o encontro do virtual e o não-virtual: hipertexto na literatura

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o encontro do virtual e o não-virtual: hipertexto na literatura
O ENCONTRO DO VIRTUAL E O NÃO-VIRTUAL: HIPERTEXTO NA
LITERATURA INFANTIL CONTEPORÂNEA
ALVES, Ana Cristina Silva Modesto1
MOCELIN, Márcia Regina2
RESUMO
Este trabalho caracteriza-se como um ensaio bibliográfico que tomou como
pressuposto a ideia de que há uma crise no ensino de Língua Portuguesa e
Literatura, que consiste na dificuldade das professoras e dos professores de tornar
os estudantes leitores (CUNHA, 1997 e CAVALCANTI, 2002). Para tanto, tomamos
como problema de pesquisa: em que medida o texto não virtual assemelha-se ao
virtual considerando-se a noção de hipertexto na Literatura Infantil Contemporânea?
Para respondermos a nossa questão-problema, adotamos como objetivo geral:
comparar e analisar textos buscando relações de semelhanças e diferenças por
meio da noção de hipertexto. Como objetivo específico, definimos: identificar e
caracterizar as relações de semelhanças e diferenças por meio da noção de
hipertexto, nos textos: Entre Leão e Unicórnio, de Marina Colasanti e Flicts, de
Ziraldo Alves Pinto. Para a análise utilizamos a Abordagem Teórica Pósestruturalista e a Análise de Discurso (ORLANDI, 2001, 2005) priorizando os
conceitos Rede e Rizoma (DELEUZE e GUATTARI,1995), verificando como os
discursos presentes nos textos dos dois autores se assemelham e se diferenciam e
qual a relação de hipertexto existente entre eles. Deste modo, confrontamos os
textos e descobrimos que as duas obras possuem aproximações e distanciamentos
que possibilitam as conexões das obras com outras leituras, o que pode auxiliar na
formação de leitores.
Palavras-chave: texto, hipertexto, literatura infantil, rede, rizoma.
1- INTRODUÇÃO
O presente trabalho nasceu da necessidade de abordar o tema Literatura
Infantil3 para torná-lo mais íntimo de professoras, professores, alunas e alunos.
Diante da nossa experiência podemos constatar que há uma crise no ensino de
1
Licenciada em Letras Vernáculas (2003) – UNEB (Universidade do Estado da Bahia); Professora de
Língua Portuguesa, Arte e Sociologia e orientadora de Estudo do Pacto Nacional pelo
Fortalecimento do Ensino Médio – Bahia no Colégio Estadual de Serrolândia.
2
Doutora em Educação (2014) – Universidade Tuiuti do Paraná (UTP); Mestre em Educação (2007)
– Universidade Tuiuti do Paraná (UTP); Especialista em Educação de Jovens e Adultos (1998) –
IBPEX; Licenciada em Educação Artística/Música (1996) – UFPR (Universidade Federal do Paraná);
Licenciada em Pedagogia (2011 -2015) UNINTER (Centro Universitário Internacional Uninter);
Orientadora de TCC do Centro Universitário Internacional Uninter.
1
Língua Materna e Literatura, da dificuldade dos professores de tornar os estudantes
leitores (Cunha, 1997 e Cavalcanti, 2002). Sabemos também a dificuldade que
muitos alunos sentem quando tem diante de si um texto para ler. Podemos encontrar
a citada dificuldade em professores e estudantes de todos os níveis: do Ensino
Básico até a Pós-graduação. Daremos ênfase à comparação entre o texto analógico
impresso em papel – preto no branco – livro e o texto virtual, na tela do computador,
notebook, tablet, celular, eBook e tantos outros recursos tecnológicos que dão
mobilidade e acesso ao texto.
Pensamos que trabalhar a ideia de hipertexto4 pode despertar o interesse do
leitor inicial – aproximar os estudantes do texto literário infantil. O conceito de
hipertexto, ao contrário, do que o termo parece designar não se limita a textos
virtuais. Poderemos fazer com que os estudantes percebam que o livro “antigo”, ou
seja, aquele que não é virtual está mais relacionado com a rede mundial de
comunicação – a internet – do que eles supunham o que se espera ser positivo, já
que, a internet é a tecnologia que mais chama a atenção desse público. Assim,
definimos como problema do trabalho: Em que medida o texto não virtual
assemelha-se ao virtual considerando-se a noção de hipertexto na Literatura Infantil
Contemporânea?
Para respondermos esta pergunta definimos como objetivo geral do artigo,
comparar e analisar textos buscando relações de semelhanças e diferenças por
meio da noção de hipertexto. Espera-se que, assim, possamos mostrar como é
próxima a ligação entre textos virtuais e não virtuais. Para direcionar a análise será
utilizada a Abordagem Teórica Pós-estruturalista e a Análise de Discurso (Orlandi,
2001, 2005) priorizando os conceitos Rede e Rizoma apontados pela autora.
No trato deste trabalho optamos pelos seguintes textos: Entre leão e
unicórnio, de Marina Colasanti (2006) e Flicts, de Ziraldo Alves Pinto (2006),
porque são livros que são distribuídos nas bibliotecas das escolas públicas e se
inserem na Literatura Contemporânea. Consideramos importante elencar textos
contemporâneos, visto que, esta Literatura atualiza os contextos e trata de questões
atuais.
4
Conforme (MELLO, 1996) a ideia de hipertexto consiste na ação do leitor estabelecer conexões
(links) de um material literário com outros materiais ou outras experiências de vida.
2
2- PARA SITUAR O TEXTO, O SENTIDO E O SIGNIFICADO
Nesta parte do trabalho, trataremos da concepção de texto na perspectiva da
Análise de Discurso (ORLANDI, 2001, 2005) que concebe o texto como um “bólido
de sentidos” (2001, p. 14). Então, contaremos sobre a materialidade do texto, a sua
exterioridade/memória, como os sentidos são criados e como circulam e os vários
sentidos que um mesmo texto pode gerar.
A palavra texto tem origem no latim texere, que significa construir, tecer. O
particípio passado textus também era usado como substantivo, e significava maneira
de tecer ou coisa tecida, e ainda mais tarde estrutura. Só aproximadamente no
século XIV é que a evolução semântica da palavra atingiu o sentido de tecelagem,
estruturação de palavras, ou composição literária e passou a ser usado no inglês,
proveniente do francês antigo texte.
Neste sentido,
o texto é uma sequencia linear de lexemas e morfemas que se condicionam
reciprocamente e que, de modo recíproco, constituem o contexto: texto é,
pois ‘um andaime de determinações onde tudo se encontra interligado’, uma
‘estrutura determinativa’ (grifo do autor). (WEINRICH in KOCH, 1996, p.10)
Deste modo, não podemos pensar no sentido5 de texto, como um elemento
que se organiza de maneira aleatória. Este possui conexões que fazem com que
não esteja dissociado do contexto em que foi produzido. No texto tudo se relaciona e
se conecta. Para compreendermos o significado de um texto precisamos dar sentido
a esse texto. Damos sentido ao texto através da interpretação. Embora um mesmo
texto possa ter muitos significados/sentidos tais significados obedecem a alguma
ordem. Tudo que interpretamos depende de uma interpretação anterior.
Na perspectiva da Análise de Discurso, texto seria a parte física (material
imagético, falado, escrito, etc.). O sentido/significado seria exterior ao texto, estaria
na memória do leitor/ouvinte individualmente ou na memória coletiva/cultura.
Conforme pontuado por Orlandi (2001, p. 14):
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Tratamos o conceito de sentido a partir da definição trazida por Orlandi (2001, 2005).
3
É só no imaginário que todas estas versões, digressões, formulações,
partiriam de um texto ‘original’. Nesse sentido, o texto ‘original’ é uma ficção,
ou melhor, é uma função da historicidade, num processo retroativo. São
sempre vários, desde sua ‘origem’, os textos possíveis num ‘mesmo’
texto. Por isso temos proposto que se considere o texto, em sua
materialidade, como uma ‘peça’ com suas articulações, todas elas
relevantes para a construção do ou dos sentidos. É isto que estamos
dizendo, quando falamos que um texto é um bólido de sentidos, sintoma
de um ‘sítio significante’ (grifos nossos).
Compreendemos que quando o texto é criado ele já possui várias versões,
porque o significado do mesmo será produzido pelo leitor a partir das suas
experiências (materiais e simbólicas). Neste sentido, entendemos que as redes de
sentidos e significados de um texto são produzidas pelo autor no ato da criação, mas
não se encerra com a produção porque o mesmo é ressignificado no momento da
interação com o leitor.
Assim, a compreensão de texto auxilia a nossa apropriação da importância do
hipertexto para a formação dos leitores. Fazemos esta afirmação baseados na
compreensão de que o trabalho com o hipertexto possibilita o estabelecimento de
links entre leituras atuais e anteriores e o contexto de vida. Desta forma, na próxima
seção, trataremos sobre a definição de rede/rizoma e hipertexto para direcionarmos
o sentido do nosso trabalho.
3- O CONHECIMENTO EM REDE/RIZOMA E HIPERTEXTO
A
concepção
atual
de
conhecimento
está
baseada
no
paradigma
arborescente (Deleuze e Guattari,1995) Cartesiano. Ou seja, ao organizarmos os
vários campos do saber estruturamos uma árvore: o tronco é a filosofia – origem de
todas as ciências como a Matemática, a Física, a Química, a Biologia, a Psicologia,
etc. que são os galhos da árvore, independentes entre si e que só se comunicam
quando passam pela Filosofia – o tronco.
O modelo rizomático proposto por Deleuze e Guattari (1995) rompe com a
concepção de dissociação dos conhecimentos e propõe a ideia de interligação. Ou
seja, há um intercâmbio, uma conexão entre os tipos de conhecimento, expressa
uma visão holística onde as partes estão interligadas. Assim, conforme expresso por
Gallo (2008, p. 76),
4
a metáfora do rizoma subverte a ordem da metáfora arbórea, tomando
como paradigma aquele tipo de caule radiciforme de alguns vegetais,
formado por uma miríade de pequenas raízes emaranhadas em pequenos
bulbos armazenáticos, colocando em questão a relação intrísceca entre as
várias áreas do saber, representadas cada uma delas pelas inúmeras linhas
fibrosas de um rizoma, que se entrelaçam e se engalfinham formando um
conjunto complexo no qual os elementos remetem necessariamente uns
aos outros e mesmo para fora do próprio conjunto.
Na proposta rizomática, o conhecimento pode estar conectado, pode conter
partes diferentes, não pode ser reduzido por que é múltiplo, não pressupõe
significação hierárquica, é organizado, mas possui linha de fuga6, pode ser mapeado
e pode ser copiado. Assim, compreendemos que o conceito de rizoma serve para o
referido trabalho porque concebe que as epistemologias não são constituídas
dissociadas, mas a partir do estabelecimento de conexões entre as diferentes
leituras que se pode fazer de uma realidade.
Percebemos, durante nosso estudo, que existem mais relações entre os
textos analisados do que imaginávamos. Que ao lermos sempre encontraremos
pontos semelhantes, conexões, redes de significados e linhas de fuga (já que são
versões e não cópias literais). Sempre serão abertas janelas7 em nossa memória.
Quanto mais aprofundarmos nossa leitura, quanto maior for a quantidade de textos
literários que tivermos acesso, maior será a nossa capacidade de relacioná-los, de
traçar as redes de significados e as linhas de fuga.
Percebermos que todos os textos podem estar interligados se tomarmos
como ponto de observação o paradigma de conhecimento em rede/rizoma8. Para
tanto,
a abordagem mais simples do hipertexto que, insisto, não exclui nem os
sons nem as imagens, é a de descrevê-lo, por oposição a um texto linear,
como um texto estruturado em rede. O hipertexto seria constituído de nós
(os elementos de informação, parágrafos, páginas, imagens, seqüências
musicais etc.) e de ligações entre esses nós (referências, notas,
indicadores, ‘botões’ que efetuam a passagem de um nó ao outro.) (LÉVY,
1996, p.44).
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7
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As multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de desterritorialização
segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras. Exemplo serão mostrados
nas próximas seções.
O termo “janelas” faz referência a interface gráfica dos sistemas operacionais mais comuns, a
exemplo do Windows que utiliza janelas/botões para estabelecer as suas conexões.
Utilizamos este conceito a partir da discussão trazida por Gallo (2008).
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No confronto que realizaremos entre textos, buscando semelhanças e
diferenças, aproximações e distanciamentos estaremos continuamente observando
como um texto leva a outro, como em um momento se assemelham a ponto de se
tocarem para no momento seguinte se distanciarem de forma semelhante ao que
acontece com o texto virtual, em que as ligações aproximam pontos. Neste sentido,
estaremos trabalhando com a concepção de hipertexto a fim de compreender como
esta relação pode contribuir para o trabalho com leitura em sala de aula.
4 - COMPARAÇÃO ENTRE OS TEXTOS FLICTS E ENTRE LEÃO E UNICÓRNIO
Na análise dos textos, traçaremos um breve comentário sobre as duas obras
ora em estudo. Tomamos então um exemplar da 1ª edição, 57ª impressão do livro
Flicts, de Ziraldo e o conto Entre leão e unicórnio, de Marina Colasanti, que faz
parte da 11ª edição do livro Doze reis e a moça no labirinto do vento (p. 15-21).
Para tanto, organizaremos esta seção em dois momentos. No primeiro
momento denominado Semelhanças entre as histórias Flicts e Entre leão e
unicórnio, elencaremos os elementos que se aproximam nas duas histórias e as
relações entre eles.
No segundo momento, chamado de Diferenças entre as histórias Flicts e
Entre leão e unicórnio, abordaremos os distanciamentos e diferenças existentes
nos dois textos. Ressaltamos que as relações estabelecidas nas duas partes da
seção estarão em diálogo com os conceitos de Rizoma e Hipertexto.
4.1- Semelhanças entre as histórias Flicts e Entre leão e unicórnio
As semelhanças entre os textos Flicts, de Ziraldo e Entre leão e unicórnio,
de Marina Colasanti aparecem já na forma de iniciar as histórias. Apesar da
diferença estrutural, há semelhança temática. A autora e o autor quebram a
expectativa do leitor, já que Marina Colasanti inicia o conto de fadas sem o “Era uma
vez...” e ainda inicia de onde os contos de fadas se encerram, ou seja, na noite de
núpcias, começa a história contando da intimidade conjugal do casal real: “No meio
da noite de núpcias, o rei acordou tocado pela sede.” Por outro lado, Ziraldo inicia a
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narrativa com o “Era uma vez”, aparentemente dando um conforto ao leitor, mas em
seguida acrescenta “uma cor muito feia e muito triste que se chamava Flicts”.
Além de encontrarmos semelhanças formais na narrativa, também podem ser
observadas aproximações temáticas. A busca de um amigo ou de companhia ou
ainda a procura da socialização quando o rei encontra um amigo nos sonhos da
rainha na forma de um unicórnio que o transporta para o mundo da imaginação e
Flicts procura um amigo e é sempre rejeitado. Ninguém quer brincar com ele: “E o
pobre Flicts procura alguém para ser seu par; um companheiro, um amigo, um irmão
complementar em casa praça e jardim, em cada rua e esquina: ‘Eu posso ser seu
amigo’?” (p. 35)
Assim aparece a solidão como outra semelhança, pois o homem é um ser
sociável e há uma necessidade constante de estar uns com os outros. Flicts sofre
de solidão porque não é aceito entre as outras cores. “Mas não existe no mundo
nada que seja Flicts – nem sua solidão –(p. 12)”. “Não era bom ser tão só (p.24)”.
“(...) e mais uma vez sozinho o pobre Flicts se vai... (p.35)”.
Do mesmo modo, no outro texto, a rainha sofre com a desatenção do marido:
“Ressentia-se, porém a rainha com aquela ausência. Doente, quase, de tanta
desatenção” (...). A quarta semelhança percebida refere-se ao sonho, a rainha
sonha e o rei perde-se nos sonhos dela: Sonhei que vossa majestade fugia com a
montada da minha imaginação – disse a rainha ao esposo, de manhã. – Mas estou
bem contente de vê-lo agora aqui ao meu lado – acrescentou numa reverência. (p.
18). E Flicts sonha em ser aceito, fazer amigos e encontrar seu lugar no mundo.
... Flicts correu o mundo em busca do seu lugar...
Nas obras em análise há também semelhança no que se refere ao
questionamento. Quem somos? De onde viemos? Para onde iremos? O que
estamos fazendo aqui? São questões que Tales de Mileto fez há tanto tempo e
ainda hoje não conseguimos responder. A filosofia nasceu do questionamento e todo
o conhecimento foi gerado pelo inquirir da inteligência humana. Estranhar o mundo,
olhar de outra maneira, assustar-se com o preestabelecido, desconfiar do que
sabemos. Parar, refletir sobre a nossa memória, sobre as nossas verdades.
Sempre que desejamos saber de algo, perguntamos, o questionamento
realmente é que nos mostra o caminho que devemos/podemos seguir. Nos textos
em estudo encontramos perguntas sobre vários assuntos, Flicts pergunta a todas as
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cores se pode brincar com elas: “Deixa eu ficar na berlinda? Deixa eu ser o cabracega? Deixa eu ser o cavalinho? Deixa que eu fique no pique? (p.17)”.
Pergunta se existe trabalho par ele em algum estandarte ou bandeira: “Será
que eu não posso ter um cantinho ou uma faixa em escudo ou em brasão em
bandeira ou estandarte? (p. 24). Mas quem sabe o mar, quem sabe? (p.31) Eu
posso ser seu amigo? (p. 35)”.
No texto Entre leão e unicórnio o rei pergunta à rainha sobre o leão, o
enxame de abelhas, o unicórnio azul: “o rei perguntou o que poderia fazer para livrála de tão cruel carcereiro (p.16). Perplexo, saiu para o terraço, fechou rapidamente
as portas envidraçadas e encolhido num canto esperou que a manhã lhe permitisse
interpelar a rainha (p. 18)”.
E perguntando, inquirindo, indagando, Flicts andou por muitos lugares
buscando um lugar seu, um amigo para compartilhar a vida e o rei descobriu o
mundo da imaginação, perdendo-se nele. O desaparecimento será destacado aqui
como a última semelhança entre os textos em análise, Flicts começa a subir até
desaparecer e o rei, montado no unicórnio azul, fica preso na imaginação da rainha.
A primeira semelhança revela uma linha de fuga, a quebra da expectativa pois
Marina não anuncia um conto de fadas, embora faça-o e Ziraldo anuncia um conto
de fadas e não o faz, a semelhança se faz presente em uma diferença,
aparentemente não há um ponto de conexão, mas considerando o paradigma
rizomático proposto por Deleuze e Guattari (1995) a linha de fuga seria o ponto de
conexão entre os textos.
Percebemos que as aproximações e/ou semelhanças entre os textos Flicts e
Entre leão e unicórnio, referem-se à exterioridade do texto, à “memória” do leitor,
aos princípios de conexão e heterogeneidade: “qualquer ponto de um rizoma pode
ser conectado a qualquer outro ponto e deve sê-lo” (DELEUZE e GRUATARY, 1995,
p. 14) e essas conexões são possíveis em textos virtuais e não virtuais visto que se
dá na interação entre leitor e texto.
Após
destacar
algumas
semelhanças
entre
os
textos
em
estudo,
elencaremos, na próxima seção do presente trabalho, diferenças observadas nos
textos Flicts e Entre leão e unicórnio.
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4.2 Diferenças entre as histórias Flicts e Entre leão e unicórnio
A primeira diferença entre os dois textos pode ser observada no início da
narrativa de cada um deles. Ziraldo usa o “Era uma vez” para começar a narrativa e
Marina Colasanti inicia sua história rompendo o paradigma tradicional dos contos de
fadas: “No meio da noite de núpcias o rei acordou tocado pela sede.” Começa a
narrativa depois do padrão “e então eles se casaram e foram felizes para sempre”.
Como se dissesse que é a partir da noite de núpcias que as coisas começaram a
ficar estranhas, ou, dizendo de outro modo, que é quando o casal começa a se
conhecer melhor, descobrir as peculiaridades um do outro.
Entre Leão e Unicórnio é um texto em prosa, um conto de fadas, com os
elementos dos contos de fadas, como a ambientação em castelos medievais e
reinos, presença do elemento mágico na figura de um unicórnio e na materialização
dos sonhos da rainha para o rei. A pontuação se faz presente com parágrafos
regulares, marcação de diálogos com travessão. A ilustração é complementar, não
compromete o entendimento do texto se for retirada, ela aparece nas duas páginas
finais do conto. (p. 20-21)
Em Flicts a história é contada em prosa poética e em alguns momentos há
versos rimados. O texto não obedece a uma pontuação regular, comum no texto em
prosa, onde aparece a pontuação ela também não obedece a uma regularidade,
Apenas foi utilizado os dois pontos no verso: “ Um dia ele viu no céu/ depois da
chuva Cinzenta/ a turma toda feliz/ saindo para o recreio/ E se chegou pra brincar:
(p.16). A interrogação, os parênteses e as aspas Mas/ Flicts/ não se emendava/ (e
por que/ se emendar?)/ não era bom/ ser tão só/ e um dia/ foi procurar/ um trabalho/
pra fazer a salvação/ no trabalho:/ “Será que eu/ não posso ter/ um cantinho/ ou uma
faixa/ em escudo/ ou em brasão/ em bandeira/ ou estandarte? (p.24).
Diferentemente de Entre Leão e Unicórnio, em Flicts a ilustração e a
diagramação fazem parte do texto e são essenciais para a compreensão. Podemos
dizer que temos três histórias em uma: se tirarmos a parte verbal temos um texto, se
tirarmos a ilustração e deixarmos apenas a parte verbal temos outra história e
juntando texto verbal e imagético temos outra história, mais completa. Podemos
observar nos versos supracitados que em um momento o texto aparece alinhado à
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esquerda e em outra página ele está alinhado à direita e em outra página aparece
centralizado. É a um só tempo, um texto verbal e imagético.
Para exemplificar a importância da ilustração e da diagramação para a
compreensão do texto e retomarmos a noção de hipertexto destacamos a seguinte
citação: “e/ Flicts/ correu/ o mundo: (p. 25)”.
E a continuação do texto na página seguinte, mostrada na imagem abaixo (p.
26):
Fonte: Pinto (2005, p. 26)
Na página 25 o texto está alinhado à esquerda e na página 26 ele aparece
centralizado, a formatação substitui a pontuação e a ilustração que aparece na
página 26 complementa a compreensão de “países mais bonitos”, quanto ele diz
pelos países mais bonitos, a exterioridade do texto (memória do leitor) vai buscar
seu conhecimento, o que o leitor conceitua como um país bonito, mas existe um
botão (LÉVY, 1996, p.44), um hipertexto acima da frase “pelos países mais bonitos”:
aparece ali a bandeira do Brasil. Sem essa imagem os países bonitos seriam outros,
o autor poderia também ter recorrido a qualquer outro país bonito para exemplificar
os países percorridos por Flicts.
O texto Entre leão e unicórnio, é um conto fantástico, ambientado na Idade
Média, existe a presença do elemento mágico a exemplo do unicórnio. Flicts é um
conto moderno, ambientado no mundo atual, o que pode ser percebido na presença
da caixa de lápis de cor e do semáforo. Flicts trata sobre a importância de conviver
com as diferenças, sobre como é triste ser rejeitado e sobre como é possível superar
as dificuldades e encontrar um lugar no mundo. O conto Entre leão e unicórnio
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chama a atenção sobre como podemos desconhecer as pessoas que estão a nossa
volta. Como muitas vezes ignoramos nuances da pessoa que dorme conosco e
também da possibilidade de nos distrairmos com o mundo de sonhos e fantasias a
ponto de nos perder para sempre. Preferindo o sonho à realidade.
Assim, durante nosso estudo, percebemos que, se tomarmos como base para
estudo os conceitos de rede e rizoma e a noção de hipertexto para analisarmos a
Literatura Infantil Contemporânea percebendo as aproximações e distanciamentos
que existem entre os textos estaremos diante de mais uma ferramenta de ampliação
do trabalho com a leitura na sala de aula, porque poderemos aproximar com muita
facilidade o texto impresso do texto virtual.
5 - METODOLOGIA
Consideramos que este trabalho se caracteriza como um ensaio e não como
estudo, devido à brevidade do seu desenvolvimento. De acordo com (BARADEL e
TOMANI, 2007) “O ensaio é um texto de análise e questionamento sobre modelos
teóricos existentes, incluindo a elaboração de hipóteses para futuras pesquisas.
Apresentado de maneira breve, o ensaio defende um ponto de vista, por meio de um
texto objetivo, metódico e estruturado dirigido mais a assuntos didáticos e críticas
oficiais.” (p. 10). Neste sentido, este ensaio bibliográfico, pois teve como fonte/dados
de pesquisa livros literários que serão analisados à luz dos autores por nós
adotados. Conforme posto anteriormente, pretendemos com este trabalho comparar
e analisar textos buscando relações de semelhanças e diferenças por meio da
noção de hipertexto, o que é feito na seção seguinte. Para tanto selecionamos os
textos: Entre Leão e Unicórnio, de Marina Colasanti e Flicts, de Ziraldo Alves
Pinto. Esta escolha se deu por identificarmos que estas obras estão presentes nas
bibliotecas escolares e ao mesmo tempo por serem obras da Literatura
Contemporânea. Com isto, pretendemos verificar como os discursos presentes nos
textos dos dois autores se assemelham e se diferenciam e qual a relação de
hipertexto existente entre eles. Concluímos fazendo um apanhado geral de todo o
estudo realizado.
[u1] Comentário: Não compreendo o
que necessita ser acrescido aqui. Fiz a
inserção da nota de rodapé como havia
sugerido, há mais alguma coisa?
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi dito no início, concluiremos o trabalho, mas estamos distantes de
esgotar o assunto já que, por exemplo, outra análise das obras podem gerar novas
ideias sobre o tema. A cada momento surgem novas relações, percebemos novas
redes de significados, os “nós interligados”, as semelhanças, as aproximações, as
linhas de fuga.
Alcançamos nosso principal objetivo, que foi confrontar os textos buscando
relações de aproximações, de semelhanças e diferenças entre os textos, utilizando a
noção de hipertexto, um texto que nos leva a outro, as “janelas” que se abrem na
exterioridade do texto (a memória do leitor).
Descobrimos que desde o início os textos são múltiplos e que nunca sabemos
exatamente quais os sentidos que um mesmo texto pode gerar. Por isso adotamos
um bólido de sentidos da Análise de Discurso para fundamentar nosso trabalho
(Orlandi, 2001)
Stefan Zweig nos descreve o livro material, aquele que se pode perceber pelo
tato, pelo olfato, pela audição ao folheá-lo, que pode ser abraçado. Descreve-o
como um objeto iluminado com muita força e renovação, o livro virtual seria então a
renovação do livro analógico. Lao-Tsé faz uma conexão entre o físico e o metafísico.
Assim, tomamos este com exemplo para ilustrar nosso trabalho, considerando o
texto impresso e o virtual com parte física e a exterioridade do texto/interpretação
(memória do leitor e memória coletiva/cultura) como metafísico, que é o principal.
Se um texto como a Atuação do invisível no visível pode dar conta de explicar o
metafísico de um texto, impresso ou virtual e a exterioridade do texto (memória), os
sentidos/ significados que um texto pode gerar; se podemos tomar o texto
supracitado e reescrevê-lo da seguinte forma: Assim é um texto escrito, físico, papel
preto no branco ou na tela, que parece ser o principal, mas seu valor está na
memória do leitor, nos sentidos/significados que pode gerar, na interpretação, no
metafísico, então podemos tomar a literatura infantil para trabalhar o universo virtual
– internet com nossos alunos, mostrando para eles que todo o conhecimento está
“interligado”, “conectado” tomando como referência o paradigma rizomático e o
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conhecimento em rede (DELEUZE e GUATTARI, 1995), a noção de hipertexto
(LÉVY, 1996, p.44) o texto como um bólido de sentidos (ORLANDI, 2001, p. 14) e
que muitas vezes desprezamos o livro por considerá-lo ultrapassado, mas que para
circularmos com segurança na rede mundial de informações precisamos muitas
vezes recorrer aos conhecimentos mais antigos (LIVRO) esteja ele impresso ou
digitalizado.
Sabemos que concluiremos o trabalho, mas que continuaremos a nos indagar
sobre tantos outros aspectos que surgem a cada momento, pois a cada nova leitura
e experiência de vida novas conexões e linhas de fugas são construídas.
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REFERÊNCIAS
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científicos: estrutura textual, dicas e compêndio gramatical./Luciana Alvin Santos
Romani. Campinas: Embrapa, Informática Agropecuária, 2007. 45p..: il.
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das letras, 1990. (p. 9)
CAVALCANTI, Joana. Caminhos da literatura infantil: dinâmicas e vivências na
ação pedagógica. São Paulo: Paulus, 2002. 127p. (Pedagogia e educação)
COELHO, Betty. Contar histórias, uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1989.
COLASANTI, Marina. Entre leão e unicórnio. In: ______. Doze reis e a moça no
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DELEUZE, GILLES & GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol.
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1996. 75p. (Coleção Repensando a Língua Portuguesa)
KOCH, Ingedore Grunfield Vilaça. A coerência textual. 7.ed. São Paulo: Contexto,
1969. 94p.
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1996. 160p. (Coleção TRANS)
ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. 2.
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