Parecer do CSMP acerca da Recomendação n.º R

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Parecer do CSMP acerca da Recomendação n.º R
S.
R.
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PARECER
Foi solicitado por força de despacho de S. Exª o Sr. Ministro da Justiça que o Conselho
Superior do Ministério Público se pronunciasse sobre a possibilidade de «reabertura de
processos na sequência da sua apreciação pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem,
quando a indemnização não permita eliminar todos os danos emergentes da violação da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem» e «criação de novos mecanismos internos de
reacção a atrasos na administração da justiça».
Acrescente-se que sua Exª o Sr. Ministro da Justiça não deixou de assinalar que tratando-se
de «questões distintas, embora complementares» a segunda questão assume particular
relevância.
Nesta primeira audição irão apenas adiantar-se algumas linhas perfunctórias de aproximação
às questões suscitadas e em particular aos procedimentos legislativos adequados para
eventuais alterações determinadas:
(1) pela recomendação nº R (2000)2 do Comité de Ministros do Conselho da Europa no que
concerne ao reexame e reabertura de determinados processos ao nível interno na sequência
de acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; e
(2) pela jurisprudência do acórdão KUDLA c/ a Polónia de 26-10-2000 relativamente à
existência de meios directos acessíveis e eficazes para fazer valer no plano interno o direito a
uma decisão em prazo razoável.
No que concerne à Recomendação nº R (2000)2 afigura-se que a mesma deverá justificar
uma reflexão dogmaticamente cuidada, por entidade cientificamente preparada, sobre
eventuais alterações a introduzir nos processos penal e civil e ainda no contencioso
administrativo no sentido de averiguar se estão exploradas no plano legislativo todas as
possibilidades apropriadas para o reexame e reabertura de processos na sequência de
acórdão do Tribunal Europeu que constate a existência de uma violação da Convenção, em
particular quando (1) a parte lesada continua a sofrer consequências particularmente graves
decorrente da violação e que apenas podem ser compensadas pelo reexame ou reabertura, e
(2) quando a decisão que suscitou o recurso viola a convenção em virtude de erros e falhas
processuais de uma gravidade tal que suscita fortes dúvidas sobre a decisão final do processo
nacional.
Naturalmente esta temática envolve um tema de uma sensibilidade e complexidade técnicojurídica que exige que qualquer iniciativa seja precedida de uma reflexão cientificamente
adequada, pois o apuramento dos remédios jurídicos nesta vertente terá de conciliar o
objectivo da justiça e da legitimação externa dos procedimentos estaduais com um outro
corolário do Estado de direito: o princípio geral da segurança jurídica que determina que
transitada em julgado uma sentença só em casos extremos de erro judiciário devidamente
recortado se questione a segurança jurídica garantida pela decisão judicial.
Como bem foi referido no despacho que determinou a presente audição do Conselho Superior
do Ministério Público, a jurisprudência do acórdão KUDLA assume particular relevância e deve
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determinar uma reflexão cuidadosa em que se devem corresponsabilizar os órgãos de gestão
e governo das magistraturas.
Com efeito, nesse aresto o Tribunal Europeu do Direitos do Homem remete para o plano
interno a primeira via de reacção aos atrasos processuais, referindo-se, nomeadamente, aos
mecanismos de aceleração processual, que no processo penal português são decididos pelo
Conselho Superior de Magistratura relativamente aos processos que se encontram nas fases
judiciais e pela Procuradoria-Geral da República no que concerne aos processos que se
encontram na fase de inquérito. Em face da jurisprudência do acórdão KUDLA as autoridades
nacionais terão pois de ponderar que a inexistência de tais mecanismos internos de reacção
aos atrasos passará a configurar por si só uma violação da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem.
Neste plano afigura-se pertinente reflectir sobre o aprofundamento dos mecanismos de
aceleração processual e de controlo oficioso dos atrasos processuais e seu alargamento às
jurisdições cível, laboral, administrativa e tributária (eventualmente na sequência de uma
radiografia da experiência de aplicação dos mecanismos de controlo previstos no Código de
Processo Penal), sem esquecer as particulares exigências da jurisdição de menores e família
onde as disfunções nos tempos processuais se podem expressar de forma particularmente
dramática (v.g. processos de regulação de poder paternal, de adopção e de protecção de
menores em risco, matérias em que importará também ter presente que não existe muitas
vezes uma parte privada com competência de acção para reagir à anomalia processual, pelo
que o magistrado do MP deverá ter então particulares deveres de intervenção).
Neste segmento permite-se sugerir que a reflexão a empreender com vista à adequação do
ordenamento processual à nova linha jurisprudencial introduzida pelo acórdão KUDLA não se
limite aos mecanismos que podem ser suscitados pelas partes (v. g. incidente de aceleração
processual) mas envolva ainda a responsabilidade de controlo oficioso das disfunções
(através de inspecções e ainda do exame centralizado do cumprimento dos prazos que estará
na base, nomeadamente, do preceituado pelo art. 105.º, nº 2 do Código de Processo
Penal1[1] e pelo art. 25.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário2[2], e cuja
experiência de aplicação também deverá ser analisada).
Por outro lado, permite-se ainda sublinhar que a via a empreender deverá compreender não
só uma reflexão sobre o alargamento das vias reactivas aos atrasos mas a sua articulação
com os mecanismos preventivos. Objectivo que está na base de reformas processuais de
combate à morosidade, mas que também deve compreender coerência e rigor nos critérios
de abertura de vagas para o preenchimento dos quadros3[3] e no aperfeiçoamento dos
modelos de gestão das magistraturas e funcionários, em nome da exigência social de
eficácia, matéria em que Recomendações do Conselho da Europa devem merecer a reflexão
cuidada das entidades nacionais - podendo referir-se, nomeadamente, a importante
Recomendação nº R (95)12 sobre a gestão da justiça penal e a recente Recomendação nº R
(2000)19 sobre a função do Ministério Público na Justiça Penal que implicam, aliás, uma
análise específica e articulada do Conselho Superior do Ministério Público e Ministério da
Justiça que ainda não se iniciou.
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[1] «As secretarias oganizam mensalmente o rol dos casos em que os prazos se mostrarem excedidos e
entregam-nos ao presidente do tribunal ou ao Ministério Público. Estes, no prazo de 10 dias, contado da
data da recepção, enviam o rol à entidade com competência disciplinar, acompanhado da exposição das
razões que determinaram os atrasos, ainda que o acto seja entretanto praticado».
[2] «Os serviços competentes da administração tributária ou dos tribunais tributários elaborarão
relações trimestrais dos procedimentos e pocessos em que os prazos previstos no presente Código não
foram injustificadamente cumpridos e remetê-las-ão às entidades com competência inspectiva e
disciplinar sobre os responsáveis do incumprimento, para os efeitos que estas entenderem apropriado».
[3] E aqui não se pode partir de pretensões subjectivas dos conselhos de mais magistrados, mas,
simplesmente, ter como base os quadros legais de magistrados, onde não podem ser esquecidas as
bolsas, e o número de elementos em exercício de funções.