que as pessoas concordem com um resultado, mesmo não existindo uma teoria ampla para justificar os seus fundamentos: é possível concordar com a noção de expansão de um corpo quando aquecido sem ser sabido o porquê disso acontecer, por exemplo. A moralidade e o direito procedem da mesma forma: julgamentos morais razoáveis podem ser atingidos, mesmo que as pessoas não consigam explicálos completamente, tal como ocorre com aqueles que condenam a escravidão não sabendo explicar o motivo (SUNSTEIN, 2007). Juízes podem acreditar que um governo que pune a livre manifestação religiosa age de forma ilegal, sem, no entanto, saberem exatamente e em sua completude a razão desse princípio valer como lei. Diante dessa realidade, Sunstein formula uma regra: “Podemos, assim, oferecer um ponto epistemológico: as pessoas podem saber que X é 2427 verdadeiro, sem saber por que inteiramente X é verdadeiro” (SUNSTEIN, 2007.p.04). Esse fato o autor denomina de acordos não totalmente teorizados sobre resultados concretos. Os acordos não totalmente teorizados sobre questões concretas não implicam que no direito não seja possível a fundamentação por teorias profundas. O importante é demonstrar que, quando os indivíduos discordam sobre uma teoria geral, os acordos não totalmente teorizados são possíveis após uma descida conceitual capaz de promover uma convergência em questões particulares; aqui se apresenta o fenômeno do uso construtivo do silencio, implicando em dizer que o silêncio pode ser utilizado como um mecanismo de produção de conformação social, apesar de todas as vicissitudes. O silêncio sobre pontos de vistas diversos possibilita a atuação de acordos não totalmente teorizados, na medida em que desacordos em larga escala são resolvidos. Em uma sociedade democrática heterogênea, marcada por uma pluralidade de concepção de valores, é vital para o direito encontrar métodos por meio dos quais seja tanto possível obter acordos quando necessário como torná-los desnecessários quando os mesmos forem de difícil alcance (SUNSTEIN, 2007). As normas constitucionais muitas das vezes são capazes de resolver de forma satisfatória o conflito apresentado: muitas vezes indivíduos concordam com regras constitucionais ditas sem concordar em diversas outras coisas, sendo que são os julgamentos individuais que atribuem significado e qualidade a tais regras (SUNSTEIN, 2007). Pode-se afirmar que os acordos não totalmente teorizados tenham particular relevância em uma sociedade heterogenia pautada em uma democracia deliberativa, pois são instrumentos capazes de gerar estabilidade social, amenizando as divergências fundamentais na sociedade e, assim, possibilitam a consolidação de uma constituição; permitem a convivência em uma sociedade plural, por promoverem a reciprocidade e o respeito mútuo na medida em que as regras e os princípios de baixo nível tornam desnecessário resolver as divergências fundamentais entre os indivíduos. 2428 Os acordos não totalmente teorizados são capazes de reduzir o custo político de desacordos que se mostram persistentes, pois esses acordos visam a rejeitar teorias gerais, logo, possibilita aos perdedores em casos concretos continuarem a acreditar em seus valores e em sua teoria geral – até mesmo possibilitam que, em outro caso concreto, seus valores e sua teoria geral justifiquem uma vitória. Por fim, (IV) tais acordos são importantes para a evolução moral e para a progressão da sociedade e dos indivíduos ao longo do tempo. 4 MINIMALISMOS JUDICIAL, DEMOCRACIA DELIBERATIVA E LIMITES À ATUAÇÃO POLÍTICA DO JUDICIÁRIO De modo geral e com grande frequência, as pessoas são orientadas por suas próprias crenças e convicções, ou muitas das vezes pelas crenças e convicções de outrem, ao estabelecer como deveriam se comportar, qual deveria ser o julgamento sobre determinado assunto, fatos, valores, políticas, questões jurídicas e etc, como demonstram os experimentos de Ash e Stoner. Especificamente os juízes se encontram entre as pessoas que mais sofrem pressões sociais, podendo ter seu julgamento influenciado, seja por conformismo, por cascatas sociais ou pela polarização de grupos; uma vez que ideologias contribuem ao julgamento, esse está sujeito ao risco de ser injusto (SUNSTEIN, 2005). Uma forma de combater o problema apontado se baseia na ampliação do número de argumentos e na diversidade dos mesmos na esfera pública (SUNSTEIN, 2005); porém, dentro do poder Judiciário é limitada tanto a entrada de informações como a diversidade, o que torna problemática a questão tratada, isso, pois, justamente a maior entrada de informação e a maior diversidade da mesma que tornaria mais provável uma lei ser mais adequadamente interpretada (SUNSTEIN, 1998): quando apoiada por pessoas divergentes, é mais provável que uma decisão seja adequada e não política, no sentido pejorativo (SUNSTEIN, 2005). 2429 Diante do problema apresentado, os juízes deveriam agir de forma menos ambiciosa e com maior cautela, principalmente em questões difíceis, para as quais a melhor interpretação acerca de uma lei é algo controverso. Isso implicaria aos juízes o reconhecimento de sua limitação e também o reconhecimento da própria limitação da natureza do poder Judiciário; o próprio ideal de uma democracia deliberativa limitaria a atuação política dos juízes em prol de um minimalismo judicial apoiado, sobretudo, em acordos não totalmente teorizados. 4.1 O minimalismo judicial de cass sunstein O minimalismo judicial é adotado por muitos juízes que, em teoria, não possuem a pretensão de dizer e fazer mais do que o necessário à resolução de casos concretos. Os juízes minimalistas justificam suas decisões dizendo somente o necessário à resolução do caso, isso deixa em aberto as questões mais fundamentais e que envolvem as maiores controversas na sociedade. Existem diferentes formas de minimalismo, mas todos compartilham de uma preferência por passos menos ambiciosos, em detrimento àqueles mais ambiciosos, favorecendo os acordos não totalmente teorizados orientados às teorias gerais, quando da justificação de suas decisões. Tal preferência opera em duas dimensões (SUNSTEIN, 2005). A primeira dimensão: minimalistas favorecem decisões estreitas, em vez de decisões mais largas. Decisões estreitas não se aventuram muito além do problema em mãos e tentam focar as particularidades do litígio pendente no tribunal, e, além disso, não procuram estabelecer parâmetros e regras amplas e gerais para possíveis casos futuros. Ao se depararem com uma escolha entre decisões estreitas ou amplas, minimalistas geralmente optam pelas primeiras, sendo lembrado que a diferença entre a estreiteza e a largura é a de grau, e não a de tipo (SUNSTEIN, 2005): Entre as alternativas razoaveis, minimalistas mostram uma preferência persistente para as opções mais estreitas, especialmente em casos nas fronteiras do direito constitucional. Nesses casos, minimalistas acreditar que os juízes não dispõem de 2430 informações relevantes, pois eles não têm um sentido pleno das muitas situações em que possam aplicar uma regra ampla. Por esta razão, minimalistas temem os efeitos potencialmente prejudiciais de decisões que vão muito além do caso em questão. (SUNSTEIN, 2006. p. 362). O grande temor dos minimalistas se baseia no fato de decisões de caráter mais largas tenderem a produzir erros que são, ao mesmo tempo, graves e de difícil reversão. Por isso, pode-se pensar que estreiteza é natureza especialmente desejável, por evitarem “colocar grilhões em questões futuras por pronunciamentos desnecessários hoje” (SUNSTEIN, 2006. p. 362). Os Juízes minimalistas defendem que a não interferência em questões políticas por parte do Judiciário e a preferência por questões estreitas reduz o risco que decisões politicas equivocadas imponham limites indesejáveis sobre os processos democráticos. Em muitos domínios, as pessoas sensatas dão pequenos passos, a fim de preservarem suas opçoes, conscientes de que grandes passos podem ter consequências inesperadas ou ruins, especialmente quando de difícil reversão. No Direito, decisões amplas podem produzir resultados a serem arrependidos pelos juízes: Ao contrário de legisladores e administradores, os juízes muitas vezes não veem uma ampla gama de informações em questões particulares. A falta de informações sobre uma série de situações faz com que os juízes se encontrem muitas vezes em uma posição ruim para produzirdecisões amplas (SUNSTEIN, 2006. p. 364). A segunda dimensão pela qual opera a preferência pelo minimalismo é a seguinte: minimalistas buscam decisões que são superficiais, portanto, não profundas. Decisões superficiais tentam produzir justificativas e resultados com os quais diversas pessoas podem concordar, não obstante o seu desacordo ou a sua incerteza sobre as questões que possam ser mais fundamentais, ou seja: tentam evitar discutir o alcance e o significado dos princípios mais fundamentais e controversos na sociedade, (SUNSTEIN, 2006. p. 362). Minimalistas buscam julgamentos e decisões que podem atrair apoio compartilhado de pessoas que estão comprometidas com um ou outro destes entendimentos fundamentais, ou que não tem certeza sobre os fundamentos do princípio da liberdade de expressão. A preferência minimalista para 2431 superficialidade pode ser aceita por aqueles que estão inclinados a uma ou outra consideração fundamental, mas acreditam que o melhor é a lei constitucional poder atrair o apoio de diversas pontos de vista. (SUNSTEIN, 2006. p. 362). Ao se deparar com desacordos teóricos de difícil resolução, os juízes minimalistas, ao julgar, adotam uma regressão conceitual na esperança de serem convergidas as desavenças, quando da diminuição do grau de teorização. A diferença entre estreiteza e superficialidade é que a primeira diz respeito à amplitude da decisão enquanto a segunda diz respeito ao nível de ambição teórica (SUNSTEIN, 2006). A preferência minimalista pela superficialidade também está embasada em três considerações: as decisões superficiais, assim como as estreitas, simplificam os encargos da decisão – essa a primeira consideração. Pode ser extremamente difícil decidir sobre o que fundamenta um Direito Constitucional, as decisões superficiais tornam tais decisões desnecessárias (SUNSTEIN, 2006). A segunda consideração é esta: as decisões superficiais podem evitar erros, assim como as estreitas; um julgamento em favor de uma ou de outra consideração fundamental pode muito bem produzir erros significativos, e, ao se adotar a superficialidade, é menor a propensão aos erros, simplesmente em virtude de seu “agnosticismo sobre as grandes questões do dia” (SUNSTEIN, 2006. p. 65), questões mais fundamentais e amplas. E isso, pois, possibilita a convergência de posicionamentos diferentes, reduzindo o conflito entre os mesmos. (SUNSTEIN, 2006). Já terceira e última consideração que embasa a preferência minimalista pela superficialidade é esta: as decisões superficiais tendem a promover a paz social ao mesmo tempo que mostram um alto grau de respeito aos que discordam sobre grandes questões; em uma sociedade heterogênea, é geralmente útil assegurar aos cidadãos, na medida do possível, que seus próprios compromissos mais profundos não foram descartados fora dos limites da decisão do caso concreto. Ao realizar essa tarefa, decisões superficiais 2432 reduzem a intensidade dos conflitos, e aqueles que buscam a superficialidade demonstram respeito com compromissos fundamentais. Certamente estreiteza e superficialidade possuem um lado perigoso: agir de forma estreita pode reproduzir imprevisibilidade e tratamento desigual, talvez –por tanta incerteza nas decisões, pode parecer violar o Estado de Direito (SUNSTEIN, 2006). Em muitos contextos, as regras são preferíveis aos princípios, a fim de se aumentar a clareza, de modo se instruir melhor as pessoas sobre seus direitos e suas obrigações. A título de exemplificação, nas áreas de contrato, pensados ato ilícito e direito de propriedade, estreiteza seria inaceitável, pois as pessoas exigem clareza nesses domínios; e, se as regras de propriedade e contrato não são claras, as pessoas não serão capazes de conduzir os seus assuntos com a certeza do que essas áreas demandam. Assim, na medida em que minimalistas primam pela estreiteza, ficam mais vulneráveis, por essa teoria deixar abertura no sistema. A superficialidade, por sua vez, mesmo tendo certamente suas virtudes, apresenta certas questões merecedoras de reflexão. Se uma teoria profunda é correta, no sentido de ela refletir a abordagem adequada para a disposição constitucional, talvez juízes devessem adotá-la. Assim, por que eles deveriam se recusar a apoiar tal teoria adequada e adotar o minimalismo? A decisão superficial apresentada sob esse enfoque parece um grande erro, se uma abordagem mais ambiciosa, embora controversa, está realmente correta (SUNSTEIN, 2006). Certamente esse é um contraponto razoável à superficialidade. Entretanto, a escolha pelo minimalismo judicial se baseia no fato de essa teoria ser capaz de propiciar segurança, estabilidade e convivência harmônica aos indivíduos de uma democracia deliberativa marcada pelo pluralismo. Isso se opera mediante os acordos não totalmente teorizados capazes de produzir julgamentos superficiais e estreitos que permitem a pessoas de valores fundamentais diferentes concordarem sobre certas questões não abdicando de seus ideais e também favorecendo maior estabilidade política. Nessa faceta do minimalismo, a corte se reconhece como promotora dos ideais democráticos deliberativos, ou seja, favorece a discussão e o debate na 2433 esfera pública. Em suma, o minimalismo procedimental sugere que os juízes evitem fundamentar as decisões com teorias abstratas tomadas como corretas. A abordagem minimalista reduz a sobrecarga sobre a tomada de decisão em se tratando de tempo e de informação, pois o esforço para alcançar acordos profundos não seria necessário. E, ao deixar questões em aberto reduz os riscos de consequências não previstas pelos julgadores. Já a face substancial do minimalismo se faz necessária por ser ela a responsável por fixar um consenso relativo aos valores constitucionais garantidos, independentemente de discussão ou de decisão por parte de uma maioria. Ou seja, em uma sociedade, os direitos constitucionais seriam as garantias firmadas que não poderiam ser ignoradas e nem combatidas pela maioria política; nesse rol de direitos e compromissos partilhados está o direito ao voto, ao dissenso político, à proteção contra prisão injusta, à liberdade religiosa, ao direito à propriedade e à não subordinação por questão de sexo ou raça, dentre outras que se encontram em constante processo de transformação (SUNSTEIN, 2001). Cass Sunstein, em seu minimalismo judicial, acredita que em um sistema democrático-deliberativo deve-se garantir, por meio de processos representativos, que sejam levadas em consideração novas ideias, havendo abertura ao reconhecimento de mudanças de interesse presentes em uma sociedade. Assim sendo, a resposta para o minimalismo consiste em acordos não totalmente teorizados como forma desejável, mediante a qual os tribunais deveriam se comportar; para essa teoria, os juízes deveriam se identificar como participantes de um sistema baseado em deliberação democrática, e, principalmente, reconhecerem que “decisões de cunho fundamental são melhor elaboradas de forma democrática, e não de forma judicial” (SUNSTEIN, 1998, p. 8. Caberia então ao Judiciário primar pela garantia de um processo democrático. O minimalismo possibilitaria, envolvendo a adoção dos acordos não totalmente teorizados, uma argumentação legal capaz de estabelecer coesão em uma sociedade marcada pelo pluralismo e por profundas 2434 divergências quanto os valores mais fundamentais, bem como ocorreria uma abertura do processo político, para que esse fosse adaptável ao passo que se transforma a sociedade. Com a ocorrência do processo exposto, as questões legais estariam sempre se adaptando de acordo com as novas perspectivas e ideais de uma sociedade em permanente mudança; logo, os juízes, para os minimalistas, não teriam, em regra, que se posicionar politicamente em controversas de maior repercussão social. Vê-se, então, que o minimalismo, ao adotar decisões estreitas e superficiais mediante acordos não completamente teorizados, permite uma maior celeridade à decisão, pois o julgador não possui a ambição de construir teorias gerais que se apliquem a casos futuros, limitando-se ao caso em questão. Ademais, mediante uma ampla gama de princípios constitucionais, com os quais as demandas se relacionam, a escassez de tempo constrói terreno fértil para decisões equivocadas; o minimalismo propiciaria justamente uma tomada de decisão consideravelmente mais célere e menos sujeita a equívocos, sendo as decisões estreitas e superficiais. Ainda, pela adoção do minimalismo, é possível que o julgador adote um posicionamento sem refutar pontos de vista divergentes dentro da própria corte, daí resultando a convivência e o mútuo respeito entre os membros, evitando-se que os membros de um tribunal discordem e encontrem divergências profundas sobre questões fundamentais . Por fim, o minimalismo reduz o custo político das decisões, na medida em que prima por uma atuação menos ambiciosa do Judiciário, o qual limita suas decisões a fim de julgar apenas os casos concretos, sem a ambição de um alcance geral – favorece-se assim a discussão sobre as questões e as decisões políticas primordialmente em esferas públicas, que são capazes de concentrar uma maior variedade de argumentos e uma maior diversidade dos mesmos. Dessa forma, decisões menos equivocadas são tomadas, pois, via de regra, o Judiciário teria sido amplamente estudado como passível de ser influenciado pelo processo de conformismo, pela polarização de grupos e pelas cascatas sociais, processos que podem interferir na posição individual e na 2435 deliberação dos indivíduos. Cabe lembrar que os juízes também estão sujeitos a todas essas influências e pressões sociais (SUNSTEIN, 2005). O Judiciário ao tentar encontrar uma melhor interpretação de determinada lei pode, pelos fatos supra apresentados, chegar a julgamentos equivocados e que não se identifiquem com a convicção da maioria dos membros da sociedade. Mediante o exposto, uma postura proeminente politicamente e posturas ativistas judicialmente impedem o debate público e enfraquecem diretamente o ideal mais caro à democracia: o autogoverno. O minimalismo judicial, frisa-se, por meio dos acordos não totalmente teorizados, torna possível a promoção dos valores mais desejados em uma sociedade democrática plural, não comprometendo o processo de deliberação continua na esfera pública e com menor chance de o Judiciário chegar a decisões equivocadas – sendo os erros que por ventura os juízes minimalistas cometeriam menos graves à sociedade em virtude do seu custo político (SUNSTEIN, 2001). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de uma revisão de literatura sobre o fenômeno de expansão política do poder judiciário foi possível identificar como o poder judiciário, em especial no Brasil, tem sido utilizado como palco de disputas políticas sobre as questões mais fundamentais e profundas na sociedade, envolvendo grande comoção social. Pode-se concluir como o judiciário, conforme alguns autores demonstram, parece que se tornou o ultimo reduto político moral da sociedade, e a participação política, cada vez mais frequente, deste poder gerou uma aparente contradição com o ideal clássico de democracia, e uma anomalia para a teoria da separação dos poderes. Foi estudado as origens da judicialização da política, concluiu-se que tal fenômeno não é recente, a maioria dos estudos sugere que o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, influência diretamente o 2436 surgimento atuação política do judiciário, vale ressaltar que Tocqueville, já em já verificou a interferência política por parte do judiciário norte-americano. Na segunda parte do trabalho, buscou-se apresentar a teoria minimalista de Cass Sunstein e as bases que fundam a mesma, tomando como base uma democracia deliberativa. Abordou-se como nas sociedades contemporâneas o pluralismo é uma marca profunda. Nestas sociedades a pluralidade de visões morais, jurídicas e de valores, implica em grandes desacordos ao deliberar sobre uma questão. Isso configura um serio problema para um sistema democrático-deliberativo pois, a deliberação deve responder a desacordos políticos e garantir instituições que primem pela decisão racional e razoável no debate público. Então é necessário promover uma esfera pública ampla e participativa, o minimalismo judicial ao reduzir o papel ativo do poder judiciário e possibilitar a convivência mutua frente à pluralidade de concepções se torna uma alternativa viável nas sociedades atuais. Ainda, o atual trabalho aborda a temática dos acordos não totalmente teorizados, estes se tornam importantes instrumentos para auxiliar os juízes em suas decisões, visto que não é concebível aos juízes buscar reflexões filosóficas profundas baseadas em uma teoria geral, a possibilidade das pessoas convergirem apesar de não concordarem com um princípio abstrato é indispensável ao direito em uma sociedade plural. Em uma teorização profunda raramente as pessoas são capazes de chegar a um acordo sobre determinado assunto, bem como, dificilmente concordam com a teoria geral e com as implicações destas que vinculem outros julgamentos em outros casos concretos. Os acordos não totalmente teorizados são capazes de fornecer decisões capazes de conciliar a pluralidade de argumentos de diversos grupos e respeito mútuo entre eles e, ainda, gerar estabilidade social, tornando possível a constituição. Tais acordos possibilitam que os juízes possam resolver os casos de forma modesta e menos ambiciosa sem que seja necessário recorrer a grandes teorias filosóficas, ou refutar convicções individuais profundas. O uso 2437 construtivo do silêncio é uma importante ferramenta capaz de reduzir os custos políticos das decisões. Finalmente, o ultimo capítulo trata sobre o minimalismo judicial e sobre a limitação do poder político por parte do judiciário. Deve-se levar em consideração que os tribunais nas democracias modernas possuem limitações de tempo e de informação por parte dos juízes. Ainda, os tribunais não conseguem antever todos os efeitos que suas decisões geram. Diante dessas limitações o minimalismo judicial, tanto em seu aspecto procedimental quanto substancial, sustentado sob a idéia dos acordos não totalmente teorizados, sugere uma atuação estreita e superficial por parte dos juízes. A estreiteza e a superficialidade deixam em aberto as decisões mais polemicas e controvertidas da sociedade, ao agir de tal forma, favorecem o debate público e atribuem as escolhas políticas ao fórum político, favorecendo a democracia. Ao buscar responder apenas ao caso em questão e de forma menos ambiciosa, os juízes minimalistas decidem casos concretos sem obstruir o processo político democrático e sem ignorar um núcleo de direitos fundamentais que são garantidos. REFERÊNCIAS ARANTES, R. Judiciário: entre Justiça e política. In: AVELAR, L.; CINTRA, A. O. (orgs). Sistema político brasileiro: uma introdução. Rio de Janeiro: KonradAdenauer-Stiftung; São Paulo, Ed. Unesp, 2004. BARROSO, L. R. Judicialização, Ativismo e Legitimidade Democrática. Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008dez22/judicializacao_ativismo_legitimidade_d emocratica?> (Acesso em 05/03/2013). CAMPILONGO, C. F. O Judiciário e a democracia no Brasil. Revista USP. 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Esse empreendimento fundase, sob o ponto de vista epistemológico, na teoria política agonística, preconizada por Chantal Mouffe, bem como na teoria do discurso elaborada por Ernesto Laclau. Enquanto a autora convida a pensar o “político”, isto é, aquilo que está ou é a própria essência das próprias relações políticas contemporâneas, o autor irá fornecer inúmeras chaves teóricas para compreensão da “política”, assim compreendida a prática discursiva, articulatória e definidora (em última instância) dos sentidos (e conteúdos) das demandas sociais. Os exercícios teóricos propostos por ambos os autores podem contribuir para a verificação dessa hipótese que sugere ser possível correlacionar à crise do modelo democrático brasileiro ao fenômeno de expansão do direito penal. PALAVRAS-CHAVE: Crise democrática; expansão do direito penal; democracia agonística. 1 INTRODUÇÃO A noção de democracia liberal funciona, hoje, no debate político contemporâneo, como uma espécie de registro retórico auto-afirmativo. Tratase, com efeito, de um (talvez o único) significante político que desfruta de um valor positivo dado e reconhecido aprioristicamente (quase acriticamente). Reflexo direto dessa perspectiva é o consenso mais ou menos estabelecido em torno da seguinte proposição: a democracia é, em sua dimensão representativa e através das suas instituições, a única forma legítima de governo na atualidade. Mas se é verdade que a democracia - enquanto regime de governo – representa, em alguma medida, o mais alto ponto da história das idéias políticas 18 Graduado em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter; Especialista em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); atualmente, integra o Programa de Mestrado do Programa de Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Email: [email protected]. 2442 (v.g. o ápice do processo de desenvolvimento das organizações políticas contemporâneas), não menos verdadeiro é o fato de que seu o real significado têm sido sistematicamente questionado, quer pelos que “ousam desafiar abertamente [no plano teórico] o modelo liberal-democrático”, quer pelos “sinais de forte desapreço pelas atuais instituições” (MOUFFE, 2005, p. 11). Nesse contexto, torna-se possível dizer que paira no ar certo ceticismo em relação às potencialidades dos modelos democráticos contemporâneos no que tange ao aprimoramento da “política” e descoberta do “político”19. Assim, em face das novíssimas crises políticas que irrompem, diariamente, no seio da sociedade brasileira, convém indagar: seria o modelo político deliberativo baseado no consenso a melhor alternativa ao modelo representativo? Quais seriam os ganhos e as perdas que acompanhariam essa decisão? O que representaria a noção de consenso, pedra angular do descortinar de novas perspectivas político-teóricas, no plano da política criminal brasileira. Pois, são estes os questionamentos que pautarão a análise proposta neste ensaio. 2 A NOÇÃO DE CONSENSO E A DEMOCRACIA DELIBERATIVA COMO O ESTADO IDÍLICO DA POLÍTICA MODERNA Na teoria política contemporânea desponta, em número de adeptos, o modelo da democracia deliberativa. Grosso modo, o aludido modelo político que buscar contrapor-se ao modelo representativo de feição agregativa - baseiase na idéia central de que as “decisões políticas devem ser alcançadas por meio de um processo de deliberação entre cidadãos livres e iguais” (MOUFFE, 2005, p. 11). 19 Segundo Chantal Mouffe, tão importante quanto à função desempenhada por estes conceitos no atual cenário da teoria política é definição dos seus limites semânticos, vez que cada termo representa dimensões distintas do fenômeno “político”. Neste sentido, a autora refere que “por “político” refiro-me à dimensão do antagonismo inerente às relações humanas, um antagonismo que pode tomar muitas formas e emergir em diferentes tipos de relações sociais. A “política”, por outro lado, indica o conjunto de práticas, discursos, e instituições que procuram estabelecer uma certa ordem e organizar a coexistência humana em condições que são sempre conflituais porque são sempre afetadas pela dimensão do “político”. (MOUFFE, 2005, p. 20) 2443 Em decorrência da assunção dessa premissa, segue-se que a identificação da “forma de deliberação” e, por via de consequencia, a reflexão sobre os “sujeitos considerados aptos a deliberar”, constituem-se como os problemas centrais da moderna teoria política. As primeiras respostas apresentadas a tais questionamentos surgem com os trabalhos de Joseph Schumpeter (1947), através dos quais era defendida a necessidade de se compreender a democracia sob um viés instrumental (v.g. elitista), isto é, como um sistema de decisões nos quais as pessoas em geral gozariam de uma liberdade fundamental: a de eleger, periodicamente, novos líderes no âmbito de um processo eleitoral de feição competitiva (SCHUMPETER, 1961, p. 56). O modelo agregativo, proposto inicialmente por Schumpeter e refinado posteriormente por Anthony Downs, (DOWNS, 1999, 82) indicava que era preciso abandonar completamente das noções de bem comum e vontade geral (v.g. elementos constitutivos de uma “ilusão” democrática consensual), uma vez que ambas representavam traços característicos de uma racionalidade intangível, e por isso mesmo irrealizável, notadamente sob o viés empírico. Segundo os autores “a participação popular [v.g. fundamentada, pois, nos dois ideais aludidos anteriormente] na tomada de decisões deveria ser desencorajada, porquanto poderia ter apenas consequencias nocivas para o bom funcionamento do sistema [político]” (MOUFFE, 2005, p.12). Neste contexto, a principal preocupação demonstrada pelos autores foi, senão, a idealização de um sistema político que operasse a partir de uma elite política, constituída por ideólogos capazes de captar o afeto político das massas e refiná-los, subtraindo dos mesmos eventuais excessos, de modo a torná-los mais compatíveis com uma distinta racionalidade política, baseada como dito não mais na realização de um bem comum ou de uma vontade geral, mas sim na consecução aparentemente, dos os interesses únicos revelados agentes pelos políticos líderes autorizados democraticamente, isto é, em nome dos interesses das massas. partidários, a falar 2444 Acreditava-se, destarte, que a intensificação da participação popular nos processos deliberativos, implicaria na afetação da estabilidade e, quiçá, a própria subversão da ordem pressuposta pela democracia liberal. A tal abordagem, contudo, se contrapôs o modelo político deliberativo proposto por John Rawls. De acordo com o filósofo e sua Theory of Justice, a perspectiva agregacionista defendida por Shumpeter e Downs, revelava-se inadequada na medida em que descuidava da importância que encerra o “fato do pluralismo [político]”. Segundo o autor, a manutenção da ordem democrática perpassaria, fundamentalmente, pela retomada da significação moral da modelo democrático liberal, ou seja, pela consideração de que os interesses individuais, multifacetados por excelência, não poderiam ter a sua complexidade reduzida à simples categorias políticas de análise e verificação de interesses, preferências e padrões comportamentais (RALWS, 1971, p. 65). Nesse sentido, a tradição deliberativa fundada, sobretudo, no pensamento de Rawls, afirma ser possível “alcançar um consenso mais profundo que o mero acordo de procedimentos”, um consenso qualificado pelo autor como “moral”, pelo qual os membros de uma sociedade bem-ordenada aceitariam, de antemão (isto é, a partir do estabelecimento de uma “posição original”), um determinado conjunto de princípios de justiça, concebidos de forma altruística por agentes imparciais que deveriam determinar, a priori, o “bem comum” e as normas gerais de organização e funcionamento das instituições básicas da sociedade (RAWLS, 1971. pp. 489-93). Ao lado de John Rawls na defesa pelo modelo deliberativo de feição liberal, surge a figura de Jürgen Habermas. Mundialmente conhecido pela sua teoria do agir comunicativo, o filósofo sugere, ao tratar de uma teoria procedimental de democracia em seu Between Facts and Norms (1996), que o primado da teoria democrática deveria ser a demonstração da relação de cooriginalidade existente entre os direitos individuais fundamentais e a soberania popular, o que permitiria, em última análise, afirmar o modelo deliberativo como sendo a chave para a unificação dos marcos teóricos liberais agragacionistas e comunitaristas. 2445 Em Between Facts and Norms, o autor propõe demonstrar que no lugar das tensões tradicionalmente estabelecidas entre as noções de autonomia pública (v.g. perspectiva democrática) e autonomia privada (v.g. perspectiva liberal), soberania popular e direitos humanos e, finalmente, legalidade e legitimidade, figuraria, paradoxalmente, uma identidade umbilical, uma interdependência fundamental, e não necessariamente uma contraposição, tal como acreditam os teóricos políticos do nosso tempo (HABERMAS, 1999, p. 127). Essa postura compositiva, segundo Habermas, permitiria, a um só tempo, revelar a verdadeira essência da política (v.g. construção de um consenso político baseado numa ética discursiva), bem como a utilidade prática do gesto conciliatório como fundamento e instrumento de superação das aporias que, segundo o seu entendimento, têm marcado e divido a teoria política. Diferentemente de Rawls, Habermas não procura estabelecer, “a priori”, os limites do campo da deliberação política; com efeito, a sua principal preocupação reside basicamente na forma de dizer a democracia, mais precisamente, no estabelecimento uma série de predicados argumentativos que deveriam balizar a construção da noção de legitimidade dos discursos políticos em disputa. Feita essa brevíssima, porém indispensável digressão torna-se possível arrematar, em conjunto com Chantal Mouffe, que ambos os autores “acreditam que se pode encontrar o conteúdo idealizado da racionalidade prática nas [próprias] instituições da democracia liberal” (MOUFFE, 2005, p. 13); neste sentido, a solução para as atuais crises dos modelos democráticos perpassaria pelo cultivo de uma nova racionalidade que fosse capaz de colmatar a divergência existente entre os vários interesses em disputa no campo social, a fim de conformá-los segundo um marco regulatório fundado em modelos ideais de articulação político-institucional e argumentação. 2446 3 O RACIONALISMO DELIBERATIVO E A ABNEGAÇÃO DA PLURALIDADE DE VALORES E DOS AFETOS POLÍTICOS Como dito anteriormente, tanto Rawls como Habermas apontam para a possibilidade de se realizar, através da formatação de certos consensos, procedimentos mais adequados de deliberação, formas de acordo que atenderiam, com suficiência, tanto aos direitos de feição liberal, como ao princípio da soberania popular. Conforme sustenta Chantal Mouffe, “tal movimento reformula o princípio democrático da soberania popular, de modo a eliminar os perigos que tal princípio pode representar para os valores liberais” (MOUFFE, 2005, p.13). Tal estratégia não se fez, contudo, sem procurar atender a um propósito bastante específico. Acreditando ser possível redefinir os sentidos (algo que subversivos) da “soberania popular” e do “pluralismo político”, os democratas deliberativos, a partir de Rawls e Habermas, passaram a assegurar, desde o plano teórico, a existência de um elo estável e indissociável entre a democracia e os ideais do liberalismo político, não obstante os vários paradoxos que resultam dessa união (MOUFFE, 2000, p. 41). Nessa linha compreensiva, argumenta Mouffe: “Rawls e Habermas querem fundamentar a adesão à democracia liberal com um tipo de acordo racional que fecharia as portas para a possibilidade de contestação [do liberalismo democrático]” (MOUFFE, 2005, p. 16). Dito de outro modo: não haveria democracia plena e possível fora dos limites da racionalidade consensual e institucional proposta pelo modelo deliberativo. Não obstante a importância do empreendimento teórico deliberativo, Chantal Mouffe aponta, com razão, para aquilo que seria, numa dimensão compartilhada, a maior fragilidade dos modelos sustentados por John Ralws e Jürgen Habermas, qual seja, o hercúleo esforço protagonizado pelos autores em torno da construção de uma solução final para dois dos principais paradoxos suscitados pelo modelo democrático: (I) a impossibilidade da uma convivência plena e harmônica entre os princípios da liberdade individual (v.g. liberdade dos antigos) e igualdade (v.g. liberdade dos modernos), cujos significados, em perene construção, encontram-se, desde o princípio, naturalmente tensionados entre si, e; 2447 (II) a incapacidade do sistema democrático em absorver, através das suas instituições seculares, o crescente descontentamento popular em relação à forma como se operam os processos de deliberação política na contemporaneidade (PINTO, 2004, p. 22) À tais pretensões, Mouffe apõe as seguintes objeções: (I) (II) é ilusória a pretensão racionalista em torno da conciliação dos ideais de igualdade e liberdade; embora representem valores antagônicos, é de fundamental importância, para a preservação da própria democracia, que estes valores estejam presentes, ainda que em dinâmica de disputa/conflito, no campo social, e; o modelo deliberativo, centrado na idéia consenso, representa um devir eminentemente antipolítico, na medida em que estaria predestinado à recusa da potencialidade política que se encerra na noção de diferença, que decorre, inexoravelmente, da ideia do pluralismo de valores. Como um adendo à interessante análise realizada por Chantal Mouffe, seria preciso notar, aqui, que à semelhança de Downs e Schumpeter, Ralws e Habarmas sustentam - cada qual à sua maneira - um modelo político igualmente elitizado, que, apesar de estabelecer, de antemão, um amplo espaço para participação e discussão dos rumos da vida política, só poderia, na realidade, ser operado por alguns, na medida em que, em ambos os casos são estabelecidos, como pontos de partida, comandos ideais e (híper)racionais de atuação e conformação discursiva, numa pressuposição de que seria possível ter controle absoluto em relação aos processos de formação das identidades políticas. Dito de outro modo: permanece presente na literatura política de ambos os autores, de forma pujante, o problema da representação (v.g. não supressão) dos interesses antagônicos e a incapacidade de consideração da relevância que encerram as paixões e os afetos políticos dos indivíduos em relação à garantia da sua fidelidade aos valores democráticos em disputa na esfera pública de debate20. 4 O SIGNIFICANTE VAZIO E A INFINITA DISPUTA PELA CAPACIDADE DE DETERMINAÇÃO POLÍTICA DA REALIDADE JURÍDICA: 20 Talvez seja este o principal ponto a ser ressaltado do novo modelo político-teórico proposto por Chantal Mouffe: “Ao privilegiar a racionalidade, tanto a perspectiva deliberativa como a agregativa deixam de lado um elemento central, que é o papel crucial desempenhado por paixões e afetos na garantia da fidelidade a valores democráticos. Isso não pode ser ignorado, do que decorre avaliar a questão da cidadania democrática de modo bem diferente” (Mouffe, 2005, p. 17). 2448 Nessa tarefa que pretende denunciar a ambição universalista ínsita à proposta consensual, cremos seja conveniente aportar a presente discussão algumas reflexões acerca de um dos mais relevantes contributos teóricos legados pela obra de Ernesto Laclau, a noção de significante vazio. Com efeito, a compreensão deste verdadeiro epifenômeno semântico/político permitirá obter - conforme acreditamos - uma compreensão mais precisa acerca dos contornos deste novo caminho político apontado por Chantal Mouffe. Em conjunto com Chantal Mouffe, Ernesto Laclau, dando novos contornos à noção de hegemonia em Gramsci, estabeleceu que a realidade social, enquanto objetividade, não é dada a priori, mas construída discursivamente21. Essa interpretação, inovadora em muitos aspectos, permitiu, posteriormente, a elaboração de novas concepções acerca dos processos de criação de identidades políticas. Nesse sentido, Laclau costumava alertar: se a realidade social enquanto tal é construída através da articulação (discursiva) das demandas que emergem no âmbito da tessitura social, o mesmo certamente ocorre com a democracia (LACLAU, 2013, p. 238). Tal argumento - convém ressaltar - é bastante profícuo em relação aos propósitos deste trabalho, pelo que haveremos de pormenorizá-lo. Comecemos, pois, destacando a seguinte assertiva: apesar de desfrutar de uma expressão conceitual mais ou menos estabelecida (LIJPHART, 1999, p. 337), a democracia, enquanto fenômeno político, só adquire um sentido concreto quando analisada no interior dos processos discursivos que visam significá-la (LACLAU, 2013, p. 232). Talvez seja possível emprestar alguma concretude ao raciocínio através da problematização de três processos de significação em curso no âmbito do (complexo) contexto político-criminal contemporâneo. Primeiramente, as formas de intervenção estatal em relação à questão criminal22 constituem, por excelência, como campo aberto de discussão e 21 A propósito do tema, ver: Céli Regina Jardim Pinto - A Democracia como significante vazio: a propósito das teses de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. In Sociologias. Porto Alegre. Vol. 1, n. 2 (jul./dez. 1999), p. 68-99 22 Com relação ao conceito, merece destaque o fato de que o utilizamos dentro da precisa noção fornecida por Eugênio Raúl Zaffaroni, quando refere que a expressão “questão criminal” remete 2449 significação, onde a capacidade de definição dos significantes presentes encontra-se sempre indeterminada, sempre em disputa: (I) (II) ora se destacam neste debate demandas cujo espoco é a configuração de um modelo estatal de corte minimalista, orientado, basicamente, por princípios jurídicos que privilegiam a manutenção da liberdade em detrimento da sua privação; ora verificam-se exaltadas outras demandas cujo teor, na antípoda, reclama justamente a implementação de um modelo penal máximo, pelo qual o recrudescimento das sanções penais em geral e a criminalização de novas condutas emergem como práticas sociais orgânicas e funcionais. O mesmo “antagonismo” identificado na base dessa luta pela capacidade de significação do “Estado” se verifica presente no estabelecimento dos limites semânticos relativos aos significantes que sustentam, num viés ontológico, a própria democracia liberal: a igualdade e a liberdade. O ideal liberal da igualdade (universal) dos indivíduos, calcado fundamentalmente na noção de império da lei, constitui postulado há muito superado pelo pensamento criminológico crítico23, que logrou demonstrar, com absoluta suficiência, a falácia que encerra a ideia quando operacionalizada a partir da realidade capitalista periférica (KARAM, 2012, p. 99). Já a noção que envolve o conceito de liberdade, do mesmo modo, se alinha, na atualidade, a um viés que aponta para a realização material como valor supremo da existência humana; dito de outro modo: a liberdade do homem moderno, hoje, se confunde com a própria noção de liberdade para o consumo (BAUMAN, 2008, p. 20). Não por acaso, as agências integrantes do sistema de justiça criminal, ainda hoje, miram suas ações, preferencialmente, em direção aos autores de crimes praticados em detrimento do patrimônio24, considerados estes, nesse contexto, o principal interdito erigido em prejuízo do gozo materialista. ao conjunto de práticas e discursos através dos quais o Estado e suas instituições lidam com o desvio penalmente relevante (Zaffaroni, 1988, p. 19) 23 Vertente da sociologia do direito que tem por objeto o estudo dos discursos e das práticas institucionais levadas a efeito pelo Estado na tarefa de assujeitamento dos homens e mulheres encarcerados. 24 Sobre o percentual de presos brasileiros conforme a natureza do delito cometido, ver dados consolidados pelo Departamento publicados pelo Ministério da Justiça: http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B622166AD2E896%7D&Team=¶ms=itemID=%7BD82B764A-E854-4DC2-A018450D0D1009C7%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D. Acessado em: 11/04/2015. 2450 A facilidade em torno do deslocamento retórico (LACLAU, 2013, p. 120) do sentido habitualmente outorgado as expressões: “Estado”, “liberdade” e “igualdade”, expressa, a um só tempo, a contingencialidade dos seus significados e a sua absoluta falta de literalidade. Em qualquer dos casos, fica evidente o erro (ou quiçá a impossibilidade, simplesmente) atinente à pretensão dos democratas consensuais de fechar a amplitude do processo de significação engendrado por cada um dos aludidos termos. Este argumento corrobora aquele outro referido anteriormente, pelo qual afirmamos, novamente com Laclau, que o discurso constitui-se como prática articulatória (de demandas sociais) e definitória (de significados políticos), cujo principal objetivo é emprestar fixidez (ou estabilidade) momentânea aos significantes em disputa no processo de construção do político. A partir dos exemplos apresentados, podemos finalmente concluir no que consiste especificamente o significante vazio. Trata-se, fundamentalmente, de um significante representativo de uma demanda social bastante específica cujo conteúdo expressa, hegemonicamente, o sentido primeiro de um conjunto bem mais amplo de demandas sociais (e.g. maior intervenção penal por parte do Estado) que, por sua vez, oferecem oposição a uma determinada perspectiva política que lhes frustra a possibilidade de efetivação (LACLAU, 1996, p. 85). Deste entendimento emerge a conclusão que atribui ao campo social a qualidade de palco que abriga uma constante disputa pela capacidade de determinação e preenchimento do vazio característico dos espaços institucionais nos regimes políticos democráticos (LEFORT, 1991, p. 270). Disso resulta que o conflito de valores e a disputa incessante pela capacidade de significação dos significantes em disputa na democracia não podem ser encarados como realidades a serem excluídas de antemão; antes pelo contrario: tanto o conflito como a noção de indeterminação dos valores presentes na democracia merecem ser preservados, posto que indicativos da própria vida política. Nestes termos, em sendo a democracia e os direitos por ela garantidos questões em permanente construção (v.g. ressignificação), convém indagar: 2451 qual democracia pode apresentar-se, agora em oposição ao projeto deliberativo, como alternativa concreta de emancipação individual e realização coletiva de direitos? 5 O MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA Até agora procuramos demonstrar, a partir das críticas endereçadas por Chantal Mouffe às teorias de democracia sustentadas por John Rawls e Jürgen Habermas, como o modelo deliberativo, que se apresenta no plano teórico como alternativa factível aos modelos agregativista e representativo, não goza de condições mínimas para apreender a natureza do “político” (v.g. na acepção trabalhada por Chantal Mouffe) e, assim, responder, adequadamente, aos constrangimentos que a vida política tem impingido, sistematicamente, aos modelos teóricos da ordem do consenso. Apresentamos, destarte, o principal desígnio do modelo teórico proposto pela autora: descobrir e problematizar aquilo que representa o núcleo fundamental das democracias contemporâneas. Segundo afirma Chantal Mouffe, num contexto político que se ancora no pluralismo de valores, é a noção de conflito e não a noção de consenso que deve emergir no epicentro do universo político. Destarte, a subversão do projeto consensual representa, nessa medida, aceitar que “a objetividade social (v.g. a realidade das relações sociais enquanto tal) é constituída por meios de atos de poder” (MOUFFE, 2005, p. 19). A afirmação aposta pela autora pode ser compreendida de forma acurada quando relacionada à célebre fórmula referida por Michel Foucault: “onde há poder, há resistência” (FOUCAULT, 1985, p. 91). Considerando que a resistência foucaultiana representa – no âmbito do debate proposto pela autora - o próprio conflito antagônico, poderíamos sintetizar o argumento apresentado dizendo o seguinte: onde há conflito, há política, sendo que - a contrario sensu - onde há consenso, não poder haver política, simplesmente. 2452 Deste modo, e pensando na antípoda do projeto consensualista, as identidades políticas não são (ou não deveriam ser) pré-ordenadas segundo parâmetros morais ou discursivos absolutos, senão que as suas feições são (ou deveriam ser) construídas através dos debates travados na esfera pública. A assunção dessa perspectiva antagônica implica, pois, o abando do ideal consistente na realização de uma sociedade fundada numa idílica consonância valorativa, algo que representaria a própria receita do fracasso democrático. É que o estabelecimento do consenso proposto por Habermas e Rawls expressa, invariavelmente, uma decisão (em certa medida arbitrária) que exclui - “a priori” - outras formas possíveis de construção da realidade política. Neste sentido, ao invés de mobilizar esforços no sentido da supressão dos conflitos (v.g. antagonismo), uma teoria política genuinamente democrática deveria se ocupar em apresentar as condições mínimas (v.g. legítimas) para que a criação de identidades políticas em contextos de conflitos possa acontecer de um modo compatível com os valores democráticos (MOUFFE, 2005, p. 21). Deste modo, e considerando que em sociedades modernas, complexas por natureza, não há como escapar da dinâmica relacional “nós” contra “eles”, urge reconhecer que: o propósito da política democrática é construir o “eles” de tal modo que não sejam percebidos como inimigos a serem destruídos, mas como adversários, ou seja, pessoas cujas idéias são combatidas, mas cujo direito de defender tais idéias não é colocado em questão (Ibidem). O argumento em questão acena para a possibilidade do estabelecimento de uma nova ética no debate político; uma ética baseada no ideal agônico, isto é, na substituição da categoria política do “inimigo” pela de “adversário”, num esforço que considerada inadiável a afirmação dos direitos de nomear e defender a diferença. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: De tudo o que foi dito aqui, pensamos que a adoção da perspectiva teórica apresentada por Chantal Mouffe pode servir, no âmbito do debate criminológico, como uma espécie de convite para pensar as consequencias político-criminais desse período histórico bastante peculiar que reflete, senão, o crescente 2453 esvaziamento da importância da esfera pública de discussão e o sequestro (em dois tempos) da conflitividade social25: (I) (II) pela gramática jurídico-normativa, que essencializa o conflito, de tal modo que outras formas de resolução se tornam impossíveis, descartáveis “a priori"; pelas instituições que integram o sistema de justiça criminal, especializadas na produção/ imposição de consensos jurídico-penais. A propósito dessa relação inexorável que se estabelece entre o enfraquecimento da esfera pública de debate e o consequente fortalecimento dos mecanismos institucionais de resolução de conflitos, alerta Mouffe: It is also in the context of the weakening of the democratic political public sphere where an agonistic confrontation could take place that the increasing dominance of the juridical level should be understood. Given the growing impossibility of envisaging the problems of society in a properly political way, there is a marked tendency to privilege the juridical field and to expect the law to provide the solutions to all types of conflict. The juridical sphere is becoming the terrain where social conflicts can find a form of expression, and the legal system is seen as responsible for organizing human coexistence and for regulating social relations. (MOUFFE, 2000, p. 41). O diagnóstico preconizado pela autora ecoa por todo o cenário político criminal brasileiro. Basta pensar, com efeito, em como a legislação penal, através das décadas recentes, tem assimilado, organicamente, inúmeras demandas sociais (v.g. independentemente de sua matriz ideológica), tais como, a repressão dos crimes de colarinho branco (Lei Federal nº 7.492/1986); a defesa das mulheres vítimas de violência doméstica (Lei Federal 11.340/2006); a criação de mecanismos jurídicos de repressão às ofensas de natureza racial (Lei Federal nº 7.716/1989), a afirmação de questões relativas à justiça de gênero (Lei Federal nº 13.104/2015); a proteção do meio ambiente (Lei Federal nº 9.605/1998), etc.. Essa questão, contudo, poderia ser representada sob a luz de outra perspectiva. É dizer, a incapacidade da sociedade (v.g. aqui compreendida a sociedade civil organizada bem como os órgãos institucionais de representação popular) em pensar formas não institucionais (v.g. ou mesmo institucionais, porém alternativas ao direito penal) de resolução de seus próprios conflitos, diz muito sobre o atual estágio de evolução do pensamento democrático brasileiro. Parece haver, pois, em nosso cenário político, uma tendência mais ou menos consolidada no sentido da invocação do direito penal como uma espécie 25 V.g. pela esfera público-institucional[...] 2454 de compromisso dilatório por parte do Estado em relação ao enfrentamento das consequencias geradas pelos conflitos sociais; as causas que suscitam esses conflitos, entretanto, permanecem intatas, muitas vezes inominadas, inclusive. Essa relação de dependência verificada entre a sociedade e o Direito Penal só faz concentrar os debates políticos na esfera público-institucional, fomentando assim, no âmbito da sociedade civil, uma apatia política e um desapreço generalizado pela vida comunitária, o que pode representar, em certa medida, um perigo mortal à democracia, uma vez que “o resultado da cristalização de paixões coletivas em torno de questões que não podem ser manejadas pelo processo democrático [resulta] uma explosão de antagonismo que pode desfiar os próprios fundamentos da civilidade” (MOUFFE, 2005, p. 21). A detonação da esfera agonística, referida pela autora, já adquiriu feições concretas no caso brasileiro; no ponto, nos limitaremos a indicar a existência, no cenário político tupiniquim, de um conjunto de projetos legislativos “antiprotesto”, através dos quais as hodiernas manifestações populares têm sido apresentadas, paradoxalmente, como uma ameaça real às instituições democráticas: (I) (II) (III) (IV) (V) (VI) (VII) PL nº 6198/13, do deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), que proíbe o uso de máscaras e outros materiais para esconder o rosto durante manifestações; PL nº 6277/13, do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que agrava a pena sobre destruição de bens alheios se isso ocorrer em manifestações; PL nº 6307/13, do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que atribui tratamento diferenciado para agente que pratica atos de vandalismo em manifestações públicas; PL nº 6347/13, do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que aumenta a pena para quem se aproveita do anonimato proporcionado pelas manifestações para provocar danos ao patrimônio; PL nº 6461/13, do deputado Junji Abe (PSD-SP), que torna contravenção penal a participação em manifestações com máscaras, capuzes ou similares; PL nº 6500/13, do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que proíbe o uso de arma em manifestações e garante o princípio da não violência nesses eventos; PL nº 6532/13, do deputado Eliene Lima (PSD-MT), que regula o exercício do direito à realização de reuniões públicas. O teor dos Projetos de Lei elencados é auto-explicativo, razão pela qual a sua análise dispensa, no ponto, maiores considerações. Mereceria destaque, todavia, o fato de que o exercício dos direitos relativos à reunião e à livre manifestação do pensamento (v.g. genuínas expressões da democracia popular) tem sido constrangido pelas próprias instituições democráticas. 2455 Nestes termos, acreditamos que a leitura da questão criminal pela via da política agonística proposta por Chantal Mouffe ajuda a destacar a necessidade de intensificação deste debate fora dos espaços institucionais de fala, o que pode contribuir – e aqui levantamos a nossa principal hipótese – para pacificar a razão violenta que inspira a política criminal brasileira (BATISTA, 2003, p. 29). REFERÊNCIAS: BATISTA, N. Todo crime é político. In: Caros amigos. Ano VII, nº 77, pp. 28 a 33, 2003. BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008. DOWNS, A. Uma teoria econômica de democracia. São Paulo: EDUSP, 1999. FOUCAULT, M. História da Sexualidade, Vol. I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1985. HABERMAS, J. Between Facts and Norms : Contribution to a Discourse Theory of Law and Democracy. Cambridge, Mass: Massachusetts Institute of Technology, 1991. KARAM, M. L. A esquerda punitiva. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia, v.1, n.1, JAN/JUN/1996. LACLAU, E. A Razão Populista. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Três Estrelas, 2013. ________. ¿Por qué los significantes vacíos son importantes para la política?. Emancipación y diferencia, Buenos Aires: Ariel, 1996. LEFORT, C. Pensando o político: ensaios sobre democracia, revolução e liberdade. Trad. Eliana Souza, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. LIJPHART, A. Modelos de Democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. MOUFFE, C. Por um modelo agonístico de democracia. Revista de Sociologia e Política: Curitiba, n. 25, pp. 11-23, 2005. ________. The Democratic Paradox. London: Verso, 2000. 2456 PINTO, C. R. J. Teorias da Democracia: diferenças e identidades na contemporaneidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. RAWLS, J. A Theory of Justice. Cambridge, Mass: Harvard University, 1971. SCHUMPETER, J. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. ZAFFARONI, E. R. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá: Temis, 1988. 2457 CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CIVIL: E SUA (COR)RELAÇÃO Darci Guimarães Ribeiro, Paulo Junior Trindade dos Santos, RESUMO: Com ênfase na Constitucionalização do Processo Civil apresenta parte da evolução de seus institutos delineando um caminho evolutivotransformador de institutos que caminham em direção aos anseios da sociedade com novas soluções jurídicas a partir da Constitucionalização do Direito. Pois, o Processo passa a assumir postura de veículo de realização de valores básicos em consonância com os ditames constitucionais, demonstrando assim um horizonte dinâmico para a Ciência Processual. A metodologia utilizada foi a Dialética. Com a utilização da epistemologia jurídica voltada para com a Constitucionalização do Direito, nota-se que o Processo Civil não apresenta-se mais como algo hermético junto a seus institutos, por advento apresenta-se novas soluções jurídicas capazes de atender de forma adequada os novos contextos, que por derradeiro, tem-se como fator primordial a Constitucionalização dos preceitos Processuais que passa a assumir postura de veículo de realização dos valores básicos consagrados no sistema Constitucional que institui o Estado Democrático de Direito. Conclui-se que a atual epistemologia jurídica volta-se para com a Constitucionalização de todos os ramos do Direito, assim ocorrendo o fenômeno da Constitucionalização do Processo que desenvolve-se a partir da implementação e a eficácia dos direitos fundamentais, que por derradeiro passa a instaurar uma nova ordem sóciopolítica que demonstra-se difundida na atualidade junto ao Poder Judiciário. PALAVRAS-CHAVE: Constitucionalização do Direito; Constituição; Processo; 1 INTRODUÇÃO O presente artigo, procurando demonstrar a intima (cor)relação entre o Constituição e o Processo Civil, e ainda, tem como evidenciar o papel inovador do Processo que, apresenta parte da evolução de seus institutos delineando um caminho evolutivo-transformador que caminham em direção aos anseios da sociedade apresentando Constitucionalização. novas soluções jurídicas a partir de sua 2458 A evolução-transformação do Processo não escapa da Constitucionalização do Direito, pois o Processo, nesse contexto, assume postura de veículo de realização/concretização das garantias básicas em consonância com os ditames Constitucionais, propiciando de tal forma uma visão mais efetiva dos objetivos jurídicos, ou melhor, valores que encontram-se propostos pelo texto Constitucional que assim ganham sentido com o Processo, o qual, passa a tessitura do sócio-político, deixando-se de ter um simples olhar hermético de seus institutos. Diante do exposto, resta evidente que, no modelo Processual que vem sendo desenhado, o Direito deixa de ser concebido em caixas hermeticamente fechadas (compartimentos estanques) em que o processo (por sua vez) seria um mero instrumento (formalidade) para atingir objetivos procedimentalistas. Notadamente o processo passa a assumir postura de veículo de realização de valores básicos em consonância com os ditames constitucionais, a fim de que possa ser um verdadeiro mecanismo de transformação social, fundamentado (sempre) pelas garantias e direitos humanos/fundamentais já constitucionalizados. Apresenta assim o Processo Civil uma nova ótica, qual seja, não mais pode ser visto como mero instrumento procedimental (fim em si mesmo), mas, sim, com uma importante ferramenta de concretização de direitos (constitucionalizados) o que é feito pela efetiva participação democrática que vem a legitimar o judiciário quando da entrega da Tutela Jurisdicional do Estado, transformando-o em um agente transformador da sociedade. Portanto, o Estudo Constitucional do Processo justifica-se pelo desocultamento de velhos paradigmas a novos horizontes para com a Ciência Processual e por relevante para a Ciência do Direito. Fica evidente, o momento em que se faz a necessária compreensão dos fundamentos estatais e paradigmáticos dos problemas sociais que envolve a própria concepção de Processo e de Jurisdição O Processo passa a ser concebido como uma oportunidade sócio-política e jurídica necessárias, num país de modernidade tardia, para a efetiva concretização de direitos. Com esse intento resta evidente que pela 2459 democratização do Estado, com consequente Constitucionalização de direitos (humanos/fundamentais), o processo surge como condição para a efetiva garantia da concretização das promessas feitas pelo legislativo, procedimento que tem propiciado a real democratização da sociedade, transformando este espaço na verdadeira “ágora”, onde às partes é oportunizada a efetiva atuação política (democracia direta/participativa), restando o judiciário legitimado para com a criação de direito, emergindo assim a chamada norma individual, que nasce do caso concreto. Ocorre que com advento da contemporaneidade, esta passa a elevar o Processo, utilizando-o também como um instrumento de políticas (afirmando-as, realizando-as), como visto ao relacionar-se constituição e processo, o processo constitucionalizou-se e especificamente, albergou garantias processuais que passaram a ser garantias constitucionais-processuais. Ou seja, o processo transcendeu ao constitucionalismo que, por tudo isso é reflexo da transcendência social, que apresenta o renovado espírito do indivíduo, que busca a democracia concretizada (no e) pelo processo judicial. Nesse contexto, o processo acaba por transformar-se em oportunidade política e jurídica. 2 CONSTITUIÇÃO E PROCESSO: E SUA (COR)RELAÇÃO Hay que tratar de las relaciones entre Proceso y Constitución —la madre de las reglas jurídicas—. La Constitución, tiene diversos modos 26 de actuar sobre el proceso. O Processo Civil apresenta gradual e constante evolução, pois “não há mais espaço para uma visão hermética de seus institutos, como se fossem ferramentas que trabalham mecanicamente em função de sua própria engrenagem”27, assim busca-se com a Constitucionalização do Direito ter-se 26 GUILLÉN, Victor Fairén. Teoría General del Derecho Procesal. Primera Edición. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1992. P. 55. 27 MELO. Gustavo de Medeiros. O Acesso à Justiça na Perspectiva do Justo Processo. In: FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Processo e Constituição: Estudos em Homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. 1ª Ed.. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. P. 684. 2460 uma observação da realidade28, com isso, “assumem os preceitos Processuais postura de veículo de realização dos valores básicos consagrados no sistema Constitucional que institui o Estado Democrático de Direito”29. A Constitucionalização do Direito30, e por consequência da Constitucionalização do Direito Processual tornou-se viável pela notável exigência por novas soluções jurídicas capazes de atender de forma adequada as novas realidades. A imperiosa necessidade de “cambio” obriga aos processualistas a ir evolucionando em seus conceitos e fugir de um maior número de regras que, presumidamente tenham um caráter imitável.31 Neste sentido, o sistema Constitucional vem a apresentar-se “como constante e cíclico aprendizado, a Constituição é (e deve ser tida, sempre como) um projeto aberto a constantes inclusões”32, desta forma, uma das inclusões que se revela a mais essencial, e dada pela “vinculação que existe entre o Processo Civil e a Constituição, particularmente enfatizar-se-á a teoria sobre a ação e 28 Por tanto “significa el desenvolvimiento de un precepto constitucional, expuesta ampliamente a lo largo de este traba yo, no significa una idea totalmente nueva ni un plan político a desenvolver en el futuro. Significa una elemental apreciación dogmática del derecho vigente y una observación directa de la realidad actual.” (COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. P. 94) 29 “A moderna filosofia do direito constitucional estabeleceu um corte metodológico no estudo e na compreensão do processo civil contemporâneo. Não há mais espaço para uma visão hermética dos institutos processuais, como se fossem ferramentas que trabalham mecanicamente em função de sua própria engrenagem. Como método de pensamento, a análise que se faça atualmente sobre qualquer assunto do direito processual civil deve ser monitorada de perto pela garantia do acesso à justiça, que tem hoje dimensão internacional no contexto dos direitos fundamentais. O processo se tornou um instrumento ético de democratização das decisões do Estado, assumindo de vez a postura de veículo de realização dos valores básicos consagrados no sistema constitucional que institui o Estado Democrático de Direito.” (MELO. Gustavo de Medeiros. O Acesso à Justiça na Perspectiva do Justo Processo. In: FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.), Processo e Constituição: Estudos em Homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. 1ª Ed.. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. P.684.) 30 Neste sentido ver GUASTINI e FAVOREU. (FAVOREU, Louis. La Constitutionnalisation du Droit. In: MATHIEU, Bertrand; VERPEAUX, Michel (orgs). La Constitutionnalisation des Branches du Droit. Paris: Preses Universitaries D´Aix-Marseille, 1998; e GUASTINI, Ricardo. La constitucionalización del ordenamiento jurídico. In: CARBONNEL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003.) 31 RIBEIRO, Darci Guimarães. La pretensión Procesal y la Tutela Judicial Efectiva. Barcelona: J.M. Bosch Editor, 2004. P. 15. 32 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, Jurisdição e Processualismo Constitucional. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, jul-dez de 2010. P. 64. 2461 sobre o Processo em seus fundamentos Constitucionais e dos Princípios que estruturam o Processo Civil”33. Ressalte-se em um primeiro momento, que, efeito acarretado pela Constitucionalização do Processo traz consigo a incorporação de normas processuais na Constituição (garantir direitos), caracterizando de forma inconfundível base constitucional do direito processual, já em um segundo estágio e sob a égide do Estado Democrático de Direito, a constitucionalização do processo desenvolve-se a partir de outra perspectiva, sendo ela, voltada a implementação e a eficácia dos direitos fundamentais (garantir, assegurar e efetivar os direitos fundamentais)34. Importante destacar, que, o primeiro momento da Constitucionalização do Processo apresenta de um lado CHIOVENDA35, sendo que, este veio a influenciar diretamente as reformas políticas das leis Processuais, já de outro lado, destaca-se COUTURE36, que, com a ampla intensificação de estudos relativos aos preceitos Constitucionais, regulamentados, estes passam a incidir diretamente para com o Código de Processo37. No entanto, destaque-se que no 33 ACOSTA, Hermógenes. Proceso Civil y Constitución. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ I JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 13. 34 COSTA, Miguel do Nascimento. Poderes do Juiz, Processo Civil e suas Relações com o Direito Material. Volume 2. Coleção Estudos de Direito em Homenagem ao Prof. Darci Guimaraes Ribeiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. P. 60-61. 35 CHIOVENDA, G., Le reforme processuali e le correcti del pensiero moderno, en <<Saggi di diritto processuale civile>>, I, Roma, 1930, pp. 379. Demonstra AROCA, Juan Montero. Los Principios o Informadores del Proceso Civil en el Marco de la Constitución. In: Revista Justicia 82, n. IV. P. 10. 36 COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. P. 53. 37 “Fueron dos obras del gran maestro del procesalismo ibero-americano, Eduardo J. Couture, los que pusieron de manifiesto la necesidad de examinar las relaciones entre las normas constitucionales y las disposiciones legales respecto al proceso civil. En su ensayo, ya clásico, acerca de Las Garantías Constitucionales del Proceso Civil, Couture se propuso mostrar en qué medida el Código de Procedimiento Civil y sus leyes complementarias son el texto que reglamente la garantía de justicia contenida en la Constitución. Con este designio, Couture destacó los aspectos constitucionales de la acción y la excepción, los actos procesales, y el debido proceso, la sentencia y la jurisdicción. Después de analizar las relacione entre la Constitución Política y la legislación orgánica del poder judicial y de señalar los desfasamientos entre las orientaciones políticas de las primeras y las tendencias de las leyes procesales y orgánicas, el procesalista uruguayo concluyó que el derecho procesal civil, que por tanto tiempo fue considerado el simple menester de la rutina forense, es, en sí mismo, el instrumento más directo de realización de la justicia. En una obra posterior, El debido proceso como tutela de los derechos humanos, Couture abordó el tema de la tutela constitucional del proceso y mostró cómo, por medio de dos maneras de pensar – las correspondientes a la common law en los 2462 Brasil, BARACHO38 foi o primeiro a tratar da relação existente entre Constituição e Processo. Superado o incurso ao tocante dos principais percursores de aproximação entre o Processo e a Constituição, observe-se ser um fenômeno que teve como “inicio a Constitucionalização dos Princípios do Processo – por ao menos no mundo anglo-saxão -, destacando que os Códigos Processuais Civis (Civil Procedure) são o texto que regulamentam a garantia de justiça contida na Constituição.”39 Corrobore-se, que “la constitucionalización de los principios del proceso no ha sido uniforme en todas las materias. Es así que, por ejemplo, en la materia penal el fenómeno que nos ocupa se viene implementando desde hace mucho tiempo, probablemente, entre otras razones, porque en esta materia los elementos ideológicos son más evidentes y, sobre todo porque en ella se decide sobre la libertad de las personas. En cambio, la constitucionalización de los principios del proceso civil, es un fenómeno relativamente reciente, ya que el mismo comienza a 40 partir de la II Guerra Mundial. (g. n.) Pelo exposto, os estudos relativos ao Processo e Constituição demonstrase ser um fenômeno hodierno, ocorrendo especificamente após a Segunda Grande Guerra Mundial, e ainda, mais especificamente em países que tiveram Estados Unidos y a la civil law – era posible arribar a conclusiones similares. Para el jurista iberoamericano, la teoría de la tutela constitucional del proceso consistía en fijar los fundamentos y las soluciones que permitan establecer, frente a cada caso particular, pero mediante un criterio de validez general, si un proceso proyectado o regulado por la ley, es o no idóneo y apto para cumplir los fines de la justicia, seguridad y orden que instituye la Constitución. Las ideas de Couture han ejercido una importante y renovadora influencia en la doctrina y e la legislación. A partir de ellas, los procesalistas, tanto de Iberoamérica como de Europa, se han ocupado, con mayor amplitud, de los temas que abordó nuestro autor. Los códigos procesales civiles más recientes suelen dedicar una parte a la regulación de los principios procesales, que en general recogen o derivan de las bases establecidas en las constituciones.” (FAVELA, José Ovalle. Tendencias Actuales en el Derecho Procesal Civil. In: FERNÁNDEZ, José Luis Soberanes (Compilador). Tendencias Actuales en el Derecho Procesal Civil. Segunda Edición. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2001. P. 28.) 38 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 39 COUTURE, E. J., Las garantías constitucionales del proceso civil, en <<Estudios de derecho procesal civil>>, I, Buenos Aires, 1948, pp. 19 y ss. También FAÍREN, V., Ideas y textos sobre el principio del proceso, en <<Temas del ordenamiento procesal>>, I, Madrid, 1969, pp. 567 y ss. Y FIX ZAMUDIO, H., Constitución y proceso civil en Latinoamérica, México, 1974. Neste tocante, AROCA arrola todos os autores descritos. (AROCA, Juan Montero. Los Principios o Informadores del Proceso Civil en el Marco de la Constitución. In: Revista Justicia 82, n. IV. P. 10.) 40 ACOSTA, Hermógenes. Proceso Civil y Constitución. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ I JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 12. 2463 regimes políticos totalitários, nascendo assim a “Constitucionalização dos Direitos Fundamentais das pessoas, e dentro destes, uma tutela das garantias mínimas que deve reunir todo o Processo”41. Pretendia-se desse modo “fundarse um processo mediante o qual a Constituição se defende a si mesma contra os ataques de Juízes”42, e mais, “evitar que o futuro do legislador desconhecese ou viola-se tais direitos, protegendo-lhes.”43. Assim, a Constituição aparece como um instrumento idóneo para instaurar uma nova ordem política e social, e para dar uma nova resposta válida aos angustiosos interrogantes do momento histórico delineado pelo pósguerra”44. Fortalece a teoria piramidal de KELSEN45, que tem como ápice de seu vértice a Constituição, sendo ela dotada de toda a força normativa do sistema jurídico, conforme aponta HESSE46, pois nesta trilha: El ordenamiento jurídico se organiza sobre la base del principio de constitucionalidad. En efecto, la Constitución se erige como la norma primera y primaria, pues crea los sistemas de producción normativa y de fuentes del Derecho, de suerte que de ella derivan su validez las normas jurídicas. Por ese carácter, se configura como la norma suprema del ordenamiento jurídico, directamente aplicable, que vincula a los ciudadanos y poderes públicos, y superior en jerarquía e inmune (fuerza activa y pasiva) frente al resto de normas. Naturalmente, esa condición de norma suprema obliga a que las normas deban ser 47 conformes a la Constitución. 41 JUNOY, Joan . Los Principios Constitucionales Rectores del Proceso Civil I. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 100. 42 GUILLEN, Víctor Fairen. Bases uniformes de legislación procesal. Comunicación que presentó a la V Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal. Bogotá, junio de 1970. P. 153154 43 PICÓ JUNOY, Joan . Los Principios Constitucionales Rectores del Proceso Civil I. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 100. 44 PICÓ JUNOY, Joan . Los Principios Constitucionales Rectores del Proceso Civil I. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 100. 45 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 46 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991. 47 ORTEGA, Juan Antonio Toscano. El Control Judicial de Adecuación Constitucional en la Jurisdicción Civil y la Cuestión de Inconstitucionalidad en el Derecho Español. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 241. 2464 A Constituição indiscutivelmente é a “norma suprema e primaria de eficácia direita”48, “pois cria os sistemas de produção normativa e de fontes do Direito, de sorte que dela derivam sua validez as normas jurídicas”49, e que, por esta condição naturalmente impõe seus influxos e mutações as normas Processuais, alocando-se neste (o Processo) as propostas e as ondas renovatórias, pois, é natural que o instrumento se altere e adapte às mutantes necessidades funcionais decorrentes da variação dos objetivos substanciais a perseguir50. A onda renovatória imposta pelos efeitos da Constitucionalização do Direito passarão a delinear um Processo que se torne muito mais sensível ao caso em concreto que será apresentado, pois demonstra uma preocupação relevante com o respeito aos valores e aos princípios constitucionais, como apregoado nos artigo 1º a 12º do Novo Código de Processo Civil, que trata “das normas fundamentais do processo civil”.51 48 “Se concibe la Constitución como algo más que un documento limitado a describir las funciones de los diferentes poderes del Estado y a consagrar una serie de principios sin relevancia práctica. La corriente predominante es aquella que percibe la Constitución como la norma suprema y provista de eficacia directa. El hecho de ser la norma suprema del ordenamiento jurídico que rige la convivencia social, le impone al juez la obligación de declarar nula y en consecuencia inaplicable las demás normas que entre en contradicción con ella. Mientras que el hecho de que tenga eficacia directa, le impone al juez la obligación de aplicarla, en todos los casos que proceda y momento de decidir un determinado conflicto.” (ACOSTA, Hermógenes. Proceso Civil y Constitución. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ I JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 12.) 49 ORTEGA, Juan Antonio Toscano. El Control Judicial de Adecuación Constitucional en la Jurisdicción Civil y la Cuestión de Inconstitucionalidad en el Derecho Español. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 241. 50 DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro Editores, 2009. P. 37-38. 51 Vale colacionar as Considerações de Marco Felix Jobim, que: “O legislador, quando optou por elencar o capitulo I as normas que devem ser fundamentais a todo o processo civil, trabalhou bem ao textualizar algumas que já eram consenso na própria doutrina e os tribunais, que já estavam fazendo uso continuo e prolongado dos seus conceitos, como o princípio da não surpresa, o princípio da paridade de armas. Na mesma linha identificou o texto já nos artigos à resolução de conflitos, elencando alguns deles, como arbitragem, a conciliação e a mediação e deixando em aberto o tema para que tantas outras formas possam vir a ser incorporadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Também, foi salutar dar estímulo aos profissionais do Direito que utilizem essas técnicas. No que concerne a alguns princípios já conhecidos do processo constitucional, como o do acesso ao Poder Judiciário, do contraditório, da publicidade, da fundamentação das decisões, pouco fez de novo, apenas repetindo parte do texto constitucional, o que faz com que se pergunte se já não eram para ser seguidos independentemente de fazer parte do projeto ora em tramitação. Da mesma forma, ao elencar como um dos escopos do processo a promoção a dignidade, sendo ela fundamento do Estado Democrático de Direito? E a eficiência, já não era um norte a ser seguido pela leitura do caput do artigo 37 da CF? o da 2465 Necessário salientar, que com esta onda renovatória os influxos e mutações Constitucionais se inserem ao Processo, adaptando-se ao mesmo alguns resultados que lhes passam a ser lógicos, sendo estes: “a) – la Constitución presupone la existencia de un proceso como garantía de la persona humana; b) – la ley, en el desenvolvimiento normativo jerárquico de preceptos, debe instituir ese proceso; c) – pero la ley no puede instituir formas que hagan ilusoria la concepción del proceso consagrada en la Constitución; d) – si la ley instituyera una forma de proceso que privara al individuo de una razonable oportunidad para hacer valer su derecho, sería inconstitucional; e) – en esas condiciones, deben entrar en juego los medios de impugnación que el orden jurídico local instituya para hacer efectivo el controlador de la constitucionalidad de las leyes.”52 A correspondência do instrumento aos objetivos (assim formando-se a (cor)relação), ou melhor, entre a Constituição e seu próprio ordenamento processual se dá mediante “las manifestaciones concretas de la jurisdicción, se halla en su sistema de principios socio-políticos y técnicos53, reconociese que el legalidade não era para ser observado? Se seguiu o princípio da administração pública, por qual razão a impessoalidade ficou fora do texto processual? Preocupa o Código projetado elencar a observação à proporcionalidade, a razoabilidade, atendendo o juiz ao aplicar o Direito aos fins sociais e às exigências do bem comum, tendo em vista que são ferramentas que não controlam, minimamente, a construção da decisão judicial se não tomados cuidados extras com o estudo do referido dispositivo. Não é feliz o legislador quando vai tentar dar densidade ao princípio da tempestividade do processo, conforme já relatado no corpo do artigo, isso em razão de que, em alguns casos, seriamente prejudicada a tempestividade na atividade satisfativa do processo. Para ilustrar melhor, uma execução de título executivo extrajudicial será sempre frustrada se o executado não tiver patrimônio a ser alvo de constrição judicial. Por fim, de aplausos a iniciativa de finalmente regrar os julgamentos obedecendo a uma ordem cronológica e informar, pormenorizadamente, como ela deve ser. Note-se que a evidencia já existia previsão para tanto, de forma um pouco diferenciada, mas, elencando como normatividade fundamental, podem aqueles privilégios concedidos de forma desarrazoada, finalmente, estar perto do fim, o que somente ocorrerá com o controle do Poder Judiciário também, pela própria pessoa humana, alvo maior da prestação jurisdicional.” (JOBIM, Marco Félix; MACEDO, Elaine Harzheim. Das normas fundamentais do processo e o projeto de novo Código de Processo Civil Brasileiro: repetições e inovações. In: RIBEIRO, Darci Guimaraes; JOBIM, Marco Félix. (orgs). Desvendando o Novo CPC. 1ª ed.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. P. 54-55.) 52 COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª edición. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1977. P. 149-150. 53 ALCALÁ-ZAMORA CASTILLO: «Principios técnicos y políticos de una reforma procesal», en Publicaciones de la Universidad de Honduras, Tegucigalpa, 1950, passim; PRIETO - CASTRO: «Principios políticos y técnicos para una ley uniformé» (Informe presentado al I Congreso Iberoamericano y Filipino de Derecho Procesal), Reviste de Derecho procesal, Madrid, 1956, II, págs. 185 y sigs; haja vista, que apressenta vasto estudo GUILLEN. (GUILLEN, Víctor Fairen. Bases uniformes de legislación procesal. Comunicación que presentó a la V Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal. Bogotá, junio de 1970. P. 153-154.) 2466 proceso refleja esta ideología54, así deben tener una formulación amplia, aunque no vaga, con exposición dialéctica de sus pares correspondientes (por ejemplo, lo dispositivo y lo inquisitivo), así como de gozar de una protección superior que la misma Constitución debería prever —y que prevé en algunos países”55. No caben dudas que el derecho procesal, como fenómeno cultural, constituye producto exclusivo de hombre, siendo por consecuencia inevitablemente empulgado por el concepto, un tanto concerniente, es verdad, de libertad, por eso, el tejido interno del proceso se forma por la confluencia de ideas, proyectos sociales, utopías, intereses económicos, sociales, políticos y estrategias de poder vigentes en determinada sociedad con marcas específicas de tiempo y espacio. 56 E mais, atualmente pode-se até dizer do ponto de vista interno que a conformação e a organização do Processo e do Procedimento nada mais representam do que o equacionamento de conflitos entre princípios Constitucionais em tensão, de conformidade com os fatores culturais, sociais, políticos, econômicos e as estratégias de Poder num determinado espaço social e temporal57. Neste sentido, a atual missão do Processo supera até mesmo seu conceito tradicional hermético, aportando em si mesmo uma renovada dimensão de significado chegando transcender do que usualmente lhe é atribuído, podese dizer que o: “proceso, en tanto institución del ordenamiento jurídico, de por sí ya implica una forma de equilibrio de intereses públicos, privados y sociales.”58 54 AROCA, Juan Montero. Los Principios Informadores del Proceso Civil en el Marco de la o Constitución. In: Revista Justicia 82, n. IV. P. 10. 55 GUILLEN, Víctor Fairen. Bases uniformes de legislación procesal. Comunicación que presentó a la V Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal. Bogotá, junio de 1970. P. 153154. 56 OLIVEIRA, Carlos Alberto. Poderes del Juez y Visión Cooperativa del Proceso. Cadernos do Programa de Pós-Gradiuação em Direito. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n. 2, set. 2004. P. 131 57 C. A.. OLIVEIRA, Alvaro. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In: C. A.. OLIVEIRA, Alvaro. (Org.). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. P. 1-2. 58 BERLOLMO, Pedro .L.. El Derecho al Proceso Judicial. Calle, Bogóta: Editorial Temis S. A., 2003. P. 26. 2467 Sua atual missão torna-se real e caracteriza-se pela via de um “processo revolucionário”.59 Ao mesmo tempo em que o processo deva obedecer à ideologia vinculada pelo sistema de princípios culturais, sociais, políticos, jurídicos60 e técnicos que se fixam61 e delineiam-se nos contornos textuais das Constituições, este (Processo) deve ater-se sempre a investigação do caso litigioso, a aplicação do direito ao mesmo e a obtenção de uma sentença adequada ao ordenamento jurídico”62, justiça”64, 63 , servindo assim como instrumento mais direto de realização de 65 . Por derradeiro, que toda essa Justiça e todo esse Direito se desenvolvem em torno dos direitos do ser humano, como em uma espiral crescente, que a cada momento ganha profundidade e também avança até as alturas66. 59 SATTA, Salvatore. Derecho Procesal Civil III. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas EuropaAmerica, 1971. P. 14. 60 “Pero el pretender desterrar la política del derecho, se basa en una opinión deformada de lo que aquella sea, y e pretender reducir el derecho a política, se basa en una concepción totalitaria de esta desconocedora de las garantías de aquel.” (AROCA, Juan Montero. En torno al concepto y contenido del derecho jurisdiccional. In: Revista de Derecho Procesa Ibero Americana. Año 1976. Núm. P. 178.) 61 Por tanto “sí que las normas por las cuales se formule aquel sistema de principios, como ligados de modo inmediato con la Constitución, deben gozar de un sistema procesal específico, más fuerte que el que protege el cumplimiento de las leyes inferiores. Iríamos, pues, 'hacia la creación de una especial categoría de leyes, de «leyes constitucionales», entre las cuales se hallase aquélla, mediante la cual se fijan los principios que en cada país, deben regir su ordenamiento procesal.” (GUILLEN, Víctor Fairen. Bases uniformes de legislación procesal. Comunicación que presentó a la V Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal. Bogotá, junio de 1970. P. 154) 62 AROCA, Juan Montero. Los Principios Informadores del Proceso Civil en el Marco de la o Constitución. In: Revista Justicia 82, n. IV. P. 10. 63 “O processo é meio, não só para chegar ao fim próximo, que é o julgamento, como ao fim remoto, que é a segurança constitucional dos direitos e da execução das leis[...]” (DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro Editores, 2009. P. 26-27.) 64 COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. p. 94 65 “La justicia es algo mejor: es la creación que emana de una conciencia viva, sensible, vigilante, humana. Es precisamente este calor vital, este sentido de continua conquista, de vigilante responsabilidad que es necesario apreciar e incrementar en el juez.” (CALAMANDREI, Piero. Proceso y Democracia. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1960. P. 80.) 66 RAMÍREZ, Sergio García. Derecho Procesal Constitucional. In: RAMÍREZ, Sergio García. Temas Atuais. Primera Edicion. México: Universidad Autónoma del Estado de México, 2002. P. 429. 2468 Contudo, necessita o Processo harmonizar seus conceitos à realidade constitucional67, assim deve sistematizar a Constituição “no” Processo68, por via de três grupos, valendo colacionar o ensinamento de RAMOS MÉNDEZ, que alude, em um: Un primer grupo de preceptos constitucionales sienta las bases sobre la organización de la jurisdicción en el estado de derecho. Los principios fundamentales sobre la significación del poder judicial en e estado de derecho, el principio da unidad jurisdiccional, la garantía de la protección jurídica estatal y la exclusividad de la jurisdicción encuentran, en diversos artículos constitucionales, formulación precisa. Por otra parte, se sientan asimismo los principios básicos sobre la estructura jerárquica y postulados fundamentales del estatuto del personal jurisdiccional. En este grupo de preceptos, aun predominando su finalidad organizativa, se contienen también diversos principios que deben inspirar la actuación práctica de los Tribunales. Un según grupo de normas constitucionales lo integran aquellas que califican la actuación de la función jurisdicción en el estado de derecho. Son, por así decirlo, los principios constitucionales de la propia jurisdicción en el ámbito civil. La sumisión del Juez a la ley, la seguridad jurídica, la libertad de acceso a Tribunales de Justicia y del principio dispositivo constituyen las fuentes constitucionales que inspiran la actuación jurisdiccional en el orden civil. Estar normas constituyen la verdadera filosofía del proceso civil en nuestro sistema procesal. En fin, un tercer grupo de artículos del texto constitucional establecen un cuadro de garantías básicas del proceso. estas garantías están concebidas en servicio de una mejor protección. Estas garantías fundamentales de la persona en el proceso y de la tutela de los derechos legítimos hechos valer en el proceso civil. El sistema establecido por nuestra Constitución es realmente amplio y en él tienen cabida todas cuantas aspiraciones de protección jurídica pueden surdir en la practica. Este grupo de normas constitucionales son las verdaderas <<tablas de la ley>> para el proceso, de tal manera que deben cumplirse en todos los preceptos concretos contenidos en los Códigos procesales. Pero la Constitución no se ha limitado a promulgar un decálogo de mandamientos procesales, sino que su programa va más lejos. Como refuerzo operativo de dichar garantías ha establecido asimismo unos instrumentos procesales de tutela directa de esas garantías del proceso en vía constitucional. Sin duda los más expeditivos, se han puesto directamente al alance de cualquier 67 ABREU, Pedro Manoel. Novo Processo Civil Imantado pelo Constitucionalismo Contemporâneo. In: Revista SJRJ, V. 18, n. 31. Rio de Janeiro, ago. 2011. P. 75. 68 “Y así el Derecho Procesal transita los extramuros de la Constitución. ¿Podría esperarse entonces que la enseñanza del Derecho Procesal esté sustentada en la Constitución? No le podemos pedir a nuestros docentes que levanten rascacielos de docencia si le damos como material sólo arcilla y arena movediza como basamento. Existe un cráter ostensible que no se avizora desaparecer en el corto plazo. A nuestro criterio, lo mencionado hasta aquí es el punto neurálgico del desenfoque. Hubo defectos de diseño. Y los docentes trabajamos bajo este marco de referencia de espaldas al texto Constitucional expreso.” (GRADO, Guida Aguila. La Enseñanza del Derecho Procesal Sustentada en el Modelo Constitucional. In: El Mundo Procesal rinde Homenaje al Maestro Adolfo Alvarado Velloso. Disponível em: < http://blog.pucp.edu.pe/media/avatar/574.pdf> . Acessado em 14-04-2015.) 2469 ciudadano, que de esta forma puede hacer oír su voz ante las más altas instancias judiciales del Estado, e incluso, como se verá, ante organismos internacionales. La mutua interacción de estas normas en el ámbito de la Constitución en función del objetivo justicia programado por la misma da unidad teleológica al sistema de principios constitucionales del derecho procesal civil en nuestra concreta 69 experiencia jurídica. (grifo nosso) A reflexão sobrepõe-se, aludindo que Processo e Constituição, e de que: “de las leyes supremas cabe extraer una teoría acerca del proceso: los principios, el espacio del Estado y de los particulares: seres humanos, ciudadanos, mejor que administrados, como en otros sectores se les designa. Suele abundante – a veces excesiva, de buena voluntad: por esmero en la protección del individuo – la regulación Procesal Constitucional.”70 Por consequência, a dimensão conquistada pelo Direito Constitucional em relação a todos os demais ramos do Direito mostra-se particularmente intensa no que diz respeito ao Processo71, reflete-se que acerca do mesmo, este: “não é apenas instrumento da jurisdição ou mera relação jurídica entre partes e juiz, porque é instituição-eixo do princípio do existir do sistema aberto normativo constitucional-democrático e que legitima o exercício normativo da jurisdicionalidade em todas as esferas de atuação no Estado que, por sua vez, também se legitima pelas bases processuais institutivas de sua existência constitucional.”72 Contudo, os Estudos Constitucionais do Processo foram capazes de demonstrar novos horizontes para com a Ciência Processual (o processualismo cientifico, revigorou-se pelas concepções constitucionalizantes73), despertando novas implicações sociais e politicas do sistema74, tudo isso, devido à 69 MÉNDEZ, Francisco Ramos. La Influencia de la Constitución en el Derecho Procesal Civil. o In: Revista Justicia 83, n. 1. P. 10-11. 70 RAMÍREZ, Sergio García. La Teoría del Derecho Procesal de Fairén Guillén. In: RAMÍREZ, Sergio García. Temas Atuais. Primera Edicion. México: Universidad Autónoma del Estado de México, 2002. P. 392. 71 OLIVEIRA, Alvaro. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In: C. A.. OLIVEIRA, Alvaro. (Org.). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. P. 1. 72 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Editora Landy, 2002. P. 69. 73 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, Jurisdição e Processualismo Constitucional. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, jul-dez de 2010. P. 84. 74 DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro Editores, 2009. P. 251. 2470 complexidade social, instalando assim mais que naturalmente na compreensão dos fundamentos estatais e paradigmáticos de problemas envolvendo a própria concepção do processo e da jurisdição, mas, também, do Estado Democrático de Direito, das litigiosidades e da leitura dos direitos fundamentais75, conclui-se deste modo, que o processo mostra devido a complexidade e a ambiguidade estrutural que lhes impõe, tanto a resolução de conflitos como a implementação de politicas76, 77. Portanto o processo há de ser a oportunidade politica, jurídica e moral, ademais – para com a convergência e conciliação daqueles que são interessados78 frente à lide que se comporá. De tudo, demonstra-se que tanto pela perspectiva das transformações quanto pelas perspectivas evolutivas emergidas da complexidade sócio-política e jurídica vivenciadas evidenciou-se por consequência, em uma Ciência Processual79, que busca incansavelmente a efetividade normativa, ou seja, uma aplicação dos institutos Processuais de acordo com princípios e regras constitucionais, de modo a ofertas concomitantemente legitimidade e eficácia na aplicação do direito80. 75 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, Jurisdição e Processualismo Constitucional. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, jul-dez de 2010. P. 84. 76 DAMASKA, Mirjan R.. Las Caras de la Justicia y el Poder del Estado. Análisis comparado del Proceso Legal. Santiago: Editorial Juridica del Chile, 1986. P. 28. 77 La vie collective d´un pays: también el proceso no es sino un aspecto de esta vida, y las leyes procesales no son otra cosa que una frágil red a través de cuyas mallas presiona y a veces desborda la realidad social. (CALAMANDREI, Piero. Proceso y Democracia. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1960. P. 49) 78 RAMÍREZ, Sergio García. La Teoría del Derecho Procesal de Fairén Guillén. In: RAMÍREZ, Sergio García. Temas Atuais. Primera Edicion. México: Universidad Autónoma del Estado de México, 2002. P. 391-392. 79 “Necessário assim, se faz un modelo científico-jurídico que fornecerá a adecuada solución al problema debe proponer regular las conductas dos hombres mediante: - Un plan jurídico general, contenido em normas programáticas (de ordinario, expresado en las constituciones, pero no em forma excluyente). - Normas conceptuales, que complementen ese plan programático general. - Normas que estipulen qué deben hacer los hombres para ajustas su conducta a las prescripciones legales y, también, a que sanciones jurídicas institucionalizadas (en abstracto) a las que se exponen los individuos en el supuesto de violar esa conducta prescripta (estática-disyuntivas). - Normas dinámicas que permiten, en casos especiales, ajustar el cumplimiento de la conducta prescriptiva (en rigor una serie de conductas, de allí la necesidad de este tipo de normas) al deber ser legal. - Finalmente, un tipo especial de norma dinámica (la acción procesal) que también regula una serie de conductas (de tres sujetos, como ya veremos) y que es la posibilite poner en movimiento la reacción institucionalizada y concreta del Estado, activando los mecanismo jurisdiccionales, siempre que se afirme em el plano jurídico-procesal la existencia de un conflicto de relevancia jurídica.” (BENABENTOS, Ornar A.. Teoría General del Proceso. Tomo 1. 1ª ed. - Rosario: Juris, 2005. P. 139-140.) 80 NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do Processo Contemporâneo. Edição Especial. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, 2008. P. 14. 2471 Mais do que garantia constitucional, o processo vai ser visto teologicamente como instrumento de participação politica do individuo no centro das decisões do Estado. Mais do que meio de realização do Direito, transforma-se o processo em instrumento da formulação dos 81 direitos: misto de atividade criadora e aplicadora ao mesmo tempo. Já, no tocante ao Estado com os efeitos de um Processo publicizado82, este perpassa a aspiração individual à satisfação de interesses, haja vista, que o próprio direito tem inegavelmente um “fim político”, ou fins políticos, sendo imprescindível encarar o processo, que é instrumento estatal, como algo que o Estado se serve para a consecução dos objetivos políticos que se situam por detrás da própria lei. 83 Haja vista, o Estado organiza-se politicamente pelo apresentado diante do texto constituído no corpo “Constitucional”84, o qual, passa a irrigar todo o sistema da normatividade Processual85 (por meio de um pacto constituinte86), 81 PORTANOVA, Rui. Motivações Ideológicas da Sentença. 3ª ed.. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1987. P. 101. 82 O processo como ramo do direito publico ultrapassa a sua aspiração individual de interesse e “… conquista, sin duda, política, del siglo XX frente al proceso liberal propio del siglo XIX, pero luego se quiere disimular a algunas de las ineludibles consecuencias con el ropaje de la técnica procesal. (AROCA, Juan Montero. El proceso civil llamado “social” como instrumento “justicia” autoritaria. AROCA, Juan Montero (Coord.). Proceso Civil e Ideología: un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: Tirant lo Blanch, 2006. P. 154.) 83 DINAMARCO, Cândido R.. Escopos Políticos do Processo. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. (Orgs.). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988. P. 121. 84 “La Carta Política es norma fundante y fuente principal del derecho procesal, en virtud a que sus principios y normas diseminados tanto en la parte orgánica como dogmática irrigan todo el desarrollo de la normatividad procesal, el constitucionalismo ha avanzado al punto de que ya no son los códigos políticos llanas declaraciones de buena voluntad, es decir, no tienen un lato carácter programático. Es, pues, un conjunto de normas que cuenta con una serie de prerrogativas de aplicación inmediata la gran mayoría de ellas; que además cuenta con una fuerza vinculante desde su preámbulo hasta su último artículo y con un sistema de reforma más complejo con el objeto de asegurar su rigidez.” (RESTREPO, Sebastián Betancourt. Filosofía del Derecho Procesal. Universidad Autónoma Latinoamericana. Faculdad del Derecho. Teoria General del Proceso. Medellín, 2008. P. 22.) 85 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, Jurisdição e Processualismo Constitucional. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, jul-dez de 2010. P. 78. 86 “De la Constitución a la ley no debe mediar sino un proceso de desenvolvimiento sistemático. No sólo la ley procesal debe ser fiel intérprete de los principios de la Constitución. sino que su régimen del proceso, y en especial el de la acción, la defensa y la sentencia, sólo pueden ser instituidos por la ley. El régimen del proceso lo debe determinar la ley. Ella concede o niega poderes y facultades dentro de las bases establecidas en la Constitución. El espíritu de ésta se traslada a aquélla, que debe inspirarse en las valoraciones establecidas por el constituyente. Para quienes negamos que dentro de nuestro sistema constitucional existan fallos generalmente obligatorios, ni aún en régimen de casación esta fidelidad de la ley a la Constitución representa la base de toda una construcción que está reclamando desenvolvimiento.” (COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. P. 21.) 2472 compondo-se esta normatividade como garantia de existência do Estado mesmo como unidade politica organizada pelo Direito87, e ainda, constituir-se como garantia de legitimidade e participação dos cidadãos na formação das decisões88, que forçosamente se inserem no respectivo contexto e representa, afinal de contas, um dos múltiplos episódios em que se lhe manifesta a dinâmica89.90 As Constituições atuais permeiam a tessitura Processual, a qual é politicamente um espaço de debate democrático91, e procedimentalmente um sistema jurídico em que convergem situações jurídicas diversas, ativas e passivas, é também desde a teoria do Direito, uma fonte de criação de uma norma jurídica individual, sendo esta norma representada pela decisão judicial.92, 93 E ainda, existe “il nesso qui istituito tra democrazia e diritto si precisa così come nesso tra (dimensioni della) democrazia e (tipi di) diritti fondamentali. Una democrazia senza diritti fondamentali è inconcepibile”.94 87 Note-se aquí: “ser el proceso la garantía de la existencia del Estado mismo como unidad política organizada por el Derecho, la encontramos, con la entrega ejemplar de su vida, voluntariamente sacrificada a la idea de que el orden jurídico vale por sí, debe valer como orden, independientemente de la bondad o - maldad de su contenido.” (BERNAL, Antonio Martínez. La misión del proceso en el sistema del derecho. Fecha de publicación. Editor/es: Murcia: Universidad de Murcia, 1943. P. 15.) 88 NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do Processo Contemporâneo. Edição Especial. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, 2008. P. 14. 89 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre a Multiplicidade de Perspectivas no Estudo do Processo. In: Revista Brasileira de Direito Processual. V. 56. 4º Trimestre de 1987. Rio de Janeiro: Forense, 1957. P. 19 90 “Normas dinâmicas que permiten, em casos especiales, ajustar el cumplimiento de la conducta prescpritiva (em rigor uma serie de conductas, de allí la necesidad de este tipo de normas) al deber ser legal. - Finalmente, um tipo especial de norma dinâmica (la acción procesal) que tambien regula uma serie de conductas (de três sujetos, como ya veremos) y que es la possibilita poner em movimento la reaccion institucionalizada y concreta del Estado, activando los mecanismo jurisdicionales, siempre que se afirme em el plano jurídico-procesal la existência de um conflito de relevância jurídica.” (BENABENTOS, Ornar A.. Teoría General del Proceso. Tomo 1. 1ª ed. - Rosario: Juris, 2005. P. 139-140.) 91 DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro Editores, 2009. p. 167-178. 92 BEDOYA, Julia Victoria Montaño. Constitucionalización del Proceso Judicial Civil Panamericano. Encuentro XX Panamericano de Derecho Procesal - Santiago, Chile, 2007 – Ponencias. P. 3-4 93 Vide: Ativismo Judicial como Criação do Direito. In: SANTOS, Paulo Junior Trindade dos Santos. O Ativismo Judicial (?) e a Criação do Direito pela via da Interpretação: as (Possíveis) Contribuições da Filosofia no Direito. Dissertação. São Leopoldo – RS: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2013. 94 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Teoria del diritto e della democaracia.Teoria della democrazia. v. 2. Editori Laterza: Roma- Bari, 2007. P. 22. 2473 Ocorre desta forma “uma reviravolta paradigmática, ao compatibilizar a democracia (como direito e como processo) com a Constituição, voltada a assegurar direitos e deveres, sem a efetividade dos quais a democracia não prospera.” 95 O Processo alarga-se de tal maneira que seu enlace com a Constituição resulta um fenômeno natural dentro dos modos de aplicação do mesmo96, resta assim evidente a relação existente entre Constituição e Processo frente ao sistema normativo97, desta (cor)relação DINAMARCO cinge-as analiticamente em dois eixos vetoriais, em: “a) no sentido Constituição-Processo, tem-se tutela constitucional deste e dos princípios que devem regê-lo, alçados ao plano constitucional; b) no sentido Processo-Constituição, a chamada jurisdição constitucional, voltada ao controle de constitucionalidade das leis e atos administrativos e à preservação de garantias oferecidas pela Constituição (jurisdição constitucional das liberdades), mais toda a ideia de instrumentalidade processual em si mesma, que apresenta o processo como sistema estabelecido para a realização da ordem jurídico, constitucional inclusive.”98 Portanto, o Processo galgou relevo devido sua relevância, pois apresenta impacto direto para com a construção do Direito, assim passou a ter status Constitucional, assim tutelam-se os princípios que devem regê-lo99 inserindo-se no conjunto dos direitos fundamentais e pelas garantias constitucionais 95 FREITAS, J.; TEIXEIRA, Anderson V.. Direito à Democracia: Ensaios Transdisciplinares. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. P. 12. 96 COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. P. 24. 97 “Se afirma sin reserva, en el campo de la teoría general que la Constitución es el fundamento de validez de la ley.” (COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. P. 24.) 98 “Neste sentido, (politico) encontra-se uma progressiva tomada de consciência da conjuntura que as cerca por as pessoas em atitude crítica perante as instituições da superestrutura mais politizadas, é no sentido de saírem da condição de meros espectadores das atividades de administradores e juízes em prol do direito. e assim é que a população sente a necessidade de que a Justiça se paute por aquelas ideias fundamentais postas em relevo pelos processosconstitucionalistas, ou seja, ela vai se conscientizando da necessidade de observanca dos grandes princípios constitucionais do processo.” (DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro Editores, 2009. P. 26-27.) 99 DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro Editores, 2009. P. 26-27. 2474 processuais, podendo ser invocado em Justiça por meio de ações apropriadas ao seu melhor exercício100. Oportuno assinalar, que o Direito Processual não pode mais ser dissociado de uma leitura Constitucional, isto é, os institutos processuais criados sob a égide de valores Constitucionais informados pelo101 Estado Reactivo devem sim realizar-se a luz das novas transformações trazidas pelo Estado Activo, ou melhor, pelo Estado Democrático de Direito, que confere valor adjudicativo ao processo: sendo este um relevante instrumento, que, de um lado visa a composição de lides-conflitos, os quais lhes são levados à solução, e, de outro lado serve como importante instrumento de atuação politica102. A guisa de conclusão que aqui faz-se e de que o “Processo detém um intimo ponto de contado com a Constituição”103, assim (cor)relacionando-se ambos, que por consequência acabam por “evolucionar-transformar” o Processo, fazendo com que o mesmo passe de mera condição de meio para realização de direitos já formulados e transforma-se em instrumentos de realização e formulação dos direitos”104, “que, além de denunciar os problemas 100 SALDANHA, Jânia Maria Lopes; ESPINDOLA, ANgela Araújo da Silveira. A Jurisdição Constitucional e o caso da ADIN 3520: do modelo individualista – e liberal – ao modelo coletivo – e democrático – de processo. In: MARIN, Jeferson Dytz (Coord.). Jurisdição e Processo. Curitiba: Juruá, 2008. P. 53 101 RIBEIRO, Darci Guimarães. Da Tutela Jurisdicional às Formas de Tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. P. 187. 102 DAMASKA, Mirjan R.. Las Caras de la Justicia y el Poder del Estado. Análisis comparado del Proceso Legal. Santiago: Editorial Juridica del Chile, 1986. 103 Em sintese GUILLÉN colaciona as justificantes da relação entre Constituição e Processo: “a) Recogiendo en su seno, principios y regias procesales, supremas para la orientación y aún para la práctica de tal instituto. b) Pero la Constitución, debe poder actuar directamente sobre el proceso. cuando alguno de sus principios aún no haya sido desarrollado por la correspondiente ley; este principio de "la Constitución como norma de aplicación directa. c) El proceso tiene un íntimo punto de contacto con la Constitución, no sólo en lo ya expuesto, sino en el retorno a crear un tribunal constitucional; es él, quien resolverá las "cuestiones de inconstitucionalidad" suscitadas por jueces o tribunales cuando "consideren que una norma con rango de ley aplicable al caso y de cuya validez depende el fallo, puede ser contraria a la Constitución", antes de dictar su sentencia.” (GUILLÉN, Victor Fairén. Teoría General del Derecho Procesal. Primera Edición. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1992. P. 55 e segs.) 104 PASSOS, J. J. Calmon de. Democracia, Participação e Processo. In: GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. (Orgs.). Participação e Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988. P. 95. 2475 sociais, deverá anunciar possibilidades concretas de acesso à justiça, buscando sempre unir teoria e prática.” 105 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo, procurando atingir os objetivos apresentados quando da introdução e dando ênfase ao Processo Civil, buscou apresentar parte da evolução de seus institutos, em especial no que diz respeito ao novo papel por ele enfrentado como resultado de uma sociedade em constante evolução (novos problemas sociais e novos direitos), respostas que dependem (como demonstrado) de novas soluções jurídicas a partir da necessária Constitucionalização do Processo. Assim o Processo faz com que se transcenda sua legitimação de mero instrumento jurídico, tornando-se mais que isso, desenterrando-se de tal realidade que paradigmaticamente persistem a acompanha-lo desde sua derradeira formulação, a qual, lhe delineava como mero instrumento de resolução de conflito. Haja vista, na atualidade o Estado demonstra evoluir aceleradamente desde seu amago até mesmo influindo na reformulação de suas instituições e da sociedade. Tanto a sociedade quanto as instituições estatais, ambas foram submetidas a uma erosão que foi evidenciada pelo pós-guerra. Ultrapassados os problemas conceituais e delineadores da Ciência Processual, pois o atual contexto, faz com que o Processo passe a assumir uma postura para com a formulação e realização de Direitos estatuídos os mesmos nas Constituições Contemporâneas, deixa assim de ser uma simples ferramenta que trabalha mecanicamente em função de sua própria engrenagem, supera sim a hermeticidade pela qual erigia-se. Transforma-se o Processo frente a sua relação com a Constituição em num local privilegiado para o exercício da cidadania, a qual acaba por legitimar o Poder Judiciário quando da entrega da Tutela Jurisdicional do Estado. 105 RIBEIRO, Darci Guimarães. Da Tutela Jurisdicional às Formas de Tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. P. 78. 2476 Pela perspectiva, de um estudo Constitucional do Processo é possível visualizar-se novos horizontes para a Ciência do Direito, o que acontecerá, apenas e tão somente, se o Processo for compreendido como um novo local (ágora) em que se exercita a cidadania em um efetivo Estado Democrático de Direito, o qual, em primeiro plano vise dissolver a litigiosidade, e em segundo plano venha a formular e a concretizar Direitos, dando azo a tão almejada democracia participativa (democracia constitucional) o que deve ser feito no sentido de oportunizar a implementação de políticas públicas. Nesse contexto o Processo passa a ser concebido como uma oportunidade sócio-política e jurídica amplamente necessárias. Corrobora o Novo Código de Processo Civil em seu artigo 1º que, “o Processo Civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando as disposições deste Código”. Assim, deve-se refletir muito quanto a Constitucionalização do Direito Processual, sendo que: “es un misterio, el misterio del Proceso, el misterio de la vida.”106 REFERÊNCIAS ABREU, P. M. Novo Processo Civil Imantado pelo Constitucionalismo Contemporâneo. In: Revista SJRJ, V. 18, n. 31. Rio de Janeiro, ago. 2011. ACOSTA, H. Proceso Civil y Constitución. In: ACOSTA, H.; PLAZAS, J. M.; SUZAÑA, M. R.; PICÓ I JUNOY, J. (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed. Santo Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. AROCA, J. M. 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