JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES SERVIÇO SOCIAL E

Transcrição

JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES SERVIÇO SOCIAL E
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Escola de Serviço Social
Programa de Pós-Graduação
JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES
SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA:
Uma Relação em Construção
RIO DE JANEIRO
2006
JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES
SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA:
Uma Relação em Construção
Dissertação
de
Mestrado
apresentada ao Programa de PósGraduação em Serviço Social, da
Universidade Federal do
Rio
de
Janeiro, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em
Serviço Social, sob a orientação da
Profª Drª Janete Luzia Leite.
RIO DE JANEIRO
2006
JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES
SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA:
Uma Relação em Construção
Dissertação
de
Mestrado
apresentada ao Programa de PósGraduação em Serviço Social, da
Universidade Federal do
Rio
de
Janeiro, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em
Serviço Social, sob a orientação da
Profª Drª Janete Luzia Leite.
Aprovada em
de
Profª Drª Janete Luzia Leite. ESS/UFRJ.
Orientadora
de
Profª Drª Cleusa dos Santos. ESS/UFRJ.
Profª Drª Marilurde Donato. EEAN/UFRJ.
Dedicatória
Dedico este trabalho ao Criador,
que me ampara e me sustenta,
em todos os dias da minha vida.
Sem Ele,
não conseguiria chegar até aqui.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente ao Criador que me concede
todos os dias o Dom da Vida;
À minha orientadora, Profª Drª Janete Luzia Leite,
por ter acreditado e confiado em mim e também pelo
apoio dado no dia a dia;
À minha mãe e meu pai por terem entendido minha
ausência e sempre terem me incentivado;
Ao meu irmão Felippe pelas “contribuições” dadas no
processo de construção desta dissertação.
Ao meu namorado Bruno que soube entender todas as
ausências, mudanças de humor e chateações que
passei neste período e que a cada tropeço, me deu
forças para continuar essa caminhada.
Agradeço aos colegas assistentes sociais que tiveram
a paciência e o carinho de nos receber e dar sua
enorme contribuição para que esta dissertação se
transformasse em realidade.
RESUMO
O presente trabalho analisa a prática do assistente social, em instituições
públicas, que atendem dependentes químicos, no município do Rio de Janeiro.
Entendemos que estudar a prática profissional é importante, no sentido de
contribuir para o amadurecimento e a construção permanente do Serviço Social,
no Brasil, e a importância do estudo realizado, no âmbito da dependência
química, se deve ao fato de ser esta um tema transversal e, também, por ser
considerado um problema mundial. Dados do Ministério da Saúde, do ano de
2003, informam que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% da
população mundial é consumidor abusivo de substâncias psicoativas.
Fundamentamos nossa investigação nas discussões acadêmicas a respeito da
prática profissional; na legislação e nas políticas públicas brasileiras voltadas
para a problemática do álcool e outras drogas; e em entrevistas, com nove
assistentes sociais, lotados em instituições que atendem essa demanda. O
estudo evidenciou que o assistente social atua diretamente com os dependentes
químicos e/ou suas famílias, porém de forma fragmentada e não refletida; que
desenvolvem atividades determinadas pela instituição e não as que, como
profissional, considera necessárias para melhoria da qualidade de vida do
dependente e sua família.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social; prática profissional; dependência química.
ABSTRACT
This study analyses the practice of social workers in public institutions devoted
to chemical dependency, in the municipe of Rio de Janeiro. The importance of
studying professional practice lays upon its potential contribution to the
processes of maturing, and permanent construction of Social Work as a
professional field in Brazil. The fact that chemical dependency is both a
transversal theme and a worldwide problem vouchers for its relevance. Data
from the Brazilian Ministry of Health report that according to the World
Health Organization (WHO) 10% of the world population consume psychoactive
substances at abusive levels. This study was based upon the results of
academic debate about professional practice, upon Brazilian legislation and
public policies regarding problems related to abuse of alcohol and other drugs,
and also upon information gathered from a number of interviews conducted
with nine social workers employed by the specialized institutions mentioned.
Evidence was found that social workers operate directly with chemicaldependent individuals and/or their families, nonetheless in a fragmented, nonreflected way; that their activities are determined by the institution, instead
of being decided by themselves as specialized professionals devoted to the
betterment of the quality of life of patients and their families.
Key-words: Social Work, professional practice, chemical dependence.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1. Mudanças no consumo de cocaína – 2004
54
Figura 2. Mudanças no consumo de anfetaminas – 2004
55
Figura 3. Mudanças no consumo de ecstasy - 2004
56
GRÁFICOS
Gráfico 1. Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas (1990 até
2004/2005)
53
Gráfico 2. Idades dos assistentes sociais
127
Gráfico 3. Instituições formadoras: dependência administrativa
127
Gráfico 4. Experiência (tempo de atuação) na área de dependência
química
128
TABELAS
TABELA 1. Consumo de substâncias psicoativas: fatores de risco e
fatores de proteção
58
TABELA 2. Consumo de substâncias ilícitas no Brasil – 2003/2004
62
TABELA 3. Cursos realizados pelos assistentes sociais
129
QUADROS
Quadro 1. Leituras realizadas pelos assistentes sociais
132
Quadro 2. Trabalhos realizados pelos assistentes sociais, por
instituição pesquisada.
147
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
CAPS–ad - Centro de Apoio Psicossocial – álcool e drogas
CEAD – Conselho Estadual Antidrogas
CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicoativas
CENTRA-RIO - Centro Estadual de Tratamento e Reabilitação de Adictos
COFEN – Conselho Federal de Entorpecentes
COMAD – Conselho Municipal Antidrogas
COMEN - Conselho Municipal de Entorpecentes
CONAD - Conselho Nacional Antidrogas
CONEN - Conselho Estadual de Entorpecentes
CPRJ - Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro
CTB - Código de Trânsito Brasileiro
DPF – Departamento de Polícia Federal
EUA – Estados Unidos da América
ESS – Escola de Serviço Social
FIA – Fundação para Infância e Adolescência
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
MS - Ministério da Saúde
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PNAD – Política Nacional Antidrogas
PUC – Pontifícia Universidade Católica
SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas
SISNAD – Sistema Nacional Antidrogas
SUS – Sistema Único de Saúde
UDI – Usuário de Drogas Injetáveis
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
11
CAPÍTULO 1 A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
20
22
36
41
1.1. Breve Histórico
1.2. Os Anos 80
1.3. Os Anos 90
CAPÍTULO 2 DROGAS
2.1.Drogas: breve histórico sociocultural
2.2. Panorama internacional das drogas
2.3. Panorama nacional das drogas
2.3.1. As drogas e a legislação brasileira
2.3.2. A política brasileira para o álcool e outras drogas
2.3.2.1. Política Nacional Antidrogas
2.3.2.2. Política para Atenção Integral a Usuários de Álcool
e Outras Drogas
2.4. Drogas – Discussões Presentes na Sociedade
55
56
61
67
84
94
95
101
107
CAPÍTULO 3 O SERVIÇO SOCIAL E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA
3.1. Clínica
3.2.Ambulatórios
3.3.Os Assistentes Sociais
3.4. O trabalho do assistente social
3.5. A prática profissional
123
125
133
139
161
164
CONSIDERAÇÕES FINAIS
177
REFERÊNCIAS
186
INTRODUÇÃO
Esta dissertação é requisito básico do Programa de Pós-Graduação da
Escola de Serviço Social (PPG/ESS) para a obtenção do título de mestre. Versará a
respeito da prática do assistente social em instituições que atuam na área da
dependência química.
A motivação para essa investigação deve-se ao fato de percebermos ser
esta temática ainda pouco debatida no meio acadêmico. Chegamos a esta conclusão
através da busca por bibliografia sobre o tema, uma vez que poucas foram as
publicações na área do Serviço Social relacionada à temática da dependência
química, e isso fez com que despertasse nossa curiosidade e vontade de estudarmos
quem são esses profissionais, o que eles fazem, qual o trabalho desenvolvido e de
que forma estão inseridos na instituição.
Para além desta primeira impressão no meio acadêmico, o que também
contribuiu para desencadear nossa vontade de realizar esta investigação foi termos
nos deparado com alguns casos de dependência química na instituição em que
trabalhamos. Consequentemente começou a surgir uma intensa necessidade de
entendermos qual é a prática que o assistente social desenvolve em instituições
voltadas para esse público alvo. Disto surgiram muitas indagações: qual a
contribuição que o assistente social pode dar ao dependente químico e sua família
durante o tratamento? Qual é a prática profissional desenvolvida? Como se traduz
em ações, as reflexões que o profissional realiza acerca da sua prática? Como é
feito o registro do Serviço Social? Estas e outras indagações pairavam à nossa
mente.
Paralelo a estas inquietações, ao longo da nossa experiência profissional,
percebemos que o trabalho com dependência química está presente em todas as
áreas de atuação do Serviço Social devido ser ela uma das diversas expressões da
”questão social”1, por isso, uma demanda posta para o assistente social. Mesmo
assim, ainda não é uma área discutida e publicizada no Serviço Social, não tendo,
portanto, destaque na profissão.
Uma vez que a dependência do álcool e outras drogas pode acontecer com
qualquer tipo de pessoa, independente de sexo, idade, estado civil, raça, classe
social, entre outros, é que se torna uma demanda presente nas escolas, nos locais
1
Por questão social, entendemos .como o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais
coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos
mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2000, p. 27).
de trabalho, na área da saúde, nos programas de assistência social, na saúde
mental, nos programas de assistência social, no judiciário, entre outros. Para, além
disto, existem os assistentes sociais que trabalham de forma direta com esta
demanda em ambulatórios e clínicas de internação, quando o indivíduo já se
encontra dependente do álcool ou de alguma outra droga.
Por existir uma reduzida produção dentro do Serviço Social a respeito
desta área específica, essa característica faz com que este estudo assuma um
caráter predominantemente exploratório, tornando-se importante tentar entender
o universo institucional no qual os assistentes sociais estão inseridos e qual é sua
prática profissional neste cotidiano.
Apesar de termos pouca inserção na área de álcool e drogas, este universo
aguça nossa vontade de entendê-lo e poder contribuir para o desenvolvimento da
profissão e da prática profissional do assistente social nesta área.
Desta forma, o nosso estudo tem como objeto a prática do assistente social
na área da dependência química, utilizando como estudo de caso a prática
profissional nas instituições estaduais que atendem dependentes químicos no
Estado do Rio de Janeiro.
A fim de viabilizar o estudo ora proposto, inicialmente realizamos uma
pesquisa bibliográfica, com objetivo de fornecer subsídios teóricos para a análise
tanto da prática profissional quanto da questão das drogas, mediante consulta a
materiais impressos - livros, periódicos, teses, revistas, documentos oficiais, entre
outros – e materiais da Internet. Outro instrumento utilizado foram as entrevistas
com os assistentes sociais que trabalham com dependentes químicos.
Ao realizarmos revisão bibliográfica sobre as drogas, percebemos a
necessidade de estudarmos a legislação brasileira e as diferentes políticas
elaboradas pelo governo federal (e consequentemente difundida entre Estados e
Municípios), notadamente na última década.
Assim, diante desta problemática, determinamos como objetivos deste
estudo: identificar qual e como é o trabalho desenvolvido pelo assistente social nas
instituições que atendem dependentes químicos; verificar se existe um registro e
uma reflexão a respeito da prática do assistente social e analisar de que forma o
assistente social percebe seu papel junto ao usuário e à equipe técnica da
Instituição.
Realizamos um levantamento das instituições públicas que atendem
dependentes químicos no Rio de Janeiro, em caráter ambulatorial e de internação, e
dentre estas, somente foram estudadas aquelas que possuem assistentes sociais no
seu quadro funcional.
Após a delimitação do universo a ser estudado, optamos por investigar três
instituições que possuem orientação governamental diferenciada no trato do álcool
e outras drogas. Nestas instituições, identificamos onze assistentes sociais que
trabalham nestas organizações, distribuídos da seguinte forma: em um ambulatório
estão lotados três assistentes sociais, os quais foram todos entrevistados. Em
outro ambulatório, trabalham cinco assistentes sociais, sendo que neste, só foi
possível entrevistarmos três devido um estar de licença médica e outro de férias e
na clínica, dos três assistentes sociais, todos foram entrevistados.
A pesquisa foi realizada através de entrevistas baseadas em questionário
semi-estruturado.
A observação da rotina da Instituição foi realizada concomitantemente à
aplicação do questionário, levando em consideração o espaço físico e político que o
assistente social possui, bem como o tipo de relação estabelecida com os demais
técnicos e sua autonomia com relação ao desenvolvimento de suas atividades.
É importante ainda destacar de que forma este trabalho está organizado.
No primeiro capítulo nos debruçaremos sobre a discussão travada na academia a
respeito da prática profissional do assistente social, a partir, principalmente, da
década de 1960 até os dias atuais.
No segundo capítulo, traremos um breve panorama mundial da utilização das
drogas ilícitas. A partir daí, realizaremos uma análise da política governamental
desenvolvida para tratar a questão da dependência do álcool e outras drogas;
discutiremos os princípios da política de redução de danos e terminamos o capítulo
com a discussão sobre a forma com que a dependência do álcool e outras drogas
estão inseridas na sociedade.
No terceiro capítulo analisaremos a prática profissional desenvolvida pelos
assistentes sociais nas instituições estaduais que atendem dependentes químicos no
município do Rio de Janeiro.
CAPÍTULO 1
A prática profissional do assistente social
As discussões a respeito da concepção da prática profissional avançam – ou
não - de acordo com o momento histórico no qual ocorrem.
É consenso entre os diversos autores que se ocupam do estudo da História
do Serviço Social que o processo de Renovação do Serviço Social2, foi iniciado nos
2
Entendemos por Renovação do Serviço Social a eclosão, a partir de meados dos anos 60, na
América Latina, de um processo no qual as configurações tradicionais da profissão são
deslegitimadas, sofrem uma crise e surgem novas concepções, novas visões, novas propostas de
prática profissional. No interior dessas novas configurações há um campo delimitado pelo
Movimento de Reconceituação. É portanto, no interior dessa renovação profissional – e só no
interior dela – que ganha sentido o Movimento de Reconceituação.
anos 60, na América Latina, tendo por objetivo romper com o Serviço Social
“tradicional“3 mediante uma nova proposta para a categoria profissional.
As novas exigências postas àquela época aos assistentes sociais, pelos
organismos empregadores, contribuem para que o Serviço Social comece um
processo de questionamento da forma com que vinha desenvolvendo sua prática.
Os assistentes sociais começam a se questionar a respeito da eficácia dos
métodos tradicionais utilizados para atuar na realidade brasileira, dessa forma,
iniciam um movimento de contestação, chamado Movimento de Reconceituação4.
Esse movimento ocorre, em alguns países da América Latina, como, por exemplo,
Argentina, Chile e Brasil, por um período de, mais ou menos, 10 anos. O Movimento
de Reconceituação tem início, na década de 60, e seu refluxo, na década de 70,
devido aos golpes ditatoriais ocorridos em alguns destes países. No Brasil, assume,
segundo Netto (2005a) três dimensões: a Perspectiva Modernizadora, a
Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura.
3
Por Serviço Social “tradicional” entende-se uma “prática empirista, reiterativa, paliativa e
burocratizada que os agentes realizavam e realizam efetivamente na América Latina.
Evidentemente, há um nexo essencial entre ambos: parametra-os uma ética liberal-burguesa e
sua teleologia consiste na correção – numa ótica claramente funcionalista – de resultantes
psicossociais considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção
(aberta ou velada) idealista e/ou mecanicista da dinâmica social sempre pressuposta a ordenação
capitalista da vida como um dado factual ineliminável.” (NETTO, 1981, p.60, grifo do autor).
4
O Movimento de Reconceituação é parte de um movimento mais amplo de renovação
profissional; é constitutivo do movimento da renovação profissional, mas não esgota esse
movimento. O Movimento de Reconceituação, tal como ele se deu na América Latina é, portanto,
uma expressão particular da renovação profissional. Para maiores subsídios, ver Netto (2005 a,
b); Faleiros (2005); Alayón (2005). Aqui, discutiremos somente os aspectos do Movimento de
Reconceituação, no Brasil, porque nosso objeto de estudo se circunscreve a esse país.
Assim, nossa análise teve como ponto de partida a década de 1960, por ter
sido o período em que surgem discussões relevantes, na profissão, dentre elas as
referentes à prática do assistente social.
Netto (2005a) destaca que esse
movimento de contestação teve três
fatores importantes:
− a realização de uma visão crítica das Ciências Sociais,
deslocando, para a Sociologia, Psicologia Social e Antropologia,
o fundamento científico do Serviço Social;
− o distanciamento do Serviço Social em relação à Igreja; e
− o movimento estudantil, que protagoniza, decisivamente, uma
crítica ao tradicionalismo do Serviço Social.
O Movimento de Reconceituação teve seu berço, basicamente,
na academia e entre setores de vanguarda profissional.
Em
resumo,
esse
movimento,
que
reuniu
assistentes
sociais
com
experiências e aspirações bastante heterogêneas e desencadeou alterações de
tamanha magnitude, que até a atualidade influenciam a profissão.
Até o início deste movimento, não aparecia com destaque no cenário
nacional, discussões ou polêmicas relativas à prática profissional. A partir deste
movimento, começam a se fazer presentes discussões e até questionamentos da
forma como a prática era desenvolvida.
1.1 Breve histórico
Fazendo um breve resgate da leitura de Iamamoto (2002) e Netto (1995;
2005a; 2005b), deparamo-nos com a discussão de que, até a década de 50, os
registros disponíveis das atividades profissionais mostram que o Serviço Social se
orientava por um comportamento conservador, ainda não se destacando polêmicas
relevantes na profissão; somente a partir do final dessa década e início da década
de 60, é que se fazem ouvir as primeiras manifestações, no meio profissional, de
posições que questionam o status quo e contestam a prática profissional vigente
(IAMAMOTO, 2002, p.35, grifo da autora).
As alterações pelas quais, a profissão passa, naquele período, são
decorrentes das modificações que ocorrem, no país, principalmente nos âmbitos
econômico, político e social.
Até a década de 50, a indústria brasileira tem como característica a
produção de bens de consumo, sendo necessária a implantação de indústrias de
bens intermediários e de bens de capital.
A criação dessas indústrias ocorre, no final daquela década, quando
Juscelino Kubitschek implanta o modelo desenvolvimentista associado ao capital
estrangeiro e, dessa forma, há uma maciça entrada do capital estrangeiro no país,
por meio da implantação da indústria pesada, dos setores automobilístico, de
material elétrico, eletrônico, eletrodoméstico, de produtos químicos, plástico, entre
outros. Data, também, desse período, a instalação de empresas multinacionais. Ao
Estado, cabia o papel de fornecedor de infra-estrutura, como rodovias e energia
elétrica.
Na entrada dos anos 60, o mundo e em especial o Brasil, começa a passar
por grandes mudanças: o clima político entra em ebulição nesse período a partir da
renúncia de Jânio Quadros, em 1961.
Apesar da resistência de alguns setores (leia-se os setores militares), João
Goulart (Jango) assume o governo e planeja desenvolvê-lo por meio de uma conduta
mais democrática, uma das suas plataformas eram as chamadas reformas de base,
que seriam alterações em alguns setores estratégicos, com vistas a beneficiar a
população brasileira. As reformas se efetivariam, prioritariamente, nas áreas:
agrária, urbana, política e educacional.
No contexto interno, o Brasil vivia um período de efervescência política e
social. Os movimentos sociais estavam ganhando espaço no cenário político, eram
greves, articulações no campo e na cidade, com a presença dos movimentos
estudantil
e
sindical
extremamente
ativos.
Era
um
período
de
grandes
manifestações populares.
No plano externo, Cuba, um país vizinho da América Latina, através da
revolução comandada por Fidel Castro, derrubava a ditadura vigente e começava a
inclinar aquele país para o socialismo comunista.
Jânio Quadros, quando presidente, visitara Cuba e condecorara Che
Guevara (um dos líderes da revolução) com a Ordem do Cruzeiro do Sul e no
momento da renúncia de Jânio, Jango estava em visita à China Comunista (FAUSTO,
1995). Isso fazia com que se criasse
um “receio” de que o governo fosse
simpatizante daquele sistema.
Desde o início do governo de João Goulart (a partir do final de 1961),
militares de alta patente, articulados a setores civis fortemente
conservadores,
atuam
para
barrar
as
tendências
consideradas
“esquerdistas” do presidente, evidenciados no programa de “reformas
de base” e do limite à remessa de lucros para o exterior.
A radicalização do processo com o passar dos anos acabou por levar
Goulart a romper com a política pendular realizada neste período,
fazendo-o assumir, no epílogo de seu governo, um posicionamento mais
radical de defesa do projeto reformista. O ápice desse processo se deu
no”Comício da Central”, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964,
quando anunciada oficialmente, a implantação da reforma agrária,
dentre uma série de outras medidas. O comício foi considerado uma
afronta aos militares, já que se realizou quase em frente ao prédio do
Ministério do Exército.
Em 1º de abril de 1964, é desfechado o golpe e os militares tomam o
poder, auxiliados pela autocracia burguesa (nas palavras de NETTO,
2005a).
As discussões ocorridas na sociedade, em decorrência dessas alterações
conjunturais pelas quais o Brasil passava, começam a propiciar divergências e
contestações, dentro da profissão. Passávamos por um período no qual o quadro
profissional começava a se ampliar e a se modernizar, por meio da expansão do
mercado de trabalho, da multiplicação das escolas especializadas, e das demandas
colocadas pelo Estado e pelas empresas (NETTO, 2005a).
Ora, uma vez que o projeto nacional catapultado pelo golpe de 64 possuía
claras vinculações com a inserção do Brasil no padrão capitalista internacional, e
que este último, à época, demandava uma funcionalidade, no que diz respeito à
existência de mão-de-obra (semi)qualificada, é na Educação que se dá o foco de
uma das principais transformações engendradas, durante o regime militar.
A política educacional brasileira é redefinida e tratada, com maior ênfase,
pela ditadura, entre os anos de 1968 e 1969, como uma forma de controlar e
disciplinar o corpo docente e discente, intervindo na Universidade (mas não só) com
o objetivo de modelar o sistema educacional do ensino superior conforme as
necessidades do projeto “modernizador” implantado no país.
A reformulação na política educacional brasileira foi feita de acordo com as
“indicações” oferecidas por um grupo de consultores norte-americanos. Assim, a
Universidade se incorporava ao direcionamento pretendido pelos Estados Unidos da
América. O êxito da política educacional foi obtido através do esvaziamento da
Universidade, afastando-a do contato com os movimentos sociais, criando um
sistema universitário asséptico, desencadeando uma degradação do padrão do
trabalho intelectual.
Enquanto tornava-a asséptica, o governo reprimia e bania de seus quadros
funcionais (por aposentadorias precoces ou demissões, sem falar nos que “sumiram”
e nunca mais foram encontrados) acadêmicos comprometidos com reflexões e
movimentos de contestação anteriores àquele período. Para fazer com que as
“reflexões” ficassem dentro da Universidade, chama-se novos professores que não
tinham vivenciado a experiência anterior a 1964, descompromissados com aquele
passado recente (NETTO, 2005a).
Assim, a universidade teve, nesta política, o incentivo ao desenvolvimento
da pesquisa e da extensão, porém, esta foi conduzida de uma forma acrítica para
que formasse apenas bons técnicos. Outro destaque, na área educacional, é a
repressão ao movimento estudantil, que, por ser um movimento agregador de
insatisfações e discordâncias existentes na sociedade, precisava ser contido.
Apesar dos gastos do poder público com ensino superior terem aumentado,
na medida em que foram sendo instituídos a pesquisa, extensão e contratação de
novos professores, os gastos nos 1º e 2º graus foram diminuindo na mesma
proporção que o sistema incentivava a criação de instituições de ensino privadas,
desencadeando para a iniciativa privada um espaço nunca antes alcançado.
Incentivada pelo poder público (às vezes por meios de incentivos financeiros), ela
ampliou o número de escolas de 1º e 2º graus5 e de faculdades privadas, ao mesmo
tempo que criava novas instituições.
No 2º grau, o interesse se volta para a área profissionalizante, uma vez que
o país passa pela ampliação das indústrias “pesadas” e precisa de trabalhadores
qualificados.
Nas faculdades privadas, investe-se nas profissões que precisam de menos
recursos, como a área de Ciências Humanas.
Concomitantemente às alterações ocorridas nesse período, o Serviço
Social, que já é curso de universitário, ingressa no circuito acadêmico, passando a
ser uma profissão que dispõe de pesquisa e extensão.
Anteriormente, a maioria dos professores eram assistentes sociais que se
dividem entre a academia e o mercado de trabalho. Porém, a sua inserção no meio
5
Nomenclatura introduzida pela Lei 5692/1971, que “Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e
2º graus, e dá outras providências”, referindo-se “1o Grau” à junção dos antigos cursos "primário”
e “ginasial” e, “2o Grau”, ao antigo “colegial”.
acadêmico e conseqüentemente, na carreira de professor universitário e no
chamado “regime de dedicação exclusiva”, faz com que o profissional da área passe
a se dedicar exclusivamente à academia – ou seja, às atividades de docência,
pesquisa e extensão. Isso traz, como conseqüência para o Serviço Social, o início da
formação de uma vanguarda acadêmica.
As novas exigências do modelo econômico desenvolvido na ditadura,
principalmente a partir de 1966, quando o Estado reformulou as instituições
governamentais6 nas quais grande número de assistentes sociais estavam inseridos,
rebatem diretamente sobre o mercado de trabalho, na prática e na formação
profissional do assistente social.
A política econômica desenvolvida no Brasil no período da autocracia
burguesa desencadeou um aumento da desigualdade social, fazendo com que
diversas “faces” da “questão social” fossem colocada em cena, sendo tratadas
através de políticas sociais centralizada pelas mãos do Estado e para tal, um dos
profissionais requisitados para implementação das políticas voltadas para esta
população é o assistente social.
A prática profissional precisava se revestir de características que ao
mesmo tempo possibilite o controle por parte dos seus superiores e de outro lado,
6
As instituições governamentais que atuavam diretamente nas refrações da “questão social”
foram reformuladas, alterando de acordo coma s necessidades da ditadura e o primeiro foi o
sistema previdenciário.
permita a crescente relação com outros profissionais.
Essa reformulação propiciou também um aumento no número de postos de
trabalho para o assistente social, pois as alterações foram realizadas nas
instituições que atuavam diretamente na “questão social”.
Um dos aspectos da política econômica desenvolvida pela ditadura é que
ela agudiza a crise nacional, pois grande parte da riqueza produzida no
país é direcionada para os ricos (leia-se: grandes empresários e
multinacionais) e, conseqüentemente, os pobres ficam cada vez mais
pobres, desencadeando um empobrecimento visível da população,
aumentando o número de pessoas que passam a demandar assistência,
para
garantir
sua
sobrevivência
(http://www.culturabrasil.pro.br/historiabras.htm).
A instalação, no país, das médias e grandes empresas e indústrias,
propiciada pelas vantagens econômicas “ofertadas” pela ditadura, faz
com que, somados às instituições estatais, aqueles setores empresariais
se tornem grandes empregadoras de assistentes sociais.
O assistente social não deixa de ser executor terminal de políticas
públicas, mas passa a ter outra relação com seus patrões, outros profissionais e
clientela em razão do “enquadramento de Assistente Social em estruturas
organizacionais mais complexas.” (NETTO, 2005a, p.123). Assim, amplia-se o
mercado de trabalho do assistente social, que se torna necessário para atuar em
todos os vieses da “questão social”.
A reorganização do Estado e as modificações na sociedade, ocorridas
durante a ditadura, atingem medularmente o Serviço Social, tendo a
sua prática sofrido alterações. No Serviço Social tradicional, começa
um processo de erosão, quando precisa aquele se redimensionar, nos
âmbitos técnico e racional. O mercado de trabalho passa a exigir um
profissional racional, ao invés de tradicional.
Junto com as condições de “modernização” impostas pela ditadura, nesse
mesmo espaço, “se inscrevia a possibilidade de se gestarem alternativas às práticas
e às concepções profissionais que dela demandava”. (Id., ibid., p.129).
Essas alterações repercutem não só na prática, mas também nas
agências de formação, o que faz com que não apenas sejam atendidas as
demandas do projeto modernizador, mas também se criem quadros
profissionais contestadores daquele direcionamento político, econômico
e social.
Desenvolvendo análise na mesma direção, Iamamoto (2000) destaca que o
Serviço Social se atualiza devido às demandas impostas pelo capitalismo e que isso
fica explícito nas mudanças expressas no discurso, nos métodos de ação e no
projeto da prática profissional, como estratégias para controlar a classe
trabalhadora para o Estado e o capital.
O instrumental do Serviço Social, também, passa por uma reformulação,
tornando-se imperativo o seu aperfeiçoamento, tendo por objetivo buscar a
eficiência, através da melhoria dos “modelos de análise, diagnóstico e planejamento;
[dando] suporte técnico à ação profissional.”. (IAMAMOTO, 2002, p.32).
A partir da segunda metade da década de 60, surgem elaborações
teóricas referentes à profissão e um significativo debate teóricometodológico. Dificilmente, isso ocorreria sem a inserção no circuito
acadêmico.
E é, justamente, na academia que irá ocorrer um grande debate,
representativo de projetos societários e profissionais distintos, que tem como base
de sustentação limites teóricos e práticos diferenciados.
De acordo com Netto (2005a), o primeiro a ganhar expressão foi a
chamada “perspectiva modernizadora”, que alcança seu auge, na segunda metade
dos anos 60. Trata-se de
[...] um esforço no sentido de adequar o Serviço Social, enquanto
instrumento de intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser
operacionalizado
no
marco
de
estratégias
de
desenvolvimento
capitalista, às exigências postas pelos processos sócio-políticos
emergentes no pós-64. (NETTO, 2005a, p.154).
Nesse debate, o assistente social deve estar qualificado técnica e
operativamente para responder às demandas do Estado. Destaca-se,
nesse período, a laicização do Serviço Social, que se mostra um dos
principais pontos do processo de renovação pelo qual o Serviço Social
passa.
Os profissionais não contestam a forma pela qual o Estado e a
sociedade se desenvolvem, percebendo-os como um fato dado e, assim,
procuram adaptar o Serviço Social a essa ordem sociopolítica e criar
instrumentos que respondam às demandas institucionais.
Neste período, final da década de 1960, a ditadura estava em plena
expansão e alguns grupos participantes de movimentos sociais tentavam
resistir às imposições da ditadura. Visando combater e solapar qualquer
ato de resistência ou contestação do regime, a ditadura baixou o Ato
Institucional nº 5 (AI-5), o qual transmitia para o presidente da
República amplos poderes para: fechar o Congresso; intervir nos
Estados e Municípios; cassar mandatos; suspender direitos políticos,
demitir ou aposentar funcionários públicos. O Brasil entrava nos
chamados “anos de chumbo”.
Isso rebateu também no meio acadêmico abrangendo professores
universitários e conseqüentemente, muitos intelectuais foram presos,
torturados, exilados e até mortos em nome da “segurança” e da
“ordem”.
A perspectiva modernizadora se desenvolve, até meados da década de 70,
quando a ditadura entra em crise e uma outra corrente de pensamento começa a
tomar vulto: chamada “reatualização do conservadorismo” – que, apesar de não ter o
“peso”, na profissão, como a anterior, se fez presente, no Serviço Social. Essa crise
faz com que os intelectuais da corrente modernizadora se retraiam, propiciando o
aparecimento desse movimento, constituído pelos profissionais que resistem às
inovações trazidas pela abordagem anterior.
Seus atores, em princípio, possuem vinculação católica e são resistentes
à laicização da profissão. A “reatualização do conservadorismo” tem
posicionamento
contrário
ao
direcionamento
da
perspectiva
modernizadora e utiliza-se da fenomenologia, como suporte teórico.
Entre o final da década de 70 e o início da década de 80, a ditadura
entra em um processo de erosão e, concomitantemente, os movimentos
sociais começam a se projetar no cenário nacional, principalmente o
movimento operário, iniciando um período de convulsão no país. A
população urbana passa a reivindicar eleições diretas, a anistia política,
entre outros anseios.
Com a anistia política ocorrida no ano de 1979, os profissionais, calados ou
cassados pela ditadura, começam a retornar à cena (e, em muitos casos, ao país).
O clima efervescente da universidade, a partir da crise da ditadura, e o
quadro social, político e ideológico que incitava a participação da massa
brasileira, sempre excluída dos processos decisórios, começam a se
colocar em cena. É importante destacar neste contexto, o III
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) realizado em 1979,
quando a categoria convidou para a mesa de abertura do Congresso,
líderes sindicais7 e representantes de movimentos sociais. Devido esse
posicionamento e conseqüentemente, seus rebatimentos foi chamado de
“Congresso da Virada”. Esse feito teve uma grande repercussão,
demarcando a mudança no curso que estava sendo impresso no Serviço
Social naquele momento de abertura política. O “Congresso da Virada” é
considerado um marco para o Serviço Social.
Estes assistentes sociais investem na organização da categoria profissional,
fortalecendo uma articulação nacional e uma nova direção para a formação
acadêmica – instituindo um currículo nacional e consolidando a pós-graduação, por
meio do aumento do número de cursos de mestrado e doutorado. (NETTO, 2005b).
Essa perspectiva tinha a intenção de romper com os suportes teóricos
metodológicos desenvolvidos e adotados até então pelo Serviço Social “Com efeito,
ela manifesta a pretensão de romper quer com a herança teórico-metodológica do
pensamento conservador (tradição positivista), quer com os seus paradigmas de
intervenção social (o reformismo conservador)” (NETTO, 2005a).
Nas suas diferentes expressões, essa vertente se confrontou com a
ditadura, pois rechaçava a ordem vigente, fosse no plano teórico-cultural - os
referenciais em que se baseavam, negavam as legitimações da autocracia -, no
âmbito profissional - os objetivos se chocavam com o perfil do assistente social
requisitado pela "modernização conservadora" -, bem como na parte da política, suas concepções de participação social e cidadania, bem como suas projeções
7
Um dos líderes convidados é o atual presidente da República – Luis Inácio Lula da Silva.
societárias, batiam contra a institucionalidade da ditadura (NETTO, 2005a).
Os protagonistas dessa corrente eram acadêmicos, na sua maioria, com
militância em movimentos sociais, no período anterior ao golpe de 1964.
A ampliação da crise da ditadura e a aproximação com o marxismo, faz
com que comece a se rearticular no cenário do Serviço Social as
tendências críticas da perspectiva de “intenção de ruptura”. Esse
período de protagonismo de novos sujeitos sociais favorece aos
profissionais que pretendiam romper com o tradicionalismo do Serviço
Social. Com a “transição democrática”, ela se projeta no cenário
profissional e começa a nortear o debate e a polêmica profissional, a
partir da primeira metade dos anos 80.
Esse momento contribui na formação do caminho por onde irá transitar
a vertente progressista da “intenção de ruptura”. E é essa posição
teórica que começa a dar o tom do debate, no Serviço Social, a partir
da década de 80.
1.2 Os anos 80
Como já exposto, somente quando a ditadura entra em crise é que “a
perspectiva da intenção de ruptura pode transcender a fronteira das discussões em
pequenos círculos acadêmicos e polarizar atenções de segmentos profissionais
ponderáveis.” (NETTO, 2005a, p.248), criando a visibilidade, através dos foros de
discussão e organismos da categoria, pelos profissionais que adotavam essa
perspectiva. Data desse período, também, outras alterações para o Serviço Social,
como o acesso às leituras marxistas na fonte 8, a maior aproximação com as Ciências
Sociais e a consolidação dos cursos de pós-graduação, iniciados na década anterior,
8
A esse respeito, ver texto exemplar de Netto (1981).
os quais favorecem o aprofundamento teórico e metodológico, por parte dos
assistentes sociais.
Consideradas essas mudanças, a impressão que se tem é que esse caráter
crítico é hegemônico na profissão; porém, não é assim que esta última se
desenvolve. Netto (2005a) avalia que esse direcionamento só se dá no âmbito
teórico, uma vez que essa hegemonia não se expressa na prática profissional, que
ainda é desenvolvida, na maioria dos casos, por meio de uma prática conservadora.
Dentre os elementos que levam a essa situação, destacamos a distância
entre a categoria e a vanguarda acadêmica, ou seja, a produção teórica não circula
entre os profissionais da área. Uma explicação para isso pode ser o fato – ou a
possibilidade - de que os profissionais formados, não se atualizam, depois de
diplomados.
Uma discussão corrente, na academia, naquela década, refere-se à
compreensão da prática social desenvolvida através de vieses – ou fatalista, ou
messiânico, ou politicista -, construídos pelo conjunto da categoria (IAMAMOTO,
2002), o que, em nossa análise, de uma certa forma, causam o mesmo efeito:
paralisam a prática do assistente social.
O fatalismo seria uma visão naturalista da vida social, ou seja, o capitalismo
e a existência de tensões sociais são aceitos como algo natural, estático. Assim,
“caberia a ele [ao Serviço Social] aperfeiçoar formal e burocraticamente as
tarefas que são atribuídas aos quadros profissionais pelos demandantes da
profissão.” (Id., ibid., p.115). Nesse tipo de posicionamento, o assistente social
percebe seu limite de atuação como sendo o de um bom tecnocrata.
O messianismo, ao contrário, é caracterizado por uma concepção idealista
da vida social. Nesse caso, o profissional age de forma voluntarista, baseado
somente nas suas intenções, sem analisar a realidade. “O messianismo traduz-se
numa visão heróica, ingênua, das possibilidades revolucionárias da prática
profissional, a partir de uma visão mágica da transformação social.” (Id., 2002,
p.116, grifo da autora). Assim, o assistente social percebe que sua vontade e seu
propósito individual são suficientes para a alteração da realidade social.
Já o ativismo político causa uma percepção, no Serviço Social, de que a
profissão e a militância devem caminhar juntos, um integrado ao outro. Dessa
forma, para muitos assistentes sociais, o compromisso com os direitos da população
passa pela vinculação do profissional a partidos políticos, desencadeando certa
simbiose entre ativismo político e prática profissional.
Iamamoto (2002) expõe que, para a profissão avançar, deve romper com
esses três posicionamentos que, ao se manifestar, reforçam o caráter conservador
da profissão. Porque sem perceber a dimensão política da prática profissional,
tendem a realizar atividades dispersas, descontinuadas, não revelando o significado
da prática profissional.
Netto (1995) argumenta que a existência dessas concepções é resultante
de uma profunda ignorância dos limites profissionais, uma vez que todas as
profissões possuem limites e o Serviço Social não foge a essa regra. Assim, deve-se
entender os limites impostos pelas condições concretas de que o assistente social
dispõe para trabalhar e, dando conseqüência àquele entendimento, não ficar de
costas para o que a realidade demanda dele ou achar que os limites são empecilhos
para a execução de sua prática.
O assistente social deve entender que a execução da sua prática é
desenvolvida dentro destes limites e contradições, uma vez que a profissão está
dentro da sociedade e esta é permeada de interesses contraditórios.
Derivado da contribuição ocasionada pela aproximação dos teóricos do
Serviço Social com o marxismo, ocorrida desde a década anterior, a prática
profissional começa a ser discutida correlacionada à dimensão política. Segundo
Kameyama (1981, p. 147)
a Prática Profissional [é] entendida como um conjunto de atividades
peculiares de cada profissão, existem aspectos de sua prática que
estão relacionados com as dimensões estruturais e conjunturais da
realidade. Dessa forma, a prática profissional torna-se subsidiária da
prática política, quer seja na perspectiva de manter o “status quo”,
quer seja na perspectiva de transformação da realidade.
Já nesta década, começa a ser discutida a prática do Serviço Social como
prática transformadora que precisa ser crítica, consciente e participadora,
baseada no conhecimento da realidade.
A década de 80 é um período que a profissão começa a passar por algumas
alterações que incidem positivamente na profissão preponderantemente na
academia.
Após a abertura política, no início da década de 80, o Serviço Social realiza
alterações em seu currículo, os acadêmicos começam a discutir e a construir uma
alteração no perfil da profissão. É demandado pelos contratantes dos assistentes
sociais, o desenvolvimento de uma prática voltada para mudanças de hábitos,
atitudes e comportamentos do trabalhador, porém, com a aproximidade, a
“absorção” e discussão com as Ciências Sociais e com o marxismo (mesmo que,
inicialmente, uma apropriação enviesada, cf. NETTO, 2005a), apesar dos
acadêmicos perceberem e discutirem a importância da prática profissional,
enquanto uma prática dotada de uma dimensão política, seja para conformação da
população atendida ou para iniciar um movimento de reflexão. A categoria
profissional não introjetou essa diretriz no desenvolvimento de sua prática
cotidiana.
Essa discussão se desenvolve prioritariamente na academia e através das
revisões curriculares do Serviço Social vai sendo difundido para os novos
profissionais em formação. Apesar disto, essa “nova prática profissional” não
consegue penetrar no campo de trabalho, tornando-se uma discussão residual.
Assim, uma forma de romper com práticas profissionais tradicionais é a
formação de profissionais críticos, com preparo teórico, técnico e político, capazes
de articular as demandas postas, seja em nível micro seja em contexto macro, bem
como de ser um pesquisador da realidade na qual atua, com objetivo de transpor o
imediatismo da demanda e de criar propostas de enfrentamento tendo em vista
melhorar a qualidade dos serviços prestados, levando em consideração a análise
institucional, realizando alianças com outros profissionais e visando direcionar os
programas e/ou projetos para a população demandatária dos serviços.
Trata-se, portanto, de redimensionar politicamente a prática profissional,
compreendendo-a polarizada pela luta de classes (IAMAMOTO, 2002) e a
percepção da prática associada à sua dimensão política.
Essas discussões, presentes no Serviço Social, vão amadurecendo, e
entramos nos anos 90 com os profissionais elaborando mais, conquistando mais
espaços e refletindo mais acerca da sua prática.
1.3 Os anos 90
Desenvolve-se, nessa década, uma discussão com relação ao exercício
profissional como “a busca de afinar e refinar a tradicional análise da chamada
“prática”, que passa a ser tratada como um tipo de trabalho especializado que
se realiza no âmbito de processos e relações de trabalho.”
(IAMAMOTO,
2000, p.93, grifado no original). Portanto, a prática profissional não se revela em si
mesma, adquire “sentido na história da sociedade da qual é parte.” (Id., ibid., p.
150). Por isso, devemos entendê-la inserida nas contradições das relações sociais,
ou seja, nas relações entre a sociedade e o Estado, bem como condicionada pelos
recursos de que o assistente social dispõe, o que o leva, na prática, a tomar um
direcionamento social muitas vezes diferente da forma inicialmente planejada.
Assim, pode haver divergências entre seu planejamento, ou sua vontade, e seu
fazer profissional.
Dessa forma, levando em consideração os condicionantes da profissão,
pensarmos que a profissão é determinada pelas forças dominantes, significaria cair
em uma visão determinista. Entendermos que ela é determinada somente pelos
interesses das classes subalternas, resultaria em uma visão heróica. Considerarmos
que ela é desenvolvida somente pela vontade dos assistentes sociais, sem levarmos
em conta os condicionantes histórico-conjunturais, seria endossar uma perspectiva
voluntarista.
Decorrente disso, entendemos que a prática do Serviço Social se insere em
um movimento contraditório, uma vez que, para oferecer respostas às demandas, e
ao fazê-lo, é aquela determinada tanto pelas condições histórico-conjunturais
quanto pelos limites que a realidade impõe aos profissionais. Compreender esse
movimento contraditório “é condição básica para se apreender o perfil e as
possibilidades do Serviço Social hoje, as novas perspectivas do espaço
profissional.” (IAMAMOTO, 2002, p.103).
Assim, a prática se desenvolve a partir de seus condicionantes internos e
externos. O condicionante interno é a capacidade ou competência do profissional e o
externo é a circunstância na qual o assistente social está envolvido, podendo
referir-se a poder institucional, recursos locais, recursos da instituição, entre
outros.
Podemos dizer que essas alterações, nas discussões a respeito da prática,
iniciadas na década de 80, são ocasionadas, entre outros motivos, pela ampliação do
leque profissional do assistente social. Se, antes, era chamado somente na atuação
direta com a população, agora, começa a ser solicitado, de forma mais incisiva, a
formular e gerir políticas públicas. Para assumir tal requisição, é necessário que o
profissional entenda, decifre, analise e avalie a realidade, de uma forma geral, sem
perder de vista a necessidade de entender o capitalismo, para poder criar
propostas de trabalho capazes de orientar a população usuária com relação aos seus
direitos, ampliando sua função, de somente executivo, para, também, propositor e
gestor.
Uma análise da prática profissional desenvolvida no Brasil, em 70 anos,
indica que tal prática sofre alterações que promovem um salto qualitativo para a
profissão.
Se no início do Serviço Social, no país, no final da década de 30, o projeto
norteador da ação profissional tinha como base o princípio da solidariedade aliado à
filosofia social humanista cristã. (IAMAMOTO, 2002) e a prática profissional do
assistente social tinha um caráter empirista e pragmático, desenvolvido pelo viés
moralista, e educador para com as famílias pobres que necessitavam de amparo
assistencial com objetivo de “reforçar o núcleo familiar e integrar seus membros à
sociedade.” (Id.,ibid., p.29); do início da década de 90 aos dias atuais, a prática
começa a ser percebida e discutida como um processo de reflexão-ação dos
assistentes
sociais,
desenvolvida
por meio
do
conhecimento
da
realidade
institucional, do usuário e da conjuntura, de uma forma geral. Nesse processo, a
reflexão servirá de base para o planejamento e a orientação das ações. Mostra-se
importante
a
elaboração
de
documentos
pertinentes,
instaurando-se,
pela
sistematização e análise dessa documentação, a possibilidade de ser realizada uma
avaliação desse processo, que tem por objetivo o fortalecimento dos usuários como
sujeitos políticos. (VASCONCELOS, 2003).
A conjuntura que inaugura o século XXI é marcada pelas alterações
ocorridas no mundo do trabalho, a exemplo da reestruturação produtiva, que traz,
como conseqüência, a flexibilização das relações trabalhistas, o aumento do número
de profissionais terceirizados à margem de qualquer proteção social, entre outras
alterações. Esse cenário acarreta, para os profissionais que atuam na área social e,
em especial, para o Serviço Social, novos desafios para a prática profissional, de
uma forma ampla, com o surgimento de novas temáticas que demandam
“competências profissionais estratégicas e exigem a elaboração de proposições
teóricas, políticas, éticas e técnicas” (MOTA, 1997, p.51), que se apresentem como
respostas qualificadas às questões que se manifestam no cenário profissional.
O avanço das discussões acerca da prática do Serviço Social e as
necessidades colocadas, ao longo das décadas, pelo mercado de trabalho, provocam,
alterações na concepção e na forma do desenvolvimento dessa prática. Assim,
entendemos que a prática profissional se constitui pelo conjunto das atividades
desenvolvidas, integrantes de uma ação planejada, por meio da qual objetiva-se
alcançar metas e fins definidos em resposta às demandas apresentadas ao Serviço
Social.
Em decorrência disto, para entender e lidar com as alterações no mercado
de trabalho e na sociedade de uma forma geral, é necessário que o assistente social
compreenda que não está em um simples “emprego”, desenvolvendo atividades
burocráticas e rotineiras, e que seu papel vai além: ser profissional, nessa área,
significa apreender a realidade, nela captar possibilidades que possam se
transformar em propostas de trabalho, de modo a criar, negociar com a instituição
e efetivar suas próprias propostas
Percebemos, ainda hoje, século XXI, que, apesar do avanço que vem
ocorrendo nas discussões no interior da profissão, a partir, principalmente, da
década de 80, o trabalho dos assistentes sociais ainda possui características do
conservadorismo. A “intenção de ruptura”, ocorrida no nível teórico, efetivamente,
não rebateu na prática de todos os assistentes sociais, existindo um hiato entre a
necessidade de um profissional crítico e a existência dele.
A implicação mais imediatamente é a perda das possibilidades de
desenvolver políticas que não compactuem com a manutenção do status quo, isto é,
uma prática que rompe com o conservadorismo. Vasconcelos (1998) analisa que ainda
são
reproduzidas
desarticuladas
dos
e
legitimadas
interesses
e
práticas
tradicionais
necessidades
dos
e
conservadoras,
usuários,
estimulando
procedimentos individualizantes e do “aqui e agora”, que impossibilitam a busca de
novos parâmetros e rumos para o fazer profissional e contribuem para a
manutenção do distanciamento entre teoria e realidade.
A partir da disseminação no interior da categoria, da perspectiva de
“intenção de ruptura”, muda-se não somente a percepção de prática. Imprime-se
uma qualidade a essa prática, uma vez que é exposta e discutida a sua dimensão
política, de uma forma clara, uma vez que, anteriormente a esse processo, apesar
de a prática não ser neutra, é encoberta sob o manto da neutralidade.
O debate dos anos 80 evidencia que toda prática profissional tem uma
direção política, ética e teórica, estando estas referências explicitadas ou não num
projeto de atuação. Almeida (1997, p.93) também realiza essa discussão afirmando
que o caráter político da profissão existe independente da vontade do assistente
social “a prática profissional possui sempre objetivos, ou se presta a alcançar
alguns, ainda que sejam os do próprio estabelecimento onde atua o assistente
social, tenha ele consciência disto ou não”.
Assim, se pensarmos no motivo pela qual essa concepção não é hegemônica,
encontramos, na análise de Vasconcelos (2003), dentre outros motivos, que, apesar
do discurso progressista, boa parte dos assistentes sociais continua atuando de
uma forma conservadora9, havendo uma tricotomia entre a proposta de formação
profissional, o debate teórico-crítico e a prática profissional.
O assistente social só consegue obter sentido e significado para a sua
prática, entendendo-a como partícipe da realidade social na qual está inserida e
situada nas relações entre as classes sociais e nas relações destas com o Estado,
9
“Práticas que consciente ou inconscientemente são funcionais à ordem do capital, contribuindo
para reproduzir e/ou conservar sob antigos e/ou novos parâmetros a ordem estabelecida.”
(VASCONCELOS, 1998, p. 116).
tendo em vista dar respostas às demandas colocadas para o Serviço Social, de
maneira a romper
[...] com práticas que reproduzem ou mantêm o status quo (negação de
práticas conservadoras que utilizam conscientemente ou não e/ou
privilegiam técnicas de marginalização, atomização, controle, exclusão,
punição). (VASCONCELOS, 1998, p.117-118, grifo da autora).
Para isso, “supõe uma competência teórica e técnica para o desvendamento
do movimento da realidade social que explicite tendências, possibilidades e limites
da prática na direção pretendida.” (Id., ibid., p.118). E um dos caminhos que
contribuem para a existência dessa competência é a atualização constante não só
com relação à sua área específica, como também das alterações ocorridas na
sociedade de uma forma geral.
No que tange às demandas, o assistente social trabalha com as
institucionais (do seu contratante) e com as dos usuários (para quem desenvolve sua
ação profissional10), concomitantemente, devendo entendê-las e diferenciá-las, com
objetivo de desenvolver uma prática profissional e não somente uma tarefa
burocrática.
10
Ação profissional, aqui entendida como “uma prática articulada aos interesses e necessidades
dos segmentos populares e considerando que o exercício profissional no Serviço Social envolve
um ser que é sujeito, ainda que objeto a ser conhecido – enquanto ser social -, mas não um
objeto a ser manipulado e/ou transformado.” (VASCONCELOS, 1998, p. 120).
Com relação à demanda apresentada pelo usuário, podemos dizer que se
traduz
de
duas
formas:
a
demanda
explícita
e
a
demanda
implícita.
(VASCONCELOS, 2003).
A demanda explícita, ou aparente, diz respeito àquilo que o usuário
informa; ou seja, é a que se coloca, de forma clara e imediata, ao profissional.
A demanda implícita exige análise, para além da aparência dos fenômenos;
é aquela que implica, de um lado, em um atencioso exame por parte do profissional,
dos motivos que fundamentam as demandas explícitas e, de outro, em uma leitura
da sociedade capitalista, de cuja dinâmica emergem tais motivos. Nesse ponto,
mostra-se a importância de um profissional atualizado acerca da realidade, para
desvendá-la, entendendo as múltiplas determinações que incidem sobre cada
problema apresentado pelo usuário e investigando, junto a este último, todas as
condicionantes que podem ocasionar o tipo de problema que ele está enfrentando;
ou seja, o que gera o motivo pelo qual ele procurou o Serviço Social.
Segundo Mota (1997, p.51), as necessidades sociais estão “subjacentes às
demandas profissionais, posto que as demandas não se confundem com as
necessidades sociais propriamente ditas.” As necessidades são criadas devido ao
movimento próprio do capital, que provoca mudanças nas esferas da produção, da
circulação das mercadorias, sociopolítica e institucional.
O entendimento das demandas e a investigação dos motivos que as geraram
(objetivando desvendar as demandas imediatas) são, em conjunto, uma forma de se
materializar a dimensão política, porque, ao analisar a situação do usuário e
investigar as demandas existentes, subjacentes ao imediato, a realidade
investigada fornece subsídios para que o assistente social discuta com o usuário o
que está por trás dessa demanda, bem como o que pode ser feito para alterar essa
realidade.
A forma de investigar as demandas implícitas é entender as necessidades
sociais que as desencadeiam, com vistas, por um lado, a conhecer a realidade vivida
pelos usuários dos serviços e a poder discutir com os mesmos a situação estrutural
que gera tais necessidades e, por outro, a mostrar que se trata de problema
coletivo, tendo o “verniz” de problema individual.
Assim, as demandas devem ser problematizadas para que se apreendam as
reais necessidades sociais, visando a “construção dos objetos e objetivos
estratégicos da ação profissional” (MOTA, 1997, p.52), com vistas ao seu
enfrentamento.
Porém, o entendimento dessas necessidades não se dá de forma automática.
Por falta de um embasamento teórico e político, ou por já terem banalizado a
prática profissional, muitos assistentes sociais possuem dificuldades em apreender
a realidade vivida, pois
Sufocados pela demanda e sem portar instrumentos que dêem conta
desse movimento, as equipes/assistentes sociais limitam-se a lamentar
a existência dos fenômenos externos que se desenvolvem na superfície
dos processos realmente essenciais. Incapazes de distinguir aparência
e essência, ficam impossibilitados de captar as tendências de prática
presentes nos espaços profissionais, de priorizar demandas, de eleger
atividades e ações essenciais, impedidos, assim, de caminhar na
direção dos seus objetivos (VASCONCELOS, 1998, p.127).
Quando o assistente social não percebe a demanda, para além da sua
aparência, ele não a analisa, não reflete e não apresenta propostas sobre a mesma;
ele se resume a desenvolver práticas burocráticas, tais como preenchimento de
formulários, encaminhamentos, fornecimento de auxílios sociais (como distribuição
de leite ou cesta básica), como um fim em si mesmo, sem se dar conta de que essas
atividades perpetuam a subalternidade e a dependência dos usuários ao serviço
oferecido.
Poderíamos dizer que uma forma de descortinar a demanda implícita é
através da investigação das condições de vida e das necessidades de um
determinado grupo, a partir de uma demanda pontual colocada pela população
atendida, assim, atua-se em uma demanda coletiva que, a princípio, estava implícita
com objetivo de caminhar em direção à efetivação de uma prática reflexiva, crítica
e investigativa.
Para desenvolver a prática de uma forma crítica, propositiva e reflexiva, é
necessário conjugar alguns embasamentos, sem os quais não é possível realizá-la,
que são: “uma formação teórica, ética, política e técnica, que nos dê condições de
ocupação
dos
espaços
profissionais
a partir
de
projetos, eliminando
o
assistencialismo e a burocracia.” (VASCONCELOS, 1997, p.162).
Vasconcelos (1998) discute seu entendimento, com relação à importância do
desenvolvimento das ações junto aos usuários, ocorrendo essas últimas através de
uma prática profissional que realmente questione o capitalismo, que pense em
propor algo diferente e que, para atuar nas refrações da “questão social”, tenha sua
ação profissional realizada não como um fim em si mesmo, para atender alguma
questão pontual, mas, sim, com objetivo de construir ações, de médio e longo
prazos, que visem uma ruptura definitiva com o capitalismo.
Essa prática deve ter como base “a socialização da informação como
instrumento de indagação e ação sobre a realidade social” (VASCONCELOS, 1997,
p.134), com objetivo de fortalecer os usuários como sujeitos políticos, devendo
ultrapassar a postura de meros denunciantes para se tornarem propositores,
visando melhorar a qualidade dos serviços e possibilitar o controle dos mesmos por
parte da população. Por isso, a forma pela qual é realizado o contato com os
usuários é fundamental, para desenvolvimento de uma prática de qualidade. Para
que possam exercer seu papel de sujeitos, nessa relação, devem eles ser
esclarecidos acerca do papel da instituição, seus limites e possibilidades de
atendimento.
Apesar de trabalharmos com uma população sofrida, a qual, muitas vezes,
procura serviços institucionais com objetivo de obter um pouco de atenção, o
assistente social não pode se “contentar” em ser somente um ouvinte atento das
mazelas dos usuários, porque, além disso, tem a
responsabilidade de desburocratizar a prestação de serviços, de
possibilitar a reflexão [...] de buscar junto com os usuários a unidade
das informações e demandas manifestadas de forma fragmentada,
desarticulada, possibilitando sua articulação num todo coerente.
Responsabilidade, ainda, de apresentar propostas viáveis para que os
usuários saibam por que retornar ao serviço, que expectativas
alimentar que recursos utilizar (VASCONCELOS, 1997, p.158).
O profissional pode até servir, em um primeiro momento, como aliviador de
tensões dos usuários; porém, não pode ser esse o seu fim único. Deve utilizar essas
“lamentações” para que a população reflita sobre seu cotidiano, visando desvendar,
entender sua realidade e os motivos que geram essas demandas.
Para o desenvolvimento da prática, a documentação utilizada pelo
assistente social é muito importante, porque é por meio dela que obtém
conhecimento do seu público-alvo, das ações realizadas no cotidiano, para análise e
reflexão, com objetivo de melhorar sua prática e entender seu papel junto ao
usuário e ao empregador.
Serão estas questões abordadas que pautarão nossa análise a respeito da
prática do assistente social dentro de uma das expressões da “questão social”
colocada no cenário contemporâneo, que é a questão das drogas, seja nas suas
diferentes facetas: comércio, consumo, dependência, desestruturação pessoal,
familiar, criminalização dos envolvidos neste universo (sejam usuários ou
traficantes), dentre outros aspectos.
Apesar das drogas, em seu sentido amplo, serem tão antigas quanto a
história da humanidade, atualmente, a magnitude e a expansão da utilização das
drogas ilícitas, como maconha, cocaína, heroína, ecstasy, entre outras, que se
apresenta em nível mundial, nos faz perceber que é uma demanda colocada na
ordem do dia para o assistente social.
Apesar de também investigarmos a dependência química, nosso foco
central é a prática profissional inserido neste contexto e para desenvolvimento de
tal estudo, faz-se necessário um direcionamento investigativo, assim, destacamos
que a concepção de prática profissional que orienta nossa investigação é aquela que
a entende como
“[...] a atividade do assistente social na relação com o usuário, os
empregadores e os demais profissionais. Mas, como esta atividade é
socialmente determinada, consideram-se também as condições sociais
nas quais se realiza, distintas da prática e a ela externas, ainda
que nela interfiram.” (IAMAMOTO, 2000, p.94, grifos da autora).
Em decorrência destas condições, a prática do assistente social é permeada
de contradições e conflitos. Assim, analisaremos os assistentes sociais entendendo
a multiplicidades de fatores que influenciam e por vezes determinam o
desenvolvimento das suas práticas profissionais dentro das instituições que
atendem dependentes químicos.
CAPÍTULO 2
Drogas
A questão das drogas é extremamente complexa, principalmente porque sua
classificação (lícita ou ilícita) e suas formas de utilização variam, de acordo com o
período histórico e com a cultura na qual estão presentes. Dessa forma, o que é
aceito, ou até tolerado, em determinada época, pode não ser tolerado, em outra.
Desta forma, verificamos as drogas lícitas, ou toleradas na sociedade
(ocidental ou brasileira), como o álcool e as ilícitas, ou as que o uso é considerado
uma transgressão às normas/leis vigentes no país, como a maconha ou a cocaína.
Assim, sem perder de vista que a utilização do álcool se faz presente no país,
focamos nossas análises nas drogas ilícitas devido seu caráter transgressor que é
alvo de políticas e legislações visando seu combate.
Assim, neste capítulo, realizaremos um breve levantamento do histórico da
utilização das drogas com os respectivos panoramas internacional e nacional; a
legislação brasileira; as políticas federais existentes nesta área e de que forma as
discussões sobre drogas estão presentes na sociedade.
2.1
Drogas: breve histórico sociocultural
De acordo com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicoativas (CEBRID apud Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas –
OBID, 2006), o termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo) cujo
significado literal é ‘folha seca’, devido ao fato de que a quase totalidade dos
medicamentos produzidos, à época, eram preparados à base de plantas.
Oliveira (2003, p. 24) registra que
[...] as substâncias psicoativas lícitas não são proibidas somente pelo
seu conteúdo farmacológico, cujo potencial pode produzir danos à
saúde, mas, sobretudo pelos valores sociais que mudam a cada contexto
histórico [e que] a proibição ou a permissão da ingestão de substâncias
psicotrópicas
em
qualquer
tempo
resulta
de
determinantes
socioculturais. Cada contexto sociocultural, político e econômico
determina o modo como o homem relaciona-se com os produtos
psicoativos, estabelecendo normas e critérios que regulamentam essa
convivência. Na contemporaneidade, o álcool é aceito pelos países do
ocidente, entretanto, abolido pelos países muçulmanos. Por sua vez, o
uso do haxixe é tolerado pelos muçulmanos, mas proibido legalmente
pelos ocidentais.
O uso das substâncias psicotrópicas, até o século XVIII, mantinha-se
retraído. A partir desse período, torna-se presente, na sociedade, por meio da
larga produção de medicamentos à base de ópio. Mas a dimensão do uso que
daquelas, só começa a ser moldada, a partir do século XIX, com o desenvolvimento
da química industrial (Oliveira, 2003). Bucher (apud Oliveira, 2003, p. 38) reitera
essa análise, ao afirmar que o século XIX é o marco para o surgimento de um
problema de saúde pública – o consumo das drogas - devido à descoberta de
substâncias narcóticas e ao início da sua comercialização. Ao avaliar o papel dessas
substâncias, na sociedade no século XIX, Oliveira (ibid., p.39) compartilha e
reforça essa análise:
[...] o século XIX representa um grande marco na história das
substâncias psicoativas, pois com o advento do capitalismo, manifesto
inicialmente
por
meio
da
Revolução
Industrial,
profundas
transformações sociais foram impostas ao mundo, modificando não
somente as relações sociais, mas também valores, hábitos, costumes e
comportamentos. A partir deste período, na cultura ocidental, as
drogas deixaram de ser plantas empregadas com a finalidade de
transcender, adstrito aos rituais religiosos e de magia, visado ao
contato com o mundo sobrenatural, como um símbolo de identidade
social, para se tornarem mercadorias do capital, particularmente
compromissadas com a lucratividade.
No século XX, essa utilização se expande, principalmente após a década de
60, considerada a “década revolucionária”; o consumo se difunde, inicialmente,
entre os jovens e toma conta de todos os países.
Com o passar das décadas, a utilização das drogas se torna um problema a
ser enfrentado em escala mundial. Esse uso acarreta inúmeras conseqüências, tanto
para o indivíduo (como a perda da auto-estima, dos vínculos familiares e
trabalhistas, podendo até envolver-se com o crime, com o objetivo de obter a
droga) quanto para os países (como o alto valor dos gastos com internações e outros
procedimentos da saúde, expansão do narcotráfico, aumento da criminalidade).
Atualmente, a definição do que sejam drogas  tanto em âmbito nacional,
quanto internacional  obedece a significados similares, pois segue a padronização
da Organização Mundial de Saúde (OMS), que define droga como qualquer
substância que, introduzida no organismo, pode modificar uma ou mais funções.
Seguindo essa orientação, o Lexicon of Alcohol and Drug Terms (2005)
informa que ‘droga’ é um termo usado quando algum agente químico altera o
processo bioquímico ou fisiológico do organismo, sendo freqüentemente empregado
para se referir às drogas psicoativas, em especial, às drogas ilícitas. Seguindo a
orientação internacional, o Ministério da Saúde, baixou a Portaria SVS/MS
nº344/98 11, determinando quais são as substâncias entorpecentes, as psicotrópicas
e as proibidas por lei.
As substâncias psicotrópicas, por sua vez, são aquelas que possuem atração
pelo nosso psiquismo, ou seja, são as drogas que atuam sobre o cérebro, alterando
de alguma forma o psiquismo (CEBRID apud OBID, 2006).
As drogas psicotrópicas foram classificadas em três grupos, a partir da sua
ação no cérebro ou no Sistema Nervoso Central (SNC).
Depressores da Atividade do SNC – psicodélicos. Exemplo: maconha.
Estimulantes da Atividade do SNC – psicoanalépticos, noanalépticos,
timolépticos etc. Exemplo: cocaína.
Perturbadores da Atividade do SNC – psicoticomiméticos, psicodélicos,
alucinógenos, psicometamórficos etc. Exemplo: mescalina, LSD.
Já as substâncias psicoativas (SPA) são aquelas que alteram o estado
mental de um indivíduo.
Depreende-se, portanto, que, seja por razões culturais, religiosas ou por
lazer, a utilização do que, hoje, conhecemos sob o nome genérico de drogas é tão
antiga quanto a própria história da humanidade.
11
Sua atualização mais recente data de 15 de fevereiro de 2005, disponível no sítio da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária. http://www.anvisa.gov.br/e-legis
Assim, se, no século XIX, o uso da cocaína era tido como tolerável (Freud a
utilizava, como experiência), hoje, é criminalizado, internacionalmente.
Entretanto, no que diz respeito ao consumo de drogas, o que mais de perto
vai interessar à Saúde Pública são os casos de dependência (os denominados
adictos). Para a OMS, a dependência é um
“estado psíquico e também geralmente físico, caracterizado por
reações de comportamento e outras que sempre incluem uma compulsão
pela utilização de modo contínuo ou periódico, a fim de experimentar
seus efeitos psíquicos e por vezes evitar o desconforto de sua falta.”
(OBID, 2006).
Dentre as várias classificações e categorizações das drogas, optamos por
analisá-las através do viés jurídico e, assim, distingui-las de duas formas − drogas
lícitas e drogas ilícitas −, assim entendidas: as lícitas são as permitidas pela lei, o
uso é admitido e consentido pela sociedade e podem ser consumidas, livremente,
sem expor o usuário a riscos com a polícia e com a lei, a exemplo das bebidas
alcoólicas. As ilícitas, ao contrário das lícitas, não podem ser portadas ou
consumidas livremente, e o usuário que infringe essa norma/lei, uma vez autuado,
tem que responder legalmente pelo ato, como no caso da cocaína.
2.2 Panorama internacional das drogas
Algumas instituições estão voltadas para essa problemática e, dentre elas,
destaca-se a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual, anualmente, elabora
um Relatório Mundial sobre as Drogas, com objetivo de divulgar informações a
respeito da sua difusão pelo mundo. O Relatório de 2006 evidencia que, em todo o
mundo, cerca de 5% da população, entre 15 e 64 anos, consome alguma droga ilícita,
pelo menos uma vez por ano, mas que, apesar disso, há sinais de que o consumo está
se estabilizando.
Analisando os tipos de drogas mais consumidos no mundo, verifica-se que a
cannabis (maconha e haxixe) é a droga mais consumida, mundialmente: cerca de 4%
da população mundial a consumiu, no ano de 2004.
A estimativa, a seguir, demonstra os níveis de consumo nos últimos anos,
sendo a cannabis desproporcional ao consumo das demais substâncias.
Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas desde o
fim da década de 1990 até 2004/2005
4%
180
4%
146.2
144.1
million people
140
120
3%
100
80
2%
60
0.5%
40
24.2
29.6
26.2 25
14.0
4.5
8.3 7.9 9.7
13.7
13.3
13.4
1%
0.4%
0.3%
0.2%
20
13.5 15.2
15.9 15.9
0.3%
9.2 9.2 10.6 11.3
0
annual prevalence in % of population
age 15-64
160
160.1 162.4
0%
Cannabis
Amphetamines
Ecstasy
Cocaine
Opiates
Drug use in the late 1990s
Drug use in 2001/02
Drug use in 2003/04
Drug use in 2004/05
Heroin
GRÁFICO 1. Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas desde o fim da
década de 1990 até 2004/2005
Fonte: ONU, 2006.
Com relação à cocaína, 0,3% da população, entre 15 e 64 anos, dela fez
uso, em 2004. O Relatório da ONU (2006) destaca que começa a delinear-se uma
estabilização, ou até um pequeno declínio, no consumo mundial, conforme mostra a
figura abaixo.
Mudança no consumo de cocaína - 2004
Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, National Household Surveys submitted to UNODC, United States Department of State
(Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs), International Narcotics Control Strategy Report, Law Enforcement Reports,
SACENDU (South African Community Epidemiology Network, UNODC, Meetings of Heads of Law Enforcement Agencies (HONLEA),
School surveys.
FIGURA 1. Mudança no consumo de cocaína – 2004
Fonte: ONU, 2006.
O mercado das anfetaminas não apresenta grandes avanços (Cf. Figura 2) e,
de acordo com a ONU (op. cit., 2006), começa a se estabilizar, na primeira década
de 2000.
Mudanças no uso de anfetaminas - 2004
Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, UNODC (Regional Centre Bangkok) Epidemiology Trends in Drug Trends in Asia
(Findings of the Asian Multicity Epidemiology Workgroup, National Household Surveys submitted to UNODC, United States Department
of State (Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs) International Narcotics Control Strategy
Report;Bundeskriminalamt (BKA) and other Law Enforcement Reports.
FIGURA 2. Mudanças no uso de anfetaminas – 2004.
Fonte: ONU, 2006.
Já em relação ao ecstasy (Cf. Figura 3), o Relatório Mundial sobre as
Drogas, da ONU, informa que o número de apreensões aumenta de 5 toneladas, em
2003, para 8 toneladas, em 2004. O Brasil, a Argentina e o Uruguai são os países
que sofrem esse aumento. Apesar disso, o consumo, no Brasil, mantém-se estável.
Nos EUA, inicia-se um processo de declínio e, na Europa, começa a se estabilizar.
Mudanças no uso de ecstasy (MDA, MDEA, MDMA) - 2004
Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, UNODC (Regional Centre Bangkok) Epidemiology Trends in Drug Trends in
Asia (Findings of the Asian Multicity Epidemiology Workgroup, National Household Surveys submitted to UNODC, United States
Department of State (Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs) International Narcotics Control Strategy
Report;Bundeskriminalamt (BKA) and other Law Enforcement Reports.
FIGURA 3. Mudanças no uso de ecstasy (MDA, MDEA, MDMA) – 2004.
Fonte: ONU, 2006.
Entretanto, ao tentarmos estabelecer a vinculação entre a questão das
drogas e Saúde Pública, verificamos elos extremamente frágeis.
A OMS, no item “toxicodependência”, parece seguir a lógica exarada pelos
organismos financeiros multilaterais: fragmentação e focalização das ações.
Assim, o único documento encontrado, que demonstra uma visão mais
totalizante da questão das drogas, emana de uma área relativamente recente da
Medicina – a neurociência. Em um documento intitulado Neuroscience: usage de
substances psychoatives et dépendance (OMS, 2005), após fazer um levantamento
global da situação internacional das drogas, apresenta-se um outro estudo,
minucioso, que vai desde a ação das drogas no SNC (simpático, parasimpático e
córtex cerebral), passando por fatores genéticos (longamente explicados, a partir
do DNA e afins) e sociais (Cf. Tabela 1), desembocando, finalmente, numa longa
discussão acerca dos tratamentos que podem surtir efeitos (farmacológicos e
comportamentais de base behaviorista).
Os anexos e as sugestões para as políticas de Saúde Pública não
ultrapassam dois parágrafos. Nessas últimas, observa-se que, ao lado de
considerações sobre um genérico e abstrato universalismo, o que, na realidade,
impera é a lógica atual do custo-benefício, até porque explicita que seu objetivo
central é “a mudança mundial da morbidade e da incapacidade atribuídas ao uso de
substâncias psicoativas” (OMS, 2005, p. 33). Assim, destacam-se:
a resposta da Saúde Pública ao uso de substâncias deverá ser
proporcional aos danos sanitários que elas provocam;
os maiores danos são sempre imputados às pessoas não-dependentes e
resultam de intoxicações agudas e overdose, bem como do modo de administração
(infecções com material não-estéril);
“a dependência é uma afecção crônica e recorrente, que se apresenta
paralelamente a outras afecções físicas ou mentais”. (OMS, 2005, p.33, grifos
nossos);
o tratamento deve ser acessível a todos aqueles que dele necessitarem.
Existem intervenções eficazes, mas elas devem estar integradas aos sistemas de
saúde e dentro dos cuidados de saúde primários. O setor de saúde deve fornecer
os tratamentos que tenham a melhor relação custo-benefício .
TABELA 1. Consumo de Substâncias Psicoativas: fatores de risco e fatores de proteção
FATORES DE RISCO
C irc u n st a nc ia i s
FATORES DE PROTEÇÃO
C irc u n st a nc ia i s
•
Disponibilidade de drogas
•
Situação econômica
•
Pobreza
•
Controle das situações
•
Transformações sociais
•
Proteção social
•
Influência da cultura dos amigos
•
Integração social
•
Profissão
•
Acontecimentos positivos da vida
•
Normas e atitudes culturais
•
Políticas concernentes às drogas, ao
tabaco e ao álcool
I nd i vi du a i s
Individuais
•
Predisposição genética
•
Capacidade de superar dificuldades
•
Maus-tratos durante a infância
•
Eficácia pessoal
•
Transtornos da personalidade
•
Percepção dos riscos
•
Estrutura familiar desajustada e
personalidade dependente
•
Otimismo
•
•
Maus resultados escolares
Comportamentos sanitários
favoráveis
•
Exclusão social
•
•
Depressão e comportamento suicida
Capacidade de resistir à pressão
social
•
Bons comportamentos em relação à
saúde
Fonte: ONU, 2005 (p.23, grifos nossos).
Analisando-se o impacto da utilização de drogas, em diferentes âmbitos −
seja individual, quando a família possui um dependente químico; no âmbito
econômico, com o narcotráfico movimentando bilhões de dólares, em todo o mundo;
na segurança pública, quando gera situações de violência; na saúde pública, com o
aumento do número de casos de doenças, internações e mortes −, percebemos que
todas essas situações desencadeiam conseqüências graves para sociedade, de uma
forma geral.
Lamentavelmente, no Brasil, o dado mais concreto a respeito do impacto da
dependência química na saúde pública é o registro formal do valor gasto com
tratamento dos usuários ou dependentes do álcool. Em 2001, só os gastos com as
internações, relacionadas ao alcoolismo, somaram mais 60 milhões reais pagos pelos
cofres públicos (BRASIL, 2003). Em contrapartida, nesse documento, do Ministério
da Saúde, não é mencionada a existência de despesas, e seu montante, decorrentes
do uso das substâncias ilícitas.
2.3
Panorama nacional das drogas
O
Brasil
possui
diferentes
transformação das drogas ilícitas.
perfis
com
relação
à
produção
e
à
Aqui não se produz coca, porém, há uma rede de indústrias químicas que são
utilizadas para transformação da coca em cocaína e crack. As anfetaminas são
provenientes, principalmente, da Europa e da Argentina. Somente a maconha é
cultivada, no nosso país.
O Brasil faz parte da rota internacional do tráfico de drogas ilícitas,
devido à sua posição geográfica, sendo considerado um “país de trânsito”, ou seja, é
utilizado, pelos países andinos (Bolívia, Peru, Equador e Colômbia), como rota para
envio de drogas ilícitas, para os Estados Unidos da América do Norte e a Europa.
Segundo a UNODC (2005), o Brasil está estrategicamente localizado, no meio de
uma rede global de produção de drogas, aqui criando, assim, um paraíso financeiro
para os traficantes. Atualmente, as principais drogas traficadas, no país, são a
maconha, a cocaína e as drogas sintéticas (com destaque para o ecstasy).
Fonte: Jornal O GLOBO, 10/09/2006.
As drogas que são traficadas, no território brasileiro, são direcionadas
para as áreas urbanas, uma vez que o objetivo é, para além do comércio interno,
exportá-las. Assim, ao contabilizar o número de usuários e dividi-los pelo número de
habitantes do Brasil, obtém-se uma estatística não-condizente com a realidade
vivenciada, no perímetro urbano.
O Brasil não possui uma estatística geral a respeito das apreensões de
drogas, uma vez que os sistemas das polícias civil, militar, federal e da alfândega
não são interligados. Os dados obtidos são os do Departamento de Polícia Federal,
estimando que as apreensões de drogas são, em média, de 9 toneladas/ano.
Esporadicamente,
jornais
e
revistas
apreensões, conforme podemos verificar
publicam
na matéria
matérias
quando
há
abaixo: O GLOBO
(10/09/2006) traz uma reportagem destacando o número de apreensões de drogas
realizadas no Brasil
2.3.2 A política brasileira para o álcool e outras drogas
Até a década de 90, o Brasil não dispunha de uma política específica para o
problema da dependência do álcool e outras drogas, restringindo-a a medidas
repressivas, direcionadas para o impedimento da oferta e do comércio das drogas
(e, mesmo assim, apenas em relação às drogas ilícitas).
A tentativa de estabelecer uma política nacional voltada para a área do
álcool e outras drogas data da década de 80; porém, somente foi efetivada no
governo de Fernando Henrique Cardoso.
De forma pontual, destacamos alguns atos importantes desse período:
1980 - criação do Conselho Federal de Entorpecentes (COFEN), dos
Conselhos Estaduais de Entorpecentes (CONEN) e Conselhos Municipais de
Entorpecentes (COMEN) 12, vinculados ao Ministério da Justiça e às Secretarias de
Justiça, dos estados, respectivamente.
1988 - aprovação da Política Nacional na Questão das Drogas, pelo COFEN,
não tendo sido implementada, todavia, devido a dificuldades políticas.
2001 – criação da Política Nacional Antidrogas (PNAD), vinculada ao
Gabinete de Segurança Institucional, da Presidência da República.
2003 – instituição da Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool
e outras Drogas, vinculada ao Ministério da Saúde.
2005 – aprovação da Política Nacional sobre Drogas, por meio da Resolução
Nº 3 (27/10/2005), do CONAD, que realinhou a Política Nacional Antidrogras, até
então vigente.
2.3.2.1 Política Nacional Antidrogas
Em 1998, é realizada uma Assembléia da ONU13, com objetivo de promover
discussão específica do problema das drogas, em nível mundial. O Brasil também
12
Posteriormente, essa nomenclatura foi alterada para Conselho Nacional Antidrogas (CONAD),
Conselho Estadual Antidrogas (CEAD) e Conselho Municipal Antidrogas (COMAD).
13
A partir do fim da 2ª Grande Guerra Mundial, a ONU começa a estabelecer uma legislação
internacional, a respeito da relação das substâncias controladas e proibidas. (Cf. OLIVEIRA,
2003).
participa desse encontro e anuncia, naquele momento, a criação do Sistema
Nacional Antidrogas (SISNAD).
Esse episódio nos mostra que o Brasil elabora o SISNAD para cumprir uma
orientação internacional e não a partir de uma necessidade nacional. Esse Sistema
orienta-se pelo
[...] princípio básico da responsabilidade compartilhada entre Estado e
Sociedade, adotando como estratégia a cooperação mútua e a
articulação de esforços entre Governo, iniciativa privada e cidadãos –
considerados individualmente ou em suas livres associações. A
estratégia visa ampliar a consciência social para a gravidade do
problema representado pela droga e comprometer as instituições e os
cidadãos com o desenvolvimento das atividades antidrogas no País.
(BRASIL, 2001, p. 8, grifos nossos).
Com isso, o governo deixa claro seu posicionamento: não considera as drogas
como um problema específico, de âmbito público, mas, sim, um problema a ser
enfrentado “através do compromisso de todos”, ou seja, uma recomendação
claramente neoliberal. Dessa forma, transfere a responsabilidade do Estado para a
sociedade, cabendo ao primeiro apenas apoiar as iniciativas existentes ou a existir.
Além disso, essa política não impõe a obrigatoriedade de execução, aos
estados e municípios; passa a ser uma escolha de quem é sensibilizado pelo
problema. Entendemos isto quando, no texto que a define, a política informa que
[ao] organizar e integrar as forças nacionais, públicas e privadas, o
Sistema Nacional Antidrogas observa a vertente da municipalização de
suas atividades, buscando sensibilizar estados e municípios brasileiros
para a adesão e implantação da Política Nacional Antidrogas, em seu
âmbito (BRASIL, 2001, p. 8, grifo nosso).
O SISNAD é composto por diversos órgãos, responsáveis pela formulação do
Programa Nacional Antidrogas, no ano de 2001, dentre eles, a Secretaria Nacional
Antidrogas (SENAD) e o Departamento de Polícia Federal (DPF), sendo clara a
orientação estadunidense e tendo por objetivo a abstinência do uso de drogas.
Cabe ressaltar que a SENAD é criada vinculada ao Gabinete de Segurança
Institucional, da Presidência da República, indicando que o direcionamento das
ações derivadas dessa política têm como alvo as substâncias ilícitas, apesar de as
substâncias lícitas serem as mais consumidas, no país.
Assim, naquele ano, Fernando Henrique Cardoso, então presidente da
República, apresenta à sociedade a Política Nacional Antidrogas, a qual, já na sua
introdução, destaca a relevância do tema das drogas, devido à sua associação com o
tráfico de drogas e crimes conexos, ou seja, são questões de ordem econômica que
motivam a existência desta política.
Seu caráter repressivo e moralista fica explicitado, logo no primeiro
pressuposto, que é buscar construir uma sociedade livre das drogas ilícitas e do uso
indevido das drogas lícitas; ou seja, é intolerada a existência das ilícitas, enquanto
a presença das drogas lícitas, na sociedade, é aceita, sugerindo que essas últimas
não trazem danos de todo tipo, seja social, econômico, familiar, entre outros, para
os indivíduos que as usam.
Analisamos que se trata de um documento contraditório, pois, ao mesmo
tempo que, em um dos pressupostos básicos, está explícito que o indivíduo não deve
ser alvo de discriminação, pelo fato de ser usuário ou dependente de drogas, em
item subseqüente, argumenta que se deve buscar conscientizar o usuário de drogas
ilícitas acerca do papel nocivo que elas representam, ao alimentar as atividades e
organizações criminosas que têm, no narcotráfico, sua principal fonte de recursos
financeiros.
Outro pressuposto básico da PNAD, que acreditamos merecer destaque, é o
reconhecimento das “diferenças entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o
dependente e o traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada.”
(BRASIL, 2001, p. 10). Há, aqui, seguramente, um avanço; porém, não fica explícito
de que forma é realizado esse tratamento diferenciado.
A PNAD é influenciada pela Lei nº 6.368/76, que continua em vigor até a
presente data (uma vez que será revogada quando a Lei 11.343/06 entrar em vigor
no mês de outubro do corrente), apesar de ter sido criada sob um regime ditatorial,
no qual o cenário, no que se refere a álcool e outras drogas, é totalmente diferente
do atual. Um exemplo disto é o fato de que tanto essa Lei quanto a PNAD
determinam a obrigatoriedade, para todos os brasileiros, do combate às drogas,
seja ao uso seja ao tráfico. A Lei 11.343/2006, recém aprovada, não determina,
para os cidadãos, a obrigatoriedade de seu engajamento, no combate às drogas. A
Lei tem o enfoque no SISNAD e nas ações de prevenção, tratamento e punição dos
envolvidos nesta problemática.
Direcionando nosso olhar para os objetivos dessa política, temos, como
primeiro objetivo, “a) conscientizar a sociedade brasileira da ameaça representada
pelo uso indevido de drogas e suas conseqüências; [...]” (BRASIL, 2001, p. 13). Esse
primeiro objetivo apresenta, claramente, um discurso alarmista e aterrorizante,
que não encontra eco, na sociedade, de uma forma geral, pois não representa,
efetivamente, os efeitos dessas substâncias para considerável número de usuários.
Outros objetivos da PNAD são:
[...]
g) coibir os crimes relacionados às drogas;
h) combater o tráfico de drogas e os crimes conexos, através das
fronteiras terrestres, aéreas e marítimas;
i) combater a “lavagem de dinheiro”, como forma de estrangular o fluxo
lucrativo desse tipo de atividade ilegal, no que diz respeito ao tráfico de
drogas;
[...]. (Id., ibid., p.14).
Na parte destinada à repressão, a orientação geral da PNAD é
b) Promover contínua ação para reduzir a oferta das drogas ilegais,
dentre outros meios, pela erradicação e apreensão permanente
daquelas produzidas no País e pelo bloqueio do ingresso das oriundas do
exterior, destinadas ao consumo interno ou ao mercado internacional.
(Id., p. 17).
Dentre os treze objetivos da política, o trabalho de prevenção às drogas é
informado da seguinte maneira:
b) educar, informar, capacitar e formar agentes em todos os
segmentos sociais para a ação efetiva e eficaz de redução da demanda,
fundamentada em conhecimentos científicos validados e experiências
bem sucedidas. (Id., ibid, p. 13).
Dessa forma, no capítulo quatro, desse documento, destinado à prevenção,
o primeiro item já expõe a visão governamental a respeito, ao informar que a
prevenção “é fruto da parceria entre os diferentes segmentos da sociedade
brasileira, decorrente da filosofia da “Responsabilidade Compartilhada”, apoiada
pelos órgãos governamentais federais, estaduais e municipais.” (p. 12). Ou seja, a
prevenção é relegada ao esforço e à boa vontade da sociedade.
A PNAD é financiada pelo Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), que tem
sua gestão a cargo da SENAD. Os recursos do FUNAD são constituídos de
dotações específicas, estabelecidas no orçamento da União; de doações; de
qualquer tipo de recurso (que tenha um valor econômico), apreendido em
decorrência do tráfico de drogas ou que tenham sido utilizados, de qualquer forma,
em atividades ilícitas de produção ou comercialização de drogas abusivas.
O que percebemos é que existem ações para coibir tanto a oferta quanto a
demanda, mas são ações isoladas, que não dão conta de um problema tão amplo e
complexo. Cruz e Ferreira (2001) expõem que um dos fatores que gera essa
complexidade é o fato de, a partir da década de 80, o Brasil passar a ser uma rota
alternativa para o tráfico de cocaína, em decorrência da repressão desenvolvida
nos outros países sul-americanos.
Com isso, a droga atravessa o país, desde as fronteiras até os portos do
sudeste, principalmente os do Rio de Janeiro e de Santos (SP). De lá, é enviada
para a Europa, EUA e Ásia, com objetivo de ser distribuída para os outros países.
Porém, com o tempo, o que era para ser só uma rota, transforma-se, também, em
uma forma de “abastecimento” do mercado consumidor, em âmbito nacional (CRUZ e
FERREIRA, 2001).
Veloso et al (2004, p. 166) analisam que o caráter repressivo impresso aos
programas preventivos e assistenciais, desenvolvidos pela PNAD,
[...] refletem a direção assumida pela política nacional antidrogas, e
servem de reforço para a desqualificação moral, o preconceito e o
horror ao “drogado” e às suas famílias [...] a pessoa envolvida com
drogas ilícitas é vista não como alguém com direitos e deveres, mas
como um “sujeito mutilado”, que vive no “limbo social”, pela sua condição
de ‘fora da lei’.
As autoras argumentam, ainda, que a PNAD segue o entendimento de que
todo problema é proveniente das drogas, sem perceber o indivíduo como sujeito, na
sua situação de dependente, pautando-se na crença de que pode existir “uma
sociedade sem drogas”.
Em contraposição a essa análise, Oliveira (2003, p. 108), ao discorrer a
respeito da prevenção, do tratamento, da recuperação e da reinserção social,
constantes da PNAD, avalia que, apesar de essa política ser oriunda de um órgão da
área de segurança
[...] teve uma abordagem bem ampla, não se reduzindo às orientações
acerca de medidas de repressão. Enfoca a prevenção, o tratamento, a
recuperação e a reinserção social e ainda incorpora a noção de redução
de danos. Além disso, faz menção às drogas lícitas. [embora também
reflita que] “a denominação Antidrogas, denuncia seu vínculo com a
ideologia de combate às drogas, ou seja, da idéia irreal de existir uma
sociedade liberta das drogas.
No ano seguinte à elaboração dessa política, ocorre a eleição presidencial,
tendo como vencedor Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro ano desse governo, é
criada uma outra política para o enfrentamento da questão das drogas, no país,
através do Ministério da Saúde, chamada Política para Atenção a Usuários de
Álcool e Outras Drogas.
2.3.2.2 A Política para atenção integral a usuários de álcool e outras
drogas
A Política para Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas baseia-se,
legalmente, na Constituição Federal, de 1988; na legislação que organiza o Sistema
Único de Saúde (SUS); e na Lei nº 10.216, de 06/04/2001, que institui a Reforma
Psiquiátrica, tendo por objetivo o tratamento ao indivíduo através do método de
redução de danos.
Percebemos que, teoricamente, essa política possui um perfil diferente da
PNAD, elaborada no governo FHC, pois, enquanto a Política implementada no
governo FHC diz “compartilhar” a responsabilidade com a sociedade, a Política
elaborada no governo Lula traz, integralmente, para o Estado a responsabilidade
pela atuação governamental na questão das drogas: [...] o Ministério da Saúde
assume de modo integral e articulado o desafio de prevenir, tratar, reabilitar os
usuários de álcool e outras drogas como problema de saúde pública (BRASIL, 2003,
p. 9-10).
O Ministério da Saúde discute a questão do álcool e outras drogas,
apontando suas sérias implicações sociais, econômicas, psicológicas e políticas, e
argumenta que uma política de promoção, prevenção, tratamento e de educação
para o uso de álcool e outras drogas deve ser construída nas interfaces dos
programas do Ministério da Saúde, com os outros Ministérios, e com setores da
sociedade civil organizada.
Assim, ao visitarmos as instituições e ao analisarmos como a política está
sendo implantada, percebemos que esse discurso não se efetiva, na realidade, pois o
trato do álcool e outras drogas continua sendo realizado de forma fragmentada, e
ainda não há, de fato, nem um número suficiente de unidades de atendimento
extra-hospitalares (os CAPS-ad), no país, para atender essa demanda nem outras
ações eficazes que expressem a implementação da política de prevenção.
Continuamos a assistir a um trabalho de repressão, em detrimento da prevenção e
do tratamento.
Voltando nossa atenção para a questão do tratamento, verificamos que o
Ministério da Saúde direciona sua política para atuar em todas as questões
subjacentes à utilização do álcool e outras drogas, por meio do método de redução
de danos, direcionamento esse que, segundo Oliveira (2003), esse Ministério segue,
desde 1994, quando assumiu a redução de danos, como estratégia de prevenção da
AIDS, entre os usuários de drogas injetáveis (UDI). Pode-se considerar um avanço,
em relação à política anterior, o fato de aquele órgão expor, de forma precisa, esse
aspecto de sua política:
[...] a lógica da redução de danos é considerada no documento, tanto
apropriada
para
o
processo
de
planejamento,
implantação
e
implementação de ações de prevenção, como estratégias direcionadas à
diminuição dos fatores de riscos e ao fortalecimento dos fatores de
proteção, implicando em inserção comunitária, com a colaboração de
todos os segmentos sociais, visando a minimização das conseqüências
globais de uso de álcool e drogas. (OLIVEIRA, 2003, p. 116-117).
Analisamos que, ao optar pelo método da redução de danos, o Ministério da
Saúde avança, no sentido de entender e respeitar o indivíduo, percebendo-o como
sujeito da sua vida, podendo escolher entre manter a abstinência ou reduzir os
danos a si mesmo e à sua comunidade (família, amigos, trabalho etc).
A redução de danos entende que as drogas fazem parte da sociedade e são
consideradas
como mercadorias
a serem
consumidas,
tendo o sujeito a
responsabilidade de escolher, pois deve usá-las sabendo dos riscos, podendo
escolher qual droga usar, onde usar e como usar. O objetivo da redução de danos é
a pessoa humana, na perspectiva de que os danos decorrentes do uso de drogas
resultam da interação entre um sujeito, um produto e um contexto sociocultural.
O Ministério da Saúde corrobora essa análise e explicita que os indivíduos
estão em situação de maior vulnerabilidade, para utilização de substâncias
psicotrópicas, quando “estão insatisfeitos com a sua qualidade de vida, possuem
saúde deficiente, não detêm informações minimamente adequadas sobre a questão
de álcool e drogas, possuem fácil acesso às substâncias e integração comunitária
deficiente.” (BRASIL, 2003, p. 28).
Esse método reconhece cada usuário na sua singularidade e traça
estratégias voltadas para a defesa da sua vida, sendo considerado como um caminho
para um tratamento baseado na responsabilidade do usuário com o seu tratamento
e a própria saúde. Dessa forma, o método de redução de danos é voltado para as
conseqüências provocadas pela droga e não para sua oferta, tendo por
[...] objetivo a diminuição dos danos decorrentes do uso de drogas na
perspectiva de possibilitar uma melhor qualidade de vida para o sujeito,
informando-o e respeitando sua liberdade para exercer sua autonomia e
cidadania de decidir quando parar de usar drogas, se assim o desejar.
(VELOSO et al, 2000, p. 173).
Stronach (2004) destaca que a epidemia da AIDS fez com que as áreas
médicas e de saúde pública se juntassem em torno de um objetivo comum, que foi
conter sua expansão, entre os UDI, por intermédio de ações voltadas para redução
de danos. Exemplo emblemático é a troca das seringas.
A redução de danos vem como uma alternativa à abstinência (aqui entendida
como a não-utilização de determinada substância), uma vez que não a impõe, pois
discute com o indivíduo o que é a substância, seus efeitos e os riscos a que se
expõe, no momento de utilização, sejam substâncias lícitas ou ilícitas. Compreendese que o uso se dá na esfera individual, e, portanto, a decisão para utilização, ou
não, também pertence ao indivíduo.
Complementando essa análise, Erwig e Bastos (2000) discutem que se tem
conseguido poucos resultados, na redução do consumo de drogas, com as medidas
coercitivas e autoritárias desenvolvidas pelas forças políticas conservadoras e a
mídia.
Enquanto essas propostas autoritárias colocam a responsabilidade do cuidado
de si para outros (exemplo: família), a proposta de redução de danos “é a aposta na
capacidade de autodeterminação e flexibilidade de alternativas [...]” (Id., ibid.,
2000, p. 245), sendo considerada por estes autores, como “uma filosofia ampla de
trabalho e investigação”.
Para isso tornam-se necessárias medidas de saúde pública e não medidas
repressivas, de controle social dos sujeitos.
Na Política Integral para Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas, o
tratamento dessa demanda é realizado em unidade extra-hospitalar, o CAPS-ad, o
qual tem, por definição, que oferecer “serviços de atenção psicossocial para o
desenvolvimento de atividades em saúde mental para pacientes com transtornos
decorrentes do uso prejudicial e/ou dependência de álcool e outras drogas.”
(BRASIL, 2003, p. 23), com proposta de atendimento extra-hospitalar de atenção
psicossocial dos pacientes, através das modalidades intensiva, semi-intensiva e nãointensiva, devendo ser interligadas ao meio social e cultural nos quais os pacientes
vivem, diferentemente da forma “tradicional” de tratamento, que separa o usuário
e/ou dependente do seu convívio social.
Segundo o documento em que essa Política Integral de Atenção a Usuários
de Álcool e Outras Drogas está consubstanciada, o CAPS-ad tem os seguintes
pressupostos: o atendimento diário baseado na lógica de redução de danos; oferta
de condições para repouso e desintoxicação ambulatorial; atendimento aos
familiares dos usuários e promoção da reintegração social, através de parcerias
com os recursos locais, com objetivo de inseri-los em atividades de lazer, saúde,
educacional, entre outros. (p. 36).
Analisamos que, apesar de se tratar de uma “boa” política, efetivamente
não está sendo desenvolvido nenhum trabalho relevante que a diferencie da
orientação traçada pelo governo anterior.
2.4
DROGAS: discussões presentes na sociedade
O consumo do álcool e outras drogas, indiscutivelmente, é um tema da área
médica; porém, é um fenômeno tão complexo que não se restringe somente a ela.
Para entender a dependência, é preciso analisar o indivíduo, a substância consumida
e o contexto sociocultural, no qual estão inseridos.
Com isso, entendemos que o fenômeno da dependência química é complexo e
multifatorial, devendo ser entendido nos seus diversos elementos constitutivos
inter-relacionados que são os aspectos biológico, psicológico, sociocultural e as
drogas em si, ou seja, compreendendo o homem de uma forma integral. Assim, faz-
se necessário analisar a dependência não somente pelo viés médico, mas, também,
levando em consideração o tempo e a sociedade em que ela se apresenta como
fenômeno.
Bucher (apud OLIVEIRA, 2003, p. 61) realiza essa análise ao discutir que
[...] o engendramento de drogadições corresponde a um processo
complexo onde intervém, além de substância, o contexto sociocultural e
econômico (com suas pressões e condicionamentos múltiplos) e a
personalidade do usuário (com suas motivações pessoais, conscientes e
inconscientes).
Oliveira (2003) sinaliza que, no século XX, a expansão do consumo de
drogas ilícitas ocorre, principalmente, a partir dos períodos pós-guerra e da década
de 60. Calanga (apud OLIVEIRA, 2003, p. 67) analisa essa questão pelo mesmo
ângulo e afirma que
Inicialmente marginal, concentrado em certas regiões do planeta, o
fenômeno disseminou-se no mundo inteiro, predominando nos países
industrializados da América e da Europa. Ambas as guerras mundiais
vieram sucedidas por uma onda de consumo de drogas pesadas pelos
adultos sem, contudo, constituir um problema social. Após os anos 60, a
droga atinge uma população cada vez mais jovem, num movimento de
crítica a todo o sistema ocidental de valores. (Calanga apud OLIVEIRA,
2003, p. 67).
Oliveira (2003, p. 68) prossegue e reforça a análise de Calanga, ao
argumentar que
O consumo e o enfoque das drogas chamadas ilícitas assumem outra
dimensão dentro do contexto dos anos sessenta. Inicialmente, através
do movimento hippie, reação contracultural da juventude nos EUA,
apresenta-se como uma contestação do status quo. Entretanto, nas
décadas seguintes, com o avanço do narcotráfico, um dos negócios mais
bem sucedidos no período da crise econômica mundial, a relação com
essas substâncias muda de conteúdo, uso e contexto. (Oliveira, 2003,
p. 68).
A partir desse incremento no consumo e no status de ilegalidade das drogas
ilícitas, expande-se o narcotráfico, transformado em um comércio internacional, no
qual seus “produtos” chegam às mãos dos seus compradores, em qualquer lugar no
mundo, atingindo todas as classes sociais.
Em contrapartida, alguns autores analisam que a pobreza foi o grande
propulsor das drogas, no Brasil, afirmando que um dos fatores que podem favorecer
esse contato com as drogas é a questão da classe social, uma vez que as pessoas
das classes mais desfavorecidas podem ter um contato maior e mais precoce com
esse universo.
Zaluar (2000) e Araújo (1997), também, destacam a pobreza, em suas
análises sobre as drogas. Segundo essas autoras, a pobreza está passando por um
processo de feminização e infantilização, trazendo como exemplo, dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que, em 1989, indicavam que
50,5% das crianças e adolescentes brasileiros pertenciam a famílias com renda per
capita inferior a meio salário mínimo e 27,4%, a famílias com renda per capita
inferior a 25% do salário mínimo. O IBGE verifica, ainda, que o número de crianças
e adolescentes vivendo em condições de pobreza e miséria que, em 1980, era de 30
milhões, passa a 32 milhões, em 1989.
Enfatizando sua análise, Araújo (1997, p.242) discute que ”o baixo nível de
renda das famílias pobres brasileiros tem contribuído para a evasão escolar e para
o ingresso de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.”. Em torno de 11,6%
da população economicamente ativa é composta de crianças e adolescentes, que
entram, precocemente, no mercado de trabalho.
Das famílias com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, 56%
têm a mulher como chefe, e mais de 40% das famílias chefiadas por mulheres estão
abaixo da linha da pobreza.
Sabe-se que a pobreza pode induzir o uso de drogas ou o trabalho no
tráfico; pórém, não é o determinante, senão, todas as crianças e adolescentes das
áreas mais empobrecidas fariam parte desse universo e, de uma forma geral, não é
essa a realidade. O contexto no qual o indivíduo vive é somente um dos fatores que
incidem sobre essa problemática, mas não é o único determinante e é necessário
termos clareza dessa situação para não culpabilizar e marginalizar mais ainda a
pobreza.
Precisamos discutir que essa situação de pobreza exacerbada, no Brasil, a
partir da década de 1990, não é um fato isolado ou gratuito; que ela é uma das
conseqüências do neoliberalismo implantado, no país, e direcionado, doravante, para
o compromisso com o capital financeiro-especulativo ― nacional e internacional ―,
em detrimento dos investimentos sociais e de infra-estrutura.
O país entra em um período de crise e
Uma das características desse período foi a abertura desregrada das
fronteiras nacionais com a drástica redução das tarifas alfandegárias,
ampliando a oferta de produtos importados. A contrapartida de
ampliação das exportações não se verificou, e o resultado foi o saldo de
uma situação de superávit (US$ 29,5 bilhões em 1989) para déficit
(US$ 45,8 bilhões em 1999). Era a estratégia de combater a inflação
com produtos importados a preços menores do que os nacionais. Diziase: a indústria nacional precisa se modernizar para competir. Cadeias
produtivas inteiras foram desarticuladas, a dependência externa
aumentou e consolidou-se ainda mais [...] com as reformas, as
conseqüências sociais foram dramáticas: desemprego aberto, perda de
postos assalariados e trabalho precário. (COGGIOLA, 2004, p.27-
28).
O incentivo à produção é relegado a segundo plano, o trabalho formal vai
perdendo espaço, no mercado de trabalho, e o trabalho informal cresce,
exponencialmente. A população vai empobrecendo, cada vez mais, e a desigualdade
social e econômica, ampliam-se, de forma nunca antes ocorrida.
Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, por um partido de
esquerda, o Partido dos Trabalhadores (PT), e sua posse, em 2003, acreditava-se
que o direcionamento político e econômico seria diferente. Porém, o que assistimos
é a continuação do governo de Fernando Henrique Cardoso. Coggiola (2004, p. 50)
discute que
[...] a política macroeconômica do governo Lula representou e
representa uma continuação das políticas neoliberais da gestão de
Fernando Henrique Cardoso. Ela responde à opção política do governo
Lula de manter o legado FHC, aprofundando ainda mais o seu programa.
Lula tem discurso social, enquanto a prática é orientada pelo neoliberalismo,
que apesar de tão propagado investimento em políticas sociais, leia-se bolsa família,
a situação de miséria continua reinando no país.
Tornando-se cada vez mais pobres, as famílias são quase que obrigadas a
residir em favelas ou loteamentos periféricos. As favelas do Rio de Janeiro, por
exemplo, são cenários do desenvolvimento do narcotráfico e cresceram, nos últimos
15 anos, de forma desordenada, devido à ausência de políticas governamentais nas
áreas de habitação, saúde, educação, saneamento básico, cultura, entre outras,
gerando um vazio quase que total do Estado, nessas comunidades, tornando-as
locais propícios à instalação e ao desenvolvimento do comércio das drogas ilícitas.
(ARAÚJO, 1997).
Assim, os moradores das favelas, na maioria trabalhadores, ficam expostos
ao domínio que os traficantes ali exercem, bem como às “guerras” tanto entre os
próprios traficantes quanto entre estes e policiais.
Zaluar (1993) destaca que o consumo de drogas está aumentando, tendo
como maiores consumidores os jovens e a população mais empobrecida; porém,
apesar de ser pano de fundo, Zaluar (2000) argumenta que nem a pobreza nem a
falta de colocação no mercado de trabalho são fatores preponderantes para
entrada no universo das drogas.
Ainda Zaluar (1994) discute que um fator de aproximação dos jovens com o
mundo das drogas é a percepção negativa que possuem sobre o trabalho. Associamno à escravidão: trabalhar muito, “ser mandado” e ganhar pouco. Nesse contexto, o
tráfico pode ser uma opção de ganhar dinheiro, em pouco tempo e “sem grandes
esforços”.
Analisando de forma similar, Minayo e Deslandes, (1998, p. 39) avaliam que
o crime organizado se institucionalizou, na década de 1980, no Brasil, tornando-se
uma possibilidade de trabalho, principalmente para os jovens pobres que se
encontram sem expectativa de obter emprego, no mercado formal, e, assim,
alcançar seus objetivos de “consumo, status e reconhecimento social”.
Até a década de 1980, os moradores das favelas são estigmatizados, como
vagabundos ou desajustados; porém, a partir de então, com o desenvolvimento do
tráfico de drogas, nessas localidades, passam a ser considerados como bandidos ou
traficantes.
Araújo (1997) reforça essa análise, ao informar que a década de 80 foi um
marco, um divisor de águas, no que se refere à expansão do comércio das drogas.
Anterior a esse período, tinha-se o comércio da maconha, não muito lucrativo,
quando a defesa pessoal dos envolvidos era feita com revólver 38. Entre final de
1980 e início dos anos 1990, a maconha é substituída pela cocaína e o armamento
passa a ser mais pesado, como o AR-15. Esse quadro também se torna possível
devido à expansão da produção e comercialização de cocaína, na Colômbia, e a
consolidação dos cartéis. “Em conseqüência dessa nova realidade, os anos oitenta
foram palco do aumento da complexidade organizacional do tráfico e de uma
extraordinária ampliação de sua influência sobre a sociedade” (Id., ibid., p. 252).
Para essa autora, a ampliação de tal influência, na sociedade, foi possível
devido à deterioração da qualidade de vida dos segmentos populares urbanos,
“decorrente da ordem capitalista, que foi responsável pelo aumento do custo de
vida e, conseqüentemente, da pobreza urbana, exclusão e desigualdade social” (Id.,
ibid., p. 252).
Analisamos que a expansão das drogas, naquelas décadas, não se deu de
forma gratuita, estando relacionada às alterações pelas quais o país passava. O
Brasil estava saindo de um período de ditadura, que desenvolveu, entre outras, uma
política voltada para um grande desenvolvimento econômico; porém, como os
interesses se voltavam para o capital nacional e para o estrangeiro, esse
crescimento foi “repartido” entre os mais ricos, não redistribuindo a riqueza
gerada para os mais pobres, estes ficando em último plano.
Apesar de a ordem capitalista sempre ter sido o direcionador da condução
governamental, no Brasil, o país passa, na década de 80, por uma terrível crise
econômica, com a inflação desenfreada (chegando perto dos 2.000% ao ano) e os
salários desvalorizados, os quais geram, entre outras conseqüências, aumento da
pobreza e da desigualdade social.
Sem investimentos (governamentais) na área social, as periferias e favelas
que se organizavam eram locais ideais para o acolhimento do comércio de drogas
ilícitas.
Zaluar (1993) avalia que a má distribuição de renda, de benefícios e de
serviços faz do Brasil um país com grandes fissuras sociais. Apesar de a pobreza
não explicar a prática de ações não-aceitáveis pela sociedade, em conjunção com as
falhas do Estado, que não cria possibilidades de ascensão profissional, torna-se
atraente para o jovem a adesão a subculturas e/ou a adoção de comportamentos
não-admissíveis ou passíveis de punição.
Em sua análise, a autora supra (op. cit.) constata que os jovens, que, na
maioria, aproximam-se do tráfico como usuários, acabam por contrair dívidas
provenientes do uso e, para saldá-las, são levados a cometer atos ilícitos e passam a
se comportar como traficantes. Assim, envolvem-se, cada vez mais, com o tráfico e
com a escalada da violência.
Na nossa concepção, o uso, ou abuso, e a dependência química não ocorrem,
somente, nas camadas mais empobrecidas da população, como analisam alguns
autores. A mídia nos informa, todos os dias, de situações de dependência ou
envolvendo algum tipo de violência, ligadas ao mundo das drogas, por jovens de
classe média ou da classe alta.
Para Elias (apud LIMA e de PAULA, 2004, p. 98), uma das raízes da
associação entre juventude e violência
[...] é o fato de o crime organizado em torno do tráfico de drogas e de
armas fazer uso intenso de mão-de-obra juvenil e, ainda, ocupar as
brechas deixadas pelo poder público e se constituir como esfera de
poder violento sobre significativas parcelas da população.
Oliveira (2003, p. 81) analisa que todos esses problemas, que o indivíduo
sofre, cotidianamente, fazem com que seja criado
[...] um ambiente propício ao consumo de álcool e outras drogas. Afinal,
são anestesiantes capazes de alterar a percepção da realidade e aliviar
o sofrimento psíquico ocasionado pela sensação de insegurança no
trabalho e a ampliação do desemprego provocada pela reestruturação
do capital.
Apesar de a instituição ‘família’ estar sofrendo transformações, em escala
mundial, são as famílias empobrecidas que mais sofrem com as mudanças sócioeconômicas produzidas pelo Estado neoliberal. O crescente desemprego gerado
pelas alterações no mercado de trabalho, como a flexibilização e a necessidade de
trabalhadores polivalentes, provocando o cancelamento de muitos postos de
trabalho, entre outras alterações, traz, por conseqüência, um alto volume de
adultos desempregados, os quais não são sequer oprimidos ou explorados: não
interessam ao capital, sendo deixados de lado, sendo verdadeiramente excluídos.
Uma das conseqüências deste processo é a necessidade de que crianças e
adolescentes precisem ingressar no mercado de trabalho para contribuir no
sustento da famílias, ou até mesmo, ser a única fonte de renda.
Esse processo pelo qual as classes mais pauperizadas passam, desencadeia
grandes dificuldades em todos os âmbitos das suas vidas. Freqüentemente, essa
população marginalizada possui baixa escolaridade devido a, repetimos, quando
crianças e/ou adolescentes precisarem ingressar no mercado de trabalho para
contribuir no sustento da famílias, ou até mesmo, ser a única fonte de renda. Desta
forma, para os jovens que não possuem perspectiva de vida positiva para fora da
favela, estar envolvido no tráfico pode ser uma estratégia de sobrevivência
(ARAÚJO, 1997; SOUZA, 2000).
Na análise da relação entre criminalidade e drogas, Cruz e Ferreira (2001,
p. 104) divergem da discussão citada acima, notadamente, do destaque ao jovem
pobre, inserido no tráfico, porque percebem que o comércio de cocaína agrava a
violência urbana “pela via da repressão, extorsão policial, crimes para o
financiamento, seja do comércio, seja do uso individual, o aumento do consumo da
cocaína está relacionada ao agravamento da violência urbana”.
Devido aos diversos fatores que envolvem a utilização e o comércio das
drogas, faz-se necessário perceber que a resolução do problema não
pode ser
feita, somente, pela repressão ao tráfico, porque, sem alternativas ocupacionais e
de geração de renda, podem ser criados problemas e conflitos mais sérios que os
provocados pelo comércio ilegal de drogas. (SOUZA, 2000).
Outros autores destacam a família, como agente facilitador para o uso de
drogas. Para alguns estudiosos, a família tem o papel principal de afastar ou
aproximar o indivíduo do uso de substâncias que causem dependência.
Sales (1997) discute que a participação das mulheres, no mercado de
trabalho, é um fenômeno mundial e que todas as modificações ocorridas, no país,
nas últimas décadas, fazem com que as mulheres engrossem as estatísticas
nacionais a respeito do número de trabalhadores. Assim, no período de 1960 a
1990, o índice de participação feminina, no mercado de trabalho, passa de 16% para
39%. Paralelamente a isso, também há o aumento do número de mulheres chefes de
família no mesmo período, passando de 10% para 20% dos domicílios. Dessa forma,
a família começa a passar por um rearranjo, em decorrência dessas alterações
econômicas e sociais, ocorridas na sociedade brasileira, com conseqüências no
desempenho dos papéis de gênero e nas obrigações relativas aos cuidados para com
os jovens e idosos.
Outros autores que discutem o papel da família são Schenker e Minayo
(2003), destacando a sua importância, com relação ao uso de drogas, por ser o
ambiente familiar o locus da socialização primária; assim sendo, cabe a ela o papel
de cuidador de crianças e adolescentes e é ela que favorece as bases para seu
desenvolvimento. Essas autoras se voltam para o estudo da utilização das drogas, na
adolescência, e indicam que
[...] o sintoma do uso indevido ou abusivo da droga irrompe quando o
contexto familiar e sociocultural oferecem condições de possibilidades
para o seu surgimento e desenvolvimento; o comportamento de um
indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento do outro numa relação
de circularidade e não de linearidade. (SCHENKER e MINAYO,
2003, p.300)
Sinalizam, ainda, que o uso de SPA é feito por adolescentes “com baixa
auto-estima, sintomas depressivos, eventos de vida estressantes, baixa coesão
familiar e ligação com amigos que consomem drogas” (Id. ibid., p. 301), ou seja,
problemas “exclusivamente individuais”. Em outras palavras, transfere-se para o
indivíduo toda a culpa pela utilização, como se a predisposição orgânica, o meio
social e o acesso à droga não tivessem influência nesse consumo.
O Ministério da Saúde diverge dessa análise, percebendo que o próprio
indivíduo, sua família, seus pares e a comunidade podem ser “fatores de risco” ou
“fatores de proteção”, com relação à possibilidade do indivíduo usar, ou não, algum
tipo de droga, ou seja, depende da conjunção de cada um desses fatores, para a
facilidade, ou não, para utilizá-los. (BRASIL, 2003).
Na visão de Schenker & Minayo (2003), as normas para comportamento
social, incluindo aí a utilização de drogas, são apreendidas nas fontes primárias de
socialização: família, escola e amigos, na infância e na adolescência. Um “forte”
vínculo com essas fontes preveniria desvios ou amizades com “más companhias”. A
família tem papel importante, tanto para proteger o adolescente quanto na criação
de condições para que este utilize drogas, uma vez que, de todas as formas de
socialização, a proporcionada pela família é a mais significativa. Essas autoras
afirmam que, quando uma família é saudável, transmite “boas orientações”, enquanto
que “famílias disfuncionais” podem transmitir “más orientações”.
Em
nossa
análise,
esse
tipo
de
visão
é
altamente
moralizante,
preconceituosa e unilateral, como se somente a família fosse responsável pela ação
dos indivíduos.
Os mesmos autores (2003), de acordo com suas experiências com famílias
de dependentes, avaliam que
[...] as famílias adictas buscam “terceirizar” suas responsabilidades com
relação a seus filhos. Cultivam um tipo de comportamento irresponsável,
como se o dever de monitorar e supervisionar o comportamento dos
adolescentes fosse algo mecânico, robótico, sem a necessidade de
construção prévia da relação de confiança. Quanto mais a família é
“desengajada” nas suas relações interpessoais maior risco seus filhos
correm de desenvolver comportamentos anti-sociais. (Id.,
ibid., p.
305).
Ora, a culpa não pode ser colocada exclusivamente na família, como se esta
vivesse descolada da realidade, pois culpabilizar a família seria tirar a
responsabilidade do indivíduo pelos seus atos e transferi-la para terceiros, neste
caso, a família.
Além disso, não é só a família adicta que “terceiriza” a criação dos seus
filhos. No mundo moderno, onde as pessoas estão mais preocupadas e ocupadas com
sua sobrevivência ou com melhoria das condições de vida, a responsabilidade de
criar e educar os filhos foi transferida para outros círculos sociais, como por
exemplo, a escola.
Sales (1997) também discute que vivemos em um contexto de mudanças, no
padrão familiar, que sofreu alterações, nos últimos 20 anos, em todos os segmentos
da população brasileira. A diminuição do tamanho da família e o maior rearranjo nas
relações familiares fazem com que os mecanismos de solidariedade familiar se
fragilizem e que se possa contar, cada vez menos, com os membros da família.
O que se observa, então, no Brasil, em todas as classes sociais e com
mais ênfase nas camadas médias e populares, é uma erosão da
capacidade da família em termos de aglutinação e regulação dos
indivíduos para a vida em sociedade. (Id., ibid., p. 178, grifos da autora).
A família vive em permanente tensão, com relação à sua subsistência,
precisando encontrar meios para garanti-la, e, assim, a formação dos indivíduos que
deve ser realizada em âmbito familiar fica relegada a segundo plano.
Esse novo arranjo familiar se torna um problema, na medida em que,
simultaneamente, o Estado diminui sua atuação, no que tange a mecanismos de
seguridade social, a população fica desprovida de meios que auxiliem na sua
sobrevivência.
É necessário indicar que existem diferentes discussões sobre as formas de
facilitação do uso de álcool e outras drogas, pois enquanto Zaluar (1993; 1994;
2000) percebe o problema como oriundo da pobreza, Oliveira (2003) argumenta que
a utilização depende da dinâmica indivíduo – produto – contexto, e não só do
contexto. Já o Ministério da Saúde afirma que a família, como a comunidade, pode
ser um fator de risco para o jovem iniciar o uso de drogas, lícitas e ilícitas.
Analisando a Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas,
percebemos que ela coloca a sociedade como facilitadora, ou não, do consumo, mas,
em nenhum momento, discute-se que o sistema político-econômico, desenvolvido
pelos países, pode ser um agente propiciador do uso dessas substâncias.
Voltando nossa análise para os problemas decorrentes dessa utilização
indevida ou da dependência, percebemos que, via de regra, o problema das drogas (e
seus desdobramentos e implicações) vai chegar às mãos do assistente social, uma
vez que as drogas provocam conseqüências negativas, em todos os âmbitos da vida
do sujeito. Dessa forma, o assistente social se depara com os mais variados tipos
de problemas: violência doméstica, desemprego, mau desempenho escolar,
criminalidade, necessidade de tratamento, entre outros.
Por isso, é muito importante que o assistente social tenha conhecimento a
respeito das drogas, como um fenômeno mundial que acarreta diversas
conseqüências sociais, psicológicas, econômicas, políticas e culturais. Pensando
nessas questões, através do olhar do Serviço Social, torna-se muito relevante
analisarmos quem são os assistentes sociais que lidam com essa situação e qual é a
prática, desenvolvida ou requerida, no âmbito dessa área tão complexa.
CAPÍTULO 3
O Serviço Social na dependência química
O campo de atuação em ambulatórios e clínicas que possuem um trabalho
voltado para o dependente do álcool e outras drogas é relativamente novo para o
Serviço Social. De uma forma geral, o Serviço Social começa a ser requisitado, por
instituições dessa natureza, no Rio de Janeiro, no decorrer da década de 1980.
Apesar de o assistente social, anteriormente a esse período, já atuar em
diversos problemas sociais provenientes da dependência química, o trabalho
específico, nessa área, a partir dos anos 80, se deve à ênfase dada àquela
problemática, quando dois fatores se conjugam: primeiro, a necessidade de criação
de instituições, para atendimento ao dependente químico, em cumprimento ao artigo
9º 14 da Lei nº. 6.368/76; e segundo, a expansão do tráfico de drogas, nos centros
urbanos.
Como o poder público se volta, principalmente, para a repressão da oferta
de substâncias ilícitas, o vácuo existente, na questão do tratamento, é preenchido
pelas instituições filantrópicas, as quais, numa iniciativa pioneira, começam a
contratar assistentes sociais, para atuar especificamente nessa área, inaugurando
uma nova demanda institucional para a profissão.
14
Art. 9º As redes dos serviços de saúde dos Estados, Territórios e Distrito Federal contarão,
sempre que necessário e possível, com estabelecimentos próprios para tratamento dos
dependentes de substâncias a que se refere a presente Lei. (V. Lei nº 6.368/1976).
Passadas duas décadas, já contamos com algumas instituições públicas, para
tratamento de dependentes do álcool e outras drogas, com caráter ambulatorial e
de internação, contando, em seus quadros, com assistentes sociais. Por isso,
direcionamos nosso estudo para essas instituições, por percebermos tanto a sua
importância, na implementação das políticas públicas a respeito do álcool e outras
drogas quanto, em especial, o papel do assistente social nas mesmas.
Dessa forma, focamos nosso estudo na atualidade, um período de
alterações no trato da dependência química no Brasil, uma vez que, data desse início
de século, a criação das primeiras políticas federais preocupadas em intervir nessa
problemática, numa perspectiva mais ampliada.
Assim, nossa pesquisa foi realizada em três instituições públicas, no Rio de
Janeiro, que atendem dependentes químicos. Uma vez que não dispomos de muitas
instituições com esse perfil, manteremos, na análise de nossos dados, o anonimato
dos assistentes sociais que, entendendo a relevância do nosso estudo, concederam
as entrevistas para que pudéssemos desenvolver a pesquisa. É importante ressaltar
que nosso intuito não é resguardar as instituições. Porém, ao expô-las, estaremos
também expondo esses profissionais.
As instituições analisadas foram escolhidas devido à sua orientação
governamental, pois, como discutido anteriormente, co-existem, atualmente, duas
políticas no trato do álcool e outras drogas. Assim sendo, escolhemos instituições
que tivessem diferentes direcionamentos governamentais, ou seja, tanto as que
atuam de acordo com diretrizes da PNAD, quanto as que o fazem, segundo
diretrizes da Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras
Drogas. Nosso objetivo, além de analisar a prática profissional, foi perceber a
influência dessas políticas nessa referida prática. Delimitamos, pois, nosso estudo a
três organizações: dois ambulatórios e uma clínica para internação.
Como já explicitado (Cf. Introdução), o universo a ser pesquisado seria,
inicialmente, de onze assistentes sociais; porém, devido a um estar de férias e,
outro, de licença médica, só foi possível realizar nove entrevistas, atingindo 81,81%
da nossa meta inicial.
Pesquisamos instituições que prestam atendimento tanto por via da
internação (clínicas) quanto do tratamento ambulatorial (ambulatórios).
3.1
Clínica
Na nossa pesquisa, verificamos que o governo do Estado do Rio de Janeiro
possui três clínicas, para internação dos dependentes de álcool e outras drogas, que
prestam seus serviços de forma gratuita. Além dessas, não existem clínicas
mantidas pelo poder público, sejam municipais sejam federais, no Rio de Janeiro.
Aquelas se localizam nos municípios do Rio de Janeiro, de Barra Mansa e de
Valença, são financiadas pelo governo estadual e totalmente gerenciadas por
Organizações Não-Governamentais (ONG), sendo cada unidade gerida por uma
diferente.
Essa informação é fornecida pelo próprio sítio do Estado, na Internet15, ao
destacar que “O serviço é integralmente financiado pelo Estado e operacionalizado
através de convênios com as ONG: Comunidade S 8 (Rio de Janeiro), Semente do
Amanhã (Barra Mansa) e Nova Aliança (Valença)”. (Secretaria Estadual da Família e
Assistência Social).
Apesar de o tratamento à dependência química ser um tema da área da
saúde, as clínicas criadas, no governo de Anthony Garotinho16, pertencem à
Secretaria Estadual de Ação Social, orientação mantida pela atual governadora,
Rosinha Matheus, obedecendo à lógica (também adotada pela Prefeitura do Rio de
Janeiro) de deslocamento das questões relativas à saúde e à educação para a
esfera da Assistência Social.
15
16
V. http://www.assistenciasocial.rj.gov.br/pages/programas_clinicas_populares.asp
Aqui, referimo-nos à gestão de Anthony Garotinho (1999-2002), sem esquecer que sua esposa
era, então, a Secretária da Ação Social, sendo posteriormente eleita governadora do Estado do
Rio de Janeiro (2003-2006).
Percebemos que a forma como o governo do Rio de Janeiro está atuando, na
questão das clínicas populares, segue orientação, claramente, neoliberal: investe
dinheiro público, para criar e equipar a clínica, e, depois, incentiva, por meio do
financiamento, uma ONG a geri-la, a qual executa, portanto, uma ação que é de
responsabilidade governamental.
Outro fator de crítica é que essa maneira de atuar, ajuda, também, a
precarizar as relações trabalhistas, pois todos os funcionários (do faxineiro ao
Diretor, passando pelos assistentes sociais) são contratados pelas ONG, as quais
detêm os critérios – não-claros - de contratação e manutenção dos vínculos
empregatícios.
A clínica pesquisada situa-se em uma área rural. Para lá chegar, o único
meio de transporte disponível é o chamado “transporte alternativo”, que deixa o
passageiro à beira da estrada, precisando este andar, por uma estrada de terra,
até chegar à clínica. É necessário ressaltar que não existem placas, com nome das
ruas, nos arredores da clínica, como não existem quaisquer indicações do acesso à
mesma.
Na nossa análise, essa trabalhosa localização se torna mais um fator a
dificultar a vida do dependente químico, pois esse obstáculo se apresenta a ele, no
momento da internação, na clínica, bem como, para seus familiares, no que tange à
realização periódica de visitas.
Nas entrevistas, obtivemos a informação de que, há algumas décadas, esse
local tinha sido uma clínica psiquiátrica. Assim, percebemos que a lógica da exclusão
do convívio social, que ocorrera, outrora, repete-se, nos dias atuais, com relação
aos internos por dependência química.
O atendimento na clínica é dividido em duas etapas:
 Primeira etapa: INTERNAÇÃO
A clínica tem capacidade para 90 pessoas, as quais ficam internadas, em
média, por 45 dias. Os internos ficam em alojamentos, separados por sexo.
De uma forma geral, possui, em seu quadro funcional, os seguintes
profissionais: assistente social, psicólogo, enfermeiro, professor de educação
física, pedagogo, médicos (de diferentes especialidades, inclusive psiquiatra),
nutricionista, terapeuta de família, técnico em enfermagem e técnico em
reabilitação de dependência química17.
17
Anteriormente, eram chamados “conselheiros em dependência química”. Os técnicos são
pessoas com escolaridade de nível médio, que fizeram curso de aconselhamento, sendo a maioria
constituída de dependentes químicos, em recuperação.
A forma de o usuário ser internado, nas clínicas populares, é mediante
encaminhamento do Conselho Estadual Antidrogas (CEAD), do Centro Psiquiátrico
do Rio de Janeiro (CPRJ) ou do Centro Estadual de Tratamento e Reabilitação de
Adictos (CENTRA-RIO).
Essas desenvolvem, primeiramente, um atendimento ambulatorial dos
dependentes químicos e, quando a equipe avalia que a internação é necessária, faz
contato com uma das clínicas estaduais e encaminha o usuário à mesma. Dessa
forma, o usuário não pode buscar, por meios próprios, a sua internação.
Outra instância, além dos órgãos citados, que pode proceder a esse
encaminhamento, é a justiça, que o faz, em diferentes casos, como, por exemplo,
presos em situação de liberdade condicional, dependentes químicos que estejam
cumprindo pena alternativa, entre outras possibilidades.
A internação é um ato voluntário do dependente químico; porém, no que
tange aos dependentes químicos encaminhados pela justiça, em muitos dos casos,
trata-se de internações compulsórias e, assim, mesmo que não seja o perfil
atendido pela clínica, esta tem que cumprir a determinação judicial.
Nas clínicas, o primeiro contato do paciente é, diretamente, com o serviço
médico, para verificação de seu quadro clínico, de doenças pré-existentes etc. Caso
haja constatação positiva, por exemplo, de tuberculose, ele é orientado,
primeiramente, a se tratar e não é internado, de imediato, uma vez que, nas
clínicas, são tratados somente problemas de dependência química. Caso não haja, é
encaminhado ao Serviço Social, que realizará uma anamnese mais aprofundada.
O assistente social realiza um levantamento da história de vida do paciente,
com objetivo de identificar e orientar as demandas que ele apresenta, podendo
essas estar relacionadas à previdência, a problemas familiares, entre outras
demandas sociais. Há a preocupação em averiguar as condições previdenciárias do
usuário, no momento da internação, para não deixar que ele perca um direito
adquirido; por exemplo, ao verificar que o usuário tem direito ao auxílio-doença,
orienta a família a respeito dos procedimentos para solicitar o benefício, junto ao
Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS.
A clínica possui biblioteca, que é utilizada pela pedagoga, na realização da
atividade de reforço escolar, visto que, segundo a informação dos assistentes
sociais, a maioria dos usuários são semi-analfabetos.
Os técnicos em reabilitação em dependência química têm a função de
orientar os internos e com eles discutir o “programa dos 12 passos” 18, que a clínica
adotou para que os pacientes alcancem a abstinência.
18
Não procuramos aprofundar nossa investigação a respeito do “método dos 12 passos”, por não
ser nosso objeto de estudo ou imprescindível a este. A descrição detalhada dos “12 passos” pode
ser encontrada em www.adroga.casadia.org/recuperacao/12_passos_na_recuperacao.htm.
Esse programa é um método criado pelos Alcoólicos Anônimos (AA), em
1950, e por ser uma entidade internacional, é seguido, há várias décadas, no mundo
inteiro. Os fundadores do AA criaram 12 normas, ou passos, que os dependentes do
álcool devem seguir, para se manterem abstinentes, destacando a sua impotência
perante a substância e a necessidade de entregar sua vida e suas vontades a um
Ser Superior.
Esse método, possui uma linha que seus militantes denominam de
“espiritual”. Alguns destaques desse método são o reconhecimento da impotência
diante da droga; a percepção da dependência química como doença física, doença
mental de fundo emocional e uma doença de relacionamento, chamada, pela AA,
doença espiritual. Com isso, deve o paciente trabalhar sua ansiedade e reconhecer
que precisa de ajuda e que um Ser Superior o ama e o apoiará. Esse processo é
seguido, nessa clínica pública, sem qualquer tipo de cunho científico, e é
desenvolvido, diretamente, entre os conselheiros em dependência química e os
pacientes, sem nenhuma interferência dos profissionais da instituição, seja o
assistente social, o psicólogo ou o médico.
Esse programa serve de base a outras entidades que trabalham a questão
da dependência e/ou compulsão, em todo o mundo (por exemplo: Narcóticos
Anônimos – NA), com objetivo de que indivíduos mantenham o controle e não se
submetam ao objeto de compulsão.
 Segunda etapa: ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL
Os pacientes que ingressam no ambulatório são oriundos da internação. A
equipe é composta de um assistente social, um psicólogo e dois técnicos em
reabilitação de dependência química.
O acompanhamento ambulatorial é desenvolvido através da realização de
grupos semanalmente, às segundas e sextas-feiras. Às segundas-feiras, são
atendidos somente dependentes químicos e, às sextas, são os dependentes químicos
e os familiares, porém, em grupos separados. Nos encontros das sextas-feiras, os
participantes são divididos por grupos, existindo um grupo específico para quem não
se manteve abstinente, no último mês. Quando o sujeito fica mais de um mês
mantendo a abstinência, ele volta para os grupos “normais” (sic).
Ao ouvirmos esse relato do colega, a respeito desse tipo de atitude para
com os dependentes químicos em recuperação, questionamo-nos sobre o quanto essa
conduta é discriminatória. Separa o sujeito do convívio com os demais, da mesma
forma que muitos indivíduos e grupos agem, na sociedade, e, ainda, expõe-no, ao
colocá-lo em um grupo “à parte” dos demais.
O assistente social participa dos grupos e relata que sua carga horária (24
horas semanais) é insuficiente para realização dos trabalhos grupais, dos registros
de evolução dos participantes, nos prontuários dos mesmos, e, ainda, para realizar
atendimentos individuais. Dessa forma, percebemos que as atividades dos grupos e
o respectivo relato, nos prontuários, por ser uma demanda institucional, são
valorizados, em detrimento dos atendimentos individuais.
Com relação à infra-estrutura da clínica, o setor de internação dispõe de
alojamentos feminino e masculino; biblioteca; cantina, refeitório, sala de TV, jardim
e enfermaria. Na internação, uma sala fica disponível para o Serviço Social, ao
passo que, no setor de ambulatório, é destinada uma única sala para toda a equipe e,
na maior parte das vezes, os grupos se reúnem no jardim.
3.2
Ambulatórios
No Rio de Janeiro, existem algumas instituições para o atendimento ao
dependente químico que atuam ambulatorialmente, pertencendo às esferas estadual
e federal. Para além destes, o Estado conta também com alguns CAPS-ad19, já
existentes em consonância com as diretrizes da política para o trato do álcool e
19
Atualmente, o estado do Rio de Janeiro conta com CAPS-ad nos municípios de Belford Roxo,
Campos, Niterói, Paraíba do Sul, Rio de Janeiro e Volta Redonda. Informação disponível no sitio
do Ministério da Saúde, http://www.portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/riodejaneiro1.pdf.
drogas desenvolvido pelo Ministério da Saúde. Diferentemente das clínicas, todos
os ambulatórios pertencem à esfera da Política Social de Saúde..
Os ambulatórios realizam atendimentos ao dependente químico e seus
familiares a partir de demanda espontânea ou encaminhada e, da mesma forma que
as clínicas, o tratamento só é realizado se essa decisão for voluntária.
O atendimento pode ser em grupo ou individual, dependendo da necessidade
apresentada. A periodicidade dos grupos varia entre duas a três vezes na semana e
o público-alvo são pacientes envolvidos com todos os tipos de drogas.
Em geral, são de fácil acesso para os usuários, pois se situam em bairros
que contam com diferentes tipos de transporte (ônibus, trem e metrô).
Com relação à infra-estrutura, no ambulatório 01, existem salas específicas
para os profissionais, salas para realização das atividades dos grupos e um miniauditório (onde são realizados cursos internos e para agentes multiplicadores,
palestras, entre outros).
No ambulatório 02, a instituição dispõe de diversas salas para os grupos
terapêuticos, mas não existe uma sala específica para cada profissão 20. O local é
pequeno, em relação ao número de profissionais.
A forma de ingresso dos usuários pode ser por meio de demanda
espontânea ou por encaminhamento, sendo a triagem realizada por profissionais de
nível superior, como médico, assistente social, psicólogo.
A respeito da demanda espontânea, um assistente social entrevistado
destaca que o dependente químico, em geral, procura tratamento, quando começa a
fazer um uso abusivo das drogas, gerando, em conseqüência, conflitos familiares e
desemprego. Ele relata, ainda, que os usuários conhecem a instituição por
intermédio de algum conhecido que já tenha feito tratamento ou de jornal.
Com relação à demanda encaminhada, qualquer instituição pode fazê-lo.
Atualmente, as que mais se destacam são os abrigos 21.
No ambulatório 01, a triagem é realizada pelo assistente social, que
encaminha o paciente à avaliação clínica, feita por psicólogos. São os psicólogos que
20
Contrariando a Resolução CFESS nº 493/06, de 21 de agosto de 2006 que dispõe sobre as
condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social.
21
Abrigos são instituições, na maioria, pertencentes ao poder público – governo municipal – que
têm como objetivo servir como local de moradia temporária a pessoas que não possuem
habitação ou que estão passando por algum tipo de situação provisória de privação da mesma.
Exemplos: moradores em situação de rua ou pessoas vítimas de catástrofes naturais que
perderam suas residências.
avaliam qual é o melhor tratamento para o dependente, podendo ser a participação
em grupos, no ambulatório, de duas a três vezes por semana; ou encaminhamento ao
ambulatório intensivo 22, que o paciente freqüenta, de segunda à sexta-feira, no
horário de 8 às 16 horas, ou, ainda, encaminhamento à internação, em uma clínica
pública.
No ambulatório 02, a triagem é feita por dois profissionais, sendo um deles,
sempre, um médico psiquiatra, acompanhado de outro profissional, com qualquer
outra formação de nível superior. Dos assistentes sociais que trabalham na
instituição, somente um realiza triagem; os outros se dedicam, exclusivamente, ao
trabalho em grupos.
De uma forma geral, percebemos que a entrevista inicial, que o assistente
social realiza com o dependente químico, serve apenas para o registro da anamnese,
sem um desdobramento posterior, como na caso da clínica.
Observamos que, em um dos ambulatórios, existe um número fixo de
atendimentos de primeira vez. Caso apareça algum dependente químico ou um seu
familiar, que ultrapasse essa quantidade, é orientado a retornar, no dia seguinte,
para ser atendido.
22
Dentro do ambulatório 01, foi criado um ambulatório intensivo. Os dois dividem o mesmo
espaço físico, porém, contam com profissionais diferentes.
Apesar de entendermos que a dependência química é uma demanda
“pesada”, exigindo do assistente social, na maioria das vezes, um conhecimento e
uma atuação muito ampla e desgastante, avaliamos que, muitas vezes, pode-se
“perder” esse usuário. Ou seja, um dependente químico, ou um familiar, que procura
o serviço e não consegue ser atendido, pode se sentir desestimulado para retornar
e se tratar; ou pode não ter dinheiro para retornar, no dia seguinte; ou, ainda, não
conseguir liberação do emprego, entre outras possibilidades.
Nos dois ambulatórios analisados, a família passa pela triagem e é
encaminhada ao grupo de família, variando o profissional que desenvolve esse
trabalho, podendo ser o psicólogo ou o assistente social.
A respeito do atendimento ao público-alvo, as duas instituições trabalham
com o dependente químico e sua família e, caso o primeiro não queira realizar
tratamento, este pode ser feito só com a família. A justificativa é que esse
procedimento produz efeitos indiretos, no dependente, conforme relato de um
assistente
social
entrevistado,
o
qual
informa
existir
uma
melhora,
no
relacionamento entre o dependente e a família, após esta ter começado a fazer
tratamento ambulatorial.
Cada instituição, portanto, trabalha de uma forma diferenciada, na questão
ambulatorial. Não observamos nenhum tipo de contato, entre os assistentes sociais
dos ambulatórios, na tentativa de traçar experiências e/ou padronizar os
atendimentos. Em todos, são realizados tratamentos individuais e em grupo, sendo
priorizado o atendimento grupal.
Em um dos ambulatórios, os grupos terapêuticos são organizados, de acordo
com o tipo de droga usada ou com o perfil do usuário do serviço, como, por exemplo:
o grupo de mulheres, com integrantes acima dos 30 anos, que não desejam a
participação de pacientes de sexo masculino, no seu grupo de tratamento; o
programa adulto jovem, para jovens de até 29 anos; programa de alcoolistas, para
maiores de 40 anos, que fazem uso de álcool e cigarro, entre outros.
No outro, o trabalho é focado no perfil do usuário e não no tipo de
substância usada. O principal é o trabalho em grupo: grupo de família, grupo de
espera por internação, grupo de entrevista motivacional, grupo de mulheres, grupo
de pós-tratamento, entre outros.
No ambulatório 01, o atendimento individual é realizado pela Psicologia. A
atuação do Serviço Social é solicitada, quando o dependente químico precisa de
algum tipo de encaminhamento e/ou de documentação, ou, ainda, quando está com
algum problema com a família e o psicólogo não é capaz de resolver. Com relação aos
grupos, somente um assistente social atua em um grupo específico, junto com outro
profissional.
Um dos ambulatórios tem uma característica peculiar: dentro dele foi
criado um outro, chamado ambulatório intensivo, tendo um trabalho diferenciado.
Nele, o dependente químico freqüenta grupos, de segunda- à sexta-feira, como
brevemente
mencionado,
anteriormente,
e
é
assistido
por
uma
equipe
multidisciplinar, composta de assistente social, psicólogo, psiquiatra e técnicos em
reabilitação em dependência química.
O Serviço Social desenvolve seu trabalho, na parte da reabilitação desse
indivíduo, ou seja, ele já se tratou ou se ele está em fase de finalização do
tratamento e está voltando à vida social Por isso, criou um grupo específico, junto
com a Psicologia, denominado reinserção profissional, o qual tem por objetivo
discutir, com o usuário, questões importantes com relação à sua saída da
instituição. O Serviço Social trabalha questões objetivas e, a Psicologia, questões
subjetivas, com vistas ao fortalecimento do sujeito, para que ele possa retornar à
vida social e ao mercado de trabalho, com uma estrutura mais sólida.
Um dos assistentes sociais relata que está realizando diversos contatos
institucionais, buscando firmar parcerias que permitam conseguir-se, para os
usuários, a inserção, seja em cursos seja em emprego.
A composição profissional dos dois ambulatórios é variada; porém, existe
uma equipe comum a todas as instituições: assistente social, médico, psicólogo,
psiquiatra e técnicos em reabilitação em dependência química. Além desses, outros
profissionais podem nela atuar: acupunturista, enfermeiro, farmacêutico, médico
homeopata, nutricionista, técnico em enfermagem, terapeuta ocupacional, entre
outros.
3.3
Os assistentes sociais
Ao analisarmos todas as entrevistas, verificamos que o universo pesquisado
varia muito, com relação à faixa etária, mas encontramos predominantemente
profissionais com idade acima dos 30 anos, conforme o gráfico a seguir.
FAIXA ETÁRIA
4,5
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
20/9 anos 30/9 anos 40/9 anos 50/9 anos
GRÁFICO 2. Idades dos assistentes sociais
A respeito das instituições formadoras desses assistentes sociais, temos o
seguinte panorama:
INSTITUIÇÕES FORMADORAS
6
5
4
3
2
1
0
Pública
Privada
GRÁFICO 3. Dependência administrativa das instituições formadoras
Com relação ao vínculo empregatício, todos são contratados (oito são
contratados e um concursado). Porém, uma característica percebida, em uma das
instituições, é que todos os assistentes sociais contratados são ex-estagiários, os
quais trabalharam, voluntariamente, por um período, e, depois, foram contratados.
Todos os assistentes sociais dos ambulatórios relatam que nas instituições existem
profissionais tanto concursados quanto contratados, e que não existe diferença no
tratamento que lhes é dispensado. Com relação ao tempo de atuação, na área da
dependência química, nossos entrevistados dividem-se assim:
TEMPO DE ATUAÇÃO NA ÁREA DA
DEPENDÊNCIA QUÍMICA
2,5
2
1,5
1
0,5
0
2 anos
3 anos
4 anos
10 anos
22 anos
GRÁFICO 4. Experiência na área de dependência química.
No que tange ao sexo, somente um dos entrevistados é do sexo masculino.
Esse dado vai ao encontro do que observamos no cotidiano, uma vez que a
esmagadora maioria dos assistentes sociais é composta por mulheres.
Dentre os entrevistados, seis possuem mais de um emprego e, de uma
forma geral, a carga horária semanal, nas instituições, é de 24 horas.
Sabemos que, quando o assistente social é contratado, o contratante
espera que ele desenvolva um determinado conjunto de atividades, dentro da carga
horária estabelecida. Dessa forma, supõe-se que a carga horária seja compatível
com as atividades a serem executadas. Todavia,
as atividades, individuais ou
coletivas, de reflexão e de planejamento se tornam um pouco mais difíceis, pois as
atividades de atendimento, em ambulatório ou em clínica, ocupam, praticamente,
todo o tempo dos profissionais. Ao lado disso, por possuírem outro emprego, não
dispõem de tempo extra, para ficar na instituição, a qual deveria prever, na jornada
de trabalho, as horas necessárias a essas outras tarefas.
Ao perguntarmos aos assistentes sociais se consideram importante
atualizar-se, para o desenvolvimento de sua prática profissional, 100% afirmaram
que sim; todos informaram já haver realizado algum tipo de curso, após a
formatura, e todos, também, já fizeram algum curso específico, na área da
dependência química. Em contrapartida, dos nove entrevistados, apenas dois
retornaram à academia, para fazer o mestrado (ambos na área de Serviço Social),
porém somente um o concluiu e obteve o respectivo título.
TABELA 3. C u r s o s r e a l i z a d o s p e l o s a s s i s t e n t e s s o c i a i s
CLINICA
N
AMBULATÓRIO 1
N
AMBULATÓRIO 2
N
Especialização em saúde
mental
1
Aperfeiçoamento em
dependência química
1
Mestrado em Serviço
Social
1
Curso de direito penal
1
Cursos que a instituição
oferece
2
Curso em saúde mental
1
Aperfeiçoamento em
terapia familiar
1
Pós-graduação em
terapia de família
1
Especialização em
dependência química
2
Pós-Graduação em
terapia de família
1
Pós-Graduação em
dependência química
1
Aconselhamento em
dependência química
1
Cursos de atualização
em dependência química
no NEPAD
1
Especialização em
responsabilidade social
1
Pós-graduação em saúde
1
É importante destacar que a clínica e o ambulatório 01 não investem em
capacitação dos seus profissionais, ou viabilizam-na, por outros mecanismos.
Somente o ambulatório 02 oferece essa possibilidade.
Nas nossas entrevistas, percebemos que, na instituição que viabiliza a
capacitação dos assistentes sociais, seja mediante dispensa ou por troca de
horário, os profissionais realizam mais cursos do que aquela que não oportuniza a
capacitação. Percebemos, também, dos relatos, que são profissionais que trabalham
mais satisfeitos e cientes de que são valorizados pela coordenação da instituição.
Uma observação realizada é que, apesar de todas serem instituições
públicas, contam com estruturas diferenciadas e que o incentivo aos profissionais
depende, subjetivamente, da direção da instituição e não das condições objetivas,
dadas, inclusive em norma legal, pelo poder público.
Ao discutirmos a questão do conhecimento teórico, todos os entrevistados
afirmaram ser ele necessário ao assistente social, para desenvolver suas atividades
profissionais, variando os argumentos, conforme relatos abaixo:
→ reconhece a necessidade de ter conhecimento teórico que embase o
Serviço Social, para dialogar com as outras profissões, no desenvolvimento
do trabalho (entrevistado 5).
→ “é necessário o embasamento teórico, tanto que, para isso, tem
especialização e cursos” (entrevistado 4);
→ tem necessidade de estar atualizado, devido a realizar palestras e
precisar tirar dúvidas dos participantes (entrevistado 2);
→ é fundamental, porque a área de álcool e outras drogas não é discutida na
graduação (entrevistado 1);
→ porque a área de álcool e outras drogas é dinâmica e está sempre
mudando alguma coisa (entrevistado 3);
→ “é importante estar em contato com a produção acadêmica, com a
produção de outros centros de tratamentos, estar sintonizado com essa
área. A partir do momento que a gente começa a buscar, escrever, ler
sobre a questão da dependência química, a gente pode aprimorar cada vez
mais o trabalho.” (entrevistado 5).
→ “É muito importante. Porque você melhora tudo: seu trabalho, melhora
sua forma de ver o outro, melhora a dinâmica da tua relação com o
profissional que tá do lado, você pensa sobre coisas que você não tava
conseguindo ver. Então, pra mim, é fundamental”. (Entrevistado 8).
Nos relatos, fica claro que, para alguns assistentes sociais, o conhecimento
teórico é um tipo de informação pontual, de que eles necessitam para realização de
alguma atividade imediata.
Não explicamos aos entrevistados o que seria conhecimento teórico, na
nossa concepção, assim como não explicamos qualquer outra pergunta, uma vez que
esperávamos cada questão envolvesse conceitos recorrentes na profissão.
Apesar de entendermos que o conhecimento teórico é um conhecimento
amplo, que, em geral, norteia a nossa visão de mundo e sua análise a respeito dos
processos sociais e societários, os assistentes sociais parecem se apegar a
assuntos pontuais, desvalorizando – ou não possuindo a compreensão global – as
metanarrativas. Por exemplo, informam que precisam desse conhecimento para a
realização de palestras, como se não dele precisassem para desenvolvimento das
outras atividades inerentes à profissão. Não elencam o conhecimento da realidade
como ferramenta para a realização do trabalho profissional, e não indicam
reconhecer que, para que conheçam a realidade, precisam de um suporte teórico.
Perguntamos, então, quais as leituras feitas recentemente e bibliografias
usadas no cotidiano. As respostas obtidas foram as seguintes:
OUTRAS
ÁREAS
BIBIBLIOGRAFIA
UTILIZADA NO
COTIDIANO
SERVIÇO
SOCIAL
DEPENDÊNCIA
QUÍMICA
Maria Inês Souza
Bravo
Artigos em Geral
Psicologia Social
Legislação, em
geral
Marilza Iamamoto
(sic).
Artigos sobre
Justiça Terapêutica
M. Foucault
Materiais sobre
dependência
química
Norma Operacional
Básica (NOB)
Coletânea de leis
do Conselho
Regional de Serviço
Social (CRESS)
Marilda Vilela
Iamamoto
José Paulo Netto
Sistema Único da
Assistência Social
(SUAS)
Serviço Social
Clínico
Lei Orgânica da
Assistência Social
(LOAS)
Material do INSS
Serviço Social e
Saúde
QUADRO 2. Leituras realizadas recentemente
Apesar de não serem dados expressivos, é importante pontuar que um
assistente social relatou que não tem realizado nenhum tipo de leitura, a respeito
do Serviço Social; dois informaram o mesmo fato, quanto à dependência química, e
três relataram que não utilizam nenhuma bibliografia, no cotidiano.
Verificamos que, apesar de todos dizerem ser importante ter um
conhecimento teórico, para desenvolvimento do trabalho, as leituras realizadas, na
realidade, são poucas e pontuais. Além disso, segundo relatos, na maioria das vezes,
destinam-se à prestação de provas para algum concurso público, descoladas de
implicação na sua prática cotidiana.
No início da pesquisa, acreditávamos que os profissionais oriundos das
instituições públicas de educação superior seriam os que teriam uma leitura mais
aprofundada e um melhor domínio teórico; mas não foi isso o que percebemos, de
uma forma geral. Verificamos que os mesmos não possuem o costume de dedicar-se
a leituras, pois algumas das obras citadas foram lidas devido a exigências externas
(concurso público).
Os assistentes sociais não explicitam o motivo pelo qual não estão
desenvolvendo nenhum tipo de estudo individual de obras da área específica do
Serviço Social ou de áreas afins, mas acreditamos que seja em razão da não
priorização da contínua capacitação na vida desses profissionais.
É importante destacar que, por intermédio dos relatos, percebemos que os
assistentes sociais desenvolvem suas atividades, sem pensar, todavia, no que isso
poderia contribuir para o desenvolvimento do indivíduo como um sujeito político.
No que tange ao planejamento, observamos que nem todos creditam a esse
instrumento a importância que merece e a necessidade que dele, efetivamente, têm.
Discutir, com os assistentes sociais, a questão do planejamento mostrou-se
muito difícil. A impressão que tivemos foi de que falávamos a respeito de algo
desconhecido. Somente um entrevistado respondeu, de forma clara, que não existe
um planejamento do Serviço Social, no desenvolvimento de suas atividades, apesar
de estar realizando várias, dizendo que “O trabalho do Serviço Social acabou sendo
agregado a uma demanda da instituição” (Entrevistado 1). Esse assistente social
relata ter uma crítica a essa ausência de projeto, mas ainda não conseguiu reverter
essa situação e, para ele, o Serviço Social acaba assumindo o papel de terapeuta,
perdendo um pouco a especificidade da profissão.
Esse colega informa que já sugeriu, à Comissão de Dependência Química, do
Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/7ª Região), a convocação de um fórum
para discutir o projeto de intervenção do assistente social, na área do álcool e
outras drogas.
Avaliamos tratar-se de um modo de pensar equivocado, por parte deste
profissional, pois a necessidade de realizar o planejamento da prática profissional
existe, em qualquer área de atuação na qual o assistente social esteja inserido, não
devendo esperar que o órgão fiscalizador da profissão se responsabilize por
elaborar o planejamento para o assistente social. Cabe a cada profissional, ou a
cada grupo de assistentes sociais inseridos na mesma instituição, realizá-la, com
base em sua realidade.
Outro entrevistado, após um momento de pausa, pede para pensar no que
vai responder e relata que o trabalho do Serviço Social é planejado, porque “planeja
sempre as palestras” que realiza. Mas quando reforçamos a pergunta, questionando
se o Serviço Social possui um planejamento geral das atividades, ele, após um
momento de inquietação, diz que não existe um projeto de intervenção específico
do Serviço Social.
Um assistente social parece não entender a pergunta: “Planejado com
quem? Como?”, quando tentamos explicar que gostaríamos de saber se as atividades
que ele executa são planejadas, e responde que “as necessidades vão vindo e eu vou
executando” (Entrevistado 6).
Dois outros profissionais reclamam que o questionário deveria ter sido
deixado, com antecedência, para ser estudado e eles saberem o que deveriam
responder.
Um não responde e, quando perguntamos se tem algum projeto, fala frases
incompletas, sem sentido, e diz que tem projeto de se inserir nos grupos já
existentes, na instituição.
Outro entrevistado não respondeu se o trabalho do Serviço Social é
planejado. Insistimos, perguntando se o Serviço Social tem algum tipo de projeto
ou planejamento, e o assistente social informa que o setor possui alguns
projetos, mas estão parados. Não sabe dizer quem é o responsável pelos
planejamentos dessa área e fala que os projetos já existiam. Quando indagamos
quem elaborou essa rotina, não sabe responder e diz que, ao iniciar seu trabalho,
na instituição, isso já estava instaurado. Perguntamos se acha importante o
planejamento para o desenvolvimento das ações, diz que sim, mas que qualquer
coisa que tente planejar é muito difícil de executar.
Outro responde que o trabalho do Serviço Social
[...] é planejado porque já tem aquela rotina: você chega aqui 9 horas, já
tem gente para atender; você começa o atendimento de primeira vez, aí
já começam os retornos. É realmente uma rotina, então isso é fixo, já é
certo. (Entrevistado 4).
Um dos assistentes sociais reclama de que não consegue planejar seu
trabalho, porque fica preso a questões pontuais, como realizar a internação. Porém,
poderia estar atuando junto às famílias, caso a direção acenasse com essa
oportunidade, mas o terapeuta familiar já exerce essa função. Na visão desse
entrevistado, isso é um fator negativo, pois o Serviço Social é que deveria
desenvolvê-la.
No aspecto positivo, somente um assistente social expõe, de forma clara,
se o trabalho do Serviço Social é planejado e de que forma é feito:
Nós temos a preocupação de tá montando projeto do Serviço
Social, pra poder desenvolver o trabalho de uma forma mais organizada
mesmo. E temos estagiária de Serviço Social, como, no caso, como o
diálogo com outros profissionais é muito interessante, mas também há a
necessidade de trocar com pessoas ligadas ao Serviço Social, a gente
faz esse planejamento, nós fizemos esse atual planejamento semestral.
(Entrevistado 5).
Percebemos, pois, que, dos relatos de nove assistentes sociais, somente um
declara realizar um planejamento da sua prática profissional. Assim, as atividades
realizadas pelos demais são soltas, desconectadas de um planejamento maior do
setor, sem buscar atingir um objetivo pré-determinado.
Após as respostas, perguntamos quem seria o responsável pela definição
das atividades desenvolvidas pelo Serviço Social. No ambulatório 01, foi-nos
informado que, quando começaram a trabalhar, na instituição, o Serviço Social já
atuava da forma como nos relataram. No ambulatório intensivo, o responsável pelo
planejamento do trabalho do Serviço Social é o assistente social, auxiliado pelo
estagiário.
No ambulatório 02, o trabalho não é planejado, não existe uma coordenação
do Serviço Social. Por isso, cada um organiza seu trabalho, de acordo com o que
acredita ser necessário, realiza as atividades solicitadas pela instituição; mas todos
deixam claro que a direção dá total liberdade para que proponham projetos de
atuação e informam que estão tentando montar um projeto comum do Serviço
Social.
Nesse caso, entendemos que cada profissional planeja suas atividades
diárias, sem existir um planejamento do Serviço Social “como um todo”, como uma
profissão inserida na instituição.
Na clínica, na primeira e na segunda etapas (internação e atendimento
ambulatorial, respectivamente), o Serviço Social não planeja suas atividades,
realizando as demandadas pela instituição. Um dos assistentes sociais afirma que
dá importância ao planejamento e que, se não planejar, o assistente social acaba
sendo tarefeiro e que seu sonho é fazer o planejamento do trabalho do Serviço
Social.
Essa ausência de planejamento, ou do conhecimento do que seja e para que
serve, faz com que tenhamos uma preocupação a respeito do papel do assistente
social, nessas instituições, e de que forma o profissional é visto pelos usuários.
Acreditamos que um dos fatores que pode gerar essa dificuldade do Serviço Social,
em planejar suas ações, é o fato de não possuírem uma documentação própria,
específica, tanto nos ambulatórios, quanto nas clínicas de internação.
A documentação utilizada pelo Serviço Social, comum a todas as instituições
pesquisadas, é a determinada institucionalmente, ou seja, é a ficha de triagem,
acrescida das observações de todos os profissionais que atendem o dependente
químico. Relatos a seguir exemplificam essa situação:
A gente evolui nos prontuários dos pacientes, a gente não tem livro do
Serviço Social [...] a recepção abre prontuário, quem triar ele, preenche
a ficha. (Entrevistado 1).
Não existe um programa pra registrar o Serviço Social; todos nós
registramos da mesma forma. É a instituição que diz como registrar [...]
é por produção: o que produzimos e o que fazemos, quantos
atendimentos individuais, quantos em grupo, através de folha de
produção. (Entrevistado 2).
Quando indagamos se existe alguma documentação do trabalho realizado,
esse último entrevistado responde que “só temos uma pasta de rede de recursos. É
como o Serviço Social atua, na instituição”.
No ambulatório 01, os documentos de que o Serviço Social dispõe são: ficha
de triagem, preenchida na primeira vez; folha de evolução, que é anexada ao
prontuário, quando o paciente retorna ao Serviço Social; folha de estatística; e
livro de reinserção social, utilizado quando o usuário é encaminhado. Os dois
primeiros documentos são guardados, no arquivo geral; a estatística vai para a
administração; e o livro é a única forma de registro que fica, no Serviço Social.
Um assistente social relata que a ficha de triagem sempre sofre
modificações, quando o Serviço Social percebe que estão ocorrendo alterações, no
perfil da população demandatária. Devido a não-existência de dados estatísticos no
Serviço Social que embasem essa análise, acreditamos que estas alterações são
realizadas empiricamente.
O ambulatório intensivo segue o mesmo padrão. Existe um livro de primeira
vez, no qual são anotados todos os dados do usuário que ali chega, pela primeira vez;
um contrato de convivência é confeccionado e fica anexado ao prontuário. Para os
pacientes atendidos, no grupo do Serviço Social, é confeccionada uma ficha de
histórico social, para que o profissional acompanhe os casos. O responsável pela
criação desse histórico é o próprio Serviço Social. O livro já era um instrumento
existente, no projeto inicial.
No ambulatório 02, existem o prontuário e a estatística (folha de produção,
entregue à direção do ambulatório).
As clínicas seguem esse direcionamento e os documentos utilizados, pelo
Serviço Social, são: ficha de triagem, que fica no arquivo da administração; folha de
encaminhamento; relatório; livro de ocorrência, no qual um assistente social deixa
relato do seu dia de trabalho para o outro colega, assistente social, que estará, na
instituição, no dia seguinte; e existe, também, o livro de recursos.
Ao ingressar na clínica, é aberto um prontuário para o usuário e todas as
ações realizadas, a partir de então, são nele registradas. Quando o sujeito passa à
segunda etapa, é confeccionado um contrato e este é anexado à ficha de triagem.
O assistente social informa que o contrato serve para explicar as regras
da instituição e, caso necessário, fornecer orientações sociais. O assistente social
define o contrato da seguinte maneira:
[...] eu faço um contrato terapêutico, mesmo de internação, explico
as regras até para amenizar; alguns vêm pensando que é uma clínica
psiquiátrica, que vai ficar junto com maluco. Antigamente era
assim; graças a Deus, o governador proporcionou que houvesse uma
clínica popular, porque antes era tudo pago. (Entrevistado 6,
grifos nossos).
Na segunda etapa, o único documento existente é o prontuário, que é
preenchido por todos os profissionais, no momento do atendimento respectivo.
Percebemos que os profissionais são tidos como uma equipe, na qual todos
atuam junto ao dependente, e, conseqüentemente, nenhuma profissão possui um
prontuário ou documentação específica.
Isso pode ser positivo, devido à troca de informações entre os
profissionais, mesmo que de forma indireta, pois, às vezes, o que o paciente relata
para um profissional, pode não relatar para um outro, podendo tratar-se de uma
informação importante para todos os que lidam com o dependente químico.
Indagando de que forma os assistentes sociais percebem a viabilidade ou
serventia dos documentos existentes, tivemos as seguintes respostas:
No ambulatório intensivo, as fichas do grupo de reinserção social (grupo
coordenado pelo Serviço Social) estão sendo levantadas, com objetivos tanto de
montar um perfil desses usuários quanto de registrar o trabalho feito pelo Serviço
Social. O entrevistado diz que percebe que isto é importante, devido à falta de
material escrito, sobre o trabalho do Serviço Social na dependência química.
Verificamos, em outro ambulatório, que a documentação não possui outra
utilização que não seja registrar a entrada do usuário, na instituição, e seus
possíveis retornos ao Serviço Social. Segundo relatos, a única utilização da
documentação existente diz respeito aos estagiários, que pesquisam as fichas
visando a elaboração de suas monografias de final de curso.
Em outro ambulatório, o assistente social relata que a ficha de triagem já
serviu de fonte para levantamentos a respeito do perfil dos seus atendimentos.
Exemplo: se são usuários ou familiares, locais de residência predominantes etc. Os
dados dos pacientes também são utilizados, em reunião de equipe, quando fazem
discussão de caso clínico, precisando, para tal, resgatar a ficha do paciente.
Outro assistente social relata que, ao escrever no prontuário, reflete a
respeito do seu trabalho junto ao usuário e do crescimento deste.
Na clínica, relatou-se que, devido à falta de tempo, a documentação não é
utilizada em nenhum tipo de estudo, reflexão ou algo similar. Na segunda etapa, a
finalidade é, somente, o registro das informações do paciente.
A ficha de anamnese é vista como um papel a ser preenchido e arquivado.
Outro documento que tem essa mesma finalidade é a estatística. Nos ambulatórios,
a estatística de atendimento registrada é a determinada pela instituição, a cuja
administração é entregue, no fim do dia, ficando o Serviço Social sem nenhum tipo
de estatística ou registro dos atendimentos realizados.
Em nossa visão, isso ocorre porque o assistente social não percebe a
importância, para a prática profissional, do levantamento da demanda atendida, o
que gera, para a profissão, uma imagem de que não desenvolve nenhum tipo de
atividade, ficando sua ação como um trabalho perdido, pois não existe registro dos
atendimentos realizados e atividades implementadas, na posse desses profissionais.
E isso ocorre devido à sua própria falta de iniciativa, pois poderiam registrá-las, de
forma própria, para que pudessem ter estatísticas consolidadas a respeito do seu
trabalho cotidiano.
Em
um
primeiro
momento,
após
iniciarmos
a
pesquisa,
ficamos
extremamente indignados com o fato de o Serviço Social utilizar-se, somente, do
prontuário e da estatística institucional. Porém, após debate com orientador e
análise dessa situação, percebemos que o problema não é o assistente social lançar
mão, apenas, desse instrumental, uma vez que a instituição não o obriga a a tal
limitação. Os profissionais poderiam criar um outro aparato documental, específico
para o Serviço Social, do qual constem as informações importantes para o
acompanhamento social dos dependentes (a exemplo do ambulatório intensivo), ou
poderiam, mesmo, utilizar as informações contidas no prontuário institucional.
Porém, os profissionais nem se utilizam das informações institucionais, nem criaram
formas de registro próprio; conseqüentemente, não têm como investigar as
características e condicionantes da população atendida (como sexo, idade,
demandas por ela colocadas etc.).
Essas constatações permitem afirmar que o aspecto positivo dessa
documentação única reside na questão de que os problemas trazidos pelo usuário
sejam conhecidos por todos os profissionais que atuam no seu caso, de forma
conjunta, pois estes têm acesso às informações básicas e mesmo complementares,
quando necessário, sem que o paciente precise sempre repeti-las, passando elas a
ser do conhecimento de todos e por todos compartilhadas, num trabalho coletivo
visando a melhoria de cada pessoa atendida.
Por outro lado, o aspecto negativo é que, dessa forma, o assistente social
se distancia um pouco da especificidade da profissão e se torna “um pouco”
terapeuta, não direcionando seu trabalho para as questões e intervenções
específicas que o assistente social poderia fazer, junto ao usuário e sua família.
Creditamos a essa falta de conhecimento da população demandatária dos
serviços uma dificuldade a mais para a elaboração de um planejamento do Serviço
Social, pois, sem conhecer sua real demanda, torna-se difícil a criação de qualquer
tipo de proposta. O que nos intriga, todavia, é que nenhum dos entrevistados citou a
falta de conhecimento da realidade na qual atuam como empecilho para a elaboração
de projetos. Acreditamos que isso se deve à inexistência de um referencial teórico
que oriente sua visão, análise e crítica da realidade social, bem como à aplicação
insuficiente e/ou inadequada dos conhecimentos adquiridos ao longo da sua
formação e do seu exercício profissional.
Ampliando a nossa entrevista para os recursos, ou condicionantes externos,
que o assistente social dispõe para a realização de sua prática, notamos que esta
questão não é pensada cotidianamente pelos profissionais.
Um assistente social entrevistado não entendeu o que poderia ser
considerado ‘recurso’. Fala que não dispõe da parte financeira, mas que todo
material educativo é obtido junto ao Ministério da Saúde. Reforçamos a pergunta,
se o Serviço Social dispõe de recursos próprios para desenvolvimento do seu
trabalho; responde ele que o Serviço Social dispõe de telefone, computador, mas
não dispõe de dinheiro (que possa ser utilizado para viabilizar, por exemplo, a
compra de passagens para que os usuários carentes se desloquem para fazer o
tratamento).
Outro assistente social informa que não dispõe de recursos porque sua
instituição não tem convênio, mas procura locais gratuitos aos quais possa
encaminhar os usuários que não tem dinheiro para despesas relacionadas ao seu
tratamento, à sua recuperação ou à sua reinserção. Percebemos que esse
profissional faz a seguinte associação: o serviço prestado por uma instituição
particular é um recurso, já um serviço público não é um recurso externo a ser
utilizado. Quando perguntamos se a instituição oferece algum recurso para a
realização de seu trabalho, não conseguimos resposta. Em contrapartida, outro
colega, da mesma instituição, relata que “aqui tenho ar condicionado, uma sala
estruturada, banheiro, tem água na recepção, tem a kombi se eu precisar fazer uma
visita domiciliar”.
Um assistente social declara que o recurso de que dispõe são os contratos
firmados com órgãos do governo, entidades privadas etc. O contato é feito pelo
próprio assistente social, que realiza visitas institucionais, às vezes, com recursos
financeiros próprios.
No ambulatório 02, os profissionais do estou considerando somente o
assistente social e não todos os profissionais Serviço Social reclamam de que, com
relação aos recursos, possuem dificuldade em obter sala para realizar qualquer tipo
de atividade, pois são muitos para um espaço físico reduzido. Outros problemas são
a existência de somente um telefone, para toda a equipe, e ausência de viatura. O
que eles destacam de forma positiva é a existência de material de escritório,
computador e internet, à disposição dos profissionais. Porém, não encontramos, em
seus discursos, quaisquer tipos de questionamento a essa falta de estrutura da
instituição; ao contrário, um entrevistado relata que “informalmente”, a carga
horária foi reduzida, devido à falta de espaço físico para que todos os profissionais
pudessem desenvolver suas atividades, ao mesmo tempo.
Nas três instituições pesquisadas, percebemos a seguinte situação:
No ambulatório 02, o Serviço Social não dispõe de sala, para atendimento
individual. O telefone, o computador (com acesso à internet) e a impressora
utilizados são os que ficam na secretaria; não possui livro de registro das
atividades, mas conta com livro com identificação de várias instituições que
prestam algum tipo de serviço.
Na clínica, o Serviço Social possui sala para atendimento individual,
telefone, livro de ocorrência, livro com identificação de instituições que prestam
algum tipo de serviço e veículo para visitas.
No ambulatório 01, o Serviço Social dispõe de sala para atendimento
individual, telefone, computador e livro de encaminhamento.
Somente um assistente social respondeu o que seriam os recursos internos
e externos, com que conta. Outro confundiu os recursos de que ele dispõe para
desenvolver seu trabalho (que podem ser os internos e os externos) com os
recursos que a instituição disponibiliza para os usuários, como, por exemplo,
medicação. E, depois, relata que existem “duas pastas de recursos”, com contato de
várias instituições que realizam atendimento de crianças e adolescentes. Pelo
informado, o Serviço Social alimenta a atualização dessas informações, mas o uso é
feito por todos os profissionais, uma vez que o livro fica na secretaria.
Percebemos que, de uma forma geral, com exclusividade ou não, o Serviço
Social possui os mesmos recursos institucionais – telefone, computador, sala para
atendimento (mesmo que emprestada); porém, somente em um ambulatório e na
clínica, o assistente social fala em “recursos externos a serem utilizados”.
O recurso externo é muito importante, pois, uma vez que não é possível
atender a todas as demandas do usuário, na instituição, porque muitas daquelas
fogem do objetivo da instituição, é necessário que o assistente social tenha
conhecimento de outras instituições e serviços aos quais possa encaminhar os
sujeitos visando resolver os problemas que se apresentam.
3.4 O trabalho do assistente social
Perguntamos a respeito do trabalho desenvolvido pelo assistente social,
nestas instituições, obtendo informações, reunidas e sintetizadas no Quadro 2,
sobre os tipos de atividades realizadas, em cada uma das instituições pesquisadas,
como segue.
AMBULATÓRIO 01
AMBULATÓRIO 02
AMBULATÓRIO
INTENSIVO
CLÍNICA
Triagem
Grupos terapêuticos
Grupo específico:
reinserção
profissional
Triagem
Atendimento
individual a
dependentes químicos
e familiares, por
demanda espontânea
ou encaminhamento
de outros
profissionais
Atendimento
individual aos
participantes dos
grupos que
apresentem
demandas sociais
(serviço de apoio)
Atendimento
individual a
dependentes químicos
e familiares, por
demanda espontânea
ou encaminhamento
de outros
profissionais
Reuniões com família
e dependentes
químicos
Serviço de apoio aos
outros profissionais
Triagem junto com
outro profissional
Acompanhamento de
alguns casos sociais
Atendimento a
famílias através do
grupo de família
(proposta do Serviço
Social)
Participação no
processo de alta do
paciente
“Resgate familiar”
Supervisão de
estagiários
Atendimento a
famílias através de
demanda espontânea
QUADRO 3. Trabalho realizado pelos Assistentes Sociais, por instituição pesquisada.
Interessamo-nos
em
saber,
também,
se
essas
atividades
são
as
demandadas pela instituição ou pelo assistente social e percebemos que todas as
instituições impõem ao assistente social o que este deve fazer, ou o que esperam
dele, evidenciando o baixo grau de autonomia dos profissionais. Por outro lado, dois
assistentes sociais relatam que conseguiram planejar, expor seu planejamento à
coordenação e ter sua proposta aceita. Isso fica claro, nos relatos a seguir:
[...] a maioria tem sido as demandas da instituição, mas há uma abertura
pra gente propor [...] eu já cheguei pedindo, solicitando a criação do
grupo de mulheres, porque eu já sentia a necessidade de que as
mulheres não aderiam muito a um programa misto, umas se sentem
desprotegidas ou expostas, enfim, envergonhadas de expor sua vida.
Então, eu já cheguei, recém-chegada, eu falei com [a coordenação]
disso, apresentei pra equipe uma proposta, reuni os profissionais que
tinham interesse e criamos o grupo de mulheres, há dois anos, e meio e
tá indo bem. (Entrevistado 1).
[...] são as atividades que o assistente social julga necessárias, a gente
tem muita liberdade em criar; liberdade e poucos recursos, né?
Também, temos que criá-los, mas temos essa liberdade de ouvir a
demanda, trabalhar com a realidade que é apresentada. A partir dessa
realidade, a gente dá o retorno para a instituição. É claro , que, como eu
falei, tem a dimensão política do trabalho; então, não estamos livres
disso, mas temos toda liberdade para criar, para poder propor e
modificar, caso seja necessário. (Entrevistado 5).
Outros mostram resignação, ao falar que as atividades são as demandadas
pela instituição, o que fica claro no relato do entrevistado 4: “É a que já tem, já tá
no projeto”.
Pelo que percebemos, as atividades desempenhadas pelo Serviço Social são
desenvolvidas, há muito tempo, por vezes, anteriormente à entrada dos
entrevistados, na instituição. E, no curso das entrevistas, fomos constatando que os
assistentes sociais pareciam ainda não haver parado, para pensar no motivo pelo
qual desenvolvem aquelas atividades.
Essa realidade nos reporta a Vasconcelos (1998, p. 116), quando ela discute
que “Os assistentes sociais, ainda que portadores de um discurso progressista,
parecem, na sua maioria, não mostrar possibilidades de superar uma prática de
caráter conservador”.
De uma forma geral, o compromisso com estágio não parece ser entendido
como uma atividade inerente à prática profissional. Somente em uma das
instituições, os profissionais demonstram estar comprometidos com alunos em
processo de formação. Sabemos da necessidade e da importância de que esses
últimos obtenham um campo de estágio, bem como da relevância da contribuição dos
estagiários à qualidade das atividades profissionais em desenvolvimento.
Apesar de nem todos os entrevistados terem verbalizado, de forma clara,
as dificuldades que enfrentam, no seu atual campo de atuação, devido à falta de
aproximação com esse universo, quando estavam na graduação, avaliamos que, com o
tipo de postura que hoje adotam, esses profissionais perpetuam aquelas
dificuldades, na profissão, pois, caso viabilizassem suas instituições como locais de
estágio, os próximos profissionais a se formar teriam maior facilidade na execução
de seu trabalho, destacadamente nos relativos ao atendimento de dependentes
químicos.
3.5 A prática profissional
A prática profissional desses assistentes sociais foi analisada, por meio de
seus relatos, a partir da sua (auto)representação. Assim, foi-nos relatado que
prática profissional é
[...] exercer a atividade, com compromisso e conhecimento do que está
fazendo, que é, do que é ser assistente social [...] precisa de
compromisso e vínculo com o usuário, aqui a gente chama usuário [...] eu
acho que prática é possibilidade de demonstração do conhecimento,
seria uma coisa melhor. (Entrevistado 2).
,Outro colega já entende que a prática inclui outros elementos:
[...] pra mim, seria o trabalho voltado para atender nossas relações
institucionais, mediar estas relações, né? Tá atuando como mediadora,
nessas relações institucionais, e eu percebo que nós, enquanto
assistentes sociais, fazemos isso [...] tensões entre o que é demanda da
instituição e demanda do usuário, a gente mediar essas relações. A
gente, como prática profissional... socializar informações, né? Sobre
direitos, sobre acesso a serviços, que são, na verdade, direitos do
cidadão. (Entrevistado 1).
Outro entendimento é que
[...] o assistente social é um profissional que pode planejar, pode
implantar, pode coordenar políticas públicas, e, principalmente, a gente
que tá na área dependência química, eu acho que o trabalho, o meu
trabalho, aqui, e a forma como eu conduzo meu trabalho... tem uma
responsabilidade social muito grande.
Eu sei que meu trabalho tanto pode modificar como pode
fortalecer uma maneira de uma pessoa viver, da pessoa ver a vida, se
ver, ver a sociedade; eu sei que eu educo tanto pra bem quanto pra mal,
pela minha atuação profissional. E eu sei da responsabilidade disso,
frente às políticas de atendimento, principalmente para o dependente
químico, no Estado do Rio de Janeiro, o [...] é uma unidade que a gente
considera como serviço de referência, então eu considero que o meu
trabalho, aqui, tem um peso, não só pra esse paciente, como também
para as políticas públicas de saúde, de atendimento ao dependente
químico, do Estado do Rio de Janeiro. (Entrevistado 8)
Assim, percebe-se, também, que o assistente social se vê como um
mediador entre os interesses da instituição e os dos usuários. A prática também é
entendida como socialização de informações sobre direitos, sobre como ter acesso
a serviços; e, ainda, como orientação, acompanhamento de casos que apresentem
demanda social, como, por exemplo, a necessidade de realizar um abrigamento.
A prática profissional do assistente social é entendida, também, como
compromisso profissional:
[...] pra mim, a prática profissional seria você tá comprometido com o
atendimento. Essa é a prática profissional, para mim, você estar
comprometido; dentro das suas possibilidades, você fazer o que dá pra
fazer, o que tá dentro da sua atribuição, né? E procurar dá conta.
(Entrevistado 4).
Com relação à sua prática, como desenvolvida na instituição, relata que
[...] agora, a gente sabe que, aqui, é um trabalho rotineiro, eu procuro tá
fazendo, sempre... a gente... da melhor forma possível, tá ouvindo o
paciente. Ter paciência, porque você tem que ter, porque você tá como
profissional... tem que lidar com todo o seu estresse; porque tem hora
que você fica estressado, porque aí vai... você, às vezes, se sente
impotente, porque vai... as coisas estão caminhando bem, aí, de repente,
ele recai, tem que começar tudo de novo. (Entrevistado 4).
Um entrevistado reclama, falando que deveríamos ter deixado o
questionário para ele “colar” e diz ser difícil responder o que seria prática
profissional. Após um momento de hesitação, responde que
[...] na prática, às vezes, a gente acaba, pelo menos no nosso trabalho,
sem querer, a gente acaba naquele assistencialismo, né? Que você tem
que ajudar. Vamos supor: o usuário precisa de uma passagem, você não
vai deixar o cara ir a pé; então, na minha opinião, acaba entrando no
assistencialismo. Pelo menos eu tento não fazer esse tipo de trabalho.
(Entrevistado 3).
Uma outra forma de entender o que é a prática profissional foi assim
verbalizada:
É teoria que vai aplicar na realidade. Mas não é só a teoria e
aplicar na realidade, é pegar realidade e aplicar na teoria. É uma coisa
que vai e volta, dialético. Né? E aí é que tá a riqueza da coisa, porque
nem só teoria vai determinar a sua prática, nem só a sua prática vai
determinar (não termina a frase) [...] quando a gente consegue fazer
essa (?) de observar a realidade, poder ver a realidade e poder fazer
esse exercício de buscar, na teoria, elementos ou de criar elementos
que possam te dar, de sustentar seu trabalho, isso é fundamental. Acho
que prática é isso. É fazer esse movimento, o que é, o que se apresenta
como realidade, teoria é o que existe, e você buscar fazer o diálogo
entre as duas coisas. (Entrevistado 5).
Esse mesmo entrevistado reforça sua análise, ao afirmar:
[...] acho que com uma dimensão política muito clara de transformar,
buscar transformação, que quando eles chegam com suas questões e
mais questões do uso de drogas, tua função é fazer intercâmbio do que
existe, da rede de assistência que existe e buscar uma melhora da
qualidade de vida. Então, acho que não é só isso, acho que há também
uma questão política, é uma questão ética, uma questão social.
(Entrevistado 5).
Outro assistente social analisa que
[...] seria um trabalho de apoio, na reinserção social, uma ponte de
acesso, de facilitação do acesso aos serviços da comunidade, acesso as
políticas social, aos direitos da pessoa, do cidadão, refletir sobre a
cidadania. Eu vejo assim. (Entrevistado 6).
O entrevistado 7 informa que a prática profissional do assistente social
ocorre em vários níveis:
[quando] ele tá, de fato, elaborando políticas, projetos, está dentro dos
(?) controle social, os conselhos, dentro do fórum de discussões
permanente; e, na instituição, é atender o paciente, a família, fazendo
articulação com a rede, tentando fazer a questão da articulação da
intersetorialidade, sabe? Porque eu acho que não tem profissional que
faça melhor do que o assistente social.
Comparando o entendimento da prática profissional com o trabalho que os
assistentes sociais dizem desenvolver, um entrevistado relata que trabalha
[...] as questões sociais que são apresentadas. Por que? Porque a gente
entende que, no tratamento do usuário de dependência química, usuário
de drogas, no caso, as questões sociais têm uma influência muito
grande; muitas vezes, não são levadas em consideração pela instituição
de
tratamento;
então,
nosso
papel
é
trazer
essas
questões,
problematizar essas questões, apresentar [inaudível] institucionais, pra
ter uma visão mais ampla no caso e, aí, procurar ter um ganho maior
para aquele usuário, que não seja apenas questão do tratamento, mas
que possa ser vista dentro do meio social, das questões que ele traz.
Das
atividades
executadas
pelo
Serviço
Social,
verificamos
que,
habitualmente, em um ambulatório, ele desenvolve o papel de apoio à Psicologia. Na
sua maioria, os grupos são conduzidos pelos psicólogos e, quando o usuário
apresenta algum problema social, é encaminhado ao Serviço Social, para um
atendimento individual. Segundo relato, as maiores demandas, nesse tipo de
atendimento, são informações a respeito do INSS e da obtenção de documentação.
De uma forma geral, ele realiza a triagem, faz um trabalho de re-inserção
familiar, quando é procurado por um dependente químico que perdeu os vínculos
familiares; realiza encaminhamentos, com objetivo de estimular a recuperação da
auto-estima; incentiva-os a estudar, a fazer cursos profissionalizantes, tirar
documentação etc.
Em outro ambulatório, o Serviço Social também desenvolve papel de apoio
aos usuários participantes dos grupos, mas com o diferencial de também fazer
parte dos grupos terapêuticos.
Analisando comparativamente o que os assistentes sociais dizem a respeito
das suas concepções sobre a prática e o trabalho que efetivamente realizam,
percebemos que há um descompasso entre o que é dito e o que é feito. Porque a
visão, as formas de pensar, que alguns possuem a respeito do que seja prática
profissional, não conseguem imprimi-las, no seu cotidiano, como, também, não
conseguem fazer uma reflexão crítica das atividades que exercem. Percebemos,
dessa forma, a existência de um hiato nessa relação conceber  fazer  refletir.
Com essa percepção em mente, perguntamos aos profissionais se eles
realizam algum tipo de reflexão sobre sua prática profissional, e as respostas foram
as seguintes:
→ 4 entrevistados dizem refletir sobre sua prática, mas não conseguem
dizer com qual objetivo ou de que forma é feita;
→ 3 entrevistados dizem refletir sobre o seu trabalho, para pensar de que
forma podem melhorá-lo ou aperfeiçoá-lo.
Ilustramos esses dois grupos de respostas com os relatos, a seguir:
Bastante. Bastante, no sentido que essas reflexões que vão me
indicar qual caminho que a gente pode seguir, qual caminho que a gente
acha que não vale a pena seguir, como a gente vai direcionar esse
trabalho. (Entrevistado 5).
Nós não podemos ficar só com a demanda da instituição. A gente
precisa
construir
projetos
de
intervenção
que
nós,
enquanto
assistentes sociais, podemos oferecer para a instituição e para esse
usuário que vem aqui, enquanto cidadão, enquanto sujeito de direitos,
né? Senão, a gente fica reproduzindo a lógica institucional que é o
grande dilema dos assistentes sociais [...] se a gente quer caminhar prá
mudança, não adianta só refletir, a gente tem que, na prática, conseguir
viabilizar isso. Mas, enfim, a gente tem começado a discutir.
(Entrevistado 1).
→ 1 entrevistado reflete, negativamente, sobre o trabalho realizado, na
área da dependência química, e diz já ter pensado em sair dessa área. O
pessimismo fica claro, quando relata que o Serviço Social é uma profissão pouco
reconhecida pela instituição e que só é lembrada quando há alguma necessidade
premente do usuário:
[...] às vezes, você se sente muito impotente, porque você tem uma
instituição que você não [não termina a frase] que o assistente social, ele não é
visto, ele só é visto quando o usuário precisa de abrigo ou de orientação que o
profissional não saiba orientar, então o Serviço Social fica aí mesmo, fica igual aos
usuários mesmo, fica na margem. (Entrevistado 3).
→ 1 entrevistado diz não refletir sobre sua prática profissional.
Verificamos, ainda, que o assistente social se distancia das discussões
inerentes à profissão, perdendo um pouco a dimensão da importância dos seus
instrumentais, da sua reflexão e de estar, o tempo todo, “brigando” para conseguir
realizar uma prática profissional que incida sobre o usuário, de uma forma positiva,
e sobre ele mesmo, melhorando seu trabalho constantemente.
Percebemos, pois, que esse profissional e sua prática estão distantes do
assistente social crítico e propositivo que, apesar de trabalhar na adversidade,
consegue planejar ações pertinentes ao Serviço Social, dentro da área da
dependência química, que tenham por objetivo discutir com o usuário seu papel de
cidadão.
Outro aspecto a ser discutido se refere ao direcionamento das políticas
governamentais, no trato da dependência do álcool e outras drogas.
Percebemos que o modelo de atenção à dependência química, seja através
da política do Ministério da Saúde ou do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República, direciona a atuação do assistente social.
Apesar de um entrevistado dizer que não sabe responder se o
direcionamento da instituição interfere na sua prática, porque não é obrigado a
seguir modelo nenhum, diz, também, que, em sua trajetória, nessa área, acumula,
mais ou menos, 20 anos de experiência, e que sempre utilizou a estratégia de
redução de danos (método seguido pela sua instituição), antes mesmo desse método
receber essa nomenclatura.
Outro entrevistado diz que apesar de a instituição seguir os preceitos do
Ministério da Saúde, com relação ao tratamento da saúde, seu direcionamento, na
dependência química de uma forma geral, é a abstinência e não lhe é facultado o
trabalho com outra orientação.
O assistente social ainda está encontrando seu espaço e definindo seu
papel, na área de álcool e outras drogas, e, para isso, depende das relações
institucionais; com isso, em alguns momentos, existe um avanço e, em outros, um
retrocesso.
A partir do que nos foi relatado, percebemos que o assistente social se
torna um terapeuta e, eventualmente, esquece as especificidades da profissão.
Muitas vezes, não consegue autonomia de atuação, na instituição, e, quando a
consegue, considera que não realiza um trabalho de Serviço Social, não entendendo
que pode exercer o trabalho do Serviço social, como coordenador de grupos
terapêuticos, por exemplo, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do
dependente químico, não como terapeuta e sim como assistente social.
Por não ser uma área de grande concentração de assistentes sociais e por
ser a maioria contratada por diferentes órgãos, os profissionais que trabalham
com dependência química estão dispersados, espalhados pelo estado, existindo,
conseqüentemente, a dificuldade de se conhecerem, de haver contato sistemático.
Apesar de todas as instituições serem públicas, não são promovidos, nem pelas
instituições, nem pelo Serviço Social, encontros periódicos, reuniões
nos quais
sejam discutidos os problemas comuns das instituições, não havendo, assim, troca
de experiências entre os profissionais.
Um outro fator que percebemos como algo que dificulta o desenvolvimento
do trabalho do assistente social é o fato deste ser considerado como mais um
profissional, dentro de um quadro multidisciplinar e multiprofissional, onde algumas
profissões são percebidas como fundamentais, como Psicologia e Psiquiatria, e
outras são vistas como apoios, como Serviço Social e Enfermagem. Isso
desencadeia um processo de não-valorização do trabalho do assistente social, que,
aos poucos, vai introjetando esse papel coadjuvante, deixando de se avaliar tão
essencial quanto as outras profissões. Percebemos a necessidade do Serviço
Social, no atendimento ao usuário, devido às múltiplas conseqüências da
dependência química, que age não só sobre o lado físico e mental, mas, também,
sobre seu lado social. Todavia, nem sempre este último é totalmente trabalhado
pelo assistente social, porque, conforme relatos, o retorno do usuário ao Serviço
Social é muito mais uma demanda espontânea do próprio, do que um
acompanhamento sistemático do paciente.
O entrevistado 8 relata que realiza as atividades determinadas pela
instituição, mas só acata as que ele acredita que sejam competência do Serviço
Social.
Nunca aconteceu de eu estar fazendo uma coisa que eu não acreditasse,
nem pra um favor; se eu não acreditar, eu não faço! Nem é da minha competência
e a gente, hoje, aqui, pode dizer que o Serviço Social é respeitado, porque as
pessoas sabem que esse profissional tem condição de fazer grupo, de tratar
esse paciente dentro da sua formação: a gente não faz psicoterapia, a gente não
quer entrar na área do psicólogo, como a gente também não é terapeuta
educacional, a gente é profissional de assistência social, de formação para fazer
grupo, né?
As situações analisadas nos mostram que o discurso “hegemônico”, o
discurso crítico que tomou a cena da categoria, desde a década de 90, realmente
ainda não está presente na prática dos assistentes sociais entrevistados. Muitas
vezes, sua prática cai no assistencialismo; em outras, numa simples ajuda; nos dois
casos, sem qualquer mediação que os faça refletir a respeito das questões que
desencadeiam essas circunstâncias, nas quais eles e os usuários estão inseridos,
para que consigam, a partir da reflexão, propor e discutir um direcionamento
diferente do que está sendo realizado e que seja comprometido com as conquistas
da categoria, nos últimos anos.
No meio desse ambiente tão “terapêutico”, em alguns momentos, achamos
que ou os nossos entrevistados não entendiam a pergunta ou nunca tinham parado
para pensar a respeito de assuntos pertinentes à profissão. Quando perguntamos
quais os recursos de que dispõem, para realizar seu trabalho, falam que a
instituição tem grupos, medicação, terapia. Em outras palavras, ao invés de
informar sobre os recursos à sua disposição, para trabalhar, relatam o que a
instituição oferece ao usuário.
Outro entrevistado fala que seu recurso é o convênio com o SENAC, ou
convênios de uma forma geral, não percebendo que recursos podem ser, também, as
condições que a instituição lhe oferece para desenvolver seu trabalho.
Com relação à possível interferência da instituição, na demanda colocada,
no projeto profissional e nas atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais,
constatamos que ela ocorre, na ordem de 100% das situações relatadas, ainda que
alguns profissionais, de forma isolada, consigam propor algum projeto ou ação,
quando identificam essa necessidade. No que tange à orientação institucional,
quanto ao trato do álcool e outras drogas, observamos que as clínicas trabalham,
exclusivamente, com um propósito: a construção da abstinência. O ambulatório 02
trabalha com a redução de danos do dependente químico, tendo por objetivo final
fazê-lo chegar à abstinência, avaliando os avanços subjetivos que conquista, com a
diminuição do uso da droga.
O ambulatório 01 segue a busca da abstinência, e o assistente social não
pode desenvolver seu trabalho através de outro método. O ambulatório intensivo
tem, como projeto, buscar a qualidade de vida e a redução de danos do usuário,
tendo o assistente social a liberdade para desenvolver seu trabalho, da forma que
avalia ser a melhor para alcançar tais objetivos.
Com relação às diferentes orientações governamentais – PNAD e Política de
Atenção a Usuários de Álcool e outras Drogas -, percebemos que, na prática, os
moldes institucionais são os mesmos: nos ambulatórios, o trabalho é desenvolvido
através de grupos terapêuticos, ainda que as instituições que seguem as
orientações da PNAD se voltem para a abstinência e as que seguem as orientações
da política do Ministério da Saúde se voltem para a redução de danos, tendo uma
preocupação maior com a qualidade de vida do usuário.
Fatores importantes que, talvez, contribuam para as dificuldades relativas
à prática profissional são a falta de estrutura e condições de trabalho bem como o
baixo prestígio junto às coordenações e aos demais colegas, pois a dependência
química ainda é vista, essencialmente, como doença (ou seja, caso de saúde), o que
demanda intervenção preferencial e específica dos profissionais da área da saúde.
Assim, ao chegar aos locais de exercício profissional com dependentes químicos, o
assistente social precisa “brigar” pelo seu espaço.
Os
depoimentos
dos
profissionais entrevistados
evidenciam que o
assistente social, paulatinamente, transforma-se (um pouco) em terapeuta da
instituição e “esquece” o trabalho que o Serviço Social pode realizar, nas demandas
sociais que o usuário apresente.
Por isso, é importante que o assistente social troque mais experiências com
seus colegas, que se recicle, que comece a fazer o exercício de pesar, refletir
sobre as atividades desenvolvidas em sua prática profissional. É necessário que
perceba que, apesar de existirem diversas instituições que atuam nessa área, as
adversidades pelas quais passam são muito semelhantes, e que, assim sendo, é
preciso unir-se, na perspectiva de fortalecer a profissão e planejar uma prática
profissional efetiva e de qualidade.
Conclusão
Conclusã o
A orientação política, econômica e social desenvolvida pelo Brasil, segue a
linha neoliberal, a qual favorece o capital financeiro em detrimento do investimento
em políticas sociais e isso rebate negativamente na qualidade de vida da população
de forma implacável.
Por seguir orientação econômica internacional, quando determinado pelos
organismos internacionais (principalmente o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento – BIRD e o Fundo Monetário Internacional - FMI) a realização de
cortes nos gastos públicos, a área afetada é a social, seja a saúde, a educação, a
assistência, entre outras. É das políticas que atendem a população mais carente do
país que são tirados (ou não realizados) os investimentos.
A área da dependência química por pertencer à Saúde, não foge desta
situação.
Desde 1976, quando sancionada a Lei 6.368, a qual em seu artigo 9º
determinava para o poder público a criação de locais para tratamento do
dependente químico ou disponibilização na rede pública de leitos e vagas para
dependente
químico,
este
deveria
ter
disponível
locais
para
tratamento
ambulatorial e para internação.
Mas não foi isso que aconteceu, poucos ambulatórios foram criados e
especificamente no Rio de Janeiro, somente no século XXI, o Estado teve a
primeira clínica pública para internação dos dependentes de álcool e outras drogas
no Estado. Atualmente são três clínicas.
Dessa forma, ao iniciarmos a pesquisa, não poderíamos imaginar o quão
difícil seria estudar esse universo. Como já exposto, não tínhamos o domínio do
assunto, porém, olhando esse universo “de fora”, acreditávamos que seria um campo
mais “fácil” (sem divergências). Porém, a nos apropriarmos do aporte teórico – tanto
na parte da prática profissional, quanto na parte da legislação e da política sobre
drogas – e das entrevistas dos assistentes sociais, percebemos que esta
problemática é muito complexa.
Ao entrarmos em contato com os assistentes sociais, percebemos que as
discussões que ocorreram na profissão nas últimas décadas, não foram
implementadas, ou não estão sendo desenvolvidas pelos profissionais em tela.
Reconhecemos que o trabalho em instituições que tratam do dependente
químico é relativamente nova (mais ou menos vinte anos), isso não quer dizer que
antes o assistente social não fosse demandado para essa tarefa, uma vez que já
existiam as instituições filantrópicas no trato desta temática, mas com o advento
da Lei 6.368/76, é que foi determinado para o poder público a obrigatoriedade e
consequentemente foram criadas instituições públicas as quais necessitavam da
mão de obra do assistente social.
Desse modo, ao realizarmos este estudo, percebemos que o assistente
social ainda está buscando o lugar e o papel do Serviço Social dentro da área de
dependência química.
Ao debruçarmos-nos no estudo da parte teórica, verificamos que
atualmente o Brasil passa por uma transição, encontram-se em vigência as Leis nº
6.368/76 e nº 10.409/02, porém no fim do mês de agosto do corrente, foi
sancionada a Lei Federal nº 11.34323/06, a qual deverá entrar em vigor no mês de
outubro, determinando a revogação das duas Leis citadas anteriormente.
Comparando estas três Leis, destacamos alguns aspectos:
Pela Lei nº 6368/76, o usuário e o traficante são passíveis de medidas de
detenção, cabendo ao policial fazer a distinção entre os dois tipos, dependendo da
categorização policial. Consta desta Lei a obrigatoriedade do tratamento quando o
quadro clínico ou a natureza das manifestações psicopatológicas exigirem.
23
Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve
medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes
de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas; define crimes e dá outras providências.
A Lei nº 10.409/02 destaca que o tratamento do dependente ou do usuário
será feito por equipe multiprofissional e se possível com assistência à família.
Nesta Lei a internação ou tratamento ambulatorial pode ser determinada por
ordem judicial.
De uma forma geral, a Lei nº 11.343/06 parece estar mais de acordo com a
realidade atual. É criado o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
(SISNAD), que apesar de ter a mesma sigla do Sistema Nacional Antidrogas, são
diferentes.
Nesta Lei, há a diferenciação ente usuário/dependente e o traficante de
drogas ilícitas.
Esta Lei destaca atividades de prevenção, de atenção, de reinserção social
a usuários e dependentes de drogas e aumenta o tempo de reclusão para o
traficante
As atividades de prevenção são aquelas voltadas para redução dos fatores
de vulnerabilidade e risco, bem como para promoção e o fortalecimento dos fatores
de proteção. A realização destas atividades devem ser baseadas em alguns
princípios, dentre os quais destacamos:
1.
fortalecimento da autonomia e da responsabilidade do indivíduo com
relação ao uso indevido de drogas. É necessário salientar que esse também é o
princípio norteador do método de Redução de Danos.
2. o “não uso”, “retardamento do uso” e redução de riscos como resultados
desejáveis na área preventiva, quando da definição dos objetivos a serem
alcançados.
3. formação continuada para professores nos três níveis de ensino.
4. projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas nas
instituições de ensino públicas e privadas.
As atividades de atenção são as que visam a melhoria da qualidade de vida e
a redução dos riscos e danos associados ao uso de drogas.
As atividades de reinserção social são as atividades direcionadas para sua
integração ou reintegração em redes sociais. O método para o tratamento do
usuário/dependente químico é o de redução de danos.
As penas impostas aos usuários/dependentes e traficantes são diferentes,
pois para os indivíduos que utilizam a droga para seu consumo pessoal (usuário ou
dependente químico), o artigo 28 determina que seja submetido às seguintes
penalidades:
Advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à
comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Apesar desta diferenciação entre as penas do usuário/dependente e do
traficante, caberá ao juiz esta categorização, verificada, através da natureza, a
quantidade de droga, o local, entre outros fatores. Neste ponto, esta Lei se
assemelha à Lei nº 6368/76, pois não existe a determinação da quantidade de
droga apreendida para o indivíduo ser considerado consumidor ou traficante.
Com relação o tráfico, o artigo 33 determina a reclusão de 05 a 15 anos (o
período mínimo aumentou de 3 para 5 anos).
Há que se destacar a distinção clara entre usuário/dependente e traficante
– usuário e dependente não pegam penas restritivas de liberdade e sim medidas
sócio-educativas aplicadas pelos juizados especiais criminais e o fim do tratamento
obrigatório para o dependente.
Devido ser uma Lei muito recente e que ainda não está em vigor, é
necessário aguardarmos para verificarmos a efetividade (ou não) desta Legislação.
Porém, o que percebemos é que a questão das drogas (e também do álcool)
não é uma questão importante em âmbito governamental, pois em um país que a
política é pautada no neoliberalismo, onde os gastos/investimentos em políticas
sociais são cada vez mais menores e quando o governo “diz” investir em política
social, na verdade, o que percebemos é que se investe dinheiro público em
programas como o Programa Bolsa Família24 ao invés de investir para melhorar as
políticas públicas que atendam toda a população, como é o caso da política de saúde.
Pela política preconizada pelo Ministério da Saúde para Atenção ao Álcool e
Outras Drogas, os locais de tratamento para dependentes químicos seriam as
unidades extra-hospitalares – CAPS-ad.
Porém, após três anos de elaboração desta Política, percebemos que o
número de CAPS-ad no Brasil25 ainda é ínfimo em comparação à demanda posta,
atualmente existem 115 Centros26 no país. O estado do Rio de Janeiro só possui
três unidades (Campos, Niterói e Belford Roxo).
Pela Portaria nº 336/GM de 19 de fevereiro de 2002, o CAPSad deve ser
criado somente em cidades que possuam mais de 70000 habitantes.
24
Esse Programa é realizado através da transferência de um valor em dinheiro para as famílias, a
qual varia entre R$ 15,00 e R$ 95,00 caso a família atenda algumas condicionalidades. E que
apesar de não produzir nenhum tipo de alteração ou melhoria na vida das classes mais
empobrecidas, é visto como um avanço.
25
Ao procurarmos o sitio do SENAD para verificarmos o número de CAPS-ad no Brasil, este sítio
abre o link de uma organização, a qual tem uma relação defasada do número de CAPS-ad no
Brasil.
26
Tivemos acesso a esta informação no sítio da UNODC.
Avaliamos que apesar da política determinar para esta instituição o
atendimento ambulatorial para os dependentes químicos, percebemos que ainda não
é um direito estendidos a todos que dela precisem.
Desta forma, o vácuo existente no atendimento aos dependentes químicos
continua existindo e é preenchido por instituições privadas ou filantrópicas, as
quais nem o próprio governo sabe quais são, quantas são e as atividades que
desenvolvem.
O sítio da SENAD informa que o governo está começando a realizar este
levantamento para conhecer estas instituições.
Percebemos então que, apesar de garantidos em Lei, instituições públicas
com atendimento gratuito, seja em nível ambulatorial ou internação pode ser uma
exceção na realidade brasileira, visto que nem a própria Secretaria Antidrogas
conhece as instituições que “teoricamente” deveriam implementar a política da
dependência química.
E é neste contexto completamente difuso e confuso que se insere o Serviço
Social...
Pensando na prática do Serviço Social, uma das atribuições do assistente
social é a democratização das informações e principalmente, dos direitos, os quais
nem sempre, o dependente químico possui, por isso a importância desta prática.
Acreditamos que para desenvolvimento desta prática, faz-se necessário que o
assistente social tenha sempre em seu local de trabalho algumas legislações básicas
com objetivo de esclarecimento dos direitos. Para verificarmos essa hipótese,
perguntamos para os assistentes sociais as leituras recentes realizadas por eles,
bem como se na sua prática diária faz-se necessário alguma bibliografia.
Obtivemos o seguinte panorama: as leituras realizadas são os livros
clássicos do Serviço Social discutidas na graduação, todos antigos; somente um
entrevistado cita um livro recente a respeito do Serviço Social e Saúde e não
foram citadas bibliografias que podem ser necessárias para o profissional
esclarecer os usuários a respeito de seus direitos, poderíamos citar alguns
importantes: Constituição Federal (CF) de 1988, Estatuto da Criança e Adolescente
(ECA), Estatuto do Idoso, entre outros. Analisamos que desta forma, não
conseguem
efetivar
um
dos
objetivos
da
prática
profissional,
que
é
a
democratização das informações.
Para tal possibilidade é necessária a “ apropriação rigorosa dos
fundamentos teóricos, metodológicos e históricos, capazes de apreender a dinâmica
do processo de reprodução social, particularmente da sociedade brasileira”
(Vasconcelos, 2003: 100). E para tal, é necessário que o assistente social esteja
sempre se atualizando e se reciclando. Isso é realizado não só via academia (pósgraduação, especialização, cursos, etc), mas também através do conhecimento,
leitura e discussão dos acontecimentos mundiais e nacionais. Assim, é necessário
que o assistente social seja capaz de compreender a realidade que desencadeia as
demandas que lhes são apresentadas e analisadas criticamente.
Percebemos que o trabalho do assistente social tem que romper com essa
barreira do imediatismo e conseguir realizar uma prática profissional baseada nas
problemáticas apresentadas pelos usuários e para tal, é necessário que seja criado
um plano básico com as atividades que devem ser desenvolvidas pelos profissionais,
de maneira que todos os assistentes sociais que trabalham em instituições do Rio
de Janeiro diretamente com a dependência química, consigam organizar um plano
único e desenvolvam seu trabalho em conjunto.
Referências
ACSELRAD, G. A educação para a autonomia: a construção de um discurso democrático
sobre o uso de drogas. In: ______ (Org). Avessos do Prazer: drogas, Aids e
Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.
ALAYÓN, N. Acerca del movimiento de reconceptualización. In: Serviço Social e
Sociedade. nº 84, p. 37-47, São Paulo: Cortez, 2005.
ALMEIDA. N. L. T. de. Retomando a temática da ‘Sistematização da Prática’ em Serviço
Social. Em Pauta.: Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ, Rio de
Janeiro: n.10, p.87-95, 1997.
ARAÚJO. A. P. M. Pobreza, Juventude e Drogas no Rio de Janeiro: algumas razões
contemporâneas do porquê se atraem. Em Pauta: Revista da Faculdade de
Serviço Social da UERJ, Rio de Janeiro: n. 11, p. 239-259, 1997.
ANTIDROGAS. Disponível em: ‹http://www.antidrogas.com.br›. Acesso em: 05 jul.
2006.
BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do
uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito
de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm
Acessado em: 16 de setembro de 2006.
BRASIL. Portaria SVS/MS n. 344, 12 de maio de 1998. Disponível em:
‹http://www.anvisa.gov.br/e-legis›. Acesso em 14 de jul. de 2006.
BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 3/GSIPR/CH/CONAD, de 27 de outubro de 2005. Aprova a
Política Nacional Sobre Drogas. Disponível em:
http://www.senad.gov.br/paginas/Legisla%E7%E3o%20Leis.htm
BRASIL. Ministério da Saúde. A Política do Ministério da Saúde para a atenção
integral a usuários de álcool e outras drogas. 1 ed. Brasília: Ministério da
Saúde, Secretaria Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde: Coordenação
DST/AIDS. 2003.
BRASIL, Ministério da Saúde. Disponível em:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/riodejaneiro1.pdf. Acessado em:
15/09/2006
BRASIL. Presidência da Republica. Política Nacional Antidrogas - PNAD. Brasília:
Presidência da Republica. Gabinete de Segurança Institucional. Secretaria
Nacional Antidrogas. 2001.
Disponível em: http://www.senad.gov.br/pdf/pnad-portugues.PDF
Disponível em: ‹ http://www.senad.gov.br ›. Acesso em 05 jun. 2005.
BRASIL. Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre medidas de
prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias
entorpecentes ou que determinam dependência física ou Psíquica, e dá outras
providências. Disponível em: ‹http://www.drogas.cjb.net›. Acesso em: 06 jun.
2005.
BRASIL. Decreto-lei n° 891, de 25 de novembro de 1938.Aprova a Lei de
Fiscalização de Entorpecentes.
CARNEIRO, H. As Necessidades Humanas e o proibicionismo das drogas no século
XX. In: Revista Outubro. nº 6, p. 115-128, São Paulo: Instituto de Estudos
Socialistas, 2002. Disponível em: http://www.revistaoutubro.com.br.
COGGIOLA, O. O Governo Lula: da esperança à realidade. São Paulo: Xamã, 2004.
CRUZ, M. S. Práticas Médicas, Toxicomanias e a Promoção do Exercício da Cidadania.
In: ACSELRAD, G. (Org). Avessos do Prazer: drogas, Aids e Direitos Humanos.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.
CRUZ, M. S. & FERREIRA, S. M. B. Determinantes socioculturais do uso abusivo de
álcool e outras drogas: uma visão panorâmica. In: CRUZ, M. S. & FERREIRA, S.
M. B (Orgs.). Álcool e Drogas: uso, dependência e tratamento. Rio de Janeiro:
IPUB/CUCA, 2001.
ELUF, L. N. As drogas e a legislação brasileira. In: PINSKY, I. & BESSA, M. A. (Orgs).
Adolescência e Drogas. São Paulo: Contexto, 2004.
ERWIG, L. & BASTOS, F. I. Redução de Danos Secundários ao Consumo de Drogas e
Assistência Primária à saúde: a experiência de Porto Alegre. In: ACSELRAD, G.
(Org). Avessos do Prazer: drogas, Aids e Direitos Humanos. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2000.
ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA AS DROGAS E CRIMES (UNODC).
Disponível em:
http://www.unodc.org/pdf/brazil/COUNTRY%20PROFILE%20Por.pdf.
Acessado em: 01 set. 2006.
FALEIROS, V.P. Reconceituação do Serviço Social no Brasil: uma questão em
movimento?. In: Serviço Social e Sociedade. nº 84, p. 21-36, São Paulo: Cortez,
2005.
FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1995.
FERNANDES, F. Brasil:em compasso de espera. São Paulo: Editora Hucitec, 1980.
GOMIDE, P. I C. & PINSKI, I. A influência da mídia e o uso das drogas na adolescência.
In: PINSKY, I. & BESSA, M. A. (Orgs). Adolescência e Drogas. São Paulo:
Contexto, 2004.
GUIMARÃES, J. L.; GODINHO, P.H.; CRUZ, R.; KAPPANN, J.I. e JÚNIOR, L.A.T.
Consumo de drogas psicoativas por adolescentes escolares de Assis, São Paulo.
Revista de Saúde Pública, Rio de Janeiro, n. 38 (1), p.130-132, 2004. Disponível
em: ‹http://www.fsp.usp.br/rsp/›. Acesso em: 11 jun.2005.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
_______________. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: Ensaios
Críticos. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
JÚNIOR, B. B. Identidade, Diferença e Exclusão na Sociedade Brasileira
Contemporânea. In: ACSELRAD, G. (Org). Avessos do Prazer: drogas, Aids e
Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.
KAMEYANA, N. A prática do profissional do Serviço Social. In: Revista Serviço Social
e Sociedade, nº 06, p. 147-155, São Paulo: Cortez, 1981.
LEXICON OF ALCOHOL AND DRUG TERMS (2005). Disponível em:
‹http://www.who.int/substance_abuse/terminology/who_lexicon/en/›. Acessado
em: 10 jun. 2005.
LIMA, R. S. & PAULA, L. de. Juventude, Temor e Insegurança no Brasil. In: PINSKY,
Ilana e BESSA, Marco Antônio (Orgs). Adolescência e Drogas. São Paulo:
Contexto, 2004.
MINAYO, M. C. S & DESLANDES, S.F. A Complexidade das relações entre drogas,
álcool e violência. Caderno Saúde Pública. Rio de Janeiro, n. 14 (1), p. 35-42.
jan/mar 1998. Disponível em: ‹http://www.ensp.fiocruz.br/csp/›. Acesso em : 11
jun.2005.
MOTA, A. E. O Feitiço da Ajuda: as determinações do Serviço Social na empresa.
São Paulo: Cortez, 1985.
_______________. As Transformações no Mundo do Trabalho e seus desafios para o
Serviço Social. O Social em Questão. Rio de Janeiro, n.1, vol. 1, PUC/RJ, 1997.
MORAES, P. C. C. Mitos e Omissões: repercussões da legislação sobre
entorpecentes na região metropolitana de Belo Horizonte. 1997. Disponível
em: ‹http://www.crisp.ufmg.br/mitomis.pdf›. Acesso em: 10 jan. 2006..
NETTO, J. P. A Crítica Conservadora à Reconceptualização. Serviço Social e
Sociedade. n. 05, São Paulo: Cortez, 1981.
_______________. Notas para a discussão da sistematização da prática e teoria em
Serviço Social. In: Cadernos ABESS, nº 03, p. 141-161, São Paulo: Cortez, p
_______________. Teoria e Prática do Serviço Social. 1995. Anotações de aula da
disciplina do Curso de Mestrado, Escola de Serviço Social da UFRJ, Rio de
Janeiro, 1995.
_______________. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social pós-64.
8 ed. São Paulo: Cortez, 2005a.
_______________. O Movimento de Reconceituação: 40 anos depois. Serviço Social
e Sociedade. nº 84, p. 05-20, São Paulo: Cortez, 2005b.
NOTO, A. R. Os índices de consumo de psicotrópicos entre adolescentes no Brasil. In:
PINSKY, I. e BESSA, M. A. (Orgs). Adolescência e Drogas. São Paulo:
Contexto, 2004.
O GLOBO. Tráfico busca maconha paraguaia para Rio e SP. Sessão: O PAÍS. Rio de
Janeiro, 10 setembro de 2006, p. 23.
________.Crack invade a menor cidade do Brasil. Sessão: O PAÍS. Rio de Janeiro, 09
de julho de 2006.
_________. Perfil do tráfico muda e violência cresce – Os números das apreensões no
Brasil. Sessão: O PAÍS, 10 de setembro de 2006.
OBSERVATÓRIO Brasileiro de Informações sobre Drogas – OBID, 2006. Disponível
em: www.obid.senad.gov.br/OBID/portal/index.jps. Acessado em: 01 de
setembro de 2006.
____________________________________________ – OBID, 2006. Disponível
em: http://obid.senad.gov.br/OBID/Portal/index.jsp?iIdPessoaJuridica=1.
Acessado em: 01 de setembro de 2006.
OLIVEIRA, C. Dependência de álcool e outras drogas. – Debate conceitual, políticas
públicas e a inserção do Serviço Social nesta área. 2003. 182 f. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social)—Centro de Ciências Humanas, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS), Neuroscience: usage de
substances psychoatives et dépendance , 2004. Disponível em:
http://www.wpro.who.int/NR/rdonlyres/2D6AE739-5CBC-4E4C-B002445CEAF60324/0/FRENCH_Neuroscience_summary.pdf. Acessado em: 01 de
setembro de 2006.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE
DROGAS (2006). Disponível em:
‹http://www.unodc.org/unodc/en/world_drug_report.html›. Acessado em: 10
jul. 2006.
_______________ RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE DROGAS (2005). Disponível em:
‹http://www.unodc.org/unodc/en/world_drug_report_2005.html›. Acessado em:
30 jun. 2005.
OS 12 PASSOS E A RECUPERAÇÃO. Disponível em:
http://www.adroga.casadia.org/recuperacao/12_passos_na_recuperacao.htm.
Acessado em: 11 out. 2006
SALES, M. A. Famílias no Brasil e no Rio de Janeiro – alguns indicadores e indicativos
para formulação de políticas sociais. Em Pauta: Revista da Faculdade de Serviço
Social da UERJ, Rio de Janeiro, n. 11, p. 173-203, 1997.
SCHENKER, M. e MINAYO, M. C. de S.. A implicação da família no uso abusivo de
drogas: uma revisão crítica. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro: Fiocruz,
8 (1), p.299-306, 2003.
SOUZA, M. L. de. Revisitando a Crítica da Marginalidade: a população favelada do Rio
de Janeiro em face do tráfico de drogas. In: ACSELRAD, G. (Org). Avessos do
Prazer: drogas, Aids e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.
STRONACH, B. Álcool e redução de danos. In: BRASIL, Ministério da Saúde.
Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Álcool e Redução de Danos: uma abordagem inovadora para
países em transição, 1 ed. Brasília: Editora MS, 2004. Disponível em:
‹http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Livro%20Alcool.pdf› Acessado
em: 05 jul. de 2005.
UNODOC. Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime. UNODC, 2005.
Disponível em:
http://www.unodc.org/pdf/brazil/COUNTRY%20PROFILE%20Por.pdf .
Acessado em: 01 de setembro de 2006.
VASCONCELOS, A. M. Serviço Social e Prática Reflexiva. Em Pauta: Revista da
Faculdade de Serviço Social da UERJ, Rio de Janeiro, n.10, p.131-181, 1997.
_______________. Relação teoria/prática: o processo de assessoria/consultoria e o
Serviço Social. Serviço Social e Sociedade, n. 56, p 114-133, São Paulo: Cortez,
1998.
_______________. A prática do Serviço Social: Cotidiano, formação e alternativas
na área da saúde. São Paulo: Cortez, 2003.
VELOSO, L., CARVALHO, J. e SANTIAGO, L. Redução de Danos Decorrente do Uso de
Drogas: uma proposta educativa no âmbito das políticas públicas. In: BRAVO, M.
I. S. et al. (Orgs). Saúde e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2004.
ZALUAR, A. Violência, Dinheiro Fácil e Justiça no Brasil – 1980 – 1995. In: ACSELRAD,
G. (Org). Avessos do Prazer: drogas, Aids e Direitos Humanos. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2000.
ZALUAR, A. As classes populares urbanas e a lógica do ‘ferro’ e do fumo. In:
Condomínio do Diabo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
ZALUAR, A. Drogas, contexto cultural e cidadania. In: INEM, C. L. e ACSELRAD, G.
(Orgs.). Drogas: uma visão contemporânea. Rio de Janeiro: Imago, 1993.

Documentos relacionados