Os Acadêmicos do Salgueiro: Uma Academia de samba no bairro

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Os Acadêmicos do Salgueiro: Uma Academia de samba no bairro
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
Os Acadêmicos do Salgueiro:
Uma Academia de samba
no bairro da Tijuca
Os Acadêmicos do Salgueiro:
A samba Academy in Tijuca
• Artigo
• Guilherme José Motta Faria *
Resumo:
As escolas de Samba, ao longo dos anos 1960, tornaram-se as protagonistas do
período carnavalesco. Aparentemente deslocadas das questões sociais e políticas,
as agremiações eram tratadas como forma de diversão ou como elementos
folclóricos. Os enredos apresentados pareciam ser capítulos da História Oficial,
exaltando os “heróis nacionais”. Apresentando personagens negros e mulatos,
o GRES Acadêmicos do Salgueiro, escola de samba do bairro da Tijuca, zona
norte do Rio de Janeiro, trouxe para a narrativa dos desfiles uma gama de novas
representações, exaltando a origem africana e a discussão sobre a participação dos
negros na formação cultural brasileira. Foi a partir do Salgueiro que a temática
negra conquistou espaço, inserindo nos desfiles uma proposta engajada. A partir
do sucesso da escola, os desfiles se tornaram grandes espetáculos, emissores de
um novo olhar sobre a história do Brasil.
Palavras-chave: escolas de samba; cultura afro-brasileira; engajamento político;
revolução estética.
Abstract:
Through the decade of 1960, Samba schools became leading components of the
carnival period. Apparently detached from social and political affairs, the groups
were treated as leisure forms or folkloric elements. The themes that were displayed seemed like chapters from the Brazilian Official History, glorifying its
“national heroes”. Presenting black and brown characters, GRES Acadêmicos
do Salgueiro, a samba school from Tijuca neighborhood, in the North of Rio de
Janeiro, brought a new set of representations to the narrative of the parades, exalting African origin and the debate about the role played by black people in the
Guilherme José Motta Faria, Doutorando em História (UFF), Mestre em História (UERJ).
Professor, Coordenador do Curso de Graduação em História na Universidade Veiga de
Almeida (campus Cabo Frio).
*
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
foundation of the Brazilian culture. Through Salgueiro, the afro-Brazilian theme
conquered space, inserting a consciously political proposal in the parades. Since
the school’s success, carnival parades became big spectacles, transmitting a different point of view over the history of Brazil.
Keywords: samba schools; afro-Brazilian culture, political engagement; aesthetic
revolution.
Introdução: Arte e Política na
Academia do samba
Os desfiles das Escolas de Samba
foram se tornando, ao longo da segunda
metade do século passado, espetáculos
grandiosos, que despertavam o interesse
de boa parte da população brasileira.
Fatos curiosos, personagens e histórias
embasavam cada enredo, possibilitando
“passar em revista” os acontecimentos
relevantes da vida política, social e artística como marcas identitárias da cultura
brasileira.
A trajetória das escolas de samba
pode ser trabalhada em conexão com
a história, pois seus enredos partem de
narrativas históricas e as fontes de pesquisa, levantadas a partir da produção
historiográfica sobre o assunto, garantiam o diálogo com a disciplina, como
referencial da produção plástica das escolas. Ao mesmo tempo, as letras, a si­
nopse dos enredos, a materialização das
idéias em alegorias e fantasias se tornam, a partir de sua publicização, discursos, elementos de cultura mate­rial
que merecem ser metodologicamente
analisados.
A década de 1960 foi um momento
riquíssimo de acontecimentos e debates,
sobretudo por conta de um ambiente
cultural extremamente revitalizado.
Assim sendo, é um desafio intelectual
repassar as diversas abordagens historiográficas sobre o período em nosso
país. Foi um momento intenso da vida
política brasileira, em que, nos mais
diversos segmentos culturais, os artistas eram convidados a dar suas contribuições estéticas e ideológicas na formação sociopolítica do povo brasileiro,
externalizando anseios e problematizações.
Mediados pela inter-relação de um
Estado em transformação radical, desde
os ventos finais do desenvolvimentismo
do presidente Juscelino Kubistechk
(1955-1960); da euforia e decepção do
fenômeno Jânio Quadros (1960); das
incertezas políticas do Governo de João
Goulart (1960-1964); até o desfecho do
Golpe militar (1964-1985), com seus
generais-presidente, os anos 60 encarnaram, de maneira profunda, a busca
por uma nova forma de fazer política,
mantendo com o campo da cultura um
diálogo fecundo.
Dessa forma, durante o período,
ocorreu extensa produção de bens culturais, que, com o imbricamento das
questões políticas gerou vários desdobramentos nas nossas práticas culturais,
ora de contestação, ora de enaltecimento de ideologias que se contrapunham
no cotidiano. Era preciso ter opinião. As
artes, de maneira geral, abriram caminhos para essas manifestações e para a
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formação constante de quadros políticos.
A trajetória dos GRES Acadêmicos
do Salgueiro está completamente ligada
ao fenômeno das transformações estéticas e ideológicas no campo cultural.
Segundo memorialistas e pesquisado­
res1, a escola, fazendo suas escolhas, se
mostrou uma escola de samba “engajada”. Revolucionou os conceitos carnavalescos e, a partir de sua abordagem
criativa nos enredos apresentados, abriu
um novo campo de discussões acerca
da História brasileira, estimulando uma
postura crítica, principalmente em relação a sua “oficialização”.
Essas práticas culturais, discutindo
a questão racial, a valorização da ascendência africana e as reivindicações
feministas — ressaltando mulheres mar­
cantes e, até aquele, momento pouco
conhecidas na nossa cultura — foram
registradas pelos estudiosos do carnaval
como “ações pioneiras”. Por meio de
sambas, fantasias e alegorias, apresentados em desfiles marcantes, amplamente
registrados pela imprensa carioca, ajudaram a construir essa versão poderosa
sobre a escola e o seu legado.
Embalados no lema “Nem melhor
nem pior, apenas uma escola diferen­
te2”, a escola do bairro da Tijuca tri­lhou
um caminho diferencial, buscando pro­
blematizar as discussões de gênero, classe
e cor, permitindo que outras vo­zes, até
então abafadas no processo de repetição
de uma História Oficial positivista,
pudessem ser visibilizados. Sua conduta
abriu espaço para que novos temas fossem apresentados, constituindo marcas
incorporadas ao campo cultural e ao cotidiano das demais escolas de samba.
No contexto cultural dos anos 60,
o ambiente do carnaval carioca refletia
também a circularidade cultural3, em
que se buscava representar, na avenida,
os novos símbolos de luta pela igualdade de direitos, ações afirmativas e
reivindicações sociais. O Salgueiro, sujeito de seu tempo, com sua proposta
temática, ajudou a iluminar as questões
sociais de um grupo que se tornava
heterogêneo, mas mantinha sua base
comunitária formada em maioria por
homens e mulheres, negros e mulatos.
Questionando, a partir dos exemplos de
Chica da Silva, Aleijadinho, Chico Rei,
Zumbi dos Palmares, entre outros homenageados, refletia também a própria
luta por parte dos sambistas pela garantia de sua ascensão social e sua ação,
demarcando seu espaço, como cidadãos
na sociedade brasileira.
De fato, as narrativas dos memorialistas e pesquisadores, assim como
as entrevistas dos membros da Velha
Guarda e carnavalescos da escola4 ajudaram a “cristalizar verdades”, eclipsando vários personagens e outras agremiações que também dialogavam com
essa estética. Não creio que a questão
do pioneirismo, tantas vezes apontado
pelos pesquisadores, seja exclusividade
do Salgueiro. O processo histórico nos
permite perceber que os fenômenos não
nascem isolados e sim como momentos
em que as ideias e práticas estão “circulando”.
Com efeito, o Salgueiro pode não
ter sido tão “pioneiro”5 como nos faz
crer a bibliografia, mas, sem sombra de
dúvidas, o grupo de artistas (eruditos e
populares)6 que a agremiação reuniu em
seu entorno, permitiu, na década de 1960,
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que se consolidassem as representações
da cultura afro-brasileira, legitimando
a manifestação escola de samba como
um potente emissor, originado a partir
dessa herança cultural.
1 - Engajados X Alienados – A
função da cultura nos anos 1960
A virada da década de 1950/60 foi
um momento de extrema relevância
para a cultura brasileira. As manifestações artísticas se revelaram eixos potenciais na difusão de ideias e valores, que
circulavam pelo mundo, refletindo em
e sendo apropriados pelos segmentos
culturais brasileiros. O período foi vi­
vido em um ritmo intenso e de grande
efervescência, tanto estética, quanto
ideológica. Nas diversas áreas, artistas e intelectuais utilizavam suas obras
como veículos para disseminação de
ideais de justiça, liberdade, cidadania,
transformando seus conteúdos em discursos políticos e sociais. Reverberados
nos meios de comunicação de massa,
em representações que amplificavam o
vigor dessas discussões, trouxeram em
seu bojo o olhar e a voz das ruas, das
passeatas e das conversas dos bares.
Com a certeza de que essas manifestações artísticas e culturais desempenhavam um papel fundamental na
formação dos indivíduos críticos da
sociedade, foram sendo levantadas algumas questões teóricas e práticas, consideradas relevantes nesse intenso movimento: Como realizar obras de arte
engajadas politicamente? Como discutir
as grandes questões nacionais e levá-las
ao povo? Como fazer com que o teatro,
a música, o cinema, as artes plásticas,
a literatura se apropriassem dos anseios populares e refletissem, em obras
de arte, a síntese desse desejo coletivo?
Como transformar a realidade social e
“tocar” corações e mentes de um povo
alienado e terceiro mundista?
A certeza que se parecia ter é que os
artistas tinham uma missão, uma função social e parecia ser inadmissível não
utilizar, como ferramentas, as diversas
linguagens artísticas com o propósito
de instruir politicamente o Povo. Essa
tendência foi sintetizada na proposta da
criação e produção dos CPCs da UNE7
que funcionaram como propulsores
de obras de arte em que a mensagem
política era mais importante do que a
estética. O inverso seria considerado
pecado capital, condenando o artista
sem preocupações políticas a ser considerado um “alienado”.
Se nos primeiros anos da década de
60, amparada por um forte apoio do
Estado, prevaleceu essa idealização da
função da arte, à medida que os anos
iam se desenrolando os meios de comunicação de massas8 começavam a
fazer a diferença. Dessa forma, outros
discursos foram sendo absorvidos, contrapondo, de um lado, os tradicionalistas, “engajados” e, de outro lado, os
modernos, conceituados de “alienados”.
A grande tensão estava entre a obsessão
do novo e a veneração às raízes da cultura brasileira. As disputas por esses
legados invadiram todas as manifestações artísticas no período.
Com isso, a grande discussão no
campo da cultura foi sendo articulada
nas funções da obra de arte e de sua
utilização como instrumento político,
como elemento crítico e reflexivo ou
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como produto dessa sociedade de consumo. A questão estética parecia superada pelos dois grupos. Era necessário, na
visão engajada, que o artista cumprisse
a sua função social se comunicando
com o público através dos sentimentos e
da construção de uma consciência. Por
outro lado, também, pelo viés do sentimento e do divertimento, esperava-se
atrair esse público para consumir essa
arte, comprando os discos, lendo os li­
vros, assistindo aos filmes, novelas e
programas de TV.
2 - As escolas de samba do Rio
de Janeiro: entre o engajamento e
alienação
O carnaval carioca já desfrutava,
nos anos 60, de prestígio e posição de
destaque nos festejos de Momo, em
âmbito nacional. Mesmo com a transferência da capital da República para
Brasília, a primazia da Festa no Rio de
Janeiro não foi ofuscada. As escolas de
Samba, por conta de uma cobertura
cada vez maior nos meios de comunicação9 e por uma clara aproximação com
as classes médias da cidade, haviam se
tornado, as protagonistas do período
carnavalesco.
Aparentemente deslocadas das questões sociais e políticas, durante muito
tempo, as escolas de samba foram tratadas como diversão para as massas ou
como manifestação da cultura popular
e folclórica, conforme alguns intelectuais10.
O desfile das escolas de samba deverá marcar, neste carnaval do IV
Centenário, o ponto culminante da
festa no que ela tem de espetáculo,
mas fixará, também, o instante
histórico do início da sua rápida
desagregação como fenômeno folclórico (TINHORÃO, 1965 apud
COSTA, 1984).
De fato, nas propostas de enredo e
nos sambas, até a década de 60, as agremiações pareciam ser um espaço para
repetição e manutenção da História
Oficial. A escolha desses personagens
e fatos, com uma narrativa consagrada
pela historiografia, eternizada nos livros didáticos, tornavam as agremiações
respeitadas pelo Estado e por suas comunidades de origem, pois o que elas
apresentavam “estava escrito nos livros”,
sendo, portanto, a pura “verdade”.
Entretanto, as inquietações começavam a aflorar. Em 1953, a união de escolas de samba do Morro do Salgueiro11
fez surgir a GRES Acadêmicos do Salgueiro, escola que trouxe mudanças
radicais nos desfiles, objeto central deste
trabalho. Diferente do que a maior parte
da historiografia sobre o tema propõe,
a obrigatoriedade dos temas nacionais
não foi uma imposição do DIP12, durante o Estado Novo, e sim uma prerrogativa das próprias agremiações, nos
primeiros anos de desfiles nos anos 30.
Esse fato ocorreu por conta do desejo
de buscar uma diferenciação em relação
aos Ranchos (AUGRAS, 1998), estrelas
maiores da Festa Momesca no início do
século XX, que utilizavam narrativas
operísticas e da História Mundial como
motivos de seus préstitos.
Observando a relação de enredos das
principais escolas de samba da cidade do
Rio de Janeiro nos anos 1950, podemos
ter um indício do que era apresentado
nos desfiles. O tom ufanista e laudatório
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encontrou nesse período seu momento
de maior vigor. A Estação Primeira de
Mangueira, por exemplo, levou para a
avenida: Gonçalves Dias (52 e 58); Unidade Nacional e o Progresso da Nação
(51,53 e 57); Getúlio Vargas (56); cantou
o Plano Salte13(50); e o Rio Antigo (54).
A GRES Portela apresentou Riquezas do
Brasil (50 e 56); A Volta do Filho Pródigo
(51) homenageando Getúlio Vargas;
Brasil de Ontem, As seis datas magnas
e Vultos e efemérides do Brasil (52, 53 e
58); os Legados de D.João VI (57); os 400
anos de São Paulo (54).
O Império Serrano apresentou:
Antônio Castro Alves (48); Exaltação à
Tiradentes (49); Batalha Naval do Riachuelo (50); 61 Anos de República (51);
Homenagem à Medicina, O Último Baile
da Côrte Imperial e O Guarani (52, 53 e
54); Exaltação à Duque de Caxias (55);
uma homenagem a Raposo Tavares em
O Caçador de Esmeraldas (56); Exaltação à Dom João VI (57); e Exaltação
à Bárbara Heliodora (58). A escola de
samba Beija-Flor de Nilópolis, contemporânea de fundação do Salgueiro, não
era uma das escolas de ponta naquele
momento. Entretanto, também seguia
o modelo clássico dos enredos: O Caçador de Esmeraldas (54); Páginas de Ouro
da Nossa História (55); O Gaúcho(56);
Riquezas Áureas do Brasil (57); Tomada
de Monte Castelo(58).
Desde a sua fundação14, o Salgueiro
buscou ir um pouco além nas temáticas escolhidas. Ainda se apresentavam
muito presas ao contexto geral das demais escolas, mas já era possível perceber a tentativa de uma novidade. Em
Romaria à Bahia (54), a religiosidade,
timidamente, se apresentava. Epopeia
do Samba (55) homenageou Pedro Ernesto Batista15. Aproveitaram o samba
para criar uma narrativa de união e
protagonismo entre as comunidades
formadoras do espetáculo: A epopéia do
samba chegou/Foi em nossa antiga Praça
Onze que os sambistas de fibra lutaram
pra vencer/uniram Salgueiro, Mangueira, Portela, Favela, Estácio de Sá/ resol­
veram resistir até a vitória chegar 16.
Brasil Fonte das Artes (56) ficou híbrida,
entre a exaltação e novos dados para
discussão: És Brasil fonte das artes/ cheio
de riquezas mil/ e os nossos selvagens já
se faziam notar/ depois veio a civilização/ as academias dando nova formação
à filosofia rudimentar 17 .
O Salgueiro, segundo o pesquisador
Haroldo Costa (1984: 27), foi a primeira
escola a fazer enredos que colocassem os negros em destaque e não na
figuração. Navio Negreiro(57) foi esse
primeiro marco de um desfile “engajado”. Outro dado importante é que, até
então, as fantasias eram confeccionadas
por membros da própria comunidade e,
nesse ano, a parte plástica de algumas
agremiações passou a ser executada
por agentes culturais de outras manifestações18. Essa aproximação abriu
espaço para que artistas com formação acadêmica passassem a participar
da produção dos desfiles e, na década
seguinte, esse processo se consolidou,
na figura do “carnavalesco” 19.
A ansiedade por uma vitória foi o
motivo da tentativa dos dirigentes da
escola em se encaixarem na tendência
reinante. O enredo Exaltação aos Fuzi­
leiros Navais (58), de fato, era inusitado
como tema, mas bastante tradicional,
retratando a corporação militar. A es-
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tratégia da escola consistia na incorporação de táticas consagradas pelas
demais agremiações, na esperança de
conquistar um título.
No ano seguinte, com o enredo
Viagens pitorescas do Brasil 20, uma
homenagem ao pintor francês Jean
Baptiste Debret21, a escola apresentou
em seu desfile, quadros e aquarelas do
pintor, de forma teatralizada. A vida
cotidiana dos escravos pelas ruas do
Rio de Janeiro era o tema principal
de suas telas e o desfile, segundo
memorialistas e acadêmicos22, se tornou
“seminal” das novidades temáticas
e estéticas que as escolas de samba
passaram a protagonizar. Enquanto as
demais escolas desfilavam seus temas
rotineiros23, a escolha do Salgueiro pre­
nun­ciava um caráter diferente, pois,
do acervo de Debret, as obras que se
tornaram mais relevantes foram as
aquarelas sobre a vida dos escravos.
Dessa feita, a homenagem da agremiação seria ao segmento social de
negros anônimos do século XIX24. As
inovações, vistas com desconfiança pelas rivais, com o tempo passaram a ser
apropriadas pela cultura das escolas de
samba. Neste desfile foi apontado pelo
memorialista Sergio Cabral outro “pioneirismo”. A escola aboliu o uso das cordas laterais que distanciavam o público
de suas apresentações. Com essa ação,
o Salgueiro ampliava o contato com os
espectadores, aproximando o público
de seu enredo.
A primeira quizumba do Nelson foi
comunicar ao Miécio Tati, Diretor
de Certames, que o Salgueiro não
desfilaria dentro da corda, como
era determinado pelo regulamen-
to, mesmo que isto lhe valesse a
desclassificação. Até então, as escolas passavam confinadas dentro
do espaço limitado por uma corda
que ia se mantendo esticada graças a abnegados voluntários que
terminavam o desfile com as mãos
e a cintura em carne-viva. Nelson era de opinião que estava na
hora de acabar com aquela coisa
primitiva, já que o policiamento
ostensivo se encarregava de manter a pista livre para as evoluções.
Quando o Salgueiro surgiu na
Avenida Rio Branco, sem corda,
sem carros alegóricos, com os
seus componentes cantando, sambando e trazendo na cabeça e nas
mãos adereços que ondulavam no
ritmo, foi uma surpresa. E o samba
era gritado a plenos pulmões pela
ala dos compositores (CABRAL,
1996, p.88)
Na bibliografia sobre as escolas de
samba25, ganhou grande destaque um
encontro acontecido nesse ano, que se
tornou fundamental para os novos rumos do espetáculo. Fazendo parte do
júri, Fernando Pamplona26 ficou impressionado com o desfile do Salgueiro
e, convidado por Nelson de Andrade,
aceitou ser o “carnavalesco”, criando o
enredo no ano seguinte. Com a parceria estabelecida, Pamplona, na visão
dos memorialistas, se tornou a principal figura de um processo de transformação estética e ideológica dos desfiles.
Levou para o Salgueiro um grupo de
profissionais, companheiros de profissão da Escola Nacional de Belas Artes
e do setor de cenografia do Teatro Municipal. Esse elenco de artistas plásticos,
com formação erudita e desejo de tra-
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balhar na órbita da cultura popular contribuiu para a redefinição do conceito
de escola de samba27.
A sequência de enredos desenvolvidos por esse grupo, com a temática negra
e a revitalização da nossa história, por
meio de encenações inovadoras, trouxe
à tona personagens marginalizados ou
totalmente desconhecidos pela ótica
da história oficial, dos livros didáticos.
Dessa forma, o universo das escolas de
samba passava também a ser palco de
propostas que revelavam um engajamento político e cultural. Refletia sobre
seu passado e ressaltava, em seus enredos, personagens populares, homens e
mulheres, negros, mulatos, pobres. O
Salgueiro, com sua postura, inseria nos
desfiles uma postura militante.
3 - Os Acadêmicos do Salgueiro:
uma escola de samba “engajada”
De fato, essa busca pela diferença foi
uma das características fundamentais
da escola de samba do bairro da Tijuca, sobretudo, quando ela se tornou a
plataforma de lançamento de histórias
pouco conhecidas pelo público em
geral. Ressaltando personagens em sua
maioria negros e mulatos, acrescentou à
linguagem visual/discursiva dos desfiles
toda uma gama de representações que
exaltavam a origem africana desses personagens, assim como a ancestralidade
que a própria festa carnavalesca representava.
Dessa forma, o Salgueiro trouxe
para o centro das discussões as temáticas etnográficas, raciais e o debate sobre
a participação dos negros na formação
sócio-cultural do Brasil. A sequência de
desfiles entre 1959 e 1971 revelou esse
fulgor de criatividade, de descobertas
e de militância. Retrataram a cultura
negra, com suas peculiaridades, suas
mazelas e suas alegrias amplificadas nos
sambas e nos desfiles realizados pela
escola. Com efeito, as apresentações da
agremiação deram grande visibilidade
às questões de raça e gênero, discutidas em todo mundo e, segundo a bi­
bliografia especializada, foi a partir do
Salgueiro que essas temáticas entraram
no rol dos enredos possíveis, conforme
comenta Walnice Nogueira Galvão:
A idéia de Fernando Pamplona
para o primeiro desfile que dirigiu, em 1960, foi a seu modo uma
novidade: ele sugeriu o enredo
“Quilombo dos Palmares”. Jamais
anteriormente uma escola tinha
homenageado um herói negro,
dando preferência a personagens
brancas da história oficial. Daí em
diante, as escolas passariam a buscar em figuras africanas ou afrobrasileiras a inspiração para seus
enredos, o que até então nunca
ocorrera. [...] O fenômeno data
dessa mudança formal do desfile –
começando com o enredo Debret,
em 1959, e continuando com o de
Chica da Silva, em 1963, ambos do
Salgueiro” (GALVÃO, 2009, p.47).
Fernando Pamplona foi, para a
grande maioria dos pesquisadores, a
figura que propiciou o encontro entre a
cultura erudita e a popular no ambiente
das escolas de samba. Propondo temas
“engajados”, o artista foi realizando uma
verdadeira “catequese” junto aos moradores do morro, para que aceitassem
vestir fantasias de tribos africanas em
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substituição das tradicionais vestimentas de nobres com suas perucas, sapatos
e casacas 28.
Mas o pioneirismo tem o seu preço:
Fernando Pamplona e sua equipe
encontraram algumas dificuldades
para convencer os integrantes do
Salgueiro de que o enredo em ho­
menagem a Zumbi dos Palmares,
para ser bem-sucedido, teria de
apresentar um grande número de
componentes com a pobre fantasia de escravos. Era uma idéia que
contra-riava uma velha tradição,
não só das escolas de samba como
das manifestações folclóricas de
origem negra, pois era através
delas que os negros realizavam,
pelo menos na indumentária, o
sonho de se apresentar como reis,
rainhas, duques etc. Enfim, o velho
sonho que se acabava na quartafeira, como tantas vezes foi escrito.
Afinal, o povo das escolas de samba, desempregado ou mal pago
em seus empregos, já era escravo
o ano inteiro. Por que ser escravo
também no carnaval? [...] O fato
é que Fernando Pamplona e sua
equipe convenceram os sambistas
de que todo sacrifício seria uma
contribuição pessoal para alcançar
o que todos sonhavam: a vitória da
Escola de Samba Acadêmicos do
Salgueiro (CABRAL, 2004, p.180)
O início dessa trajetória foi turbulento, como narrou o memorialista
Sergio Cabral, mas os resultados e, sobretudo, a repercussão que os desfiles
do Salgueiro foram atingindo, permitiram que a comunidade do morro e os
simpatizantes da classe média carioca
se achegassem cada vez mais à agremiação. O primeiro enredo proposto por
Pamplona foi paradigmático em relação
ao trabalho que ele liderou na escola,
escolhendo exaltar a figura de Zumbi
dos Palmares com o enredo Quilombo
dos Palmares (COSTA, 1984, p.82). O
trabalho foi realizado em parceria com
Arlindo Rodrigues, Nilton de Sá e com
o casal Nery, que havia permanecido na
escola. O resultado final pendia para o
primeiro título do Salgueiro, mas uma
grande confusão foi formada, comandada pelo presidente da Portela, Natal,
e as cinco primeiras colocadas29 foram
consideradas campeãs.
Com Vida e obra de Aleijadinho(61),
Xica da Silva(63) e Chico Rei(64) o Salgueiro, segundo a narrativa dos memorialistas, “revolucionou” os desfiles das
escolas de samba. Segundo os pesquisadores, trazendo para o centro do evento
a cultura brasileira em estado bruto,
com personagens quase desconhecidos
do grande público, que encarnavam de
forma profunda a brasilidade de negros
e mulatos. Aliada às questões temáticas,
a utilização de outros materiais também
trouxe um vigor renovado ao espetáculo
(FERREIRA, 1999).
Interessante notar que, mesmo não
estando à frente da escola nos desfiles
de 1962 e 1963, parte dos memorialistas
e pesquisadores30 da história das escolas de samba apontam Fernando Pamplona como idealizador dos enredos. A
sua postura militante e engajada, com
histórico no TEN31, amigo do folclorista
Edison Carneiro, da bailarina Mercedes
Batista e dos fundadores da Cia de Dança Brasiliana, entre outros artistas com
engajamento político/cultural, destacou
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
Pamplona como o mentor do processo
criativo da escola, mesmo que nesse
biênio sua participação tenha sido mais
afetiva do que efetiva.
Contando em seus enredos histórias
de vida em que a superação era uma das
maiores virtudes, a ação afirmativa do
Salgueiro deu início a um processo de
oxigenação das ideias no carnaval , por
meio da circularidade cultural, pois, a
partir dos seus desfiles, fez circular, por
diversas camadas sociais personagens,
suas idéias e práticas culturais. De fato,
pesquisando os periódicos da época32
percebi que não só o público que assistia aos desfiles e as comunidades parti­
cipantes se apropriaram destes temas. A
partir do interesse dos meios de comunicação de massas (jornais, as emissoras
de rádio, as revistas de grande circulação
e as iniciantes emissoras de tv), novas
classes sociais, assim como as demais
manifestações artísticas33, passaram a se
interessar pelo espetáculo das escolas e
pelos personagens retratados.
Outro fato relevante é que as
próprias escolas de samba, a partir da
abertura temática do Salgueiro, passaram a tratar também de temas relacionados às questões das condições sociais dos negros, desde a ancestralidade
africana e do tempo da escravidão até
o advento do samba com a proliferação dos subúrbios e favelas na cidade
do Rio de Janeiro. História do Carnaval
Carioca(65), uma homenagem a pesquisadora Eneida de Moraes34, abriu outra
série de abordagens que colocavam a
cidade e o carnaval carioca como personagens principais da trama escolhida. O
enfoque do Salgueiro reforçou o caráter
das escolas com suas raízes africanas,
tanto na questão rítmica, quanto no
gingado corporal, que o samba-enredo
ia estabelecendo.
Os amores célebres do Brasil(66) e
Histórias da Liberdade no Brasil(67),
trouxeram à cena abordagens críticas
da história do Brasil. O primeiro enredo
estruturou sua narrativa no lado exótico dos romances, no que eles tinham
de transgressão35. O segundo enredo,
mesmo de forma indireta, apresentava
uma mensagem contra a opressão que
se vivia naquele momento. Segundo
Fernando Pamplona (MOURA, 1985,
p.15), várias vezes os ensaios foram
interrompidos com corte da energia
elétrica. Também havia a presença de
policiais pertencentes ao DOPS36, que
acompanhavam os ensaios para apontar
qualquer tipo de conotação política na
preparação do carnaval da escola.
Era, de fato, uma demonstração de
coragem por parte da agremiação, escolher o tema liberdade num momento
crítico da nossa história política, em
que o aparato militar montou um rígido
esquema de repressão aos opositores
ao regime, identificados, ou melhor,
genericamente chamados de “comunistas”, procurando fechar todos os meios
de comunicação para não informarem
sobre as arbitrariedades cometidas pelos militares no poder.
Com Dona Beja – a Feiticeira de
Araxá(68), a agremiação, segundo Haroldo Costa, novamente marcou sua trajetória de originalidade destacando uma
personagem também desconhecida do
grande público37. Se Ana Jacinta não se
inseria no rol dos personagens negros,
uma marca já consolidada naquele momento pela escola, a sua menção pode
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ser incluída no rol das personalidades
femininas exaltadas pela agremiação. A
citação do memorialista Haroldo Costa
demarca essa construção narrativa su­
blinhando o pioneirismo da escola e sua
opção pelos personagens pouco conhecidos da história brasileira.
Seguindo a linha de enredos sobre
personagens da história popular
do Brasil, aquelas que não cons­
tam dos livros didáticos e não são
reconhecidas pelo “país de cima”
(...) o Salgueiro decidiu apresentar
Dona Beja, a feiticeira de Araxá,
baseado no livro do mesmo título
de Thomas Leonardos, na ocasião
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, desenvolvido por
Fernando Pamplona, com figurinos de Arlindo Rodrigues e Marie Louise Nery (COSTA, 1984,
p.174).
Com efeito, tanto em Xica da Silva,
quanto na homenagem a Eneida ou em
Amores célebres dando bastante ênfase e
espaço para as figuras femininas dos casais famosos, estava se tornando outra
tradição do Salgueiro dar destaque às
mulheres que encarnavam em si o ideal
de liberdade e de autonomia. Podia-se
dizer que essas escolhas temáticas eram,
de certa forma, uma adesão da agremiação ao movimento feminista que
tomava corpo, com grande intensidade,
em todo o mundo. O “pioneirismo”
temático já havia sido comentado por
Haroldo Costa:
[...] O que não se discute, porém, é
que o Salgueiro levou fé, ousando
apresentar pela primeira vez uma
mulher como enredo de escola
de samba. A partir daí, Chica da
Silva foi revelada ao Brasil, transformando-se em figura próxima e
cultuada, heroína da história escrita à margem (id, p.125)
No ano seguinte, o Salgueiro, aparentemente, faria uma “involução”, pois
o enredo escolhido Bahia de Todos os
Deuses permitiria à escola fazer uma
homenagem a um dos estados brasileiros mais representados nos desfiles da
nossa festa carnavalesca. Entretanto, por
conta dos maus resultados obtidos pelas
agremiações que escolhiam o tema, gerou-se a crença de que essa opção daria
“azar”. Mesmo sendo forte a superstição,
o Salgueiro conseguiu o contrário, pois,
a escola se tornou campeã. Esse feito
tornou-se possível por conta da abordagem bastante original, transcendendo
as representações da cultura e do povo
da Bahia e investindo, também, nas representações das divindades presentes
no candomblé.
Havia certo pudor ou temor de ir
contra a estética estabelecida na festa,
que, mesmo sendo pagã, revelava traços
de uma cultura católica. Essas imagens
do culto religioso sincrético, realizado
na Bahia e apropriado pelos grupos, a
princípio negros, que de lá partiram,
eram vistas pela primeira vez no desfile das escolas de samba. Foi um ato
de coragem mesclar as igrejas católicas e os orixás do candomblé durante
a apresentação. O título conquistado
ajudou a quebrar a idéia pré-concebida
da mandinga ou azar. Com efeito, nos
anos seguintes, outras agremiações retrataram a Bahia, com seu misticismo
cultural, em seus desfiles.
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
A cidade do Rio de Janeiro foi tema
do enredo de 1970, em que também o
carnaval em seus primórdios ganhava
destaque. Com Praça Onze, Carioca
da Gema, o Salgueiro fazia uma dupla
homenagem, tanto para a cidade quanto
para as escolas de samba. O reduto da
Tia Ciata era cantado em verso e prosa,
oferecendo ao público e aos sambistas
em geral uma versão do nascedouro do
samba e das agremiações. O Salgueiro,
desta forma, criava uma genealogia
para as escolas e para o próprio ritmo
do samba estimulado pela turma do Estácio de Sá, liderados por Ismael Silva,
Bide e outros sambistas que criaram a
síncope característica das escolas de
samba.
O enredo da escola no carnaval de
1971, Festa para um Rei Negro encerrou
esse período de “engajamento e militância” da agremiação. É interessante notar
que esse desfile fechou um ciclo de propostas temáticas que se tornaram recorrentes na história das escolas de samba.
Partindo de uma narrativa que parecia gravitar entre o real e o ficcional, a
história do rei que recebia a visita de
uma corte especial, vinda diretamente
da África, abriu caminho para alguns
outros enredos que transitavam por
essa esfera discursiva.
Dessa forma, a escola coroou seus
personagens e a sua comunidade por
aceitar o desafio e comprar a briga estética e ideológica proposta pelos artistas
que estavam criando os desfiles da agre-
miação. Nessa apresentação, os trajes
africanos que foram utilizados eram,
em sua maioria, trajes de uma nobreza
africana. A auto-estima e a ação afirmativa geravam o desejo da comunidade
do morro do Salgueiro de se exibir com
as fantasias afro, numa linhagem da nobreza do continente africano. Essa nova
postura foi conseguida ao longo de dez
anos, com muitas conversas, alguns
títulos e desfiles sempre marcantes da
agremiação na década de 1960. Nessa
altura, já participavam do barracão da
escola, junto a Fernando Pamplona e
Arlindo Rodrigues, os artistas Maria
Augusta, Joãozinho Trinta, Rosa Maga­
lhães, Laíla, Max Lopes e outros que
seriam os principais carnavalescos nos
anos seguintes.
O carnaval carioca e, especificamente, as escolas de samba, a partir da
visibilidade alcançada pelas agremia­
ções e em especial o GRES Acadêmicos
do Salgueiro, demarcaram um novo
patamar para as agremiações dentro
do panorama cultural brasileiro. A
contribuição da escola transcendeu a
questão plástica e estética, abrindo novos caminhos para a discussão de temas
até então “marginalizados” pela história.
Situada no bairro da Tijuca, repleta de
Universidades, academias do saber, o
Salgueiro fez juz ao seu nome e, de fato,
como uma academia, colaborou de maneira efetiva na circulação de novos saberes, a partir de seus desfiles, seus sambas e seus enredos.
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NOTAS
(1) Essa narrativa, elegendo o Salgueiro
como motor da renovação estética e
ideológica no carnaval carioca pode
ser encontrada em: ARAÚJO, Hiram.
Carnaval – Seis mil anos de História.
2. ed. Rio: Gryphus, 2003; AUGRAS,
Monique. O Brasil do Samba-Enredo. – 1.ed. Rio de Janeiro:FGV, 1998;
CABRAL, Sérgio. As escolas de samba
do Rio de Janeiro. 2.ed. Rio de Janeiro:
Lumiar, 2004; COSTA, Ha­roldo. Salgueiro: Academia do Samba. Rio de
Janeiro: Record, 1984; COSTA, Haroldo. Salgueiro 50 anos de glórias.
Rio de Janeiro: Record, 2003; FARIAS,
Edson. O desfile e a Cidade. O carnaval espetáculo carioca. 1.ed. Rio de
Janeiro: e-papers, 2005; MOURA, Roberto. Carnaval da Redentora a Praça
do Apocalipse. Rio: Jorge Zahar, 1985;
SANTOS, Nilton. A Arte do efêmero :
carnavalescos e mediação cultural no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Apicuri,
2009; entre outros.
cias. Alguns autores que trabalharam
com esse conceito: GINZBURG, Carlo.
O queijo e os vermes. O cotidiano e
as idéias de um moleiro perseguido
pela Inquisição. São Paulo, Cia das
Letras,1987; BURKE, Peter. Variedades da História Cultural. Rio: Civilização Brasileira, 2002; CHARTIER,
Roger. A história cultural; entre práticas e representações. 2. Ed. Lisboa:
Difel, 1990.
(2) A criação do lema da escola é
atribuído a Nelson de Andrade, presidente e principal mentor da agremia­
ção no período de 1957-1961). Essa
afirmativa encontramos em CABRAL,
Sérgio. As escolas de samba do Rio
de Janeiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 2004; COSTA, Haroldo. Salgueiro:
Academia do Samba. Rio de Janeiro:
Record, 1984;
(5) A questão central da minha pesquisa é apresentar os vários grupos culturais que atuavam naquele momento
histórico (1950-60) que estavam discutindo a temática cultural afro-brasi­
leira e as quuestões relativas a raça e
identidade. Alguns enredos tido como
pioneiros, como Aleijadinho (61), Chica da Silva (59)e Dona Beija (66) foram
apresentados anteriormente ou contemporâneos aos desfiles do Salgueiro,
por agremiações do Rio e de São Paulo.
O dado interessante é que esses outros
desfiles foram “esquecidos” pela biblio­
grafia sobre carnaval.
(3) O conceito de circularidade cultural pressupõe que as ideias, práticas
e valores circulam entre as camadas
sociais diversas, sendo representadas
a partir de suas vivências e experiên-
(4) Na minha pesquisa sobre o Salgueiro, nos anos 1960, parte da Tese
de Doutorado em História (UFF)
entrevistei Djalma Sabiá, Fernando
Pamplona, Maria Augusta Rodrigues,
Dona Caboclinha, Haydè Blandina,
Jorge Bombeiro, Renato Lage, entre
outros. Componentes históricos da
escola, corroboraram com a narrativa,
centrada no pioneirismo salgueirense e
sua importância no cenário carnavalesco da cidade do Rio de Janeiro.
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
(6) Artistas plásticos, compositores,
passistas, bailarinos, coreógrafos, ritmistas, entre outros.
(7) Centros Populares de Cultura que a
União Nacional dos Estudantes organizavam. Esses Centros tinham como função
levar a produção artística até as áreas da s
periferias e pelo interior do país.
(8) As emissoras de TV, as estações de
Rádio, a Indústria fonográfica, as revistas e jornais.
(9) No início da década, a Tv Continental exibiu flashs do desfile principal das
escolas de samba. No final dos anos
1970, a Rede Globo passaria a transmitir na íntegra o desfile. Durante a
década de 80, até sua extinção, a Rede
Manchete rivalizou com a Globo pela
melhor cobertura do evento.
(10) O etnólogo Édison Carneiro, por
exemplo, ao final do 1º Congresso Nacional do Samba, no Rio, em 1962, foi
incumbido de redigir a Carta do Samba,
um documento preservacionista dos
fundamentos do gênero e que foi publicado pelo antigo MEC através da Campanha de Defesa do Folclore.
(11) Localizado na Tijuca, importante
bairro de classe média da zona norte
da cidade do Rio de Janeiro. No bairro,
outras escolas também foram criadas e
participam atualmente do carnaval carioca como a Unidos da Tijuca (Morro
do Borel) e Império da Tijuca (Morro da
Formiga).
(12) Departamento de Imprensa e
Propaganda.
(13) Programa de governo do General
Eurico Gaspar Dutra, que consistia
no investimento prioritário nas áreas
de Saúde, Alimentação, Transporte e
Energia.).
(14) Fundada em 1953, a partir de
uma fusão entre duas escolas de
pequeno porte do Morro do Salgueiro,
a GRES Azul e Branco e a GRES Depois eu Digo.
(15) Pedro Ernesto Baptista foi, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, por dois períodos, entre 30/9/1931 a 2/10/1934
e 7/4/1935 a 4/4/1936. Foi consi­
derado um dos maiores benfeitores
das Escolas de samba, intervindo para
a oficialização do desfile das agremia­
ções. Alcançou grande popularidade e
respeito dos sambistas. Foi preso, sob
acusação de ser comunista.
(16) Samba de Bala, Duduca e José Ernesto Aguiar in. COSTA, Haroldo. Salgueiro 50 anos de Glória. São Paulo:
Ed. Record, 2003, p.23.
(17) Samba enredo de 1955, dos
compositores Djalma Sabiá, Éden Silva (Caxiné) e Nilo Moreira in COSTA,
Haroldo. Salgueiro 50 anos de Glória.
São Paulo: Ed. Record, 2003, p.27.
(18) O Salgueiro, a Portela e a
Mangueira receberam colaborações de
artistas ligados ao Teatro de Revista.
(19) Os ranchos já haviam experi­
mentado esta aproximação, mas com
as escolas de samba, esse processo se
tornou possível na década de 1960,
com uma tendência recorrente da subs-
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tituição da idealização dos enredos
pelos artistas com formação erudita,
em detrimento dos artistas populares,
oriundos da própria comunidade.
(20) O trabalho foi liderado em sua
produção pelo casal de artistas plásticos Dirceu Nery (pernambucano) e
Marie Louise Nery (suíça), quem se
conheceram na Europa e viviam no
Brasil desde meados dos anos 1950.
(21) Pintor francês, membro da Missão
Artística Francesa, que desembarcou
no Brasil nos últimos anos da estadia
de D. João VI.
(22) Essa visão narrativa é recorrente
nos pesquisadores Haroldo Costa, Sergio Cabral, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, Nilton Santos, Monique
Augras, em obras já citadas anteriormente. Outros pesquisadores seguem a
mesma linha narrativa: GALVÃO, Walnice Nogueira. Ao som do samba: Uma
leitura do Carnaval carioca. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009,
FARIAS, Edson. O desfile e a Cidade. O
carnaval espetáculo carioca. 1.ed. Rio de
Janeiro: e-papers, 2005, FERREIRA, Felipe. O marquês e o jegue: estudo da fantasia
para escolas de samba. 1.ed. Rio: Altos da
Glória, 1999, entre outros.
(23) Mangueira: Brasil através dos Tempos; Portela: Brasil Pantheon de Glórias;
Império Serrano: O Brasil Holandês; Vila
Isabel: Saldanha da Gama; Mocidade
Independente de Padre Miguel: Os três
Vultos que ficaram na História; Das escolas
pesquisadas, somente a Beija Flor e a
União da Ilha escolheram temas contemporâneos, também ufanistas: Copa
do Mundo e Paisagens da Ilha.
(24) Com esse desfile a escola obteve
o vice-campeonato, posição inédita na
sua então, breve história.
(25) Esse destaque é recorrente nos memorialistas Sergio Cabral, Haroldo Costa
e nos demais pesquisadores já citados.
(26) Professor da Escola Nacional de
Belas Artes e cenógrafo do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
(27) Esse grupo reunia, sob a liderança de Fernando Pamplona e Arlindo
Rodrigues os jovens Maria Augusta,
Joãosinho Trinta, Rosa Magalhães, Lícia Lacerda, dentre outros.
(28) Essa versão se tornou um cânone
na narrativa de Sergio Cabral. Em Haroldo Costa também aparece, um pouco relativizada. Muitos pesquisadores
seguiram a mesma narrativa.
(29) Foram declaradas campeãs a GRES
Portela, GRES Salgueiro, GRES Estação
Primeira de Mangueira, GRES Império
Serrano e GRES Unidos da Capela.
(30) Encontrei essa posição na entrevista realizada com Hiram Araújo e nos
textos dos pesquisadores e acadêmicos
já citados em nota anterior.
(31) Teatro Experimental do Negro,
fundado pelo militante Abdias do
Nascimento, na década de 1940.
(32) A pesquisa realizada teve como
base o acervo do Jornal do Brasil e parte
do acervo do Jornal Última Hora, no
período de 1959-1971.
(33) Peças teatrais, filmes, artes plásticas, moda, música popular, literatura se
apropriaram dos temas abordados pelo
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
Salgueiro, como Zumbi, Xica da Silva,
Dona Beja, Chico Rei, entre ou-tros.
(34) Jornalista e ativista cultural, autora
do livro História do Carnaval Carioca, considerado um clássico na bibliografia sobre o tema.
(35) Os romances cantados foram: o
Imperador D. Pedro I e a Marquesa de
Santos, Peri e Ceci, Dirceu e Marília,
Castro Alves e Eugênia, Moema e Paraguaçu por Caramuru.
(36) Departamento de Ordem Política Social, orgão responsável pela repressão ao comunismo.
(37) Em pesquisa na imprensa do
período, no acervo do JB, verifiquei
que duas agremiações apresentaram
o enredo sobre Dona Beija no carnaval de 1966. As escolas Aprendizes
da Gávea, apresentou o enredo A Vida
em Flor de D. Beja e a Independentes do
Leblon , desfilou com D. Beja, a Feiticeira
de Araxá. Com efeito nenhuma das duas
escolas alcançou boa colocação, mas é
um dado interessante verificar que não
uma, mas duas escolas trouxeram esse
enredo, que até então, pelo que pude
constatar nesta pesquisa, não havia
sido apresentado.
Referências
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anos de História. 2. ed. Rio: Gryphus,
2003.
CHARTIER, Roger. A história cultural;
entre práticas e representações. 2. Ed.
Lisboa: Difel, 1990.
__________ e JÓRIO, Amaury. Natal,
o Homem de um braço só.1. ed. Rio:
Guavira, 1975.
COSTA, Haroldo. Salgueiro: Academia
do Samba. Rio de Janeiro: Record,
1984.
AUGRAS, Monique. O Brasil do Samba-Enredo. – 1.ed. Rio de Janeiro:FGV,
1998.
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glórias. Rio de Janeiro: Record, 2003.
BURKE, Peter. Variedades da História
Cultural. Rio: Civilização Brasileira,
2002
CABRAL, Sérgio. As escolas de samba
do Rio de Janeiro. 2.ed. Rio de Janeiro:
Lumiar, 2004.
FARIAS, Edson. O desfile e a Cidade. O
carnaval espetáculo carioca. 1.ed. Rio
de Janeiro: e-papers, 2005.
FERNANDES, Nelson da Nóbrega. Escolas de Samba: sujeitos celebrantes
e objetos celebrados. 1. ed. Rio:
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– RJ, 2001.
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de samba. 1.ed. Rio: Altos da Glória,
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FREIXO, Adriano de e MUNTEAL FILHO, Oswaldo (orgs). A Ditadura em
Debate: Estado e Sociedade nos anos
do autoritarismo. Rio de janeiro: Contraponto, 2005.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os
vermes. O cotidiano e as idéias de um
moleiro perseguido pela Inquisição.
São Paulo, Cia das Letras,1987.
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo
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CPC à era da tv. São Paulo: Record,
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MOURA, Roberto. Carnaval da Redentora a Praça do Apocalipse. Rio: Jorge
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SANTOS, Nilton. A Arte do efêmero:
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Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Apicuri,
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SKIDMORE, Thomas. Brasil, de Castelo a Tancredo. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz
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THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular
tradicional. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
ZAPPA, Regina e SOTO, Ernesto. 1968
Eles só queriam mudar o mundo. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

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