AFINAL, QUAL É O PAPEL DO ESTADO?

Transcrição

AFINAL, QUAL É O PAPEL DO ESTADO?
FÓRUM HSM DEBATE
INOVAÇÃO E EXCELÊNCIA
ENTREVISTA | GLEISSON RUBIN
GestãoPública
Uma revista a serviço do País
GOVERNO
SOCIEDADE
& Desenvolvimento
Ano XXIII - T II - R$ 14,80 - Nº 93 - Setembro de 2015
AFINAL, QUAL É O
PAPEL DO ESTADO?
9 770103 732009
ISSN 0103-7323
93
Seminário internacional promovido pela Enap
debate soluções para melhorar a gestão pública
POLÍTICAS DA UNIÃO
ESTADOS E MUNICÍPIOS
JUDICIÁRIO
Orçamento no vermelho leva
agência a rebaixar o Brasil
Governadores cortam gastos,
param obras e elevam tributos
Investigações trazem à tona o
mapa da mina da corrupção
MAIS IDEIAS, ECONOMIA E COMUNICAÇÃO
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GestãoPública
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CARTA AO LEITOR
Em uma época de graves conflitos e de grandes transformações,
algumas perguntas ocupam lugar de destaque na agenda das sociedades
modernas: afinal de contas para que serve o Estado? De que forma ele pode
se tornar mais efetivo como instrumento de construção da cidadania e de
promoção do desenvolvimento? Esses temas mobilizaram especialistas em
gestão pública, governantes brasileiros e pensadores de sete países, neste
mês de setembro, no Seminário Internacional O Papel do Estado no Século
XXI, promovido pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
O evento, dentro da estratégia de internacionalização da entidade,
ensejou a discussão de diversos temas, como empreendedorismo, sustentabilidade, inovação e governança, além de estimular o debate de novos
pressupostos e estratégias que favoreçam a ampliação da eficiência e da
qualidade nos serviços públicos. O seminário promovido pela Enap é o
principal destaque desta edição da revista Gestão Pública & Desenvolvimento, juntamente com o 1º Fórum HSM sobre Gestão Pública, evento
que contou com a presença de Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York,
e que debateu questões como liderança, conhecimentos técnicos, método,
treinamento, nível organizacional, meritocracia e ética. Uma edição
imperdível para todos aqueles que se preocupam com o universo da gestão
pública.
Também brindamos nossos leitores com uma matéria sobre o agravamento da crise dos estados brasileiros, como reflexo da recessão que se
abateu sobre o país e da herança deixada por administrações anteriores,
pouco afeitas à eficiência, à transparência e a outros atributos que deveriam
nortear os nossos gestores. Por causa dos déficits orçamentários, os novos
governadores estão apelando para cortes de gastos e de investimentos e
aumento de tributos, como o ICMS. Alguns deles estão tendo dificuldades
até para honrar o pagamento dos salários dos servidores públicos, caso,
por exemplo do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul.
Por fim, abordamos os problemas econômicos que, juntamente com a
crise política, paralisaram o governo federal, os quais acabaram levando a
agência de risco Standard & Poor’s a rebaixar a nota de crédito do Brasil.
Aceso o sinal de alerta, a presidente Dilma Rousseff tratou de correr atrás
do prejuízo. Ela mudou a rotina do Palácio da Alvorada: fez reuniões
extraordinárias com auxiliares e ministros de Estado para discutir corte
de gastos no Orçamento de 2016 e a criação de impostos a fim de sanear
as contas públicas. O resultado do envio de uma peça orçamentária deficitária ao Congresso foi um pacote de medidas duras, que deverá se refletir
de forma negativa na baixa popularidade da presidente Dilma Rousseff.
Boa leitura!
Washington Sidney, editor-chefe.
ISSN 0103-7323
Registrado no 1º. Ofício de Registro Cível das
Pessoas Naturais e Jurídicas - Brasília- DF
As matérias assinadas são de responsabilidade dos
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tradução. É permitida a citação das matérias, desde
que identificada a fonte.
FILIADO
PARCEIRO INSTITUCIONAL
IASIA
International Association of Schools
and Institutes of Administration
Colaboração:
Ministério do
Planejamento
DPADM/ONU
Divisão de Administração Pública e Gestão
do Desenvolvimento das Nações Unidas
Informação e conhecimento para
o fortalecimento da cidadania
Desde
1991
GestãoPública
GOVERNO
SOCIEDADE
& Desenvolvimento
NESTA EDIÇÃO
CAPA
SEÇÕES
6 ENTREVISTA
GLEISSON RUBIN
14
12 ESPLANADA EM FOCO
43 POLÍTICA E PODER
48 GOVERNANÇA E GESTÃO
MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
As sete faces da função controle
68 INTERNACIONAL
MICHAEL KAIN
A economia mundial continua
em compasso de espera
ARTIGOS
61 JOSÉ OSMAR MONTE ROCHA
Convulsão social, econômica
e política no Brasil
73 CLÁUDIO EMERENCIANO
Entre o joio e o trigo
ESTADOS E MUNICÍPIOS
44 RECESSÃO
Crise econômica atinge finanças
dos estados brasileiros
JUDICIÁRIO
Seminário debate o papel do
Estado neste novo século
Promovido pela Enap, evento reuniu
ministros de Estado e pensadores brasileiros
e de outros países com o objetivo de
discutir melhorias na gestão pública
ESPECIAL
26 APERFEIÇOAMENTO
50 LAVA JATO
O mapa da mina da corrupção
que abalou o Brasil
AGENDA BRASÍLIA
Encontro sobre gestão
pública põe inovação e
excelência em debate
56 AJUSTE FISCAL
Medidas duras para reequilibrar
as finanças do DF
LEGISLATIVO
32 NOVAS SIGLAS
Rede Sustentabilidade autorizada
a disputar as eleições municipais
64 TRABALHO SOCIAL
Projeto de incentivo à leitura de
Ceilândia é modelo para o país
POLÍTICAS DA UNIÃO
38 TRAPALHADA
Déficit no Orçamento
leva agência de risco
a rebaixar o Brasil
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
5
ENTREVISTA
6 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
GLEISSON RUBIN
Uma nova página na
história da Enap
Escola adota estratégia de internacionalização e promove eventos como
o Seminário Internacional Papel do Estado no Século XXI, realizado neste
mês de setembro, que prometem qualificar a gestão pública no Brasil
F
ormado em matemática pela
Universidade
de
Brasília
(UnB), com especialização
em Matemática e Estatística pela
Universidade Federal de Lavras
(UFLa), o atual presidente da Escola
Nacional de Administração Pública
(Enap), Gleisson Rubin, assumiu no
início deste ano o desafio de montar
uma estratégia de atuação que
permita à instituição contribuir de
uma forma mais efetiva para o fortalecimento da gestão pública, em
um momento em que a cobrança
por eficiência nas políticas públicas
e por qualidade nos serviços prestados pelo Estado mobiliza a
sociedade em grandes manifestações públicas. Qualificado para
o cargo, Gleisson já atuou como
secretário de Gestão na Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, como diretor
do Programa Brasil Profissionalizado no Ministério da Educação e
como ­coordenador-geral de Supervisão dos Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia.
Integra a carreira de Especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) desde 1998.
O senhor assumiu a presidência da Enap
em fevereiro deste ano. Como vê esse
desafio?
GLEISSON RUBIN – A minha chegada
à Enap esteve acompanhada de alguns
aspectos de relevante valor simbólico: pela primeira vez, em 29 anos de
existência, a Escola passaria a ser conduzida por um integrante da carreira
de Especialistas em Políticas Públicas
e Gestão Governamental (EPPGG),
cuja criação possui fortes vínculos com a própria história da Enap.
Trata-se, também, da primeira oportunidade em que um ex-aluno preside
a instituição. Esses fatos certamente
aumentam nossa responsabilidade de
corresponder às expectativas depositadas. Entretanto, o maior desafio
continua sendo o de conceber, em
conjunto com a equipe de dirigentes
e servidores da Escola, uma estratégia
de atuação que permita à Enap prestar
uma contribuição efetiva ao fortalecimento da gestão pública, por meio
de ações qualificadas de formação
e capacitação dos quadros técnicos
e de direção nos diversos órgãos da
Administração Pública Federal. E isso
em um momento em que a cobrança
por eficiência nas políticas públicas e
por qualidade nos serviços prestados
pelo Estado aglutina manifestações
provenientes de todos os estratos da
população.
A Enap foi criada para qualificar
gestores a fim de aprimorar a administração pública. Depois desses anos
todos, a Escola mantém esse papel com
qualidade?
GLEISSON RUBIN – Felizmente, a
Enap ainda é vista como uma instituição de referência na formação
de gestores públicos, o que em boa
medida se deve à opção do governo
federal por manter um calendário
regular de concursos para carreiras
estratégicas para o Estado brasileiro,
como as de Gestores Governamentais,
Analistas de Planejamento e
Orçamento, Analistas Técnicos
de Políticas Sociais, Analistas de
Infraestrutura, entre outras. A cada
ingresso de uma nova turma, a Escola
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
7
ENTREVISTA
se vê obrigada a refletir sobre a matriz
de competências de cada uma dessas carreiras, atualizar a proposta
pedagógica dos cursos de formação
e dos programas de aperfeiçoamento
e ajustar as estratégias de aprendizagem e os mecanismos de inserção
dos novos servidores na estrutura
da Administração Pública. O fato é
que uma estratégia consistente de
renovação dos quadros acaba por
proporcionar à Enap sucessivas oportunidades de renovação de sua própria
prática pedagógica. Neste ano, mesmo
não havendo ingressos previstos para
nenhuma das chamadas carreiras
transversais, dedicamos alguns meses
à construção de uma nova proposta
para o Programa de Aperfeiçoamento
para Carreiras, cujos cursos serão, a
partir de agora, organizados em trajetórias temáticas de capacitação, com
novas possibilidades de certificação
e aproveitamento para os Cursos de
Especialização oferecidos pela Escola.
A organização em trajetórias temáticas busca orientar o servidor para
uma capacitação em campos estratégicos do Estado brasileiro e facilitar
o planejamento do seu desenvolvimento profissional.
Fale dos objetivos estratégicos dessa
nova gestão da Enap.
GLEISSON RUBIN – Em primeiro
lugar, é preciso reconhecer que a Enap
é uma Escola de governo de abrangência nacional. Em que pese estar
sediada em Brasília, suas ações devem
possuir incidência sobre o conjunto
de todos os servidores públicos, em
GLEISSON RUBIN
cada uma das esferas de governo.
Entre os servidores civis do Poder
Executivo Federal, apenas 12% trabalham no Distrito Federal, de modo
que quase 90% dos servidores federais
– público prioritário da Enap – estão
distribuídos nos demais estados. Essa
constatação é o ponto de partida do
Programa Enap em Rede, que objetiva levar as ações de capacitação na
modalidade presencial a todas as
27 unidades da Federação, em parceria com escolas de governo dos
estados e com os Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia.
Nesse momento, 20 estados já contam com oferta regular de cursos,
distribuídos em seis áreas de concentração. Para 2016, esperamos ofertar
até 10 mil capacitações, com pontos
de presença da Enap em todas as capitais brasileiras. Há, também, objetivos
associados à ampliação da oferta de
cursos por meio de tecnologias de
8 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
educação a distância, que devem
capacitar até o final do ano mais de
70 mil pessoas. Outra frente de atuação da Escola a ser dinamizada diz
respeito às parcerias firmadas com
instituições acadêmicas estrangeiras e
ao adensamento de ações de capacitação para dirigentes de nível sênior.
Um desses objetivos estratégicos é a
política de internacionalização da Enap.
Qual o objetivo dessa estratégia? De
que forma isso poderá contribuir para
melhorar nossa administração pública?
GLEISSON RUBIN – Nossa política
de internacionalização se propõe
a cumprir um duplo propósito: de
um lado, resgatar a missão precípua de uma escola do porte da Enap,
que deve atuar em plena coordenação e cooperação em nível nacional
e internacional junto a seus homólogos; de outro, identificar potenciais
parceiros que ajudem a repensar
a gestão pública para lidar com os
novos desafios que surgem num contexto de crise internacional, de
reconfiguração dos modelos econômicos tradicionais e de necessidade
de fortalecimento das capacidades
do Estado para responder de forma
qualificada às demandas da sociedade. A Enap deve atuar como locus
da reflexão, do debate qualificado e
da convergência de ideias, possuindo
como diferencial sua rede de colaboradores, pesquisadores, instituições
e think tanks associados, os quais
podem agregar novos atores, conhecimentos e estudos à formulação de
políticas, planos e referenciais para a
melhoria da Administração Pública.
É importante frisar que a internacionalização da Enap é tratada como via
de mão dupla, em que se busca tanto
uma maior interface com a produção de conhecimento e o chamado
“estado da arte”, para o desenvolvimento de pesquisas, aprimoramento
de metodologias e conteúdos, além
da qualificação da oferta, como também se tenciona fortalecer parcerias
e vínculos com outras instituições
cuja vocação seja semelhante à nossa,
pela possibilidade de cooperação e
sinergia em projetos conjuntos.
A Enap também tem contribuições a dar
em nível internacional?
GLEISSON RUBIN – Sem sombra de dúvidas. A Enap participa
hoje de importantes redes internacionais de escolas de governo,
como a Escola Ibero-Americana de
Administração e Políticas Públicas
cooperação institucional, em especial
no que diz respeito ao apoio direto
aos servidores que atuam na formulação e implementação de políticas
públicas. O resultado é a formação de
uma rede de intercâmbio e de cooperação entre alunos e professores, nas
quais a escola não é um agente passivo, mas também protagonista na
definição dos temas a serem pesquisados e estudados, nos programas a
serem apoiados e nos cursos a serem
ministrados.
““
A estratégia de
internacionalização da
Enap conta hoje com quatro
eixos: atuação proativa
nas redes e programas
internacionais
”
(EIAPP), vinculada ao Centro
Latino-Americano de Administração
para o Desenvolvimento (Clad); o
Instituto Internacional de Ciências
Administrativas (Iias) e a Escola
Ibero-Americana de Governo e
Políticas Públicas (Ibergop). Também
atuamos como sócio-coordenador no
âmbito do Eurosocial II, que é um programa de cooperação entre a União
Europeia e países da América Latina.
A participação nessas e em outras
redes tem permitido à Enap fomentar o intercâmbio de experiências e a
Que passos já foram dados dentro dessa
política de internacionalização da Enap?
GLEISSON RUBIN – A estratégia de internacionalização da Enap
conta hoje com quatro eixos: atuação proativa nas redes e programas
internacionais, que mencionei anteriormente; atuação como locus de
debate qualificado por meio de
seminários e eventos internacionais; cooperação para realização
de programas de capacitação internacionais e projetos de consórcio
interinstitucional para pesquisa;
e cooperação sul-sul. Acabamos
de promover o nosso primeiro
Seminário Internacional “Papel
do Estado no Século XXI: desafios para a gestão pública”, evento
que reuniu mais de 800 participantes de 250 órgãos e entidades da
Administração Pública Federal, de
estados e de municípios. Trouxemos
ao Brasil nomes de grande expressão
de países como Inglaterra, Estados
Unidos, Itália, França, Austrália e
Chile. Considerando o êxito dessa
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
9
ENTREVISTA
primeira edição, os seminários
internacionais serão realizados anualmente, sempre com o cuidado
de privilegiar temas de interesse e
relevância para a Administração
Pública brasileira. Ainda em setembro inauguramos a série Diálogos
Internacionais, cujo objetivo é trazer
à Enap uma oferta mais diversificada de eventos educativos de curta
duração, como palestras, workshops
e mini-cursos, com a participação
de especialistas internacionais, para
discutir temas identificados como
prioritários para gestão pública.
No eixo relativo à cooperação para
realização de programas internacionais de capacitação e pesquisa,
visitamos, entre maio e agosto, 14
Embaixadas em Brasília e temos
mantido também contato direto com
renomadas instituições acadêmicas,
como as Universidades de Harvard e
Columbia, o Institute of Social Studies
GLEISSON RUBIN
““
Se formos
considerar somente a
primeira perspectiva, a
da crise, iremos tratar
de problemas fiscais, de
conjuntura econômica e de
governança política, temas
com os quais a Enap lida de
forma tangencial
”
(Holanda), Shanghai Administration
Institute
(SAI-China),
Korea
Development Institute (KDI), com
as quais realizamos sessões informativas, na própria Enap, para munir
de informação os servidores públicos interessados em participar de
cursos naquelas instituições. Com
a Kennedy School of Government,
da Universidade de Harvard (HKS),
temos já uma parceria concreta
10 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
para a implementação do Programa
Internacional de Desenvolvimento
de Executivos, que enviará ao campus daquela escola duas turmas de
dirigentes de alto nível para um programa de formação de executivos. E
ainda temos algumas atividades previstas até o final do ano: em outubro,
realizaremos o Curso Internacional
sobre Desenvolvimento e Proteção
Social na América Latina e na
Europa, no âmbito do Programa
Eurosocial II; em novembro, a Enap
sediará atividades da 4ª Semana de
Inovação Brasil-Suécia e promoverá
o curso de Avaliação de Programas
Sociais, em parceria com a Escola
Ibero-Americana de Administração
e Políticas Públicas (EIAPP/Clad).
De que forma a aproximação com a
comunidade internacional pode fortalecer a Enap?
GLEISSON RUBIN – Ao estreitarmos
os laços com a comunidade internacional de escolas de governo e com
instituições acadêmicas de excelência, nosso intuito é avançar no
intercâmbio de conhecimentos e de
experiências, fornecendo aos dirigentes da Administração Pública
Federal brasileira a oportunidade de
explorar novas ideias e métodos para
lidar com o contexto de transformações e atuar de forma efetiva na
implementação e gestão das políticas
públicas. Não há como almejar que
a Enap se constitua como uma instituição de excelência na formação
e aperfeiçoamento dos servidores
públicos federais se não somarmos
à trajetória construída pela Escola
nas últimas três décadas os novos
conhecimentos, estudos e pesquisas
produzidos pelas mais renomadas
instituições ao redor do mundo, sob
pena de nos distanciarmos das discussões que hoje pautam, em nível
internacional, a agenda da gestão
pública para o século XXI.
Quais são os principais problemas que
o senhor vê na administração pública
brasileira e o que poderia ser feito para
superá-los?
GLEISSON RUBIN – Durante o
Seminário Internacional Papel do
Estado no Século XXI, ouvimos
de vários dos palestrantes – tanto
dos nacionais quanto dos estrangeiros – que o momento atual pelo
qual passa o país pode ser visto
sob duas perspectivas absolutamente distintas: a da crise, mais
óbvia e que nos remete para o trato
emergencial de problemas presentes, e a da oportunidade, não
tão fácil de ser reconhecida, mas
que nos impulsiona para um olhar
mais estratégico e de longo alcance.
Se formos considerar somente a
primeira perspectiva, a da crise, iremos tratar de problemas fiscais, de
conjuntura econômica e de governança política, temas com os quais a
Enap lida de forma tangencial. Sob
a outra perspectiva, a da oportunidade, talvez seja o melhor e mais
apropriado momento para discutirmos a ampliação de capacidades
estatais, este, sim, um tema de interesse direto da Escola e central para
as suas atividades. Deve-se atentar
também ao fato de que o próprio
cenário mundial tem passado por
significativas alterações sociais, culturais, econômicas e políticas. Essas
mudanças têm afetado a capacidade administrativa dos governos,
principalmente em se tratando de
países emergentes como o Brasil, ao
colocá-los perante problemas inusitados, que exigem a adoção de
novos paradigmas e estratégias de
ação. A esses fatores somam-se o
desafio de democratização do próprio Estado e de transformação das
administrações públicas em instrumentos eficientes, transparentes e
justos, capazes de garantir o desenvolvimento social e econômico
dessas sociedades. A configuração
do setor público é um aspecto crucial na definição das respostas que
serão dadas às demandas sociais e
na condução das políticas públicas.
E nessa configuração, eficiência da
máquina administrativa e qualidade
dos serviços públicos prestados
seguramente serão as capacidades
estatais mais cobradas pela sociedade e das quais nenhum programa
de governo poderá se descuidar. l
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
11
ESPLANADA EM FOCO
“Qualquer forma de encurtar o caminho da
rotatividade democrática é golpe, sim. É golpe.
Principalmente quando esse caminho é feito
só de atalhos questionáveis. Conquistamos a
democracia com imenso esforço. Qual a base
da democracia? É a legalidade e a legitimidade
dada pelo voto de cada um”
Dilma Rousseff, presidente da República
“Quando se leva em conta o retorno baixíssimo
que o brasileiro tem em termos de saúde,
educação e segurança, é possível dizer que temos
a maior carga tributária do mundo, já que
ficamos em último lugar no ranking de benefícios
oferecidos à população com esses recursos”
João Eloi Olenike, presidente executivo do Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário
“O governo Dilma resultou em um governo
fraco, no sentido de fixar propósitos,
persegui-los, materializá-los e antecipar os
acontecimentos. Ele vai sempre atrás daquilo
que está acontecendo”
José Serra, senador (PSDB-SP)
12 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
“O expediente conhecido por
pedaladas (fiscais) seria mais
que suficiente para ensejar o
impedimento da presidente da
República. No entanto, a sucessão
de escândalos e o comportamento
por ela reiteradamente adotado
revelam dolo, consubstanciado
na adoção, no mínimo, da
chamada cegueira deliberada”
Hélio Bicudo, jurista e fundador do
PT, ao pedir a abertura de processo de
Impeachment da presidente Dilma Rousseff
●● PRESIDENTE DO PT DEFENDE VACCARI
Na contramão das investigações da Operação Lava Jato, o presidente
nacional do PT, Rui Falcão (foto), defendeu o ex-tesoureiro da sigla
João Vaccari Neto, condenado a 15 anos de prisão por envolvimento no
esquema de corrupção da Petrobras. Ele considerou um “equívoco” a
decisão do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, e disse que
ela foi baseada “exclusivamente em delações premiadas, sem qualquer
prova material”. Vaccari foi condenado por lavagem de dinheiro, corrupção e associação criminosa. Também terá de pagar multa de R$ 820 mil. Foi acusado de repassar R$ 4,3
milhões desviados de obras da Petrobras para o partido. Segundo as investigações do Ministério Público Federal,
o dinheiro foi encaminhado à sigla por meio de doações oficiais ou contratos de fachada.
●● LEVY COBRA
SACRIFÍCIO DOS
BRASILEIROS
Depois de reunião
com
do
o
presidente
Senado,
Renan
Calheiros, o ministro
da Fazenda, Joaquim
Levy, disse que toda vez que há uma desaceleração econômica há um sacrifício de todo mundo
●● SENADOR CONDENA A ALTA CARGA TRIBUTÁRIA
O senador Raimundo Lira (PMDB-PB) protestou
contra a elevada carga tributária paga pelos brasileiros.
Para ele, nenhum país subdesenvolvido ou emergente
chega ao nível de país desenvolvido com a carga tributária muito alta. O parlamentar disse que os impostos
no Brasil representam 36% do Produto Interno Bruto,
enquanto no maior país do mundo, os Estados Unidos,
equivalem a apenas 25%; e na Índia, a 19%. Após
lembrar que, em janeiro de 2016, a Índia assumirá o
posto de sétima maior economia do mundo, desbancando o Brasil, Raimundo Lira observou que aquele
país também passou por uma grave crise, mas seus
governantes decidiram não aumentar os impostos, ao
contrário do que está ocorrendo no Brasil.
e acrescentou que o esforço nunca é pequeno.
“Mas é uma discussão importante para dar rumo”.
No fim de agosto, o governo enviou ao Congresso
uma proposta de orçamento para 2016 com meta
de déficit primário de R$ 21,1 bilhões para todo
o setor público, o equivalente a 0,34% do PIB (ou
de R$ 30,5 bilhões para o governo - 0,5% do PIB).
O envio foi mal recebido pelo mercado financeiro
e ajudou no rebaixamento da nota brasileira pela
Standard & Poors. Uma semana depois o governo
recuou e anunciou um pacote de bloqueio de
gastos e alta de tributos com o objetivo de reequilibrar as contas públicas e atingir um superávit de
R$ 43,8 bilhões, ou 0,7% do PIB.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
13
CAPA
NOVOS DESAFIOS
Seminário debate
o papel do Estado
neste novo século
Promovido pela Enap, evento reuniu
ministros de Estado e pensadores do
Brasil e do exterior com o objetivo de
discutir melhorias na gestão pública
●● Menezes y Morais
O
exemplo de setembro de 2015
será repetido pela Escola
Nacional de Administração
Pública (Enap) no ano que vem:
Brasília vai reunir especialistas em
gestão pública, entre eles ministros
de Estado, líderes governamentais,
pesquisadores, pensadores nacionais
e de outros países, cientistas sociais
e professores para dar continuidade
à série de seminários internacionais
sobre o papel do Estado. A primeira
edição aconteceu nos dias 3 e 4 deste
mês de setembro: o Seminário Internacional Papel do Estado no Século
XXI: desafios para a gestão pública,
promovido pela Enap, com apoio do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Durante dois dias, com transmissão ao vivo pela internet, foram
realizadas mesas-redondas, sessões
magnas e interativas, palestras e
debates. Participaram da abertura
do evento o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Nelson
Barbosa; o ministro da Previdência
Social, Carlos Gabas; o presidente
da Enap, Gleisson Rubin; o vicepresidente de governo da Caixa,
Paulo José Galli; o coordenadorresidente do Sistema das Nações
Unidas e representante-residente do
Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (Pnud), Jorge
Chediek, e o secretário-executivo
adjunto da Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe
(Cepal), Antonio Prado.
GERAÇÃO E DIFUSÃO DE CONHECIMENTO
O Estado nasceu no século XVI,
ou ao menos a ideia dele, quando
Thomas Hobbes publicou o livro
Leviatã, num momento histórico
em que a Inglaterra deixava de ser
14 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
DURANTE DOIS DIAS, COM
TRANSMISSÃO AO VIVO
PELA INTERNET, FORAM
REALIZADAS MESASREDONDAS, SESSÕES
MAGNAS E INTERATIVAS,
PALESTRAS E DEBATES
monarquia e passava a ser República,
governada por um militar (1651).
Hobbes identificava o Leviatã como
Abertura do Seminário Internacional
Papel do Estado no Século XXI contou
com a presença de representantes
de diversas instituições
Centro Internacional de Convenções
do Brasil (CICB), localizado no Setor
de Clubes, no Lago Sul, em Brasília
(DF).
Para a professora titular do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Ana Célia Castro, os seminários
internacionais são momentos para se
lançar novas ideias, que serão desenvolvidas, criticadas, superadas e,
criativamente, reinventadas. “Os diálogos têm grande importância como
ponto de partida para a criação de
um espaço de geração e difusão de
conhecimento para o setor público
brasileiro. O debate sobre o desafio
de pensar o núcleo estratégico
do Estado e sobre como ele pode
enfrentar as questões estratégicas e
mudar o futuro é muito profícuo”,
afirmou Ana Célia.
um monstro, uma espécie de grande
hipopótamo de que fala a Bíblia
(Velho Testamento, Livro de Jó).
Para Hobbes, o Estado tem tanto
“poder sobre a Terra que se possa
comparar”. Da Inglaterra ao Brasil do
século XXI, do Estado democrático
de direito, o Estado continua sendo
repensado.
A série Seminários Internacionais – que reunirá especialistas e
pensadores de todos os continentes
– configura-se como um espaço
qualificado de discussões sobre
temas de interesse nacional e que
igualmente repercutem no cenário
internacional.
Nesta
primeira
edição, o evento contou com representantes de sete países. Foram feitas
1.100 inscrições, de pessoas que
falam em nome de 247 instituições
e que representam 38 municípios. A
diversidade e capilaridade das instituições envolvidas superaram todas
as expectativas do comitê organizador do evento, que aconteceu no
REPENSAR O ESTADO
Durante dois dias, foram debatidos o futuro do Estado, os papéis
e capacidades que devem ser desenvolvidos para enfrentar as novas
demandas da sociedade e os desafios
para fortalecer a gestão pública como
instrumento catalisador do processo
de desenvolvimento das nações. As
atividades começaram às 9h, com
intervalo para o almoço, e duraram
até as 18h30. O evento teve como
público-alvo gestores, executivos
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
15
CAPA
da Administração Pública e pesquisadores. Para a Enap, logrou-se
como resultado ampliar a reflexão
e fortalecer debates sobre empreendedorismo,
sustentabilidade,
inovação e governança, além de
estimular a discussão de novos pressupostos e estratégias que favoreçam
a ampliação da eficiência e da qualidade nos serviços públicos.
NOVOS DESAFIOS
O ministro Nelson Barbosa
falou da importância da realização
de eventos que repensem o Estado.
Segundo ele, o evento permite a
discussão dos problemas diários e
ajuda o gestor público a olhar para
frente e planejar em longo prazo.
“A série de eventos anuais atende
às demandas da sociedade. Países
como Inglaterra, Estados Unidos,
Japão e da União Europeia promovem esse tipo de seminário
e fazem debates orçamentários”,
observou. Outro ministro que participou do evento, Carlos Gabas,
afirmou que “o grande desafio é
definir o papel do Estado e investir
na transformação dele. É necessário compreender para que serve
o Estado”.
No Estado brasileiro, pobres pagam mais impostos
No Estado desenvolvimentista
brasileiro, as parcelas mais ricas
deveriam pagar mais impostos. Foi
o que afirmou a professora Mariana
Mazzucato, na abertura da Sessão
Magna 1 do seminário – O Estado
Desenvolvimentista –, que contou
com a participação de outros especialistas. Professora de Economia da
Inovação da Unidade de Pesquisa
em Ciência Política da Universidade
de Sussex, no Reino Unido, Mariana
falou sobre intervenção e formação
de mercados: implicações para o
crescimento inclusivo inteligente.
No que diz respeito ao sistema
tributário brasileiro, Mariana condenou o sistema regressivo adotado
no Brasil, em que “os mais pobres
pagam mais” – com impostos incidindo fortemente sobre o consumo
–, o que deveria ser repensado e
estar na base do debate. “Nenhum
país pode perder tempo em função
da crise global. A investigação sobre
os casos de corrupção no Brasil deve
““
A investigação sobre os casos de corrupção
no Brasil deve seguir, mas de um modo em que as
instituições continuem desempenhando suas funções e
não somente se defendendo de acusações
”
Mariana Mazzucato, professora de Economia da Inovação da Unidade de
Pesquisa em Ciência Política da Universidade de Sussex, Reino Unido
16 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
seguir, mas de um modo em que as
instituições continuem desempenhando suas funções, e não somente
se defendendo de acusações”,
afirmou a professora.
Ela destacou o papel do Estado
na liderança do investimento em
inovação de longo prazo para o
crescimento econômico. Falou
da importância e dinamismo da
intervenção estatal na história do
capitalismo moderno. Para ela, o
Estado é responsável não apenas pela
“correção de falhas”, mas também
pela formação e criação de mercados. “A natureza da atuação estatal
permite socializar o custo do erro e,
com isso, investir em áreas de maior
incerteza, nas quais o setor privado
não teria interesse, a princípio”.
Na avaliação da professora, para
fortalecer o Estado, quatro questões
deveriam integrar os debates e as
políticas eleitorais: Como estabelecer parcerias simbióticas para o
alcance dos desafios enfrentados
pelas instituições públicas? Como
construir organizações em termos
de políticas e de processos, fortalecendo a atuação estatal? Como
compartilhar os riscos e as recompensas? E como recompensar o
setor privado de forma criativa e
inovadora?
Mariana disse que o crescimento do Estado deve se dar de
forma inteligente, com mais inovação. “O crescimento sustentável
(mais verde) precisa vir junto com o
crescimento inclusivo (menos desigualdade). Homens pragmáticos,
““
Somos um Estado
de redistribuição de renda,
além de responsáveis por
políticas geradoras de
crescimento. O grande
desafio é preservar as
conquistas sociais e
melhorar a eficiência das
políticas públicas
”
Dyogo Oliveira, secretário-executivo
do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão.
que acreditam serem eles próprios
isentos de qualquer influência intelectual, são usualmente os escravos
de algum economista morto. Eu
estou certa de que o poder de
interesses escusos é vastamente
exagerado comparado à gradual
intrusão das ideias”, ressaltou. Entre
os autores citados, Mariana destacou John M. Keynes, na obra A
Teoria Geral, de 1936.
INDUTOR DO DESENVOLVIMENTO
Também participou da Sessão
Magna 1 o secretário-executivo
do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, Dyogo Oliveira, falando sobre Programa de
Investimento em Logística: uma
agenda de desenvolvimento para o
Brasil. A sessão foi moderada pelo
chefe de gabinete do Ministério
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
17
CAPA
do Planejamento, Miguel Ragone.
Dyogo Oliveira defendeu o papel do
Estado como indutor do desenvolvimento econômico.
Para ele, é preciso desmistificar
a crença de que Estado e mercado
são antagônicos: “Esse antagonismo
não existe, pois não há desenvolvimento e crescimento econômico
NOVOS DESAFIOS
sem instituições sólidas. A existência de uma atuação estatal que
coordene, resolva conflitos e direcione as decisões para o melhor
aproveitamento dos recursos e para
o alcance dos resultados é base para
o funcionamento dos mercados e
para o crescimento da economia”,
afirmou. E destacou: “O Estado
brasileiro tem a desafiadora tarefa
de conciliar a função de Estado
indutor com as demais funções”.
“Somos um Estado de redistribuição de renda, além de sermos
responsáveis por políticas geradoras
de crescimento. O grande desafio
é preservar as conquistas sociais e
melhorar a eficiência das políticas
DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DE PAÍSES EMERGENTES
““
O Estado precisa
ser mais proativo em dar
um impulso direcional com
políticas industriais
”
Robert Wade, professor de Política
Econômica e Desenvolvimento da
London School of Economics, Inglaterra
Os desafios para o desenvolvimento
de países emergentes foi o tema da Sessão Magna 6 do Seminário Internacional.
Os palestrantes debateram o tema com a
moderação da secretária de Orçamento
Federal do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, Esther Dweck. Ela
observou que “a discussão sobre o papel
do Estado se tornou mais importante e
necessária no contexto da crise global”.
Robert Wade, professor de Política
Econômica e Desenvolvimento da London
School of Economics (LSE), na Inglaterra,
disse que os dois principais desafios dos
países emergentes são mudança climática e a chamada “armadilha da renda
média”, definida pela teoria econômica
como a situação em que economias que
antes cresciam rapidamente desaceleram ao atingir a faixa de renda média.
18 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
De acordo com Wade, “o Brasil enfrenta
essa situação: no período entre 1950 e
2010, o país passou os sete primeiros
anos como baixa renda e os próximos 53
como média-baixa”.
ESTADO PROATIVO
Como enfrentar essa condição? “O
Estado precisa ser mais proativo em
dar um impulso direcional com políti-
públicas, garantindo os investimentos
e ampliando a participação do setor
privado”. Para o secretário-executivo
do Ministério do Planejamento, o
papel do Estado no Brasil diz respeito
à promoção dos direitos individuais e
sociais, ao provimento da seguridade
social e da infraestrutura, e indução
ao desenvolvimento sustentável.
“O Estado tem uma especificidade no Brasil: conciliar ação
indutora e inovadora com a distribuição de renda e a ampliação
dos serviços públicos (saúde,
educação, previdência social,
saneamento, habitação, segurança
pública etc.)”, afirmou o secretário-executivo. Para isso, Dyogo
defende a parceria para o desenvolvimento produtivo na saúde,
cooperação público/privada para
desenvolvimento,
transferência
e absorção de tecnologia, produção, e capacitação produtiva e
tecnológica do país em produtos
estratégicos, como o Sistema
Único de Saúde (SUS).
Na encruzilhada do subdesenvolvimento
cas industriais”, disse o professor. Ele
também discorreu sobre como a mudança climática apresenta o desafio
de alcançar um desenvolvimento econômico de baixo carbono e resiliente
ao clima. Ainda na Sessão Magna
6, o secretário-executivo adjunto da
Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe (Cepal), Antonio Prado,
falou sobre desaceleração da economia mundial e o impacto na América
Latina, que começou a sentir seus
efeitos a partir de 2010.
Segundo ele, “a região se beneficiava de um período de crescimento,
com distribuição de renda e queda
significativa da taxa de pobreza. No
entanto, não soubemos aproveitar o
momento para fazer as reformas estruturais que eram necessárias”, lamentou. Prado entende que o momento demanda a redefinição de uma nova
equação Estado-mercado-sociedade,
que envolva pactos de longo prazo de
cada um dos atores.
Antonio Prado falou sobre o tema
Nova Equação Estado-MercadoSociedade para o desenvolvimento
na América Latina e no Caribe. Em
sua exposição, ele disse ser necessário criar uma nova arquitetura
estatal que permita posicionar o
Estado no lugar que lhe corresponde, na condução das estratégias
de desenvolvimento dos países da
região. “A partir de um olhar crítico
– acrescentou –, de seu desempenho
histórico, devemos ser capazes de
perfilar esse papel, dotando-o com as
ferramentas suficientes e encontrar
seu lugar exato, em equilíbrio com
o mercado e com o cidadão, procurando alcançar o equilíbrio ótimo
desta trilogia na dinâmica do desenvolvimento”, afirmou.
O secretário-executivo adjunto
acredita que, para sair da “encruzilhada” e do “complexo contexto
internacional”, características da
atual equação, o Estado-mercadosociedade
(cidadania)
precisa
celebrar pactos para a igualdade
como instrumento para a construção da nova equação. “Após anos
de bonança, a região enfrenta desaceleração econômica. Não se fez o
suficiente para aumentar a produtividade e reduzir a desigualdade”,
destacou.
Prado reconhece, porém, que
houve progressos sociais, mas eles
se estagnaram e a região continua
com a pior distribuição de renda
e outras desigualdades. Segundo
ele, os desafios de sustentabilidade
ambiental são fundamentais para
percorrer caminhos com menores
emissões de carbono. “Com democracias estáveis, mas com novos
desafios e caminhos de integração de
geometria variável”. A estrutura produtiva da região está desarticulada,
ponderou.
ECONOMIA ENCOLHEU
Para agravar a situação, Prado
observou que, na América Latina, o
emprego informal de baixa produtividade predomina e existe também
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
19
CAPA
NOVOS DESAFIOS
““
Após anos de
bonança, a América Latina
enfrenta desaceleração
econômica. Não se fez o
suficiente para aumentar
a produtividade e reduzir
a desigualdade
”
Antonio Prado, secretário-executivo
adjunto da Comissão Econômica para
a América Latina e Caribe (Cepal)
uma baixa eficiência dinâmica. “O
crescimento econômico é menor e
dependente do consumo. Há insuficiência de investimento. Existe
estagnação da queda da pobreza e
uma fraca governança dos recursos
naturais e do meio ambiente”. Para
agravar o quadro, citou a escassez de
bens públicos de qualidade e o que
chama de “debilidade institucional”
na região da América Latina e Caribe.
Na visão do secretário-executivo adjunto da Cepal, a economia
mundial não se expandiu como
se esperava. “As projeções de
crescimento de 2015 se reduziram
em um ano, de 3,2% para 2,8%”.
Enquanto isso, a recuperação do
crescimento nos Estados Unidos
(acima de sua estimativa inicial de
2,8% em 2015) gera impacto positivo
no México, na América Central e
no Caribe por remessas, turismo e
comércio”, afirmou Prado.
DESEQUILÍBRIO FISCAL
Por outro lado, a crise também se
insinua nos desequilíbrios fiscais e na
falta de competitividade nos países
da Zona do Euro, com altos níveis de
20 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
desemprego e com um crescimento
em 2015 de 1,6%, com impacto na
redução do comércio global. Prado
disse que há uma desaceleração na
China de 9,2%, em 2011, para 7%
em 2015, com impacto nos países
exportadores de recursos naturais. E
destacou que “existe incerteza sobre o
momento em que os Estados Unidos
subirão sua taxa de juros e uma nova
etapa na Europa, o que geraria condições financeiras mais voláteis”.
Para o representante da Cepal,
“o mercado é bom na produção,
mas ruim para distribuir”. “Sem
regulação, reproduz estruturas centralizadas em atividades pouco
intensivas em conhecimento e
ambientalmente ineficientes. O
Estado pode fazer muito, mas não
pode fazer tudo. A sociedade (cidadania) demanda transparência, voz,
participação, democracia. É inegável o papel do setor privado como
agente central do mercado. O investimento público inclui as empresas
públicas”, disse.
China: exemplo de estratégia de governança e inovação
Politicamente, o Estado chinês
é uma ditadura mas, economicamente, de capitalismo de Estado. Três
mulheres deram o tom do debate na
quarta e última sessão interativa do
Seminário Internacional Papel do
Estado no Século XXI. Marizaura
Camões, diretora de Comunicação e
Pesquisa da Enap – que moderou a
sessão; Anna Jaguaribe, diretora do
Instituto Brasil-China; e Ana Célia
Castro, professora do Instituto de
Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), debateram
estratégias, governança e inovação
com o professor Renato Boschi,
do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia em Políticas Públicas,
Estratégias e Desenvolvimento da
Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ).
ALTERNATIVAS DE REFORMA
Anna Jaguaribe apresentou o
resultado de uma pesquisa de quatro
anos que trata da experiência da
China e das alternativas de reforma
e estratégias socioeconômicas que
constituíram a ascensão e afirmação
daquele país como segunda economia global. “O crescimento da
China, nos últimos 35 anos, se deu
através da inovação. Os chineses
implodiram alguns modelos de
governança e reinventaram outros”.
A especialista disse que os
desafios chineses implicam na
““
O crescimento
da China, nos últimos 35
anos, se deu através da
inovação. Os chineses
implodiram alguns
modelos de governança e
reinventaram outros
”
Anna Jaguaribe, diretora do Instituto
de Estudos Brasil-China (Ibrach)
criação de novos eixos para o crescimento e na adoção de reformas
fiscal e financeira, para consolidar a economia de bem-estar. Na
geopolítica asiática, a nova economia
de inovação requer maior competitividade por valor adicionado. Exige
ainda maiores custos e riscos para
inovações primárias, menores vantagens para inovações secundárias,
inserção internacional, para intensificar a inserção tecnológica. Segundo
ela, é preciso adaptar-se ao contexto
de baixo crescimento da economia
global, sem embates hegemônicos,
para maximizar o espaço econômico
asiático.
FRONTEIRA TECNOLÓGICA
Outro tema debatido foi a fronteira tecnológica e os desafios para
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
21
CAPA
NOVOS DESAFIOS
políticas públicas. Ele entende que os
caminhos para a retomada do crescimento do país combinam elementos
de trajetórias e recuperam o papel
protagonista do Estado. “É preciso
pensar novas capacidades estatais
para promover uma agenda de desenvolvimento em políticas públicas,
por meio de um novo projeto que
inclua a participação civil e envolva
inovação, políticas industriais, infraestrutura, formas de proteção social
e sustentabilidade”, concluiu.
a governança do conhecimento,
com base nos estudos da evolução
de empresas e outros atores em
diferentes fases dos processos de
transformação agrícola no Brasil,
à luz do modelo de catching up em
curso. Segundo a professora Ana
Célia Castro, a existência de um
consenso estruturado sobre quais
setores merecem maior investimento
é fundamental para o crescimento
do país. “O Brasil está na fronteira
tecnológica da economia de baixo
carbono”.
O professor Renato Boschi
fez apresentação das capacidades estatais como desafio para as
““
É preciso pensar
novas capacidades estatais
para promover uma agenda
de desenvolvimento em
políticas públicas, por meio
de um novo projeto que
inclua a participação civil e
envolva inovação, políticas
industriais, infraestrutura,
formas de proteção social
e sustentabilidade
”
Renato Boschi, professor do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia
em Políticas Públicas, Estratégias
e Desenvolvimento da UER
22 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
NA CENA POLÍTICA
O professor Renato Boschi discorreu ainda sobre o conceito de
capacidades estatais, que aparece na
literatura da ciência política a partir
dos anos 1970. Citou autores como
Peter Evans (“Bringing the State Back
In”, de 1985) e Charles Tilly que,
segundo ele, trouxeram o Estado de
volta à cena política, enfatizando o
seu papel “no retorno de uma perspectiva desenvolvimentista”.
Renato Boschi defendeu políticas
de inclusão social e instauração de
um modelo de crescimento fundado
no mercado interno nos anos 2000.
Citou a crise financeira sistêmica de
2008 e a reconfiguração no sistema
internacional. Sugeriu algumas
perguntas sobre espaços para alterações nas posições relativas dos
países. E indagou: quais as capacidades estatais que se definem como
estratégicas do ponto de vista do
desenvolvimento brasileiro? “Na
história do capitalismo, os casos
de desenvolvimento exitosos são
escassos e concentrados no eixo
Atlântico Norte (Estados Unidos,
Europa) e nas economias do Leste
Asiático (Japão e Coreia)”.
Por fim, falou da importância
da mudança institucional nas dinâmicas de interação entre os atores
estratégicos para o desenvolvimento.
E das vantagens institucionais comparativas referentes aos benefícios
que um adequado arcabouço institucional propicia para a consolidação
de uma dinâmica de desenvolvimento. “Um país pode ter vantagem
em uma área e deficiências institucionais em outra”. Reconheceu,
porém, “capacidades estatais em
políticas estratégicas para um projeto
de desenvolvimento: inovação como
capacidade de gerar e ampliar o uso
de tecnologia (Estados Unidos, Alemanha, Japão, Newly Industrializing
Countries – NICs – asiáticos, Cingapura, Coreia etc.)”.
Desigualdade econômica, um problema global
““
As
desigualdades intensas
e duradoras devem ser
consideradas traços de
subdesenvolvimento.
Nesse sentido, as políticas
desenvolvimentistas
devem se comprometer
em combater esse
problema
”
Celia Lessa Kerstenetzky, professora
da Faculdade de Economia da UFF.
A professora Celia Lessa Kerstenetzky, da Faculdade de Economia
da Universidade Federal Fluminense
(UFF), afirmou que a desigualdade
social é um problema que atinge
todos os países do mundo. “As desigualdades intensas e duradoras
devem ser consideradas traços de
subdesenvolvimento. Nesse sentido,
as políticas desenvolvimentistas
devem se comprometer em combater esse problema”, complementou.
Celia Kerstenetzky analisou a
situação do Brasil. “O país, que é
a 7ª economia do mundo, é o 79º
em Índice de Desenvolvimento
Humano. Quando esse índice é
ajustado pela desigualdade, o Brasil
despenca para a posição de número
95. Estamos entre os países mais
desiguais do mundo”, disse. Depois
de 2001, o país passou por uma
queda sustentada da desigualdade,
em decorrência de fatores como os
programas de transferência de renda
e das políticas governamentais na
área do trabalho.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
23
CAPA
DÉCADA DE OURO
“A partir do início do século
XXI até o ano 2012, o Brasil viveu o
período denominado ‘década de ouro’,
ao combinar crescimento econômico,
democracia e equidade”, afirmou. Para
ela, “o Brasil tem crescimento redistributivo incompleto, puxado pelo
consumo das famílias e estimulado pelo
aumento do rendimento domiciliar,
com o acesso da população ao crédito e
NOVOS DESAFIOS
incitado pelo mercado de trabalho e as
transferências governamentais”.
A professa entende que o país
ainda precisa avançar em pontos como
expansão dos serviços sociais públicos e
fazer alterações na forma de tributação.
Além de ações focadas na distribuição
de renda, o Brasil tem o desafio de
melhorar sua competitividade. Segundo
o diretor do Columbia Global Center na
América Latina, Thomas Trebat, esse “é
o fator chave na criação de empregos,
oportunidades e prosperidade, ou
seja, para o crescimento econômico
do país”. Trebat destacou: “A economia
brasileira ocupa o 57º lugar no ranking
mundial de competitividade, entre os
144 países pesquisados”.
FATORES MACROECONÔMICOS
Trebat avalia que a competitividade é influenciada pelos fatores
REVISTA DO SERVIÇO PÚBLICO GANHA VERSÃO ELETRÔNICA
Outro lançamento da Enap foi a versão
eletrônica do terceiro número da Revista
do Serviço Público 2015, o volume 66, nº 3.
Entre as melhorias feitas na revista está a
adequação ao Manual de Boas Práticas da
Publicação Científica da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad), conforme afirmou a diretora de Comunicação e Pesquisa da Enap,
Marizaura Camões. Marizaura comemorou
a mudança da classificação do periódico no
Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em
Administração, que passou de B4 para B2,
e em Ciência Política e Relações Internacionais, que passou de B2 para B1.
“Temos trabalhado para o fortalecimento da produção qualificada de conhecimento, em especial da RSP, que representa
um grande instrumento de ligação entre
a academia e o setor público”, disse. Este
número reúne cinco artigos inéditos, além
da seção RSP Revisitada, que republica
artigo original de 1988. Os trabalhos tra-
Revista do Serviço Público
2015, o volume 66, nº 3
a formulação de políticas públicas; e reforma administrativa e papel do Estado.
tam de temas como burocracia local e implementação de políticas públicas; gestão
por competências; corrupção e pobreza na
África; percepção dos contadores em relação às Normas Brasileiras de Contabilidade
Aplicadas ao Setor Público; subsistemas,
comunidades em rede e suas relações com
24 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
AÇÃO EM PARCERIA
A plenária de encerramento do Seminário Internacional, que reuniu os professores
Mariana Mazzucato, Jan Kregel, Ana Celia
Castro e Gleisson Rubin, tratou de sistematizar os painéis e debates realizados no
evento, de forma a traçar os desafios postos ao Estado do século XXI. Esse momento
de conclusão levantou questões relevantes,
como o papel de instituições que, dentro do
Estado, atuam no desenvolvimento de capacidades, na geração e sistematização do
conhecimento e na promoção da reflexão.
A ressignificação de papéis, segundo os
painelistas, é necessária para responder
aos novos desafios que se colocam aos
Estados nacionais em momentos de crise e
macroeconômicos, como taxa de
juros e inflação; fatores institucionais – que tratam do tamanho
dos mercados, da infraestrutura
da economia e da credibilidade do
governo – e fatores microeconômicos, que determinam a qualidade
do ambiente de negócio e afetam
as estratégias das operações das
empresas públicas e privadas. Ele
enfatizou que o principal desafio
brasileiro é aprimorar a qualidade do
ambiente de negócios.
“Os dados continuam a sugerir que
pequenos esforços para melhorar o
ambiente de negócio trazem benefícios.
Essa alta pode ser conquistada em nível
estadual e municipal. Além disso, essas
mudanças exigem mais foco e diálogo
do que necessariamente a aplicação de
recursos”, disse. Por outro lado, citou
os aspectos positivos do Brasil, como
a capacidade de absorver inovação,
qualidade dos centros de pesquisas e
sofisticação das empresas.
Thomas Trebat e Celia Kerstenetzky
participaram da Sessão Interativa 3,
sobre o impacto das desigualdades no
desenvolvimento dos países. Os palestrantes mostraram que as políticas
públicas podem melhorar as taxas de
crescimento econômico e combater as
causas sistêmicas da desigualdade.
ENAP LANÇA EDITAL PARA BOLSAS
DE PESQUISAS CIENTÍFICAS
rápidas mudanças.
Durante dois dias, palestrantes de vários continentes se revezaram diante de
um público ávido pelo conteúdo que os
conferencistas estavam expondo e debatendo. O seminário contou com o apoio do
Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, da Faculdade Latino-Americana
de Ciências Sociais (Flacso), do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), e da Comissão
Econômica para a América Latina (Cepal).
O evento foi patrocinado pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,
Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e Conselho
Nacional do Serviço Social da Indústria
(Sesi). O vice-presidente da Caixa, Paulo
Galli, elogiou a oportunidade de a instituição participar como patrocinadora de um
evento que instigará “reflexões importantes para o desenvolvimento brasileiro e
dos outros países”.
A presença de público estratégico
da Administração Pública e da Academia foi potencializada para que
a Escola lançasse novas iniciativas
e divulgasse suas ações de forma
ainda mais efetiva. No último dia
do seminário, a Enap lançou edital
para concessão de bolsas de pesquisa
mediante seleção pública. O prazo
para apresentar propostas de pesquisa se encerra no dia 12 de outubro,
conforme o Edital de Chamada
Pública nº 11/2015. De acordo com
o coordenador-geral de Pesquisa
da Enap, Pedro Palotti, a oferta de
bolsas de pesquisa é essencial para
aprofundar as relações da Enap com
a comunidade acadêmica e fomentar
a produção de conhecimento científico que possua consonância com
os programas e projetos estratégicos
para a Administração Pública.
“Nós temos a chance de compartilhar, trocar experiências e obter
produtos de pesquisa que contribuam
com a tomada de decisão na Administração Pública Federal”, afirmou
Palotti. Serão selecionados até quatro
bolsistas doutores, cujas propostas de
projeto versem sobre a linha de pesquisa Papel do Estado no Século XXI:
desafios para a gestão pública.
O foco da pesquisa é nos seguintes
temas: Serviços Integrados, Redes
e Parcerias, Governo Eletrônico e
Transparência e Governo Aberto.
A concessão da bolsa de pesquisa
tem duração prevista de 12 meses,
com financiamento mensal de R$
3.000. A seleção tem o objetivo de
contribuir para o fomento de pesquisas científicas na área de gestão
pública e com a disseminação do
conhecimento gerado. As atividades de pesquisa serão norteadas
pelos mesmos princípios de desenvolvimento de estudos e pesquisas
na Escola. l
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
25
ESPECIAL
APERFEIÇOAMENTO
Encontro sobre gestão
pública põe inovação e
excelência em debate
Liderança, conhecimentos técnicos,
método, treinamento, nível organizacional,
meritocracia e ética foram alguns dos temas
discutidos durante o primeiro Fórum HSM
●● Ana Seidl
A
HSM Educação Executiva realizou, no dia 3 de setembro, o
1º Fórum HSM sobre Gestão
Pública, que contou com a presença
de Rudolph Giuliani, ex-prefeito de
Nova York. Ícone norte-americano
e um dos prefeitos mais bem-sucedidos da história recente dos Estados
Unidos, Giuliani t­
ornou-se referência mundial em gestão pública
e foi caracterizado como um dos
grandes líderes mundiais, cuja
atuação apaziguou Nova York depois
dos atentados terroristas de 11 de
setembro.
A palestra dele abriu o fórum e
foi fechada à imprensa. O UniCEUB
patrocinou o evento, realizado no
Centro Internacional de Convenções
de Brasília, o qual reuniu mais de 600
pessoas. A HSM Educação Executiva
trabalha na formação de líderes. Por
meio de programas customizados,
metodologias práticas, vivência com
grandes pensadores e conteúdo multiplataforma, desenvolve executivos
que contribuem para o futuro das
empresas e o aperfeiçoamento da
gestão pública. Nas últimas décadas,
o administrador público, em novo
ambiente global, passa por vários
desafios, exigências sociais, novas
tecnologias e cenários. Adaptar-se a
esse contexto e agir proativamente
na busca de soluções passou a ser
uma prioridade.
A programação contou com a
presença de Vicente Falconi, o mais
renomado consultor de gestão no
Brasil; Rivadávia Drummond, presidente da HSM Educação Executiva e
professor especializado em gestão da
inovação; e Clóvis de Barros, célebre
professor e autor nas áreas de ética,
filosofia e comunicação. Falconi,
professor emérito da Universidade
26 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
NAS ÚLTIMAS DÉCADAS,
O ADMINISTRADOR
PÚBLICO, EM NOVO
AMBIENTE GLOBAL, PASSA
POR VÁRIOS DESAFIOS,
EXIGÊNCIAS SOCIAIS,
NOVAS TECNOLOGIAS
E CENÁRIOS. ADAPTARSE A ESSE CONTEXTO E
AGIR PROATIVAMENTE
NA BUSCA DE SOLUÇÕES
PASSOU A SER UMA
PRIORIDADE
Considerado um dos prefeitos mais
bem-sucedidos dos Estados Unidos,
Rudolph Giuliani abriu o Fórum com
uma palestra fechada ao público
Patrocinado pelo UniCEUB, o evento
atraiu cerca de 600 pessoas ao Centro
Internacional de Convenções de Brasília
Federal de Minas Gerais (UFMG),
tem seus conceitos e métodos de
liderança adotados pela maioria das
empresas de primeira linha do país,
caso da Ambev/InBev e Gerdau,
além da Amil, Klabin e Companhia
Vale do Rio Doce. Ele destacou que
a gestão pública precisa de liderança, conhecimento técnico e
método. “É preciso liderança e qualidade do time, treinamento, nível
estruturas, conduzir a análise de
prazos e indicadores de acompanhamento e controle.” Para ele, deve ser
refeito o que não vai bem.
organizacional. Meritocracia é
justiça com as pessoas”.
O consultor criticou a administração pública, observando que,
antes de definir o problema, o time
de gestão já está escalado. Ele ressaltou que toda a organização do
Estado que tem uma escola associada é melhor e citou como órgãos
de excelência a Polícia Federal e a
Receita Federal. “A gente não faz
uma coisa bem se não houver estudo.
Método é fundamental. Conhecimento técnico é entender das coisas,
saber estabelecer metas, projetar
PÚBLICO X PRIVADO
“Não acredito que a área pública
brasileira esteja condenada a ter
resultados inferiores somente por
causa da governança. Sempre tem
espaço para melhorar e existem
exemplos excepcionais no país que
mostram que pode funcionar”, destacou Falconi. De acordo com o
consultor, no caso do trabalho de
melhoria da gestão executado em
diversos estados e municípios, não
basta uma consultoria elaborar um
relatório para o gestor público. “É
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
27
ESPECIAL
APERFEIÇOAMENTO
Telmo Ximenes Fotografia
preciso integrar conhecimento e
atuar junto com os líderes nas organizações, estabelecer metas, comparar
com órgãos do mesmo porte, treinar
os profissionais”, completou.
Entre os casos de sucesso citados,
Falconi mencionou o trabalho
na educação realizado durante o
segundo mandato do governador
Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro.
Além da reestruturação da Secretaria
de Educação e da política de bônus
para profissionais da área, o foco do
trabalho foi junto às próprias escolas,
com treinamento do quadro diretor
e dos professores. Em quatro anos,
o estado saiu do penúltimo para o
terceiro lugar na qualidade da educação nacional. “Um dos segredos
para alcançar resultados efetivos é
o acompanhamento direto do trabalho por parte das lideranças. Os
indicadores devem ser avaliados permanentemente e então os problemas
““
Não acredito que
a área pública brasileira
esteja condenada a ter
resultados inferiores
somente por causa da
governança. Sempre
tem espaço para
melhorar
”
Vicente Falconi, consultor de gestão
também serão solucionados a cada
dia”, destacou Falconi.
O consultor disse que na área
pública, muitas vezes, as pessoas não
sabem projetar e organizar projetos,
mas são orgulhosas. Lembrou que
não há tanta diferença entre a governança do setor público e privado.
“A iniciativa pública não está condenada a ser pior. A governança
pode melhorar sempre. Há hospitais
28 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
que são verdadeiros desastres, mas
outros são exemplos”, ponderou.
Consultor do Hospital Alberto
Einstein, em São Paulo, há mais
de nove anos, ele destacou que se
deve reduzir o tempo médio de
internação dos doentes nos hospitais. “O doente está recuperado,
precisa de alta e, para isso, precisa de
médico na sexta-feira, por exemplo,
mas este só vai na segunda”. Ele
falou da necessidade de se focar na
redução do tempo médio de internação das pessoas nos hospitais.
“Hoje este tempo é de cerca de 15
dias. No Alberto Einstein reduzimos
para dois a três dias.” Para Falconi,
melhorar a saúde não depende de
muita coisa. “Em um estado descobrimos que 44% da receita não era
cobrada do SUS”, observou.
SEGURANÇA
Em relação à segurança, ele deu
exemplo do trabalho desenvolvido
no governo do Rio de Janeiro com o
governador Sérgio Cabral. Disse que
há as ações corretivas e preventivas.
“Começamos pelo processo corretivo, porque o preventivo já estava
sendo realizado: iniciativas sociais,
presença de polícia e Unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs).” Foi
feito um fluxograma para verificar
a situação. “A pessoa comete um
crime, é detida pela PM, faz-se o
processo que vai para a justiça. Esta
pode aceitar ou não. Depois a justiça
julga, libera ou condena, manda a
lista de condenados para a polícia,
que prende de novo.”
Telmo Ximenes Fotografia
A primeira dificuldade para
se fazer um fluxograma, segundo
Falconi, é a informação. Faltam
dados. “Tivemos de arrancar dados
na unha, entrevistando pessoas e estimando números”. Ele destacou que,
ao analisar um processo, é preciso
identificar os gargalos. No Rio de
Janeiro o problema era o sistema prisional. Havia 50 mil mandados de
prisão sem poder ser executados.
“O sujeito cometeu um crime, foi
julgado, mas está na rua por falta
de vaga”, lamentou. Foi sugerida e
aceita pelo governador a análise de
cada processo. Com apoio da Secretaria foi possível liberar 6 mil vagas,
o equivalente a duas penitenciárias.
“Muita gente já tinha cumprido pena
e continuava presa. Dos 50 mil condenados, definimos os seis mil mais
perigosos. A criminalidade no Rio
caiu 35%”, conta.
“Em Pernambuco, o governador
Eduardo Campos (morto no dia 13
de agosto do ano passado) contratou
a nossa empresa e fizemos a mesma
coisa. O problema lá era na justiça”.
““
Deveríamos todos
arregaçar as mangas e
contribuir coletivamente
para o país, em vez de
simplesmente apontar
o erro do outro. A vida
é o resultado da nossa
liberdade de escolha
inteligente
”
Clovis de Barros Filho, professor de
Ética da USP e pesquisador da Unesco
Segundo ele, foi utilizado o mesmo
método aplicado no Rio. “Fizemos
um fluxograma. Mas o problema não
era no Executivo. Neste caso, foi feito
contato com os juízes e realizou-se
um esforço para desafogar a justiça”.
Logo no primeiro ano do governo
de Campos houve uma melhoria
grande na segurança. No segundo
ano, apareceu o problema de falta de
vagas no sistema prisional. “Resolve
um problema, aparece outro. Com
a celeridade dos julgamentos, faltou
cadeia. Os presídios estão superlotados, falta investimento nesta área.
Cerca de 80% dos criminosos voltam
a cometer crimes”, observou.
Segundo ele, o sonho no Brasil
é construir presídios que consigam
recuperar presos. “Mas como conseguir isso se numa cela existem 50
presos se matando, em condição
subumana?”, questiona. Há oito anos
era preciso o investimento de R$ 1
bilhão e 200 milhões em presídios.
Crise energética não foi por falta de aviso
O professor e cientista político
Luiz Felipe D´Ávila, mediador do
fórum, abordou o tema a crise energética. Ele foi um dos responsáveis
pela solução do apagão ocorrido
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O consultor lembrou
que, na época, o general Cardoso
era ministro da Agência de Informações e foi feito um estudo do que
aconteceria se houvesse um apagão
no país. “Como nossa energia era
95% de hidrelétricas, dependia-se
da quantidade de água estocada. E
se o estoque acabasse, o apagão seria
total”.
Na época, o Exército avaliou o
que poderia acontecer e apresentou
um quadro de proporção mundial.
“Começamos a trabalhar e aí apareceu deputado, senador, cada um
oferecendo uma ideia para resolver
o problema. Eu falei com o então
chefe da Casa Civil, ministro Pedro
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
29
ESPECIAL
APERFEIÇOAMENTO
Telmo Ximenes Fotografia
Parente, para saber qual era a meta de
economia. Depois de uma avaliação,
descobriu-se que tínhamos de economizar 20% de energia. C
­ ortou-se
25% por segurança. Esta foi a meta
e tudo foi muito bem feito. Isso é
que chamo de gestão. Dividimos o
esforço para atingir a meta de forma
justa”, observou. De grandes consumidores (fábricas de ferro liga), foi
comprada a produção toda. “Nós
negociamos, eles não podiam gastar
energia, despedir ninguém, e aceitaram na hora. O país saiu da crise.
Os americanos se interessaram e nós
explicamos a eles como conduzimos
o processo”.
Em relação à crise atual, Falconi
economizou palavras. Mas enfatizou
que alguns economistas já vêm alertando sobre esse problema há alguns
anos. “Eu não sou economista e não
tinha notado que já estavam acontecendo alguns desajustes. Percebi
““
Também dificultam
o processo a incapacidade
de liderar, a falta de
resiliência para chegar até
o fim e a dificuldade de
comunicação com atores
que estão dentro e fora da
organização pública
”
Rivadávia Drummond, presidente
da HSM Educação Executiva
só depois. O Brasil, ao contrário dos
países latino-americanos, conta com
economistas muito bons, melhores
do que alguns do governo. Eles já
estavam prevendo o que aconteceu”.
ÉTICA
Clovis de Barros Filho, professor
de Ética da Escola de Comunicação e
Artes (ECA) da USP, pesquisador da
30 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
Unesco e autor de 20 livros nas áreas
de ética, filosofia e comunicação,
palestrante e consultor em ética corporativa, defende que o país se una
para solucionar os problemas de
gestão pública. “Deveríamos todos
arregaçar as mangas e contribuir
coletivamente para o país, em vez
de simplesmente apontar o erro do
outro. A vida é o resultado da nossa
liberdade de escolha inteligente”,
destacou.
O tema da palestra do brilhante
orador, que empolgou o público,
foi ética. Ele disse que nunca esta
palavra foi tão empregada, “usada
para denunciar comportamentos
com os quais não concordamos”.
Observou que devemos supor
que todos saibam seu significado,
mas, quando as pessoas são indagadas sobre o que ética quer dizer, a
maioria não sabe do que se trata.
Foi o grego Aristóteles quem
inventou o conceito, 350 anos antes
de Cristo. “O que a vida tem que
ter para valer a pena”. A ética seria
um indicador da vida. Aristóteles
comparava a vida humana a uma
planta que tem todas as potencialidades para se tornar uma grande
árvore e, com a ajuda da natureza,
algum tempo depois alcança o que
pretendia com sucesso. Para Aristóteles, a vida que vale a pena é o pleno
desabrochar. No entanto, se a planta
não tiver água, nutrientes e sol, não
atingirá o objetivo. Vai fracassar e
a vida não valerá a pena. Clóvis fez
uma analogia: “Se você nasceu com
dom para o desenho, seja o melhor
desenhista; se canta bem, torne-se o
melhor cantor; e se tem habilidade
para ensinar coisas difíceis de forma
fácil, torne-se o melhor professor.
Cada um de nós tem as suas habilidades. A natureza particular de cada
um é rica em habilidades; plural,
diversificada, como no reino vegetal.
“A vida valerá a pena se a natureza
dentro de nós alcançar o pleno desabrochar”, comparou.
Para Aristóteles, a vida é como
uma máquina chamada Cosmos,
que, para dar certo, precisa que tudo
funcione. “O vento venta; a chuva
chove, para que haja irrigação, etc.
É importante que cada um cumpra
seu papel e aí aprendemos com Aristóteles: não há como não relacionar
a vida de alguém com o resto, com
o todo. Por isso a nossa responsabilidade ética, em qualquer escola
de filosofia que você considerar, é
maior que nossa própria vida”, ressaltou. Segundo o professor, todo
aquele que quer viver mal, em desarmonia com o Cosmos, atrapalha
além de si mesmo. “Ele impede uma
boa vida para os outros. A ética
sempre apontou para uma vida boa
para quem vive e para todos impactados por ele”, observou.
O professor lembrou que a ética
de Aristóteles era rigorosa. Mas não
basta ter a potência e o talento inicial.
É preciso determinação e perseverança para a excelência. É possível
dedicar a vida à perfeição. Citou o
caso de Neymar, que se tornou um
dos melhores jogadores do mundo.
“Aristóteles aplaudiria a vida dele
O UNICEUB PATROCINOU
O EVENTO, REALIZADO NO
CENTRO INTERNACIONAL
DE CONVENÇÕES DE
BRASÍLIA, O QUAL REUNIU
MAIS DE 600 PESSOAS
– alguém que luta para fazer desabrochar seus talentos”.
Citou
também César Cielo, que, aos cinco
anos, foi jogado numa piscina em
Santa Bárbara do Oeste (SP). “Nunca
tinha tido uma aula de natação.
Qualquer um teria afundado como
um tijolo. Ele parecia um espermatozoide na piscina. Extraordinária
habilidade”.
INOVAÇÃO
O presidente da HSM Educação
Executiva, Rivadávia Drummond,
professor especializado em gestão
da inovação, pontuou que os fatores
que mais impactam negativamente a
inovação na gestão pública, além da
falta de união, são a descontinuidade
de projetos e políticas. É preciso o
entendimento de que inovação não
está atrelada apenas a soluções tecnológicas, mas também a acertos
na gestão e estrutura dos processos.
“Também dificultam o processo a
incapacidade de liderar, a falta de
resiliência para chegar até o fim e
a dificuldade de comunicação com
atores que estão dentro e fora da organização pública”, complementou.
Em sua palestra ele falou das
razões por que algumas organizações fazem muito sucesso e outras
fracassam e desaparecem. Lembrou
os casos da Kodak, Mesbla, Varig,
Embrafilme. E citou o exemplo de
Israel. O que explica o milagre econômico de Israel, país com algumas
décadas de existência, menor que
Sergipe e com pouco mais de oito
milhões de habitantes, com inimigos por todos os lados? Israel tem
várias inovações: wase, irrigação por
gotejamento e inovações na área de
tecnologia e nanotecnologia, engenharia e medicina. Ele destacou três
fatores que podem fazer isso acontecer: alocação de recursos, valores
usados para a tomada de decisão e
gestão de processos.
l
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
31
LEGISLATIVO
NOVAS SIGLAS
Rede Sustentabilidade
autorizada a disputar
as eleições municipais
Registrado no TSE, novo partido
ganha, além de um senador, cinco
deputados federais. Com isso, passa
a ter status de bancada na Câmara
●● Da redação
A
Rede Sustentabilidade, partido
idealizado pela ex-senadora
e ex-ministra Marina Silva,
finalmente conseguiu a autorização
legal para atuar como agremiação
política. O registro da sigla foi
autorizado no dia 22 deste mês de
setembro, por unanimidade, pelo
plenário do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Com a decisão
favorável, os candidatos do partido
poderão estrear nas urnas já nas
eleições municipais do ano que vem.
O tribunal negou a criação da
Rede em outubro de 2013, porque
o grupo político não apresentou o
mínimo de assinaturas certificadas
exigidas. Na ocasião, o partido teve
apoio de 442 mil eleitores em assinaturas validadas, menos que o mínimo
de 491 mil. Agora, a sigla apresentou
mais 56 mil assinaturas de apoio e
teve validado um total de 498 mil.
Sem a criação da sigla, Marina Silva
se filiou ao PSB nas eleições de 2014
e disputou a Presidência da República após a morte do ex-governador
Eduardo Campos.
Integrantes da Rede assistiram
ao julgamento no TSE. Marina Silva
ocupou uma cadeira na primeira
fileira. O relator do caso, ministro
João Otávio de Noronha, disse que
o partido precisará adequar artigos
do estatuto à jurisprudência do TSE,
o que não impede seu registro. Ele
disse não ter exigido a mudança
antes do julgamento para não atrasar
o registro, o que implicaria em
“perda da oportunidade de participar das próximas eleições”.
Alguns políticos do Partido
Socialista Brasileiro (PSB), como
o governador do Distrito Federal,
Rodrigo Rollemberg, e Beto Albuquerque, que foi candidato a
32 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
O TRIBUNAL NEGOU
A CRIAÇÃO DA REDE
EM OUTUBRO DE 2013,
PORQUE O GRUPO POLÍTICO
NÃO APRESENTOU O
MÍNIMO DE ASSINATURAS
CERTIFICADAS EXIGIDAS
vice-presidente na chapa encabeçada
por Marina Silva na disputa eleitoral
do ano passado, também assistiram à
sessão ao lado da ex-ministra. Com
a aprovação do registro da Rede,
Ex-senadoras do PT, Heloísa Helena
e Marina Silva são as estrelas da
Rede Sustentabilidade, partido que já
começa com bancada na Câmara
representantes políticos do campo da
esquerda se filiaram ao novo partido.
ADESÕES
O deputado Miro Teixeira (RJ)
foi o primeiro parlamentar a aderir
à nova sigla. Em sua 11ª legislatura,
ele anunciou, em plenário, no dia
seguinte à decisão do TSE, sua
saída do Pros e a filiação à Rede. “A
unanimidade do Tribunal Superior
Eleitoral reconheceu, até com
palavras candentes dos ministros, o
esforço que foi feito para a criação
dessa legenda, que não será, exclusivamente, mais uma, com todo
respeito às demais, mas será uma
legenda que vai mostrar que o discurso e a prática são absolutamente
iguais”, declarou o deputado, no plenário da Câmara.
Em seu discurso, Miro agradeceu
ao Pros pela “filiação temporária
democrática”. Quando o TSE negou
o registro da Rede, em 2014, o
deputado se filiou ao Pros para não
correr o risco de ter o mandato reivindicado por seu partido anterior,
o PDT. Miro chegou à Câmara em
1971, para seu primeiro mandato.
De lá para cá, só esteve fora de
uma legislatura, quando concorreu sem sucesso ao governo do
Rio de Janeiro. Aos 70 anos, tem o
mesmo número de legislaturas dos
­ex-presidentes da Câmara Ulysses
Guimarães e Henrique Eduardo
Alves (PMDB).
Heloísa Helena, ex-senadora e
atual vereadora de Maceió, deixou
o Psol, partido que ajudou a fundar
há 11 anos, para engrossar as fileiras
da Rede. A relação de Heloísa com
o Psol estava estremecida desde o
ano passado, quando declarou apoio
à candidatura de Marina (PSB),
embora seu partido, na época, tivesse
candidatura própria ao Planalto,
Luciana Genro (RS). Na ocasião,
Heloísa disse que o Brasil merecia ter
Marina como presidente.
O discurso foi repetido neste
final de semana. A vereadora postou
em página pessoal do Twitter uma
foto ao lado de ex-ministra, ambas
sorridentes, com a seguinte frase:
“Rede sim! Porque Marina merece e
o Brasil precisa!” Em seu perfil no
Facebook, disse que se empenhará
para o crescimento do partido em
seu estado: “Vamos organizar a
vivência da Rede em Alagoas, respeitando nossas próprias histórias,
sem o vergonhoso artificialismo
da corrida ‘filiação pra disputar
eleição’”. Foi a segunda perda do
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
33
LEGISLATIVO
Psol para a Rede. Antes dela, o
senador Randolfe Rodrigues (AP)
também havia anunciado a saída do
partido e o ingresso na nova sigla.
Este é a terceira legenda da
caminhada política de Heloísa. Ela
iniciou sua carreira como integrante
do PT. Em 1994, elegeu-se deputada
estadual e, quatro anos depois, conquistou uma cadeira no Senado. Em
2003, por discordar da reforma da
Previdência do primeiro mandato do
governo Lula, foi expulsa do partido.
No ano seguinte, fundou o Psol, pelo
qual disputou as eleições em 2006
em coligação formada com outros
partidos de esquerda (PCO e PSTU),
obtendo o terceiro lugar.
OUTRAS FILIAÇÕES
Deputado federal mais bem
votado pelo PT no Rio de Janeiro nas
eleições do ano passado, Alessandro
Molon deixou o PT e se filiou à Rede
NOVAS SIGLAS
““
Essa legenda, que
não será, exclusivamente,
mais uma, com todo
respeito às demais, mas
será uma legenda que vai
mostrar que o discurso e a
prática são absolutamente
iguais
”
Miro Teixeira, deputado federal (RJ)
dois dias depois do registro da nova
sigla. Em nota oficial, ele afirmou
que “dará continuidade às lutas que
sempre o nortearam na política:
defesa da democracia, justiça social e
desenvolvimento sustentável”.
Ele também agradeceu ao PT
pelos “18 anos de luta por um Brasil
melhor”. Nos últimos meses, Molon
demonstrava descontentamento com
34 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
o PT e com a política econômica
deste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. O deputado
carioca fazia parte da corrente petista
contrária ao ajuste fiscal instituído
pelo ministro da Fazenda, Joaquim
Levy.
Com a filiação da deputada
federal Eliziane Gama (MA), a Rede
Sustentabilidade ganhou seu quinto
deputado federal, chegou ao mesmo
número de parlamentares do Psol
e passou a ter status de bancada na
Câmara. Com isso, terá tempo de
liderança para discursos e direito de
apresentar destaques em votações
em plenário. Além de Eliziane, já
tinham anunciado filiação à Rede,
além de Miro Teixeira (RJ) e Alessandro Molon (RJ), Aliel Machado
(PR) e João Derly (RS). Aliel e Derly
eram do PCdoB e a deputada Eliziane Gama se elegeu pelo PPS.
Evangélica e amiga de Marina
Silva, Eliziane era uma das articuladoras da Rede no Maranhão e foi
uma das maiores incentivadoras
da criação do novo partido. “Nós
ajudamos a construir a Rede Sustentabilidade no Maranhão e agora
fazemos parte. Agora pela Rede nós
continuaremos nossa atuação aqui
no Congresso Nacional e também
nosso projeto para São Luís”, destacou a parlamentar.
“Minha missão como filiada
ao PPS foi concluída, agora continuo como amiga. Essa não foi uma
decisão fácil, sobretudo pelos vínculos afetivos com o partido. Agora,
minha missão continua na Rede
Sustentabilidade, um partido novo
que nasce no viés do desenvolvimento sustentável e dos direitos
humanos. Essas causas são minha
luta de vida!”, comentou a deputada
em redes sociais. Eliziane foi do PT
(1988-1994), do PDT (1994-1999),
voltou para o PT (2000-2006) e se
filiou ao PPS (2006-20015).
A Rede também ganhou um
senador: Randolfe Rodrigues. Único
senador do Psol, ele oficializou seu
ingresso na nova sigla ao lado de
Marina Silva. O parlamentar destacou sua admiração pela trajetória
da ex-senadora e afirmou que sua
escolha “não é um outro caminho”
e sim “um novo jeito de caminhar”.
“Estou fazendo um encontro de
velhos companheiros que há muito
tempo escolheram uma jornada para
caminhar”, disse. “Estou apostando
muito no que virá a ser a Rede.” Ele
observou que não tem mágoa com
o Psol, destacando que o partido é
“irrepreensível do ponto de vista ético
e de prática parlamentar irretocável”.
Tribunal veta a recriação do PL
Os ministros do Tribunal
Superior Eleitoral decidiram por não
reconhecer uma questão de ordem
no registro do Partido Liberal (PL)
nacional. A legenda pretendia o
deferimento do registro definitivo,
com aprovação de seu estatuto e programa, apesar de não ter apresentado
o apoiamento mínimo de eleitores
previsto na legislação.
A Lei dos Partidos Políticos
(9096/1995) prevê que o registro do
estatuto de partido político que tenha
caráter nacional, considerando-se
como aquele que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a
partido político, correspondente a,
pelo menos, 0,5% dos votos dados na
última eleição geral para a Câmara
dos Deputados, não computados os
votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos
estados, com um mínimo de 0,1% do
eleitorado que tenha votado em cada
um deles.
O relator, ministro Tarcísio Vieira
de Carvalho Neto, informou que o
PL apresentou 67.924 assinaturas
Gilberto Kassab tentou fundir o PL com o PSD, em uma articulação que
peemedebistas acreditam ter sido planejada pelo Palácio do Planalto
consolidadas e 99.703 certificadas,
totalizando 167.924 assinaturas. O
restante para a integralização do
mínimo necessário, que é de 484.169
assinaturas, segundo o partido, foi
colhido e está em procedimento
de certificação perante os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs).
O ministro ressaltou que “os requisitos legais para o registro partidário
devem estar integralmente preenchidos no momento da formalização
do pedido no Tribunal Superior
Eleitoral”.
O partido havia pedido que
esse número fosse apresentado no
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
35
LEGISLATIVO
decorrer do trâmite processual.
Argumentou que “alguns cartórios eleitorais não têm observado
os prazos para cumprimento do
processo de verificação das assinaturas de apoiamento e também
têm rejeitado muitas assinaturas
sem justificativas”. A sigla ainda
ressaltou já ter o montante de assinaturas suficiente para o registro,
“mas que, por motivos alheios à sua
vontade, ainda tramitam nas zonas
NOVAS SIGLAS
eleitorais para conferência”, o que
justificaria o pedido.
De acordo com o relator, o
pedido não preencheu os requisitos
legalmente impostos. Para ele, “a
ausência de apoiamento mínimo –
requisito substancial do pedido de
registro – veio lealmente admitida
na própria petição inicial do
pedido, sem qualquer justificativa
plausível para a flexibilização da
regra”. “Aliás, impressiona o fato
de o requerente ter arregimentado
apenas 34,62% do total de apoiamentos necessários ao longo de
oito anos. Não se percebe o mínimo
de representatividade”, salientou o
ministro Tarcísio Vieira.
No entanto, a decisão de mandar
arquivar o processo não impede
que, uma vez recolhidas assinaturas
suficientes a comprovar, por certidões, o apoiamento mínimo do
eleitorado brasileiro, “sobrevenha
OUTRAS NOVIDADES NO CENÁRIO POLÍTICO
Outras duas siglas tiveram o registro aprovado pelo
Tribunal Superior Eleitoral. São elas o Partido Novo e
o Partido da Mulher Brasileira, o que elevou para 35
o número de legendas em condições de disputar as
eleições municipais do ano que vem. O Partido Liberal
(PL) teve o registro indeferido pelo plenário do tribunal.
Os ministros entenderam que não havia como o processo de registro correr sem a exigência do mínimo de
assinaturas de eleitores que apoiam a nova sigla.
Presidido pelo empresário João Dionísio Filgueira Barreto Amoêdo, o
Partido Novo é uma agremiação política
de inspiração liberal e foco na eficiência da gestão pública. Tem entre os
dirigentes administradores, engenheiros,
médicos, economistas, advogados e outros
profissionais do setor privado. Nas eleições
municipais de 2016 será identificada nas
urnas com o número 30.
O presidente da sigla no Distrito
Federal, Cláudio Barra, disse que o
Partido Novo passou quatro anos
36 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
““
O Novo nasce para resgatar
a participação efetiva do cidadão de
bem no processo político, ajudando
na construção de um Brasil melhor
para nossos filhos
”
Cláudio Barra, presidente do Partido Novo no DF
aguardando sua vez de poder participar
formalmente da vida política do país. “O
Novo nasce para resgatar a participação
efetiva do cidadão de bem no processo
político, ajudando na construção de um
Brasil melhor para nossos filhos”.
Já o Partido da Mulher Brasileira (PMB),
35ª legenda oficialmente reconhecida no
país, adotará nas urnas o número
35. O estatuto do partido não
proíbe a filiação de homens e
rege-se "sem restrições de
novo pedido de registro, juridicamente ajustado”, sustentou o
relator.
ARTICULAÇÃO
A tentativa de recriação do PL
partiu do ministro das Cidades,
Gilberto Kassab. Peemedebistas
acreditam que tenha sido articulada pelo Palácio do Planalto com
o intuito de conter o PMDB. Sob
influência de caciques do partido,
o Congresso Nacional aprovou no
início do ano um projeto que dificulta a fusão de partidos. Pelo
texto, as novas legendas só podem
se juntar a outras siglas após cinco
anos de sua criação.
O PL se apressou para apresentar
o pedido de registro ao TSE antes da
sanção da nova lei, na expectativa
de que a sigla ficasse de fora da exigência. Com isso, o PL poderia se
unir ao PSD, de Kassab, formando
um partido da base governista capaz
de ameaçar o espaço do PMDB. Em
março, quando o pedido de registro
foi apresentado ao TSE, a criação do
PL foi um dos principais pontos de
confronto entre o Palácio do Planalto
e o PMDB. O presidente do Senado,
Renan
Calheiros
(PMDB-AL),
chegou a acusar o governo de “patrocinar” a criação do partido articulado
por Kassab para diminuir o espaço
dos peemedebistas.
l
qualquer ordem: sexual, social, racial, econômica ou da Mulher Brasileira, para que possamos ter os nossos
religiosa". O partido começou o processo de criação em direitos garantidos, afirmados, dentro de tudo aquilo
2008 e, desde então, obteve apoio de 501 mil eleitores, que sempre buscamos".
quantidade que supera o mínimo atualmente exigido
No site da legenda, o PMB se define como um
pela lei, de 486 mil (o equivalente
partido de "mulheres progresa 0,5% dos votos dados para o
sistas", "ativistas de movimentos
Agora é um
cargo de deputado federal nas
sociais e populares" e que, junto
novo caminho que vamos
eleições do ano passado).
com homens, "manifestaram
trilhar, dentro do Partido
O PMB também comprovou
sempre a sua solidariedade com
da Mulher Brasileira, para
possuir mais de nove direas mulheres privadas de liberque possamos ter os nossos
tórios no país, outro requisito:
dades políticas, vítimas de
direitos garantidos, afirmados,
já existem unidades em Alagoas,
opressão, da exclusão e das terdentro
de
tudo
aquilo
que
Amapá, Amazonas, Bahia,
ríveis condições de vida". Em
Ceará, Distrito Federal, Espírito
outro trecho, o partido diz
sempre buscamos
Santo, Maranhão, Minas Gerais,
que "a balança da história está
Pernambuco, Rio de Janeiro,
mudando; a força perde seu
Suêd Haidar Nogueira, presidente
do
Partido
da
Mulher
Brasileira
Roraima e Sergipe. A funímpeto e, com satisfação, obserdadora e presidente da legenda,
vamos a Nova Ordem Mundial
Suêd Haidar Nogueira, diz que a ideia do PMB surgiu que será menos masculina, mas permeada pelos ideais
da necessidade de maior participação e respeito das femininos ou, melhor dizendo, será uma Era na qual
mulheres em instâncias partidárias. "Agora é um os elementos masculinos e femininos estarão em maior
novo caminho que vamos trilhar, dentro do Partido equilíbrio".
““
”
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
37
POLÍTICAS DA UNIÃO
TRAPALHADA
Déficit no Orçamento
leva agência de risco
a rebaixar o Brasil
Envio de peça orçamentária ao Congresso
com despesa maior que receita
ajudou a agravar a crise econômica
e política que atingiu o governo
●● Menezes y Morais
P
erdido diante da crise econômica que provocou nos
últimos quatro anos com
gastos além do limite da arrecadação, o governo da presidente
Dilma Rousseff conseguiu a proeza
de piorar ainda mais a situação
ao enviar para o senador Renan
Calheiros (PMDB-AL), presidente do Congresso Nacional, o
Orçamento Geral da União para
2016 com um déficit de R$ 30,5
bilhões. Foi a gota d’água para a
agência americana de avaliação de
crédito Standard & Poor’s rebaixar
a nota de crédito do Brasil, retirando o país da classificação de
investimentos.
Para a Standard & Poor’s – que
via o Brasil com bons olhos desde
2008, na lista de país confiável e bom
pagador –, a economia brasileira
em setembro de 2015 deixou de ser
estável e confiável para os investidores. Até o fechamento desta
edição, duas outras agências de
análise de risco – a Moody’se e a
Fitch – mantinham o Brasil na categoria grau de investimento. Mas
sinalizaram: se a economia brasileira não se estabilizar, se o aumento
da dívida pública não for contido,
haverá rebaixamento.
Aceso o sinal de alerta, a presidente Dilma Rousseff tratou de
correr atrás do prejuízo. Ela mudou
a rotina do Palácio da Alvorada: fez
reuniões extraordinárias com auxiliares e ministros de Estado para
discutir corte de gastos no Orçamento para 2016 e a criação de
impostos a fim de sanear as contas
públicas. Dilma também se reuniu
com deputados, senadores e governadores aliados. Depois anunciou
um pacote de medidas.
38 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
ATÉ O FECHAMENTO DESTA
EDIÇÃO, DUAS OUTRAS
AGÊNCIAS DE ANÁLISE
DE RISCO – A MOODY’SE
E A FITCH – MANTINHAM
O BRASIL NA CATEGORIA
GRAU DE INVESTIMENTO.
MAS SINALIZARAM: SE A
ECONOMIA BRASILEIRA
NÃO SE ESTABILIZAR, SE
O AUMENTO DA DÍVIDA
PÚBLICA NÃO FOR CONTIDO,
HAVERÁ REBAIXAMENTO
Levy e Nelson Barbosa se reuniram
com a Comissão Mista de Orçamento
a fim de buscar uma solução
para o déficit orçamentário
PROBLEMA DO GOVERNO
O envio do Orçamento ao Congresso com déficit – algo inédito
na história do Brasil – foi uma tentativa malograda do governo de
dobrar a resistência dos parlamentares à adoção de medidas amargas
para a recuperação do equilíbrio
fiscal. Os presidentes da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do
Senado, Renan Calheiros, devolveram a bola para o Palácio do
Planalto. Eles entendem ser responsabilidade do governo encontrar
uma solução para o rombo no
orçamento. Ambos são contra o
orçamento no vermelho e a criação
de impostos. Eles acreditam que os
parlamentares incluirão despesas
obrigatórias de R$ 3,4 bilhões no
orçamento. Se a hipótese virar realidade, as contas do governo podem
ficar negativas em até R$ 70 bi.
Mesmo contrariado com a exposição do rombo no orçamento de
2016, o ministro Levy continuou se
reaproximando dos parlamentares
e líderes aliados, a fim de buscar
solução para o déficit. Ele e o ministro
do Planejamento, Nelson Barbosa, se
reuniram com a Comissão Mista de
Orçamento. A impressa foi impedida
de assistir. “A gente sabe aonde quer
chegar, sabe como vai chegar. Nós
precisamos de firmeza para lidar
com essa situação. A maré mudou e
a ficha tem que cair”, disse Levy.
Especialistas em contas públicas
dizem que orçamento com déficit
é inédito. É negativo para o setor
público, que inclui estados e municípios. O déficit de R$ 30,5 bi
representa 0,5% do PIB. Um orçamento com previsão de déficit
significa que as despesas irão superar
as receitas. Assim, o governo Dilma
admite formalmente: a meta fiscal,
de 0,7% do PIB em 2016, fixada em
julho deste ano, não será atingida.
Em novembro de 2014 o governo
anunciou que o setor público registraria superávit primário de pelo
menos 2% do PIB em 2016 – o que
correspondia a R$ 126,7 bi. Mas
o déficit entrou na pauta da discórdia. Para o economista piauiense
Raul Velloso, especialista em contas
públicas, déficit primário significa
que o país está se endividando mais,
"além do serviço da dívida” pago pelo
governo. O professor Luiz Alberto
Machado, vice-diretor da Faculdade
de Economia da FAAP, diz que a
previsão de déficit é o resultado
da equação entre o dinheiro que o
governo arrecada e o que gasta.
AUMENTO DA RECEITA
Veloso e Machado entendem que
os cortes anunciados pelo governo
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
39
POLÍTICAS DA UNIÃO
para cobrir o rombo do déficit são
insuficientes. "No fundo, o que você
precisa fazer é a receita e a despesa
casarem", diz Machado. O professor lembra: com as pessoas físicas
e empresas, é basicamente isso que
acontece. “Agora vamos pensar no
caso de um país: a gente diz que um
país não tem como falir, embora
possa entrar em moratória. Mas
observamos: em vários países, como
o Brasil, toda vez que se encontram
dificuldades para equilibrar um
orçamento, a opção é o aumento de
receita”.
Machado acrescenta: “É muito
difícil ver corte de despesas. O
governo deveria fazer mais cortes
no custeio, não no investimento."
O economista Veloso lembra: superávit é conhecido como a economia
para pagar os juros da dívida do país.
Na prática, o déficit quer dizer que
o governo prevê que não vai conseguir economizar ou ter “sobra” nas
contas do depois de pagar as despesas, exceto juros da dívida pública.
“Não há impedimento legal no fato
de o governo ter enviado orçamento
ao Legislativo com déficit, mas é
inédito”, observa Veloso.
De acordo com a proposta de
Orçamento, a dívida líquida do setor
público deverá somar 36,1% em
2015; 39% do PIB em 2016; 40,2%
do PIB em 2017 e 40,1% do PIB em
2018. A dívida bruta do setor público
deverá terminar este ano em 65,5%
do PIB, passando para 68,4% do
PIB em 2016, para 68,8% do PIB em
2017 e para 68,2% do PIB em 2018.
TRAPALHADA
““
Toda vez que se
encontram dificuldades
para equilibrar um
orçamento, a opção é
o aumento de receita.
É muito difícil ver corte
de despesas. O governo
deveria fazer mais
cortes no custeio, não no
investimento
”
Luiz Alberto Machado, vice-diretor da
Faculdade de Economia da FAAP
Em dezembro de 2014 a estimativa
oficial para a dívida líquida era de
37,4% do PIB no fim de 2015 e 2016,
passando para 37,1% do PIB em
2017. Para a dívida bruta, a previsão
era de 64,1% do PIB no fechamento
de 2015, recuando para 63,3% do
PIB no fim de 2016 e para 62,5% do
PIB em 2017.
40 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
GOVERNO ANUNCIA MEDIDAS AMARGAS
O resultado das reuniões extraordinárias que a presidente Dilma
Rousseff fez com assessores próximos, ministros de Estado,
deputados, senadores e governadores da base aliada foi configurado
no dia 14 de setembro com o anúncio
de um pacote de medidas para tirar o
Orçamento do vermelho. O ministro
Joaquim Levy, da Fazenda, queria
um corte mais substancial nas despesas públicas. Ele receia que a crise
atual seja tão grave como as crises da
década de 1980, quando a inflação
ultrapassou a casa de dois dígitos.
O pacote de medidas para equacionar o déficit orçamentário de
R$ 30,5 bi foi anunciado por Levy,
tendo ao lado o colega Nelson
Barbosa (Planejamento). Levy falou
dos novos cortes orçamentários. O
governo anunciou cortes de R$ 26
bilhões em gastos no Orçamento de
2016 para aumentar a arrecadação
em R$ 32 bilhões. Pelas medidas,
Antonio Cruz/Agência Brasil
Oito governadores foram ao Congresso Nacional tentar convencer os parlamentares a ressuscitar a CPMF
o governo “corta na própria carne”,
mas a sociedade é que paga a conta.
Dilma cogita aumentar a alíquota do
Imposto de Renda e criar impostos
até para legalizar jogos de azar em
cassinos, o que gerou mais críticas
contra o governo no Parlamento.
Ao recriar o imposto sobre movimentação financeira, nos moldes da
antiga CPMF, o governo pretende
arrecadar R$ 32 bilhões em 2016. A
alíquota proposta pelo Palácio do Planalto é de 0,2% e a contribuição seria
“temporária”, conforme o ministro da
Fazenda. “Não vai precisar durar mais
de quatro anos”, afirmou Levy. Dilma
discutiu a volta da CPMF com governadores de 23 estados, prometendo
partilhar com eles uma parcela do
tributo, que seria elevado para 0,38%,
dos quais 0,18% iriam para estados e
municípios. O aceno de Dilma teve
apoio formal de nove governadores,
que saíram em romaria pedindo
apoio do Congresso.
A volta da CPMF interessa aos
governadores de Alagoas, Acre,
Amapá, Piauí, Rio de Janeiro, Sergipe,
Minas Gerais e Tocantins. Para convencer seus pares, o governador do
Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão
(PMDB), afirma que a CPMF “só caiu
no passado porque não era compartilhada com estados e municípios, mas
nunca é tarde”. Pezão ouviu do presidente da Câmara, deputado Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), que a ideia está
“fadada ao fracasso”.
ALÉM DOS MINISTÉRIOS
No início de setembro Dilma
dissera que o governo cortou “tudo”
que poderia, ao anunciar a extinção
(ou fusão) de 10 dos 39 ministérios
para economizar R$ 200 milhões.
A extinção de ministérios trouxe o
ex-presidente Lula a Brasília. Ele se
reuniu com Dilma e ministros na
noite do dia 17 e no dia 18 saiu em
romaria legislativa, quando pediu
ao deputado Cunha para “ajudar o
governo”. As críticas a Dilma, porém,
não cessaram. Pelo contrário, se
agravaram na Câmara – onde avança
o movimento pró-impeachment
da presidenta, que deverá ser apresentado em dezembro.
As críticas ao governo Dilma
se agravaram também no Senado
e junto à opinião pública, especialmente após o rebaixamento do grau
de credibilidade a que o Brasil fora
colocado pela agência americana
Standard & Poor’s. Para uma boa
parcela da população, o governo
Dilma não dura até 2018, marco
das novas eleições presidenciais,
conforme revela sondagem feita
pela consultoria Ideia Inteligência
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
41
POLÍTICAS DA UNIÃO
a pedido do Brazil Institute de
Washington, divulgada no dia 17.
De acordo com o levantamento
da Ideia Inteligência, apenas 32% dos
entrevistados acreditam na hipótese
de que Dilma terminará o mandato
em 2018. O Palácio do Planalto não
comentou. Mas, antevendo que algo
parecido iria acontecer após a revelação do déficit orçamentário, Dilma
anunciara as medidas de contenção de
gastos. Dos mil 29 mil cargos comissionados, Dilma disse que apenas
mil serão extintos. O presidente do
Senado, Renan Calheiros, defende a
extinção de “pelo menos 10 mil”.
CONCURSOS CANCELADOS
Dilma anunciou ainda a redução
de aluguel, segurança e veículos,
limitação de diárias e passagens de
servidores. Tudo somaria uma economia de R$ 2 bilhões. Os concursos
públicos previstos para 2016 foram
cancelados, para gerar economia de
R$ 1,5 bilhão. O governo também
cogita a Medida Provisória 691, que
autoriza a União a vender imóveis
de sua propriedade. Os cortes na
economia da União atingem os servidores públicos federais. O primeiro
deles adia o reajuste salarial do funcionalismo para agosto de 2016. Os
valores seriam corrigidos em janeiro
de 2016.
O governo estima um impacto
de R$ 7 bilhões a menos com este
adiamento. O teto de remuneração
para o setor público também traria
uma economia de R$ 800 mil. Outra
medida de contenção de despesas
TRAPALHADA
anunciada pelo governo é o fim
do abono permanência, o que significa R$ 1,2 bi de economia. Assim,
a União deixaria de pagar benefícios aos servidores que optam pela
não aposentaria quando atingem o
tempo necessário.
AS DESPESAS
DISCRICIONÁRIAS COM
CARGOS COMISSIONADOS
FORAM REDUZIDAS PARA
FAZER CAIXA NO VALOR
DE R$ 2 BI. SOBRE OS
LIMITES PARA GASTOS COM
SERVIDORES, ELES SERÃO
R$ 200 MILHÕES A MENOS
As despesas discricionárias com
cargos comissionados foram reduzidas para fazer caixa no valor de
R$ 2 bi. Sobre os limites para gastos
com servidores, eles serão R$ 200
milhões a menos. No Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC)
os cortes atingem o programa Minha
Casa Minha Vida, menina dos olhos
do governo. A economia é de R$ 4,8
bi. Diante das medidas de arrocho
que atingem a categoria, os servidores públicos anunciaram greve
geral a partir do dia 23.
CORTES NA SAÚDE
Ainda sobre o Minha Casa Minha
Vida, as renegociações de contratos
de aluguel, manutenção e segurança
economizarão mais R$ 1,6 bi. Quer
42 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
dizer: vem aumento para prestações
de quem comprou a casa própria
financiada. O governo acredita que
mais R$ 3,8 bi serão economizados
na área da Saúde, um dos itens que
mais geram críticas dos que não
podem pagar plano de saúde. Quer
dizer: se o atendimento às demandas
da saúde pública é péssimo, a tendência é piorar. No item saúde, o
governo anunciou que despesas posteriores serão pagas com verbas das
emendas parlamentares.
Isto desagrada até deputados
aliados. É notório: os 513 deputados,
sem exceção, querem mais verbas
para as emendas parlamentares,
dinheiro com o qual encaminham
seus interesses nos estados que representam. Dilma também anunciou
corte num tema polêmico: reduzir
em 64% a verba do Fundo Partidário,
utilizado pelos partidos para pagar
propaganda, funcionários, dirigentes
e manter a estrutura partidária.
O governo havia alocado R$ 289,5
milhões para o fundo, composto por
dotações da União, doações e arrecadação com multas. Mas o relator do
Orçamento de 2015, senador Romero
Jucá (PMDB-RR), aumentou para
R$ 867,5 milhões. No Orçamento, o
governo reservou R$ 311,4 milhões
para as legendas, sendo R$ 230,2
milhões de recursos da União e R$
81,2 milhões de multas e outras penalidades. Os ministros Levy e Barbosa
acreditam que, com os cortes orçamentários, o governo economizará
outros R$ 35 bilhões para pagar os
juros da dívida pública.
l
POLÍTICA E PODER
WASHINGTON SIDNEY
●● THE ECONOMIST E A CRISE BRASILEIRA
Numa análise do desempenho do governo da presidente Dilma (foto) no mês de setembro, o jornal britânico
The Economist diz que ela está dentro de um redemoinho
e, juntamente com a grande mídia brasileira, estimula a
crise para forçar a retomada do Estado mínimo – modelo
de gestão econômica cujas regras são ditadas por banqueiros privados internacionais. No artigo, o jornal faz
um paralelo entre o comportamento dos animais diante de
uma pessoa com medo e o mercado financeiro. Ou seja,
comparam os banqueiros a animais selvagens, famintos
das riquezas brasileiras. O texto, traduzido e publicado
no jornal Estadão, diz que, “se os animais têm faro para
perceber quando um ser humano está com medo, os mercados financeiros farejam de longe a paralisia e a divisão
interna de um governo”.
●● SUÍÇA CONGELA CONTAS DE EDUARDO CUNHA
O presidente da
Câmara dos Deputados,
Eduardo
Cunha (PMDBRJ), abriu empresas
de fachada em
paraísos
fiscais
para esconder seu
nome nas contas
registradas na Suíça. Isso é o que disse o Ministério Público
suíço à Procuradoria Geral da República brasileira. Autos
de uma investigação contra Cunha foram enviados, neste
mês de setembro, para as autoridades brasileiras. A Suíça
congelou cerca de cinco milhões de dólares de quatro contas
bancárias cujos beneficiários são Eduardo Cunha, a mulher
e a filha dele. Auditoria interna do banco que guarda esses
valores é a responsável pelo informe que levou à abertura de
uma ação criminal contra o presidente da Câmara na Suíça
por suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Ao
saber de tudo isso, Cunha adiou uma viagem à Itália.
●● MINISTRO JOAQUIM LEVY PEDE JUÍZO AO PT
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy,
apelou. No meio da crise brasileira, ele pediu
aos petistas que acabem com essa história de
“ambiguidade política” e alertou para a necessidade de uma unidade a fim de combater os
problemas econômicos do país. O ministro
avisou que criar “cizânia” em torno do ajuste
fiscal só contribui para o aprofundamento da
crise econômica. Levy avalia que a conturbação política está atrelada à desorganização
da economia e que nenhuma das duas se
resolvem sem que se encontrem soluções para
ambas. Foi um recado claro para certos setores
do PT que insistem em criticar o ajuste fiscal
e para lideranças dos movimentos sociais, que
têm se colocado contra a política econômica.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
43
ESTADOS E MUNICÍPIOS
RECESSÃO
Crise econômica
atinge finanças dos
estados brasileiros
De pires na mão, governadores
cortam gastos e aumentam impostos.
Muitos estão com obras paradas e
com servidores públicos em greve
●● Da redação
A
crise econômica atingiu fortemente os estados brasileiros.
A maioria dos governadores
está fazendo cortes de custeio e de
investimentos. O resultado são obras
paralisadas, projetos adiados, atrasos
de pagamento de serviços e de fornecedores. Para se ter uma ideia,
o governo de Minas Gerais tem
497 obras paradas, 346 por falta de
verbas. Entre elas dois hospitais no
norte do estado, estimados em R$
196 milhões. O déficit na saúde chega
a R$ 1,5 bilhão, as polícias Militar e
Civil estão sucateadas, a situação
de 74% das escolas públicas é precária, o investimento em tecnologia
caiu e o gasto anual com o custeio da
Cidade Administrativa soma R$ 120
milhões.
Com as contas zeradas e a possibilidade de fechar o ano com déficit
de R$ 10 bilhões, o governo mineiro
decidiu cortar o Prêmio por Produtividade, bônus criado em 2003 para
incentivar os servidores públicos a
cumprirem metas. “Não temos condições de pagar. Com o estado em
déficit, não podemos ter esse adicional. Reconhecemos como dívida,
mas não podemos pagar. O impacto é
quase o de uma folha (de pagamento)”,
avisou o secretário de Planejamento e
Gestão (Seplag), Helvécio Magalhães.
A previsão do governador Fernando
Pimentel (PT) é de que o estado deve
fechar o ano com um déficit da ordem
de R$ 7,2 bilhões.
Em dificuldades, os governadores
buscam manobras para equilibrar as
contas e apelam para medidas impopulares. Nem o estado de São Paulo,
considerado a unidade mais rica da
Federação, escapa da crise. Neste
mês de setembro, o governador
Geraldo Alckmin (PSDB) resolveu
44 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
EM DIFICULDADES, OS
GOVERNADORES BUSCAM
MANOBRAS PARA
EQUILIBRAR AS CONTAS E
APELAM PARA MEDIDAS
IMPOPULARES. NEM O
ESTADO DE SÃO PAULO,
CONSIDERADO A UNIDADE
MAIS RICA DA FEDERAÇÃO,
ESCAPA DA CRISE
restringir a distribuição de leite para
crianças carentes. Antes, 353 mil
crianças entre seis meses e seis anos
e 11 meses eram atendidas. Agora, o
programa só atende a 37 mil crianças
entre um ano e cinco anos e 11 meses.
Crise: a construção do Hospital Regional de
Governador Valadares, no norte de Minas
Gerais, foi paralisada por falta de dinheiro
Outra medida impopular do
governador paulista foi o adiamento
do pagamento dos créditos da Nota
Fiscal Paulista, instrumento criado
para reduzir a sonegação e ampliar
a receita. Ele decidiu não liberar em
outubro os créditos a que os contribuintes teriam direito e prometeu
pagá-los somente em abril de 2016.
O objetivo dos cortes de despesas é
compensar a redução das receitas.
Até este mês de setembro, foi registrada uma queda de arrecadação da
ordem de 3% em relação ao mesmo
período de 2014. A previsão é de que
a receita em 2015 fique R$ 5 bilhões
abaixo do orçamento de R$ 188
bilhões.
CAOS
O Rio Grande do Sul também
enfrenta situação bastante delicada.
No final de agosto, o governo do
estado encaminhou aos parlamentares da bancada gaúcha no
Congresso Nacional um material de
apoio que contextualiza a situação
econômica atual. Segundo o documento, o governador José Ivo Sartori
(PMDB) assumiu o Palácio do
Piratini faltando R$ 5,4 bilhões em
caixa, o equivalente a três folhas de
pagamento do funcionalismo. A
equipe do governador fez uma analogia para explicar o endividamento
do estado: cada gaúcho nasce hoje
com uma dívida de R$ 6,84 mil.
O pagamento da folha do funcionalismo público virou um desafio
para o governo estadual. O desequilíbrio nas finanças do estado, que já
dura décadas, chegou a um ponto
em que o governo já não consegue
pagar os servidores na integralidade
e tem de pedalar dívidas para o mês
seguinte. O mês de agosto foi pago
em quatro parcelas, o que gerou uma
greve de quatro dias dos servidores
e ampliou o cenário de tensão no
estado.
Para honrar a dívida com o funcionalismo, Sartori atrasou, em abril,
uma parcela de R$ 280 milhões da
dívida do estado com a União, o que
levou o governo federal a bloquear
as contas do estado. A dívida consolidada do Rio Grande do Sul com
a União, hoje, é de R$ 49,3 bilhões.
Sartori diz que os cofres estaduais
têm um déficit mensal em torno
de R$ 400 milhões. Já a folha da
administração direta, incluindo fundações e autarquias, está em torno de
R$ 1,8 bilhão ao mês. Para este ano,
o governo calcula um déficit de R$
5,4 bilhões. Desde o início do ano
o governo gaúcho vem sinalizando
a dificuldade de “fechar a conta” no
fim do mês.
LEI KANDIR
No Mato Grosso do Sul, a palavra
de ordem é apertar o cinto. Esta é
a meta do secretário de Fazenda,
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
45
ESTADOS E MUNICÍPIOS
RECESSÃO
Inconformados com os cortes de gastos do governo, 10 mil professores
entraram em choque com a PM, em um protesto que deixou 200 feridos
Marcio Monteiro (PSDB). Els tem
se queixado de uma lei aprovada na
gestão passada que incrementou os
salários do funcionalismo público,
provocando despesas da ordem de
29,9% nos cofres do Estado. “Essa lei
foi uma aposta no escuro, pois havia
a possibilidade de crescimento da
economia do estado para esse ano,
mas não houve. Agora temos que nos
readequar”, disse Monteiro.
Segundo ele, a folha de pagamento do estado está em torno de R$
50 milhões. Para cumprir esse pagamento estão sendo feitos ajustes.
O governador Reinaldo Azambuja
(PSDB) corre atrás de recursos represados pelo governo federal referentes
à Lei Kandir, de 2014. “Nós estamos
esperando a vinda de R$ 76 milhões
divididos em quatro parcelas. Que
não se sabe quando vão ser pagas”,
observa o secretário Marcio Monteiro.
O governador enviou à Assembleia
Legislativa projeto de lei que aumenta
impostos de cosméticos, perfumes,
refrigerantes, bebidas alcoólicas,
bem como de cigarros e derivados
do fumo. Além disso, propõe que os
carros só fiquem isentos de IPVA a
partir de 20 anos, cinco a mais do que
é hoje.
Em Mato Grosso a situação não é
diferente. Em janeiro, o governador
Pedro Taques (PSDB) suspendeu
pagamentos pendentes do governo
anterior, na ordem de R$ 970 milhões,
e repactuou contratos. Pelo menos 1,1
mil cargos comissionados foram cortados. Taques tem dito que as medidas
adotadas não têm sido suficientes para
responder à queda de arrecdação. No
primeiro quadrimestre deste ano, o
governo do estado cortou 62,1% dos
46 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
investimentos, em comparação com
o mesmo período do ano passado. O
valor caiu de R$ 320,3 milhões para
R$ 121,3 milhões.
A queda da arrecadação diminuiu
a velocidade na execução de obras e
causou adiamento de novos projetos.
Só em janeiro e fevereiro deste ano
as perdas de arrecadação foram de
R$ 65 milhões, segundo divulgou o
governador Reinaldo Azambuja, em
comparação com os dois primeiros
meses de 2014. “Existe grande preocupação, já que, segundo declaração
da presidente Dilma (Rousseff),
essa crise deve durar até o final do
ano. Mato Grosso do Sul já sente
esses efeitos desde janeiro”, afirmou
Azambuja.
PROTESTOS
O governador do Paraná, Beto
Richa (PSDB), também elevou
impostos na tentativa de equacionar
a previsão de queda da arrecadação.
Tão logo assumiu o cargo, elevou a
alíquota do IPVA de 2,5% para 3,5%
e também a do ICMS, afetando produtos como remédios, gasolina,
material escolar, roupas, móveis e eletrodomésticos. Richa responsabiliza o
governo federal pela crise enfrentada
pelo estado. Ele se disse “traído” pelas
projeções econômicas do governo
federal. O tucano enfrentou uma violenta greve de professores e de outras
categorias que se sentiram inconformados com os cortes de gastos do
governo. No mês de maio, cerca de 10
mil pessoas fizeram um protesto nas
ruas que resultou em confronto com
a Polícia Militar, resultando em 200
feridos.
Nem as áreas de saúde, segurança
e educação escaparam dos cortes
anunciados pelo governador do Rio
de Janeiro, Luiz Fernando Pezão
(PMDB), antes mesmo de terminar
seu primeiro mês no cargo. No dia
20 de janeiro, ele baixou um decreto
determinando corte de R$ 2,683 do
orçamento previsto para este ano. O
déficit orçamentário do Rio é o maior
do país: são R$ 13 bilhões, dos quais
R$ 9 bilhões só da Previdência. A previsão é de que a queda de arrecadação
de royalties do petróleo, na comparação entre 2014 e este ano, possa
passar dos R$ 3 bilhões.
ECONOMIA ESTAGNADA
José Carlos de Oliveira, professor de Economia da Universidade
de Brasília (UnB) e especialista em
orçamento público, avalia que a crise
dos governos estaduais é reflexo
de um conjunto de fatores, como
economia estagnada, que reduz a
arrecadação, gasto público crescente e endividamento histórico. Um
dos principais problemas, segundo
ele, é que a despesa com a máquina
é “extremamente alta e crescente, a
um ritmo inclusive maior do que o
da economia”. Reformas estruturais e
redução no número de cargos comissionados e nas verbas de publicidade
são medidas consideradas prioritárias pelo professor, que considera
“irresponsável parcelar salários”:
“A solução (da crise) passa, não
estou dizendo que se esgota, pelo
““
A solução (da
crise) passa pelo aperto de
cinto, que tem de ser seletivo.
Não devo prejudicar quem
trabalha, quem produz e quem
é eficiente, e muito menos
prejudicar a qualidade do
serviço público que ofereço. O
resto, posso sacrificar
”
José Carlos de Oliveira, professor
de Economia da UnB e especialista
em orçamento público.
aperto de cinto, que tem de ser
seletivo. Não devo prejudicar quem
trabalha, quem produz e quem é eficiente, e muito menos prejudicar a
qualidade do serviço público que
ofereço. O resto, posso sacrificar”,
afirma.
Já o auditor fiscal João Pedro
Casarotto, da Federação Brasileira
de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), acha
que a dívida com a União é o
principal entrave para o desenvolvimento dos estados, pois causa
“uma sangria grande de recursos,
que impede os governos de fazerem
alguns investimentos”. Segundo ele,
a Lei de Renegociação da Dívida,
aprovada no ano passado, irá
apenas “empurrar o problema com
a barriga” e abrir espaço fiscal para
novos empréstimos.
A alteração na base de cálculo das
dívidas foi sancionada, mas ainda
não foi aplicada porque, segundo o
governo federal, dependeria de regulamentação, argumento que vem
sendo contestado judicialmente. As
prefeituras do Rio de Janeiro e de
São Paulo obtiveram liminares para
que seus passivos sejam pagos com
base nos novos índices. A mesma
estratégia, diz Casarotto, pode ser
adotada pelos estados.
l
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
47
GOVERNANÇA E GESTÃO
MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
As sete faces da função controle
Nas minhas infantis tardes semanais, assistindo à interação com as partes interessadas, como o Dr. Lao do
clássica “Sessão da tarde”, vi por várias vezes a película “As filme e suas personas.
Sete Faces de Dr. Lao”, um filme estadunidense de 1964,
Assim, para fins didáticos, vamos abrir a nossa mente
dirigido por George Pal, que era de fato uma adaptação e analisar sete ramos dessa grande árvore que é a função
do romance de 1935 intitulado “O Circo do Dr. Lao”, do controle, presente na vida administrativa e pessoal, perautor de mesma nacionalidade, Charles G. Finney.
cebendo como ela se materializa, não pela forma de
Nesse clássico, um circo conduzido pelo Dr. Lao chega instituições e órgãos, e sim pela interação com os sistemas
à cidade fictícia de Abalone e os personagens do circo, políticos e administrativos. Citaremos alguns exemplos
que na verdade são facetas de seu proprietário, inte- para melhorar a percepção:
ragem com a população local, provocando suas questões 1. DIAGNOSTICADORA-AVALIATIVA – O controle
íntimas e coletivas. Essas interações são, na verdade,
pelas suas ações de auditoria, de verificação, produz
uma articulação daquele enigmático personagem para
de forma privilegiada informações sobre a gestão,
a reação da comunidade a um grande problema político
diagnósticos e cenários que permitem a construção de
local. O filme é interessantíssimo, em
opinião sobre programas de governo e
especial por relacionar o individual e
sobre a gestão de unidades. Ex: audiO controle é
o coletivo.
torias operacionais, relatório de gestão.
uma
função
nova
quando
Aproveitando-se dessa antiga
2.INTERATIVA-PREVENTIVA
–
se
fala
de
um
contexto
imagem, podemos dizer também que
Nessa função, transcendendo apenas
democrático. E ao mesmo
a função controle, em suas diversas
o interesse do diagnóstico, o controle
roupagens institucionais – coninterage, recomenda, orienta, alerta,
tempo fundamental
trole administrativo, controle social,
de forma preventiva na resposta aos
nesse desenho
controle interno, controle externo,
riscos detectados, visando à correção
controle contábil –, pode se materiade rumo e às alterações pontuais e
lizar em diferentes funções, em faces que se apresentam
sistêmicas que promovam a melhoria. Ex: recomene que se articulam na promoção do aprimoramento da
dações efetuadas via relatório.
gestão pública, oriundas dessas diversas roupagens, 3. JUDICANTE-PUNITIVA – Seja na punição dos
integrando-se e influenciando questões individuais e
agentes pelo desvio de conduta, seja pela certificação
coletivas.
de órgãos e gestões, nessa função o controle atua de
O controle, como dizia um dos pais da Adminisforma coercitiva, impondo àqueles que deliberaram e
tração, Henri Fayol, “consiste em verificar se tudo corre
causaram problemas punições formais e simbólicas,
de acordo com o programa adotado, as ordens dadas e os
de forma que as situações não mais ocorram. Ex:
princípios admitidos. Tem por objetivo assinalar as faltas
penalidades aplicadas pela Lei Anticorrupção, pelos
e os erros, a fim de que se possa repará-los e evitar a sua
tribunais de contas.
repetição”. Uma função administrativa que atua sobre os 4. SUPERVISORA-INTEGRALIZANTE – Aqui o
problemas do mundo concreto, da dinâmica, e, apesar de
controle funciona como uma meta-controle, uma
ser uma atuação una, é percebida de diversas formas, na
supervisão de nível estratégico, olhando a floresta
““
”
48 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
do alto e promovendo a melhoria em uma amplitude
maior. Enxerga fluxos e sistemas, permitindo mapear
fragilidades e interagir em uma dimensão macrogovernamental. Ex. análise das contas de governo ou
contas do presidente.
5. MEDIADORA-ARTICULADORA – O controle
tem o potencial de mediar demandas populares, articular normativos e interagir com diversos atores na
busca de conciliar soluções, rompendo um paradigma
positivista de apenas se prender à lei. Nesse sentido,
a capacidade de produzir informações e de aplicar
sanções permite essa resolutividade mais expedita
pela via administrativa. Ex. interação com o controle
social, no processamento de denúncias, na proposição
de normas.
6. ORIENTADORA-DIFUSORA – No que tange à
gestão de riscos, a accountability, na promoção da realimentação da gestão, o controle dispõe de um grande
ferramental, pela sua visão global e pelas suas ferramentas de análise e detecção, para orientar o gestor,
não a fazer o que deve ser feito, mas sim a se prevenir
para que o que deve ser feito ocorra e com resultados.
Ex. atividade de capacitação do gestor, concursos de
boas práticas, orientações de como prestar contas.
7. ESTRUTURADORA-REFERENCIAL – Como
difusor, o controle também parametriza e referência
a gestão, criando isomorfismos, pelo seu poder de
ditar boas práticas e pelo caráter indutor das avaliações. Assim, pelos seus achados e recomendações,
ele estimula a criação de normas e procedimentos
e molda a atuação dos gestores. Ex. efeitos de recomendações sobre normas, procedimentos e nas
organizações.
O controle é uma função nova quando se fala de um
contexto democrático. E ao mesmo tempo fundamental
nesse desenho. Ainda se tem muito a falar sobre essa
função administrativa, e isso traz crises de identidade, em
dilemas e contradições que fazem parte de sua história.
Precisamos de equilíbrio, harmonia, coordenação
nessas facetas. Como desconsiderar os aspectos mais
pragmáticos, focados no agente, que, se não for alcançado,
vai cometer das suas de novo, contaminando o sistema?
Como não focar o sistema, o aspecto preventivo, a
melhoria dos controles que fortalece aquela gestão contra
os obstáculos? Como desconsiderar a contabilidade como
ferramenta no apoio à gestão e que necessita da auditoria
e que fornece credibilidade às contas? Como esquecer a
força da população, como beneficiário e aliado na governança das políticas públicas, necessitando estar engajada
nessa ação? Não podemos alimentar a ingênua ilusão de
que apenas órgãos burocráticos darão de tudo sozinhos!
Uma discussão complexa é a do que é o controle, dado
que se trata de uma ação transdisciplinar. Difícil definir
conceito em tão grande mutação e vinculado a tantas
áreas do saber... Somos jurídicos? Somos contábeis?
Somos gerenciais? Somos sociais? Somos informáticos?
Temos ganhos e perdas em todas essas facetas e penso
que necessitamos aliar essas coisas, tirando o melhor de
cada um desses papeis, de forma integrada.
Essas funções se entrelaçam e, às vezes, até se conflitam,
mas devem convergir e se coordenar para a promoção do
aprimoramento da gestão pública. Não se trata de uma lista
exaustiva... São faces, que, como no filme citado, por vezes
não são compreendidas de forma isolada, mas que, pela
sua interação, pelo equilíbrio, promovem no cotidiano do
mundo dos riscos a eficácia e a eficiência necessária para o
Estado nas democracias do século XXI.
l
Marcus Vinicius de Azevedo Braga é doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre
em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), formado em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e bacharel em Ciências Navais com habilitação em
Administração pela Escola Naval. É analista de Finanças e Controle.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
49
JUDICIÁRIO
LAVA JATO
O mapa da mina
da corrupção que
abalou o Brasil
Propinoduto teve ramificações
estendidas a dezenas de obras em
vários estados do país. Foram bilhões
de reais drenados da Petrobras
●● Menezes y Morais
E
m sua 19ª fase, a Operação Lava
Jato trouxe a público o mapa
da mina do esquema de propinas da Petrobras. Mais de 60 obras
foram autorizadas por contratos
do dinheiro sujo em São Paulo, Rio
de Janeiro, Pernambuco, Espírito
Santo e Bahia apenas na Diretoria de
Serviços da empresa. Foi o que revelaram os envolvidos que assinaram
acordo de delação premiada.
Contudo, a Justiça só tem
denúncias de 22 obras, 21 da
Petrobras e uma da Usina Nuclear
de Angra 3. Para os investigadores,
a conclusão é óbvia: para cada contrato, havia botim incluído – um
percentual da corrupção, dinheiro
sujo para dividir entre operadores e
as respectivas estruturas partidárias
que representam no organograma
criminoso.
O ex-gerente da Petrobras Pedro
Barusco é um dos que ajudam o
Ministério Público Federal e a Polícia
Federal a reconstituir o mapa da corrupção. São mais de 60 obras, entre
construção de refinarias, gasodutos,
compra de navios. Todas têm um
percentual milionário da corrupção.
Relatório divulgado recentemente
pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras apontou a
movimentação suspeita de R$ 23,7
bilhões por parte dos 8.620 suspeitos
investigados na Operação Lava Jato.
Em Itaboraí (RJ), a obra da refinaria Coperj teve contrato assinado
por quatro consórcios no valor de
R$ 8,81 bilhões, com propina de R$
264,38 milhões. Em Ipojuca (PE)
foi assinado contrato de 8 bilhões,
com propina de R$ 174,36 milhões,
Em Araucária (PR), o contrato foi
de R$ 8,05 bilhões, com R$ 164,11
milhões de propina. Em Paulínia
50 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
MAIS DE 60 OBRAS
FORAM AUTORIZADAS POR
CONTRATOS DO DINHEIRO
SUJO EM SÃO PAULO, RIO
DE JANEIRO, PERNAMBUCO,
ESPÍRITO SANTO E BAHIA
APENAS NA DIRETORIA DE
SERVIÇOS DA EMPRESA
(SP), o contrato foi assinado por
R$ 190 bilhões, com propina de R$
57,53 milhões.
Investigações do MPF e da PF
desarticularam um esquema que
drenou R$ 23,7 bilhões dos cofres da
Petrobras, segundo estimativa da COAF
SUPERFATURAMENTO CRIMINOSO
Em Betim (MG), a obra da refinaria foi contratada por R$ 961
milhões, com o valor da corrupção
estipulado em R$ 28,85 milhões. Na
Bahia, a obra do município de São
Francisco do Conde foi orçada em
R$ 3,39 milhões, com propina de R$
42,88 milhões. Em Bacabeira (MA),
uma obra orçada em R$ 956,88
milhões tinha R$ 3,18 milhões de
propina.
Em Cubatão (SP), a obra orçada
em R$ 467,08 milhões tinha R$ 4,93
milhões de propina. No gasoduto
Urucu (AM), o valor do contrato foi de
R$ 1,83 bilhão, com R$ 36,55 milhões
de dinheiro sujo. No gasoduto de
Macacu (RJ) foram R$ 163 milhões,
com propina de R$3,52 milhões. Em
Pernambuco foram gastos R$ 569,82
milhões no gasoduto de Ipojuca,
com propina de R$ 11,39 milhões.
Na Bacia de Santos (SP), o gasoduto
Lula-Cernambi consumiu R$ 248,97
milhões, com propina de R$ 100 mil.
O contrato das obras de terminais
de regaseificação em Salvador (BA)
foi assinado no valor de R$ 542,57
milhões, com R$ 10,86 milhões de
propina. No Rio de Janeiro, uma obra
orçada em R$ 544,08 milhões teve R$
10,90 milhões de propina. Em Vitória
(ES), foram R$ 486 milhões, com R$
4,86 milhões para a corrupção. No
Espírito Santo, o terminal Barra do
Riacho, em Aracruz, custou R$ 895,88
milhões, com R$ 4,93 de propina.
Os cinco terminais aquaviários
no Rio de Janeiro, com contratos no
valor de R$ 233,76 milhões, embutiram R$ 2,33 milhões para propina.
No Espírito Santo, as seis unidades de
gás de cacimbas, em Linhares, custaram R$ 1,81 bilhão, com propina de
R$ 38,25 milhões. Há ainda o mapeamento da propina em obras de usinas
nucleares e navios-sonda. A usina
de Angra dos Reis (RJ) custou R$
2.9 bilhões, com R$ 5,82 milhões de
propina.
O navio-sonda Petrobras 1000
custou R$ 586 milhões, com R$ 2,9
milhões de propina. O navio-sonda
Vitória 1000, de R$ 616 milhões,
teve propina de R$ 25 milhões. E
o ­
navio-sonda Titanium, de R$
1,81 bilhão, teve propina de R$ 20
milhões. Como os navios-sondas
ficam em movimento, inexiste ponto
fixo geográfico. Conforme os investigadores do MPF e da PF, “o valor
da propina, em geral, é estimado na
divisão usual de 1% de cada contrato,
para a Diretoria de Abastecimento e
2% para a de Serviços”.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
51
JUDICIÁRIO
LAVA JATO
MP e Polícia Federal
devassam quadros
históricos do PT
José Dirceu, ex-ministro da
Casa Civil do ex-presidente Lula,
foi o primeiro quadro histórico do
PT a aparecer nas investigações da
Operação Lava Jato. Depois surgiram Gilberto Carvalho e Antônio
Palocci. Com o avanço das investigações, vieram à tona os nomes
da ­
ex-ministra Ideli Salvatti e os
ministros Edinho Silva e Aloysio
Mercadante.
Por fim surge o nome do líder
maior: o fundador do partido e
ex-presidente da República Luiz
­
Inácio Lula da Silva. Lula vai depor
na Polícia Federal como testemunha.
Teve o nome citado pelos investigados do esquema de corrupção
na Petrobras que assinaram acordo
de delação. Até o fechamento desta
edição o depoimento de Lula não
tinha data definida.
A PF pediu e o ­procurador-geral
da República Rodrigo Janot
encaminhou ofício solicitando autorização ao Supremo Tribunal Federal
(STF) para a Polícia federal ouvir
Lula na condição de testemunha.
Lula não tem mais fórum privilegiado, mas o nome dele foi citado
em meio aos de deputados e senadores que só podem ser investigados
com autorização do STF. Lula é considerado o líder maior do PT. Rui
Envolvido no escândalo por delatores, o ex-presidente Lula é o mais novo
integrante de um quadro histórico do PT acusado de participar do Petrolão
LULA NÃO TEM MAIS
FÓRUM PRIVILEGIADO,
MAS O NOME DELE FOI
CITADO EM MEIO AOS DE
DEPUTADOS E SENADORES
QUE SÓ PODEM SER
INVESTIGADOS COM
AUTORIZAÇÃO DO STF
Falcão, presidente nacional da sigla,
lançou Lula no final de setembro à
Presidência da República em 2018.
O doleiro-delator Alberto Youssef,
que está preso, foi o primeiro a citar
Lula e a presidenta Dilma no processo da Lava Jato. Outro delator,
Paulo Roberto Costa – que Lula
chamava carinhosamente de “Paulinho” –, confirmou a informação
52 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
de Youssef: o governo sabia da corrupção que grassava nos subterrâneos
da Petrobras. Costa enviou e-mail ao
governo sobre o assunto, alertando
sobre uma provável investigação do
Tribunal de Contas da União nos contratos superfaturados da Petrobras.
OUTROS MINISTROS
Youssef também citou nomes
de ministros de Lula: Gilberto Carvalho, ex-chefe de Gabinete de
Lula; José Dirceu, da Casa Civil;
Antônio Palocci, da Fazenda; e Ideli
Salvatti, ex-ministra de Relações
Institucionais; Palocci também foi
ministro (Casa Civil) do primeiro
governo Dilma. Foi obrigado a
deixar os cargos quando teve o nome
envolvido em denúncias. Em 2010
Palocci coordenou a campanha de
Elza Fiuza /Agência Brasil
Dilma, reuniu-se com operadores do
esquema de corrupção e pediu R$ 2
milhões. O acerto para a entrega do
dinheiro foi feito no comitê eleitoral
de Dilma em Brasília.
O dinheiro sujo foi entregue ao
braço direito do ex-ministro Palocci,
Charles Capella, em um hotel de São
Paulo. Foi o que disse ao MPF e à PF
o operador Fernando Soares, o Fernando Baiano, outro delator. Palocci
nega: “É fantasia”. Ainda sobre
Palocci – que Lula chama de “gênio
da economia” – a ISTOÉ revelou,
em reportagem exclusiva de capa
intitulada As operações de Palocci
na Lava Jato, que as consultorias do
­ex-ministro teriam sido criadas para
desviar R$ 100 milhões do Petrolão
para o PT.
EDINHO SILVA, EXTESOUREIRO DE DILMA,
SE DEFENDE DA SUSPEITA
DE IRREGULARIDADES
NA ARRECADAÇÃO,
SOBRETUDO EM CONTATO
COM O EMPREITEIRO
RICARDO PESSOA, DA
UTC, OUTRO DELATOR
EDINHO E MERCADANTE
Depois a Lava Jato citou
ministros do segundo governo
Dilma: Edinho Silva, das Comunicações, e Aloizio Mercadante,
da Casa Civil. Ambos são investigados por autorização do STF.
Mercadante teria obtido benefícios
antirrepublicanos do esquema da
Petrobras em 2010, durante a campanha para governador de São
Paulo. Mercadante nega, mas não
comenta.
Edinho, ex-tesoureiro de Dilma,
se defende da suspeita de irregularidades na arrecadação, sobretudo
em contato com o empreiteiro
Ricardo Pessoa, da UTC, outro
delator. “Conversei com empresários brasileiros seguindo os
princípios éticos e morais”, diz
Edinho. A partir das informações
de Pessoa, que se disse pressionado,
o STF autorizou inquérito contra
Edinho.
Em setembro, o MPF apresentou
e a Justiça acatou as denúncias
contra 15 investigados, incluindo
José Dirceu, Renato Duque – ligado
a Dirceu – e João Vaccari Neto,
ex-tesoureiro do PT. Vaccari foi
condenado pelo juiz Sergio Moro
a 15 anos e quatro meses de prisão
pelos crimes de corrupção passiva,
organização criminosa e por 27
operações de lavagem de dinheiro.
Renato Duque, ex-diretor de
Serviços da Petrobras, foi penalizado a 20 anos e oito meses de
reclusão por corrupção passiva,
organização criminosa e lavagem
de dinheiro. É a primeira condenação de Vaccari e Duque na Lava
Jato. Os dois respondem a outras
ações penais por suspeitas de integrarem o escândalo do Petrolão.
Conforme o MPF e a PF, a corrupção na Petrobras sugou pelo
menos R$ 6 bilhões de propinas. l
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
53
JUDICIÁRIO
LAVA JATO
UM ESCÂNDALO SEM
PRECEDENTES
O STF decidiu tirar a investigação
envolvendo a senadora Gleisi Hoffman
(PT-ES) da relatoria do ministro do STF,
Teori Zavascki. A senadora teria recebido R$ 1 milhão do esquema. A mesma
parte dos autos sai dos cuidados do juiz
Sérgio Moro. Assim, apurações sobre a
senadora petista ficam com o ministro
Dias Toffoli. A parte do processo relativa
ao ex-vereador do PT Alexandre Romano, sem foro privilegiado, passou ao encargo da Justiça Federal em São Paulo.
Os ministros Gilmar Mendes e Celso
de Mello (decano da categoria) foram
votos vencidos na sessão do STF que
desmembrou o Inquérito 4130, o processo da Lava Jato. O STF retirou da
jurisdição do juiz Sérgio Moro a parte relativa às denúncias de
corrupção no Ministério da Fazenda, Orçamento e Gestão. A
decisão gerou polêmica dentro e fora do STF.
Celso de Mello disse que “o que se investiga, no caso, é
uma suposta grande organização criminosa, tida como responsável por uma situação anômala, patológica, de macrodelinquência governamental”. De acordo com esta expectativa,
ao tirar das mãos do juiz Sérgio Moro e do ministro-relator
Zavascki as investigações da corrupção feitas pela Lava Jato,
as ações penais poderiam se espalhar pelo país. Foi isso o que
especulou o ministro Gilmar Mendes, na declaração de votos.
“Não precisava chegar a esse ponto. Fiquei impressionado
com o gráfico que o Dr. Janot trouxe e que mostrava realmente
tentáculos de toda a sorte. Essa é base, é um crime de organização criminosa. Certamente o maior escândalo de corrupção
do Brasil e quiçá do mundo. É preciso que tenhamos essa compreensão. O Tribunal terá de recompreender e rediscutir isso
em outro momento”. Para Mendes e os investigadores da Lava
Jato, a decisão do STF pode enfraquecer a operação.
54 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
““
O que se investiga, no caso,
é uma suposta grande organização
criminosa, tida como responsável por
uma situação anômala, patológica, de
macrodelinquência governamental
Gilmar Mendes, ministro do STF.
”
“Tira-se de Curitiba para São Paulo, outro tribunal, outra
estrutura. Isso precisa ser coordenado. Estamos falando de um
crime que ocorre no Brasil e no exterior. Lavagem de dinheiro
no exterior e tudo mais. Temos de mudar os paradigmas e a
Procuradoria anunciou que vai ampliar a força-tarefa. Vai fazer uma força-tarefa para atuar em todos os casos. É preciso
também que se pense nisso em termos de integração do Judiciário. Era desnecessário, não precisava chegar a esse ponto”,
concluiu Mendes.
•
O Brasil do Mais Médicos
é o Brasil que cuida,
educa e avança.
O Mais Médicos é muito mais que médicos.
É mais atendimento
É mais infraestrutura
É mais educação
O programa já levou 18.240
novos médicos para 4.058
municípios e 34 Distritos
Indígenas, beneficiando 63
milhões de brasileiros que não
tinham atendimento médico.
Agora são 134 milhões de
brasileiros atendidos
pela Saúde da Família.
Construções,
ampliações e reformas
de 26 mil Unidades
Básicas de Saúde
(UBSs) espalhadas
por todo o Brasil.
O Mais Médicos já criou 5.306
novas vagas de graduação em
medicina em universidades públicas
e privadas. A meta é criar 11.500
novas vagas até 2017.
Na residência médica, foram criadas
4.742 novas vagas em diversas
especialidades. Até 2018, serão
12.400 novas vagas.
Gestor Público, fique atento às publicações de editais de adesão e
acompanhe as ações do Programa Mais Médicos do Governo Federal
pelo maismedicos.gov.br
É o Governo Federal trabalhando para o Brasil avançar.
MAISMEDICOS
AGENDA BRASÍLIA
AJUSTE FISCAL
Medidas duras
para reequilibrar
as finanças do DF
Tony Winston/Agência Brasília
Providências anunciadas por Rollemberg
vão desde o aumento das refeições no
restaurante comunitário até a redução
dos salários do primeiro escalão
●● Washington Sidney
O
país vive uma crise econômica
sem precedentes. Governo
federal, estados e municípios
enfrentam graves problemas orçamentários. Para reequilibrar as
finanças, os entes federativos estão
adotando medidas duras, como conte
de despesas e aumento de impostos.
No Distrito Federal, a situação não
é diferente. Ao assumir o governo
local, no início do ano, o governador
Rodrigo Rollemberg se deparou com
um rombo de R$ 6,5 bilhões.
Na tentativa de reverter esse quadro,
logo que assumiu o cargo o governador
cortou 4,5 mil cargos comissionados,
o que garantiu economia de R$ 113
milhões, suspendeu diárias e passagens, devolveu carros alugados e
impôs o controle do uso de combustível na administração, cortando
mais R$ 800 milhões. Essas medidas,
contudo, não foram suficientes para
contornar a crise financeira do DF. Até
o pagamento dos salários dos servidores passou a sofrer atraso. Faziam-se
necessários novos ajustes.
Neste mês de setembro, Rollemberg anunciou um novo pacote
de medidas. Ele suspendeu o pagamento de reajustes salariais aos
servidores públicos, concedido por
Agnelo Queiroz de forma escalonada em 2013 (em valores acima
da capacidade financeira do GDF),
aumentou as tarifas de ônibus, do
metrô e do ingresso do zoológico,
suspendeu os novos concursos
públicos e cortou em 20% o número
de cargos comissionados.
O pacote de medidas anunciado
prevê ainda a redução de secretarias
de 24 para 16, o corte de 20% dos
salários do próprio governador, do
vice, dos secretários e administradores regionais e um programa de
56 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
RODRIGO ROLLEMBERG
RECONHECEU QUE AS
MEDIDAS PROPOSTAS
SÃO AMARGAS, MAS
INDISPENSÁVEIS PARA
CONTORNAR A CRISE
FINANCEIRA VIVIDA PELO
DISTRITO FEDERAL
demissão voluntária nas empresas
públicas, além de aumento de
impostos, como o ICMS e o IPTU, e
de outros serviços públicos. O preço
Ao lado de alguns secretários, o
governador Rodrigo Rollemberg anunciou
o polêmico pacote que levou os servidores
públicos a cruzarem os braços
da refeição nos restaurantes comunitários saltou de R$ 1 para R$ 3. Foi a
primeira majoração dos preços desse
serviço social desde que foi instituído, em 2001.
Rodrigo Rollemberg reconheceu
que as medidas propostas são
amargas, mas indispensáveis para
contornar a crise financeira vivida
pelo Distrito Federal. “Realmente, a
crise que nós encontramos no Distrito Federal é muito grande, exige
sacrifícios, são medidas duras, mas
necessárias para reequilibrar o caixa
e para que o governo possa voltar a
investir”.
COLAPSO
Com exceção das tarifas de
ônibus e metrô, da suspensão dos
concursos públicos e do reajuste
ao funcionalismo, todas as demais
propostas precisam ser aprovadas
pela Câmara Legislativa ou necessitam de decreto do governador.
E mesmo assim só passariam a
valer em 2016. Pedro Meneguetti,
secretário de Fazenda, diz que o
DF “pode entrar em colapso” caso
não consiga se readequar ao limite
máximo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que é de 49%
da receita corrente líquida.
De acordo com o Relatório de
Gestão Fiscal do 2º Quadrimestre de
2015, a despesa do GDF com pessoal
foi de R$ 9.292.217.673 no segundo
quadrimestre. O valor corresponde a
50.8% da receita líquida do DF. Até
agora, o GDF tinha estourado apenas
o “limite prudencial” da LRF, de
46.55%, e estava na faixa de atenção.
Com a ultrapassagem do teto, o GDF
tem até oito meses para voltar ao
limite previsto na lei.
Pelo menos um terço do “excesso
de salários” precisa ser cortado até
dezembro. Do contrário, o Distrito Federal fica proibido de obter
garantias, transferências voluntárias
e operações de crédito – na prática,
deixa de receber investimentos de
fora e perde repasses federais do
Fundo de Participação dos Estados
e do Fundo de Participação dos
Municípios.
Segundo a Secretaria de Fazenda,
Rollemberg pode ser responsabilizado
na Justiça e até perder o mandato se
não se readequar à LRF. Além disso,
se a despesa total com pessoal ultrapassa os limites da LRF, a lei prevê a
adoção de medidas drásticas, como
redução de 20% dos cargos comissionados e até exoneração de servidores
concursados. A norma também
permite a redução da jornada de trabalho dos servidores e consequente
diminuição no salário.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
57
AGENDA BRASÍLIA
REUNIÕES
Antes de anunciar o pacote de
medidas, o governador ouviu todos
os secretários em uma reunião
no início do mês. A crise financeira já havia levado o governo do
Distrito Federal a pensar em parcelar o pagamento de salários e
a anunciar a suspensão da conversão das licenças-prêmio em
dinheiro. Como reflexo da crise, o
­ex-secretário de Fazenda, Leonardo
Colombini, pediu exoneração do
cargo no final de agosto.
Rollemberg
também
se
reuniu com lideranças dos servidores públicos para apresentar o
quadro. Os sindicalistas deixaram
o encontro indignados, alegando
que o gestor se limitou a apresentar números e a argumentar ter
AJUSTE FISCAL
O aumento da tarifa dos ônibus e da refeição nos restaurantes
comunitários pegou de surpresa os moradores da cidade
problemas econômicos herdados
do governo anterior. O GDF tem
119,1 mil servidores públicos na
ativa e o déficit para pagá-los ao
longo do ano foi calculado em R$
800 milhões.
Fazenda ajuda a aumentar a receita
A Secretaria de Fazenda também
preparou algumas ações para ajudar
o GDF a aumentar a receita e
superar a crise financeira. A maior
parte das medidas diz respeito à
fiscalização e já está sendo implementada pela Pasta. A expectativa
é de que o governo local arrecade
mais de R$ 200 milhões ainda neste
ano. Segundo o secretário Pedro
Meneguetti, com essas medidas
busca-se a justiça fiscal e a arrecadação de parte do que é devido aos
cofres públicos. “Esse planejamento
especial ajudará no pagamento
da folha de pessoal e das despesas
obrigatórias, além de permitir que
assumamos o compromisso com os
fornecedores.”
Todas as iniciativas foram elaboradas pela equipe da Secretaria
de Fazenda e apresentadas nesta
manhã (22) ao governador e parte
do secretariado. Rodrigo Rollemberg agradeceu o empenho de
todos os envolvidos no planejamento e se mostrou confiante na
recuperação financeira do Distrito
Federal. “Esse esforço será fundamental para que a gente possa
58 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
terminar 2015 em um clima de paz,
e, principalmente, começar 2016
com um cenário muito melhor.
Tenho convicção de que Brasília vai
vencer”, disse.
INADIMPLENTES
A Secretaria de Fazenda vai
cruzar dados das declarações de
Imposto de Renda Pessoa Física
com outras informações cadastradas do contribuinte para detectar
inadimplentes do Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis e
Doação, sobre a doação de valores
identificar inconsistências nas declarações prestadas pelos contribuintes
ao fisco. Constatadas divergências, o
cidadão é alertado via internet para
que providencie espontaneamente os
ajustes necessários na escrituração
fiscal.
em espécie – muitas vezes declarada
à Receita Federal do Brasil e não
informada ao fisco distrital. A
cobrança então é feita com base
nas informações obtidas das declarações a serem fornecidas pela RFB.
A expectativa é que com isso o Executivo local arrecade R$ 20 milhões.
A Pasta também projeta o incremento de pelo menos R$ 30 milhões
até o fim do ano com a continuidade
de cobrança do rito especial –
quando o contribuinte declara que
deve, mas não paga. O devedor então
é intimado a acertar a situação com
o governo para que não seja inscrito
na dívida ativa e não venha a ser protestado. Segundo Meneguetti, essas
dívidas chegam a mais de R$ 160
milhões.
““
Realmente, a
crise que nós encontramos
no Distrito Federal é
muito grande, exige
sacrifícios, são medidas
duras, mas necessárias
para reequilibrar o caixa e
para que o governo possa
voltar a investir
”
Rodrigo Rollemberg, governador do DF.
A Secretaria intensificará o acompanhamento do programa Malha-DF,
que consiste no cruzamento eletrônico de dados originários de
diversas fontes, como cartão de
crédito e nota fiscal eletrônica, para
ICMS INTEGRAL
Também serão incluídas novas
mercadorias comuns no segmento
varejista de alimentos em Substituição Tributária – que entram no
DF sem recolhimento de imposto.
O ICMS passaria a ser recolhido no
valor integral ou no total apurado
pelo atacadista substituto, excluindo
a mercadoria da apuração pelo
Simples Nacional, no caso de varejista optante.
Por meio da ferramenta Desenvolvimento do Sistema de Mineração
de Dados e Cobranças Eletrônicas, a
Secretaria buscará na base de dados
da Nota Fiscal Eletrônica o cálculo
do valor devido e a notificação para
recolhimento de valores não pagos.
As operações com mercadorias
sujeitas à Substituição Tributária
passarão a ser identificadas em
tempo real, e o imposto não pago
será cobrado imediatamente. Com
esta medida, espera-se arrecadar
pelo menos R$ 40 milhões.
Uma força-tarefa vai intensificar
os julgamentos administrativos de
processos acumulados na Secretaria.
Foram selecionados valores elevados
e com maior potencial de gerar receita
aos cofres públicos para serem julgados com prioridade e possibilitar
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
59
AGENDA BRASÍLIA
a adesão dos inadimplentes ao Programa de Incentivo à Regularização
Fiscal (Refis). De acordo com o
secretário de Fazenda, 15 auditores
atenderão cerca de 30 processos
com valor total de mais de 2 bilhões.
Estima-se uma arrecadação de R$ 50
milhões, além do incremento da carteira de parcelamento.
Serão enviados para protesto
cerca de 15 mil débitos inscritos
no Cadastro da Dívida Ativa do
Distrito Federal que não foram
acertados no último Refis. A Secretaria espera o incremento de pelo
menos R$ 20 milhões na receita. O
Programa de Incentivo à Regularização Fiscal do Distrito Federal foi
prorrogado para o período de 1º de
outubro a 30 de novembro. De 16 de
março a 30 de junho, mais de 95 mil
AJUSTE FISCAL
““
Esse planejamento
especial ajudará no
pagamento da folha de
pessoal e das despesas
obrigatórias, além de
permitir que assumamos
o compromisso com os
fornecedores
”
Pedro Meneguetti, secretário
de Fazenda do DF
cidadãos e empresas renegociaram
débitos com o governo de Brasília,
o que representou o incremento
de R$ 209 milhões aos cofres do
Executivo. Outros R$ 888 milhões
foram refinanciados em até 120
parcelas. Agora a expectativa é que
a arrecadação seja de R$ 70 milhões
até o fim de 2015.
l
Com informações da Agência Brasília
O PACOTE DE MEDIDAS CONTRA A CRISE
• Suspensão do reajuste do funcionalismo: os servidores ficam sem a parcela do reajuste escalonado que
havia sido acordado com a gestão passada. A economia prevista é de R$ 400 milhões até o final do ano.
Objetivo é reajustar os salários no começo do ano que
vem.
• Tarifas de ônibus: As tarifas, que custavam R$ 1,50, passaram para R$ 2,25 (50% de aumento). As de R$ 2 subiram
para R$ 3 (50%). As de R$ 2,50 foram para R$ 3 (20%) e as
de R$ 3 para R$ 4 (33%).
• Tarifa de metrô: Passou de R$ 3 para R$ 4 todos os dias,
inclusive sábados, domingos e feriados.
• Restaurante comunitário: Refeição passou de R$ 1 para
R$ 3. O preço nunca havia sido reajustado desde a inauguração do primeiro restaurante, em 2001. Na época, o sub-
60 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
•
•
•
•
•
sídio pago pelo governo era de R$ 1,49 por refeição e subiu
para R$ 5,71.
Ingresso no zoológico: Foi de R$ 2 para R$ 10 (reajuste
de 400%).
Corte de salários do primeiro escalão: governador,
vice-governador, secretários e administradores regionais
passam a receber salário com redução de 20%, como forma
de contribuir para a redução de gastos.
Elevação do IPTU: reajuste de até 10%, a partir de 2016.
Receita estimada é de R$ 53 milhões.
ICMS de TV por assinatura: Passou de 10% para 15%. A
receita estimada é de R$ 52 milhões por ano.
ICMS sobre bebidas e tabacaria: a alíquota subiu de
25% para 29%. GDF espera arrecadar R$ 100 milhões anuais com a medida.
ARTIGO
JOSÉ OSMAR MONTE ROCHA
Convulsão social, econômica
e política no Brasil
O
momento conturbado que vive a sociedade brasileira, diante de um quadro alarmante na área social,
na economia e na política, tira o sono e a tranquilidade dos cidadãos; exige uma reflexão sobre o cenário
nacional e uma decisão de fé e coragem para superar a
crise instalada pelo governo; o país vive uma verdadeira
convulsão social, econômica e política; a preocupação
dos trabalhadores, das famílias e dos empreendedores
é o sinal de alerta para enfrentar a crise desoladora que
tomou conta do país.
A inflação desenfreada cresce todo dia; a taxa de juros
dispara num ritmo que nenhum tomador de empréstimo
suporta; o Produto Interno Bruto
encolhe como bucho de menino pobre
em época de frio; a corrupção se alastra
O desemprego
de ponta a ponta como uma epidemia
Nem Adam Smith, o pai da economia,
aflige os trabalhadores,
ainda sem vacina para imunizar o
dá jeito no cenário econômico que
inquietando
famílias
povo brasileiro; a política devaneia
enlameia o povo brasileiro.
que
pagam
aluguéis,
e tremula na base e no Parlamento;
O desemprego aflige os trabalhaescolas, planos de
a economia fraqueja como sertanejo
dores, inquietando famílias que pagam
saúde e outras despesas
sem água para beber, plantar e matar
aluguéis, escolas, planos de saúde e
a sede dos animais – é uma total conoutras despesas para a sobrevivência
para a sobrevivência
vulsão social, econômica e política no
familiar; os benefícios sociais e, princifamiliar
Brasil!
palmente, o seguro desemprego foram
O povo não aguenta mais essa
duramente golpeados pelo governo,
situação: a disparada de preços dos
em flagrante delito social; a falta dessa
alimentos, transportes, escolas, combustíveis, energia garantia temporária é motivo para o desespero daqueles
elétrica e demais serviços; a taxa Selic do Banco Central que perdem a única fonte de receita e não conseguem
subiu para aproximados 15% ao ano; os juros praticados encontrar um novo emprego.
pelos bancos e operadoras de cartões de crédito estão beiA Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) cai vertirando a casa dos 400% ao ano; a inflação oficial, até agora ginosamente pela baixa cotação das ações de empresas
estimada em 10% ao ano, derrubou todas as previsões do de capital aberto que negociam no mercado. O exemplo
governo, estraçalhou a meta anual de inflação projetada mais contundente é o caso da Petrobras, que perdeu no
pelo Banco Central do Brasil e fez encolher a economia Brasil e no exterior o interesse de investidores na comcom um Produto Interno Bruto na faixa de 3% negativos. panhia. As agências de classificação de risco rebaixaram
““
”
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
61
ARTIGO
o grau do Brasil como local seguro para investimentos;
e um conjunto de empresas brasileiras também foi
rebaixado, perdendo a capacidade de captação de capitais
no exterior. A moeda brasileira, o Real, em pouco tempo
perdeu 50% do seu valor em relação ao dólar americano,
provocando aumento vultoso na dívida pública e desequilíbrio na balança comercial. O trabalhador, o empresário,
o industrial e demais cidadãos estão apavorados com o
quadro estarrecedor da economia brasileira.
O governo federal perdeu as rédeas da economia, castigou a população com medidas econômicas baseadas
em retirada de benefícios e aumento da carga tributária; quando deveria reduzir ministérios e secretarias
com status de ministério. É preciso cortar gastos; cortar
o excesso de cargos comissionados; eliminar as viagens
de servidores com passagens e hospedagens por conta do
Erário; retirar as mordomias praticadas por servidores
62 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
Convulsão social, econômica e política no Brasil
e dirigentes ocupantes de cargos comissionados, tais
como: carros oficiais e de serviços, telefonia fixa e móvel,
­auxílio-moradia e o uso de energia elétrica e água de
forma desordenado; todas as salas deveriam dispor
de interruptores para que, em horário de almoço, as
luzes fossem apagadas; os contratos de manutenção, de
limpeza, de vigilância e outros deveriam ser revistos, com
a adoção de uma tabela de preços aprovada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
É hora de refletir, analisar e chamar toda a sociedade
para opinar na busca de uma saída para a crise instalada
no país. Por que deixar tudo a cargo dos economistas? É
um ônus muito pesado para esses dedicados estudiosos!
Os economistas já formalizaram diversas ideias e tudo
falhou. É hora de chamar vários segmentos da sociedade:
administradores, contadores, auditores, advogados,
engenheiros, matemáticos, sindicalistas, filósofos, etc. e,
principalmente, chamar as donas de casas – essas sabem federais e estaduais. É só esperar e conferir a força do
planejar e controlar o orçamento doméstico; conhecem o voto popular.
sacrifício de conter gastos e creem na esperança de dias
O Ministério Público continua apurando fatos evimelhores.
denciados na Operação Lava Jato, com a possibilidade de
Em passado recente, no governo Itamar Franco, foi desvios de bilhões de reais; e o Poder Judiciário firme no
o então ministro Fernando Henrique Cardoso (soci- exame e julgamento daqueles que são considerados resólogo) que debelou a inflação com a criação do Plano ponsáveis pelos prejuízos causados ao Erário. Agora resta
Real – mudou a moeda, tornou-a forte e deu novo ânimo esperar os diversos processos em andamento para que a
aos brasileiros com a melhoria do poder aquisitivo e o sociedade tome conhecimento dos escândalos noticiados
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Foi no pela imprensa, com a efetiva apuração e julgamento pelo
governo de Fernando Henrique Cardoso que o econo- Judiciário, após o cumprimento do rito com direito ao
mista (deputado, senador, governador) José Serra, no contraditório e a ampla defesa.
cargo de ministro da Saúde, revolucionou a Pasta com
Diante do quadro estarrecedor que aflige o povo braa implementação de medidas técsileiro, restam poucas alternativas para
nicas e administrativas. Assim, temos
a saída da crise conjuntural; antes de
exemplos de dois estudiosos de áreas
tudo é preciso reconhecer os erros praO Ministério
diferentes, atuando com êxito em
ticados na administração pública e as
Público continua apurando mazelas produzidas: planejamento
campos distintos de suas especialifatos evidenciados na
zações e conquistando melhorias para
inadequado, gastos excessivos com a
Operação
Lava
Jato,
a Nação brasileira.
máquina administrativa, resultando
com
a
possibilidade
A área política brasileira sofreu
em déficit orçamentário; negociações
um duro golpe aplicado pela corpolíticas onerosas para o Poder Exede desvios de bilhões
rupção; o ringue político foi abalado;
cutivo e desequilíbrio político na base
de reais
os partidos citados nos recentes
governista.
escândalos e os nomes divulgados
Vendo tudo isso, considero que
pela mídia abalaram as instituições
há uma verdadeira convulsão social,
partidárias e deixaram os eleitores frustrados e
econômica e política no Brasil, sem precedentes na
indignados pelos fatos narrados diariamente nos
história e sem horizonte promissor para o futuro
veículos de comunicação. Mas é bom lembrar que
próximo, que alente e estabeleça diretrizes para
nem todos os políticos fazem parte desses escândalos;
o bem-estar social, o crescimento econômico e
existem representantes do povo em todos os partidos
o equilíbrio político, mantendo a harmonia
trabalhando com seriedade e digdos três Poderes da União, como está
nidade para a melhoria da Nação
definido na Constituição do Brasil.l
brasileira. Com tudo isso, certaJosé Osmar Monte Rocha é contador, auditor,
mente os eleitores conscientes vão
analista de Finanças e Controle do Ministério da Fadar respostas aos candidatos
zenda (aposentado) e professor de várias disciplinas
da Universidade do Distrito Federal (UDF). Graduado
nas eleições de 2016 para
em Ciências Contábeis, pós-graduado em Gerência
prefeitos e vereadores; e em
Empresarial lato sensu, atuou como inspetor seccional
de Finanças de ministérios, como delegado regional de
2018 nas eleições gerais para
Contabilidade e Finanças do MIC e como conselheiro
presidente da República, senafiscal de empresas estatais. É sócio fundador e diretor
financeiro do INAFIP.
dores, governadores e deputados
““
”
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
63
AGENDA BRASÍLIA
TRABALHO SOCIAL
Projeto de incentivo à
leitura de Ceilândia é
modelo para o país
Bibliorodas tem mais de três mil
livros doados pela população. Com o
êxito, projeto multiplica leitores até
em municípios do sertão do Ceará
●● Julciara Abreu
I
niciado em 2010 no Shopping
Popular de Ceilândia, região
administrativa do DF, o Projeto
Bibliorodas se tornou referência
de ação social e está sendo implementado em quatro municípios do
Ceará. Começou com Clara Etiene,
formada em Letras, com mestrado
e doutorado na área de leitura e formação do leitor, e Edna Freitas,
mestre em Literatura. Elas foram
incentivadas pela mãe de Clara – a
assistente social Ana Maria Oliveira
Lima, também feirante na cidade –
a criar um espaço de estímulo para
os feirantes lerem e escreverem. O
espaço era conhecido como sábado
e tardes literárias. O Bibliorodas
conta com o apoio da Associação
dos Feirantes do Shopping Popular
de Ceilandia (Asfecei), da Fundação
Nacional de Artes (Funarte), do
Ministério da Cultura e da Biblioteca
do Senado Federal.
Clara Etiene conta que o projeto
deu certo e tomou outros rumos. “À
medida que os feirantes gostavam
da leitura e escrita, outras habilidades cresceram naturalmente”. Na
verdade, ela percebeu que podia
multiplicar a alfabetização e despertar nos feirantes o gosto pela
leitura. Em 2012 ela teve a ideia de
sair em busca dos leitores, em vez de
esperar por eles. “Pode ser qualquer
um, adultos descansando depois do
almoço ou crianças acompanhando
seus pais ao trabalho, por exemplo”.
Diante da grande procura por
livros, Clara e Edna tiveram a iniciativa de encher seis carrinhos de
feira com livros para todos os tipos
de público. “Os livros que mais saem
são os infantis e os romances. Mas
um fato curioso é que os infantis
são emprestados tanto por crianças
64 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
DIANTE DA GRANDE
PROCURA POR LIVROS,
CLARA E EDNA TIVERAM
A INICIATIVA DE ENCHER
SEIS CARRINHOS DE FEIRA
COM LIVROS PARA TODOS
OS TIPOS DE PÚBLICO
quanto por adultos. Acredito que as
cores e a linguagem sejam atrativas.
Muitos aproveitam para ler para os
filhos”, comenta Clara Etiene.
Repletos de diversos livros, os
carrinhos de feira são levados para
Edna Freitas e Clara Etiene criaram
o Projeto Bibliorodas em Ceilândia
para estimular os feirantes da cidade
a cultivar o hábito da leitura
todos os tipos de leitores dentro
do espaço da feira de Ceilândia.
Os livros são lidos no local, mas
os frequentadores também podem
levá-los para casa. A exigência é que
os devolvam para que outros possam
ler. Clara contou em seu blog o susto
que levou ao flagrar o pequeno Vitor,
frequentador do espaço de leitura na
feira, explicando para um adulto o
que era o projeto e a diferença entre
um romance de adulto e um livro
infantil. “Ele sabe direitinho como
funciona o Cardápio Literário do
Bibliorodas. Muito lindo e incentivador para nós ver os pequenos
viajarem pela leitura”, disse.
PRÊMIO
A Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil (FNLIJ) realizou
este ano o 20º Concurso para Programas de Incentivo à Leitura para
Crianças e Jovens, no Rio de Janeiro.
Todos os anos, em junho, autores,
editoras, ilustradores e muitos leitores mirins lotam o espaço. O Salão
FNLIJ é um grande encontro, principalmente para os estudantes, que
são levados pelas escolas do Rio
para participar de várias atividades
literárias.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
65
AGENDA BRASÍLIA
TRABALHO SOCIAL
O Projeto Bibliorodas começou no
Shopping Popular de Ceilândia e se
tornou uma referência para alguns
municípios e universidades
Clara Etiene teve a ideia de inscrever o projeto, motivada pela
participação espontânea e constante das crianças e jovens que
fazem toda a diferença na história
do Bibliorodas. As organizadoras
do projeto foram surpreendidas ao
chegar ao evento e serem recebidas
O SUCESSO NA TERRA DE ANTONIO CONSELHEIRO
Os municípios Senador Pompeu, Quixeramobim,
Quixadá e Banabuiú do Ceará adotaram a iniciativa.
Todos os eventos do projeto são divulgados pelos jornais
locais, rádios, além do famoso boca-a-boca do sertão,
que acaba atraindo mais e mais leitores e doações. A
maior cidade do sertão do Ceará, Quixeramobim, conta
com mais de 80 mil habitantes. O município é considerado o centro geográfico do sertão cearense, terra
de Antonio Conselheiro, líder da Guerra de Canudos,
e do arquiteto e compositor Fausto Nilo. Lá o Bibliorodas está disponível na Biblioteca Pública Municipal
Ismael Pordeus. O Bibliorodas também já está inserido
no ensino superior, na Universidade Vale do Acaraú
(UVA) e no Centro Tecnológico do Ceará (Centec).
O projeto participou do TED x UnB, evento que
reuniu, no dia 21 de março deste ano, no Memorial
Darcy Ribeiro, cerca de 130 participantes com experiência neste tipo de iniciativa. Na oportunidade, houve
troca de informações com pessoas criativas, engajadas e dispostas a transformar o que sabem para
66 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
outras pessoas. O TED é uma plataforma para ideias
que merecem ser compartilhadas. Teve início em 1984,
na Califórnia, como uma conferência onde tecnologia,
entretenimento e design convergiam. Hoje o TED compartilha ideias de abrangência universal – de ciência
a negócios e questões mundiais – em mais de 100
línguas. É uma plataforma para ideias que merecem ser
compartilhadas.
A Universidade Católica de Brasília (UCB) também
contou com o projeto Bibliorodas no 12º Encontro de
Letras, em setembro de 2014, no auditório do campus,
em Brasília. As idealizadoras do projeto divulgaram na
página do projeto – https://bibliorodas.wordpress.com/
– que tiveram a oportunidade de levar um pouco do
sonho do Bibliorodas. Elas também falaram das estratégias que usam para sensibilizar os leitores. Participaram
de palestra com os mestres e alunos do Curso de Letras.
O projeto foi escolhido por pesquisadoras da UCB, que
escolheram o tema O Bibliorodas e o processo de letramento no Shopping Popular de Ceilândia. As formandas
por tantas crianças, que gritavam o
nome do projeto. “Foi uma honra
participarmos desse grande evento,
porque o Salão FNLIJ tem o objetivo
também de levar leitura a diversos
leitores mirins”, esclareceu Etiene.
Edna Freitas não esconde
uma ponta de orgulho com a premiação do projeto no Salão FNLIJ:
“Tivemos a grata surpresa de
termos sido reconhecidos como um
programa que incentiva a leitura de
crianças e jovens. É isso mesmo…
simples assim. Recebemos o Prêmio
FNLIJ com muito orgulho e o dividimos com cada amigo leitor que
vivencia a experiência da leitura
literária, mas o dividimos, principalmente, com nossos doadores
de livros, amigos colaboradores e
com as crianças que acompanham
o Bibliorodas”.
“Estamos realizadas de poder
ajudar um pouquinho que seja
nosso país, que é tão carente de
ensino e de cultura. Hoje, vermos
essas crianças nos incentivando
por onde passamos é muito gratificante”, acrescenta Clara. Ela diz
que recebeu o Prêmio FNLIJ com
muito orgulho e o dividiu com cada
amigo e leitor que vivencia a experiência da leitura literária. “Mas o
compartilhamos, principalmente,
com nossos doares de livros, amigos
colaboradores, com as crianças que
seguem o projeto por onde nós
levamos nossos carrinhos, cheinhos
de livros”, complementa.
l
fizeram questão de entregar uma cópia do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) para as idealizadoras.
UNICAMP
O projeto também participa, desde o ano passado,
do Congresso Nacional de Leitura (Cole), considerado
o maior evento sobre leitura no país. Clara e Edna estiveram presentes no evento do segundo semestre de
2014, quando falaram da experiência do Bibliorodas
como uma ação de intervenção literária. “Na ocasião,
apresentamos a experiência do Bibliorodas como ação
de intervenção literária. Mas o Cole é, principalmente,
um lugar onde se deve ouvir histórias. Estar no Cole
é a possibilidade de beber um pouco na fonte e fomos
beber histórias de leituras e leitores”, conta Etiene.
Desde 2013 o projeto tem recebido mais e mais
doações de livros literários. Hoje conta com cerca de
três mil livros. Clara Etiene postou em seu blog: “Às
vezes parece que os livros têm asas e chegam às nossas
mãos por meio de místico encantamento. Livros voam,
No município cearense de Quixadá, grupos de
jovens circulam pelas feiras livres e mercados
públicos, levando a leitura à população
flutuam pelo ar e pousam de vez em quando nas mãos
dos leitores”, comentou.
Quem quiser fazer doações de livros, só de literatura,
basta entrar em contato pelo e-mail bibliorodas@gmail.
com. E também acessar a página do projeto: https://
bibliorodas.wordpress.com/.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
67
INTERNACIONAL
MICHAEL KAIN
A economia mundial continua
em compasso de espera
A
situação econômica global
piorou nos últimos meses de
2015. O mercado financeiro
sofreu o pior abalo desde a crise
financeira de 2008, com fortes quedas
nas principais bolsas de valores,
sobretudo na Ásia. A causa principal
é a mudança de ritmo no crescimento da economia chinesa, gerando
queda de mais de 8% na incipiente
Bolsa de Shangai. Analistas econômicos e financeiros estimam uma
redução na taxa de crescimento do
produto interno bruto (PIB) chinês.
Contudo, nem todas as notícias são
más. A economia norte-americana
vem mostrando consistente e forte
crescimento. A última estimativa
indica crescimento do PIB de 3,7%
(taxa anualizada até o segundo trimestre de 2015), a confiança dos
consumidores melhorou e o índice
de habitação mostra avanços.
Com a crescente globalização
da economia, a situação da China
inspira cuidados devido ao seu papel
como principal exportador e importador mundial e segunda maior
economia. A Índia vem demonstrando forte crescimento e poderá
superar a China em 2015, crescendo
a taxa de 7% contra uma estimativa
de 5% a 6% da China, segundo
fontes internacionais. Mesmo que a
A REDUÇÃO DO
CRESCIMENTO DA
ECONOMIA CHINESA
PROVOCOU FORTES
QUEDAS NAS
BOLSAS DE VALORES,
PRINCIPALMENTE NA ÁSIA
economia da Índia demonstre crescimento (podendo se tornar a
terceira maior economia mundial
nos próximos anos), mais de 50%
da população se compõe de jovens,
o que requer rápida expansão da
infraestrutura social, que é precária.
68 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
A Índia é um dos países líderes do
grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul) e do IBSA
(Índia, Brasil e África do Sul). Em
termos comparativos, a população
jovem da Índia pode ser um dos
elementos cruciais ao crescimento
futuro, tendo em conta que a população chinesa começa a envelhecer e
não se reproduz a taxas condizentes
com as necessidades futuras do país.
O PAPEL DO GRUPO BRICS
O grupo BRICS perdeu parte
de seu brilho recentemente com a
redução do crescimento chinês e
a ameaça de aumento nas taxas de
juros nos Estados Unidos, o que
poderá causar forte transferência de
recursos financeiros dos países emergentes para aquele país. Contudo,
informações recebidas quando do
fechamento deste artigo indicam
que o Federal Reserve (banco central
norte-americano) não elevará, por
enquanto, as taxas de juros, como se
previa. O que se mantém é a esperada
redução no crescimento chinês, que
afetará economias emergentes e as
desenvolvidas, em processo de recuperação da crise financeira de 2008.
Embora não tenha conseguido
maiores progressos na substituição
do sistema econômico global, o
grupo BRICS criou mecanismos
financeiros alternativos, como o
Novo Banco de Desenvolvimento
(NBD) e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, liderado
pela China. A China vem tentando
mudar o modelo de crescimento
baseado em exportações para concentrar-se na expansão do mercado
interno e elevação do padrão de
vida de sua população. A concessão
de crédito, particularmente para a
construção de habitações e infraestrutura urbana, gerou altos níveis de
endividamento público e privado,
causando sérios problemas.
A desaceleração do crescimento
chinês gerou queda na demanda por
commodities, afetando a economia
de outros membros do BRICS, como
o Brasil, e outros países emergentes
e desenvolvidos. O Brasil e a Rússia
entraram em recessão e a África do
Sul deverá crescer 2% em 2015, com
alta taxa de desemprego. A Índia é
TEMPOS DIFÍCEIS:
COM A ECONOMIA EM
CRISE, AFETADA PELAS
SANÇÕES ADOTADAS
PELOS EUA E PELA UNIÃO
EUROPEIA, RUSSOS
PROTESTAM NAS RUAS
menos dependente de capital global
e do comércio internacional que os
demais membros do BRICS. A economia russa foi seriamente afetada
pelas sanções econômicas e financeiras adotadas pelos Estados
Unidos e pela União Europeia, além
da queda nos preços de petróleo e
gás, itens importantes na pauta de
exportações do país. A inflação russa
também está elevada, em torno de
15% ao ano, até agosto.
Em artigo publicado no dia 3 de
agosto de 2015, no jornal Daily Telegraph, que circula em Londres, três
embaixadores de países-membros do
BRICS (Brasil, Índia e África do Sul)
assinaram um artigo afirmando que
“as nações que compõem o BRICS
oferecem ao mundo uma mostra
genuína de parceria econômica”. Os
embaixadores reconhecem a importância da VII Cúpula do BRICS
ocorrida em Ufá, na Rússia, em julho
passado, considerada um marco na
história do grupo ao completar os
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
69
INTERNACIONAL
principais projetos acordados em
cúpulas anteriores, particularmente
na VI reunião de Cúpula realizada
em Fortaleza, em julho de 2014.
Fizeram referência à instalação do
Novo Banco de Desenvolvimento e
do Arranjo Contingente de Reservas
(ACR). O artigo acentuou que, “entre
outras coisas, o novo banco financiará infraestrutura em países em
desenvolvimento, particularmente
em projetos de desenvolvimento
sustentável”.
Os embaixadores acreditam que
a cooperação entre os membros do
BRICS, “reflete um objetivo necessário à coordenação entre novos
países emergentes em um mundo em
rápida mudança”. Afirmaram: “Nossa
cooperação se baseia nos princípios
das Nações Unidas, inclusive o de
igualdade e soberania. Ninguém dita
nada a ninguém ou impõe seu desejo,
A economia mundial continua em compasso de espera
CONTRÁRIO AOS
PROGRAMAS DE
AUSTERIDADE E DE
CORTE NOS GASTOS DO
BEM-ESTAR SOCIAL DO
ATUAL GOVERNO, JEREMY
CORBYN SE ELEGEU
COM 60% DOS VOTOS
qualquer processo decisório se faz em
consenso. Esta é uma das razões para
acreditarmos que a nossa parceria,
que representa 43% da população
mundial e quase 30% do PIB global,
oferece um modelo sustentável de
cooperação internacional”.
REINO UNIDO
O principal partido de oposição britânico, o Trabalhista, de
­centro-esquerda, elegeu o novo líder,
70 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
Jeremy Corbyn, em 12 de setembro,
com uma maioria de quase 60%.
Corbyn, que é deputado há mais
de 30 anos, sempre militou na oposição e mais à esquerda dos demais
membros do próprio partido. Só
conseguiu apoio dos seus pares para
se candidatar no último minuto de
fechamento da competição. A campanha revolucionou o partido, que
se mostrara pessimista ao perder as
eleições em maio 2015 e aproveitou
o poder da mídia social para influir
no eleitorado mais jovem, além de
ter se beneficiado de um questionável sistema eleitoral instituído pelo
último líder, Ed Miliband. A regra
estabeleceu que qualquer eleitor
poderia pagar uma taxa de £3 (R$
18) e se tornar membro do partido
Trabalhista, apto a votar na eleição
para a liderança.
Membros de partidos hostis ao
Trabalhista, como os do Conservador ou os de extrema esquerda,
se alistaram para votar em Corbyn
mesmo que por objetivos distintos.
Um deles para dificultar o retorno
dos trabalhistas ao governo. O
gabinete de oposição instalado pelo
senhor Corbyn é bastante eclético
e tem sido muito criticado. Cinquenta por cento dos ministros são
mulheres, mas discute-se que a elas
não foram oferecidos os melhores
cargos. John McDonnell, que representa o partido Trabalhista como
ministro da Fazenda, fará oposição a George Osborne e o governo
Conservador apoia uma estratégia
econômica radical como alternativa
às medidas de política do governo.
O líder trabalhista e seu ministro
propõem, se eleitos em 2020, nacionalizar as ferrovias, o que custaria
bilhões de libras aos cofres públicos,
as companhias de utilidade pública
(gás, eletricidade, telefone) ao custo
estimado de 185 bilhões de libras
(R$ 1,1 trilhão), além dos serviços
postais (Royal Mail), privatizados
no primeiro mandato do governo
de coalizão formado pelos conservadores e liberais democratas. Uma
das propostas será o financiamento
de vários projetos de infraestrutura,
utilizando o que eles denominam
de Facilitação Quantitativa do Povo
(People Quantitative Easing), ou
seja, a emissão de libras pelo Banco
da Inglaterra.
O pacote econômico propõe
também o aumento da alíquota do
imposto de renda de 40% para 60%
para aqueles que ganham além de
100 mil libras/ano (R$ 600 mil), adicionando outros 10% para os mais
ricos. Esperam com essas propostas
arrecadar recursos suficientes para
sustentar projetos sociais e reduzir
as desigualdades de renda e riqueza
no Reino Unido. Dado o déficit de
habitações nas grandes cidades britânicas, particularmente em Londres,
o novo líder propõe construir 250
mil casas, anualmente, o que custaria 260 bilhões de libras (R$ 1,560
trilhão). Ainda é cedo para prever
se algum desses projetos vingará,
desde que uma das críticas ao novo
líder é a sua dificuldade em convencer o eleitorado britânico a votar
O GURU ECONÔMICO
DO LÍDER CORBYN,
RICHARD MURPHY, NÃO
É ECONOMISTA, MAS
CERCA DE 40 RENOMADOS
ECONOMISTAS APOIAM AS
PROPOSTAS APRESENTADAS
ATÉ O MOMENTO
nos trabalhistas na próxima eleição
em 2020. Afirmam os críticos que
os gastos estimados de 410 bilhões
de libras levariam a altas taxas de
inflação, prejudicando os mais
pobres e enfraquecendo o papel da
cidade de Londres como um dos
maiores centros econômicos e financeiros mundiais.
O guru econômico do líder
Corbyn, Richard Murphy, não é economista, mas cerca de 40 renomados
economistas apoiam as propostas
apresentadas até o momento. Jeremy
Corbyn se opõe aos programas de
austeridade e de corte nos gastos do
bem-estar social do atual governo
e que afetam seriamente o orçamento da população mais pobre. E
acredita que somente uma rápida
expansão da economia será capaz de
reduzir o déficit e a dívida pública.
Uma das preocupações com as ideias
do líder trabalhista é a falta de uma
proposta de política externa ou de
defesa e segurança do Reino Unido,
desde que Jeremy Corbyn militou
sempre como pacifista e contrário às
intervenções do país em conflitos e
guerras.
Figuras ilustres do partido,
como os primeiros-ministros anteriores, Tony Blair e Gordon Brown,
e o arquiteto do Novo Trabalhismo,
lorde Peter Mandelson, são contrárias às propostas de Jeremy
Corbyn e asseguram que ele destruirá
o partido e não ganhará nenhuma
eleição. Corbyn e McDonnell são
honestos e sinceros, leais aos ideais
do Trabalhismo nos anos 1970 e
1980, possivelmente não ajustados
ao pragmatismo vigente no cenário
nacional e internacional. Jeremy
Corbyn mantém ligações fortes com
a América Latina e sempre apoiou os
movimentos esquerdistas na região,
particularmente o modelo Bolivariano criado pelo ex-presidente da
Venezuela, Hugo Chávez. O novo
líder inspira controvérsias pelas suas
ligações e apoio ao IRA (Exército
Republicano Irlandês), ao Hamas e
ao Hezbollah, todos considerados
grupos terroristas.
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
71
INTERNACIONAL
Dado o seu passado pacifista,
o novo líder não concorda com a
manutenção do Reino Unido no programa Tridente (mísseis nucleares)
ou qualquer iniciativa de ação militar
britânica na Síria, contra o chamado
Estado Islâmico. Diz-se favorável ao
relaxamento das sanções comerciais,
financeiras e econômicas impostas à
Rússia pela União Europeia e pelos
Estados Unidos. Esperemos que as
tensões iniciais entre os trabalhistas
sejam reduzidas e o novo líder possa
trabalhar e se ajustar às necessidades
do país e sua população.
ARGENTINA
A Argentina, principal parceira
comercial do Brasil no Mercosul,
terá eleições gerais em 25 de outubro
para a escolha de novo presidente e
membros do Congresso Nacional. A
eleição irá ao segundo turno, em 22
de novembro, se o primeiro colocado
A economia mundial continua em compasso de espera
APOIADO PELA PRESIDENTE
CRISTINA KIRCHNER,
O GOVERNADOR DA
PROVÍNCIA DE BUENOS
AIRES, DANIEL SCIOLI,
É O FAVORITO NAS
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
não conseguir 45% dos votos válidos
ou 40% e uma diferença de 10% para
o segundo colocado. A Argentina,
membro do grupo G20 de países
de maiores economias, é também
o segundo maior país da América
Latina em termos econômicos e
populacionais. Sob a administração
da presidente Cristina Fernández
de Kirchner e sua coalizão peronista
Frente para a Vitória, o país tem
seguido uma política nacionalista
e protecionista em termos econômicos e comerciais, prejudicando o
72 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
comércio i­nter-regional e atrasando
os acordos de livre comércio em
negociação entre a União Europeia e
o Mercosul, de grande interesse para
o Brasil e o Uruguai.
A Argentina, sob o governo
da senhora Kirchner, aliou-se ao
modelo radical da Aliança Bolivariana, iniciada pelo falecido
presidente
venezuelano
Hugo
Chávez. Sob sua liderança, o país
também expandiu os laços comerciais e políticos com a China,
preocupando parte dos eleitores pelo
desequilíbrio na relação comercial e
de investimento. A Rússia também
se tornou um dos principais
parceiros em áreas de defesa e segurança. A presidente completará
dois mandatos no final de 2015
e, de acordo com a Constituição
local, não poderá concorrer à reeleição. O candidato favorito, Daniel
Scioli, apoiado pela presidente, é o
atual governador da província de
Buenos Aires. Espera-se que o novo
presidente seja mais flexível e pragmático que a presidente Kirchner.
Caso o senhor Scioli seja eleito,
deverão melhorar as relações com
a União Europeia, Reino Unido e
Estados Unidos, adotando maior
liberalização no comércio externo,
beneficiando as exportações brasileiras de automóveis e máquinas e
evitando a presente estagnação do
Mercosul.
l
Michael Kain é economista e cientista político graduado pela Universidade do País de Gales. É pós-graduado
pelas universidades de Manchester e Cambridge.
ARTIGO
CLÁUDIO EMERENCIANO
Entre o joio e o trigo
A
s crises são momentos e circunstâncias de parto real sentido da vida e da beleza universal. Uma palavra
na vida das nações. Caracterizam-se por impactos, resume tudo: ascensão, ou seja, a busca da Luz.
sofrimentos, traumatismos, angústias, incertezas,
Até hoje os historiadores não são conclusivos quanto
mudanças, ansiedades, esperanças, enigmas e novos às motivações de Alexandre, o Grande, ao invadir a Índia,
rumos. Mas a História ensina que seus desdobramentos, onde contraiu malária e da qual provavelmente morreu.
invariavelmente, desembocam na gênese de novos tempos O historiador e romancista Valério Massimo Mane novos caminhos na vida da humanidade. O homem, fredi atribui sobretudo à sua curiosidade em contactar
então, retoma o curso de sua ascensão institucional, cul- e conhecer uma civilização de povo paciente, reflexivo,
tural, moral e espiritual. A nação é como a mitológica contemplativo, imerso no ritmo natural da vida. Também
Fênix, aquela fabulosa ave que se deixava consumir pelo pretendia alcançar um “grande mar” (Oceano Índico).
fogo e renascia das cinzas. Seu ser, dizia Ernest Renan, Gore Vidal, em seu monumental “Criação”, faz seu herói,
é, essencialmente, uma alma, um prinParmênides, em pleno século de Péricles
cípio espiritual imperecível, a visão de
Até hoje os
(VI a.C.), conhecer a civilização chinesa,
um horizonte inalcançável. Um misto
revelando-lhe milenares características
historiadores não são
de realidade e utopia, sonhos e objeculturais e espirituais, ainda hoje culconclusivos quanto
tivos. Miserável por suas contradições.
tuadas, apesar de tantas transformações
às motivações de
Eterna por sua grandeza e incontrolável
sociais, políticas e econômicas.
Alexandre,
o
Grande,
por seu atributo de renovar, transformar
Curiosamente, a Academia Sueca, em
ao invadir a Índia, onde
e criar novas dimensões e perspec1913, ao conceder o Nobel de Literatura
contraiu malária e da
tivas. É passado e presente. Assim, ela
ao poeta indiano Rabindranath Tagore,
qual provavelmente
não se improvisa. Pelo contrário. Seus
assim se pronunciou: “Por seus versos
ideais e fontes são uma espécie de carga
profundamente sensíveis, aprazíveis e
morreu
genética. Algo programado ou previbelos, pelos quais, habilidosamente, fez
sível. Nascem no passado, moldam o
do seu pensamento poético, expresso
presente, projetam e inspiram o futuro. Integram periodi- em sua língua e em suas próprias palavras inglesas, manicamente o fluir da vida dos homens, sem jamais contê-los festação legítima da literatura do Oriente”. Os orientais
ou inibi-los. Porque os homens, em todos os tempos, a são assim. A reflexão permanente os leva, em todas as
exemplo do grande herói de Homero, Ulisses, jamais se coisas e circunstâncias da vida, a discernir lucidamente
renderão ao medo e à inércia. Stanley Kubrick, no genial entre “o joio e o trigo”. Assim acontece entre os modernos
filme “2001 – Odisséia no espaço”, baseado no conto romancistas e contistas japoneses como Doppo Kunikida,
“O Sentinela”, de Arthur C. Clarke, consagra a seguinte Sosseki Natsume e Naoya Shiga, e os chineses Wang Tu,
tese: o medo agrilhoa a condição humana, mantendo-a Lu Hsun e Chao Shu-Li. Seus textos estimulam o pensar
submissa à ignorância e à estupidez. A curiosidade, o des- e o aprimoramento da faculdade de questionar e avaliar.
temor, a audácia, os questionamentos, a criatividade, os Tudo é questão de busca do saber. Tudo se submete ao
sentimentos, a fé e a esperança libertam-na, ampliando, direito intrínseco do ser humano em distinguir seja o que
sem fim, os caminhos através dos quais se descortina o for. Aprimorar a visão da vida.
““
”
Setembro de 2015 - Gestão Pública & Desenvolvimento
73
ARTIGO
Muita gente tem dificuldade, particularmente no
Brasil, de separar “o joio do trigo”. Infelizmente, pesquisa
revela, em âmbito nacional e local, que os brasileiros
leem cada vez menos. Seu pensar, inacreditavelmente
para a maioria, é determinado ou condicionado por
superficiais, meteóricas, distorcidas ou facciosas informações veiculadas pelas redes de televisão. Além disso,
em todas as comunidades do país, desde os vilarejos perdidos e distantes da Amazônia aos povoados do Nordeste
e demais regiões, das grandes metrópoles às cidades de
pequeno e médio porte, o conteúdo das novelas vem
mudando, deformando, corrompendo ou adulterando os
valores éticos e morais da nossa sociedade.
Recentemente ouvi de duas pessoas da minha convivência, de instrução primária, o seguinte: “Você viu
fulana? A novela parece ter razão. Só vence no Brasil
quem é falso, desonesto e não tem medo de enganar, seja
quem for”. A mídia escrita (jornais, revistas etc.) crescentemente é menos lida. Insere-se no declínio do hábito de ler
no Brasil. Essa circunstância fortalece e favorece os meios
de comunicação televisivos e via internet, sucintos, pouco
74 Gestão Pública & Desenvolvimento - Setembro de 2015
Entre o joio e o trigo
opinativos, alguns facciosos e visceralmente sensacionalistas. Por que a televisão, que é uma concessão pública, não
emite opinião em editoriais ou comentários sobre graves
questões nacionais? A conjuntura política e econômica
brasileira é gravíssima. Além de inaudita crise moral. Eis o
óbvio. Entretanto, a televisão de canal aberto não proporciona informações, comentários e caminhos susceptíveis
de viabilizar no país o ideário de Walter Lipmann, jornalista norte-americano, para quem o objetivo inalterável e
irrenunciável dos meios de comunicação, numa democracia, é informar para formar a opinião pública. Opinar
é comprometer-se. Assumir a responsabilidade de descrever os fatos honestamente e, em seguida, comentá-los e
­avaliá-los. Sempre com isenção.
William Shakespeare, na tragédia “Júlio César”, distinguiu magistralmente legalidade de moralidade, ou
seja, o imperativo legal do dever moral: “A mulher de
César, não basta ser honesta, tem de parecer honesta”. É
só entender...
l
Cláudio Emerenciano é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Buscando a
excelência na
administração pública
IBAP
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PARCERIAS INSTITUCIONAIS
IASIA
International Association of Schools
and Institutes of Administration
DPADM/ONU
Divisão de Administração Pública e Gestão
do Desenvolvimento das Nações Unidas
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