30. gt - constitucionalismo, garantias e democracia

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30. gt - constitucionalismo, garantias e democracia
ANAIS
CONGRESSO DO MESTRADO EM DIREITO E
SOCIEDADE DO UNILASALLE
GT – CONSTITUCIONALISMO, GARANTIAS E
DEMOCRACIA
CANOAS, 2015
2389
A PLURALIDADE DOS LIMITES AO EXERCÍCIO DA LIBERDADE
RELIGIOSA: O CASO CHURCH OH THE LUKUMI BABALU AYE V. CITY OF
HIALEAH (1993)
Pâmela Carolina dos Santos May
Marco Félix Jobim
RESUMO: Direito assegurado constitucionalmente, a liberdade religiosa,
encontra-se amparada por muito mais que uma legislação, devido à sua
relevância histórica, é protegida pelo coletivo. Quando a religião se torna pauta
de uma discussão, a certeza e a verdade se tornam subjetivas, como então
discutir os limites de uma liberdade que sobrepõe e prepondera princípios? Para
análise do presente estudo, tem-se como base o caso julgado pela Suprema
Corte dos Estados Unidos: O Church Oh The Lukumi Babalu Aye V. City Of
Hialeah, polêmica presenciada na Flórida (EUA) envolvendo a religião Santeria,
devido ao seu ritual essencial de devoção, que consistia em um sacrifício animal,
confrontando normas da cidade. Fundamentando o livre exercício, a igreja
argumentou com base na Primeira Emenda americana. Se de um lado as ONGs
recriminavam o sacrifício, de outro, os seguidores da Santeria defendiam a
inconstitucionalidade das normas, bem como o livre exercício do seu direito ao
culto. Entretanto, a Suprema Corte reconheceu a ilicitude da pratica de sacrifício
animal, uma vez que este atua como fator de risco significativo à saúde, assim
como pode gerar dano à outrem, preservando assim o interesse da cidade.
Observados os princípios e garantias, o livre exercício não deve ser interpretado
como norma imutável, pois diante das inovações legislativas, cada vez mais o
coletivo tem se adaptado ao individual, preservando, assim, além da garantia às
crenças, as garantias fundamentais de saúde e bem-estar.
PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; religião; precedentes.
1 INTRODUÇÃO
Quando a religião se torna pauta de uma discussão, a certeza e a verdade
se tornam subjetivas e pessoais, como então discutir os limites de uma liberdade
que sobrepõe e prepondera princípios? Não é de hoje, que diversos filósofos,
sociólogos e teólogos tentam explicar o fenômeno da fé e a crença no
desconhecido, onde não é possível se chegar à conclusões taxativas.
2390
Para análise do presente estudo, tem-se como base o caso julgado pela
Suprema Corte dos Estados Unidos: O Church Oh The Lukumi Babalu Aye V.
City Of Hialeah, polêmica presenciada na Flórida (EUA) envolvendo a religião
Santeria.
2 A LIBERDADE RELIGIOSA COMO MARCO HISTÓRICO NA FORMAÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Direito assegurado constitucionalmente, a liberdade religiosa, encontrase amparada por muito mais que uma legislação, o livre exercício da crença e
do culto foram conquistadas com muito esforço e, deste modo, devido à sua
relevância histórica, é protegida pelo coletivo.
Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender,
fortalecido por novos argumentos – que os direitos históricos, ou seja,
nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa
de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. O
problema – sobre o qual, ao que parece, os filósofos são convocados
a dar seu parecer – do fundamento, até mesmo do fundamento
absoluto, irresistível, inquestionável, dos direitos homem é um
problema mal formulado: a liberdade religiosa é um efeito das guerras
de religião, as liberdades civis, da luta dos parlamentos contra os
1
soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais [...].
O seu reconhecimento deu-se com o respeito individual diante das
diferenças, tendo como ápice o surgimento das diversas legislações
asseguradoras da liberdade religiosa, como exemplo, a Declaration on the
Elimination of All Forms of Religious Intolerance, que esclarece de maneira
detalhada o que consiste o direito a liberdade de pensamento, crença, religião e
consciência.
Somente depois da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em
1948, é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade, em sua
totalidade, partilha alguns valores comuns, podendo, assim, se crer na
universalidade dos valores, não de forma objetiva, mas algo subjetivo acolhido
por todos.
Artigo 18. Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de
religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença,
1
BOBBIO, Norberto Bobbio. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004. P. 25.
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pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou
2
coletivamente, em público ou em particular.
O direito a liberdade religiosa foi conquistado após muito tempo de
intolerância e de um estado católico cujos ideais eram predominantes. Muitas
guerras foram traçadas para que hoje, todas as religiões fossem respeitadas e
seu exercício, por intermédio da legislação vigente, garantido.
No transcorrer dos últimos séculos, a religião e o Estado procuram
encontrar uma fórmula que privilegie, acima de tudo, a liberdade humana. A
própria Igreja Católica reconhece a necessidade dessa independência, em um
dos documentos que compõem as resoluções do Concílio Vaticano 2º, a
Constituição Pastoral Gaudium et Spes (sobre a Igreja no mundo atual): "No
domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e
autônomas"3.
Em 1988 a Constituição Federal Brasileira assegurou o direito à crença e
ao livre culto, muito embora em seu preâmbulo coloque em dúvida a laicidade
do Estado4. Cumpre relembrar que ateísmo não é o mesmo que Estado laico,
apenas que as instituições públicas e a sociedade civil mantêm independência
em relação às diretrizes e aos dogmas religiosos, onde não se aceita, ao menos
teoricamente, a ingerência direta de qualquer organização religiosa nos assuntos
de Estado.
A obrigatoriedade da prestação de assistência religiosa nasce com a
imposição do Estado Laico e suas consequências sociais, uma medida
compensatória do constituinte de 1988, que tem duas raízes na Constituição do
império de 1824.
O Direito, para Bobbio, é uma construção, um artefato humano fruto da
política que produz o direito positivo. Requer a razão para pensar,
projetar e ir transformando este artefato em função das necessidades
5
da convivência coletiva.
2
Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf. Acesso em
18/03/2015.
3
Disponível em http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em 10/03/2015.
4
O preâmbulo da CF/88 refere em sua redação que está é promulgada “sob a proteção de Deus”,
o que gera controvérsias, a partir do momento em que o estado é laico, uma forma de governo
sem qualquer confissão religiosa.
5
BOBBIO, Norberto Bobbio. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004. P. 32.
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Contudo, após a conquista da liberdade, outra discussão surge: Quais
seriam os limites desta liberdade? Afinal, a libertinagem não pode ser utilizada
com base neste direito, que assegura, acima de tudo, o respeito e a tolerância,
mas não deve proteger atos ilícitos ou prejudicar a ordem pública.
3 DA INTOLERÂNCIA ENQUANTO VETO À LIMITAÇÃO DE DIREITOS
Quando nos referimos à intolerância, de pronto, surge em nossas mentes
o problema da convivência das crenças, semelhante a intolerância política. Que,
nos remete à aquele antigo axioma popular: Religião e Política não se discute!
Entretanto, ao que se deslumbra na própria afirmação, esta já é motivo
para discussão, afinal, é necessário garantir a crença e convicção naquilo que o
indivíduo achar que deve. Não se trata de declarar como verdade para si, mas
sim, de declarar respeito para com aquele que, gozando de sua autonomia,
optou por uma teoria ou estilo de vida.
O motivo pelo qual me ocupo das razões da tolerância no primeiro
sentido é que o problema histórico da tolerância, tal como foi posto na
Europa durante o período das guerras de religião, e sucessivamente
pelos movimentos de heréticos e depois filosóficos, como Loke e
Voltaire, o problema tratado nas histórias da tolerância, é o problema
relativo exclusivamente á possibilidade de convivência de confissões
religiosas diversas, problema nascido na época em que ocorre a
6
ruptura do universo religioso cristão.
A intolerância gera o discurso de preconceito e, por conseguinte, na
quebra da liberdade religiosa. A discussão é de suma importância para o
aperfeiçoamento e respeito de indivíduo, nos tornamos mais tolerantes com
aquilo do qual demos a oportunidade de conhecer, não necessariamente
experimentar, mas sim reconhecer a legitimidade do debate e pluralidade de
ideias.
Tanto a liberdade de consciência quanto a liberdade de crença abrangem
ações e comportamentos que guardam íntima relação entre si.
Este binômio “consiência/crença” indica, de um lado, que a liberdade de
consciência não deve ser entendida como limitação à liberdade de expressão do
6
ibid P. 25.
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pensamento7, pois o constituinte a viu como um fenômeno muito mais próximo
da convicção ou fé religiosa do que um mero posicionamento político-ideológico
e como tal intimidade ligada à autoconcepção do titular do direito e não às
vicissitudes do embate ideológico adequável aos mais diversos interesses
subjetivos ou políticos, próprio da liberdade de expressão.8
Uma vez que o objeto do presente estudo é a pluralidade da liberdade e
como impor limites sem ofender seus direitos, observa-se a linha tênue entre
impor limites e ser intolerante. Ao passo que alguma liberdade religiosa é
restringida, o primeiro argumento que se coloca em pauta é a intolerância
daquele que a restringiu.
Sendo assim, o aceite do debate deve estar em ambos os lados, tanto
daquele que quer limitar para defender o coletivo, quanto daquele que quer
proteger o seu direito privado. Segundo Jayme Weingartner, na busca de
enfatizar o equilíbrio, trata-se de uma grandeza concretamente variável que trava
com outros direitos uma “relação principal de mútua definição de limites”.9
4
A
GARANTIA
DA
LIBERDADE
RELIGIOSA
NA
CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA
A liberdade de culto está assegurada pelo inciso VI do artigo 5º da
Constituição Federal que declara inviolável a liberdade de crença e assegura “o
livre exercício dos cultos religiosos”, além de garantir, “na forma da lei”, a
“proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
O artigo 5º, VI, VII e VIII da Constituição Federal10, garante a
inviolabilidade de consciência e de crença. No inciso VI, encontra-se a outorga
7
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
8
MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. P. 354.
9
NETO, Jayme Weingartner. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. P. 192.
10
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e
militares de internação coletiva;
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clássica, a liberdade religiosa, que, entretanto, foi complementada pelo inciso
VII. Este fixa um dos efeitos mais importantes do direito fundamental previsto no
inciso VI. Ele determina que “ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de conviccção filosófica ou política”.
O inciso VIII seria absolutamente supérfluo, não fosse a ressalva
apontada, pois dizer que a liberdade de consciência e de crença é inviolável
significa o mesmo que dizer que qualquer de seus exercícios não poderia ter
como consequência a privação de direitos. Se há privação de direitos na hipótese
descrita pela norma, está-se diante de uma limitação constitucional 11.
A liberdade religiosa, foi outorgada sem uma reserva legal explicita pelo
constituinte que declarou livre a crença, mas não impôs limites ao ser exercício,
dando razão a discussão aludida no presente estudo.
No momento em que não se determina os limites para uma determinada
ação e sua exercia (a liberdade de religião) é permitida de forma livre, algumas
normas entram em conflito. Isso não significa que o legislador da revisão esteja
impedido de tocar em tais direitos, o que não pode é “eliminá-los do catálogo
constitucional ou restringi-los em termos tais que afete o seu conteúdo
essencial”12. È impossível assegurar os interesses coletivos, sem restringir
direitos individuais. Cada ao indivíduo, enquanto ser que vive em sociedade, se
adaptar aos limites de sua própria liberdade em detrimento dos demais.
O exercício de um direito fundamental pode se dar tanto de maneira
positiva quanto negativa. No seu aspecto positivo elas abrangem, em
primeiro lugar, a liberdade interior (foro íntimo) de crer em alguma coisa
ou acreditar estar vinculado a um determinado sistema axiológico, em
outras palavras: o direito de pensar a sua religião ou convicção. Tratase, além disso, como segundo aspecto englobado, da liberdade para
exteriorizar sua crença ou visão de mundo. Como por exemplo tem-se
o culto, cuja proteção é expressamente garantida, denotando
igualmente um dever de proteção contra agressões – estorvos ao culto
13
– provenientes de particulares.
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
11
MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. P. 355.
12
NABAIS, José casalta Nabais. Por uma liberdade com responsabilidade. Coimbra: Coimbra
Editora, 2007. P. 85.
13
MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. P. 357.
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A constituinte em seu artigo 19, I, veda a intervenção estatal sobre os
cultos, salvo em detrimento do interesse público.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na
forma da lei, a colaboração de interesse público;
Neste dispositivo obtemos uma ressalva ao livre exercício, ou seja, este
não poderá se sobrepor ao interesse público, os cultos e crenças devem
respeitar a coletividade sob pena de interferência do direito fundamental.
Num sentido amplo, pode haver colisão entre direitos fundamentais e
bens coletivos, sendo a segurança pública (ou interna) um bem coletivo, mas de
caráter ambivalente, pois o “dever do Estado de proteger os direitos de seus
cidadões obriga-o a produzir uma medida tão ampla quanto possível deste bem.
Isso porém, não é possível sem interferir na liberdade religiosa daqueles que
prejudicam ou ameaçam a segurança pública”.14
A liberdade religiosa vai confrontar-se, naturalmente, com os limites
constitucionais diretos e indiretos que valem genérica e formalmente para as
atividades de suporte: liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, de
associação etc., estabelecidos já de forma ponderada pelo legislador
constituinte.
Neste contexto, por exemplo, veda-se a utilização da liberdade de
reunião e associação religiosas para justificar a “prossecução de fins
violentos” ou contrários à lei penal ou para contrariar a aplicabilidade
de outras regras constitucionais que condicionem de alguma forma, o
exercício desses direitos”. No mais, verificam-se limites imlícitos, que
decorrem de leitura sinóptica da constituição e da necessidade de
compartibilizar a liberdade religiosa com os “direitos de terceiros” e com
“outros bens jurídicos” (por exepmlo vida, integridade física, saúde,
meio ambiente, segurança pública), certo que o direito em tela “não
protege práticas que ponham em perigo a saúde pública” – tudo no
15
quadro de um “processo de harmonização compromissória”.
Nos EUA não há referência constitucional explicita aos limites, a
imposição se dá pela jurisprudência da Suprema Corte, mediante interpretação
14
NETO, Jayme Weingartner. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. P. 193.
15
NETO, Jayme Weingartner. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. P. 197.
2396
extensiva dos conceitos de “estabelecimento de uma religião” e de “interesse
governamental”
5 O CASO CHURCH OF THE LUKUMI BABALU AYE V. CITY OF HIALEAH
Inúmeros são os casos em que liberdade religiosa colide com os demais
direitos, o presente estudo bem como base o presente americano Of The Lukumi
Babalu aye v. City of Hialeah, proferido em acórdão no estado do Rio Grande do
Sul, pelo redator Des. Araken de Assis, em uma representação de
inconstitucionalidade16. O motivo pelo qual a religião em questão se tornou alvo
das discussões foi o ritual essencial de devoção, que consistia em um sacrifício
animal, contudo, havia um conjunto de normas aprovadas na cidade de Hialeah
que impediam os sacrifícios.
O presente caso foi decidido no ano de1993 na Flórida e seu assunto
tramitava em torno de uma regulamentação municipal de proteção aos
animais.Na cidade de Hialeah existem diversas regulamentações e proibições,
tornando ilegal o sacrifício de qualquer animal.
Como fundamentação para o livre exercício, a igreja argumentou com
base na Primeira Emenda americana que estabelece que “o congresso não
legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício
dos cultos”.
Se de um lado as ONGs e instituições recriminavam o sacrifício diante das
suas incessantes lutas para a proteção da fauna, de outro, os seguidores da
Santeria defendiam a inconstitucionalidade das normas, bem como o livre
exercício do seu direito ao culto e liberdade religiosa.
O “Sacrifício” foi definido pelo Regulamento 87-52 como “matar
desnecessariamente, atormentar, torturar, ou mutilar um animal em um ritual ou
cerimônia, pública ou privada, sem que haja o propósito primário de consumo”.
A matança de animais ficou restrita a áreas de matadouros submetidas a
autorização e inspeção do governo.
16
GARRET, Marina Batista. A necessidade de limites à liberdade religiosa. Disponível em
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1107.
Acesso em 03/03/15.
2397
Sendo assim, a prática religiosa da Santeria acabou atingida por esta
regulamentação. A Igreja Lukumi Babalu Aye, que pregava esta religião em
Hialeah, insatisfeita com a repercussão que estas normas geraram no
desenvolvimento de suas atividades, buscou através do Judiciário declarar
inconstitucionais tais proibições alegando que as leis violavam a Cláusula de
Livre Exercício da Primeira Emenda da Constituição americana.
A Igreja acusava o legislador de ter criado essas leis com fins exclusivos
de impedir a manifestação da Santeria na região, uma vez que os termos
utilizados pelas normas aprovadas, quais sejam, “sacrifício” e “ritual” remetem a
religiosidade.
A Suprema Corte americana entendeu ser a reivindicação de
discriminação plausível, ainda que não fosse conclusiva, uma vez que estas
palavras ensejam uma forte conotação religiosa. Apurou-se que os vocábulos
“sacrifício” e “ritual” têm uma origem religiosa, mas o uso atual também admite
significados seculares.
Primeiramente, os juízes e tribunais que analisaram o caso entenderam
que as normas incidentalmente proibiam o exercício pleno da Santeria. A
instância inferior, embora tenha reconhecido que os regulamentos não eram
religiosamente neutros, concluiu que o propósito deles não era impedir a
atividade da Igreja, mas dar um fim à prática de sacrifício animal.
Conforme os argumentos suscitados pela Corte Distrital e corroborados
pela decisão proferida pela Corte de Apelação, os regulamentos aprovados
tinham por base objetivos nobres, quais sejam, em primeiro lugar o sacrifício
animal como um fator de risco significativo à saúde, tanto para os participantes
quanto para a coletividade, tendo em vista que os animais sacrificados são
freqüentemente mantidos em condições anti-higiênicas e não passam por uma
inspeção sanitária para serem abatidos, além da posterior disposição dos restos
dos animais em locais públicos.
Ademais, o interesse da cidade é proteger os animais da crueldade e da
matança desnecessária. O método utilizado no sacrifício de Santeria para matar
o animal é, de acordo com as palavras da Corte, “incerto e não humanitário, e
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os animais, antes de serem sacrificados, são mantidos freqüentemente em
condições que produzem muito medo e lhes causam estresse”17.
Ponderando os interesses governamentais e religiosos, a Corte Distrital
concluiu “que os interesses governamentais justificam plenamente a proibição
absoluta do sacrifício em rituais”. Notou-se ainda que, mesmo que a redação da
lei dispusesse sobre uma conduta religiosa específica, a Primeira Emenda não
estaria sendo violada quando essa conduta fosse julgada incompatível com a
saúde pública e o bem-estar social.
Outrossim, ainda uma proposição geral da Suprema Corte que consiste
no fato de que uma norma secular e de aplicabilidade geral não pode ser
considerada nula caso, incidentalmente, venha a acarretar a supressão de uma
determinada atividade religiosa.
Por fim, a Suprema Corte americana reconheceu à ilicitude pratica de
sacrifício animal, sem o propósito de impedir as atividades de igreja, uma vez
que este atua como fator de risco significativo à saúde, assim como pode gerar
dano à outrem, no caso, o menor, ao presencial tal ato, preservando assim o
interesse da cidade e a relevância em se restringir a matança dos animais.
Aliás, de acordo com as críticas da Suprema Corte, se a cidade tem uma
real preocupação quanto aos métodos utilizados para sacrificar um animal –
classificando alguns como “menos humanitários” do que outros - então o assunto
do regulamento deveria ser o próprio método de abatimento tipicamente judaico
que tem por finalidade o menor sofrimento possível utilizando técnicas
específicas para matar o animal.
Cabe ressaltar que segundo o entendimento da Corte, a Emenda não
resta violada, uma vez que tal ato é considerado incompatível com a saúde
pública e o bem-estar social.
Diversas foram os debates acerca da decisão que afastou a blindagem
existente no livre exercício de culto, que por diversas vezes acaba se
sobrepondo às demais normas, formando um juízo de valores que divide
opiniões diante da subjetividade e particularidade do tema.
17
GARRET, Marina Batista. A necessidade de limites à liberdade religiosa. Disponível em
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1107.
Acesso em 03/03/15.
2399
A Suprema Corte, em meio a suas considerações, entende que os riscos
à saúde resultantes das carcaças de animais são os mesmos se decorrentes de
sacrifício animal da Santeria ou de outras matanças não religiosas.
Retomando um fundamento de uma decisão anterior, ela dispõe que, para
a satisfação dos comandos da Primeira Emenda, uma lei que restrinja a prática
religiosa tem que visar a interesses da mais alta ordem e deve ser feita
precisamente para a perseguição desses interesses. Quando o Estado legisla
de maneira a restringir as práticas religiosas, tem que justificar aquele
demonstrando que se trata do meio menos gravoso para alcançar o interesse
estatal.
Sendo assim, a Primeira Emenda não garante uma blindagem total ao
exercício da liberdade religiosa, sempre que esta se colidir com direitos coletivos,
a discussão será avaliada e a preponderarão, bem como o equilíbrio devem
prevalecer. Não se trata se ofensa à religião, ou intolerância Estatal, a regra deve
valer a todo e qualquer ato que modificar e atingir de alguma forma a ordem
pública e os direitos coletivos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cumpre ressaltar que a religião ocupa um espaço central na vida de
muitas pessoas, requerendo, portanto, consideração e respeito, independente
da forma como esta se manifesta. Sabe-se que, diversas são as religiões que se
diferem em suas crenças e na maneira de se manifestar e difundir a fé.
Entretanto, a liberdade individual para o livre exercício de uma religião não pode
sobrepor-se ao coletivo.
Desse modo, o direito a liberdade religiosa, como todas as demais
garantias constitucionais, deve ter certo limite sob o risco de abrigar a pratica de
atos ilegais. Observados os princípios e garantias, o livre exercício não deve ser
interpretado como norma imutável, pois diante das inovações legislativas, cada
vez mais o coletivo tem se adaptado ao individual, preservando, assim, além da
garantia às crenças, as garantias fundamentais de saúde e bem-estar.
2400
REFERÊNCIAS
BOBBIO, N. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2004. P. 25.
GARRET, M. B. A necessidade de limites à liberdade religiosa. Disponível
em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1107>.
Acesso em 03/03/15.
Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em
18/03/2015.
Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html>. Acesso em 10/03/2015.
MARTINS, L. Liberdade e Estado Constitucional. São Paulo: Atlas, 2012. P.
354.
NABAIS, J. C. N. Por uma liberdade com responsabilidade. Coimbra:
Coimbra Editora, 2007. P. 85..
NETO, J. W. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. P. 192.
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O VINHAIS VELHO E O DIREITO À MORADIA: A EXPERIÊNCIA DO PAJUPPROGRAMA DE ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR NA
LUTA POR DIREITOS HUMANOS
Anne Karoline de Jesus Aires
RESUMO: Dentro de um contexto social marcado pela exclusão e desigualdade
social, o Direito, no que tange ensino jurídico não pode se abster de conhecer a
realidade social e de considerar debates que vão além dos muros da
Universidade. Nesse sentido, este trabalho trata da AJUP- Assessoria Jurídica
Universitária Popular, como um instrumento de mudança em contraposição ao
ensino jurídico tradicional, relatando a experiência do PAJUP-Programa de
Assessoria Jurídica Universitária Popular dentro da comunidade Vinhais Velho e
sua luta pelo direito à moradia.
PALAVRAS- CHAVE: Direitos Humanos; Vinhais Velho; PAJUP; Ensino
Jurídico.
1 INTRODUÇÃO
O ensino jurídico muitas vezes mostra-se inerte, permanecendo o estudo
do Direito limitado dentro dos muros da Universidade, dentro de um cunho
tradicional e positivista. Percebendo isso surge a AJUP- Assessoria Jurídica
Universitária Popular como um instrumento que entende o Direito por uma
perspectiva não meramente legalista ou que se limita ao âmbito legal e ao ensino
jurídico propriamente dito, mas que reconhece a necessidade de práticas que
levem ao estudante reconhecer que existe todo um contexto social e toda uma
realidade social que precisa ser mudada, além do que percebendo que o ensino
jurídico também se dá nas ruas, no movimento estudantil e na luta social.
Sendo assim, este trabalho aborda o trabalho do grupo de extensão
PAJUP – Programa de Assessoria Jurídica Universitária Popular, da Unidade de
Ensino Superior Dom Bosco de São Luís - Maranhão, abordando a metodologia
de Paulo Freire que esta AJUP trabalha, a importância da prática de educação
popular e de experiências que vão além do ensino jurídico apresentado dentro
das salas de aulas. Assim, para tratar especificamente da prática da AJUP,
2402
serão feitas algumas considerações da experiência do PAJUP com a
comunidade do Vinhais Velho, que passou por um processo de desapropriação
de uma longa luta para a garantia do direito à moradia.
Além do mais, é necessário que seja realizado um debate sobre a garantia
de Direitos Humanos, sobre os conceitos universalizados desses direitos,
demonstrando que a universalização dos Direitos Humanos deixam de
considerar e levar em conta a particularidade de cada comunidade, criando
conceitos prontos do que são determinados direitos.
2 A PRÁTICA DA ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSITÁRIA POPULAR NA
LUTA POR DIREITOS HUMANOS
O ensino jurídico tradicional mostra-se incapaz de trazer soluções
eficazes e emancipatórias para a realidade social, pois muitas vezes o ensino
fica restrito, sem que tenha uma ligação direta com os conflitos sociais. Nesse
contexto, surge a AJUP- Assessoria Jurídica Universitária Popular, como um
instrumento de emancipação, de reconhecimento de conflitos sociais,
construindo práticas com base na Educação Popular e promovendo debates
além do âmbito do ensino tradicional através de grupos de extensão.
De acordo com Murilo Oliveira (pág. 46), a assessoria jurídica universitária
“compreende uma intervenção não só judiciária, mas também de orientação,
organização e ação política-jurídica, pois entende que a esfera jurídica engloba,
além da prestação jurisdicional do Estado, todo o processo constitutivo e
organizativo dos movimentos sociais”.
Assim, a assessoria jurídica tem seu papel inserido dentro de um contexto
de um ensino jurídico positiva e não emancipador, a AJUP defende a existência
de práticas emancipadoras na luta de Direitos Humanos, de tal forma que os
estudantes não fiquem restritos ao âmbito das quatros paredes dos muros da
Universidade, mas que reconheça a realidade e os conflitos sociais, para uma
aplicação e entendimento do Direito que interaja nas mudanças sociais. De
acordo com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 50):
Trata-se de uma prática jurídica desenvolvida por estudantes de direito
que tem hoje uma capacidade nova de passar da clínica jurídica
2403
individual, a la americana, totalmente despolitizada, para uma forma de
assistência e de assessoria jurídica atenta aos conflitos estruturais e
de intervenção mais solidária e mais politizada. Essa iniciativa em
muito se distancia da assistência jurídica que é normalmente oferecida
pelos Núcleos de Prática Jurídica das faculdades de direito brasileiras
muito concentrada na preparação técnico-burocrática dos estudantes
e orientada para acções individuais (despejo; pensão alimentícia;
separação e divórcio etc.). Em sentido oposto, as assessorias jurídicas
populares dão importância à ação de defesa de direitos coletivos em
associação com movimentos sociais e organização populares.
Com o objetivo pela busca de um Direito emancipatório e práticas fora das
salas de aula foi criado o PAJUP (PROGRAMA DE ASSESSORIA JURÍDICA
UNIVERSITÁRIA POPULAR) dentro da Unidade de Ensino Superior Dom
Bosco, este incialmente foi idealizado a partir de um minicurso realizado pela
professora Márcia Cordeiro e conjuntamente com os alunos do Núcleo de
Assessoria Jurídica Popular “Negro Cosme” – NAJUP da Universidade Federal
do Maranhão – UFMA a seguinte temática “Extensão Universitária e Educação
Jurídica Popular”. O mini-curso em questão foi ofertado como uma das opções
da III Jornada Jurídica da UNDB no ano de 2006, no qual foi debatido várias
questões como ensino jurídico, educação popular, assessoria jurídica.
Assim, tal debate ensejou com que um pequeno grupo de alunos criassem
um projeto que inicialmente devia ser aprovado pela Coordenação do Curso de
Direito (FERREIRA, 2011). No entanto, a coordenação entendeu que não era o
momento para a criação de uma AJUP dentro da Faculdade e sugeriram que o
método da assessoria jurídica fosse realizado dentro de um grupo de extensão
que já existia, porém estava com suas atividades suspensas, denominado de
“Direito na Divinéia”.
Por outro lado, tal proposta não foi aceita pelos alunos, já que a vontade
destes era de que fosse criada uma assessoria jurídica, um novo grupo de
extensão, não seria viável reativar um grupo de extensão que não seguia o
método de educação popular da AJUP. Após, várias problemáticas esse
pequeno grupo de alunos continuaram a ter contato com a temática da
assessoria jurídica, mas a criação do PAJUP se deu de fato no ano de 2008,
com orientação do Elton Fogaça, que na época era coordenador de Pesquisa e
extensão da instituição (FERREIRA, 2011).
2404
Ao longo desses anos o PAJUP, atuou com várias comunidades através
da realização de oficinas e debates sobre Direitos, além de parcerias com
instituições como a Defensoria Pública do Estado do Maranhão e SMDHSociedade Maranhense de Direitos Humanos.
Atualmente, a assessoria está trabalhando com a comunidade da Eugênio
Pereira, que sofre principalmente com a falta da regularização fundiária e o
direito à terra, atuando também com a Comunidade da Portelinha, onde
predominante é formada por palafitados e a principal demanda inicialmente é no
foco da participação popular dos moradores da comunidade e oficinas que
ensejem esse engajamento políticos para que estes sejam agentes da luta pelos
seus direitos.
O grupo também possui um projeto dentro da faculdade intitulado como
“Ágora” que tem como principal objetivo debater questões que não discutidas
dentro de sala de aula e que estão relacionadas com a realidade social, já foi
realizada debates de várias questões, como feminismo, negritude e
desmitarilização da polícia.
Em relação a comunidade do Vinhais Velho, o PAJUP se envolveu com a
demanda através de um grupo de uma rede social, o qual tinha o nome de “Salve
o Vinhais Velho”, dentro do grupo existiam vários militantes e grupos
relacionados com a defesa de direitos, assim o PAJUP foi convidado a atuar na
luta pela permanência dos moradores na comunidade.
Ao longo de vários os meses o grupo atuou dentro das reuniões no sentido
de acompanhar todo o processo de resistência dos moradores, realizando
inclusive manifestação em frente ao Tribunal de Justiça do Maranhão, bem
como, construindo um evento de dois dias dentro do Vinhais Velho, o qual foi
pensado em ter um acampamento com o fim principalmente de alcançar forças,
de demonstrar a insatisfação desses moradores de continuarem no local onde
moravam e alertar a sociedade sobre a importância da história do Vinhas Velho
e da garantia de uma série de direitos que foram desrespeitados.
Nesse sentido, a experiência dentro da comunidade serviu para ampliar a
visão sobre o direito de todos os membros dos quais faziam parte do PAJUP,
percebendo a importância do ensino jurídico ensejar experiências como essas,
2405
através de metodologias como a de Paulo Freire, para a percepção de que o
ensino não é uma bolha fechada, a realidade grita por mudança e só tendo
conhecimento desta que poderá muda-la.
3 ENSINO POPULAR E EDUCAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS
A Assessoria Jurídica Popular atua no sentido de romper com o ensino
jurídico tradicional e dogmático, por meio de uma práxis voltada para a ação e
para reconhecimento da realidade social. O AJUP tem como objetivo superar o
modelo de educação que predomina nos cursos de Direito, que se mostram
distantes da práxis e da luta social, já que o próprio direito se apresenta formado
por ideologias e muitas vezes pela predominância do conservadorismo.
Neste
sentido,
é
válido
abordar
sobre
a
atuação
da
AJUP,
especificamente do PAJUP (Programa de Assessoria Jurídica Universitária
Popular), que não e baseado em assistencialismo jurídico, de imposições de
soluções, por outro lado, a AJUP que o grupo defende é aquela que defende a
educação de Direitos Humanos, de sujeitos que atuem conjuntamente com a
comunidade, em uma troca de aprendizagens, dessa forma existe diferença
entre o que é denominado por assessoria e assistência jurídica.
Apesar da palavra ‘Assessoria’, em sentido comum, ser quase
sinônima da palavra ‘Assistência’, foi ela escolhida para simbolizar uma
metodologia inovadora de extensão. A escolha busca exprimir um
significado político contrário às propostas de índole ‘assistencialista’. A
postura política da Assessoria, por surgir no espaço discursivo dos
movimentos populares, é uma postura de contestação e não de
caridade. Busca a Assessoria desconstruir o método assistencialista,
contestar a sociedade da exploração do trabalho e rechaçar a
Assistência como solução de problemas sociais. (FURMANN, 2003, p.
30).
Com a compreensão da diferença entre a assistência e a assessoria,
entende-se que o PAJUP atua justamente como um grupo de extensão de
assessoria jurídica, tendo uma reflexão sobre a realidade social e formando
sujeitos ativos dentro da mudança desta. Nesse sentido, a educação de Direitos
Humanos, as oficinas realizadas pelo grupo são baseadas na educação popular
baseada proposta por Paulo Freire, este que entende que “[...] para que a
educação não fosse uma forma política de intervenção no mundo era
2406
indispensável que o mundo em que ela se desse não fosse humano.” (2001, p.
125).
Assim, a Assessoria Jurídica entende que a educação de Direitos
Humanos deve ser transformadora, não conservadora, baseada na práxis,
levando em consideração o papel do educar e do educando de proporcionar
debates sobre o contexto social e como o direito atua na mudança da realidade
social.
A educação de Direitos Humanos não deve meramente ser baseada na
apresentação da dogmática desses direitos, mas demonstrar através de uma
metodologia de educação diferenciada que seja direcionada para a autonomia
do indivíduo, no sentido dos sujeitos se emanciparem e despertando sujeitos
ativos na luta pela transformação, de acordo com Bittar:
[…] aprofundar a consciência sobre a importância dos direitos
humanos e de sua universalização; provocar a abertura criativa de
horizontes para a auto compreensão; incentivar a reinvenção criativa
permanente das próprias técnicas; habilitar à criticidade; hillipe
Cupertino Salloum e Silva, Breno M. de Mello, Maria Luiza P. de
Alencar Mayer Feitosa 10 © PRIMA FACIE, JOÃO PESSOA, V. 12, N.
22, ANO 12, JAN-JUN, 2013, p. 1-13 desenvolver o reconhecimento
histórico dos problemas sociais; incentivar o conhecimento
multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar sobre a condição
humana; habilitar a uma compreensão segundo a qual a conquista de
direitos depende da luta pelos direitos; valorizar a sensibilidade em
torno do que é humano; aprofundar a conscientização sobre questões
de justiça social; recuperar a memória e a consciência de si no tempo
e no espaço; habilitar para a ação e para a interação conjunta e
coordenada de esforços; desenvolver o indivíduo como um todo, como
forma de humanização e de sensibilização; capacitar para o diálogo e
a interação social construtiva, plural e democrática. (2010, p. 331).
Deste modo, a educação precisa preparar o sujeito para a sua
emancipação, de modo que este seja capaz de mudar a sua própria realidade,
com a construção de um sujeite que atue enfrentando as opressões. A
Assessoria jurídica, em sua atuação tenta superar com o modelo tecnicista dos
cursos de Direitos, entendendo que a educação de Direitos, em ênfase a de
Direitos Humanos deve estimular a consciência crítica, através da ação dialógica
que para Paulo Freire (1974) seria responsável por sujeitos que pratiquem a
alteridade e o respeito com o outro.
2407
4 VALOR HISTÓRICO DO VINHAIS VELHO E A PRESERVAÇÃO DOS
DIREITOS DA COMUNIDADE
O Vinhais Velho é uma das comunidades mais antigas que existe na
cidade de São Luís e que a sua história foi desconsiderada pela construção de
um projeto de Via Expressa realizado pelo do Estado do Maranhão, com o
argumento de que a construção beneficia a todos, que teve como objeto
melhorar a mobilidade urbana da cidade. Por outro lado, nenhum processo
democrático foi realizado dentro da comunidade do Vinhais Velho, em nenhum
momento os moradores foram perguntados sobre o interesse de continuar ou
não local onde moravam.
Segundo Antônia da Silva Mota Professora Doutora do Departamento de
História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) “a comunidade de
Vinhais Velho passou por todos os momentos da história das Américas”.
Primeiramente a comunidade de indígenas que estavam ali eram chamados de
Eussauap com a expulsão dos franceses em 1615 pelos portugueses o local foi
chamado de Uçaguaba, de acordo com o historiador César Marques
Na armada de Alexandre de Moura vieram os jesuítas Manuel Gomes
e Diogo Nunes. Quando principiaram a estabelecer missões de índios
a primeira que fundaram foi a que deram o nome de Uçaguava, onde
com os da ilha da capital aldearam os índios que tinham trazido de
Pernambuco, e como esta houvesse de ser a norma das mais aldeias,
nela estabeleceram todos os costumes que pudessem servir de
exemplo aos vizinhos e de edificação aos estranhos [...] foi chamada
aldeia da Doutrina, e hoje chama-se Vinhais. (1970, p. 394 e 632).
Então, se percebe o valor histórico do Vinhais Velho que desde a
colonização feita pelos portugueses eles já estavam presentes e que foram um
dos primeiros a serem aldeados. O aldeamento durou mais de um século e o
trabalho feito pelos índios servia como mercadoria para a Companhia de Jesus
e com o aldeamento as famílias indígenas sofreram grandes mudanças tendo
que se adaptar a novos costumes “os aldeamentos desarticulavam as culturas
indígenas, ao fixar populações seminômades e alterar radicalmente seu modo
de vida”. (VAINFAS, 2000, p. 22 e 327).
Em 1759 os jesuítas foram expulsos e os indígenas puderam ficar com as
suas terras e livres e em 1757 a aldeia passou a ser chamada de “Vinhais Velho”
e nos arquivos do Estado se pode encontrar todos os registros feito nessa época
2408
pela Igreja de São João Batista do Vinhais. A comunidade Vinhas Velho passou
por grandes momentos de luta pelos registros que se tem, seja pela exploração
feita pelos portugueses ou pelo fato de terem tidos seus costumes mudados por
imposição do Estado com o objetivo de “civilizá-los”. Principalmente pela
exploração pela terra da comunidade ser bastante fértil, ocorreu a escravidão
deles e abusos contra a comunidade, de acordo com Cesár Marques
Pela farta documentação depositada nos arquivos, acreditamos que
durante todo o século XIX se consolidou o processo de expulsão das
populações nativas e ocupação de suas terras pelos fazendeiros. Em
poucas décadas fez-se a ruína da Vila de Vinhais, tanto que poucos
assistiram à ruína da capela de São João Batista, sendo o pedido de
reconstrução feito pelos vereadores da Vila em 1857. (1970, p.632 ).
No Vinhais Velho alguns descendentes dos Tupinambás ficaram perto das
ruínas mesmo com a destruição da capela. Os jovens com idade adequada para
trabalhar buscavam empregos e as famílias do jeito que dava com pesca, frutos
e caça. Seu Olegário um dos descendentes mais antigos que até hoje se
encontra no Vinhais Velho relata que trabalha em uma fábrica de tecidos e que
só vinha em casa a cada quinzena, mas que acompanhou de perto a resistência
das pessoas no local.
No século XX a comunidade do Vinhais Velho continuou afastada da
cidade, mesmo com as grandes construções que estava ocorrendo na cidade,
para chegar até a cidade eles utilizavam de canos e de uma estrada que levava
o âmbito urbano. Na década de 80 em razão da especulação imobiliária várias
construções foram feitas no local mudando as áreas do local e a natureza.
Em 2012, foi dado início a construção da Via Expressa, projeto de uma
via dentro do contexto urbano, passando por vários bairros, dentre eles o Vinhais
Velho, que desapropriou uma série de moradores, que preservavam as suas
tradições que foram herdadas de seus ancestrais que tanto lutaram para
permanecer no local.
A luta inicialmente dos moradores era para a permanência no local, com
a resistência do Estado para realizar a desapropriação, os moradores mudaram
de posição e começaram a lutar por indenizações de acordo com o valor das
casas, já que as indenizações oferecidas pelo Poder Público eram baixíssimas,
o que inviabilizaria que essas pessoas pudessem comprar outro imóvel dentro
da cidade, levando em consideração a especulação imobiliária e os valores altos
2409
para a compra de imóvel, percebe-se assim o desrespeito e a negação do direito
à moradia, bem como do próprio direito à cidade.
O direito à moradia não está englobado apenas pelo simples fato de ser
ter um teto, tal direito abarca vários outros direitos, inclusive a própria identidade
que o sujeito cria com o local que mora, famílias que passaram ali parte de sua
vida, como a do seu Olegário o morador mais antigo da comunidade
descendente dos índios Tupinambás, dona Vitorinha e Dona Babá Ribeiro. As
pessoas mais idosas na faixa de 80 anos nasceram e viveram a sua vida inteira
nessa comunidade, assim como os seus ancestrais.
5 A IDEIA DE UNIVERSALISMO E A TENSÃO COM A DIVERSIDADE
A ideia de universalismo dos Direitos Humanos é a predominante dentro
das Cartas Universais, mas a universalização de conceitos prontos de Direitos
implicam em tensões e um rol de problemáticas, pois é difícil esse termo alcançar
de fato todas as culturas e as diferenças sociais.
O problema está, mais uma vez, na concessão de cidadania igual a
todos os grupos de um Estado poliétnico, baseada na universalização
da ideia de indivíduo abstrato, sem considerar as especificidades
culturais dos grupos envolvidos (LIMA, 2001 pág.62).
Principalmente pelo fato dessa ideia de universalismo ser imposta por
uma visão eurocêntrica. Quando as Grandes Navegações ocorreram e as
sociedades europeias se debateram com outros povos, os primeiros viajantes e
teóricos tentaram responder a questão se esses povos eram ou não humanos e
os mesmos foram jogados para a natureza, sendo vistos como animais.
Após isso com a Revolução Industrial e as catástrofes em que a Europa
estava vivendo se teve a ideia do “bom selvagem” e do “mau civilizado”, mesmo
assim ainda era uma visão preconceituosa sobre as outras sociedades. Depois
disso teve a Teoria Evolucionista que respondeu a questão se esses povos eram
ou não humanos, e a conclusão que se teve foi que sim, que todos eram
humanos, porém existiam aqueles que estavam em um estágio menor. Para isso
eles trabalharam com a unidade do conhecimento do espírito humano, por isso
não existe diferença eterna e sem temporária, todos vão chegar ao mesmo nível
de estágio, que é a “civilização”.
2410
Nesse sentido, surge um empecilho com essa política do universalismo,
que não é suficiente para alcançar a especificidade de todas as sociedades,
povo, culturas e comunidades. Essa política de universalismo não reconhece a
pluralidade de culturas, não permitindo o reconhecimento de que existem outras
culturas e diferenças sociais. A partir disso se pode fazer um paralelo com o
surgimento dos Direitos Humanos, que só realmente poderão ser pensados de
fato após o nazismo em que os horrores e os genocídios feitos pelos nazistas
foram descobertos. Só com isso se houve a ideia de que esses Direitos Humanos
deveriam ser respeitados por toda e qualquer sociedade. Segundo Immanuel
Wallerstein essa política de universalismo “é sempre apresentada como se
refletisse valores e verdades universais” (2007, pág.26).
As diferenças culturais não é uma questão apenas de distância como
muitos defendem, mas sim de perto, dentro de uma mesma sociedade existem
vários tipos de pensamentos, modos e culturas e que muitas vezes são vistas
como inferiores por não está de acordo com o que certo grupo pensa. Então,
pensar que diferença cultural só é uma questão de distanciamento geográfico é
uma falácia.
E os Direitos Humanos deveriam prever essas diferenças, seja pela
questão local ou pelo distanciamento geográfico, Boaventura de Sousa
Santos(1995) é um dos autores que mais faz uma crítica em relação ao papel
que esses Direitos Humanos possuem dentro da sociedade, o autor explora
como esses direitos que foram criados na modernidade, poderão ser usados de
fato como uma forma emancipatória, que reconheça a diversidade presente no
mundo, levando sempre em conta a dignidade da pessoa humana.
Com isso podemos fazer um paralelo com a situação do Vinhais Velho em
que os valores universais de progresso ficam em contraste em relação a
desapropriação dos moradores. Onde na qual os Direitos Humanos deveriam
alcançar essa comunidade e resguardar os seus direitos, porém a justificativa do
Estado foi no sentido de que a construção da Via Expressa visa o “bem- estar de
todos”, desconsiderando a história e o próprio entendimento desses moradores
sobre o direito à moradia.
2411
Para resguardar esse bem-estar da sociedade vai deixar de lado um
patrimônio histórico que é o Vinhais Velho, como se o fato deles quererem ficar
na comunidade em que cresceram e construíram suas vidas é uma questão de
ir contra ao progresso da cidade e ao crescimento da mesma. Impondo como se
fosse algo universal o progresso e a preservação dos Direitos Humanos da
maioria e deixa de lado os direitos culturais e o direito da comunidade de ficar
onde é o seu lugar de fato. Dando a ideia de que os Direitos Humanos de nove
famílias devem ser deixados de lado, por uma questão de maioria e um bemestar de grande parte da sociedade.
A partir dessa questão de universalismo ficam as questões para serem
respondidas: Onde é que os Direitos Humanos da comunidade do Vinhais Velho
fica? Como esses Direitos Humanos serão resguardados? Para o Estado com
uma indenização seria a forma de resguardar esses direitos e deixa de lado que
dentro desses Direitos Humanos estão presentes o direito à liberdade, à
propriedade, à dignidade e assim por diante. Com a desapropriação das terras
com certeza esses direitos não serão resguardados, a resistência da
comunidade inicialmente não foi pela indenização, mas sim pela permanência
de sua moradia.
De acordo com Esteva (2001, pág. 47) “os Direitos Humanos não são
senão a outra face do Estado-Nação”, e que, na era da globalização, “os direitos
humanos universais têm começado a parecer um novo Cavalo de Tróia para a
recolonização”. É o que está acontecendo no Vinhais Velho que pelo fato de não
terem concordado com a desapropriação foram vistos como os não “civilizados”,
os que possuem resistência com “progresso”.
O ideal é que essa tensão entre o universal e o particular pode ser
solucionada através da alteridade, que existe um lugar no mundo do outro e que
ninguém pode interferir. Para é necessário, a perspectiva de multiculturalismo, o
rompimento de conceitos prontos e impostos sobre Direitos Humanos. Os
moradores do Vinhais Velho possuíam seu conceito daquilo que eles
acreditavam como direito à moradia de qualidade, que não foi considerada na
decisão da construção da Via Expressa, simplesmente considerando o bemestar da maioria. Nesse sentido, a ideia de uma política cultural e de Direitos
2412
Humanos contra majoritário Roberto Kant afirma que “a política cultural
representa um importante meio encontrado pelas minorias socioculturais para
resinificar o que é cidadania e democracia.” (2001 pág. 63).
O fato de essas comunidades terem seus direitos respeitados são
questões que vão além do que se pode pensar. É uma questão também de
considerar a participação política nas cidades, de decisões dentro da cidades
que levem em conta os moradores, garantindo o próprio direito à cidade.
O papel que os Direitos Humanos devem exercer sobre o mundo e as
sociedades é muito importante e que pode servir como uma visão emancipatória
e de mudança sobre como eles são respeitados e resguardados por cada
sociedade. Para que essa aplicação desses direitos possam ser apropriados de
forma que reconheça a diversidade existente, seja na no mundo ou dentro das
próprias sociedades. Só assim se poderá ter de fato Direitos Humanos
Universais, que alcance a todos, mas sempre levando em conta as diferenças e
a dignidade da pessoa humana.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A AJUP possui um papel relevante dentro da prática do ensino jurídico,
pois questiona o modelo de ensino jurídico tradicional, que fica preso ao contexto
das salas de aula, a universidade, sem re(conhecer) a realidade social e o
contexto social. Tendo em vista, que Direito regula e muitas vezes é o
instrumento para a manutenção do status quo.
Nesse sentido, a experiência do PAJUP serviu para uma ampliação de
mundo, na percepção de que não basta ficar restrito ao mundo positivado pelo
Direito, que o ensino jurídico, inclusive o dos Direitos Humanos, se dá nas ruas,
nos movimentos sociais, no engajamento da luta política.
O entendimento e a educação em Direitos Humanos é rompida com o
ensino tradicional deste pela a atuação da Assessoria Jurídica, pois rompe com
as perspectivas que desconsideram a realidade social, o multiculturalismo e o
embasamento conservador do Direito.
2413
Assim, na educação de Direitos Humanos deve-se considerar a atuação
do ser como um sujeito político, que não apenas reflete sobre a realidade social,
mas que atua como um sujeito ativo de mudanças e experiências em
comunidades, em movimentos sócias, na luta por direitos, é a forma
revolucionária de educação de Direitos Humanos, formando assim todo o ciclo
da práxis.
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Belo Hor izonte: Formato, 1998
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2415
A ATUAÇÃO POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO: UMA BUSCA POR
LIMITES COMO FORMA DE GARANTIA DE UMA DEMOCRACIA
DELIBERATIVA SEGUNDO A TEORIA DE CASS SUNSTEIN
Paulo Enderson Oliveira Teixeira
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo limitar a atuação política por parte do
poder judiciário, para empreitada faz uso da teoria do Minimalismo Judicial de
Cass Sunstein. A democracia deliberativa preza por decisões legitimadas
tomadas em meio a uma esfera pública racional e ativa, afastando o judiciário da
agenda política. Entretanto, os preceitos constitucionais que elencamos direitos
fundamentais dos indivíduos possuem uma textura aberta. Nas democracias
ocidentais contemporâneas marcadas pela pluralidade de valores os juízes
encontram-se em dificuldades severas para chegar a decisões em virtude dos
profundos conflitos no seio da sociedade. Diante dessa realidade, o judiciário
ao se posicionar nas questões mais profundas e discutidas na sociedade corre
o risco de obstruir os processos políticos democráticos. Dessa forma, é
necessário limitar a atuação judicial em uma sociedade plural resguardada por
um ideal democrático deliberativo como forma dos valores mais fundamentais
de uma sociedade serem decididos por instancias mais democráticas do que o
judiciário. Diante dessa realidade, A teoria minimalista de Sunstein se
apresenta como uma proposta interessante capaz de oferecer alternativas para
o problema apresentado. Isso, pois, o minimalismo através de uma postura
judicial mais modesta baseado em decisões estreitas e superficiais, deixa em
aberto as questões mais fundamentais sobre principio, favorecendo a
deliberação pública.
PALAVRAS-CHAVE: Minimalismo Judicial; Democracia; Pluralismo; Cass
Sunstein.
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos uma das questões que mais se tem discutido no
campo da teoria e filosofia constitucional diz respeito à defesa, justificação, ou
ao limite do papel político ativo dos tribunais na vida política dos indivíduos que
compõe a sociedade.
2416
Inúmeros fatores contribuíram para uma expansão do poder judicial,
culminando em alterações da compreensão do constitucionalismo, da teoria
política, teoria constitucional e da teoria do Estado tradicional.
A utilização de instrumentos jurídicos para discutir conflitos políticos da
sociedade se trata de um fenômeno global, sendo possível de verificar em
tradições muito diferentes como o Commom Law e o Civil Law, nos quais a
atuação do juiz e sua legitimidade se encontram de formas acentuadamente
diferentes.
Os juízes passaram cada vez mais a serem chamados a se posicionarem
e resolverem conflitos em um número de setores da vida social cada vez mais
extenso.
Este é o contexto da proeminência do juiz em questões políticas e onde,
também, se insere o ativismo judicial e a judicialização da política, este ultimo
exige do judiciário um maior protagonismo na solução dos conflitos,
particularmente em questões de direito que no passado não eram
demandadas, para implementação do judiciário.
Neste contexto poder-se-ia indagar se o judiciário não estaria perdendo
sua identidade, pois cada vez mais se exige de um juiz o posicionamento em
questões políticas, assim, o poder judiciário se vê obrigado a discutir questões
que, em regra, deveriam ser discutidas na esfera política.
O procedimento na esfera política democrático-deliberativa é marcado
pela diversidade, e busca de solução para divergência fundamentais da
sociedade. Ainda, é marcado por um principio da maioria, salvaguardando os
direitos individuais e de participação no discurso, limitado por orçamentos que
guiam as políticas públicas. Quando o judiciário se posiciona politicamente em
tais questões sua intervenção é no mínimo atípica, e merecem limitação as
decisões e de serem objetos de análise.
2 HÁ UMA CRISE NA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA
Na França, no ano de 1996, o jurista e antropólogo Antoine Garapon
lança a obra “Le gardien des promesses”. Nessa obra o autor afirma a
2417
existência
de
uma
crise
valorativa
e
simbólica
nas
sociedades
contemporâneas, diante dessa crise, a idéia de justiça- tida como o judiciárioseria um ícone resistente no universo simbólico dos homens. A idéia de um
símbolo é tão cara, pois propicia a estabilidade social em um mundo que
enfrenta o colapso e o enfraquecimento de referências. É neste contexto que:
O sujeito, privado das referências que lhe dão uma identidade e que
estruturam sua personalidade, procura no contato com a justiça uma
muralha contra o desabamento interior. Em face da decomposição do
político, é então ao juiz que se recorre para a salvação. Os juízes são
os últimos a preencher uma função de autoridade – clerical, quase que
parental – abandonada pelos antigos titulares. (GARAPON, 1999,
p. 27).
No contexto de tal crise, é levado ao judiciário um volume e diversidade
cada vez maior de demandas, “nada mais pode escapar ao controle do juiz, as
ultimas décadas viram o contencioso explodir e as jurisdições crescerem e se
multiplicarem, diversificando e afirmando, cada dia um pouco mais, sua
autoridade”. (GARAPON, 1999, p. 24)
Uma vez que aluíram os baluartes políticos, simbólicos, psíquicos e
normativos a justiça é elevada à condição de instância simbólica central e de
última instância da moral (GARAPON, 1999, p. 141). Ricoeur reafirma tal
posição: “A demanda da justiça vem do desamparo da política, o direito
tornando-se a última moral comum em uma sociedade que não mais a possui.”
(RICOUER. In GARAPON,1999,p.15). Neste cenário a jurisdição:
Converte-se no último disciplinador de uma sociedade em vias de
desintegração, a política eleitoral de sociedades decepcionadas com
suas instituições tradicionais, o único centro possível de uma
sociedade policêntrica, a última instância moral no momento em que
a religião desaparece no horizonte democrático, o último palco de uma
sociedade sem projetos. (GARAPON, 1999, p. 173-174).
E a figura do juiz, em um grupo com falta total de vínculos, é “convocado
como ministro de orientação, numa sociedade desorientada”. (GARAPON,
1999, p. 137).
Garapon acredita que o aumento da judicialização decorre da
transformação da sociedade que para lidar com o pluralismo e complexidade
das sociedades democráticas recorre cada vez mais ao judiciário para evitar
sua derrocada e reafirmar a proposta democrática. Assim a legitimidade da
atuação do judiciário na política adviria da expectativa da sociedade sobre o
2418
próprio conceito de democracia. No contexto proposto, deixam de existir
questões exclusivamente políticas. O juiz não seria um garantidor do status
quo, e sim um agente contestador da ordem social, um guardião das promessas
(GARAPON,1999,).
O Judiciário ao ocupar um papel central é conduzido para o centro do
palco das questões políticas. Isto é decorrente da deterioração dos espaços
republicanos tradicionais de deliberação. Em razão das debilidades dos
Poderes Executivo e Legislativo, o Judiciário entra em cena, provocando uma
transformação na democracia. Nas palavras do autor:
O sucesso da justiça é inversamente proporcional ao descrédito que
afeta as instituições políticas clássicas, causado pela crise de
desinteresse e pela perda do espírito público. A posição de um terceiro
imparcial compensa o “déficit democrático” de uma decisão política
agora voltada para a gestão e fornece à sociedade a referência
simbólica que a representação nacional lhe oferece cada vez menos.
(GARAPON, 1999, p. 48).
Ora, em tal sociedade retratada parece que se torna mais acessível o
debate público nos tribunais do que no parlamento, este que possui um déficit
de
representação. Resultando ainda mais
em
uma
substituição da
representação política clássica pela busca crescente por mecanismos judiciais.
Assim parece que a invasão do proeminência do judiciário:
só poderá ser compreendida se relacionada a um movimento
profundo, do qual ele é apenas uma das manifestações. Não se trata
de uma transferência de soberania para o juiz, mas, sobretudo de uma
transformação da democracia. A grande popularidade dos juízes está
diretamente ligada ao fato de que foram confrontados com uma nova
expectativa política, da qual se sagraram como heróis, e que
encarnaram uma nova maneira de conceber a democracia.
(GARAPON, 1999, p. 39).
John Ralws (2000), em seu livro O Liberalismo Político, afirma que em
uma sociedade moderna é comum a existência de um pluralismo de idéias
políticas, religiosas, filosóficas e morais que são incompatíveis entre si. Apesar
de incompatíveis, essas ideias são razoáveis, uma vez que concebidas pela
razão pratica.
Nas democracias contemporâneas o judiciário vem se tornando o ultimo
reduto político-moral para se solucionar estes desacordos. O cidadão deposita
no judiciário sua esperança para resolver demandas, ao invés de recorrer a
seus representantes tradicionais - legislativo e executivo. É nesse contexto que
2419
se expande o papel dos atores judiciais nas praticas sociais. Pode-se citar
alguns autores que compartilham da idéia apresentada como: Vianna Lopes
com seu conceito de “Invasão do Direito” (2005) e Ingeborg Maus (2002) com o
“Judiciário como superego da sociedade órfã”
Ora, o judiciário vem se tornando o ultimo reduto político-moral da
sociedade através da transformação social da democracia que culmina em
participação política cada vez mais freqüente por parte deste, alguns autores
atribuem o nome de judicialização a esse fenômeno.
2.1 O aumento das estruturas judicantes nas democracias
Nos primórdios da história independente dos Estados Unidos da América
já é possível falar de judicialização (TATE; VALLINDER ,1995 p. 17). A
obra "O Federalista" (Federalist Papers), publicada em 1788, apresenta uma
série de 85 artigos argumentando para a ratificação da Constituição dos
Estados Unidos. Nestes textos se destaca a importância da adoção do
federalismo para o chamado sistema de freios e contrapesos, bem como revela
a influência das idéias de Montesquieu de separação dos poderes legislativo,
executivo e judiciário.
Hoje a separação das funções do Estado já não é absoluta, no entanto
há muitos que criticam a judicialização e que defendem o afastamento do
judiciário das questões políticas para, segundo eles, garantir a vontade da
maioria, e assim, da democracia.
É possível constatar com Alexander Hamilton (HAMI LT ON;
MADISON; JA Y,1973. p. 162-172), um dos autores de “O Federalista ”,
um posicionamento cético diante de um governo que se baseia na regra
majoritária. Bem como se pode notar, no mesmo autor, um interesse pelo papel
constitucional dos tribunais, em contraposição ao interesse das maiorias
ocasionais. Hamilton lança as bases para sustentação do controle pelo poder
Judiciário dos atos legislativos e administrativos que culmina, em 1803. Com a
suprema corte Americana declarando
pela
primeira
inconstitucional, no caso emblemático Marbury vs. Madson.
vez
uma
lei
2420
Ora, a revisão judicial da constitucionalidade das leis é uma característica
elementar do sistema político americano, consolidada no século XIX. De sua
consolidação até o século XX, se viu o tribunal aumentar ainda mais seu
poder.
Inicialmente
tratando
de questões
de ordem
federativa
e
posteriormente se dedicando à proteção das liberdades cíveis. (KOOPMANS,
2003. p. 41).
A expansão do poder judiciário na democracia americana e a influência
dos juízes na vida política norte-americana foram constatadas pelo pensador
político e historiador Alexis de Tocqueville (2002) já no século XIX.
Demonstrando tal peculiaridade o autor conclui:
O juiz americano assemelha-se perfeitamente a magistrados das
outras nações. Entretanto, revestem-se de imenso poder político. De
onde isso provém? Move-se nos mesmos círculos e servem-se dos
mesmos meios que os outros juízes. Por que possui poderes que os
outros não têm? A causa reside num só fato: os americanos
reconheceram nos juízes o direito de fundamentar seus veredictos
na Constituição mais do que nas leis. Em outras palavras, permitiramlhes não aplicar as leis que lhe pareçam inconstitucionais. Sei que
direito similar foi, algumas vezes, reivindicado pelos tribunais de
outros países; mas nunca lhes foi concedido. Na América é
reconhecido por todos os poderes; não se encontra partido nem
indivíduo que o conteste. (TOCQUEVILLE, 2002. p.205-206).
Cientistas políticos dos Estados Unidos da América, na metade do século
XX, estudavam os tribunais, em especial as cortes constitucionais, como
politicamente ativas. Cita-se, com destaque, Robert Dahl (1957) que defendia a
Suprema Corte norte-americana como uma criadora de políticas nacionais,
podendo gerar uma tensão com a democracia.
O aparente paradoxo entre constitucionalismo e democracia é um dos
problemas centrais das obras de Frank Michelman (1999, p. 01), o autor
destaca:
A democracia aparece como auto-governo do povo - as pessoas de
um país decidindo por si mesmas os conteúdos decisivos e
fundamentais das normas que organizam e regulam a sua comunidade
política.
O constitucionalismo aparece como a contenção da tomada de decisão
popular através de uma norma fundamental, a constituição - law of lawmaking,
projetada para controlar até onde as normas podem ser feitas, por quem e
através
de
quais
procedimentos. É
parte
essencial da
noção
de
2421
constitucionalismo que a norma fundamental deva ser intocável pela política
majoritária ( que ela deve limitar).
Vê-se que conciliar democracia e constitucionalismo é uma tarefa tão
complexa. A democracia significa o povo decidindo as questões politicamente
relevantes da sua comunidade, isso inclui os conteúdos da constituição de um
país, isto é, as normas que organizam as instituições do governo e
estabelecem limites aos respectivos poderes governamentais.
Por sua vez, o constitucionalismo significa impor limites à soberania
popular, então alguns conteúdos da Constituição devem permanecer fora do
alcance da decisão majoritária ou das deliberações democráticas. A
democracia constitucional se depara com esta delicada questão.
Um dos vários meios de se conciliar a democracia e o constitucionalismo
é apresentado por Michelman, (1987-1988), para o autor a jurisdição
constitucional como espaço de mediação típica distancia do republicanismo
clássico, que se baseava em valores sociais majoritários, assim o autor
defende que caberia aos juízes a inclusão dos excluídos, conferindo uma
participação política ao poder judiciário para implementar os direitos dessas
pessoas.
Mauro Cappelletti atribui o grande segredo do sucesso do sistema
constitucional norte-americano ao controle recíproco dos poderes, através da
coexistência de um Legislativo forte, com um Executivo forte e um Judiciário
forte, o que tornaria possível um sistema de contrapeso e controle mútuo. Para
o autor italiano, seguir o ideal clássico da estrita separação dos poderes traria
como “[...]conseqüência um Judiciário perigosamente débil e confinado, em
essência, aos conflitos privados” (CAPPELLETTI, 1993, p.53). Um sistema de
checks and balances, com o crescimento do Judiciário é o ingrediente
necessário ao equilíbrio dos três poderes.
Além disso, dissertando sobre o aumento das estruturas judiciais nas
democracias, Cappelletti (1993) afirma que o gigantismo estatal, do poder
legislativo, do poder administrativo e da burocrácia do Wellfare Estate fez com
que as funções e a responsabilidade dos juízes aumentassem, principalmente
2422
na forma de controle judiciário da legitimidade constitucional das leis, constitui
um aspecto dessa nova responsabilidade.
Assim, o Judiciário se depara com duas alternativas: a) permanecer fiel
à concepção tradicional do século XVIII, dos limites da função jurisdicional; b)
elevar-se ao nível dos outros poderes, tornar-se o terceiro gigante, capaz de
controlar o legislador e o administrador. (CAPPELLETTI, 1993, p.39). O
judiciário então emerge como um “terceiro gigante”, assumindo funções que
ultrapassam a de simples guardião e contrapeso aos outros poderes.
A teoria da tripartição dos poderes clássica foi iniciada por John Locke
(2004) ao atribuir ao poder Legislativo à responsabilidade de criar a lei, ao
executivo de executar a lei, e ao poder Federativo a responsabilidade de firmar
ligar e alianças. Posteriormente, Montesquieu (2004) amplia essa idéia e passa
a denominar os poderes como Legislativo, Executivo e Judicial, que exercem
um sistema de pesos e contrapesos harmônicos entre si. Além de exercer sua
função típica cada poder, para manter a harmonia, exercia de forma atípica a
função dos demais, no entanto, em situações específicas e predeterminadas.
A obra “A expansão Global do poder Judicial” produzida coletivamente
por C. Neil Tate e Torbjörn Vallinder (1995) se tornou um clássico e uma
referência para o estudo do aumento das estruturas judicantes e sua
legitimidade democrática quando da atuação na política, a este fenômeno
convencionou-se chamar judicialização da política. Neste trabalho os autores
identificam algumas condições que consideram que facilitavam a expansão do
poder judicial em vários países, são elas:
1. Um sistema político democrático; 2. A existência de um ordenamento
institucional fundado na separação de Poderes; 3. A existência de uma
Carta de direitos (constituição); 4.O recurso ao Judiciário por grupos de
interesse; 5.O Recurso ao Judiciário pela oposição; 6. A Inefetividade
das instituições majoritárias em impedir o envolvimento de instituições
judiciais em certas disputas políticas; 7. Percepções negativas acerca
das instituições majoritárias e legitimação de instituições judiciais; 8.
Algum grau de delegação de poderes de decisão das instituições
majoritárias em favor de instituições judiciais. (TATE, 1995, p. 28-33,
tradução nossa).
Para Tate e Vallinder (1995) escândalos envolvendo os representantes
democraticamente eleitos
abalaram a
confiança do
povo
nos
seus
representantes. Como resultado a população depositou suas esperanças no
2423
judiciário. E posteriormente o povo o consagrou como um paladino contra os
abusos praticados nas tradicionais arenas de deliberação política.
Frente a um Executivo ineficiente para gerir sua burocracia, e um
Legislativo fisiológico e demagogo (CAMPILONGO, 1994, p.20), as esperanças
e anseios da população foram depositados no judiciário.
No Brasil, a década de 90 foi marcada pela relevância dada ao estudo
do papel político do poder Judiciário. Observando a realidade do Brasil,
Eduardo Meira Zauli elenca outros fatores que estimularam a atividade do
poder judiciário em questões políticas:
1. Em primeiro lugar a promulgação de uma Constituição cujo caráter
principiológico e programático, acompanhado de uma nova
hermenêutica que confere normatividade aos valores e princípios
constitucionais, permitiu um processo de constitucionalização do
direito, no sentido da irradiação dos princípios e valores constitucionais
por todo o sistema jurídico; abrindo espaço para uma releitura
do direito infraconstitucional e das decisões dos Poderes Legislativo e
Executivo à luz da Constituição (BARROSO, 2009), interpretada “[...]
em torno de enunciados abertos, indeterminados e plurissignificativos
– as fórmulas lapidares que integram a parte dogmática das
constituições” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p.58). 2. A
ampliação do elenco de intérpretes da Constituição por meio da
abertura do sistema de controle de constitucionalidade a um leque mais
amplo de atores legitimados para propor ações de constitucionalidade;
3. As novas garantias de independência do Poder Judiciário e
do Ministério Público; 4. Os novos mecanismos de acesso ao Poder
Judiciário. Para além das condições mencionadas observa-se no
Brasil também certo descompasso entre os valores e orientações
predominantes no âmbito das instituições majoritárias, por um lado, e
os valores e orientações predominantes no âmbito das instituições
judiciais, por outro lado. Assim, de uma combinação de ativismo
judicial e choque de valores entre aqueles dois tipos de instituição a
resultante tem sido o fenômeno da judicialização da política. (ZAULI,
2010, p. 3-4).
Percebe-se que, principalmente, a crescente constitucionalização do
direito fruto do constitucionalismo moderno, bem como a jurisdição
constitucional no exercício do controle de constitucionalidade, expandiu a
atuação do judiciário na política, o que se convencionou chamar de
judicialização.
Enfim, vários trabalhos apontam o aumento mundial das estruturas
judicantes no cotidiano das democracias, o que resulta em uma crescente
utilização dos tribunais e, frequente ingresso em questões políticas. A
judicialização é considerada por alguns como uma anomalia do equilíbrio entre
2424
os poderes, uma deturpação da democracia. Assim, se faz necessário um maior
estudo sobre seu conceito e sua origem.
3 OS ACORDOS NÃO TOTALMENTE TEORIZADOS
O pluralismo, marca das democracias modernas em sua complexidade,
sugere um aparente paradoxo: como, em um sistema político pautado em
ideais de
deliberação
e
de
autogoverno,
pode
ser
possível
o
constitucionalismo, se os cidadãos em sua heterogeneidade frequentemente
discordam sobre as questões mais cruciais para a sociedade?
Nas sociedades contemporâneas (heterogêneas) a existência das mais
diversas culturas, os valores, posições morais e políticas parecem ameaçar a
ordem constitucional e estabilidade social. Os indivíduos discordam sobre
questões de direito, de liberdade, de igualdade, e sobre como seria uma boa
vida, estas e muitas outras questões se transformam em um verdadeiro
obstáculo para os juízes e o processo de tomada de suas decisões.
Diante desse grave problema, Cass Sunstein (2001; 2007) sugere que
os acordos não totalmente teorizados colaboram para a elucidação sobre como
membros de diversos grupos chegam a um respeito mútuo sobre o justo e o
devido, dessa forma, possibilitando a existência do direito constitucional e da
própria constituição, mesmo em países cujos povos discordem sobre as
questões mais fundamentais que forma muma determinada sociedade.
Sunstein sugere que há dois tipos de acordos não totalmente teorizados,
em uma sociedade marcada por desavenças cruciais: o primeiro tipo se refere
aos acordos não totalmente teorizados sobre formulações abstratas, tal como a
liberdade de expressão e a igualdade perante a lei (SUNSTEIN, 2007); acordos
desse tipo são fundamentais para o processo de elaboração constitucional. O
segundo tipo se refere aos acordos não totalmente teorizados sobre questões
concretas, práticas individuais; tal tipo de acordos é importante para a lei,
constituição, e para a vida em sociedade. Sunstein (2001; 2007) acredita ser
difícil que pessoas, ou grupo, teorizem completamente sobre determinada
questão. Teorizar um assunto significa aceitar uma teoria geral e as conclusões
2425
concretas implicadas pela mesma; para o autor, é raro isso acontecer, no
entanto, ele defende que acordos não totalmente teorizados poderiam ser uma
alternativa viável à estabilidade social e jurídica, na medida em que:
As pessoas muitas vezes podem concordar com as práticas
constitucionais, e até com os direitos constitucionais ainda que não
concordem com as teorias constitucionais por trás destes. Em outras
palavras quando funcionam bem as normas constitucionais tentam
resolver problemas através de acordos não totalmente teorizados.
(SUNSTEIN, 2007. p. 1).
Por teoria geral, entende-se valorar o direito com um alto nível de
abstração e decidir os casos observando-se os fundamentos estabelecidos
pela teoria. O tipo de acordo aqui estudado estabelece que, ao se envolverem
abstrações aceitas em meio a grandes desentendimentos em casos
particulares,
as
pessoas
podem
aceitar
um
princípio
geral
sem
necessariamente aceitar todas as implicações do mesmo em casos concretos.
Dessa forma, é possível, a título de exemplo, que as mesmas pessoas
que não cheguem a um acordo sobre um discurso de incentivo à violência,
podem aceitar um principio geral de liberdade de expressão: mesmo não
concordando com o relacionamento homossexual, podem aceitar um princípio
abstrato de não discriminação (SUNSTEIN, 2007).
Para Sunstein (2007) a constituição só é concebível por meio desse tipo
de acordo não totalmente teorizado. A constituição tanto protegeria os
princípios mais abstratos e muitas vezes como seria dúbia sobre a exata
implicação dos princípios; a determinação do significado desses princípios é
interpretativa e tomada com base em um caso concreto. Assim sendo, o
processo de produção constitucional se tornaria viável em decorrência dos
acordos não totalmente teorizados, pois os mesmos evitam grandes conflitos
na edição das leis. Entretanto, algumas vezes, os acordos não totalmente
teorizados envolvem resultados concretos ao invés de abstrações; em casos
difíceis, as pessoas podem concordar com a constitucionalidade, ou não, de
certa prática, ainda que as teorias que fundamentam os seus diversos
posicionamentos sejam divergentes, ajudando a dar um sentido à lei. Uma
discussão sobre o que seria mais importante, a igualdade ou a liberdade, seria
um exemplo desse tipo de acordo. Sunstein (2007) acredita que, em
discussões difíceis sobre abstrações, uma descida conceitual reduziria o nível
2426
de abstração e possibilitaria às partes envolvidas chegarem a um senso
Comum a descida conceitual:
Demanda silêncio sobre certas questões básicas, como um dispositivo
para a produção de convergência apesar do desacordo, da incerteza, dos
limites de tempo, de capacidade, e de heterogeneidade. Em suma, o silêncio
pode ser uma força construtiva. Os acordos parcialmente teorizados são uma
importante fonte para sucesso do constitucionalismo e para estabilidade social,
pois eles também fornecem uma maneira para que as pessoas demonstrem
respeito mútuo. (SUNSTEIN, 2007. p. 02).
Como exemplo, pode-se pensar no seguinte contexto: é possível que em
certa sociedade as pessoas acreditem que se deva proteger a liberdade
religiosa, mas tendo diversas teorias sobre o fundamento disso; pode ser que
alguns acreditem nisso enquanto fato de paz social, já outros podem pensar
que a liberdade religiosa se fundamenta na dignidade da pessoa humana,
também há quem possa se valer do modelo utilitário ou do kantiano, ou de
tantos outros para justificarem seu julgamento. Contudo, é possível que as
regras e os princípios de um nível médio de abstração sofram esse tipo de
acordo não totalmente teorizado, havendo, pois, uma teoria geral por trás do
mesmo.
Novamente retomando Sunstein (2007), tem-se que é possível que as
pessoas concordem com um resultado, mesmo não existindo uma teoria ampla
para justificar os seus fundamentos: é possível concordar com a noção de
expansão de um corpo quando aquecido sem ser sabido o porquê disso
acontecer, por exemplo.
A moralidade e o direito procedem da mesma forma: julgamentos morais
razoáveis podem ser atingidos, mesmo que as pessoas não consigam explicálos completamente, tal como ocorre com aqueles que condenam a escravidão
não sabendo explicar o motivo (SUNSTEIN, 2007). Juízes podem acreditar que
um governo que pune a livre manifestação religiosa age de forma ilegal, sem,
no entanto, saberem exatamente e em sua completude a razão desse princípio
valer como lei. Diante dessa realidade, Sunstein formula uma regra: “Podemos,
assim, oferecer um ponto epistemológico: as pessoas podem saber que X é
2427
verdadeiro, sem saber por que inteiramente X é verdadeiro” (SUNSTEIN,
2007.p.04). Esse fato o autor denomina de acordos não totalmente teorizados
sobre resultados concretos.
Os acordos não totalmente teorizados sobre questões concretas não
implicam que no direito não seja possível a fundamentação por teorias
profundas. O importante é demonstrar que, quando os indivíduos discordam
sobre uma teoria geral, os acordos não totalmente teorizados são possíveis
após uma descida conceitual capaz de promover uma convergência em
questões particulares; aqui se apresenta o fenômeno do uso construtivo do
silencio, implicando em dizer que o silêncio pode ser utilizado como um
mecanismo de produção de conformação social, apesar de todas as
vicissitudes. O silêncio sobre pontos de vistas diversos possibilita a atuação de
acordos não totalmente teorizados, na medida em que desacordos em larga
escala são resolvidos.
Em uma sociedade democrática heterogênea, marcada por uma
pluralidade de concepção de valores, é vital para o direito encontrar métodos
por meio dos quais seja tanto possível obter acordos quando necessário como
torná-los desnecessários quando os mesmos forem de difícil alcance
(SUNSTEIN, 2007). As normas constitucionais muitas das vezes são capazes
de resolver de forma satisfatória o conflito apresentado: muitas vezes
indivíduos concordam com regras constitucionais ditas sem concordar em
diversas outras coisas, sendo que são os julgamentos individuais que atribuem
significado e qualidade a tais regras (SUNSTEIN, 2007).
Pode-se afirmar que os acordos não totalmente teorizados tenham
particular relevância em uma sociedade heterogenia pautada em uma
democracia deliberativa, pois são instrumentos capazes de gerar estabilidade
social, amenizando as divergências fundamentais na sociedade e, assim,
possibilitam a consolidação de uma constituição; permitem a convivência em
uma sociedade plural, por promoverem a reciprocidade e o respeito mútuo na
medida em que as regras e os princípios de baixo nível tornam desnecessário
resolver as divergências fundamentais entre os indivíduos.
2428
Os acordos não totalmente teorizados são capazes de reduzir o custo
político de desacordos que se mostram persistentes, pois esses acordos visam
a rejeitar teorias gerais, logo, possibilita aos perdedores em casos concretos
continuarem a acreditar em seus valores e em sua teoria geral – até mesmo
possibilitam que, em outro caso concreto, seus valores e sua teoria geral
justifiquem uma vitória. Por fim, (IV) tais acordos são importantes para a
evolução moral e para a progressão da sociedade e dos indivíduos ao longo do
tempo.
4 MINIMALISMOS JUDICIAL, DEMOCRACIA DELIBERATIVA E LIMITES À
ATUAÇÃO POLÍTICA DO JUDICIÁRIO
De modo geral e com grande frequência, as pessoas são orientadas por
suas próprias crenças e convicções, ou muitas das vezes pelas crenças e
convicções de outrem, ao estabelecer como deveriam se comportar, qual
deveria ser o julgamento sobre determinado assunto, fatos, valores, políticas,
questões jurídicas e etc, como demonstram os experimentos de Ash e Stoner.
Especificamente os juízes se encontram entre as pessoas que mais
sofrem pressões sociais, podendo ter seu julgamento influenciado, seja por
conformismo, por cascatas sociais ou pela polarização de grupos; uma vez que
ideologias contribuem ao julgamento, esse está sujeito ao risco de ser injusto
(SUNSTEIN, 2005).
Uma forma de combater o problema apontado se baseia na ampliação
do número de argumentos e na diversidade dos mesmos na esfera pública
(SUNSTEIN, 2005); porém, dentro do poder Judiciário é limitada tanto a
entrada de informações como a diversidade, o que torna problemática a
questão tratada, isso, pois, justamente a maior entrada de informação e a
maior diversidade da mesma que tornaria mais provável uma lei ser mais
adequadamente interpretada (SUNSTEIN, 1998): quando apoiada por pessoas
divergentes, é mais provável que uma decisão seja adequada e não política, no
sentido pejorativo (SUNSTEIN, 2005).
2429
Diante do problema apresentado, os juízes deveriam agir de forma
menos ambiciosa e com maior cautela, principalmente em questões difíceis,
para as quais a melhor interpretação acerca de uma lei é algo controverso. Isso
implicaria aos juízes o reconhecimento de sua limitação e também o
reconhecimento da própria limitação da natureza do poder Judiciário; o próprio
ideal de uma democracia deliberativa limitaria a atuação política dos juízes em
prol de um minimalismo judicial apoiado, sobretudo, em acordos não totalmente
teorizados.
4.1 O minimalismo judicial de cass sunstein
O minimalismo judicial é adotado por muitos juízes que, em teoria, não
possuem a pretensão de dizer e fazer mais do que o necessário à resolução de
casos concretos. Os juízes minimalistas justificam suas decisões dizendo
somente o necessário à resolução do caso, isso deixa em aberto as questões
mais fundamentais e que envolvem as maiores controversas na sociedade.
Existem diferentes formas de minimalismo, mas todos compartilham de
uma preferência por passos menos ambiciosos, em detrimento àqueles mais
ambiciosos, favorecendo os acordos não totalmente teorizados orientados às
teorias gerais, quando da justificação de suas decisões. Tal preferência opera
em duas dimensões (SUNSTEIN, 2005).
A primeira dimensão: minimalistas favorecem decisões estreitas, em vez
de decisões mais largas. Decisões estreitas não se aventuram muito além do
problema em mãos e tentam focar as particularidades do litígio pendente no
tribunal, e, além disso, não procuram estabelecer parâmetros e regras amplas
e gerais para possíveis casos futuros.
Ao se depararem com uma escolha entre decisões estreitas ou amplas,
minimalistas geralmente optam pelas primeiras, sendo lembrado que a
diferença entre a estreiteza e a largura é a de grau, e não a de tipo
(SUNSTEIN, 2005):
Entre as alternativas razoaveis, minimalistas mostram uma
preferência persistente
para
as
opções
mais
estreitas,
especialmente em casos nas fronteiras do direito constitucional.
Nesses casos, minimalistas acreditar que os juízes não dispõem de
2430
informações relevantes, pois eles não têm um sentido pleno das
muitas situações em que possam aplicar uma regra ampla. Por esta
razão, minimalistas temem os efeitos potencialmente prejudiciais de
decisões que vão muito além do caso em questão. (SUNSTEIN,
2006. p. 362).
O grande temor dos minimalistas se baseia no fato de decisões de
caráter mais largas tenderem a produzir erros que são, ao mesmo tempo,
graves e de difícil reversão. Por isso, pode-se pensar que estreiteza é natureza
especialmente desejável, por evitarem “colocar grilhões em questões futuras
por pronunciamentos desnecessários hoje” (SUNSTEIN, 2006. p. 362).
Os Juízes minimalistas defendem que a não interferência em questões
políticas por parte do Judiciário e a preferência por questões estreitas reduz o
risco que decisões politicas equivocadas imponham limites indesejáveis sobre
os processos democráticos. Em muitos domínios, as pessoas sensatas dão
pequenos passos, a fim de preservarem suas opçoes, conscientes de que
grandes passos podem ter consequências inesperadas ou ruins, especialmente
quando de difícil reversão. No Direito, decisões amplas podem produzir
resultados a serem arrependidos pelos juízes:
Ao contrário de legisladores e administradores, os juízes muitas vezes
não veem uma ampla gama de informações em questões particulares. A falta
de informações sobre uma série de situações faz com que os juízes se
encontrem muitas vezes em uma posição ruim para produzirdecisões amplas
(SUNSTEIN, 2006. p. 364).
A segunda dimensão pela qual opera a preferência pelo minimalismo é a
seguinte: minimalistas buscam decisões que são superficiais, portanto, não
profundas. Decisões superficiais tentam produzir justificativas e resultados com
os quais diversas pessoas podem concordar, não obstante o seu desacordo ou
a sua incerteza sobre as questões que possam ser mais fundamentais, ou seja:
tentam evitar discutir o alcance e o significado dos princípios mais
fundamentais e controversos na sociedade, (SUNSTEIN, 2006. p. 362).
Minimalistas buscam julgamentos e decisões que podem atrair apoio
compartilhado de pessoas que estão comprometidas com um ou outro destes
entendimentos fundamentais, ou que não tem certeza sobre os fundamentos
do princípio da liberdade de expressão. A preferência minimalista para
2431
superficialidade pode ser aceita por aqueles que estão inclinados a uma ou
outra consideração fundamental, mas acreditam que o melhor é a lei
constitucional poder atrair o apoio de diversas pontos de vista. (SUNSTEIN,
2006. p. 362).
Ao se deparar com desacordos teóricos de difícil resolução, os juízes
minimalistas, ao julgar, adotam uma regressão conceitual na esperança de
serem convergidas as desavenças, quando da diminuição do grau de
teorização.
A diferença entre estreiteza e superficialidade é que a primeira diz
respeito à amplitude da decisão enquanto a segunda diz respeito ao nível de
ambição
teórica
(SUNSTEIN,
2006).
A
preferência
minimalista
pela
superficialidade também está embasada em três considerações: as decisões
superficiais, assim como as estreitas, simplificam os encargos da decisão –
essa a primeira consideração. Pode ser extremamente difícil decidir sobre o
que fundamenta um Direito Constitucional, as decisões superficiais tornam tais
decisões desnecessárias (SUNSTEIN, 2006).
A segunda consideração é esta: as decisões superficiais podem evitar
erros, assim como as estreitas; um julgamento em favor de uma ou de outra
consideração fundamental pode muito bem produzir erros significativos, e, ao
se adotar a superficialidade, é menor a propensão aos erros, simplesmente em
virtude de seu “agnosticismo sobre as grandes questões do dia” (SUNSTEIN,
2006. p. 65), questões mais fundamentais e amplas. E isso, pois, possibilita a
convergência de posicionamentos diferentes, reduzindo o conflito entre os
mesmos. (SUNSTEIN, 2006).
Já terceira e última consideração que embasa a preferência minimalista
pela superficialidade é esta: as decisões superficiais tendem a promover a paz
social ao mesmo tempo que mostram um alto grau de respeito aos que
discordam sobre grandes questões; em uma sociedade heterogênea, é
geralmente útil assegurar aos cidadãos, na medida do possível, que seus
próprios compromissos mais profundos não foram descartados fora dos limites
da decisão do caso concreto. Ao realizar essa tarefa, decisões superficiais
2432
reduzem a intensidade dos conflitos, e aqueles que buscam a superficialidade
demonstram respeito com compromissos fundamentais.
Certamente estreiteza e superficialidade possuem um lado perigoso: agir
de forma estreita pode reproduzir imprevisibilidade e tratamento desigual,
talvez –por tanta incerteza nas decisões, pode parecer violar o Estado de
Direito (SUNSTEIN, 2006). Em muitos contextos, as regras são preferíveis aos
princípios, a fim de se aumentar a clareza, de modo se instruir melhor as
pessoas sobre seus direitos e suas obrigações. A título de exemplificação, nas
áreas de contrato, pensados ato ilícito e direito de propriedade, estreiteza seria
inaceitável, pois as pessoas exigem clareza nesses domínios; e, se as regras
de propriedade e contrato não são claras, as pessoas não serão capazes de
conduzir os seus assuntos com a certeza do que essas áreas demandam.
Assim, na medida em que minimalistas primam pela estreiteza, ficam mais
vulneráveis, por essa teoria deixar abertura no sistema.
A superficialidade, por sua vez, mesmo tendo certamente suas virtudes,
apresenta certas questões merecedoras de reflexão. Se uma teoria profunda é
correta, no sentido de ela refletir a abordagem adequada para a disposição
constitucional, talvez juízes devessem adotá-la. Assim, por que eles deveriam
se recusar a apoiar tal teoria adequada e adotar o minimalismo? A decisão
superficial apresentada sob esse enfoque parece um grande erro, se uma
abordagem mais ambiciosa, embora controversa, está realmente correta
(SUNSTEIN, 2006). Certamente esse é um contraponto razoável à
superficialidade.
Entretanto, a escolha pelo minimalismo judicial se baseia no fato de essa
teoria ser capaz de propiciar segurança, estabilidade e convivência harmônica
aos indivíduos de uma democracia deliberativa marcada pelo pluralismo. Isso
se opera mediante os acordos não totalmente teorizados capazes de produzir
julgamentos superficiais e estreitos que permitem a pessoas de valores
fundamentais diferentes concordarem sobre certas questões não abdicando de
seus ideais e também favorecendo maior estabilidade política.
Nessa faceta do minimalismo, a corte se reconhece como promotora dos
ideais democráticos deliberativos, ou seja, favorece a discussão e o debate na
2433
esfera pública. Em suma, o minimalismo procedimental sugere que os juízes
evitem fundamentar as decisões com teorias abstratas tomadas como corretas.
A abordagem minimalista reduz a sobrecarga sobre a tomada de
decisão em se tratando de tempo e de informação, pois o esforço para alcançar
acordos profundos não seria necessário. E, ao deixar questões em aberto
reduz os riscos de consequências não previstas pelos julgadores.
Já a face substancial do minimalismo se faz necessária por ser ela a
responsável por fixar um consenso relativo aos valores constitucionais
garantidos, independentemente de discussão ou de decisão por parte de uma
maioria. Ou seja, em uma sociedade, os direitos constitucionais seriam as
garantias firmadas que não poderiam ser ignoradas e nem combatidas pela
maioria política; nesse rol de direitos e compromissos partilhados está o direito
ao voto, ao dissenso político, à proteção contra prisão injusta, à liberdade
religiosa, ao direito à propriedade e à não subordinação por questão de sexo
ou raça, dentre outras que se encontram em constante processo de
transformação (SUNSTEIN, 2001).
Cass Sunstein, em seu minimalismo judicial, acredita que em um
sistema democrático-deliberativo deve-se garantir, por meio de processos
representativos, que sejam levadas em consideração novas ideias, havendo
abertura ao reconhecimento de mudanças de interesse presentes em uma
sociedade.
Assim sendo, a resposta para o minimalismo consiste em acordos não
totalmente teorizados como forma desejável, mediante a qual os tribunais
deveriam se comportar; para essa teoria, os juízes deveriam se identificar
como participantes de um sistema baseado em deliberação democrática, e,
principalmente, reconhecerem que “decisões de cunho fundamental são melhor
elaboradas de forma democrática, e não de forma judicial” (SUNSTEIN, 1998,
p. 8.
Caberia então ao Judiciário primar pela garantia de um processo
democrático. O minimalismo possibilitaria, envolvendo a adoção dos acordos
não totalmente teorizados, uma argumentação legal capaz de estabelecer
coesão em uma sociedade marcada pelo pluralismo e por profundas
2434
divergências quanto os valores mais fundamentais, bem como ocorreria uma
abertura do processo político, para que esse fosse adaptável ao passo que se
transforma a sociedade. Com a ocorrência do processo exposto, as questões
legais estariam sempre se adaptando de acordo com as novas perspectivas e
ideais de uma sociedade em permanente mudança; logo, os juízes, para os
minimalistas, não teriam, em regra, que se posicionar politicamente em
controversas de maior repercussão social.
Vê-se, então, que o minimalismo, ao adotar decisões estreitas e
superficiais mediante acordos não completamente teorizados, permite uma
maior celeridade à decisão, pois o julgador não possui a ambição de construir
teorias gerais que se apliquem a casos futuros, limitando-se ao caso em
questão. Ademais, mediante uma ampla gama de princípios constitucionais,
com os quais as demandas se relacionam, a escassez de tempo constrói
terreno fértil para decisões equivocadas; o minimalismo propiciaria justamente
uma tomada de decisão consideravelmente mais célere e menos sujeita a
equívocos, sendo as decisões estreitas e superficiais.
Ainda, pela adoção do minimalismo, é possível que o julgador adote um
posicionamento sem refutar pontos de vista divergentes dentro da própria
corte, daí resultando a convivência e o mútuo respeito entre os membros,
evitando-se que os membros de um tribunal discordem e encontrem
divergências profundas sobre questões fundamentais .
Por fim, o minimalismo reduz o custo político das decisões, na medida
em que prima por uma atuação menos ambiciosa do Judiciário, o qual limita
suas decisões a fim de julgar apenas os casos concretos, sem a ambição de
um alcance geral – favorece-se assim a discussão sobre as questões e as
decisões políticas primordialmente em esferas públicas, que são capazes de
concentrar uma maior variedade de argumentos e uma maior diversidade dos
mesmos.
Dessa forma, decisões menos equivocadas são tomadas, pois, via de
regra, o Judiciário teria sido amplamente estudado como passível de ser
influenciado pelo processo de conformismo, pela polarização de grupos e pelas
cascatas sociais, processos que podem interferir na posição individual e na
2435
deliberação dos indivíduos. Cabe lembrar que os juízes também estão sujeitos
a todas essas influências e pressões sociais (SUNSTEIN, 2005).
O Judiciário ao tentar encontrar uma melhor interpretação de
determinada lei pode, pelos fatos supra apresentados, chegar a julgamentos
equivocados e que não se identifiquem com a convicção da maioria dos
membros da sociedade. Mediante o exposto, uma postura proeminente
politicamente e posturas ativistas judicialmente impedem o debate público e
enfraquecem diretamente o ideal mais caro à democracia: o autogoverno. O
minimalismo judicial, frisa-se, por meio dos acordos não totalmente teorizados,
torna possível a promoção dos valores mais desejados em uma sociedade
democrática plural, não comprometendo o processo de deliberação continua na
esfera pública e com menor chance de o Judiciário chegar a decisões
equivocadas – sendo os erros que por ventura os juízes minimalistas
cometeriam menos graves à sociedade em virtude do seu custo político
(SUNSTEIN, 2001).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de uma revisão de literatura sobre o fenômeno de expansão
política do poder judiciário foi possível identificar como o poder judiciário, em
especial no Brasil, tem sido utilizado como palco de disputas políticas sobre as
questões mais fundamentais e profundas na sociedade, envolvendo grande
comoção social.
Pode-se
concluir
como
o
judiciário,
conforme
alguns
autores
demonstram, parece que se tornou o ultimo reduto político moral da sociedade,
e a participação política, cada vez mais frequente, deste poder gerou uma
aparente contradição com o ideal clássico de democracia, e uma anomalia para
a teoria da separação dos poderes.
Foi estudado as origens da judicialização da política, concluiu-se que tal
fenômeno não é recente, a maioria dos estudos sugere que o controle de
constitucionalidade das leis e dos atos normativos, influência diretamente o
2436
surgimento atuação política do judiciário, vale ressaltar que Tocqueville, já em
já verificou a interferência política por parte do judiciário norte-americano.
Na segunda parte do trabalho, buscou-se apresentar a teoria minimalista
de Cass Sunstein e as bases que fundam a mesma, tomando como base uma
democracia deliberativa.
Abordou-se como nas sociedades contemporâneas o pluralismo é uma
marca profunda. Nestas sociedades a pluralidade de visões morais, jurídicas e
de valores, implica em grandes desacordos ao deliberar sobre uma questão.
Isso configura um serio problema para um sistema democrático-deliberativo
pois, a deliberação deve responder a desacordos políticos e garantir
instituições que primem pela decisão racional e razoável no debate público.
Então é necessário promover uma esfera pública ampla e participativa, o
minimalismo judicial ao reduzir o papel ativo do poder judiciário e possibilitar a
convivência mutua frente à pluralidade de concepções se torna uma alternativa
viável nas sociedades atuais.
Ainda, o atual trabalho aborda a temática dos acordos não totalmente
teorizados, estes se tornam importantes instrumentos para auxiliar os juízes em
suas decisões, visto que não é concebível aos juízes buscar reflexões
filosóficas profundas baseadas em uma teoria geral, a possibilidade das
pessoas convergirem apesar de não concordarem com um princípio abstrato é
indispensável ao direito em uma sociedade plural.
Em uma teorização
profunda raramente as pessoas são capazes de chegar a um acordo sobre
determinado assunto, bem como, dificilmente concordam com a teoria geral e
com as implicações destas que vinculem outros julgamentos em outros casos
concretos.
Os acordos não totalmente teorizados são capazes de fornecer decisões
capazes de conciliar a pluralidade de argumentos de diversos grupos e respeito
mútuo entre eles e, ainda, gerar estabilidade social, tornando possível a
constituição. Tais acordos possibilitam que os juízes possam resolver os casos
de forma modesta e menos ambiciosa sem que seja necessário recorrer a
grandes teorias filosóficas, ou refutar convicções individuais profundas. O uso
2437
construtivo do silêncio é uma importante ferramenta capaz de reduzir os custos
políticos das decisões.
Finalmente, o ultimo capítulo trata sobre o minimalismo judicial e sobre a
limitação do poder político por parte do judiciário. Deve-se levar em
consideração que os tribunais nas democracias modernas possuem limitações
de tempo e de informação por parte dos juízes.
Ainda, os tribunais não
conseguem antever todos os efeitos que suas decisões geram. Diante dessas
limitações o minimalismo judicial, tanto em seu aspecto procedimental quanto
substancial, sustentado sob a idéia dos acordos não totalmente teorizados,
sugere uma atuação estreita e superficial por parte dos juízes. A estreiteza e a
superficialidade deixam em aberto as decisões mais polemicas e controvertidas
da sociedade, ao agir de tal forma, favorecem o debate público e atribuem as
escolhas políticas ao fórum político, favorecendo a democracia.
Ao buscar responder apenas ao caso em questão e de forma menos
ambiciosa, os juízes minimalistas decidem casos concretos sem obstruir o
processo político democrático e sem ignorar um núcleo de direitos fundamentais
que são garantidos.
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2441
POR UMA TEORIA AGÔNICA DA DEMOCRACIA: PENSANDO AS
POSSIBILIDADES DE UM NOVO PARADIGMA DEMOCRÁTICO
Marcelo Buttelli Ramos18
RESUMO: O presente artigo pretende problematizar as crises da democracia
contemporânea a partir do estabelecimento de uma série de reflexões acerca da
crise teórica do modelo democrático deliberativo. Esse empreendimento fundase, sob o ponto de vista epistemológico, na teoria política agonística,
preconizada por Chantal Mouffe, bem como na teoria do discurso elaborada por
Ernesto Laclau. Enquanto a autora convida a pensar o “político”, isto é, aquilo
que está ou é a própria essência das próprias relações políticas
contemporâneas, o autor irá fornecer inúmeras chaves teóricas para
compreensão da “política”, assim compreendida a prática discursiva, articulatória
e definidora (em última instância) dos sentidos (e conteúdos) das demandas
sociais. Os exercícios teóricos propostos por ambos os autores podem contribuir
para a verificação dessa hipótese que sugere ser possível correlacionar à crise
do modelo democrático brasileiro ao fenômeno de expansão do direito penal.
PALAVRAS-CHAVE: Crise democrática; expansão do direito penal; democracia
agonística.
1 INTRODUÇÃO
A noção de democracia liberal funciona, hoje, no debate político
contemporâneo, como uma espécie de registro retórico auto-afirmativo. Tratase, com efeito, de um (talvez o único) significante político que desfruta de um
valor positivo dado e reconhecido aprioristicamente (quase acriticamente).
Reflexo direto dessa perspectiva é o consenso mais ou menos estabelecido em
torno da seguinte proposição: a democracia é, em sua dimensão representativa
e através das suas instituições, a única forma legítima de governo na atualidade.
Mas se é verdade que a democracia - enquanto regime de governo –
representa, em alguma medida, o mais alto ponto da história das idéias políticas
18
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter; Especialista em
Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS);
atualmente, integra o Programa de Mestrado do Programa de Ciências Criminais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Email: [email protected].
2442
(v.g. o ápice do processo de desenvolvimento das organizações políticas
contemporâneas), não menos verdadeiro é o fato de que seu o real significado
têm sido sistematicamente questionado, quer pelos que “ousam desafiar
abertamente [no plano teórico] o modelo liberal-democrático”, quer pelos “sinais
de forte desapreço pelas atuais instituições” (MOUFFE, 2005, p. 11). Nesse
contexto, torna-se possível dizer que paira no ar certo ceticismo em relação às
potencialidades dos modelos democráticos contemporâneos no que tange ao
aprimoramento da “política” e descoberta do “político”19.
Assim, em face das novíssimas crises políticas que irrompem,
diariamente, no seio da sociedade brasileira, convém indagar: seria o modelo
político deliberativo baseado no consenso a melhor alternativa ao modelo
representativo? Quais seriam os ganhos e as perdas que acompanhariam essa
decisão? O que representaria a noção de consenso, pedra angular do
descortinar de novas perspectivas político-teóricas, no plano da política criminal
brasileira.
Pois, são estes os questionamentos que pautarão a análise proposta
neste ensaio.
2 A NOÇÃO DE CONSENSO E A DEMOCRACIA DELIBERATIVA COMO O
ESTADO IDÍLICO DA POLÍTICA MODERNA
Na teoria política contemporânea desponta, em número de adeptos, o
modelo da democracia deliberativa. Grosso modo, o aludido modelo político que buscar contrapor-se ao modelo representativo de feição agregativa - baseiase na idéia central de que as “decisões políticas devem ser alcançadas por meio
de um processo de deliberação entre cidadãos livres e iguais” (MOUFFE, 2005,
p. 11).
19
Segundo Chantal Mouffe, tão importante quanto à função desempenhada por estes conceitos
no atual cenário da teoria política é definição dos seus limites semânticos, vez que cada termo
representa dimensões distintas do fenômeno “político”. Neste sentido, a autora refere que “por
“político” refiro-me à dimensão do antagonismo inerente às relações humanas, um antagonismo
que pode tomar muitas formas e emergir em diferentes tipos de relações sociais. A “política”, por
outro lado, indica o conjunto de práticas, discursos, e instituições que procuram estabelecer uma
certa ordem e organizar a coexistência humana em condições que são sempre conflituais porque
são sempre afetadas pela dimensão do “político”. (MOUFFE, 2005, p. 20)
2443
Em decorrência da assunção dessa premissa, segue-se que a
identificação da “forma de deliberação” e, por via de consequencia, a reflexão
sobre os “sujeitos considerados aptos a deliberar”, constituem-se como os
problemas centrais da moderna teoria política.
As primeiras respostas apresentadas a tais questionamentos surgem com
os trabalhos de Joseph Schumpeter (1947), através dos quais era defendida a
necessidade de se compreender a democracia sob um viés instrumental (v.g.
elitista), isto é, como um sistema de decisões nos quais as pessoas em geral
gozariam de uma liberdade fundamental: a de eleger, periodicamente, novos
líderes
no
âmbito
de
um
processo
eleitoral
de
feição
competitiva
(SCHUMPETER, 1961, p. 56).
O modelo agregativo, proposto inicialmente por Schumpeter e refinado
posteriormente por Anthony Downs, (DOWNS, 1999, 82) indicava que era
preciso abandonar completamente das noções de bem comum e vontade geral
(v.g. elementos constitutivos de uma “ilusão” democrática consensual), uma vez
que ambas representavam traços característicos de uma racionalidade
intangível, e por isso mesmo irrealizável, notadamente sob o viés empírico.
Segundo os autores “a participação popular [v.g. fundamentada, pois, nos dois
ideais
aludidos
anteriormente]
na
tomada
de
decisões
deveria
ser
desencorajada, porquanto poderia ter apenas consequencias nocivas para o
bom funcionamento do sistema [político]” (MOUFFE, 2005, p.12).
Neste contexto, a principal preocupação demonstrada pelos autores foi,
senão, a idealização de um sistema político que operasse a partir de uma elite
política, constituída por ideólogos capazes de captar o afeto político das massas
e refiná-los, subtraindo dos mesmos eventuais excessos, de modo a torná-los
mais compatíveis com uma distinta racionalidade política, baseada como dito
não mais na realização de um bem comum ou de uma vontade geral, mas sim
na
consecução
aparentemente,
dos
os
interesses
únicos
revelados
agentes
pelos
políticos
líderes
autorizados
democraticamente, isto é, em nome dos interesses das massas.
partidários,
a
falar
2444
Acreditava-se, destarte, que a intensificação da participação popular nos
processos deliberativos, implicaria na afetação da estabilidade e, quiçá, a própria
subversão da ordem pressuposta pela democracia liberal.
A tal abordagem, contudo, se contrapôs o modelo político deliberativo
proposto por John Rawls.
De acordo com o filósofo e sua Theory of Justice, a perspectiva
agregacionista defendida por Shumpeter e Downs, revelava-se inadequada na
medida em que descuidava da importância que encerra o “fato do pluralismo
[político]”. Segundo o autor, a manutenção da ordem democrática perpassaria,
fundamentalmente, pela retomada da significação moral da modelo democrático
liberal, ou seja, pela consideração de que os interesses individuais,
multifacetados por excelência, não poderiam ter a sua complexidade reduzida à
simples categorias políticas de análise e verificação de interesses, preferências
e padrões comportamentais (RALWS, 1971, p. 65).
Nesse sentido, a tradição deliberativa fundada, sobretudo, no pensamento
de Rawls, afirma ser possível “alcançar um consenso mais profundo que o mero
acordo de procedimentos”, um consenso qualificado pelo autor como “moral”,
pelo qual os membros de uma sociedade bem-ordenada aceitariam, de antemão
(isto é, a partir do estabelecimento de uma “posição original”), um determinado
conjunto de princípios de justiça, concebidos de forma altruística por agentes
imparciais que deveriam determinar, a priori, o “bem comum” e as normas gerais
de organização e funcionamento das instituições básicas da sociedade (RAWLS,
1971. pp. 489-93).
Ao lado de John Rawls na defesa pelo modelo deliberativo de feição
liberal, surge a figura de Jürgen Habermas. Mundialmente conhecido pela sua
teoria do agir comunicativo, o filósofo sugere, ao tratar de uma teoria
procedimental de democracia em seu Between Facts and Norms (1996), que o
primado da teoria democrática deveria ser a demonstração da relação de cooriginalidade existente entre os direitos individuais fundamentais e a soberania
popular, o que permitiria, em última análise, afirmar o modelo deliberativo como
sendo a chave para a unificação dos marcos teóricos liberais agragacionistas e
comunitaristas.
2445
Em Between Facts and Norms, o autor propõe demonstrar que no lugar
das tensões tradicionalmente estabelecidas entre as noções de autonomia
pública (v.g. perspectiva democrática) e autonomia privada (v.g. perspectiva
liberal), soberania popular e direitos humanos e, finalmente, legalidade e
legitimidade, figuraria, paradoxalmente, uma identidade umbilical, uma
interdependência fundamental, e não necessariamente uma contraposição, tal
como acreditam os teóricos políticos do nosso tempo (HABERMAS, 1999, p.
127).
Essa postura compositiva, segundo Habermas, permitiria, a um só tempo,
revelar a verdadeira essência da política (v.g. construção de um consenso
político baseado numa ética discursiva), bem como a utilidade prática do gesto
conciliatório como fundamento e instrumento de superação das aporias que,
segundo o seu entendimento, têm marcado e divido a teoria política.
Diferentemente de Rawls, Habermas não procura estabelecer, “a priori”,
os limites do campo da deliberação política; com efeito, a sua principal
preocupação reside basicamente na forma de dizer a democracia, mais
precisamente, no estabelecimento uma série de predicados argumentativos que
deveriam balizar a construção da noção de legitimidade dos discursos políticos
em disputa.
Feita essa brevíssima, porém indispensável digressão torna-se possível
arrematar, em conjunto com Chantal Mouffe, que ambos os autores “acreditam
que se pode encontrar o conteúdo idealizado da racionalidade prática nas
[próprias] instituições da democracia liberal” (MOUFFE, 2005, p. 13); neste
sentido, a solução para as atuais crises dos modelos democráticos perpassaria
pelo cultivo de uma nova racionalidade que fosse capaz de colmatar a
divergência existente entre os vários interesses em disputa no campo social, a
fim de conformá-los segundo um marco regulatório fundado em modelos ideais
de articulação político-institucional e argumentação.
2446
3 O RACIONALISMO DELIBERATIVO E A ABNEGAÇÃO DA PLURALIDADE
DE VALORES E DOS AFETOS POLÍTICOS
Como dito anteriormente, tanto Rawls como Habermas apontam para a
possibilidade de se realizar, através da formatação de certos consensos,
procedimentos mais adequados de deliberação, formas de acordo que
atenderiam, com suficiência, tanto aos direitos de feição liberal, como ao
princípio da soberania popular. Conforme sustenta Chantal Mouffe, “tal
movimento reformula o princípio democrático da soberania popular, de modo a
eliminar os perigos que tal princípio pode representar para os valores liberais”
(MOUFFE, 2005, p.13).
Tal estratégia não se fez, contudo, sem procurar atender a um propósito
bastante específico.
Acreditando ser possível redefinir os sentidos (algo que subversivos) da
“soberania popular” e do “pluralismo político”, os democratas deliberativos, a
partir de Rawls e Habermas, passaram a assegurar, desde o plano teórico, a
existência de um elo estável e indissociável entre a democracia e os ideais do
liberalismo político, não obstante os vários paradoxos que resultam dessa união
(MOUFFE, 2000, p. 41). Nessa linha compreensiva, argumenta Mouffe: “Rawls
e Habermas querem fundamentar a adesão à democracia liberal com um tipo de
acordo racional que fecharia as portas para a possibilidade de contestação [do
liberalismo democrático]” (MOUFFE, 2005, p. 16). Dito de outro modo: não
haveria democracia plena e possível fora dos limites da racionalidade
consensual e institucional proposta pelo modelo deliberativo.
Não obstante a importância do empreendimento teórico deliberativo,
Chantal Mouffe aponta, com razão, para aquilo que seria, numa dimensão
compartilhada, a maior fragilidade dos modelos sustentados por John Ralws e
Jürgen Habermas, qual seja, o hercúleo esforço protagonizado pelos autores em
torno da construção de uma solução final para dois dos principais paradoxos
suscitados pelo modelo democrático:
(I)
a impossibilidade da uma convivência plena e harmônica entre os princípios da
liberdade individual (v.g. liberdade dos antigos) e igualdade (v.g. liberdade dos
modernos), cujos significados, em perene construção, encontram-se, desde o
princípio, naturalmente tensionados entre si, e;
2447
(II)
a incapacidade do sistema democrático em absorver, através das suas
instituições seculares, o crescente descontentamento popular em relação à
forma como se operam os processos de deliberação política na
contemporaneidade (PINTO, 2004, p. 22)
À tais pretensões, Mouffe apõe as seguintes objeções:
(I)
(II)
é ilusória a pretensão racionalista em torno da conciliação dos ideais de
igualdade e liberdade; embora representem valores antagônicos, é de
fundamental importância, para a preservação da própria democracia, que estes
valores estejam presentes, ainda que em dinâmica de disputa/conflito, no campo
social, e;
o modelo deliberativo, centrado na idéia consenso, representa um devir
eminentemente antipolítico, na medida em que estaria predestinado à recusa da
potencialidade política que se encerra na noção de diferença, que decorre,
inexoravelmente, da ideia do pluralismo de valores.
Como um adendo à interessante análise realizada por Chantal Mouffe,
seria preciso notar, aqui, que à semelhança de Downs e Schumpeter, Ralws e
Habarmas sustentam - cada qual à sua maneira - um modelo político igualmente
elitizado, que, apesar de estabelecer, de antemão, um amplo espaço para
participação e discussão dos rumos da vida política, só poderia, na realidade,
ser operado por alguns, na medida em que, em ambos os casos são
estabelecidos, como pontos de partida, comandos ideais e (híper)racionais de
atuação e conformação discursiva, numa pressuposição de que seria possível
ter controle absoluto em relação aos processos de formação das identidades
políticas.
Dito de outro modo: permanece presente na literatura política de ambos
os autores, de forma pujante, o problema da representação (v.g. não supressão)
dos interesses antagônicos e a incapacidade de consideração da relevância que
encerram as paixões e os afetos políticos dos indivíduos em relação à garantia
da sua fidelidade aos valores democráticos em disputa na esfera pública de
debate20.
4 O SIGNIFICANTE VAZIO E A INFINITA DISPUTA PELA CAPACIDADE DE
DETERMINAÇÃO POLÍTICA DA REALIDADE JURÍDICA:
20
Talvez seja este o principal ponto a ser ressaltado do novo modelo político-teórico proposto por
Chantal Mouffe: “Ao privilegiar a racionalidade, tanto a perspectiva deliberativa como a
agregativa deixam de lado um elemento central, que é o papel crucial desempenhado por paixões
e afetos na garantia da fidelidade a valores democráticos. Isso não pode ser ignorado, do que
decorre avaliar a questão da cidadania democrática de modo bem diferente” (Mouffe, 2005, p.
17).
2448
Nessa tarefa que pretende denunciar a ambição universalista ínsita à
proposta consensual, cremos seja conveniente aportar a presente discussão
algumas reflexões acerca de um dos mais relevantes contributos teóricos
legados pela obra de Ernesto Laclau, a noção de significante vazio. Com efeito,
a compreensão deste verdadeiro epifenômeno semântico/político permitirá obter
- conforme acreditamos - uma compreensão mais precisa acerca dos contornos
deste novo caminho político apontado por Chantal Mouffe.
Em conjunto com Chantal Mouffe, Ernesto Laclau, dando novos contornos
à noção de hegemonia em Gramsci, estabeleceu que a realidade social,
enquanto objetividade, não é dada a priori, mas construída discursivamente21.
Essa
interpretação,
inovadora
em
muitos
aspectos,
permitiu,
posteriormente, a elaboração de novas concepções acerca dos processos de
criação de identidades políticas. Nesse sentido, Laclau costumava alertar: se a
realidade social enquanto tal é construída através da articulação (discursiva) das
demandas que emergem no âmbito da tessitura social, o mesmo certamente
ocorre com a democracia (LACLAU, 2013, p. 238). Tal argumento - convém
ressaltar - é bastante profícuo em relação aos propósitos deste trabalho, pelo
que haveremos de pormenorizá-lo.
Comecemos, pois, destacando a seguinte assertiva: apesar de desfrutar
de uma expressão conceitual mais ou menos estabelecida (LIJPHART, 1999, p.
337), a democracia, enquanto fenômeno político, só adquire um sentido concreto
quando analisada no interior dos processos discursivos que visam significá-la
(LACLAU, 2013, p. 232).
Talvez seja possível emprestar alguma concretude ao raciocínio através
da problematização de três processos de significação em curso no âmbito do
(complexo) contexto político-criminal contemporâneo.
Primeiramente, as formas de intervenção estatal em relação à questão
criminal22 constituem, por excelência, como campo aberto de discussão e
21
A propósito do tema, ver: Céli Regina Jardim Pinto - A Democracia como significante vazio: a
propósito das teses de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. In Sociologias. Porto Alegre. Vol. 1, n.
2 (jul./dez. 1999), p. 68-99
22
Com relação ao conceito, merece destaque o fato de que o utilizamos dentro da precisa noção
fornecida por Eugênio Raúl Zaffaroni, quando refere que a expressão “questão criminal” remete
2449
significação, onde a capacidade de definição dos significantes presentes
encontra-se sempre indeterminada, sempre em disputa:
(I)
(II)
ora se destacam neste debate demandas cujo espoco é a configuração de um
modelo estatal de corte minimalista, orientado, basicamente, por princípios
jurídicos que privilegiam a manutenção da liberdade em detrimento da sua
privação;
ora verificam-se exaltadas outras demandas cujo teor, na antípoda, reclama
justamente a implementação de um modelo penal máximo, pelo qual o
recrudescimento das sanções penais em geral e a criminalização de novas
condutas emergem como práticas sociais orgânicas e funcionais.
O mesmo “antagonismo” identificado na base dessa luta pela capacidade
de significação do “Estado” se verifica presente no estabelecimento dos limites
semânticos relativos aos significantes que sustentam, num viés ontológico, a
própria democracia liberal: a igualdade e a liberdade.
O ideal liberal da igualdade (universal) dos indivíduos, calcado
fundamentalmente na noção de império da lei, constitui postulado há muito
superado pelo pensamento criminológico crítico23, que logrou demonstrar, com
absoluta suficiência, a falácia que encerra a ideia quando operacionalizada a
partir da realidade capitalista periférica (KARAM, 2012, p. 99).
Já a noção que envolve o conceito de liberdade, do mesmo modo, se
alinha, na atualidade, a um viés que aponta para a realização material como
valor supremo da existência humana; dito de outro modo: a liberdade do homem
moderno, hoje, se confunde com a própria noção de liberdade para o consumo
(BAUMAN, 2008, p. 20). Não por acaso, as agências integrantes do sistema de
justiça criminal, ainda hoje, miram suas ações, preferencialmente, em direção
aos autores de crimes praticados em detrimento do patrimônio24, considerados
estes, nesse contexto, o principal interdito erigido em prejuízo do gozo
materialista.
ao conjunto de práticas e discursos através dos quais o Estado e suas instituições lidam com o
desvio penalmente relevante (Zaffaroni, 1988, p. 19)
23
Vertente da sociologia do direito que tem por objeto o estudo dos discursos e das práticas
institucionais levadas a efeito pelo Estado na tarefa de assujeitamento dos homens e mulheres
encarcerados.
24
Sobre o percentual de presos brasileiros conforme a natureza do delito cometido, ver dados
consolidados
pelo
Departamento
publicados
pelo
Ministério
da
Justiça:
http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B622166AD2E896%7D&Team=&params=itemID=%7BD82B764A-E854-4DC2-A018450D0D1009C7%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D.
Acessado em: 11/04/2015.
2450
A facilidade em torno do deslocamento retórico (LACLAU, 2013, p. 120)
do sentido habitualmente outorgado as expressões: “Estado”, “liberdade” e
“igualdade”, expressa, a um só tempo, a contingencialidade dos seus
significados e a sua absoluta falta de literalidade. Em qualquer dos casos, fica
evidente o erro (ou quiçá a impossibilidade, simplesmente) atinente à pretensão
dos democratas consensuais de fechar a amplitude do processo de significação
engendrado por cada um dos aludidos termos.
Este argumento corrobora aquele outro referido anteriormente, pelo qual
afirmamos, novamente com Laclau, que o discurso constitui-se como prática
articulatória (de demandas sociais) e definitória (de significados políticos), cujo
principal objetivo é emprestar fixidez (ou estabilidade) momentânea aos
significantes em disputa no processo de construção do político.
A partir dos exemplos apresentados, podemos finalmente concluir no que
consiste especificamente o significante vazio.
Trata-se, fundamentalmente, de um significante representativo de uma
demanda social bastante específica cujo conteúdo expressa, hegemonicamente,
o sentido primeiro de um conjunto bem mais amplo de demandas sociais (e.g.
maior intervenção penal por parte do Estado) que, por sua vez, oferecem
oposição a uma determinada perspectiva política que lhes frustra a possibilidade
de efetivação (LACLAU, 1996, p. 85).
Deste entendimento emerge a conclusão que atribui ao campo social a
qualidade de palco que abriga uma constante disputa pela capacidade de
determinação e preenchimento do vazio característico dos espaços institucionais
nos regimes políticos democráticos (LEFORT, 1991, p. 270).
Disso resulta que o conflito de valores e a disputa incessante pela
capacidade de significação dos significantes em disputa na democracia não
podem ser encarados como realidades a serem excluídas de antemão; antes
pelo contrario: tanto o conflito como a noção de indeterminação dos valores
presentes na democracia merecem ser preservados, posto que indicativos da
própria vida política.
Nestes termos, em sendo a democracia e os direitos por ela garantidos
questões em permanente construção (v.g. ressignificação), convém indagar:
2451
qual democracia pode apresentar-se, agora em oposição ao projeto deliberativo,
como alternativa concreta de emancipação individual e realização coletiva de
direitos?
5 O MODELO AGONÍSTICO DE DEMOCRACIA
Até agora procuramos demonstrar, a partir das críticas endereçadas por
Chantal Mouffe às teorias de democracia sustentadas por John Rawls e Jürgen
Habermas, como o modelo deliberativo, que se apresenta no plano teórico como
alternativa factível aos modelos agregativista e representativo, não goza de
condições mínimas para apreender a natureza do “político” (v.g. na acepção
trabalhada por Chantal Mouffe) e, assim, responder, adequadamente, aos
constrangimentos que a vida política tem impingido, sistematicamente, aos
modelos teóricos da ordem do consenso.
Apresentamos, destarte, o principal desígnio do modelo teórico proposto
pela autora: descobrir e problematizar aquilo que representa o núcleo
fundamental das democracias contemporâneas. Segundo afirma Chantal
Mouffe, num contexto político que se ancora no pluralismo de valores, é a noção
de conflito e não a noção de consenso que deve emergir no epicentro do
universo político.
Destarte, a subversão do projeto consensual representa, nessa medida,
aceitar que “a objetividade social (v.g. a realidade das relações sociais enquanto
tal) é constituída por meios de atos de poder” (MOUFFE, 2005, p. 19). A
afirmação aposta pela autora pode ser compreendida de forma acurada quando
relacionada à célebre fórmula referida por Michel Foucault: “onde há poder, há
resistência” (FOUCAULT, 1985, p. 91).
Considerando que a resistência foucaultiana representa – no âmbito do
debate proposto pela autora - o próprio conflito antagônico, poderíamos sintetizar
o argumento apresentado dizendo o seguinte: onde há conflito, há política, sendo
que - a contrario sensu - onde há consenso, não poder haver política,
simplesmente.
2452
Deste modo, e pensando na antípoda do projeto consensualista, as
identidades políticas não são (ou não deveriam ser) pré-ordenadas segundo
parâmetros morais ou discursivos absolutos, senão que as suas feições são (ou
deveriam ser) construídas através dos debates travados na esfera pública.
A assunção dessa perspectiva antagônica implica, pois, o abando do ideal
consistente na realização de uma sociedade fundada numa idílica consonância
valorativa, algo que representaria a própria receita do fracasso democrático. É
que o estabelecimento do consenso proposto por Habermas e Rawls expressa,
invariavelmente, uma decisão (em certa medida arbitrária) que exclui - “a priori”
- outras formas possíveis de construção da realidade política.
Neste sentido, ao invés de mobilizar esforços no sentido da supressão
dos conflitos (v.g. antagonismo), uma teoria política genuinamente democrática
deveria se ocupar em apresentar as condições mínimas (v.g. legítimas) para que
a criação de identidades políticas em contextos de conflitos possa acontecer de
um modo compatível com os valores democráticos (MOUFFE, 2005, p. 21).
Deste modo, e considerando que em sociedades modernas, complexas
por natureza, não há como escapar da dinâmica relacional “nós” contra “eles”,
urge reconhecer que:
o propósito da política democrática é construir o “eles” de tal modo que
não sejam percebidos como inimigos a serem destruídos, mas como
adversários, ou seja, pessoas cujas idéias são combatidas, mas cujo
direito de defender tais idéias não é colocado em questão (Ibidem).
O argumento em questão acena para a possibilidade do estabelecimento
de uma nova ética no debate político; uma ética baseada no ideal agônico, isto
é, na substituição da categoria política do “inimigo” pela de “adversário”, num
esforço que considerada inadiável a afirmação dos direitos de nomear e defender
a diferença.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS:
De tudo o que foi dito aqui, pensamos que a adoção da perspectiva teórica
apresentada por Chantal Mouffe pode servir, no âmbito do debate criminológico,
como uma espécie de convite para pensar as consequencias político-criminais
desse período histórico bastante peculiar que reflete, senão, o crescente
2453
esvaziamento da importância da esfera pública de discussão e o sequestro (em
dois tempos) da conflitividade social25:
(I)
(II)
pela gramática jurídico-normativa, que essencializa o conflito, de tal modo que
outras formas de resolução se tornam impossíveis, descartáveis “a priori";
pelas instituições que integram o sistema de justiça criminal, especializadas na
produção/ imposição de consensos jurídico-penais.
A propósito dessa relação inexorável que se estabelece entre o
enfraquecimento da esfera pública de debate e o consequente fortalecimento
dos mecanismos institucionais de resolução de conflitos, alerta Mouffe:
It is also in the context of the weakening of the democratic political
public sphere where an agonistic confrontation could take place that the
increasing dominance of the juridical level should be understood. Given
the growing impossibility of envisaging the problems of society in a
properly political way, there is a marked tendency to privilege the
juridical field and to expect the law to provide the solutions to all types
of conflict. The juridical sphere is becoming the terrain where social
conflicts can find a form of expression, and the legal system is seen as
responsible for organizing human coexistence and for regulating social
relations. (MOUFFE, 2000, p. 41).
O diagnóstico preconizado pela autora ecoa por todo o cenário político
criminal brasileiro. Basta pensar, com efeito, em como a legislação penal, através
das décadas recentes, tem assimilado, organicamente, inúmeras demandas
sociais (v.g. independentemente de sua matriz ideológica), tais como, a
repressão dos crimes de colarinho branco (Lei Federal nº 7.492/1986); a defesa
das mulheres vítimas de violência doméstica (Lei Federal 11.340/2006); a
criação de mecanismos jurídicos de repressão às ofensas de natureza racial (Lei
Federal nº 7.716/1989), a afirmação de questões relativas à justiça de gênero
(Lei Federal nº 13.104/2015); a proteção do meio ambiente (Lei Federal nº
9.605/1998), etc..
Essa questão, contudo, poderia ser representada sob a luz de outra
perspectiva. É dizer, a incapacidade da sociedade (v.g. aqui compreendida a
sociedade civil organizada bem como os órgãos institucionais de representação
popular) em pensar formas não institucionais (v.g. ou mesmo institucionais,
porém alternativas ao direito penal) de resolução de seus próprios conflitos, diz
muito sobre o atual estágio de evolução do pensamento democrático brasileiro.
Parece haver, pois, em nosso cenário político, uma tendência mais ou
menos consolidada no sentido da invocação do direito penal como uma espécie
25
V.g. pela esfera público-institucional[...]
2454
de compromisso dilatório por parte do Estado em relação ao enfrentamento das
consequencias geradas pelos conflitos sociais; as causas que suscitam esses
conflitos, entretanto, permanecem intatas, muitas vezes inominadas, inclusive.
Essa relação de dependência verificada entre a sociedade e o Direito
Penal só faz concentrar os debates políticos na esfera público-institucional,
fomentando assim, no âmbito da sociedade civil, uma apatia política e um
desapreço generalizado pela vida comunitária, o que pode representar, em certa
medida, um perigo mortal à democracia, uma vez que “o resultado da
cristalização de paixões coletivas em torno de questões que não podem ser
manejadas pelo processo democrático [resulta] uma explosão de antagonismo
que pode desfiar os próprios fundamentos da civilidade” (MOUFFE, 2005, p. 21).
A detonação da esfera agonística, referida pela autora, já adquiriu feições
concretas no caso brasileiro; no ponto, nos limitaremos a indicar a existência, no
cenário político tupiniquim, de um conjunto de projetos legislativos “antiprotesto”, através dos quais as hodiernas manifestações populares têm sido
apresentadas, paradoxalmente, como uma ameaça real às instituições
democráticas:
(I)
(II)
(III)
(IV)
(V)
(VI)
(VII)
PL nº 6198/13, do deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), que proíbe o uso
de máscaras e outros materiais para esconder o rosto durante manifestações;
PL nº 6277/13, do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que agrava a pena sobre
destruição de bens alheios se isso ocorrer em manifestações;
PL nº 6307/13, do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que atribui tratamento
diferenciado para agente que pratica atos de vandalismo em manifestações
públicas;
PL nº 6347/13, do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que aumenta a pena
para quem se aproveita do anonimato proporcionado pelas manifestações para
provocar danos ao patrimônio;
PL nº 6461/13, do deputado Junji Abe (PSD-SP), que torna contravenção penal
a participação em manifestações com máscaras, capuzes ou similares;
PL nº 6500/13, do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que proíbe o uso de arma
em manifestações e garante o princípio da não violência nesses eventos;
PL nº 6532/13, do deputado Eliene Lima (PSD-MT), que regula o exercício do
direito à realização de reuniões públicas.
O teor dos Projetos de Lei elencados é auto-explicativo, razão pela qual a
sua análise dispensa, no ponto, maiores considerações. Mereceria destaque,
todavia, o fato de que o exercício dos direitos relativos à reunião e à livre
manifestação do pensamento (v.g. genuínas expressões da democracia popular)
tem sido constrangido pelas próprias instituições democráticas.
2455
Nestes termos, acreditamos que a leitura da questão criminal pela via da
política agonística proposta por Chantal Mouffe ajuda a destacar a necessidade
de intensificação deste debate fora dos espaços institucionais de fala, o que pode
contribuir – e aqui levantamos a nossa principal hipótese – para pacificar a razão
violenta que inspira a política criminal brasileira (BATISTA, 2003, p. 29).
REFERÊNCIAS:
BATISTA, N. Todo crime é político. In: Caros amigos. Ano VII, nº 77, pp. 28 a
33, 2003.
BAUMAN, Z. Vida para consumo: a transformação das pessoas em
mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008.
DOWNS, A. Uma teoria econômica de democracia. São Paulo: EDUSP,
1999.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade, Vol. I: a vontade de saber. Rio de
Janeiro: Graal, 1985.
HABERMAS, J. Between Facts and Norms : Contribution to a Discourse
Theory of Law and Democracy. Cambridge, Mass: Massachusetts Institute of
Technology, 1991.
KARAM, M. L. A esquerda punitiva. Discursos Sediciosos: crime, direito e
sociedade, Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia, v.1, n.1,
JAN/JUN/1996.
LACLAU, E. A Razão Populista. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de
Moura. São Paulo: Três Estrelas, 2013.
________. ¿Por qué los significantes vacíos son importantes para la política?.
Emancipación y diferencia, Buenos Aires: Ariel, 1996.
LEFORT, C. Pensando o político: ensaios sobre democracia, revolução e
liberdade. Trad. Eliana Souza, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
LIJPHART, A. Modelos de Democracia: desempenho e padrões de governo
em 36 países, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
MOUFFE, C. Por um modelo agonístico de democracia. Revista de Sociologia
e Política: Curitiba, n. 25, pp. 11-23, 2005.
________. The Democratic Paradox. London: Verso, 2000.
2456
PINTO, C. R. J. Teorias da Democracia: diferenças e identidades na
contemporaneidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
RAWLS, J. A Theory of Justice. Cambridge, Mass: Harvard University, 1971.
SCHUMPETER, J. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro:
Fundo de Cultura, 1961.
ZAFFARONI, E. R. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá:
Temis, 1988.
2457
CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CIVIL: E SUA (COR)RELAÇÃO
Darci Guimarães Ribeiro,
Paulo Junior Trindade dos Santos,
RESUMO: Com ênfase na Constitucionalização do Processo Civil apresenta
parte da evolução de seus institutos delineando um caminho evolutivotransformador de institutos que caminham em direção aos anseios da sociedade
com novas soluções jurídicas a partir da Constitucionalização do Direito. Pois, o
Processo passa a assumir postura de veículo de realização de valores básicos
em consonância com os ditames constitucionais, demonstrando assim um
horizonte dinâmico para a Ciência Processual. A metodologia utilizada foi a
Dialética. Com a utilização da epistemologia jurídica voltada para com a
Constitucionalização do Direito, nota-se que o Processo Civil não apresenta-se
mais como algo hermético junto a seus institutos, por advento apresenta-se
novas soluções jurídicas capazes de atender de forma adequada os novos
contextos, que por derradeiro, tem-se como fator primordial a
Constitucionalização dos preceitos Processuais que passa a assumir postura de
veículo de realização dos valores básicos consagrados no sistema
Constitucional que institui o Estado Democrático de Direito. Conclui-se que a
atual epistemologia jurídica volta-se para com a Constitucionalização de todos
os ramos do Direito, assim ocorrendo o fenômeno da Constitucionalização do
Processo que desenvolve-se a partir da implementação e a eficácia dos direitos
fundamentais, que por derradeiro passa a instaurar uma nova ordem sóciopolítica que demonstra-se difundida na atualidade junto ao Poder Judiciário.
PALAVRAS-CHAVE: Constitucionalização do Direito; Constituição; Processo;
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo, procurando demonstrar a intima (cor)relação entre o
Constituição e o Processo Civil, e ainda, tem como evidenciar o papel inovador
do Processo que, apresenta parte da evolução de seus institutos delineando um
caminho evolutivo-transformador que caminham em direção aos anseios da
sociedade
apresentando
Constitucionalização.
novas
soluções
jurídicas
a
partir
de
sua
2458
A
evolução-transformação
do
Processo
não
escapa
da
Constitucionalização do Direito, pois o Processo, nesse contexto, assume
postura de veículo de realização/concretização das garantias básicas em
consonância com os ditames Constitucionais, propiciando de tal forma uma visão
mais efetiva dos objetivos jurídicos, ou melhor, valores que encontram-se
propostos pelo texto Constitucional que assim ganham sentido com o Processo,
o qual, passa a tessitura do sócio-político, deixando-se de ter um simples olhar
hermético de seus institutos.
Diante do exposto, resta evidente que, no modelo Processual que vem
sendo desenhado, o Direito deixa de ser concebido em caixas hermeticamente
fechadas (compartimentos estanques) em que o processo (por sua vez) seria um
mero instrumento (formalidade) para atingir objetivos procedimentalistas.
Notadamente o processo passa a assumir postura de veículo de realização de
valores básicos em consonância com os ditames constitucionais, a fim de que
possa ser um verdadeiro mecanismo de transformação social, fundamentado
(sempre)
pelas
garantias
e
direitos
humanos/fundamentais
já
constitucionalizados.
Apresenta assim o Processo Civil uma nova ótica, qual seja, não mais
pode ser visto como mero instrumento procedimental (fim em si mesmo), mas,
sim,
com
uma
importante
ferramenta
de
concretização
de
direitos
(constitucionalizados) o que é feito pela efetiva participação democrática que
vem a legitimar o judiciário quando da entrega da Tutela Jurisdicional do Estado,
transformando-o em um agente transformador da sociedade.
Portanto, o Estudo Constitucional do Processo justifica-se pelo
desocultamento de velhos paradigmas a novos horizontes para com a Ciência
Processual e por relevante para a Ciência do Direito. Fica evidente, o momento
em que se faz a necessária compreensão dos fundamentos estatais e
paradigmáticos dos problemas sociais que envolve a própria concepção de
Processo e de Jurisdição
O Processo passa a ser concebido como uma oportunidade sócio-política
e jurídica necessárias, num país de modernidade tardia, para a efetiva
concretização de direitos. Com esse intento resta evidente que pela
2459
democratização do Estado, com consequente Constitucionalização de direitos
(humanos/fundamentais), o processo surge como condição para a efetiva
garantia da concretização das promessas feitas pelo legislativo, procedimento
que tem propiciado a real democratização da sociedade, transformando este
espaço na verdadeira “ágora”, onde às partes é oportunizada a efetiva atuação
política (democracia direta/participativa), restando o judiciário legitimado para
com a criação de direito, emergindo assim a chamada norma individual, que
nasce do caso concreto.
Ocorre que com advento da contemporaneidade, esta passa a elevar o
Processo, utilizando-o também como um instrumento de políticas (afirmando-as,
realizando-as), como visto ao relacionar-se constituição e processo, o processo
constitucionalizou-se e especificamente, albergou garantias processuais que
passaram a ser garantias constitucionais-processuais. Ou seja, o processo
transcendeu ao constitucionalismo que, por tudo isso é reflexo da
transcendência social, que apresenta o renovado espírito do indivíduo, que
busca a democracia concretizada (no e) pelo processo judicial. Nesse contexto,
o processo acaba por transformar-se em oportunidade política e jurídica.
2 CONSTITUIÇÃO E PROCESSO: E SUA (COR)RELAÇÃO
Hay que tratar de las relaciones entre Proceso y Constitución —la
madre de las reglas jurídicas—. La Constitución, tiene diversos modos
26
de actuar sobre el proceso.
O Processo Civil apresenta gradual e constante evolução, pois “não há
mais espaço para uma visão hermética de seus institutos, como se fossem
ferramentas que trabalham mecanicamente em função de sua própria
engrenagem”27, assim busca-se com a Constitucionalização do Direito ter-se
26
GUILLÉN, Victor Fairén. Teoría General del Derecho Procesal. Primera Edición. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 1992. P. 55.
27
MELO. Gustavo de Medeiros. O Acesso à Justiça na Perspectiva do Justo Processo. In:
FUX, Luiz; NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). Processo e
Constituição: Estudos em Homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. 1ª Ed.. São
Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. P. 684.
2460
uma observação da realidade28, com isso, “assumem os preceitos Processuais
postura de veículo de realização dos valores básicos consagrados no sistema
Constitucional que institui o Estado Democrático de Direito”29.
A
Constitucionalização
do
Direito30,
e
por
consequência
da
Constitucionalização do Direito Processual tornou-se viável pela notável
exigência por novas soluções jurídicas capazes de atender de forma adequada
as novas realidades. A imperiosa necessidade de “cambio” obriga aos
processualistas a ir evolucionando em seus conceitos e fugir de um maior
número de regras que, presumidamente tenham um caráter imitável.31
Neste sentido, o sistema Constitucional vem a apresentar-se “como
constante e cíclico aprendizado, a Constituição é (e deve ser tida, sempre como)
um projeto aberto a constantes inclusões”32, desta forma, uma das inclusões que
se revela a mais essencial, e dada pela “vinculação que existe entre o Processo
Civil e a Constituição, particularmente enfatizar-se-á a teoria sobre a ação e
28
Por tanto “significa el desenvolvimiento de un precepto constitucional, expuesta ampliamente a
lo largo de este traba yo, no significa una idea totalmente nueva ni un plan político a desenvolver
en el futuro. Significa una elemental apreciación dogmática del derecho vigente y una
observación directa de la realidad actual.” (COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho
Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. P. 94)
29
“A moderna filosofia do direito constitucional estabeleceu um corte metodológico no estudo e na
compreensão do processo civil contemporâneo. Não há mais espaço para uma visão hermética
dos institutos processuais, como se fossem ferramentas que trabalham mecanicamente em
função de sua própria engrenagem. Como método de pensamento, a análise que se faça
atualmente sobre qualquer assunto do direito processual civil deve ser monitorada de perto pela
garantia do acesso à justiça, que tem hoje dimensão internacional no contexto dos direitos
fundamentais. O processo se tornou um instrumento ético de democratização das decisões do
Estado, assumindo de vez a postura de veículo de realização dos valores básicos consagrados
no sistema constitucional que institui o Estado Democrático de Direito.” (MELO. Gustavo de
Medeiros. O Acesso à Justiça na Perspectiva do Justo Processo. In: FUX, Luiz; NERY
JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.), Processo e Constituição: Estudos
em Homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. 1ª Ed.. São Paulo : Revista dos
Tribunais, 2006. P.684.)
30
Neste sentido ver GUASTINI e FAVOREU. (FAVOREU, Louis. La Constitutionnalisation du
Droit. In: MATHIEU, Bertrand; VERPEAUX, Michel (orgs). La Constitutionnalisation des
Branches du Droit. Paris: Preses Universitaries D´Aix-Marseille, 1998; e GUASTINI, Ricardo.
La
constitucionalización
del
ordenamiento
jurídico.
In:
CARBONNEL,
Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta; 2003.)
31
RIBEIRO, Darci Guimarães. La pretensión Procesal y la Tutela Judicial Efectiva. Barcelona:
J.M. Bosch Editor, 2004. P. 15.
32
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, Jurisdição e Processualismo Constitucional.
In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, jul-dez de 2010. P. 64.
2461
sobre o Processo em seus fundamentos Constitucionais e dos Princípios que
estruturam o Processo Civil”33.
Ressalte-se em um primeiro momento, que, efeito acarretado pela
Constitucionalização do Processo traz consigo a incorporação de normas
processuais na Constituição (garantir direitos), caracterizando de forma
inconfundível base constitucional do direito processual, já em um segundo
estágio e sob a égide do Estado Democrático de Direito, a constitucionalização
do processo desenvolve-se a partir de outra perspectiva, sendo ela, voltada a
implementação e a eficácia dos direitos fundamentais (garantir, assegurar e
efetivar os direitos fundamentais)34.
Importante destacar, que, o primeiro momento da Constitucionalização
do Processo apresenta de um lado CHIOVENDA35, sendo que, este veio a
influenciar diretamente as reformas políticas das leis Processuais, já de outro
lado, destaca-se COUTURE36, que, com a ampla intensificação de estudos
relativos aos preceitos Constitucionais, regulamentados, estes passam a incidir
diretamente para com o Código de Processo37. No entanto, destaque-se que no
33
ACOSTA, Hermógenes. Proceso Civil y Constitución. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS,
Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ I JUNOY, Joan (coords.).
Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la
Judicatura, 2005. P. 13.
34
COSTA, Miguel do Nascimento. Poderes do Juiz, Processo Civil e suas Relações com o
Direito Material. Volume 2. Coleção Estudos de Direito em Homenagem ao Prof. Darci
Guimaraes Ribeiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. P. 60-61.
35
CHIOVENDA, G., Le reforme processuali e le correcti del pensiero moderno, en <<Saggi di diritto
processuale civile>>, I, Roma, 1930, pp. 379. Demonstra AROCA, Juan Montero. Los Principios
o
Informadores del Proceso Civil en el Marco de la Constitución. In: Revista Justicia 82, n. IV.
P. 10.
36
COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc.
Anón. Editores. P. 53.
37
“Fueron dos obras del gran maestro del procesalismo ibero-americano, Eduardo J. Couture, los
que pusieron de manifiesto la necesidad de examinar las relaciones entre las normas
constitucionales y las disposiciones legales respecto al proceso civil. En su ensayo, ya clásico,
acerca de Las Garantías Constitucionales del Proceso Civil, Couture se propuso mostrar en qué
medida el Código de Procedimiento Civil y sus leyes complementarias son el texto que
reglamente la garantía de justicia contenida en la Constitución. Con este designio, Couture
destacó los aspectos constitucionales de la acción y la excepción, los actos procesales, y el
debido proceso, la sentencia y la jurisdicción. Después de analizar las relacione entre la
Constitución Política y la legislación orgánica del poder judicial y de señalar los desfasamientos
entre las orientaciones políticas de las primeras y las tendencias de las leyes procesales y
orgánicas, el procesalista uruguayo concluyó que el derecho procesal civil, que por tanto tiempo
fue considerado el simple menester de la rutina forense, es, en sí mismo, el instrumento más
directo de realización de la justicia. En una obra posterior, El debido proceso como tutela de los
derechos humanos, Couture abordó el tema de la tutela constitucional del proceso y mostró
cómo, por medio de dos maneras de pensar – las correspondientes a la common law en los
2462
Brasil, BARACHO38 foi o primeiro a tratar da relação existente entre Constituição
e Processo.
Superado o incurso ao tocante dos principais percursores de aproximação
entre o Processo e a Constituição, observe-se ser um fenômeno que teve como
“inicio a Constitucionalização dos Princípios do Processo – por ao menos no
mundo anglo-saxão -, destacando que os Códigos Processuais Civis (Civil
Procedure) são o texto que regulamentam a garantia de justiça contida na
Constituição.”39
Corrobore-se, que
“la constitucionalización de los principios del proceso no ha sido
uniforme en todas las materias. Es así que, por ejemplo, en la materia
penal el fenómeno que nos ocupa se viene implementando desde hace
mucho tiempo, probablemente, entre otras razones, porque en esta
materia los elementos ideológicos son más evidentes y, sobre todo
porque en ella se decide sobre la libertad de las personas. En cambio,
la constitucionalización de los principios del proceso civil, es un
fenómeno relativamente reciente, ya que el mismo comienza a
40
partir de la II Guerra Mundial. (g. n.)
Pelo exposto, os estudos relativos ao Processo e Constituição demonstrase ser um fenômeno hodierno, ocorrendo especificamente após a Segunda
Grande Guerra Mundial, e ainda, mais especificamente em países que tiveram
Estados Unidos y a la civil law – era posible arribar a conclusiones similares. Para el jurista
iberoamericano, la teoría de la tutela constitucional del proceso consistía en fijar los fundamentos
y las soluciones que permitan establecer, frente a cada caso particular, pero mediante un criterio
de validez general, si un proceso proyectado o regulado por la ley, es o no idóneo y apto para
cumplir los fines de la justicia, seguridad y orden que instituye la Constitución. Las ideas de
Couture han ejercido una importante y renovadora influencia en la doctrina y e la legislación. A
partir de ellas, los procesalistas, tanto de Iberoamérica como de Europa, se han ocupado, con
mayor amplitud, de los temas que abordó nuestro autor. Los códigos procesales civiles más
recientes suelen dedicar una parte a la regulación de los principios procesales, que en general
recogen o derivan de las bases establecidas en las constituciones.” (FAVELA, José Ovalle.
Tendencias Actuales en el Derecho Procesal Civil. In: FERNÁNDEZ, José Luis Soberanes
(Compilador). Tendencias Actuales en el Derecho Procesal Civil. Segunda Edición. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2001. P. 28.)
38
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
39
COUTURE, E. J., Las garantías constitucionales del proceso civil, en <<Estudios de derecho
procesal civil>>, I, Buenos Aires, 1948, pp. 19 y ss. También FAÍREN, V., Ideas y textos sobre el
principio del proceso, en <<Temas del ordenamiento procesal>>, I, Madrid, 1969, pp. 567 y ss.
Y FIX ZAMUDIO, H., Constitución y proceso civil en Latinoamérica, México, 1974. Neste tocante,
AROCA arrola todos os autores descritos. (AROCA, Juan Montero. Los Principios
o
Informadores del Proceso Civil en el Marco de la Constitución. In: Revista Justicia 82, n. IV.
P. 10.)
40
ACOSTA, Hermógenes. Proceso Civil y Constitución. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS,
Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ I JUNOY, Joan (coords.).
Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional de la
Judicatura, 2005. P. 12.
2463
regimes políticos totalitários, nascendo assim a “Constitucionalização dos
Direitos Fundamentais das pessoas, e dentro destes, uma tutela das garantias
mínimas que deve reunir todo o Processo”41. Pretendia-se desse modo “fundarse um processo mediante o qual a Constituição se defende a si mesma contra
os ataques de Juízes”42, e mais, “evitar que o futuro do legislador desconhecese ou viola-se tais direitos, protegendo-lhes.”43.
Assim, a Constituição aparece como um instrumento idóneo para
instaurar uma nova ordem política e social, e para dar uma nova resposta válida
aos angustiosos interrogantes do momento histórico delineado pelo pósguerra”44. Fortalece a teoria piramidal de KELSEN45, que tem como ápice de seu
vértice a Constituição, sendo ela dotada de toda a força normativa do sistema
jurídico, conforme aponta HESSE46, pois nesta trilha:
El ordenamiento jurídico se organiza sobre la base del principio de
constitucionalidad. En efecto, la Constitución se erige como la norma
primera y primaria, pues crea los sistemas de producción normativa y
de fuentes del Derecho, de suerte que de ella derivan su validez las
normas jurídicas. Por ese carácter, se configura como la norma
suprema del ordenamiento jurídico, directamente aplicable, que vincula
a los ciudadanos y poderes públicos, y superior en jerarquía e inmune
(fuerza activa y pasiva) frente al resto de normas. Naturalmente, esa
condición de norma suprema obliga a que las normas deban ser
47
conformes a la Constitución.
41
JUNOY, Joan . Los Principios Constitucionales Rectores del Proceso Civil I. In: ACOSTA,
Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY, Joan
(coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela Nacional
de la Judicatura, 2005. P. 100.
42
GUILLEN, Víctor Fairen. Bases uniformes de legislación procesal. Comunicación que
presentó a la V Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal. Bogotá, junio de 1970. P. 153154
43
PICÓ JUNOY, Joan . Los Principios Constitucionales Rectores del Proceso Civil I. In:
ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY,
Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela
Nacional de la Judicatura, 2005. P. 100.
44
PICÓ JUNOY, Joan . Los Principios Constitucionales Rectores del Proceso Civil I. In:
ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY,
Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela
Nacional de la Judicatura, 2005. P. 100.
45
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
46
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 1991.
47
ORTEGA, Juan Antonio Toscano. El Control Judicial de Adecuación Constitucional en la
Jurisdicción Civil y la Cuestión de Inconstitucionalidad en el Derecho Español. In:
ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY,
Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela
Nacional de la Judicatura, 2005. P. 241.
2464
A Constituição indiscutivelmente é a “norma suprema e primaria de
eficácia direita”48, “pois cria os sistemas de produção normativa e de fontes do
Direito, de sorte que dela derivam sua validez as normas jurídicas”49, e que, por
esta condição naturalmente impõe seus
influxos e mutações
as normas Processuais,
alocando-se neste (o Processo) as propostas e as ondas renovatórias, pois, é natural que o instrumento
se altere e adapte às mutantes necessidades funcionais decorrentes da variação dos objetivos substanciais a
perseguir50.
A onda renovatória imposta pelos efeitos da Constitucionalização do
Direito passarão a delinear um Processo que se torne muito mais sensível ao
caso em concreto que será apresentado, pois demonstra uma preocupação
relevante com o respeito aos valores e aos princípios constitucionais, como
apregoado nos artigo 1º a 12º do Novo Código de Processo Civil, que trata “das
normas fundamentais do processo civil”.51
48
“Se concibe la Constitución como algo más que un documento limitado a describir las funciones
de los diferentes poderes del Estado y a consagrar una serie de principios sin relevancia práctica.
La corriente predominante es aquella que percibe la Constitución como la norma suprema y
provista de eficacia directa. El hecho de ser la norma suprema del ordenamiento jurídico que rige
la convivencia social, le impone al juez la obligación de declarar nula y en consecuencia
inaplicable las demás normas que entre en contradicción con ella. Mientras que el hecho de que
tenga eficacia directa, le impone al juez la obligación de aplicarla, en todos los casos que proceda
y momento de decidir un determinado conflicto.” (ACOSTA, Hermógenes. Proceso Civil y
Constitución. In: ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez;
PICÓ I JUNOY, Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo
Domingo: Escuela Nacional de la Judicatura, 2005. P. 12.)
49
ORTEGA, Juan Antonio Toscano. El Control Judicial de Adecuación Constitucional en la
Jurisdicción Civil y la Cuestión de Inconstitucionalidad en el Derecho Español. In:
ACOSTA, Hermógenes; PLAZAS, Jose Machado; SUZAÑA, Manuel Ramírez; PICÓ JUNOY,
Joan (coords.). Constitucionalización del Proceso Civil. 1ª Ed.. Santo Domingo: Escuela
Nacional de la Judicatura, 2005. P. 241.
50
DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro
Editores, 2009. P. 37-38.
51
Vale colacionar as Considerações de Marco Felix Jobim, que: “O legislador, quando optou por
elencar o capitulo I as normas que devem ser fundamentais a todo o processo civil, trabalhou
bem ao textualizar algumas que já eram consenso na própria doutrina e os tribunais, que já
estavam fazendo uso continuo e prolongado dos seus conceitos, como o princípio da não
surpresa, o princípio da paridade de armas. Na mesma linha identificou o texto já nos artigos à
resolução de conflitos, elencando alguns deles, como arbitragem, a conciliação e a mediação e
deixando em aberto o tema para que tantas outras formas possam vir a ser incorporadas pelo
ordenamento jurídico brasileiro. Também, foi salutar dar estímulo aos profissionais do Direito que
utilizem essas técnicas. No que concerne a alguns princípios já conhecidos do processo
constitucional, como o do acesso ao Poder Judiciário, do contraditório, da publicidade, da
fundamentação das decisões, pouco fez de novo, apenas repetindo parte do texto constitucional,
o que faz com que se pergunte se já não eram para ser seguidos independentemente de fazer
parte do projeto ora em tramitação. Da mesma forma, ao elencar como um dos escopos do
processo a promoção a dignidade, sendo ela fundamento do Estado Democrático de Direito? E
a eficiência, já não era um norte a ser seguido pela leitura do caput do artigo 37 da CF? o da
2465
Necessário salientar, que com esta onda renovatória os influxos e
mutações Constitucionais se inserem ao Processo, adaptando-se ao mesmo
alguns resultados que lhes passam a ser lógicos, sendo estes:
“a) – la
Constitución presupone la existencia de un proceso como garantía de la persona
humana; b) – la ley, en el desenvolvimiento normativo jerárquico de preceptos,
debe instituir ese proceso; c) – pero la ley no puede instituir formas que hagan
ilusoria la concepción del proceso consagrada en la Constitución; d) – si la ley
instituyera una forma de proceso que privara al individuo de una razonable
oportunidad para hacer valer su derecho, sería inconstitucional; e) – en esas
condiciones, deben entrar en juego los medios de impugnación que el orden
jurídico local instituya para hacer efectivo el controlador de la constitucionalidad
de las leyes.”52
A correspondência do instrumento aos objetivos (assim formando-se a
(cor)relação), ou melhor, entre a Constituição e seu próprio ordenamento
processual se dá mediante “las manifestaciones concretas de la jurisdicción, se
halla en su sistema de principios socio-políticos y técnicos53, reconociese que el
legalidade não era para ser observado? Se seguiu o princípio da administração pública, por qual
razão a impessoalidade ficou fora do texto processual? Preocupa o Código projetado elencar a
observação à proporcionalidade, a razoabilidade, atendendo o juiz ao aplicar o Direito aos fins
sociais e às exigências do bem comum, tendo em vista que são ferramentas que não controlam,
minimamente, a construção da decisão judicial se não tomados cuidados extras com o estudo
do referido dispositivo. Não é feliz o legislador quando vai tentar dar densidade ao princípio da
tempestividade do processo, conforme já relatado no corpo do artigo, isso em razão de que, em
alguns casos, seriamente prejudicada a tempestividade na atividade satisfativa do processo.
Para ilustrar melhor, uma execução de título executivo extrajudicial será sempre frustrada se o
executado não tiver patrimônio a ser alvo de constrição judicial. Por fim, de aplausos a iniciativa
de finalmente regrar os julgamentos obedecendo a uma ordem cronológica e informar,
pormenorizadamente, como ela deve ser. Note-se que a evidencia já existia previsão para tanto,
de forma um pouco diferenciada, mas, elencando como normatividade fundamental, podem
aqueles privilégios concedidos de forma desarrazoada, finalmente, estar perto do fim, o que
somente ocorrerá com o controle do Poder Judiciário também, pela própria pessoa humana, alvo
maior da prestação jurisdicional.” (JOBIM, Marco Félix; MACEDO, Elaine Harzheim. Das normas
fundamentais do processo e o projeto de novo Código de Processo Civil Brasileiro:
repetições e inovações. In: RIBEIRO, Darci Guimaraes; JOBIM, Marco Félix. (orgs).
Desvendando o Novo CPC. 1ª ed.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. P. 54-55.)
52
COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª edición. Buenos Aires:
Ediciones Depalma, 1977. P. 149-150.
53
ALCALÁ-ZAMORA CASTILLO: «Principios técnicos y políticos de una reforma procesal», en
Publicaciones de la Universidad de Honduras, Tegucigalpa, 1950, passim; PRIETO - CASTRO:
«Principios políticos y técnicos para una ley uniformé» (Informe presentado al I Congreso
Iberoamericano y Filipino de Derecho Procesal), Reviste de Derecho procesal, Madrid, 1956, II,
págs. 185 y sigs; haja vista, que apressenta vasto estudo GUILLEN. (GUILLEN, Víctor Fairen.
Bases uniformes de legislación procesal. Comunicación que presentó a la V Jornadas
Latinoamericanas de Derecho Procesal. Bogotá, junio de 1970. P. 153-154.)
2466
proceso refleja esta ideología54, así deben tener una formulación amplia, aunque
no vaga, con exposición dialéctica de sus pares correspondientes (por ejemplo,
lo dispositivo y lo inquisitivo), así como de gozar de una protección superior que
la misma Constitución debería prever —y que prevé en algunos países”55.
No caben dudas que el derecho procesal, como fenómeno cultural,
constituye producto exclusivo de hombre, siendo por consecuencia
inevitablemente empulgado por el concepto, un tanto concerniente, es
verdad, de libertad, por eso, el tejido interno del proceso se forma por
la confluencia de ideas, proyectos sociales, utopías, intereses
económicos, sociales, políticos y estrategias de poder vigentes en
determinada sociedad con marcas específicas de tiempo y espacio.
56
E mais, atualmente pode-se até dizer do ponto de vista interno que a
conformação e a organização do Processo e do Procedimento nada mais
representam do que o equacionamento de conflitos entre princípios
Constitucionais em tensão, de conformidade com os fatores culturais, sociais,
políticos, econômicos e as estratégias de Poder num determinado espaço social
e temporal57.
Neste sentido, a atual missão do Processo supera até mesmo seu
conceito tradicional hermético, aportando em si mesmo uma renovada dimensão
de significado chegando transcender do que usualmente lhe é atribuído, podese dizer que o: “proceso, en tanto institución del ordenamiento jurídico, de por sí
ya implica una forma de equilibrio de intereses públicos, privados y sociales.”58
54
AROCA, Juan Montero. Los Principios Informadores del Proceso Civil en el Marco de la
o
Constitución. In: Revista Justicia 82, n. IV. P. 10.
55
GUILLEN, Víctor Fairen. Bases uniformes de legislación procesal. Comunicación que
presentó a la V Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal. Bogotá, junio de 1970. P. 153154.
56
OLIVEIRA, Carlos Alberto. Poderes del Juez y Visión Cooperativa del Proceso. Cadernos do
Programa de Pós-Gradiuação em Direito. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, n. 2, set. 2004. P. 131
57
C. A.. OLIVEIRA, Alvaro. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In:
C. A.. OLIVEIRA, Alvaro. (Org.). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2004. P. 1-2.
58
BERLOLMO, Pedro .L.. El Derecho al Proceso Judicial. Calle, Bogóta: Editorial Temis S. A.,
2003. P. 26.
2467
Sua atual missão torna-se real e caracteriza-se pela via de um “processo
revolucionário”.59
Ao mesmo tempo em que o processo deva obedecer à ideologia vinculada
pelo sistema de princípios culturais, sociais, políticos, jurídicos60 e técnicos que
se fixam61 e delineiam-se nos contornos textuais das Constituições, este
(Processo) deve ater-se sempre a investigação do caso litigioso, a aplicação do
direito ao mesmo e a obtenção de uma sentença adequada ao ordenamento
jurídico”62,
justiça”64,
63
, servindo assim como instrumento mais direto de realização de
65
. Por derradeiro, que toda essa Justiça e todo esse Direito se
desenvolvem em torno dos direitos do ser humano, como em uma espiral
crescente, que a cada momento ganha profundidade e também avança até as
alturas66.
59
SATTA, Salvatore. Derecho Procesal Civil III. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas EuropaAmerica, 1971. P. 14.
60
“Pero el pretender desterrar la política del derecho, se basa en una opinión deformada de lo que
aquella sea, y e pretender reducir el derecho a política, se basa en una concepción totalitaria de
esta desconocedora de las garantías de aquel.” (AROCA, Juan Montero. En torno al concepto
y contenido del derecho jurisdiccional. In: Revista de Derecho Procesa Ibero Americana. Año
1976. Núm. P. 178.)
61
Por tanto “sí que las normas por las cuales se formule aquel sistema de principios, como ligados
de modo inmediato con la Constitución, deben gozar de un sistema procesal específico, más
fuerte que el que protege el cumplimiento de las leyes inferiores. Iríamos, pues, 'hacia la creación
de una especial categoría de leyes, de «leyes constitucionales», entre las cuales se hallase
aquélla, mediante la cual se fijan los principios que en cada país, deben regir su ordenamiento
procesal.” (GUILLEN, Víctor Fairen. Bases uniformes de legislación procesal. Comunicación
que presentó a la V Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal. Bogotá, junio de 1970. P.
154)
62
AROCA, Juan Montero. Los Principios Informadores del Proceso Civil en el Marco de la
o
Constitución. In: Revista Justicia 82, n. IV. P. 10.
63
“O processo é meio, não só para chegar ao fim próximo, que é o julgamento, como ao fim remoto,
que é a segurança constitucional dos direitos e da execução das leis[...]” (DINAMARCO, Cândido
R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro Editores, 2009. P. 26-27.)
64
COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc.
Anón. Editores. p. 94
65
“La justicia es algo mejor: es la creación que emana de una conciencia viva, sensible, vigilante,
humana. Es precisamente este calor vital, este sentido de continua conquista, de vigilante
responsabilidad que es necesario apreciar e incrementar en el juez.” (CALAMANDREI, Piero.
Proceso y Democracia. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1960. P. 80.)
66
RAMÍREZ, Sergio García. Derecho Procesal Constitucional. In: RAMÍREZ, Sergio García.
Temas Atuais. Primera Edicion. México: Universidad Autónoma del Estado de México, 2002. P.
429.
2468
Contudo, necessita o Processo harmonizar seus conceitos à realidade
constitucional67, assim deve sistematizar a Constituição “no” Processo68, por via
de três grupos, valendo colacionar o ensinamento de RAMOS MÉNDEZ, que
alude, em um:
Un primer grupo de preceptos constitucionales sienta las bases
sobre la organización de la jurisdicción en el estado de derecho.
Los principios fundamentales sobre la significación del poder judicial
en e estado de derecho, el principio da unidad jurisdiccional, la garantía
de la protección jurídica estatal y la exclusividad de la jurisdicción
encuentran, en diversos artículos constitucionales, formulación
precisa. Por otra parte, se sientan asimismo los principios básicos
sobre la estructura jerárquica y postulados fundamentales del estatuto
del personal jurisdiccional. En este grupo de preceptos, aun
predominando su finalidad organizativa, se
contienen también
diversos principios que deben inspirar la actuación práctica de los
Tribunales.
Un según grupo de normas constitucionales lo integran aquellas
que califican la actuación de la función jurisdicción en el estado
de derecho. Son, por así decirlo, los principios constitucionales de la
propia jurisdicción en el ámbito civil. La sumisión del Juez a la ley, la
seguridad jurídica, la libertad de acceso a Tribunales de Justicia y del
principio dispositivo constituyen las fuentes constitucionales que
inspiran la actuación jurisdiccional en el orden civil. Estar normas
constituyen la verdadera filosofía del proceso civil en nuestro sistema
procesal.
En fin, un tercer grupo de artículos del texto constitucional
establecen un cuadro de garantías básicas del proceso. estas
garantías están concebidas en servicio de una mejor protección. Estas
garantías fundamentales de la persona en el proceso y de la tutela de
los derechos legítimos hechos valer en el proceso civil. El sistema
establecido por nuestra Constitución es realmente amplio y en él tienen
cabida todas cuantas aspiraciones de protección jurídica pueden surdir
en la practica. Este grupo de normas constitucionales son las
verdaderas <<tablas de la ley>> para el proceso, de tal manera que
deben cumplirse en todos los preceptos concretos contenidos en los
Códigos procesales. Pero la Constitución no se ha limitado a promulgar
un decálogo de mandamientos procesales, sino que su programa va
más lejos. Como refuerzo operativo de dichar garantías ha establecido
asimismo unos instrumentos procesales de tutela directa de esas
garantías del proceso en vía constitucional. Sin duda los más
expeditivos, se han puesto directamente al alance de cualquier
67
ABREU, Pedro Manoel. Novo Processo Civil Imantado pelo Constitucionalismo
Contemporâneo. In: Revista SJRJ, V. 18, n. 31. Rio de Janeiro, ago. 2011. P. 75.
68
“Y así el Derecho Procesal transita los extramuros de la Constitución. ¿Podría esperarse
entonces que la enseñanza del Derecho Procesal esté sustentada en la Constitución? No le
podemos pedir a nuestros docentes que levanten rascacielos de docencia si le damos como
material sólo arcilla y arena movediza como basamento. Existe un cráter ostensible que no se
avizora desaparecer en el corto plazo. A nuestro criterio, lo mencionado hasta aquí es el punto
neurálgico del desenfoque. Hubo defectos de diseño. Y los docentes trabajamos bajo este marco
de referencia de espaldas al texto Constitucional expreso.” (GRADO, Guida Aguila. La
Enseñanza del Derecho Procesal Sustentada en el Modelo Constitucional. In: El Mundo
Procesal rinde Homenaje al Maestro Adolfo Alvarado Velloso. Disponível em: <
http://blog.pucp.edu.pe/media/avatar/574.pdf> . Acessado em 14-04-2015.)
2469
ciudadano, que de esta forma puede hacer oír su voz ante las más altas
instancias judiciales del Estado, e incluso, como se verá, ante
organismos internacionales.
La mutua interacción de estas normas en el ámbito de la
Constitución en función del objetivo justicia programado por la
misma da unidad teleológica al sistema de principios
constitucionales del derecho procesal civil en nuestra concreta
69
experiencia jurídica. (grifo nosso)
A reflexão sobrepõe-se, aludindo que Processo e Constituição, e de que:
“de las leyes supremas cabe extraer una teoría acerca del proceso: los principios,
el espacio del Estado y de los particulares: seres humanos, ciudadanos, mejor
que administrados, como en otros sectores se les designa. Suele abundante – a
veces excesiva, de buena voluntad: por esmero en la protección del individuo –
la regulación Procesal Constitucional.”70
Por consequência, a dimensão conquistada pelo Direito Constitucional em
relação a todos os demais ramos do Direito mostra-se particularmente intensa
no que diz respeito ao Processo71, reflete-se que acerca do mesmo, este: “não
é apenas instrumento da jurisdição ou mera relação jurídica entre partes e juiz,
porque é instituição-eixo do princípio do existir do sistema aberto normativo
constitucional-democrático
e
que
legitima
o
exercício
normativo
da
jurisdicionalidade em todas as esferas de atuação no Estado que, por sua vez,
também se legitima pelas bases processuais institutivas de sua existência
constitucional.”72
Contudo, os Estudos Constitucionais do Processo foram capazes de
demonstrar novos horizontes para com a Ciência Processual (o processualismo
cientifico, revigorou-se pelas concepções constitucionalizantes73), despertando
novas implicações sociais e politicas do sistema74, tudo isso, devido à
69
MÉNDEZ, Francisco Ramos. La Influencia de la Constitución en el Derecho Procesal Civil.
o
In: Revista Justicia 83, n. 1. P. 10-11.
70
RAMÍREZ, Sergio García. La Teoría del Derecho Procesal de Fairén Guillén. In: RAMÍREZ,
Sergio García. Temas Atuais. Primera Edicion. México: Universidad Autónoma del Estado de
México, 2002. P. 392.
71
OLIVEIRA, Alvaro. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In: C. A..
OLIVEIRA, Alvaro. (Org.). Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. P.
1.
72
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Editora Landy,
2002. P. 69.
73
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, Jurisdição e Processualismo Constitucional.
In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, jul-dez de 2010. P. 84.
74
DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro
Editores, 2009. P. 251.
2470
complexidade social, instalando assim mais que naturalmente na compreensão
dos fundamentos estatais e paradigmáticos de problemas envolvendo a própria
concepção do processo e da jurisdição, mas, também, do Estado Democrático
de Direito, das litigiosidades e da leitura dos direitos fundamentais75, conclui-se
deste modo, que o processo mostra devido a complexidade e a ambiguidade
estrutural que lhes impõe, tanto a resolução de conflitos como a implementação
de politicas76, 77. Portanto o processo há de ser a oportunidade politica, jurídica
e moral, ademais – para com a convergência e conciliação daqueles que são
interessados78 frente à lide que se comporá.
De tudo, demonstra-se que tanto pela perspectiva das transformações
quanto pelas perspectivas evolutivas emergidas da complexidade sócio-política
e jurídica vivenciadas evidenciou-se por consequência, em uma Ciência
Processual79, que busca incansavelmente a efetividade normativa, ou seja, uma
aplicação dos institutos Processuais de acordo com princípios e regras
constitucionais, de modo a ofertas concomitantemente legitimidade e eficácia na
aplicação do direito80.
75
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, Jurisdição e Processualismo Constitucional.
In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, jul-dez de 2010. P. 84.
76
DAMASKA, Mirjan R.. Las Caras de la Justicia y el Poder del Estado. Análisis comparado del
Proceso Legal. Santiago: Editorial Juridica del Chile, 1986. P. 28.
77
La vie collective d´un pays: también el proceso no es sino un aspecto de esta vida, y las
leyes procesales no son otra cosa que una frágil red a través de cuyas mallas presiona y
a veces desborda la realidad social. (CALAMANDREI, Piero. Proceso y Democracia. Buenos
Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1960. P. 49)
78
RAMÍREZ, Sergio García. La Teoría del Derecho Procesal de Fairén Guillén. In: RAMÍREZ,
Sergio García. Temas Atuais. Primera Edicion. México: Universidad Autónoma del Estado de
México, 2002. P. 391-392.
79
“Necessário assim, se faz un modelo científico-jurídico que fornecerá a adecuada solución
al problema debe proponer regular las conductas dos hombres mediante: - Un plan jurídico
general, contenido em normas programáticas (de ordinario, expresado en las constituciones,
pero no em forma excluyente). - Normas conceptuales, que complementen ese plan
programático general. - Normas que estipulen qué deben hacer los hombres para ajustas su
conducta a las prescripciones legales y, también, a que sanciones jurídicas institucionalizadas
(en abstracto) a las que se exponen los individuos en el supuesto de violar esa conducta
prescripta (estática-disyuntivas). - Normas dinámicas que permiten, en casos especiales, ajustar
el cumplimiento de la conducta prescriptiva (en rigor una serie de conductas, de allí la necesidad
de este tipo de normas) al deber ser legal. - Finalmente, un tipo especial de norma dinámica (la
acción procesal) que también regula una serie de conductas (de tres sujetos, como ya veremos)
y que es la posibilite poner en movimiento la reacción institucionalizada y concreta del Estado,
activando los mecanismo jurisdiccionales, siempre que se afirme em el plano jurídico-procesal la
existencia de un conflicto de relevancia jurídica.” (BENABENTOS, Ornar A.. Teoría General del
Proceso. Tomo 1. 1ª ed. - Rosario: Juris, 2005. P. 139-140.)
80
NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do Processo Contemporâneo. Edição Especial. Revista
da Faculdade de Direito do Sul de Minas, 2008. P. 14.
2471
Mais do que garantia constitucional, o processo vai ser visto
teologicamente como instrumento de participação politica do individuo
no centro das decisões do Estado. Mais do que meio de realização do
Direito, transforma-se o processo em instrumento da formulação dos
81
direitos: misto de atividade criadora e aplicadora ao mesmo tempo.
Já, no tocante ao Estado com os efeitos de um Processo publicizado82,
este perpassa a aspiração individual à satisfação de interesses, haja vista, que
o próprio direito tem inegavelmente um “fim político”, ou fins políticos, sendo
imprescindível encarar o processo, que é instrumento estatal, como algo que o
Estado se serve para a consecução dos objetivos políticos que se situam por
detrás da própria lei. 83
Haja vista, o Estado organiza-se politicamente pelo apresentado diante do
texto constituído no corpo “Constitucional”84, o qual, passa a irrigar todo o
sistema da normatividade Processual85 (por meio de um pacto constituinte86),
81
PORTANOVA, Rui. Motivações Ideológicas da Sentença. 3ª ed.. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 1987. P. 101.
82
O processo como ramo do direito publico ultrapassa a sua aspiração individual de interesse e
“… conquista, sin duda, política, del siglo XX frente al proceso liberal propio del siglo XIX, pero
luego se quiere disimular a algunas de las ineludibles consecuencias con el ropaje de la técnica
procesal. (AROCA, Juan Montero. El proceso civil llamado “social” como instrumento
“justicia” autoritaria. AROCA, Juan Montero (Coord.). Proceso Civil e Ideología: un prefacio,
una sentencia, dos cartas y quince ensayos. Valencia: Tirant lo Blanch, 2006. P. 154.)
83
DINAMARCO, Cândido R.. Escopos Políticos do Processo. In: GRINOVER, Ada Pelegrini;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. (Orgs.). Participação e Processo. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988. P. 121.
84
“La Carta Política es norma fundante y fuente principal del derecho procesal, en virtud a que sus
principios y normas diseminados tanto en la parte orgánica como dogmática irrigan todo el
desarrollo de la normatividad procesal, el constitucionalismo ha avanzado al punto de que ya no
son los códigos políticos llanas declaraciones de buena voluntad, es decir, no tienen un lato
carácter programático. Es, pues, un conjunto de normas que cuenta con una serie de
prerrogativas de aplicación inmediata la gran mayoría de ellas; que además cuenta con una
fuerza vinculante desde su preámbulo hasta su último artículo y con un sistema de reforma más
complejo con el objeto de asegurar su rigidez.” (RESTREPO, Sebastián Betancourt. Filosofía
del Derecho Procesal. Universidad Autónoma Latinoamericana. Faculdad del Derecho. Teoria
General del Proceso. Medellín, 2008. P. 22.)
85
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo, Jurisdição e Processualismo Constitucional.
In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 101, jul-dez de 2010. P. 78.
86
“De la Constitución a la ley no debe mediar sino un proceso de desenvolvimiento
sistemático. No sólo la ley procesal debe ser fiel intérprete de los principios de la Constitución.
sino que su régimen del proceso, y en especial el de la acción, la defensa y la sentencia, sólo
pueden ser instituidos por la ley. El régimen del proceso lo debe determinar la ley. Ella concede
o niega poderes y facultades dentro de las bases establecidas en la Constitución. El espíritu de
ésta se traslada a aquélla, que debe inspirarse en las valoraciones establecidas por el
constituyente. Para quienes negamos que dentro de nuestro sistema constitucional existan
fallos generalmente obligatorios, ni aún en régimen de casación esta fidelidad de la ley a la
Constitución representa la base de toda una construcción que está reclamando
desenvolvimiento.” (COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I.
Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. P. 21.)
2472
compondo-se esta normatividade como garantia de existência do Estado mesmo
como unidade politica organizada pelo Direito87, e ainda, constituir-se como
garantia de legitimidade e participação dos cidadãos na formação das
decisões88, que forçosamente se inserem no respectivo contexto e representa,
afinal de contas, um dos múltiplos episódios em que se lhe manifesta a
dinâmica89.90
As Constituições atuais permeiam a tessitura
Processual, a qual é
politicamente um espaço de debate democrático91, e procedimentalmente um
sistema jurídico em que convergem situações jurídicas diversas, ativas e
passivas, é também desde a teoria do Direito, uma fonte de criação de uma
norma jurídica individual, sendo esta norma representada pela decisão judicial.92,
93
E ainda, existe “il nesso qui istituito tra democrazia e diritto si precisa così come
nesso tra (dimensioni della) democrazia e (tipi di) diritti fondamentali. Una
democrazia senza diritti fondamentali è inconcepibile”.94
87
Note-se aquí: “ser el proceso la garantía de la existencia del Estado mismo como unidad política
organizada por el Derecho, la encontramos, con la entrega ejemplar de su vida, voluntariamente
sacrificada a la idea de que el orden jurídico vale por sí, debe valer como orden,
independientemente de la bondad o - maldad de su contenido.” (BERNAL, Antonio Martínez. La
misión del proceso en el sistema del derecho. Fecha de publicación. Editor/es: Murcia:
Universidad de Murcia, 1943. P. 15.)
88
NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do Processo Contemporâneo. Edição Especial. Revista
da Faculdade de Direito do Sul de Minas, 2008. P. 14.
89
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre a Multiplicidade de Perspectivas no Estudo do
Processo. In: Revista Brasileira de Direito Processual. V. 56. 4º Trimestre de 1987. Rio de
Janeiro: Forense, 1957. P. 19
90
“Normas dinâmicas que permiten, em casos especiales, ajustar el cumplimiento de la conducta
prescpritiva (em rigor uma serie de conductas, de allí la necesidad de este tipo de normas) al
deber ser legal. - Finalmente, um tipo especial de norma dinâmica (la acción procesal) que
tambien regula uma serie de conductas (de três sujetos, como ya veremos) y que es la possibilita
poner em movimento la reaccion institucionalizada y concreta del Estado, activando los
mecanismo jurisdicionales, siempre que se afirme em el plano jurídico-procesal la existência de
um conflito de relevância jurídica.” (BENABENTOS, Ornar A.. Teoría General del Proceso.
Tomo 1. 1ª ed. - Rosario: Juris, 2005. P. 139-140.)
91
DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro
Editores, 2009. p. 167-178.
92
BEDOYA, Julia Victoria Montaño. Constitucionalización del Proceso Judicial Civil
Panamericano. Encuentro XX Panamericano de Derecho Procesal - Santiago, Chile, 2007 –
Ponencias. P. 3-4
93
Vide: Ativismo Judicial como Criação do Direito. In: SANTOS, Paulo Junior Trindade dos Santos.
O Ativismo Judicial (?) e a Criação do Direito pela via da Interpretação: as (Possíveis)
Contribuições da Filosofia no Direito. Dissertação. São Leopoldo – RS: Universidade do Vale
do Rio dos Sinos, 2013.
94
FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Teoria del diritto e della democaracia.Teoria della
democrazia. v. 2. Editori Laterza: Roma- Bari, 2007. P. 22.
2473
Ocorre desta forma “uma reviravolta paradigmática, ao compatibilizar a
democracia (como direito e como processo) com a Constituição, voltada a
assegurar direitos e deveres, sem a efetividade dos quais a democracia não
prospera.” 95
O Processo alarga-se de tal maneira que seu enlace com a Constituição
resulta um fenômeno natural dentro dos modos de aplicação do mesmo96, resta
assim evidente a relação existente entre Constituição e Processo frente ao
sistema normativo97, desta (cor)relação DINAMARCO cinge-as analiticamente
em dois eixos vetoriais, em: “a) no sentido Constituição-Processo, tem-se tutela
constitucional deste e dos princípios que devem regê-lo, alçados ao plano
constitucional;
b) no sentido Processo-Constituição, a chamada jurisdição
constitucional, voltada ao controle de constitucionalidade das leis e atos
administrativos e à preservação de garantias oferecidas pela Constituição
(jurisdição constitucional das liberdades), mais toda a ideia de instrumentalidade
processual em si mesma, que apresenta o processo como sistema estabelecido
para a realização da ordem jurídico, constitucional inclusive.”98
Portanto, o Processo galgou relevo devido sua relevância, pois apresenta
impacto direto para com a construção do Direito, assim passou a ter status
Constitucional, assim tutelam-se os princípios que devem regê-lo99 inserindo-se
no conjunto dos direitos fundamentais e pelas garantias constitucionais
95
FREITAS, J.; TEIXEIRA, Anderson V.. Direito à Democracia: Ensaios Transdisciplinares. São
Paulo: Conceito Editorial, 2011. P. 12.
96
COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I. Buenos Aires: Soc.
Anón. Editores. P. 24.
97
“Se afirma sin reserva, en el campo de la teoría general que la Constitución es el fundamento
de validez de la ley.” (COUTURE, Eduardo J.. Estudios de Derecho Procesal Civil. Tomo I.
Buenos Aires: Soc. Anón. Editores. P. 24.)
98
“Neste sentido, (politico) encontra-se uma progressiva tomada de consciência da conjuntura que
as cerca por as pessoas em atitude crítica perante as instituições da superestrutura mais
politizadas, é no sentido de saírem da condição de meros espectadores das atividades de
administradores e juízes em prol do direito. e assim é que a população sente a necessidade de
que a Justiça se paute por aquelas ideias fundamentais postas em relevo pelos processosconstitucionalistas, ou seja, ela vai se conscientizando da necessidade de observanca dos
grandes princípios constitucionais do processo.” (DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade
do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro Editores, 2009. P. 26-27.)
99
DINAMARCO, Cândido R.. Instrumentalidade do Processo. 14ª Ed.. São Paulo: Malheiro
Editores, 2009. P. 26-27.
2474
processuais, podendo ser invocado em Justiça por meio de ações apropriadas
ao seu melhor exercício100.
Oportuno assinalar, que o Direito Processual não pode mais ser
dissociado de uma leitura Constitucional, isto é, os institutos processuais criados
sob a égide de valores Constitucionais informados pelo101 Estado Reactivo
devem sim realizar-se a luz das novas transformações trazidas pelo Estado
Activo, ou melhor, pelo Estado Democrático de Direito, que confere valor
adjudicativo ao processo: sendo este um relevante instrumento, que, de um lado
visa a composição de lides-conflitos, os quais lhes são levados à solução, e, de
outro lado serve como importante instrumento de atuação politica102.
A guisa de conclusão que aqui faz-se e de que o “Processo detém um
intimo ponto de contado com a Constituição”103, assim (cor)relacionando-se
ambos,
que por consequência acabam por “evolucionar-transformar” o
Processo, fazendo com que o mesmo passe de mera condição de meio para
realização de direitos já formulados e transforma-se em instrumentos de
realização e formulação dos direitos”104, “que, além de denunciar os problemas
100
SALDANHA, Jânia Maria Lopes; ESPINDOLA, ANgela Araújo da Silveira. A Jurisdição
Constitucional e o caso da ADIN 3520: do modelo individualista – e liberal – ao modelo coletivo
– e democrático – de processo. In: MARIN, Jeferson Dytz (Coord.). Jurisdição e Processo.
Curitiba: Juruá, 2008. P. 53
101
RIBEIRO, Darci Guimarães. Da Tutela Jurisdicional às Formas de Tutela. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010. P. 187.
102
DAMASKA, Mirjan R.. Las Caras de la Justicia y el Poder del Estado. Análisis comparado
del Proceso Legal. Santiago: Editorial Juridica del Chile, 1986.
103
Em sintese GUILLÉN colaciona as justificantes da relação entre Constituição e Processo: “a)
Recogiendo en su seno, principios y regias procesales, supremas para la orientación y aún para
la práctica de tal instituto. b) Pero la Constitución, debe poder actuar directamente sobre el
proceso. cuando alguno de sus principios aún no haya sido desarrollado por la correspondiente
ley; este principio de "la Constitución como norma de aplicación directa. c) El proceso tiene un
íntimo punto de contacto con la Constitución, no sólo en lo ya expuesto, sino en el retorno a crear
un tribunal constitucional; es él, quien resolverá las "cuestiones de inconstitucionalidad"
suscitadas por jueces o tribunales cuando "consideren que una norma con rango de ley aplicable
al caso y de cuya validez depende el fallo, puede ser contraria a la Constitución", antes de dictar
su sentencia.” (GUILLÉN, Victor Fairén. Teoría General del Derecho Procesal. Primera Edición.
México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1992. P. 55 e segs.)
104
PASSOS, J. J. Calmon de. Democracia, Participação e Processo. In: GRINOVER, Ada
Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. (Orgs.). Participação e
Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988. P. 95.
2475
sociais, deverá anunciar possibilidades concretas de acesso à justiça, buscando
sempre unir teoria e prática.” 105
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo, procurando atingir os objetivos apresentados quando
da introdução e dando ênfase ao Processo Civil, buscou apresentar parte da
evolução de seus institutos, em especial no que diz respeito ao novo papel por
ele enfrentado como resultado de uma sociedade em constante evolução (novos
problemas sociais e novos direitos), respostas que dependem (como
demonstrado)
de
novas
soluções
jurídicas
a
partir
da
necessária
Constitucionalização do Processo.
Assim o Processo faz com que se transcenda sua legitimação de mero
instrumento jurídico, tornando-se mais que isso, desenterrando-se de tal
realidade que paradigmaticamente persistem a acompanha-lo desde sua
derradeira formulação, a qual, lhe delineava como mero instrumento de
resolução de conflito. Haja vista, na atualidade o Estado demonstra evoluir
aceleradamente desde seu amago até mesmo influindo na reformulação de suas
instituições e da sociedade. Tanto a sociedade quanto as instituições estatais,
ambas foram submetidas a uma erosão que foi evidenciada pelo pós-guerra.
Ultrapassados os problemas conceituais e delineadores da Ciência
Processual, pois o atual contexto, faz com que o Processo passe a assumir uma
postura para com a formulação e realização de Direitos estatuídos os mesmos
nas Constituições Contemporâneas, deixa assim de ser uma simples ferramenta
que trabalha mecanicamente em função de sua própria engrenagem, supera sim
a hermeticidade pela qual erigia-se.
Transforma-se o Processo frente a sua relação com a Constituição em
num local privilegiado para o exercício da cidadania, a qual acaba por legitimar
o Poder Judiciário quando da entrega da Tutela Jurisdicional do Estado.
105
RIBEIRO, Darci Guimarães. Da Tutela Jurisdicional às Formas de Tutela. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010. P. 78.
2476
Pela perspectiva, de um estudo Constitucional do Processo é possível
visualizar-se novos horizontes para a Ciência do Direito, o que acontecerá,
apenas e tão somente, se o Processo for compreendido como um novo local
(ágora) em que se exercita a cidadania em um efetivo Estado Democrático de
Direito, o qual, em primeiro plano vise dissolver a litigiosidade, e em segundo
plano venha a formular e a concretizar Direitos, dando azo a tão almejada
democracia participativa (democracia constitucional) o que deve ser feito no
sentido de oportunizar a implementação de políticas públicas. Nesse contexto o
Processo passa a ser concebido como uma oportunidade sócio-política e jurídica
amplamente necessárias.
Corrobora o Novo Código de Processo Civil em seu artigo 1º que, “o
Processo Civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores
fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil,
observando as disposições deste Código”.
Assim, deve-se refletir muito quanto a Constitucionalização do Direito
Processual, sendo que: “es un misterio, el misterio del Proceso, el misterio de
la vida.”106
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