Untitled

Transcrição

Untitled
Número quatro, Abril de 2007.
Sabemos das coisas depois do tempo delas. E sabemos dos passos depois da
vontade se ter sumido. E dos mundos quando já não são redondos e pedem,
aos balcões das pastelarias, bolas de berlim com creme. Ficamos a pensar se
o problema não será dos outros. Correm muito. Não vêem nada.
Ricardo Galésio
CAPA
Romance
ilustração de Emma Overman
FICHA TÉCNICA
Director de Arte e Conteúdos
Ricardo Galésio
Colaboradores
Ana Elisa, Ângelo Fernandes, Diana Lugansky, Emma Overman
Hugo Mortágua, João Alves dos Santos, Lambros FisFis, Michael Wolf
Pedro Palrão, Rodrigo Falcão Nogueira, Sara Toscano, Sónia Bettencourt
Agradecimentos
Diana Lugansky, Emma Overman, Michael Wolf
país
profundo
Hugo Mortágua
“José Miguel Júdice - Um dos segredos de Sócrates é a imagem. Nos EUA
não há nenhum feio que possa ser candidato a presidente. Têm todos que
usar camisas de uma certa cor, a politica hoje é imagem, quem não gosta
não se mete nelas.
Ângela Silva do Expresso - Sócrates não é feio. Mas acha Alberto João
Jardim, que também é um vencedor, um homem bonito?
JMJ - Mas aí estamos na Madeira. Jardim não passa no continente.”
In Revista Única, Caderno Expresso de 10 de Março de 2007 acerca de
Marques Mendes.
Ora nós, que gostamos de viver na eufórica procura e assimilação de tendências
urbanas e que abraçamos conscientemente movimentos racionalistas que
nos trazem ímpares momentos de confrontação entre, por um lado, a nossa
consciência crítica, a nossa ética, a nossa coerência e a nossa “moral” e por
outro lado, o mundo em que vivemos, tantas vezes desonesto e cruel como
feio e repelente, como sendo uma projecção irrealista do que somos. Dizia
eu, nós que gostamos de nos ver por momentos distanciados deste mundo
(que reconhecemos…), somos imagem e não circulamos na política, ou será
que circulamos? Certamente que sim.
Pois bem, realmente não há moral que se lhe ajuste ou ética que não o
condene, mas terá ele alguma razão?
Somos a imagem de uma sociedade alerta e activa que não se importa de
rejeitar o que não é consciente, correcto ou de qualquer forma contra-natura.
Efectivamente sabemos viver e extraímos da metrópole, fonte natural e
foz da convergência e alocação de bens essenciais à vida desfrutada de
forma consciente e questionada: as modas, as tendências, os pensamentos
e filosofias que chegam de fora. Estas encontram nos citadinos a terra e
o fertilizante necessário para crescerem e ganharem forma expandindo-se
para outras culturas num perpétuo ciclo.
No limiar, o plano continental português actual, e refiro-me obviamente e
apenas às cidades porque Portugal não tem interior (pois é povoado pelos
ásperos intelectuais que se agarraram à cultura local portuguesa e essa,
a meu ver, é desactualizada da presente e homogénea cultura europeia),
insere-se na procura de espaço mediático entre a sociedade de consumo
e o crescimento tecnológico-intelectual. Nesta realidade cresce um apoio
incontestável ao, cada vez mais lugar-comum, metrossexual. “Ora não tem
nada de especial!” – penso eu, porque o culto metrossexual já há há uns
bons 6 anos e poderei dizer que fui um dos primeiros a abraça-lo sem medo
de ser confundido com um dandy. Mas será comum ver o culto da imagem a
circular pela política? Certamente que sim.
Portanto, posso afirmar com alguma alegria que já somos um país
desenvolvido! Porquê? Porque os nossos políticos têm imagem! E isto é o
que querem que o povo absorva da dita cultura desenvolvida: a nossa! No
que me toca, recebem todo o meu apoio e aplausos, porque prefiro andar na
rua a ver pessoas bonitas e arranjadas. Mas talvez eu seja pouco profundo!
diana
lugansky
bvlgaria
A Diana é finlandesa. Vive em Helsínquia. Para além de designer também
é fotógrafa. Vimos as suas fotos tiradas na Bulgária e não resistimos. Pela
simplicidade, pelas cores, pelo mundo imaginado que não existe.
(Disse-nos que adora o marido Mishka. Ainda bem.)
11
gostava
de ter
alguém
Sónia Bettencourt
«É-nos possível viver sozinhos, desde que seja à espera de alguém»
Gilbert Cesbron
Ás vezes saio sem saber para onde vou. Gosto de deambular sozinha pelas
ruas e travessas da cidade, ver pessoas a passar a pé e de carro, entrar nas
lojas onde na realidade não há nada que queira comprar, e imaginar que
necessito daqueles artigos que estão expostos nas montras e nas prateleiras;
frequentar um café ainda que por alguns minutos e ouvir parte de conversas:
ao telefone, ao balcão, na mesa ao lado e nas pessoas que passam na rua
junto à porta; comprar um bilhete de metro e sair numa estação por impulso,
por uma urgência que me toma em desfazer as horas ou simplesmente
procurar-te mesmo sem te saber o rosto.
Quem és? De onde vens e para onde vais? Ocorre-me vezes sem conta e
submeto-me a uma investigação clandestina, muito íntima e divirto-me a
interpretar uma vida ao cruzar contigo por acaso, num sítio qualquer.
Persigo-te durante alguns minutos, observo o modo discreto como falas ao
telemóvel, os gestos diplomáticos, a pasta e o sobretudo que seguras pelo
braço, o maço de tabaco vazio que deitas no caixote do lixo, os sapatos
brilhantes que atravessam a passadeira. Interrogo-me se vais ao encontro de
alguém, se estás atrasado ou se, regressas de uma habitual viagem solitária.
E logo me perco nas avenidas dos meus enredos tentando enquadrar-te numa
história, com imagens claras e perfeitas, fantasiando que me vais encontrar,
que somos amantes ou simplesmente bons amigos, e frequentamos a casa
um do outro, onde cada um de nós vive, sozinho, por entre garrafas de vinho
e obras de arte. Podíamos dormir juntos durante a tarde, entre duas reuniões
de negócios, num escritório com vista para a cidade. Enquanto me despias
as roupas caras e soltavas-me o cabelo, que usava sempre cuidadosamente
atado por um fio elástico, falaríamos de marketing e da última festa em que
te interessaste por tudo e não te apaixonaste por nada. Ah, serias casado?
Comprometido, talvez. Ou então, num outro contexto totalmente diferente,
trocávamos ideias sobre viver em Lisboa ou Nova Iorque, o amor à primeira
vista e a tua nova namorada que quer ser actriz. Eu acompanhava-te ao teatro,
estaria em cena a peça de Becket, Á Espera de Godot, e ao final seríamos os
primeiros a dar início à chuva de aplausos. Mas, para te colocar ainda numa
outra história, melhor ficará se fores o meu namorado, e ires ter com uma
mulher desconhecida que, apaixonada, marcou encontro contigo através de
e-mail, com o argumento que te vê todas as noites na televisão como pivot
de telejornal. Sem tu saberes seria eu essa mulher – a tua própria namorada.
Mais tarde arriscar-me-ia a explicar-te a minha atitude: a televisão tornou-se
uma psicose. Ver o telejornal, por exemplo, não apenas esgota como pode
ser letal.
Os diálogos formam-se-me nos lábios e quase me dirijo a ti com um sorriso
sem saber muito bem em que quadro estamos ambos representados. Só me
apetece dizer-te: «estou aqui» ou «cheguei». Então apercebo-me de que te
sou desconhecida, anónima, indiferente; que a história te é completamente
incógnita, que aliás não é a tua, mas a minha. A história só existe em mim
servindo fundamentalmente para me ausentar de mim, perder-me e deixar
de ser eu para ser outra qualquer. E abato-me, no meio da rua, sozinha,
entre a multidão. A lucidez é detestável.
Dirijo-me ao café mais próximo, lotado de gente, e sento-me à mesa, por sinal,
a única disponível, ainda com um punhado de frases agora a desfazerem-se
lentamente na garganta. Tu, de súbito, entras no café e sem outro lugar para
te sentares e beber a meia de leite, perguntas-me referindo-te à cadeira:
«está ocupada?»
Esmago o cigarro no cinzeiro de vidro, fecho o bloco de notas e respondo
irritada como se fôssemos dois actores e estivéssemos a contracenar: «não
era essa a tua deixa!».
Sem demora regresso ao metropolitano, transtornada pela história, sempre
a ficcionar, a persistir na procura, porque de facto não és nem meu amante
nem meu amigo e a verdade é que eu nunca te vi. Agora quero sair desta
confusão, deste mundo desinquieto que é o de viver sozinha e faço o trajecto
inverso, ansiosa por chegar ao mesmo lugar de onde parti, com uma só
vontade: a de ter alguém à minha espera.
13
chimoio
Ângelo Fernandes
15
Fotografias transversais a um projecto de voluntariado, realizado em
Agosto de 2007 em Chimoio, ex Vila Pery, Moçambique.
Seis jovens, com idades compreendidas entre os 24 e os 30 anos com
diferentes formações – três professores, duas psico-pedagogas e uma
ilustradora – viajaram até Chimoio para trabalhar numa escola comunitária
do primeiro ciclo, três infantários e um lar para crianças órfãs, totalizando
num trabalho directo com mais de 600 crianças e 19 agentes de ensino
– professores, educadores e auxiliares de educação. Os objectivos estavam
relacionados com vários aspectos, como metodologias no ensino da leitura e
da escrita, motivar os alunos para escrita, detectar deficiências nos alunos e
agir sobre elas, postura dos professores e o uso dos jogos como actividades
lúdicas e como meios de aprendizagens.
Para informações ou também como participar em projectos futuros escreva
para [email protected] ou [email protected]
Parallel photographs of a voluntary project taken place in August of
2007 – Chimoio , Mozambique .
Six volunteers, with ages from 24 to 30 and with various formations – tree
teachers, two psycho-pedagogues and an illustrator – traveled to Chimoio
to work in a primary communitary school, tree day care and a residence
for orphan children; resulting on a direct work with more than 600 children
and 19 teaching mediators – teachers, educators and education auxiliaries.
The goals of this project were related with several aspects, like methods of
teaching how to read and write, to motivate the children to read, how to
detect handicap on the students and how to work on them, teachers posture
and the use of game as enjoyable activities and a prosperous process of
learning.
For more information or how to participate on future projects write to
[email protected] or [email protected]
17
19
21
23
25
27
29
31
33
35
o que
a arte
já não é
Sara Toscano
Quinta-feira, espectáculo improvisado de musica e dança na casa ocupada de
Amesterdão. Empurramos a porta e entre corredores e correrias encontramos
sozinhos a sala de espectáculos. O pianista grita para a organizadora: “estas
cadeiras, para onde são?”. Ajudamos a distribui-las por dois degraus quando
uma bailarina entra “Bem, acho que é para começar” e sai.
Nenhuma luz se apaga nem nenhum cenário desce. São negligenciados
todos esses momentos que, como uma ponte levadiça, permitem passar
do real para o curioso mundo imaginário dos castelos, do espectáculo. A
um canto um Mac escancarado, sem disfarces e logo à minha frente a
hipnotizante luz verde Exit, desleixada, por cima do baterista. Três bailarinas
entram com roupa do dia-a-dia, sem brio. Nem sequer um apontamento que
me transporte para o universo do espectáculo e que faça uma só borboleta
levantar voo no meu estômago.
E começam a dançar, os músculos tensos, o corpo elástico, expressivo,
magnífico. Um amadorismo cheio de esforço e intenção. Mas cada uma por si
como se dançassem a própria sombra . Nem um momento de cumplicidade.
Os músicos excelentes, engolidos pelo próprio instrumento tocam pequenas
maravilhas mas como autistas não comunicam nada. Antes do intervalo os
seis artistas interagem, no momento mais contagiante de todo o espectáculo.
Mas não há historia... Sons e movimentos ligam-se como fichas e tomadas
que não se conectam. Cada um como um fragmento.
Faltava tudo o que faz de um espectáculo um acontecimento maior que
um exercício de “espelho meu”, ou uma exibição de talentos. E faltava o
“era uma vez”. Começa o intervalo e os músicos saem, bebem 2 cervejas e
voltam para os seus lugares sem fecharem os olhos e respirarem fundo.
Faltava aquilo que nos faz guardar memórias, os significados. Porque jamais
um belo pliet ou uma infinita piruet nos deixa lembranças se ninguém nos
faz acreditar que eles são feitos de magia, se ninguém nos prepara para os
recebermos com emoção, se ninguém os liga com um fio que nos conduza
para outra realidade.
37
ainda
não sei
Ricardo Galésio
Rodrigo Falcão Nogueira
Sabes da verdade?
Qual?
A de que dois corpos lavados não se misturam?
Isso não é nenhuma verdade.
Para mim é.
Mas isso não tem lógica.
Para mim tem.
Então explica-me lá isso.
Se um corpo lavado se mistura com outro lavado deixa de estar lavado.
E porque é que deixa de estar lavado?
Porque já se sujou.
Com o quê?
Com o outro corpo.
Mas o outro também está lavado.
Se se misturarem deixam de estar lavados. Tem a ver com a Teoria da Osmose
da Sujidade.
Essa teoria não existe.
A partir do momento que eu a criei passou a existir.
Mas quem és tu para criar teorias?
John Malkovich.
Tu não és o John Malkovich.
Como é que sabes que não sou?
Porque sei quem ele é?
Então quem é?
É um actor.
Se achas que uma pessoa se define pela profissão que tem então ainda és
muito novinho para discutires qualquer teoria que seja comigo.
39
41
43
45
seetadino
Ana Elisa
Estou em Portugal há 11 anos. Abri esta loja há 4 anos, porque antes tinha
um restaurante. Agora queria mais calma, e um restaurante dá muita
confusão. Porque sim, por causa das inspecções…andam sempre “em cima”
de nós. Uma loja é mais calmo, não tenho empregados, sou eu mais a minha
esposa. Há muitas pessoas a fazerem mal as coisas, não são só os chineses.
As inspecções fecham muitos restaurantes, não são só os nossos. E o meu
nunca teve problemas, mas dá muita confusão. Aqui é melhor.
Vendemos muita coisa, as coisas são mais baratas aqui, e só vendemos o
que as pessoas querem comprar, há produtos diferentes, é por isso que as
pessoas vêm cá, e também pelos preços. Também é mais fácil para comunicar
com os clientes. Antes eu tinha problemas em perceber algumas coisas, e
depois há sempre pessoas que gozam com a nossa pronúncia… mas tente
você aprender mandarim e depois falamos. O português é difícil e então para
a nossa comunidade, não é nada fácil. Sim, há essa ideia, mas muitos de
nós tentam e depois somos gozados, também não é fácil ter vontade para
aprender muito bem esta língua, vamos sempre ser gozados pela pronúncia.
Mas aqui na loja é melhor, porque não temos que ter grandes conversas, e
eu também já falo melhor, mas naquela altura foi muito difícil.
Os meus produtos estão todos legalizados, isto é importado e passa pelos
registos todos, depois é só vender. As ligações com o Oriente estão muito
mais fáceis, hoje em dia a comunicação entre a Europa e a China está muito
mais rápida. Acho que vendemos bem, mas são pequenos artigos, pequenos
lucros. Mas as roupas, os pequenos aparelhos, fios, brincos, bonecos, coisas
para decoração, acho que é isso que se vende mais.
No início estava com medo, mas muitos chineses vinham para cá e contavam
boas histórias. Foi um risco, mas também comecei logo a gostar do país.
Principalmente pelo tempo, este sol é muito bom. As pessoas também são
simpáticas. E a comida, adoro bacalhau, de todas as maneiras. Portugal na
altura era o país onde se tinha legalização de forma mais fácil. Hoje em dia
já é mais fácil por exemplo na Espanha, França, Itália.
Ohhh, os boatos são muitos. Que fazemos tráfico de orgãos, que traficamos
droga, que os negócios são todos para esconder dinheiro, que não declaramos
os mortos e que os cozinhamos nos restaurantes…há de tudo. O que é que
quer que lhe diga? Não posso falar por todos, mas claro que isto são boatos.
Os chineses morrem e passam-lhes as certidões, como é que se chama? Óbito,
sim. Sim, isso é verdade. O povo chinês gosta de jogar, e cá não é nada que
se compare com o que havia na minha cidade. Aposta-se para tudo, isso é
realmente oriental. Mas aqui temos os casinos, ou jogamos com os amigos.
Também não lhe vou dizer que não há chineses ilegais em Portugal, eu não
sou, mas como os outros imigrantes, devem existir alguns.
Vimos alguns canais asiáticos, lemos os jornais, como o Sino.
Gosto muito de Lisboa. É bom estar junto ao rio, é uma cidade calma, eu
agora já gosto desta calma, coisa que não havia na minha cidade (Hangzhou).
Gosto também desta luz, é uma cidade clara, limpa. Mas tenho o coração
dividido, porque aqui não tenho toda a minha cultura, não vivo a minha
tradição. Sim, acho que sim. Um dia volto.
B.I.
Chéng
Comerciante Chinês
“Li Ming” – Loja / Bazar
44 anos
47
architecture
of density
Michael Wolf é muito conhecido pelas suas fotografias que nos mostram a
densidade arquitectónica num limite que se torna quase insuportável. Viveu
dez anos em Hong Kong e não ficou indiferente à paisagem padronizada
dos prédios. Quando as cidades crescem para cima e a terra acrescenta-se
ao céu.
49
51
53
55
crónica
frenética
de uma paixão
Pedro Palrão
Sorriste-me e eu sorri-te de volta. Olá como estás? Sou o Paulo e tu? Joana,
como estás também? E todas essas palavras conjuradas num tom de desdém
pois que a sua verdadeira intenção subjaz o seu expressar e os dois míseros
beijos na face, que em breve se espera trocar por um bem quente nos lábios.
Amiga de um amigo, que engraçado vocês por aqui?, já se conhecem?...
Pois que não mas quero de imediato que esse deixe de ser um facto e
possa avançar a passos largos por um caminho desconhecido que apenas se
prostra à minha frente por um breve esgar dos teus olhos, um breve trejeito
dos teus lábios no sorriso que me deitaste antes de sequer saberes o meu
nome. Esperei por novos contactos fortuitos forçados por mim...Ah porque
não trazes amigas tuas como aquela tão simpática com quem estavas no
outro dia? Ahaha, risos jocosos tentando encobrir a verdade, pondo um toque
de ingenuidade no que à partida é tão calculado, mas já se sabe que nestas
coisas confiar na sorte é pôr em jogo demasiado e não me podia dar ao luxo
de o fazer após ter marcado a tua cara e o teu corpo no mapa das minhas
lembranças. De facto lá estavas tu da primeira vez, e da segunda estavas
já enrolada nos meus braços e embrenhada nos meus lábios, enquanto por
entre o calor da praia trocávamos o sal do mar onde nos banháramos…E da
terceira e da quarta e da quinta, onde comi um pouco de areia ao beijar-te
a testa, e da sexta…Seria de estranhar conhecer apenas os teus lábios após
tanto tempo…obviamente que não, pois que da primeira tive oportunidade
de palmilhar uns quantos centímetros mais de pele que não a que usas a
descoberto. Posso mesmo dizer que conheci uns quantos dos teus segredos
por essa altura, e tinha-te completamente desvendada pela segunda vez
onde te li por entre o granulado da areia molhada daquele recanto naquela
praia com todos ao longe a imaginarem o que fazíamos. O corpo masculino
tem infinitamente menos segredos por isso conheceste-o bem da primeira
vez, aliás nos primeiros instantes em que me despi de reservas e avancei sem
medos nos teus trilhos em curva e contracurva tu ficaste a conhecer o meu
caminho simples e directo. E da sétima lá estavas tu deitada na minha cama,
e da oitava eu na tua, em todas elas nos embriagávamos cada vez mais um
no outro, em todas elas nos deixávamos tomar de delírio pelo que tínhamos
para oferecer um ao outro. No restante tempo trocávamos sinceridade e
entrega, mas ao final de alguns dias a ilusão dos sentimentos, o pó que
eles nos lançaram aos olhos assentou e reduzimo-nos a meras trocas de
calor, pois que o frio nos inundava quando íamos além das nossas fronteiras
corporais. Tentámos, pois tentámos, mas tu tinhas isto e mais isto e mais
aquilo ainda que me desagradava bastante e que eu não conseguia aguentar
e só conseguia atenuar a agarrar-te bem perto e em silêncio, sentindo-te a
misturar com a minha pele. E depois eu tinha aquele péssimo hábito que tu
detestavas e via tudo de uma forma completamente irritante para ti, e que
tu só conseguias ultrapassar quando eu aplicava os meus lábios a beijar-te
ao invés de balbuciar aqueles disparates sem sentido, que mais do que uma
vez me apontaste. Alguns meses depois os caminhos de cada um eram
automáticos, eram já rotinas que percorríamos como um casal regressa a
casa sabendo o que os espera...e que os vai continuar a esperar para o resto
da vida, a menos que rompam todos os laços que os façam regredir a essa
previsibilidade…por isso apartámos caminhadas e resolvemos trilhar novos
atalhos, conhecer novas rotas que nos permitissem crescer. Parece que eu
me safei mais rápido do que tu e viajei por vários locais antes de te conhecer
57
novo destino, e ao que me constou escolheste uma viagem de longo curso…
pelos vistos alguém que não é como eu, não tem aqueles hábitos irritantes
e formas de ver a vida tão desagradáveis para ti…fiquei contente porquanto
ainda me contento eu próprio com viagens pequenas, mas que mesmo
assim me permitem conhecer tão belas estradas e tão idílicos destinos. E
depois encontrar-te depois de alguns longos e largos meses Então estás
bom? O que fazes? com aquele sorriso condescendente de quem sabe das
minhas aventuras em terrenos alheios e que do alto da sua chegada a bom
porto me apela de imaturo por detrás dos dentes de um sorriso forçado. Cá
estou? E tu? Ouvi dizer que tens namorado? Pois é, estou muito contente,
tu é que não assentas não é verdade? Ahahah a presunção de uma falsa
maturidade e o pretensiosismo de uma graça inusitada e inoportuna que
me faz pensar em como provavelmente ele não conhece os teus segredos e
atalhos secretos como eu conheço, ou as peculiaridades daquelas curvas mais
perigosas que me deste a conhecer num devaneio. Ciúmes não, conheço-te
demasiado bem e se me apelido de aventureiro esforço-me por fazer jus
e lançar-me à descoberta de novos horizontes. Inveja não porque…porque
não, simplesmente porque não, estou de consciência tranquila. É verdade,
mas assentar para quê?! Ainda sou novo e gosto de gozar a vida, não sou de
me prender a monotonias…virei costas e fui a balbuciar por entre um sorriso
talvez pouco convincente que tinhas sido a viagem mais aborrecida que
tinha feito, e que cheguei mesmo a enjoar, no fundo tudo palavras que estão
fadadas a ficar guardadas pois que nunca passam de algo que poderíamos
ter dito, e para as quais a coragem só surge quando o tempo se esgota.
Se calhar é tudo mentira, mas também mereço saborear o travo de algum
escárnio antes de me lançar em novas jornadas.
59
João Alves dos Santos
61
63
65
67
69
71
romantic
comedies
342 b.c. - 2007
Lambros FisFis
Romantic comedies are one of the oldest sub-genders of comedy. Historically
the first one to write one was Menander in Greece around 342 B.C. Traveling
in time from ancient Greece to Rome with the plays of Plautus, to England
with Shakespeare, to India with all the Bollywood movies and Hollywood
of today we will find very tiny differences in the fundamental things that
consist a romantic comedy.
Romantic comedies always deal with true love. The tricky part is that true
love always has obstacles in the way to achieve it. The more the obstacles
that appear the more triumphant and festive the end will be. The fact
that makes this gender so open to everything is the nature of true love as
something that has no boundaries of age, social classes, cultural backgrounds
and character differences. Actually the more different the two people are
the more interesting the story is.
Let’s see now five elements that make a good romantic comedy great:
1. The people that have a say in the marriage of the couple (parents,
friends, grand parents) must object to the marriage. But there must be at
least one that supports it (a maid, a grand mother). This someone is the one
that will help the kids sneak out and meet, hand the letters without the
parents knowing a sort of guardian angel of the relationship.
2. There must always be a big first kiss in the rain. The couple has gone
for a walk a boat ride or anything else equally romantic and although it is
summer surprise it rains. Of course a normal person would run for shelter
but not in a romantic comedy. The minute you hear rain get ready for a
big passionate first kiss. Rain is just one version but for sure a climatologic
phenomenon must exist.
3. There is always a significant period of time that the couple spends apart
usually when everything is going perfect for them. The reasons can vary.
Maybe because the parents found out and take the daughter and leave, or
the boy has to go to the army but doesn’t have the time to explain anything
to her. Something really dramatic always. This is the time in the movie
that the viewer starts to worry. But after seeing 100 romantic comedies he
remembers that they have a happy ending and just looks forward to the
games of fate and luck that will bring them back together.
4. After they meet again lots of things must be different new obstacles
must appear. The girl after a big heart breaking has managed to find another
boy, one that her parents approve. The catch is that this boy doesn’t make
her as happy as the other but is always a good boy. In fact there is little
chance that you will ever find bad people in romantic comedies. Till the end
everybody becomes good. So the girl has to choose now. In most recent
romantic comedies that is the time when the boy says to the girl: ’come
with me I want to show u something’. That something can be a thing he had
promised he would make for her, a gift that shows how much he understands
her but in any case a big surprise that puts the final touch the cherry on the
top and makes her choose him.
5. Finally the festive and romantic, happy, optimistic, tear dropping, joyful,
and any other adjective ending. This is the time when everybody is happy
and good. Usually there must be a wedding which is common to be a double
one (for example the maid with the best friend of the groom). This doubles
the romance and happiness.
Although romantic comedies are considered nowadays by some a light
pointless 90 minute movie they are actually very complex and well thought.
They do a deep analysis of character and relationships, create female
characters that are as bright or brighter than male leads, have well developed
minor plots and characters and have a social comment on the values, beliefs
and clichés of the time. All these make them one of the most time enduring,
loved and popular film genders.
I recommend some romantic comedy classics. It happened one night by
Frank Capra, Tootsie by Sydney Pollack, The African Queen by John Huston,
The Notebook by Nick Cassavetes, As Good As It Gets by Richard L.Brooks.
73
Menagerie
A Emma Overman faz desenhos para livros infantis. As crianças
gostam das suas fadas madrinhas desnorteadas, das suas princesas
cor de ébano e das suas árvores corcundas. Gostam das cores
com que pinta os desenhos e das vidas imaginadas em que os
transforma. Consegue abranger universos tão distintos como o de
Dali ou Tim Burton. Há vida no traço que pinta e nós gostamos.
75
Movie Night
77
My artwork is inspired primarily by the idea of things that are fragile and
fleeting. For me, the ability to imagine the end of something makes its
existence more precious. I tend to like things that are both sweet and sad.
While only some of my illustrations are intended to be for children, most
of what I create stems from the range and depth of emotion I remember
feeling in those years. Adults are so well-trained and subdued. Children are
much more emotive and compelling: When children like something, they
will happily enjoy it to excess if given the opportunity. My niece can listen
to the same song twenty times without tiring of it. I appreciate this ability
to indulge, the sense of wonder, and all their sensitivities. Animals are yet
more expressive. Using children and animal characters in my work is the
most natural way to express the emotions we all share.
For the past year I have been creating many images by painting on layers
of glass and sometimes plexiglass. With about four inches of depth within
each image, I feel they have an ability to approach and invite the viewer
into the scene. I love the feeling of delicacy about the material and the way
it adds an ephemeral quality to the subject matter. I want my images to
seem as if they were dreams or fond memories. In the future I have plans
to involve more precious materials such as silk and velvet to my work.
One of the aspects I’m most proud of in my work is its accessibility to a
wide variety of people. I have appreciators both young and old, academic
and those of little art education. Sometimes an artist’s work can become
diluted or muddied by too many influences. As a rather internal person, I
am more driven by my own ideas than by trends. I feel I am a poor verbal
communicator. I find it easier to retreat into imagery to create a sense of
understanding rather than an explanation through words.
Many of my current works are collaborations with a designer named Michael
Krisch. “Romance,” the painting of the two dancing ladybugs on the giant
patterned floor, is one of these. He creates designs by hand, manipulates
them in Photoshop, and airbrushes them onto the surface. When we first
met his work was more industrial and less curvaceous. It seems the nature
of my work has altered his style. We intend to work together for a long
time.
When I am not creating I enjoy spending time with my family, maintaining a
reasonable state of health, and enjoying the art of others and other forms of
art. I consider myself to be not terribly well-rounded. Like my niece, I can
listen to the same song twenty times without tiring of it! I could also easily
eat the same meal day after day and hardly notice. Luckily for me, my job
provides all the variety and entertainment I need.
Emma Overman
79
About Michael
81
Romance
The Thief
83
LISBOA
FESTIVAL
Indie Lisboa
O 4º Festival Internacional de Cinema Independente vai decorrer este mês em
Lisboa. Em competição estarão 12 longas-metragens e 30 curtas-metragens.
Outros filmes poderão ser vistos nos ciclos paralelos.
De 19 a 29 de Abril, no Fórum Lisboa, Cinemas King, Londres e S. Jorge.
ESPECTÁCULO
For the Children of Yesterday, Today and Tomorow - Pina Bausch
Para comemorar os 30 anos da Companhia Nacional de Bailado, Pina Bausch
apresenta uma das suas peças de teatro-dança.
De 5 a 8 de Abril, no Auditório do Teatro Camões
ELVAS
ESPECTÁCULO
Joaquín Cortés
Joaquín Cortés propõe uma viagem através das suas emoções pessoais.
Nesta ocasião e com o título, “Mi Soledad”, aprofunda esse sentimento,
uma solidão bem entendida, com uma carga intimista, como se fosse uma
manifestação individual do homem.
28 de Abril, às 22h00, no Coliseu José Rondão Almeida
nós estamos em www.cru-a.com
fala connosco através do [email protected]
envia coisas boas para [email protected]
a CRU A número cinco sai a 1 de Maio
85