MP:2 - O Maníaco do Parque Ataca Novamente

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MP:2 - O Maníaco do Parque Ataca Novamente
«o Maníaco do Parque ataca Novamente»
Caio de Oliveira
Este livro é registrado junto ao
Escritório de Direitos autorais da
Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro
– RJ) .
Todos os direitos reservados.
Proibida a impressão e alteração do
formato veiculado digitalmente.
Dedico este livro a meus avós,
Geolito e Yolanda de Oliveira, que
são as verdadeiras raízes de
criatividade da família.
Com certeza há muitos para agradecer
por esta obra, mas em especial cito
minha professora de Literatura,
Deolinda, que com o entusiasmo de
suas aulas despertou em mim a
vontade de escrever, meu tio, Jonadab
Oliveira, que me apoiou e incentivou,
chegando até a revisar o livro, meus
pais, pelo apoio, e os amigos, que se
candidataram a lê-la. A todos esses,
muito obrigado.
«MAPA GERAL»
«PREFÁCIO» Versão e-book
«SETOR 01» Yuri é H.P. ..............................................................................................................006
«SETOR 02» Samanta . ..............................................................................................................012
«SETOR 03» O que me pode dar esperança ....................................................024
«SETOR 04» Diversão .................................................................................................................032
«SETOR 05» H.P. Investiga ....................................................................................................040
«SETOR 06» O Diário ..................................................................................................................057
«SETOR 07» We change ...........................................................................................…...........071
«SETOR 08» Perseguição ........................................................................................................088
«SETOR 09»Vamos ao campo .........................................................................................103
«SETOR 10» Correio ....................................................................................................................117
«SETOR 11» A verdade bate à porta ..........................................................................128
«SETOR 12» Um animal estúpido e selvagem .................................................135
«SETOR 13» Mirabolante ..........................................................................................................145
«SETOR 14» Final Fantasy .....................................................................................................159
«NOTAS» . ..................................................................................................................................................167
«CICLOVIA» MP:2, por Caio de Oliveira ...................................................................170
«PREFÁCIO»
Versão e-book
MP:2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente é a realização de um sonho.
Lembro bem o dia em que, após uma longa e, provavelmente, cansativa exposição das
minhas idéias criativas, uma amiga virou-se para mim e disse: “Você é muito
sonhador!”. Não posso dizer que gostei de ouvir isso, pois o tom não foi de elogio. Pusme a pensar e percebi o ponto fundamental de sua afirmação. Eu tinha muitas idéias,
mas até então, não havia produzido nada além disso.
Idéias são primordiais na vida de uma pessoa, porém elas sozinhas geram
sonhos sem realizações. Ações sem ideais, não levam a objetivo algum. Ter uma meta
e usar a criatividade para alcança-la, produz no ser humano o prazer da conquista. E
foi assim que me senti após quase um ano escrevendo esta obra. Finalmente, eu podia
dizer para a minha amiga que eu havia sonhado, mas também alcançado um objetivo.
Mas não disse.
Minha intenção era fazer surpresa. Aparecer certo dia com um livro debaixo do
braço, despertar a curiosidade dos amigos a respeito do autor e, então, revelar que Caio
de Oliveira, era eu. Porém, além de não sentir muita confiança na possível reação de
todos os meus amigos, deparei-me com uma barreira desencorajadora. Descobri pela
forma mais difícil que publicar uma obra literária não é coisa simples.
Não desisti. Investi duas vezes contra a muralha. Mas fui derrotado. Desiludido,
deixei o livro guardado por mais de um ano, até surgir a oportunidade de registra-lo,
tendo os direitos autorais reconhecidos. Embora a sensação tenha sido boa, não foi
suficiente. E por mais outro ano o livro voltou para a gaveta.
Finalmente convicto de que incentivos de publicá-lo não virão, resolvi
diagrama-lo em um e-book e disponibiliza-lo para quantos queiram se aventurar a lêlo.
Baseado na forma clássica de Agatha Christie, esse romance policial vai além do
simples mistério e mostra dois lados da vida: o que desiste e o que luta. A mensagem
do livro é um incentivo a aprender, crescer e enfrentar os medos da vida real. Não é
preciso se transportar para mundo imaginário de Harry Potter quando a vida real já é
exitante por si só.
A todos, desejo uma boa leitura.
Caio de Oliveira
Maio de 2005
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Yuri é H.P.”
«SETOR 01»
“Yuri é H.P.”
— Cara, ... incrível, incrível! ‘Tô sem palavras.
— E o cabelo!? Foi uma equipe inteirinha só pra cuidar do cabelo dela.
— E a movimentação!? Perfeita.
— Dessa vez eles se superaram. De todos os Final Fantasy esse foi o mais bem
feito. Mas também esse é filme, né? Eles capricharam mais.
— Quando estréia?
— Acho que é em agosto.
— Puxa! Só daqui a um mês.
— Uma pena, né?
— É.
— Quer ver de novo, Takashi?
— Claro!
Pela terceira vez Yuri e Takashi assistiram ao trailer de Final Fantasy: The
Spirits Within baixado Internet. O som rouco da campainha tocou anunciando a
chegada de alguém inesperado, ou melhor, de algo inesperado. O dono da casa foi
atender a porta. Takashi gritou do quarto:
— Quer que eu dê pause?
— Não precisa, não — já com a mão na maçaneta. — Quem é?
Ninguém respondeu. Uma olhada no olho mágico revelou que realmente não
havia ninguém atrás da porta. Yuri abriu-a com medo, pensando que talvez fosse
Berenice — ela às vezes fazia essa brincadeira de malgosto. Mas estava enganado, ufa!
Tudo o que havia ali era o tapete e uma caixa com os dizeres: “Para: Yuri”. Ele pegou-a
e entrou.
— E aí, quem era? — Takashi perguntou como se fosse o dono da casa. —Quero
dizer... não pareceu ser sua mãe.
— Não. Minha mãe chegou ontem. Ela conseguiu uma vaga num vôo à noite.
— Hum!
— Não era ninguém, era isso — mostrou a caixa.
— Que estranho. E o que você vai fazer?
— Diz aqui que é pra mim, então... vou abrir a caixa, ué!?
— ‘Peraí , cara. E se for perigoso?
«6»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Yuri é H.P.”
— Que nada! Eu acho que é um molho de chaves. Ouve só o barulho.
— É! Parece.
— Então...
Yuri olhou para o rosto de Takashi para ver se ele iria falar alguma coisa, mas,
na verdade, seu amigo estava tão curioso quanto ele para saber o que havia dentro da
caixa.
— E aí? — perguntou o curioso Takashi tentando enxergar por sobre a tampa da
caixa.
— Olha, eu não estava certo? — Yuri balançou o molho pra enfatizar o
barulhinho peculiar.
— Mesmo assim isso ‘tá muito estranho pra mim.
— E também tem uma carta aqui.
— E o que diz?
— Ah! É do Padre, quero dizer, do Bruno.
— Bruno Engelhard, o padre mais estranho que eu já vi. Só podia ser ele.
— Bem, ele diz aqui que teve de viajar pra cuidar de negócios e, como foi muito
em cima da hora, não teve tempo de deixar as chaves para que eu pudesse cuidar do
papagaio. Ele pede desculpas. Ah! Tem um presente pra mim em cima da mesa da
sala.
— Falando em presente, esse PC que seus pais te deram de aniversário é o show.
Os gráficos ficam com uma definição muito boa — Takashi sempre admirou a
modernidade como todo japonês.
— Tem uma observação também: “Eu tive de convencer o taxista que me trouxe
até ao aeroporto a voltar aí e te entregar as chaves. Foi um tanto difícil visto que ele
tinha um compromisso. Portanto, não se assuste se ele estiver com um pouco de
pressa. Seu amigo, Bruno Engelhard.”
— Ué! Se o taxista estava com tanta pressa por que não deixou a caixa com o
porteiro? — indagou, como sempre, Takashi.
— Sei, lá! ... Vai ver, foi o porteiro que deixou a caixa aí na porta — disse Yuri
solucionando o mistério, embora não tivesse ciência disso.
— É! Pode até ser. Esse porteiro é todo malucão, bem diferente do vigia da noite
que é mais gente fina.
— Quer ir lá comigo no apê do Bruno?
— Claro! Eu sempre quis entrar no apartamento dele — sempre curioso.
Assim que os garotos saíram, a mãe de Yuri acordou. Abriu a porta do quarto,
ainda meio sonolenta, porém, bela como sempre. Dizem que para ver se uma mulher é
realmente bonita você precisa vê-la no momento em que ela acorda. Bem, Chris acorda
linda, mesmo de roupão, olhos dorminhocos e sem pentear o cabelo. Creio que ela não
seja linda apenas pelos olhos azuis de tonalidade exclusiva sua ou pelo forma do rosto
e do corpo. Ela possui uma beleza natural, intrínseca à sua personalidade e nisso ela se
assemelha a Káris. Agora que eu a vi acordando, sei por que Juan fica tão bobo todas as
vezes que encontra Chris. Mas, de qualquer forma, isso não é justificativa. Ele precisa
crescer.
A conversa dos garotos era a respeito do melhor episódio de Arquivo X. Yuri,
que havia começado o assunto, se adiantou dizendo quais eram os melhores episódios
em sua opinião: O Medo e um outro que não conseguiu lembrar do nome — A
«7»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Yuri é H.P.”
Investida. Era sobre uns garotos que conseguiam se mover mais rápido do que os olhos
conseguiam acompanhar. Já Takashi achava o filme o melhor episódio de todos porque
desvendava vários mistérios da série. Yuri concordou que o filme realmente havia
cumprido o seu papel de revelação e fora muito bom. O elevador parou. Era o quinto
andar.
— Você nunca entrou no apê do Bruno? — perguntou Yuri.
— Não — respondeu Takashi. — Ele nunca me convidou.
— Estranho. Vocês são vizinhos e mal se conhecem.
Na verdade o Padre já havia convidado a família japonesa da porta ao lado mais
de uma vez para jantar em sua casa, mas eles não puderam ir. E pelo visto Takashi
nem ficou sabendo do convite. Família diferente, cultura diferente.
— É porque ele... — Takashi parou de falar assim que Yuri abriu a porta. O
coitado ficou vislumbrado com o que viu. — Uau! Eu pensei que ia encontrar uns
móveis antigos, pesados e feios, mas olha só isso. A decoração é supermoderna.
Realmente é uma decoração moderna que alia conforto, bom gosto e as últimas
tendências do design. Há uma TV Flat de 42” pendurada na parede da sala de estar,
um computador Aple último modelo no escritório, quadros cuidadosamente escolhidos
para não destoarem da mobília de ébano e imbuia, sofás nos quais pode-se quase
afogar de tão macios que são, tapetes persas cobrindo uma boa área do chão de tábua
corrida e a cozinha em granito e aço escovado. Porém o que mais surpreendeu o
japonês foi a coleção completa dos livros de Agatha Christie na casa de um padre, ou
melhor, ex-padre.
— Olha só essa cadeira. E aquela televisão caríssima, ali. Tudo do bom e do
melhor. Esse cara tem grana, viu?
— Olha só! É um livro — surpreendeu-se com o presente sobre a mesa. —Ei!
Takashi? Aonde você vai? — seu amigo estava para entrar no escritório do Padre.
— Eu só ia dar uma olhada.
Yuri achou aquela atitude muito estranha já que ele era uma pessoa muito
educada, apesar de curioso.
— ‘Tô te estranhando, Takashi — brincou sugestivamente.
— Desculpa, eu realmente não sei o que deu em mim.
Na verdade Takashi sabia muito bem o que estava para fazer. Ele queria
alcançar a única gaveta de chave da cômoda. Sabia que o Padre escondia algo e talvez
ali houvesse alguma indicação, porém julgou melhor não falar nada para Yuri. Ele não
entenderia.
— O que é? — apontou para o presente que Yuri tinha nas mãos.
— É um livro: O Misterioso Caso de Styles.
— Um Agatha Christie — disse Takashi como bom conhecedor, que é, da obra
da Rainha do Crime.
A expressão do rosto de Yuri não é o que poderíamos chamar de extrema
felicidade. Ele apenas estava feliz pelo Padre ter se lembrado dele e era só isso. Ruim é
receber um presente que não se gosta e pior é responder àquela constrangedora
pergunta: “Gostou?”. Se a resposta for “sim” você é um mentiroso, se for “não” torça
para que a pessoa que lhe deu o presente entender como uma brincadeira...
— Você não parece muito contente — observou Takashi.
«8»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Yuri é H.P.”
— Eu não gosto muito dessa autora. Todas as histórias são sempre a mesma
coisa — reclamou. — Morre alguém, assassinado. Alguém investiga. Todos são
suspeitos. No fim o “astuto” investigador revela o assassino, a pessoa menos esperada.
Não me animo muito a ler esse tipo de livro. Eu gosto de Márcia Ferreira, claro, e
Frederick Forsyth. Ele escreve sobre espionagem, Guerra Fria, acordos políticos que
mantém... — Takashi o interrompeu.
— Eu acho que você vai se surpreender com esse livro. Pra mim é um dos
melhores que ela escreveu. É óbvio que ela deixa bem claro que o Hercule Poirot, o
cara que investiga o assassinato, é o mais astuto dos detetives. Mas você vai acabar
gostando dele. No final você vai reconhecer que ele conseguiu te enganar direitinho. E
esse foi o primeiro de mais de 80 livros. Muito bom — concluiu.
— Quantos livros dela você já leu?
— Doze.
— Você gosta mesmo dessa autora, hein! — comentou Yuri.
Ele retirou o livro do embrulho transparente e leu a dedicatória. Leve tristeza
quis alcançar o seu olhar, mas ele havia prometido para si mesmo que não mais se
entristeceria por causa dela, então se manteve forte.
“‘The truth
is out there’.
Quando você me contou a causa da sua tristeza, eu também me
entristeci muito. Samanta era uma garota adorável e muito feliz. Enquanto
fui seu vizinho não convivi muito com ela, mas não creio que ela seria capaz
disso. O que eu quero com essas palavras não é trazer à sua mente lembranças
tristes e, sim, animá-lo, encorajá-lo, dar-lhe esperança. Muitas vezes em
minha vida eu errei por não fazer aquilo que achava correto ou por ser omisso.
Por favor, não caia nesses erros também. Se você recusa-se a crer na ‘verdade’
que lhe contaram, saiba que a verdade ainda está lá fora. Você só precisa ir até
lá, buscá-la. Mas lembre-se, estar preparado é fundamental. Espero que a
astúcia de Hecule Poirot lhe motive. Yuri, creia que você é H.P., creia que você
pode.
Seu sempre amigo, Bruno Engelhard.
PS: Se precisar da minha ajuda não hesite em pedi-la.”
— O que foi, Yuri?
— Toma — estendeu o livro para Takashi. — Pode ler.
Ele considerou se deveria ler ou não. Achou melhor ler, pois além de estar
muito curioso seu amigo talvez precisasse de ajuda.
«9»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Yuri é H.P.”
— Entendo — sentenciou depois de ler. — Você gostava muito dela, não é
mesmo?
— Eu não consigo acreditar que ela fosse capaz de se suicidar. Ela conseguiria
matar todo mundo, mas nunca a si própria — seus olhos estavam perdidos no ar.
O que acabara de murmurar era um pensamento que jamais deveria ter se
transformado em palavras.
Takashi percebeu que Yuri fora muito exagerado nessas palavras. Mas ele
entendia o porquê.
— O que você vai fazer? — perguntou seu amigo.
— Eu ainda não sei. Realmente não sei — respondeu com um olhar pensativo.
Já era perto da hora do almoço naquela manhã de sábado. Takashi, então,
convidou-o para ir almoçar em sua casa — a mãe dele faz um sushi maravilhoso, você
precisa provar. Mas Yuri disse que queria almoçar com sua mãe, porque eles não se
viam há 3 dias.
— Ah! Takashi, se você quiser, aparece lá em casa hoje à tarde. Eu chamei o
Juan pra gente assistir animê. Minha amiga Lua me emprestou os primeiro episódios
de Visions of Escaflowne.
— Legal! Que horas?
— Lá pelas três.
— Então, falou!
— Tchau!
— Yuri?
— O quê?
— Se precisar de qualquer coisa, não esquece que eu sou seu amigo, viu?
— ‘Tá certo. Valeu!
Takashi até pensou em ficar um pouco mais no apê do Padre enquanto Yuri
cuidava do papagaio, mas depois do seu estranho comportamento estava morrendo de
vergonha e preferiu ir para casa.
Yuri conversou com o papagaio, trocou a água e completou a comida. Verificou
se as janelas estavam fechadas.
Quando ia saindo do escritório percebeu que havia uma única gaveta de chave
na cômoda. Ele parou e olhou com curiosidade. Chegou a estender a mão para ver se
ela estava aberta, mas desistiu.
— O que eu ‘tô fazendo?
Despediu-se do papagaio e foi almoçar com sua mãe. E Takashi, bem, Takashi
começou a fazer algumas considerações a respeito do livro, do Padre, da dedicatória e
de Yuri.
“Uma garota morre. Bem, ultimamente muitas garotas têm morrido. Ahr! Mas
isso não vem ao caso. Samanta morreu; 1. O Padre soube. Mas parece que soube por
Yuri. Então, o Padre soube por Yuri?; 2. O Padre chamou Yuri de H.P. que é a mesma
sigla usada pela Agatha Christie, às vezes, pra se referir a Hercule Poirot; 3. O padre,
não sei porquê, apelidou Yuri de Parrot, que é papagaio em Inglês. E o nome completo
de Yuri é Yuri Hércules Engel Ferreira; 4. Yuri é H.P. Yuri é Hércules Parrot; 5... Que
comparação mais esquisita e ridícula! Além disso, por que um ex-padre iria incentivar
um garoto de 13 anos de idade a investigar um suicídio? Não consigo entender esse
cara” — considerou mentalmente.
«10»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Yuri é H.P.”
Takashi lembrou-se de algo mais que lhe chamou a atenção por ser estranho:
— Que tipo de Padre é esse que gosta de Arquivo X e histórias de assassinato?
«11»
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“Samanta”
«SETOR 02»
“Samanta”
A tarde era ensolarada. De um lado da rua havia um casal de namorados e do
outro um menino. Aparentemente ele esperava o melhor momento para atravessar a
via. Várias foram as vezes em que teve a oportunidade de cruzá-la, porém não o fez.
Sua atenção não estava na rua e sim no casal do outro lado dela.
Um rapaz, que vinha de mãos dadas com uma linda garota de cabelos negros,
trazia nos olhos ódio. Eles miravam um pobre e inocente pombo branco próximo a eles
que comia das migalhas do chão. Ainda de mãos dadas a ela, ele se abaixou e pegou
uma pedra.
— O que você vai fazer com isso? — perguntou a jovem sem entender bem qual
era a sua intenção.
O rapaz não respondeu com palavras, mas com atitude. Arremessou a pedra
com tamanha força contra o pombo que este, sem ter tempo de desviar-se, recebeu o
golpe com toda a sua força.
— Meu Deus! Por que você fez isso?
Ele não respondeu.
— Olha só o que você fez! Você matou o coitado! — condoeu-se.
Havia uma espécie de sorriso no rosto do rapaz. Não havia remorsos em seus
olhos nem culpa. Parecia até sentir-se melhor agora, depois da morte do animal.
— Ei... Ei... Ei...!
A jovem o chamava, porém era como se ele não a escutasse. Estava absorvido
em seus próprios pensamentos e não conseguia vê-la. Nesse instante algo desviou a
atenção da garota de negros cabelos para o outro lado da rua, era o menino. Seu humor
se alterou estranhamente. Irada ela largou a mão do namorado como alguém que
rejeita algo e se foi só.
Ele voltou a si e a viu partir.
— Quer saber por que eu fiz isso?
Ela não se virou nem mesmo parou. Ele respondeu assim mesmo:
— As migalhas ficam no chão. Os pombos não voam mais, agora eles andam.
Mudaram a si mesmos para sobreviverem aqui, um ambiente hostil e contrário a eles.
Odeio isso!
«12»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
A cada passo se afastava mais dele e assim ela se foi. Mas não apenas ela se foi,
mas a rua estática a seguiu. O brilho do sol cessou, o menino sumiu e o rapaz também.
Tudo o que havia agora era penumbra.
Yuri olhou ao redor tentando entender o que estava acontecendo e
compreendeu muito bem quando enxergou o relógio. Eram duas e vinte e dois da
manhã. Virou-se para o outro lado da cama e voltou a dormir.
Junho. Melhor, final de junho. Quem já esteve ou viveu ou ainda, mora em
Brasília sabe muito bem como o clima é agradável nesta época do ano. Para aqueles
que nunca vieram aqui eu devo explicar que isso foi uma ironia. O tempo é seco, os
dias, quentes e as noites, frias. Mas essa época do ano não está chamando atenção por
causa de seu aspecto de deserto e sim por causa do Maníaco do Parque que está
aterrorizando a vida dos brasilienses. Por hora, deixemos o Maníaco de lado e vamos
falar um pouco sobre esse garoto chamado Yuri.
Seis e quinze. Começa mais um dia rotineiro que parecia ser igual a todos os
outros. Apenas parecia. O rádio-relógio de Yuri já está cantando. O coitado se levanta
maquinalmente e vai em direção ao banheiro. Depois de bater a cabeça na porta, acho
que ele ainda não havia aberto os olhos — essa, doeu! —, acabou acordando.
Yuri Hércules Engel Ferreira: um garoto precoce e muito amigável — todos os
seus amigos são mais velhos que ele. Ele é muito bom em Matemática, porém sua
habilidade é diametralmente oposta no que se refere a Português e esportes, exceto
patins. Curte de montão animê, Arquivo X e vídeo-game. Adora tomar café da manhã
americano, ou seja, aquelas coisas deliciosas, que se não matam, engordam. Se um dia
ele pegasse o telefone para pedir uma pizza e por engano a ligação caísse no Escritório
das Deusas e Belldandy‘¹’ lhe dissesse que realizaria um de seus desejos, ele pediria
pra ter a habilidade de voar. Mas, isso, ele nunca disse para ninguém; acha que é
muita infantilidade para alguém com quase treze anos.
Como eu sou mau! Contei o desejo mais íntimo do garoto nas primeiras páginas
do livro. Mas tudo bem, ele vai superar isso.
Depois do ritual matinal — acordar, bocejar, reinar e banhar —, Yuri vestiu seu
uniforme e foi tomar café. Uma surpresa. Em cima da mesa havia ovos mexidos, bacon
frito, presunto tostado, queijo mussarela e torradas.
— Uau! Mãe, foi você?
— Que mãe o quê, rapaz! ‘Tá me estranhando é?
— Pai? Ué, você não tinha de ir pra Cuiabá fazer uma consultoria?
— Consultoria em uma empresa; informatização da rede de dados e treinamento
de pessoal de outra... Ah, filhão! Cansei — beijou Yuri afetuosamente e puxou a
cadeira pra ele se sentar. — Sabe, cansei de trabalhar tanto e viver pouco. ‘Tô a fim de
curtir minha mulher, meu filhão e, claro, minha moto Ninja. Centenas de cilindradas
de pura emoção — seu olhar se perdeu no ar. — Cancelei. Pedi uma semana pra ficar
à-toa.
— E o seu chefe deixou? Assim, tão fácil?
— Bem, agora que você falou... Foi mesmo. Eu liguei pra ele e pedi, aí ele disse
que tinha de dar um telefonema. Depois me retornou dizendo pra eu aparecer por lá só
em julho. Sabe como é, né? Quem pode, pode — todo orgulhoso.
— Bobão! — falou Yuri com um sorriso no rosto.
— Vamos. Come logo, se não a gente vai se atrasar pro colégio.
«13»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
— A gente? Você vai me levar de moto?
— Vai ser pura emoção.
— Legal!
Depois de olhar pela mesa procurando por algo, Yuri disse:
— Olha, estaria tudo perfeito se tivesse suco de la...
— Laranja — Pedro colocou um copão de suco sobre a mesa. — Bobão! —
brincou.
Já dentro da garagem, Yuri encontrou Takashi e seu pai, Sempai.
— Bom dia, Yuri — falou polidamente Sempai.
— Bom dia, Semp! Beleza, Takashi?
— Beleeee — bocejou — eeza.
— Hoje eu vou com o meu pai. A gente vai de moto.
— Não esqueça o capacete — recomendou Semp.
— Claro! Pode deixar. Então até mais, Takashi.
— Tchaaaa — bocejou novamente — aau.
Como Sempai é um nome muito estranho para os brasileiros, o pai de Takashi
acabou sendo apelidado de Semp. Foi assim: um de seus alunos resolveu brincar com
o professor e escreveu no quadro em letras gigantes: “Bom dia Semp Toshiba.”. O
apelido pegou. Agora no Sigma se alguém fala “Sempai” a imagem de um órfão vem
primeiro a mente que a do professor. Sempai é conhecido como Semp ou Toshi.
Apelidaram Takashi de Tashi, mas ele estressa toda vez que alguém o chama assim.
Coisas de criança.
Após cumprimentar Semp, Pedro arrancou com a moto, ecoando um som
alucinante dentro da garagem, mas isso não foi suficiente para despertar o espírito de
emulação em Semp. Por ser professor, ele criou para si uma lei: “Sol apresado, Lua
angustiada. A calma e paciência são virtudes apreciáveis e necessárias”. Parece que ele
se livrou de uma gastrite assim. Não é brincadeira não, mas dar aula para setecentos
alunos do terceiro ano durante todo o ano letivo não é nada fácil. Ainda mais quando o
colégio é o Sigma. “Um prato bastante difícil de se digerir”, é o que ele diz.
Já no portão da escola, dúzias de estudantes são despejadas a cada minuto. Mais
um dia começa. Aulas e mais aulas. Uma vez ouvir dizer que o conhecimento deve ser
ministrado em doses homeopáticas, mas parece que não foi alguém muito competente
que disse isso. Será?
— Olha só! Tem um professor aqui que tem uma supermoto. Essa Suzuki é do
mal! — elogiou Pedro.
— Que nada. Essa moto deve ser de algum aluno barãozinho. Os professores
estacionam lá dentro.
— Puxa! Eu só pude comprar uma dessas depois dos quarenta. Tem grana,
mesmo!
— Tchau, pai!
— ‘Té mais, filhão!
— Ah! Você vem me pegar?
— Não vai dar. Eu marquei de ir almoçar com uma mulher loira, linda, de uns
olhos azuis delirantes. Você vai ter de voltar com o seu amigão, o Tashi.
— Pai! Não fala isso perto do Takashi, viu? Ele cria o mor caso.
Pedro sorriu.
«14»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
— Boa aula!
— Valeu pelo café. ‘Tava ótimo... Tchau!
A moto arrancou e duas dúzias de olhos a acompanharam. Realmente, uma
Ninja ZX-7 é de chamar atenção.
Yuri se virou sem muita atenção e acabou esbarrando em uma garota. Calma,
não é nada disso que você pensou.
— Descul... Ay!
— Oi, Yuri!
Ay, ou melhor, Káris é da mesma sala de Yuri, que é da mesma sala de Takashi,
que estuda na oitava série do colégio Sigma. Depois conto porque Yuri a chama de Ay.
Káris da Silva Fernandes: uma garota muito bonita. Ela tem aquele ar de
sulista que, embora pegue mal para os homens, cai muito bem às mulheres. Com esse
sotaque aliado à sua voz macia e ao seu sorriso gentil, conquista inúmeros
admiradores. Ela gosta muito de conversar e de assistir a filmes. Tem catorze anos. É
boa aluna e bate um bolão de fazer inveja a muitos garotos. Sonha, um dia, ser diretora
de filmes hollywoodianos — coitadinha! Bem, ela não é do tipo que vive para comer,
mas apenas come para viver, ou seja, ela não tem um prato predileto. — Que pena!
— Seu pai veio te trazer hoje?
— Foi. Ele fez um mega, super e deliciosíssimo café da manhã pra mim também.
Káris riu.
— O que foi isso? — estranhou o galo na cabeça de Yuri.
— Hoje, quando eu acordei, pensei que meu dia ia ser horrível. Primeiro, o
rádio-relógio tocou Back Street Boys. Bahhh! — fez como se fosse vomitar. — Depois
eu bati com a cabeça na porta — apontou para o galo. — E ainda tive de tomar banho
frio. Puxa! O chuveiro tinha de queimar justo na hora em que eu ia tomar banho? Mas,
quando eu cheguei na cozinha, minha sorte mudou. Meu pai fez um café da manhã
americano completo. Muito gostoso. Depois eu ainda vim de Ninja pro Sigma. Meu dia
tem tudo pra ser legal agora.
— E eu, que perdi o sono às cinco e quinze.
— Sério? Logo você, que ama a cama!
— É... Vamos entrar? Se não a gente vai acabar se atrasando.
— A senhorita primeiro — brincou.
Káris sempre gostou das brincadeiras de Yuri. Ela acha que o bom humor é
essencial no cotidiano e ele sempre está de bom humor.
— Olha quem vem aí, morrendo de sono — disse Yuri.
Takashi chegou bocejando e coçando os olhos, literalmente morrendo de sono.
Mal conseguiu cumprimentá-los.
— Acorda, cara — disse Yuri, sacudindo seu amigo.
— Sabe, eu gosto muito da escola. Só não gooooosto de fazer prova neeeeem ter
de acordar cedo — mais bocejos. — É tão difícil levanvanvantar da cama.
— Coitadinho! Parece que nem dormiu de noite — se condoeu Káris.
Takashi Akamatsu: um cara muito desconfiado e curioso. Seus pais são
japoneses e ele, brasileiro nato. Tem catorze anos, estuda na oitava série e não tira
nenhuma nota abaixo de 8,5. Curte animê, Arquivo X e ler livros da Rainha do Crime.
É fera no traço e sonha em trabalhar no Japão como mangaka — desenhista de mangá.
E, claro, não dispensa um bom churrasco.
«15»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
A primeira aula da turma C da oitava série naquela segunda-feira, dia 25, era de
Matemática. Káris comentou:
— Você ‘tá com muita sorte hoje, hein, Yuri?
— Já ‘tô ficando preocupado — brincou.
— Psiu! Olha lá — apontou para o japonês.
— Ele deve ter ficado acordado até muito tarde pra estar com tanto sono assim.
— Ele nunca dormiu em sala!
— Não dizem que há uma primeira vez pra tudo?
A conversa foi interrompida quando a professora mandou que Káris fosse até o
quadro resolver um exercício, para casa, do dia anterior.
As aulas passaram e com elas o sono de Takashi. Hora do recreio.
— Ué, cara! — Yuri aproximou-se de Takashi. — O que aconteceu? Esqueceu
qual era o caminho da cama? Parece que você nem dormiu ontem à noite.
— Olha, eu fiquei acordado ontem até muito tarde pra me certificar de uma
coisa.
— Que a lua some quando o sol nasce? — brincou.
— É sério! Eu acho que descobri quem é — fez um clima de suspense — o
Maníaco do Parque — sussurrou.
— Sério?
Takashi balançou a cabeça confirmando.
— E quem é? — dois garotos olharam para eles.
— Fala baixo.
— ‘Tá, ‘tá bom. Mas quem é?
— Eu acho que é...
— Vocês não sabem o que eu soube — a menina de sorriso gentil interrompeu
Takashi.
— Que susto, Ay! — reclamou Yuri.
— Vocês já sabem?
— Saber o quê? — perguntou o japonês, meio sem paciência.
— ‘Tá bom! Eu conto. Um amigo da minha amiga Gê, é amigo de um garoto do
terceiro ano que também é amigo meu e estuda na sala do lado do irmão da Fê que
estuda ...
— Que é amigo do meu amigo, que é amigo do meu amigo — brincou Yuri.
— ‘Tá certo! Vou direto ao ponto. Eu soube por esse tanto de gente, não importa
quem são, que uma garota do terceiro ano se suicidou numa banheira ontem por causa
do namorado. Ela deixou uma carta dizendo que não viveria se ele a deixasse.
— ‘Tá brincando!? — duvidou Yuri.
— Não! É sério!
— Quê isso! — Takashi ficou penalizado. — Por causa do namorado?
— Parece que eles brigaram.
— Ele bateu nela? — quis saber Yuri.
— Não! Eles discutiram. E parece que ele terminou de vez com o namoro.
— Meu Deus! Suicídio?
— E qual é o nome dessa garota? — perguntou Takashi.
— Isso, não me disseram.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
O sinal tocou e eles tiveram de sair correndo para a sala. O professor de História
já estava à porta. No Sigma, se o sinal tocar e o professor entrar em sala, o aluno fica
impedido de entrar e é obrigado a passar um horário inteiro na sala de detenção, a
famosa Salinha. Mas se o professor for um alguém legal...
— Depois eu te conto — disse Takashi.
— Cara, não dá pra acreditar! — Yuri nem ouviu o seu amigo falar.
Depois da aula de História e mais uma de Inglês o sinal tocou. Era o fim de mais
um dia de aula — ufa! Káris se despediu dos garotos, sempre com o seu sorriso gentil e
foi pegar o ônibus escolar. Seus pais não tinham tempo para pegá-la nem gostavam
que ela andasse de ônibus. Mas andar de ônibus não era nenhum problema para os
pais dos garotos, então eles voltavam sozinhos para casa. É claro que Takashi poderia
esperar mais uma aula e voltar com seu pai, mas a fome falava mais alta. Enquanto ele
arrumava o seu material na mochila...
— Ah, Takashi! Lembra aquele negócio que você ia me contar?
Takashi olhou ao redor para ver se ninguém estava olhando.
— Sabe — considerou melhor—, eu acho melhor não te contar.
— O quê!? Não vai me contar?
— Eu preciso ler o jornal de hoje, primeiro.
— Hã?! Não entendi nada.
— Depois eu te explico.
“O Takashi às vezes é tão estranho...” — pensou.
Já no portão, Yuri encontrou Juan, um de seus amigos.
Juan de Melo Tavares: um cara bobo e paradoxal. À primeira vista, ele parece
com um cantor de reagge — cabelo rastafári, roupas muito folgadas, aquela ginga de
malandro... —, mas na verdade gosta de música clássica e toca violino. Ele não é o que
poderíamos chamar de um bom estudante. Na verdade, aparenta ser um pouco bobo
para quem tem dezoito anos. Mentira! A maioria das pessoas o acha muito bobo.
Porém não o vejo assim. Bem, não posso negar que às vezes ele realmente dê uns foras,
mas, no fundo, ele é um cara inteligente, só que nem mesmo sabe disso. Talvez um dia
eu lhe conte... Assim como Yuri ele é fã de animê. Adora bolo de chocolate, pudim,
tortas, merengues, pavês, balas etc. Bem, o seu sonho... pode parecer meio estranho,
mas mesmo assim vou contar. Juan sonha em casar-se com uma mulher tão bonita
quanto a mãe de Yuri.
— Eita, Juan! Matando aula, hein?
Enquanto os alunos do primeiro grau têm cinco aulas por dia, os do segundo
grau têm seis.
Juan reconheceu que a voz era de Yuri e virou-se para cumprimentá-lo:
— Fala, moleque! — ele tem essa mania de chamar os outros de moleque.
— Por que ‘tá saindo mais cedo?
— ‘Tô indo resolver uns assuntos pro meu velho. Falou, galera!
— Tchau! — disse Takashi.
— Ei, Juan, perái!
— Quê foi?... Cara, eu ‘tô atrasado.
— É verdade que uma garota do terceiro ano se...? — não terminou a frase.
— Se...? — Juan não entendeu o que Yuri quis dizer.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
— Ele quer saber se é mesmo verdade o que ‘tão dizendo sobre a garota que se
matou.
— Cara, eu ‘tô passado. Eu, até agora, não ‘tô acreditando.
— Então é verdade!
— Você sabe quem foi? — perguntou o curioso Takashi.
— Eu estudei com ela ano passado. Ela estudava na sala do lado da minha, esse
ano.
— E quem era? — Takashi, de novo.
— Samanta.
— Samanta Valença? Samanta Coelho Valença? — quis saber Yuri.
— É! Você conhecia ela?
— ‘Cê ‘tá brincando, né? — desconfiou.
— Olha, eu até queria que fosse brincadeira... O pessoal da sala dela ‘tá na mor
deprê e tem um moleque lá na minha sala, o Rodrigo, que chorou tanto que a
orientadora mandou ele ir pra casa se acalmar. Todo mundo tomou um susto, porque
ninguém achava que ela fosse capaz disso...
Juan lembrou-se que estava com pressa.
— Tenho de ir. Falou, galera!
Ele passou pelo portão e viu, além de um monte de meninos do primeiro grau
sendo recolhidos pelos pais e escolares, a mesma moto azul que Pedro tinha elogiado
naquela manhã, a Suzuki RGSX SRAD. Mas não entendeu de imediato porque ela ainda
estava ali. Ele só chegou a uma conclusão quatro dias depois.
— Deve ser engano. Alguém entendeu mal e falou besteira pra todo mundo. Só
pode ser isso — Yuri negou-se a acreditar.
— Você ‘tá legal, cara? — Takashi estranhou o nervosismo do seu amigo. —
Deve ser um mal-entendido. Lembra quando falaram pra gente que uma professora de
Biologia tinha morrido, e, na verdade, ela tinha apenas sofrido um acidente de carro
numa viagem?
— Você tem razão. Deve ser um mal-entendido. Então, vamos embora.
— Vamos — falou decididamente.
Ele sentiu o nervosismo sumir dos olhos de Yuri, pelo menos por enquanto. Na
volta para casa Takashi passou numa banca e deu uma olhada nos jornais. Alguns
noticiavam a história de um homem que estuprava e matava prostitutas no Parque da
Cidade e traziam a cobertura completa sobre os acontecimentos das últimas semanas,
mas nenhum falava sobre uma nova vítima.
— Ei, não tem nada novo sobre o Maníaco do Parque? — perguntou Takashi.
— Parece que não. Desde a terça passada não saiu nenhuma matéria melhor que
a...
— MP:2.
— Isso mesmo — disse o dono da banca.
— Então ‘tá, brigado.
— De nada!
— Yuri, você escutou? — ele esperava do lado de fora da banca.
— Hã?! Falou comigo? — sua mente estava muito longe dali.
— Deixa pra lá! Ei, ‘cê ‘tá a fim de ir almoçar lá em casa?
— Valeu pelo convite, mas eu ‘tô querendo ir pra minha casa mesmo.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
— Relaxa, cara! — Takashi percebeu por onde andava o pensamento do seu
amigo. — Foi tudo um mal-entendido. Aposto que tua amiga ‘tá bem. Pode crer.
Yuri olhou-o querendo crer naquelas palavras, mas alguma coisa o dizia que
elas não eram verdadeiras.
Caminharam um pouco mais e chegaram a um bloco de apartamentos — o F da
214 Sul — onde ambos residem. Ali se separaram e cada um foi para a sua casa: Yuri,
entristecido; Takashi, preocupado com seu amigo.
Na geladeira o bilhete: “Bom dia, filhão!!!! Como foi a aula? Depois você me
conta. Eu e seu pai fomos almoçar fora. Essa nota de dez é pra você ir no Mc. Bom
almoço!!! Beijão, te amo, Chris.”. Yuri olhou a nota e nem sentiu motivação de ir
almoçar fora. Deitou-se na cama e, sem perceber, acabou dormindo.
...
— Meu filho! Filho, acorda! Yuri!
— Deixa ele, Chris! Vai ver ele teve muita aula e ‘tá cansado.
— Olha pra ele, Pê! Nem tirou o uniforme e parece que não almoçou também. A
nota de 10 reais ainda ‘tá na porta da geladeira.
— Que horas são?
— Quatro e quinze.
— Yuri! Acorda, rapaz.
— Hã?! ‘Tô com sono.
— Que sono, que nada. Levanta, vai!
— Ué! — bocejos — Vocês já chegaram?
— São quatro e quinze, meu filho. O que aconteceu?
— Ué! Eu cheguei, deitei um pouco e... parece que acabei dormindo.
— Você almoçou, meu filho?
— Acho que não.
— Acho? Você não é do tipo que troca um almoço por um sono. Você pega o
almoço e o sono. Que aconteceu? Ficou com preguiça de andar até o Mc? — perguntou
Pedro.
— Eu cheguei do Sigma, aí... — Yuri lembrou-se de Samanta.
— Aí? — Pedro quis saber.
— É que... uma amiga minha lá do colégio se... se matou.
— Se o quê? — Pedro achou que não tinha entendido direito.
— Da sua sala? — perguntou Chris.
— Foi a Samanta, mãe.
— Samanta? A sua amiga do Icq? Mas é verdade ou é só outro boato? —
lembrou-se do caso da professora de Biologia.
— Pelo que o Juan me disse era verdade — entristeceu-se.
— Ah, meu filho! Não fica triste, não — Christie o abraçou carinhosamente.
— Mas...
— Sabe, as pessoas às vezes fazem coisas que nós não entendemos. E na
verdade nós não podemos entender. Achamos que as conhecemos muito bem mas o
que sabemos a respeito delas é muito pouco. O que elas viveram antes de as
conhecermos, suas amarguras não-tratadas, seus traumas, seus segredos... Algumas
acabam fugindo, e fugindo de uma forma muito covarde.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
— Mas ela sempre foi alegre. Eu não convivia com ela, mas sempre que a gente
se falava...
— Yuri, você prestou atenção no que acabou de dizer, meu filho? Você não
convivia com ela. Ela era apenas uma amiga virtual ... E por mais que ela aparentasse
ser feliz, como você pode garantir que ela realmente fosse? E mesmo que ela fosse uma
pessoa triste, isso não é motivo. Não existe motivo pra um suicídio.
Ele nada disse. Chris continuou:
— Muitas pessoas vivem de aparência, meu filho. Mas olha, não gaste seu
tempo pensando nisso. Você é meu filho e eu gosto de te ver alegre. Essa garota não
fazia parte da sua vida e ela não merece que você fique assim por ela. Você precisa
reagir, Yuri — Chris o olhou fundo nos seus olhos. — ‘Tá bom?
Ele acenou com a cabeça e ganhou mais um abraço de sua mãe.
— Agora tira esse uniforme e vai tomar banho.
— Com água fria? Ah, não!
— Eu já arrumei, rapaz. Era só a resistência que tinha se soltado — explicou
seu pai.
Enquanto Yuri tomava banho, Káris ligou:
— Eu digo sim. Muito obrigada, Káris. Até mais.
— Chris, você não acha estranho o Yuri ficar assim por causa de uma amiga
virtual? ‘Tá certo que quando morre alguém que a gente conhece isso impressiona,
mas...
— Ele devia gostar muito dela, Pê.
— Verdade, falei besteira. Mas, e aí? O que a Káris disse?
— Bem, ela disse que soube do acontecido na hora do recreio e contou para o
Yuri e o Takashi, mas ela não sabia quem era a garota. Yuri! — gritou — A Káris ligou
e pediu pra você ligar de volta pra ela.
— ‘Tá bom.
— Mas que situação! — exclamou Pedro.
— Essa Samanta já foi minha paciente. Só que há uns doze anos. Não tratei dela
por muito tempo, lembra? Foi bem na época do problema da mamãe.
— Lembro. Ela não é a filha daquele casal chato que brigou com você por que
você teve de passar o tratamento da menina pra um amigo seu? Povinho
incompreensível. Você, com o mor problemão e eles nem se importaram. Egoístas!
— Coitado do meu filho!
— Ele é forte. Ele vai ficar bem, você vai ver.
------------------------— Pêmrhhh! — A campainha tocou roucamente. Já passava das onze da noite.
Pedro abriu a porta com um sorriso no rosto. Era seu irmão Vítor.
— Vitão! Há quanto tempo, meu irmão! — cumprimentos.
— E aí, Pedro? Tudo bem? — Vítor estava com uma expressão de cansaço. —
Cheguei um pouco tarde demais, não é? — Pedro fechou a porta.
— Não tem problema, Vítor. Relaxa!
— Eu acho que ‘tô um pouco cansado. Já não durmo direito faz uma semana,
Pedrão. Uma semana.
«20»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
Vítor sentou-se no sofá, que era muito confortável, desses que você chega a
afundar de tão macio. Sentiu sono.
— Esse Maníaco do Parque ‘tá te perturbando, né? — sentou-se.
— Nem me fale! Mas e a Chris e o meu sobrinho? Todo mundo bem?
— Graças a Deus! O Yuri teve um dia difícil hoje, mas já está melhor.
— Tomou um fora de uma garota? — Vítor brincou.
— Quem me dera! Uma garota lá do colégio dele se suicidou, e o pior, meu filho
estava apaixonado por ela.
— Meu Deus! E como ele ficou?
— Um pouco triste, desanimado. Mas a Chris falou com ele. Ele já ‘tá melhor
agora.
— Situação difícil, hein?
— Verdade. Mas e a Samara? Como ela ‘tá encarando o trabalho do maridão?
— Bem. Ela fica um pouco chateada porque a gente não tem tempo nem pra se
ver, mas ela ainda está compreensiva. Graças a Deus! Já tem tanta gente me
pressionando e se ela me pressionasse também eu ia ter um treco. O problema é que
ela agüenta no máximo só mais uma semana. Tomara que eu resolva isso até lá.
— Falando nisso, como vão as investigações?
— Mano, ‘tô num beco sem saída, cara! E o pior não é isso, é a pressão. A mídia
quer mais informações, o governador reclama da queda da popularidade e até meus
colegas policiais me cobram. E ainda não temos nenhum suspeito.
— E o que vocês já descobriram?
— O pessoal já foi dormir? Porque isso é sigiloso, hein! Se descobrirem que eu
contei pra você eu ‘tô no sal.
— Fica tranqüilo! Todo mundo já foi dormir.
— Bem, nós descobrimos que as vítimas não eram prostitutas como
imaginávamos. Eram garotas de família, garotas comuns de classe média.
— Garotas de classe média? — estranhou Pedro.
— Por um acaso mórbido, uma delas foi reconhecida por um legista do IML que
é amigo da família da garota. Aí, nós suspeitamos que as outras duas também fossem.
Pedimos que outros cinco casais que registraram ocorrência do desaparecimento das
filhas fizessem um reconhecimento e ...
— E aí mais dois pais tiveram a tristeza de saber que suas filhas foram vítimas
do Maníaco do Parque — completou Pedro.
— Foi.
— Quer beber uma cerveja?
— Cara, se eu tomar uma cerva agora eu não chego em casa vivo. Mas, um refri
cai bem.
Pedro voltou da cozinha com dois litros de Coca-Cola e um pacotão de batata
frita.
— Mais eu não entendi uma coisa. Se não eram prostitutas, por que o Maníaco
as vestia desse jeito? — serviu dois copos.
— Essa é fácil!
— Verdade. Não precisa nem responder, eu já sei. O cara é um maníaco afinal
de contas.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
— Eu não diria que ele é maníaco. Pra mim ele é um assassino frio e muito
inteligente — tomou um gole de Coca-Cola. — Infelizmente.
— E aquele negócio das letras? Vocês já descobriram o que significa?
— Hum ! — Vítor estava com a boca cheia de batata. — Ainda nada. É muito
estranho pra mim! O que um “w” , um “d” e um “2” podem significar? O nome de
alguém? Mas qual seria o sentido do 2? Indicaria um filho que tem o mesmo nome do
pai? Um endereço, talvez? ... São muitas possibilidades.
— WD2? Mas os jornais não disseram MP2?
— Pode até ser MP2. Mas eles interpretaram assim por pura especulação: “O
Maníaco do Parque ataca novamente” . Você sabia que foi a maior venda que o jornal
já teve?
— Não, eu não sabia. Até eu comprei esse jornal — riu.
— Não te disse? Foi um lance de mercado — encheu seu copo de novo.
— E se vocês fizessem uma busca por todos os WP ou MP de Brasília?
— Já estamos investigando, mas até agora nada. Só encontramos alguns caras
que tem ficha “leve” na polícia e a maioria não tem antecedentes criminais. Nada que
nos interesse. Mas quer saber? Eu tenho certeza que esse Maníaco não tem ficha na
polícia. Provavelmente é um cidadão exemplar que paga seus impostos, cumprimenta
o vizinho todas as manhãs antes de ir para o trabalho, presta serviço comunitário, ...
— É uma situação difícil, hein?
— Nós nunca lidamos com um assassino serial. Isso é coisa de americano —
olhou para o vazio, estava pensativo. — Eu não consigo entender.
— Entender o quê?
— Se ele mata as vítimas por asfixia, por que todas elas são encontradas no lago
dos pedalinhos? O que o assassino quis dizer com isso? O que significa a água?
— E os jornais disseram que elas morreram afogadas. Não dá mesmo pra confiar
nos jornais.
— Eles não sabem de nada. Além de ter acesso a poucas informações ainda
acabaram distorcendo quase tudo ... Você chegou a ler algo sobre o assassino tirar
mechas de cabelo das vítimas?
— Mechas de cabelo? Não, eu não li nada a respeito. Vocês omitiram isso da
imprensa?
— Foi. A gente concluiu que não seria bom para as investigações se isso viesse a
público.
— Isso é muito mórbido. Matar alguém e ainda ficar com um “souvenir” —
sinalizou as aspas com as mãos.
— Realmente é algo horrível, mas esse “souvenir” — imitou seu irmão — vai ser
uma prova importante. Se conseguirmos chegar até o assassino e ele tiver excelentes
álibis, for uma pessoa de respeito e etc., as mechas vão ser a prova incriminadora,
porque não foi encontrado nada, nem nas vítimas, nem nos locais dos crimes: saliva,
sangue, cabelo, digitais, nada. O cara é extremamente cuidadoso.
— Uau! Você quer mais batata? — Vítor já tinha acabado com o pacote todo.
— Não, valeu ... Pedro, eu acho que já vou indo. Vou tentar dormir um pouco.
Hoje o dia foi muito cansativo.
— Imagino.
«22»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Samanta”
— Hoje nós rodamos aquele Parque umas mil vezes à procura de mais pistas e
não encontramos nada, nem mesmo um corpo. Graças a Deus!
— Não quer que eu te leve em casa?
— Não, não precisa — Pedro nem insistiu. Sabia até onde ia a teimosia do
irmão. — A Coca e as batatinhas me despertaram um pouco. Sem falar que o meu
carro tem piloto automático. Ele sempre pára lá em casa, inteiro ou rebocado —
brincou. — Eu ‘tô bem. Só quero que você não fale nada com ninguém, ninguém
mesmo.
— Pode deixar, eu não conto nada.
— Foi mal, Pedrão! Nem deu pra gente conversar direito. Cheguei tarde, ‘tô
saindo cedo, só falei de assassino, morte e ... — se levantou.
— Que nada! Você não sabe o bem que fez pra minha curiosidade.
Vítor riu.
— Na próxima, a gente conversa mais.
— Com certeza! Quando a poeira abaixar ou eu solucionar isso, eu vou ter mais
tempo, aí a gente marca um churrasco no clube, põe a conversa em dia.
— Beleza! Tchau e toma cuidado com os postes — brincou.
O elevador desceu com um homem morto de sono que quase bateu o carro a
poucos metros de casa. Na sala, o outro homem pensou sobre aonde esse mundo iria
parar. No quarto, um garoto não conseguia dormir.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“O que me pode dar esperança”
«SETOR 03»
“O que me pode dar esperança”
O sol inundava a cidade com seu calor já fazia três horas. Na cama, ainda no
quinto sono, dormia Yuri. Ele não ouvira o telefone tocar nem o barulho das panelas
caindo pela cozinha quando Pedro fizera café. Estava embotado.
— Acorda, soldado! Já é alvorada... — Pedro, com seu bom humor de sempre,
entrou no quarto cantando.
Yuri acordou de um salto:
— Pai! Que horas são? — Pedro não teve nem tempo de responder. — ‘Tô
atrasado — percebeu que já estava claro. — Não vai dar pra eu ir com o Takashi, você
me leva?
— Calma, rapaz! — segurou Yuri que estava agitado de um lado para o outro
tentando arrumar sua mochila. — Hoje você não vai à aula. Sem chance.
— Hã?! Dá tempo, sim. Eu vou me arrumar rápido, ‘cê vai ver.
— Yuri, são dez e cinco da manhã.
— O quê?
— Fica tranqüilo. Faltar um dia não vai te matar.
— Por que você não me acordou?
— Eu acabei de acordar, meu chapa. Esqueceu que eu ‘tô de folga a semana
inteira?
— E a mamãe?
— Sua mãe levantou atrasada e foi embora pensando que você já tinha ido. Ela
acabou de ligar e me pediu pra ver se ela tinha deixado o celular aqui — apontou para
cima da mesa de estudos de Yuri.
— Ah, é! Eu peguei emprestado ontem pra ligar pra Káris enquanto você ‘tava
no telefone. Acho que acabei esquecendo de devolver. Foi mal!... Ei! Ainda dá pra eu
pegar as últimas duas aulas, que você acha, pai?
— Que tal a gente ir andar de patins no Parque?
— Até que é uma boa idéia.
— Então vamos tomar café. Dia, aí vamos nós! — falou de peito cheio.
Yuri tomou seu café — não tão engordante quanto o do dia anterior — e pegou
seus patins.
— ‘Tô pronto!
«24»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“O que me pode dar esperança”
— Então, vamos embora.
Eles seguiram de carro. O pai de Yuri tem uma baratinha motorizada, digo, um
Ford Ka. Ele já teve um Vectra 1999, mas vendeu-o assim que Christie comprou um
carro melhor, e põe melhor nisso. Um Marea Weekend SX 1.8 de mais de 130 cv
entrou na família e Pedro deu asas a seu sonho, ter uma moto robusta e arrojada como
uma Ninja.
Bem, o Parque da Cidade Sarah Kubitschek é, em tamanho (420 hectares), maior
que o Central Park de Nova York, porém não possui nem um terço da beleza e do porte
do parque americano. Eu sinceramente o acho um pouco pobre, mas ele dá para o
gasto. Sua infra-estrutura conta com um lago onde já funcionou por muito tempo, um
serviço de aluguel de pedalinhos; uma piscina de ondas que está eternamente em
reforma; quadras de basquete, de tênis (você tem de levar a rede e o resto, resumindo,
só tem mesmo a quadra com as linhas no chão), de futebol, de areia; um campo de
aeromodelismo que eu nunca vi e um estádio hípico que me parece muito bom. Mas
como eu não entendo nada de hípica posso estar enganado, não é mesmo? Há também
uma excelente ciclovia com cerca de 9 quilômetros de extensão e um pavilhão de
exposições com 32 mil metros quadrados.
Fora os bares, o Parque inspira saúde. A ciclovia sempre está cheia de pessoas
se exercitando: caminhando, correndo, andando de bicicleta e patinando. Mas o
movimento no Parque da Cidade, naquela manhã de terça-feira, não era o mesmo de
sempre. O Maníaco espantou a maioria dos seus usuários. Todos, agora, tinham medo
de sair para um passeio agradável e não voltar mais, digo, quase todos:
— Vamos ver quem chega primeiro naquele poste ali?
— Claro que é você, né? Olha o seu tamanho e o meu?
— Eu não tinha esse tamanho que você tem quando era da sua idade. Do que
você ‘tá reclamando, hein?
Enquanto Pedro falava, Yuri saiu correndo em direção ao poste e acabou
chegando primeiro.
Depois desse aquecimento, eles começaram a patinar pela ciclovia. O passeio foi
muito divertido, cheio de conversa e brincadeiras. E o nome de Samanta nem passou
pela sua mente.
Yuri estranhou bastante a falta de usuários, tantos carros de reportagem
estacionados pelo Parque e o excesso de policiais. Nunca havia visto tanto
policiamento por ali. E isso o fez lembrar-se da noite anterior.
Já próximos ao relógio de sol que fica ao lado do lago dos pedalinhos, Yuri
avistou alguém que parecia com o seu tio Vítor.
— O Parque ‘tá tão vazio.
— É tudo culpa desse Maníaco, ele conseguiu assustar até os freqüentadores
mais assíduos. Mas sabe, eu acho que ele não vai mais atacar.
— Por quê?
— Olha, o Maníaco atacava a cada seis dias, certo? Mas desde o último ataque,
que foi no dia vinte e um, ele não atacou mais. Vai ver morreu num acidente de carro
— riu. — Você vai ver, em uma semana esse Parque vai estar com o movimento
normal de novo.
— Aquele ali não é o tio Vítor?
— Onde?
«25»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“O que me pode dar esperança”
Yuri apontou para o outro lado do lago onde havia alguns policiais detendo um
homem.
— Parece com ele, sim.
Os dois cruzaram a ponte e foram ver o que estava acontecendo.
— Acho que você ‘tava enganado, pai. Pra ter aquele tanto de policial ali é
porque tem um corpo.
— Espera aqui.
— Ah, não! Eu também quero ver.
— Yuri! — repreendeu.
— É nessas horas que eu tenho vontade de ser mais velho — murmurou,
chateado.
Pedro se aproximou e viu seu irmão:
— Vítor?
— Pedro? E aí, mano? Veio dar um passeio no Parque?
— Eu vim andar de patins com o Yuri — apontou para o garoto que estava
parado a alguns metros da ponte com a cara emburrada.
— Quem é esse aí? — olhava para um homem moreno, barrigudo e molhado que
estava sendo algemado. — O Maníaco?
— Não, é só um cara que queria nadar no lago. Um maluco. E o Yuri? Não vai
vir aqui falar comigo?
Apesar de parecer uma pessoa muito comum o homem seria interrogado
“informalmente” na DP, como todos os que fizeram ou tentaram fazer coisas estranhas
no Parque naqueles últimos dias.
— Eu pensei que fosse alguma coisa mais séria e mandei ele ficar lá.
Pedro acenou para Yuri que desfez a cara emburrada e foi correndo para saber o
que estava acontecendo.
— Oi, tio Vítor!
— Fala, meu brother! Quanto tempo, hein?
Fizeram um aperto de mãos secreto.
— Esse cara caiu no lago?
— Esse aí? Nada. Esse cara é um desses malucos que ficam me dando trabalho.
Disse que só queria nadar no lago, para se refrescar.
Eles conversaram um pouco mais antes de Vítor ser chamado de volta à
delegacia para resolver alguns assuntos. Depois, Yuri e Pedro continuaram patinando
e desta vez sem nenhum suposto Maníaco para cruzar o caminho deles. Por fim
chegaram onde a baratinha, digo, o carro estava estacionado. Embora Yuri estivesse
normal, Pedro não agüentava mais a dor nas pernas.
— Não sei como você não tem barriga. Já passou dos quarenta, não faz
exercício... — essa até eu queria saber.
— É genético — brincou. — Ai! Minhas pernas estão acabadas, coitadas.
— Por que você não faz igual a mamãe e começa a malhar?
— Ai! Se eu tivesse tempo ...
— Eu pensei que a sua saúde era mais importante pra você — falou com tom de
responsabilidade.
— Desculpa, papai! — brincou. — Ai! ‘Tá doendo muito.
— Viu? Se você tivesse me ensinado a dirigir, eu poderia levar o carro pra você.
«26»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“O que me pode dar esperança”
— Gracinha de menino! Quando você tiver dezoito aninhos e uma carteirinha
de motorista eu deixo você levar o carrinho. ‘Tá?
— Vacilo, viu?
— Fica tranqüilo, ‘tá cada dia mais perto — referiu-se ao aniversário de Yuri que
era na próxima quinta-feira.
— Pai, que tal a gente fazer um almoço especial pra mamãe? Ela ia gostar.
— Rapaz, já ‘tá tudo no esquema.
— Ah é? E o que você vai cozinhar?
— Espere e verás.
Quando Chris chegou em casa, por volta de meio-dia e meia, não havia nada
preparado. O plano, digo, esquema de Pedro era levá-la na Potência do Sul, a segunda
melhor churrascaria de Brasília. Ele até pensou em cozinhar algo para ela como tinha
prometido, mas achou melhor entreter Yuri. Afinal de contas ele não queria ver seu
filho pensando em Samanta. Pedro não é muito bom cozinhando o trivial, mas manda
bem em comidas especiais, principalmente carnes — sabe fazer um peixe ao molho na
panela de barro que fica delicioso.
Depois de os três comerem picanha no alho, cupim na manteiga, cupim
defumado, cupim prensado, carne de coelho, de javali, leitão à pururuca, filé mignon,
costela assada, queijo provolone assado na brasa e camarão, entre outras delícias,
estavam satisfeitos. Isso para não se dizer outra coisa. É realmente triste comer com o
tamanho dos olhos e não com o do estômago...
Chris achou que precisava de um regime depois desse atentado à boa forma e se
conteve nos deliciosos almoços servidos aos participantes do congresso de psicologia
de que participou em Goiânia de 26 a 29 de julho.
Às três e meia, após dar algumas orientações, Chris embarcou aliviada para
Goiânia por perceber que Yuri já havia superado sua tristeza. Mas uma idéia meio que
absurda começava a ser gerada em sua mente, uma idéia digna de Juan, porém
absurdamente estranha para alguém como Yuri, e tudo por causa de um estranho olhar
dias atrás. Yuri estava sentado num banco na escola e viu Samanta passar com o
namorado, nada seria tão comum se não fosse o olhar dela. Yuri sentiu como se ela
estivesse demasiadamente assustada, oprimida e com muito, muito medo. Mas medo
de quê? Talvez ele nunca descobrisse.
Na volta para casa ele uma visita ao seu amigo Takashi a fim de pegar os
deveres do dia. Contou sobre a ida ao Parque e o estranho homem que queria nadar no
lago dos pedalinhos. Takashi teve todo o cuidado para não comentar nada sobre
Samanta e pediu, na escola, para Káris ter o mesmo cuidado quando fosse falar com
ele. Depois de recusar suco de uva — seu preferido — Yuri se despediu:
— Então falou, Takashi. ‘Té amanhã!
— Te cuida. Até.
Yuri deu uma olhada no relógio, ainda havia tempo para mais uma visita antes
de ir para casa fazer seus deveres. Então, tocou a campainha do outro lado do corredor.
Um senhor alto, forte e vestindo um terno preto, de aproximadamente 60 anos de
idade, cabelos brancos, pele rosada, olhos azuis quase violeta abriu a porta com um
sorriso no rosto:
— Freund, Yuri! A que devo a honra desta visita?
— Tudo bem, seu Bruno?
«27»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“O que me pode dar esperança”
— Pode me chamar só de Bruno mesmo, mas vamos, entre.
— Me desculpe, mas é que eu ainda não consigo chamar o senh..., digo, você só
de Bruno. É que... sei lá, é difícil.
— Seus pais lhe ensinaram muito bem. Mas este homem não gosta de ser
tratado como um senhor. Gosto de me sentir jovem, de saber que há ainda muitas
coisas para viver. Por favor, sente-se. Mas me conte, quais são as novidades?
Essas palavras penetraram fundo nos ouvidos de Yuri e desencadearam uma
seqüência de pensamentos em uma velocidade tão surpreendente, que eu não pude
acompanhar. Por fim a imagem de Samanta alcançou sua mente e seus olhos se
tornaram tristes. O Padre percebeu a mudança de sentimento no seu olhar, porém
nada disse, preferiu esperar que ele falasse, mas não escondeu seus olhos curiosos.
— Você conheceu bem a Samanta? Ela era feliz?
O rosto do Padre era como o de uma estátua, inerte. Não mexeu um músculo
sequer. Ainda com seu olhar curioso ele olhou fundo nos olhos de Yuri. Talvez
quisesse ler seus pensamentos, não sei ao certo.
— Creio que você esteja falando da Samanta, que foi minha vizinha. Não é?
Yuri não respondeu. O Padre continuou:
— Nós éramos vizinhos de porta, porém convivi muito pouco com ela. Sua
família não é do tipo aberta e amigável. Mas por que a pergunta?
— Ela cometeu suicídio anteontem.
Yuri afirmou com a boca, mas questionou no coração.
— Gott! Não posso crer.
— Eu também não! — afirmou severamente.
Os olhos que antes eram tristes se tornaram determinados. E o olhar do Padre
ainda continuava a mirar-lhe os olhos.
— Não sei o que dizer. É algo muito surpreendente pra mim. Meu Deus!
— Por isso eu não acreditei que fosse suicídio. Eu sei que a Samanta que
conheci não faria isso. Ela não seria capaz de se matar por causa de um simples
namorado, não seria mesmo — falou enfaticamente.
Ele estava determinado a não macular a imagem de Samanta em sua mente,
determinado a saber a verdade. E o Padre percebeu isso.
— Desculpa. Eu não queria falar desse jeito, mas é que ‘tava guardado aqui
dentro — apertou o peito. — Desculpa.
— Você não tem de se desculpar, Pequeno Parrot — esse é o apelido que o Padre
deu para Yuri. — Jamais devemos deixar nossos sentimentos guardados; um dia, eles
acabam nos machucando.
— Eu tenho de fazer o que minha mãe me disse, parar de pensar nisso. Vai ser
melhor pra mim.
— “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança”, disse o profeta
Jeremias. Se isso lhe faz sentir tristeza, então desvie seus pensamentos para
lembranças boas, para as boas lembranças que Samanta lhe deixou. Elas alimentarão a
sua esperança e o que você crê poderá se tornar realidade. Creia que você pode, você
pode superar isso.
Sua esperança tonando-se em realidade? Yuri não compreendeu completamente
o significado disso, mas preferiu noa fazer perguntas.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“O que me pode dar esperança”
— Como vai o papagaio? Ele já aprendeu muitas palavras? — mudou de
assunto.
— Eu estou ensinando-o a falar algumas palavras. Venha, vou lhe mostrar.
Yuri ganhou o papagaio de seu avô, mas como Chris não gosta nem um pouco
de animais ele teria de devolver. Quando o Padre soube, se ofereceu para ficar com o
bichinho, assim Yuri poderia visitá-lo sempre que quisesse. A partir daí, eles deixaram
de ser apenas vizinhos que se falam na base do “oi” e “tchau” e passaram a ser amigos.
Depois de ter ouvido o papagaio assobiar My Heart Will Go On, o Padre dizer
que o clima de Brasília é bem diferente do da Europa e contar que sua mãe não estava,
que ela tinha viajado para um congresso em Goiânia, Yuri se despediu dizendo ter
muito dever para fazer já que faltara à aula.
— Venha sempre que quiser: ver o papagaio ou conversar — sorriu.
— Obrigado.
— Não se preocupe e lembre-se: “palavras de esperança.”
— Vou me lembrar. Até mais.
— Auf wiedersehen, Pequeno Parrot! Gott, digo, Deus lhe acompanhe.
------------------------Agora estou com uma dúvida. Não sei se eu conto para você sobre a ida ao
boliche ou vou direto para a sexta-feira dia 29. E aí, o que eu faço? Eu não acho tão
importante a ida ao boliche, mas e se você achar que é? Conto ou não? Eis a questão...
Eu já lhe contei como o Yuri e Samanta se conheceram? Então vamos falar um
pouquinho dos dois, enquanto isso eu ganho um tempinho para me decidir.
Era uma vez...
Novembro. O tempo louco de Brasília se torna totalmente insano nesse mês.
Chove torrencialmente às três da tarde e às três e quarenta faz um sol digno de um dia
perfeito de praia. Bem, foi nesse mês que Yuri conheceu Samanta. Depois de uma
chuva assustadora às quatro da tarde com direito a trovões cinematográficos e tudo
mais, o céu se fez tão azul que chegava a cansar os olhos. As borboletas voavam sobre
as copas verdes das árvores, as cigarras cantavam infernalmente, as crianças gritavam
e andavam de patinete nas ruas e Yuri morria de vontade de chegar em casa para jogar
Final Fantasy IX, mas Chris se atrasou e ele teve de esperar.
Foi quando uma garota de pele branca, cabelo negro, olhos castanhos, sorriso
gentil e andar elegante passou na frente de Yuri. Sem perceber ela deixou cair de seu
fichário uma prova de Matemática. No cabeçalho Yuri leu: “Centro Educacional Sigma.
Samanta Coelho Valença, nº 42, 2º B. Parabéns, 10”.
— Ei! Acho que você deixou cair isso.
— Ah, obrigada! — sorriu gentilmente.
Samanta Coelho Valença: uma garota determinada. Por ser muito bonita e
inteligente é invejada por muitas garotas. Gosta muito de praticar esportes (já praticou
vôlei, basquete, natação, tênis de mesa e karatê, mas ultimamente faz ginástica e
academia). Tem dezessete anos e estuda na mesma sala do seu namorado, Guilherme
Peres, que é da mesma turma de Juan. Adora animais — tem um Poodle Toy fêmea,
Clia — e não dispensa uma ida ao cinema com os amigos. Ela não tem um sonho, mas
deseja um dia conhecer as savanas africanas. Sua comida preferida é camarão ou
bacalhau regado ao puro azeite português.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“O que me pode dar esperança”
Enquanto Yuri trocava essas palavras com Samanta, a mãe dele chegou.
Despediu-se e saiu correndo portão afora sem perceber que Samanta olhava em sua
direção.
— Demorei muito? O último paciente faltou e eu sai pra fazer umas comprinhas.
Acabei perdendo a hora.
— Se a gente não tivesse combinado eu já teria ido de ônibus.
Chris percebeu que Samanta estava olhando para ela. O rosto sardentinho, os
cabelos negros e os olhos castanhos eram os mesmos, só o olhar era diferente.
— Ué, mãe? Não vai sair com o carro não?
— ‘Tá vendo aquela garota ali, Yuri?
Yuri olhou para Samanta.
— Aquela ali de cabelo preto?
— Eu poderia jurar que ela se chama Samanta.
— Ué!? Você conhece ela?
— Espere aqui que eu já volto.
Chris saiu do carro. Usava um vestido branco que valorizava sua silhueta — e
que silhueta! Ela é como Sandra Bullock, sempre fica bem de vestido.
Yuri ficou observando. Chris se aproximou de Samanta e disse algumas palavras
que ele não conseguiu ouvir. Depois Samanta pareceu reconhecer sua mãe.
Conversaram mais um pouco e por fim as duas vieram andando em direção ao carro,
um Corsa 96 preto modelo básico.
— Yuri, deixe a Samanta ir na frente.
— Não, não precisa não. Eu vou atrás mesmo.
— Sem chance —brincou. — Você vai na frente — sorriu.
Chris saiu com o carro e Samanta puxou conversa com Yuri.
— Então seu nome é Yuri?
— E o seu é Samanta.
— Nós já trabalhamos juntos, filho — esse era o jeito de Chris dizer que já havia
tratado alguém.
— Incrível você lembrar de mim. Já faz tanto tempo. Sua mãe tem ótima
memória.
— Eu que o diga.
— Você ainda continua com o consultório?
— Sim, mas eu mudei de prédio. Consegui bons convênios e comprei uma sala
no Embasy Tower, que se Deus quiser, eu acabo de pagar no ano que vem.
— Legal!
Um silêncio chato e inconveniente surgiu, mas Yuri tratou logo de falar algo:
— Você veio para o plantão? — o segundo grau só tem aulas pela manhã. À
tarde, o Sigma oferece plantão de dúvidas e salas de estudos com ar condicionado
recém-construídas.
— Mais ou menos. Eu ‘tava estudando na sala de estudos, mas sabe como é,
sempre surgem dúvidas. E você?
— Eu ‘tava fazendo um trabalho.
Daí o papo deslanchou. Conversaram sobre o Sigma, animais, o tempo louco e
os planos para as férias. Yuri desejou demorar um pouco mais para chegar em casa, o
caminho pareceu ser curto demais aquele dia.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“O que me pode dar esperança”
Chris parou o carro atrás do bloco D da quadra Duzentos e Dezesseis Sul, onde
Samanta mora. Depois de agradecer pela carona e se despedir, foi para casa sem
perceber que alguém no banco de trás havia sido atingido por uma flecha.
— Muito obrigada pela carona, Christie.
— Foi um prazer!
— Até mais, Yuri. A gente se encontra lá no Sigma — sorriu gentilmente.
— Pode crer. Tchau!
Yuri passou para o banco da frente e eles seguiram para casa.
— Ela ficou uma garota muito bonita. E com esse rostinho delicado dava até pra
ser modelo.
Aquele sorriso tão gentil, a forma como ria, o cabelo voando com o vento suave
que entrava pela janela e por fim o que sua mãe havia dito, fizeram Yuri sentir o
ferimento no peito causado por aquele garotinho cego que se mete a lançar flechas por
aí. Resumindo, apaixonou-se.
— Então ela já foi sua paciente?
— Há muito tempo. Faz as contas, ela tinha uns 6 anos.
— Há onze anos então — respondeu prontamente.
— Você quer saber o porquê, né? Por que você sempre age assim? Nunca faz
uma pergunta direta quando está curioso?
— Esse jeito é muito bom porque eu fico sabendo o que quero sem deixar os
outros perceberem que estou curioso.
— Espertinho, você, hein!
Yuri riu.
— Bem, eu tratei dela quando ela tinha 6 anos, mas não por muito tempo. Foi
justo na época que a mamãe adoeceu. Eu tive de viajar para o Rio pra ficar com sua
avó. Então indiquei um amigo meu que é ótimo profissional, mas a família dela se
aborreceu comigo e acabaram nem procurando outro psicólogo.
— Hum!
— Não vai me perguntar o porquê do tratamento?
— Tsc — reclamou —, você já sabe que estou curioso mesmo. Por quê?
Chris riu da cara que Yuri fez.
— O motivo... bem, foi por causa de um motivo muito triste. Ela viu o irmão
morrendo, não lembro se foi afogado ou se foi um tombo. Ela ficou traumatizada,
parou de falar.
— Coitada.
------------------------Bem, eu já me decidi. Vou contar sobre o boliche, só para você não dizer que eu
sou um mau narrador, desses que omitem parte da história...
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Diversão
«SETOR 04»
Diversão
Skate.
— Adivinha aonde nós vamos essa noite? — perguntou entusiasmado.
Yuri deu pause no video-game — PlayStation I. Estava jogando Tony Hawk’s Pro
— A Londres, visitar Lara Croft‘¹’? — brincou.
— Não tão longe assim. Vou dar uma dica: o lugar é cheio de bolas de três furos
e pinos enfileirados.
— Boliche. Massa!
— Que tal você chamar alguém pra ir com a gente? Eu tinha chamado o Vítor,
mas ele ‘tá muito ocupado, não vai poder ir. Deixa eu dar uma sugestão? — Yuri olhou
para ele com uma cara curiosa. — Loirinha, olhos verdes, bonitinha, hum-hum! —
deu umas cotoveladas no filho.
— Sério mesmo? Posso escolher?
— Claro! Vai em frente, é só dizer o nome — Pedro estava preparado para ouvir
o nome de, bem, você já sabe quem, porém...
— Bruno — hã?
Toda a expectativa de Pedro se desfez. Confesso que até eu fiquei surpreso com
essa.
— O quê? O Padre? — também não entendi; por que ele?
— Pai, ele não é mais padre.
— Ah! Já entendi, era uma brincadeira. Você ‘tava brincando comigo, não é? —
acho que não!
— Não. Eu falei sério. Quero chamar o Bruno.
Pedro fez uma cara de não-‘tô-entendendo.
— Você falou que eu poderia escolher — isso é verdade.
— Mas por que o Padre? Por que não a loirinha bonitinha, ou então o seu amigo
Takashi? Por que o Padre?
— Porque amanhã é o meu aniversário e eu queria passar a tarde com a Ay e o
Takashi. E além disso, eu queria que você conhecesse o Bruno. Ele é legal, você vai
ver.
— Ele é velho, fechado e tem cara de mau. Isso sim!
«32»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Diversão
— Velho não é desculpa. O meu avô é velho e é legal mesmo assim. Fechado?
Bem, é só aparência já que ele é estrangeiro e não ‘tá acostumado com o jeito brasileiro
de ser. E a cara de mau é porque ele se acostumou assim, mas é só você puxar assunto
que ele muda de expressão.
— Você só me mete em roubada, viu? Vou me arrumar. Interfona lá pro
“Bruno”. Mas da próxima vez eu escolho, ouviu? Eu escolho.
Yuri convidou o Padre, que ficou muito contente. Eles combinaram de se
encontrarem na garagem dentro de meia hora.
— Aposto que esse Padre não tem força nem para jogar a bola — Pedro disse
enquanto se vestia.
— Eu aposto que ele te ganha, quer valer? — Yuri entrou no quarto.
— Ele me ganhar? Duvido — provocou.
— Aposto 50 reais que ele te ganha — estendeu a mão para firmar a aposta.
— Olha que eu aceito a aposta, hein? — Pedro olhou para a mão estendida de
seu filho.
— Então ‘tá apostado — apertaram-se as mãos.
— Eu vou cobrar, viu? Vou cobrar mesmo.
— Fique frio, você não vai ter de me cobrar nada. Pode deixar que eu cobro de
você.
— Ha-ha-há! Você acabou de perder cinquentinha, meu chapa, pode crer.
Ao chegarem na garagem, Bruno já estava a espera deles. Depois de se
cumprimentarem — Yuri apresentou seu pai ao Padre — entraram na baratinha, digo,
no carro e foram para o Park Shopping, onde fica um dos melhores boliches da
América Latina, o Park Bowling.
Durante o caminho, Pedro puxou conversa com Bruno:
— O Yuri me disse que o senhor é, digo, já foi padre.
— Sim, é verdade.
— Mas isso foi aqui no Brasil? — Pedro perguntou por saber que ele era
estrangeiro.
— Não, foi na Alemanha mesmo. Eu nasci lá.
— Alemanha? Interessante!
— Aos 50 anos de idade eu me vi abastado, sozinho e sem nenhum sentido para
viver. Lembro-me como se fosse hoje: sentado num banco de praça refletindo sobre a
minha vida; o que já havia feito pelas outras pessoas; o que havia vivido, as alegrias, as
tristezas. Fiquei sentado ali por horas até que algo me chamou a atenção; era uma
mulher, uma senhora que veio correndo pela rua e entrou em um templo. Percebi que
estava acontecendo um casamento ali. Entrei, sentei-me e assisti à cerimônia. Tantos
rostos alegres, tanta felicidade, aquilo me encheu de alegria. E a figura do padre me
marcou muito, era um homem da minha idade, tão alegre, tão feliz. Bem, eu desejei ser
como aquele homem, decidi me tornar um padre.
A voz do Padre é muito agradável e ele é bom de conversa. E enquanto ele
contava sua história, falando Português com sotaque alemão — muito engraçado por
sinal —, Pedro e Yuri estavam atentos para não perderem nenhum detalhe.
— A vida de todas as pessoas precisa ter um sentido — sentenciou. — Mas se
me permite a pergunta, por que o senhor, já tendo encontrado...
— Por favor, me chame de você.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Diversão
— Ah! Desculpe-me.
— Mas vamos, faça a pergunta, Pedro.
“Ele vai perguntar por que o Bruno deixou de ser padre. Todo mundo pergunta
isso pra ele...” — lembrou-se que o Padre já havia falado a respeito disso quando ele
fez a mesma pergunta.
— Bem, é que eu fiquei curioso. Se você havia encontrado um sentido para
viver, por que deixou de ser padre?
Ele respondeu como se fosse a primeira vez que estivesse respondendo a essa
pergunta; pelo menos, essa foi a minha impressão.
— Depois de ler a Bíblia, meus olhos foram sendo abertos e eu comecei a
discordar de muitos aspectos. Deixei de ver a Igreja Católica como Igreja e passei a vêla como uma organização, uma instituição. Posso dizer que saí de Tiatira e estou à
procura de Filadélfia.
Tanto Pedro como Yuri não entenderam a analogia por desconhecerem o
significado das palavras, porém decidiram não tocar no assunto. Isso inspiraria falta de
conhecimento. Deixariam que o Padre se explicasse, mas ele não o fez.
— Quais aspectos? — Pedro perguntou para dar continuidade ao assunto.
— Sim, como o confessionário, por exemplo. Eu não vi, em nenhum livro da
Bíblia, a figura do confessionário. Só Cristo pode perdoar pecados. E não há remissão
sem derramamento de sangue. Pois bem, se Cristo derramou Seu sangue que é
perfeito, como eu, um homem imperfeito, posso perdoar, redimir alguém? Se uma
pessoa quer pedir perdão e se lavar de seus pecados que ore a Deus e peça por Seu
sangue e misericórdia — levemente exaltado. — Só Ele pode fazer isso por nós.
— Deve ser difícil saber tantas coisas ruins sobre as pessoas e depois continuar
olhando pra elas do mesmo jeito — comentou Yuri.
— Minha paz se transformava em angústia, você tem razão Pequeno Parrot.
Como é mesmo que vocês dizem por aqui? O que os olhos não vêem o coração não
sente? Acho que isso também vale para os ouvidos.
— Mas qual é o sentido para a sua vida agora? — perguntou Pedro.
— Bem, essa experiência me trouxe coisas muito boas. Uma delas foi ter
conhecido meu amado Senhor Jesus Cristo. Ele me deu um sentido para viver.
— Que bom! — disse Yuri.
— E o que te fez sair de um país de primeiro mundo e vir para o Brasil?
— Eu não vejo esse país como um país atrasado. Tudo aqui é maravilhoso,
menos os políticos, é claro! — fez uma pausa, parecia estar pensando no que iria dizer
logo em seguida. — Bem, eu já havia morado no Brasil quando tinha 26 anos.
Trabalhei em uma multinacional durante muitos anos e isso me deu a oportunidade de
conhecer muitos países. E as melhores lembranças, de todos os lugares que eu havia
estado, eram daqui; então, decidi vir atrás das coisas boas que havia deixado aqui.
— Para alguém que esteve há tanto tempo aqui o seu Português é muito bom e
fluente, o sotaque ainda é forte mas é algo totalmente compreensível.
— Danksagung, digo, obrigado.
— Ele tinha um amigo brasileiro lá na Alemanha, pai. Não é?
— Isso mesmo, Yuri. Meu amigo Aurélio me ajudou a desenferrujar meu
Português, além de me ensinar muitas expressões novas.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Diversão
Na medida em que eles iam conversando, Pedro ia dando mais credibilidade ao
que Yuri dissera. O Padre realmente parecia ser uma pessoa muito agradável.
Já com as sapatilhas calçadas e com a bola na mão, Pedro foi interrompido por
Yuri antes de fazer a primeira jogada.
— Não esqueça da nossa aposta.
Pedro apenas riu.
— Só um instante — Pedro foi interrompido novamente. — Vocês fizeram uma
aposta?
“Só falta esse Padre não querer jogar porque eu e meu filho fizemos uma aposta
boba...”
— Eu queria propor uma nova aposta para vocês, o que me diz, Pedro?
Pedro estranhou muito esse seu jeito de agir. Um padre querendo fazer uma
aposta? Não é todo dia que isso acontece.
— Que tipo de aposta?
— Quem ganhar, paga a conta.
— Eu ‘tô fora.
— E você, Pedro?
“Se ele não queria pagar a conta não precisava tornar isso público. Eu ia pagar
de qualquer jeito mesmo e ainda vou.”
— Por mim pode ser — falou com desdém.
Pedro começou com um strike e o Padre também. Eles continuaram empatados
até a terceira rodada. Na quarta, a bola de Pedro caiu na canaleta duas vezes. Já o
Padre continuou com strikes até a sexta rodada. Na sétima ele fez um meio-strike e
continuou com strikes até o fim.
Na hora de pagar a conta, Pedro tentou persuadí-lo, mas não conseguiu. Quem
diria, esse senhor é quase um profissional das pistas.
Depois de lanchar, conversar e jogar fliperama, os três voltaram para casa. Yuri
e Bruno estavam muito felizes e Pedro tinha outra opinião a seu respeito: até que ele
era um velhinho legal.
------------------------Bem, é quinta-feira dia 28, aniversário de Yuri. Como vocês podem imaginar, foi
um dia muito divertido para ele.
Seus avós não puderam vir a Brasília nesse dia, mas telefonaram e disseram que
o presente dele já estava comprado e guardado. Sua mãe ainda estava no congresso em
Goiânia, mas telefonou e mandou um cartão. O Padre não comemora aniversários —
não me pergunte o porquê —, mas mesmo assim deu-lhe um livro de presente, só que
no sábado. E seus pais lhe presentearam com um computador mais moderno, pois seu
Pentium 133 já estava a muito ultrapassado.
Ele tomou café da manhã americano, foi de Ninja para o Sigma e almoçou com
seus amigos no Habib’s. Depois foram ao cinema, tomaram sorvete e por fim patinaram
no gelo. Yuri voltou para casa, fez seus deveres, jogou um pouco de Marvel vs Capcom
e foi dormir preparado para enfrentar o último dia de aula.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Diversão
Os alunos estavam muito contentes naquela manhã de sexta-feira,
principalmente os alunos do terceiro ano. Muitos mataram o último dia de aula e os
que compareceram não viam a hora de chegar a última aula. Mas ainda era hora do
recreio.
Yuri pegou seu lanche. Foi lanchar nas quadras e encontrou Juan que estava
sentado na arquibancada.
— E aí, moleque? Tudo beleza?
— Tudo bem! ‘Tá a fim — ofereceu o lanche.
— Não, valeu. E aí, o que você vai fazer nas férias? Vai viajar?
— Não, eu vou ficar por aqui mesmo. E você?
— Talvez eu viaje, mas só por uma semana.
— Ei, você já assistiu Visions of Escaflowne?
— É um animê, né? Não, não vi. Eu quis assistir quando os otakus aqui do
Sigma passaram no auditório uma vez, mas não deu pra eu vir.
— Uma amiga minha me emprestou os primeiros episódios. Vai lá em casa
amanhã à tarde pra gente assistir.
— Amanhã à tarde? Beleza. Que horas?
— Umas três.
Káris estava andando pelo colégio com sua amiga Gabi. Quando passou do outro
lado da quadra, viu Yuri sentado e acenou. Juan pensou que era uma garota mandando
tchauzinho para ele e acenou de volta.
— Ué?! Você conhece a Káris? — estranhou.
— Quem é Káris?
— A menina que ‘tava acenando pra mim.
— Ah, era contigo? Eu pensei que ela estava me paquerando.
Yuri não agüentou e riu.
— Muito linda essa garota. ‘Tá com sorte, hein?
Yuri não disse nada, apenas observou-a enquanto ela se afastava.
— Moleque!
— O que foi?
— Eu esqueci de fazer um dever de Literatura. Ainda dá tempo — olhou o
relógio. — Vou tentar copiar do Sairo. Falou!
— Tchau!
Yuri ficou ali sentado até o final do intervalo. Pensou em sua mãe que estava
viajando, lembrou-se do passeio no Parque, da ida ao boliche, de como fora divertido o
dia do seu aniversário. Sentiu-se rodeado de pessoas que o amavam e queriam o seu
bem. Lembrou-se também de Samanta.
Seus pensamentos ficaram distantes por alguns momentos e seus olhos
revelavam certa tristeza. Mas algo o fez voltar a si: “Elas alimentarão a sua esperança e
o que você crê poderá se tornar realidade. Creia que você pode...”. Eram as palavras do
Padre.
— É isso! Eu posso. Vou trazer a memória só o que me dá esperança — Yuri
empregou toda a sua determinação nessas palavras.
Duas ou três pessoas tomaram um susto quando o viram falando enérgico e
subitamente para o nada, porém ele não percebeu. Yuri estava pensativo novamente. O
que o Padre saberia para lhe dizer: “o que você crê pode se tornar realidade”? Gastou
«36»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Diversão
algum tempo tentando entender o motivo para essas palavras, porém o sinal gritou
estridentemente quebrando a linha de seus pensamentos.
Então. Yuri se levantou, encheu o peito de ar e abriu um largo sorriso no rosto.
Naquele momento, ele não precisava entender, bastava-lhe apenas crer. E foi
exatamente isso o que ele fez.
Já com olhos esperançosos, voltou para a sala, mais duas aulas e estaria de
férias.
Os dois horários seguintes passaram rápido. O sinal gritou novamente
anunciando a alforria dos alunos por três semanas, era o início das férias de julho.
— Cara, eu ‘tô com muita fome — reclamou Takashi.
— Eu comeria um chocolate agora.
— Eu ‘tô a fim de passar lá na lanchonete e pedir um enrolado de queijo.
— Então vamos, assim eu compro o meu chocolate.
— Tchau meninos! Boas férias pra vocês.
— Pra você também, Káris — smach.
— Tchauzão, Ay — smach. — Eu te ligo pra gente combinar de fazer alguma
coisa já que nenhum de nós três vai viajar.
— ‘Tá bom. Tchauzinho!
— Ei, Takashi? O que a gente vai ficar fazendo até meio-dia e cinqüenta? — os
garotos estavam esperando por Semp, pois iam almoçar juntos. — Eu pensei em ir para
a biblioteca e navegar na Internet, mas...
— ‘Tá a fim de jogar xadrez?
— Você trouxe?
— É pequeno, mas dá pro gasto.
— Legal!
Depois de comprar os artigos mais nutritivos da lanchonete os garotos sentaramse a sombra da guarita do estacionamento para jogar. O Sigma têm seis saídas: uma
não está em funcionamento; outras duas são entradas para os estacionamentos
internos; uma saída frontal com guarita e duas saídas laterais que dão para o
estacionamento externo; uma com guarita e outra próxima aos laboratórios.
O jogo estava muito disputado e eles nem perceberam o tempo passar. Acabou
em empate: Yuri com um bispo e um pião promovido a rainha, e Takashi com uma
rainha e um cavalo.
O último sinal tocou.
— Já!? O tempo passou tão rápido.
— Foi mesmo. Nem notei. Yuri, você guarda o jogo pra mim enquanto eu vou ao
banheiro?
— ‘Tá. Vou esperar no carro do seu pai.
Juan estava saindo do colégio quando avistou Yuri guardando as peças de um
jogo de xadrez. Depois de acabar os últimos testes — ufa!— estava voltando para casa
feliz por estar de férias.
— Ué? Ainda ‘tá aqui?
— A gente ‘tá esperando o pai do Takashi.
— O professor de Química, o Toshi?
— Ele mesmo. E aí, o seu amigo te emprestou o dever?
— Claro. O Sairo é gente finíssima — elogio Juan.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Diversão
Yuri lembrou-se da fisionomia de Sairo: um cara alto e magrelo. Não pôde evitar
a risada.
— O que foi?
— Nada. Eu lembrei uma coisa engraçada.
— Hum! — desconfiado.
Um garoto loiro de aparência familiar passou por Yuri e o olhou como se o
conhecesse. Yuri não reconheceu nem a ele nem a garota que o acompanhava.
— Tchau! — disse Juan, porém nenhum dos dois respondeu.
— Quem era?
— Aquela é a Kirsten. Na verdade o nome dela é Camila, mas como ela é muito
parecida com a atriz Kirsten Dunst, a gente apelidou ela de Kirsten.
— Não, eu queria saber quem era o garoto que estava com a sua amiga. Você
conhece?
— Ele é da minha sala. Um barãozinho. Só pra você ter uma idéia, outro dia
houve um mal-entendido e os dois — deu bastante ênfase com os dedos — choferes
vieram buscá-lo. Sem falar que ele é o dono daquela Suzuki azul que fica estacionada
ali fora. A família dele tem muita grana — concluiu o óbvio.
— E qual é o nome dele?
Rodrigo se despediu de sua amiga Kirsten e entrou no carro, um Gol turbo prata.
Yuri observava.
— Rodrigo. Eu até achei estranho ele re-reaparecer hoje.
— Como assim “re-reaparecer”?
— Ele deu sumiu quando a ex-namorada dele morreu. O pessoal fala por aí que
ela morreu assassinada — sussurrou. — Depois ele voltou a assistir as aulas. ‘Tava um
pouco estranho, sabe?
— Entendo.
— Quando a Samanta se suicidou, lembra que eu te contei outro dia? Então, ele
sumiu de novo. E hoje ele resolveu re-reaparecer. No último dia de aula.
— Vai ver ele ‘tá querendo superar tudo isso.
— O pessoal falou que ele ‘tá fazendo terapia. Mas de qualquer forma é
estranho ele aparecer por aqui no último dia de aula.
Assim que Juan disse isso, Yuri percebeu porque a figura de Rodrigo era tão
familiar. Ele lembrou-se que já havia visto os dois, umas duas vezes, estudando juntos
na sala de estudos.
— Já o namorado da Samanta, amigo dele, é que desapareceu de vez. Não vem
desde que ela morreu; perdeu todos os testes. Dizem que ele ‘tá na casa dos avôs no
Rio Grande do Sul.
— Então esse Rodrigo e Samanta eram amigos?
— Acho que a Samanta pensava assim, mas ele não.
— Não entendi.
— Ele era apaixonado por ela. Só que tinha um problema. Ela era a namorada
do melhor amigo dele, Guilherme.
— Hum... E essa Kirsten?
— Linda, você não acha?
— Não, eu ‘tava falando da atriz. Ela é boa atriz? Nunca ouvi falar dela.
«38»
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Diversão
— Ah! A atriz. É linda também. Ela até que atua bem, mas não me lembro de ter
visto nenhum filme bom com ela.
— Cara, eu tenho de ir. O Takashi já deve estar me esperando.
— Então, falou!
— Tchau! Ah! não esquece. Amanhã às três lá em casa.
— Beleza!
Yuri saiu correndo; bem, pelo menos tentou, mas não conseguiu. Havia muitos
alunos no portão. Quando conseguiu vencer a correnteza, agora sim, saiu correndo.
Semp e Takashi já estavam esperando por ele no carro, um Peugeot 206 preto, quatro
portas, com bancos de couro e ar condicionado — uau! Isso é que é carro.
Em comemoração ao início das férias, Toshi deixou os garotos decidirem onde
eles iriam almoçar. Depois de pensarem em mais de dez restaurantes resolveram ir a
uma lanchonete. Escolheram o Bob´s, onde se faz o melhor Milk Shake de Brasília.
À tarde, os garotos jogaram video-game na casa de Yuri: Tomb Raider: The Last
Revelation; Gran Turismo II; Tony Hawk’s II; Final Fantasy VIII — assistiram a abertura
e enfrentaram a Feiticeira novamente...
Pedro chegou em casa por volta das três, morrendo de dor. Ele fora jogar tenis
com um amigo e estava quebrado. Tomou um banho e só levantou da cama para ir
buscar Chris no aeroporto à noite.
Na manhã seguinte, Yuri e Takashi estavam juntos novamente. Sentados na
frente do monitor, eles assistiam ao trailler de Final Fantasy: The Spirits Within
baixado da Internet na noite anterior.
Enquanto eles assistiam ao vídeo, o porteiro tocou a campainha da sala. Ele
trazia uma caixa para Yuri deixada por um taxista de sotaque português e de pouca
educação. Mas um, digamos assim, acidente aconteceu. Uma súbita e incontrolável
dor de barriga tomou conta do porteiro, que largou a caixa sobre o tapete e saiu
correndo o mais rápido que pôde. Não me pergunte se ele chegou a tempo no banheiro
porque eu não fui atrás para conferir. Óbvio.
Dentro da caixa havia uma carta e um molho de chaves: eram do apartamento
do Padre. Ele explicou na carta que precisara viajar a negócios e deixou a chave para
Yuri poder cuidar de seu papagaio e, também, para pegar seu presente de aniversário,
o que deu força a idéia maluca que Yuri tinha em mente; investigar a morte de
Samanta.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
H.P. Invesiga
«SETOR 05»
H.P. Investiga
— Interessante, né? Um mundo de aparência medieval onde os reinos misturam
tecnologia com magia.
— É verdade. Esse animê é dos bons. A única coisa que eu não gostei foi dos
narizes exagerados. Fora isso, nota dez.
— Alto nível, como diz o Reynaldo‘¹’ — Takashi e Yuri ficaram sem entender a
quem se referia. — Agora quero ver os outros 20 episódios. Muito bom!
— Tenho de agradecer a Lua. Ela foi muito gente fina me emprestando esse
animê.
— Tua amiga não tem os outros episódios pra te emprestar? — perguntou Juan.
— Ter, até que tem, mas os animês são, na verdade, do irmão dela. Aí fica meio
chato ficar sempre pedindo porque ele não gosta muito de emprestar as fitas. Eu só
peguei essa porque ela me ofereceu. Acho que o irmão dela deve ter viajado...
— Eu até queria comprar essa série, mas a BAC‘²’ fechou as requisições. Não sei
porquê.
— Por que você não encomenda de outro clube? Na Internet tem vários —
sugeriu Takashi.
— Eu não confio muito em negócio via Internet, já tomei calote uma vez.
“Que tipo de negócio ele deve ter feito na Internet? Será que ele comprou ar puro
do Himalaia ou foi gelo da Patagônia?” — debochou mentalmente, o japonês.
O telefone tocou:
— Alô?
— Oi, Yuri.
— Ay! Tudo bom?
— Tudo bem. Olha, o que você vai fazer agora à tarde?
— Bem, eu ainda não sei. O Takashi, o Juan e eu acabamos de assistir a um
animê.
— Vocês gostam mesmo de animê, né?
— Pode crer. Mas a sua irmã não fica atrás da gente não, hein? Se bobear, ela é
mais otaku que a gente.
— Concordo. Ei! Já que vocês não vão fazer nada, ‘cês não ‘tão a fim de vir aqui
em casa ver um filme que a minha irmã alugou?
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H.P. Invesiga
— Filme? Legal! Mas qual é?
— Sem Sentido. Você já viu?
— Não. Tem algum ator famoso?
— Tem o carinha que fez O Sexto Homem.
— Então é comédia?
— É. Minha irmã já assistiu a uma parte e morreu de rir. E aí? Vocês vêm?
— Eu vou chamar o pessoal aqui, mas acho que a gente vai sim. Se a gente não
for eu te ligo.
— ‘Tô esperando vocês, então. Beijinho.
— Tchau, beijo.
Takashi foi logo perguntando:
— A Káris te chamou pra ver um filme?
— Ela chamou nós três. Vocês querem ir?
— Qual é o filme? — perguntou Juan.
— Sem Sentido.
— Esse eu já vi. Não é aquele do molequinho que vê fantasmas?
— Ele disse “Sem Sentido” e não “Sexto Sentido”.
— Ah! Sem Sentido. Esse eu ainda não vi.
— É uma comédia. Parece ser muito engraçada.
— Eu topo.
— E você Juan? Vai fazer alguma coisa agora à tarde?
— Não. Graças a Deus, depois dessa última semana de testes, eu não tenho mais
nada pra fazer. Também topo, ainda mais, porque é na casa daquela loirinha sua amiga
— segundas intenções.
— Então vamos que ela está esperando.
Takashi foi chamar o elevador enquanto Yuri procurava a chave de casa. Ele
sempre larga a chave em qualquer lugar e depois não se lembra onde deixou.
— Essa porta anda sempre aberta. Eu já falei pro Yuri que é mais seguro fechar,
mas ele não me escuta.
— Relaxa, Tashi. Esse prédio é bem seguro.
— Takashi! Meu nome é Takashi! Ouviu? Takashi. Ta-ka-shi. Takashi!
— Achei! — chegou quebrando o clima de briga. — ‘Tava atrás do monitor. Só
queria saber como essa chave foi parar lá.
— Você a deixou lá, é óbvio — o seu amigo japonês respondeu rispidamente.
— Desculpa por eu ter perguntado — ironizou.
— Foi esse seu amigo que me irritou. Mas deixa pra lá. Desculpa, aí.
— Eu sou uma pessoa muito boa. Eu te desculpo sim — falou Juan com um tom
orgulhoso.
— Eu pedi desculpa pro Yuri, seu pacó... Ah! deixa pra lá. Você não ia entender
mesmo.
Yuri pensou que não fora uma boa idéia ter chamado os dois. Takashi não tinha
muita paciência para lidar com Juan.
O elevador chegou ao sexto andar com duas pessoas dentro. Juan não notou e
abriu a porta para os garotos entrarem.
— Ah, rapaz! Foi por isso que o elevador subiu sem eu ter apertado nenhum
botão.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
H.P. Invesiga
filme.
— Tudo bem, Pedro? Olá, Chris! — Takashi já estava mais calmo.
— Oi! Aonde vocês vão, meu filho?
— A gente ‘tá indo na casa da Káris, mãe. Ela chamou a gente pra assistir a um
— Hã!... Oi, Juan. Eu nem te vi aí atrás da porta.
Juan estava paralisado. Parecia ter visto uma deusa: boca aberta, olhos
arregalados, impressionado.
— Yuri?
— Eu, mãe.
— Traz o balde.
Todos riram; menos o boca-aberta, que não entendeu a brincadeira.
— Então vai lá, filhão. Bom filme pra vocês.
— Tchau, pai. Tchau, mãe!
O prédio de Káris fica na quadra ao lado, na 215. O apartamento é de três
quartos, igual ao de Yuri; porém, não há um escritório já que moram quatro pessoas na
casa. À noite tem-se uma ótima vista do Eixão bem iluminado e do céu limpo e
estrelado de Brasília.
Yuri tocou a campainha do 400. Uma mulher de longos cabelos loiros,
aproximadamente 20 anos, vestindo calça Jeans e camisa babylook pretas abriu a
porta.
— Hello, boys!
— Oi, Wina! — smach.
— Tudo bem?
— Of course, Takashi-chan— smach.
— Olá!
— Então você é o Juan? — smach.
— Eu mesmo — vermelho.
Wina da Silva Fernandes: irmã de Káris. Muitas vezes ela tem atitudes
estranhas; porém, nunca se importou muito com o que as outras pessoas pensam a seu
respeito, ela é muito segura de si. Seus olhos verdes conquistaram inúmeros corações,
mas no momento ela está sem namorado — não adianta que eu não dou o telefone
dela. Aos 20 anos de idade já leu muito mais de 300 livros (quando eu parei de contar
ela tinha 16 anos e já havia lido 237 livros). Seus hobbies são a Língua Inglesa,
desenhos animados e, claro, os livros. Estuda Relações Internacionais na UnB e adora
a culinária chinesa. Um dia gostaria de colocar a mochila nas costas e sair viajando
pelo o mundo por conta própria.
— Oi, Ay! Como você ‘tá? — abraço e beijos.
— Muito bem. E você?
— Melhor do que nunca.
— Uau! Que bom!
— Oi, Káris!
— Oi, Tk! — abraço.
Juan foi cumprimentá-la com um beijo, mas Káris limitou o cumprimento a um
aperto de mãos.
— Sabe, agora, que eu ‘tô te vendo mais de perto, você me lembra muito a
Sakura. Se você tivesse cabelo mais escuro seria idêntica.
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— Sakura?
— Não te disse, Ay?
— Que Sakura é essa? É uma garota lá do Sigma?
— Sakura Kinomoto, a cardcaptor‘³’, Ay.
— Eu sabia, só podia ser uma personagem de animê.
— “Ai, ai, ai Yukito!”
— E o prêmio para melhor intérprete vai para: Wina da Silva Fernandes. Uma
salva de palmas, minha gente.
— Obrigada, obrigada — curvando-se em agradecimento às palmas e assobios.
— Ei, ‘peraí! — quebrou o clima da brincadeira. — Seu nome é Wina com “U”
ou com “V”?
Káris saiu da sala.
— Na verdade, caro Juan, é com “W”— respondeu pela centésima vez — mas
pode me chamar como preferir: Uina, Vina, da Silva, Fê, Nandes...
Aquele silêncio chato, que às vezes dá as caras, resolveu aparecer na sala. Mas
Wina tratou de expusá-lo:
— Então, vocês estavam assistindo a um animê?
— Isso. A gente viu Visions of Escaflowne. Muito fera! Você já deve ter visto, né?
— Já, mas legal mesmo é Detonator Orgum. Vocês já viram esse?
— Eu já — disse Juan. — Era um dos animês da série U.S. Mangá que passou na
Rede Manchete há alguns anos.
— Eu não conheço.
— Eu também não.
— It’s awesome! No futuro — começou a contar a história — um grupo de
astronautas viaja em uma missão para o espaço, mas por algum motivo que eu não me
lembro eles entram por uma fenda espacial que joga o grupo em um lugar muito
distante.
— Aí — Juan se intrometeu — eles ficam superinteligentes e projetam corpos
robóticos para sobreviverem no frio do espaço. Conservam apenas o cérebro e a
medula.
— Mas uma componente do grupo foi mantida intacta dentro de uma redoma.
Eles regressam para a Terra, mas...
— Eles vêm destruindo todas as civilizações que existem pelo caminho. E
depois de uns 300 anos os primeiros robôs começam a chegar.
— Sim, mas antes disso um deles se rebela contra o grupo, esse é o Orgum. Ele,
então, manda para a Terra todos os dados de como construí-lo. Mesmo não sabendo a
origem dos dados, o robô é construído em segredo. Um dia quando o descendente do
Orgum está sendo atacado por um dos robôs, o Orgum da Terra se move sozinho e voa
para defendê-lo.
— Aí os dois se fundem e começam a lutar para proteger a raça humana. Muito
doido!
— Uau! Muito fera!
— Agora eu fiquei com vontade de assistir.
Um cheiro de cinema entrou na sala: Káris veio da cozinha com duas vasilhas
cheias de pipocas.
— Hein, gente!? Bora ver o filme — sugeriu.
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— Vamos.
O filme realmente é muito divertido. Todos riram muito, mas ninguém riu tanto
quanto Juan. O cara teve até de sair correndo para o banheiro senão ele fazia xixi nas
calças de tanto rir.
Assim que o filme acabou, quase todos foram embora. Juan pegou uma carona
com sua mãe, que estava passando por ali; Takashi foi para casa pesquisar na Internet
sobre Detonator Orgum. Wina havia saído, no meio do filme, para ajudar uma amiga a
terminar um trabalho para nota da faculdade e Yuri, bem, Yuri ficou um pouco mais.
— O filme foi dez. Muito obrigado pelo convite e pela pipoca, ‘tava tudo muito
bom — despediu-se com um aperto de mãos.
— Que isso, Juan! Não foi nada.
Takashi acenou um tchau para os dois que ficavam.
— Tchau, Tk.
— Falou Takashi. Amanhã a gente combina de fazer alguma coisa juntos.
Yuri não tinha nada para fazer naquele final de tarde e resolveu ficar um pouco
mais.
“Hummmmmm!!!!!” — não é nada disso que você pensou; embora tenha até
rolado um clima, não aconteceu nada. Ainda.
Káris fechou a porta, pegou uma almofada que estava no chão e deu-lhe uma
almofada:
— Isso aqui ‘tá uma bagunça, Yuri. Você podia me ajudar a arrumar, né?
— Claro!
A sala transformou-se em um campo de batalha. Os sofás eram as bases e as
almofadas, a munição. Depois da munição voar de um lado para o outro e quase
destruir alvos inocentes como o jarro de flores e os enfeites da mesa de centro, eles
decidiram partir para o confronto físico. Cada um sacou suas almofadas e começaram
a luta. Mais pareciam duas criancinhas de 9 anos a dois adolescentes brincando. Após
a batalha o campo estava coberto de penas, espumas e várias almofadas feridas —
coitadas!
— Já fazia muito tempo que a gente não brincava disso — sorridente.
— Teve ter no mínimo uns 5 anos. Mas que bagunça Yuri. Tudo culpa sua —
almofadada.
— Com certeza — ironizou.
— Vem — estendeu a mão. — Vou te mostrar uma coisa.
Eles foram para o quarto de Káris, o reino encantado dos bichos de pelúcia — o
ursinho Pooh que Yuri não reconheceu era mais um presente de um de seus
admiradores.
Yuri sentou-se na cama enquanto Káris pegava algo no armário. Era um bloco de
notas com muitas folhas pálidas feito artesanalmente. As capas, de veludo azul vivo,
decoradas com minúsculas conchas do mar, traziam o nome de Káris escrito em
pedras multicoloridas.
— Olha! Não é o máximo? — sentou-se ao seu lado na cama.
— Uau! É, mesmo. Quem te deu?
— Meu avô. Ele não é um artista?
— E põe artista nisso.
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— Quando minha irmã tinha 14 anos meu avô fez um desses pra ela. E me
prometeu que faria um igual pra mim quando eu também fizesse 14.
— ‘Peraí ! Seu aniversário não é em março, dia 28?
— O meu avô estava doente e não pôde fazer a tempo para o meu aniversário.
— Hum! Posso abrir?
— Claro que pode!
— Eu perguntei porque nenhuma garota gosta que leiam o seu diário.
— Não tem nenhum problema. Eu ainda não escrevi nada. Estou esperando algo
interessante acontecer pra estreiá-lo.
Yuri deu uma folheada no diário, elogiou mais uma vez, fechou-o e devolveu.
Ficou em silêncio por um momento olhando para os olhos de Káris. Percebeu que ela
estava um pouco sem graça, então desviou o olhar. Não conseguiu falar o que queria.
— Ué!? Você ‘tá lendo um livro grosso? — surpreendeu-se.
— Que livro?
Yuri apontou para O Xangô de Baker Street que estava em cima da escrivaninha.
— Ah! Esse aí. Eu ainda não comecei a ler. Minha irmã quer, por tudo, que eu
ganhe gosto pela leitura e me emprestou esse livro pra eu ler nas férias. Ela disse que é
muito engraçado.
— Sua irmã adora esses livros grossos, não é?
— Você não viu o último que ela comprou. Tem 2000 páginas.
— Duas mil!? — impressionado.
— Isso mesmo. Um cara que ela conheceu na academia onde ela malha; acho
que ele até chegou a dar uma cantada na minha irmã, mas bem, isso não importa.
Acho que você conhece ele. Como é o nome? Guilherme. Ele é o namorado daquela
sua ami... — Káris se arrependeu de ter tocado no assunto.
— Conheço de vista. A gente nunca se falou.
Dada a reação aparentemente natural de Yuri, ela, mesmo arrependida, decidiu
concluir:
— Daí, ele indicou o livro pra ela. Chama-se Musashi.
— Ah! Musashi, eu já ouvi falar. Não é um romance que conta a história de um
samurai?
— Acho que sim.
— Foi a Wina que me incentivou a ler também. Primeiro ela me emprestou O
Dia do Chacal. Eu li e gostei. Depois me emprestou O Quarto Protocolo; depois, aquele
Agatha Christie — Yuri calou-se de repente.
— Eh! Ela adora ler.
— Eu contei que o Bruno me deu um Agatha Christie hoje?
— Não. Presente de aniversário?
— Foi. Ele disse na dedicatória, resumindo, que eu deveria correr atrás daquilo
em que acredito.
Por alguns segundos, Yuri olhou profundamente para os olhos verdes de Káris.
Ele sabia que ela era a sua melhor amiga e que o conhecia muito bem. Sabia também
que poderia confiar no que ela dissesse. Precisava de um conselho.
Ela sentiu algo muito estranho naquele olhar, algo diferente de tudo o que já
havia visto antes nos olhos dele. Por mais que tentasse, não conseguia deixar de olhar
seus olhos castanhos. Seu rosto ficou vermelho de vergonha e, bem, é melhor deixar a
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própria Káris descrever o que ela sentiu. Talvez eu não consiga narrar tão bem quanto
ela. Mas se ela souber que eu li o diário dela...
“Por quê? Por que eu me sinto assim? Foi apenas um olhar entre
tantos outros. Yuri sempre falou com os olhos. Mas por que eu não
consegui desviar os meus olhos daquele olhar? Por quê? Eu sou mesmo uma
tonta porque ele não estava apaixonado por mim e eu cheguei a achar até que
ele falou... Mas se ele não sente algo assim por mim, por que eu sinto isso
por ele? E pior, por que eu não consigo deixar de sentir? Acabei me
apaixonando pelo meu melhor amigo. Por quê? ”
— Ele disse na dedicatória que Hercule Poirot iria me incentivar a investigar.
Finalmente, Yuri falou o que queria ter dito naquele primeiro momento quando
olhou para ela. A menina dos verdes olhos, porém, ficou emudecida, olhando-o.
— Ay? — balançou a mão como que desembaçando a vista de Káris.
— Eu!
— Você ouviu o que eu disse?
— Você disse alguma coisa?
— ‘Tô te chateando, né? É melhor eu não falar sobre isso então.
— Não, não. É que eu me desliguei. Desculpa. Mas o que foi mesmo que você
disse?
— Você quer mesmo ouvir porque...
— Quero. Claro que quero.
— Bem, eu disse que o Bruno me deu um Agatha Christie e na dedicatória ele
escreveu que Hercule Poirot iria me incentivar a investigar.
— Investigar?... Investigar o quê?
— Ay, eu ‘tô com uma idéia maluca na cabeça e acho que o Bruno acabou
percebendo, mesmo sem eu dizer nada. Eu queria sua opinião.
— Minha opinião? E que história é essa de investigação?
Yuri respirou fundo e falou de uma vez:
— Eu queria investigar a morte da Samanta.
Káris ficou calada, não sabia o que dizer. Ela nem acreditou no que acabara de
escutar.
— Eu sei que parece um pouco estranho, mas eu não creio que ela fosse capaz...
Eu acho que talvez tenha sido um acidente ou, quem sabe, não foi um assassinato? —
Yuri fez uma pausa e olhou bem nos olhos verdes de Káris. Ela continuou calada. — E
então? Não vai me dizer nada?
A menina dos verdes olhos agora revelava neles a confusão que estava em sua
mente: primeiro, aquele olhar estranho; depois, essa idéia maluca de ... investigar um
suicídio? Ele devia gostar muito dela, por isso se recusava a aceitar.
— Você gostava muito dela, não é?
Yuri não respondeu.
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O que ela poderia dizer: “‘Tá brincando, né?”, mas ele estava falando sério, não
era nenhuma brincadeira. Talvez perguntar por que ele, um garoto de 13 anos, queria
saber mais sobre uma coisa dessas. “A resposta é obvia” — pensou. Não tinha mais
paciência para pensar em nada. Aquele olhar não saia da sua cabeça. Falou a primeira
coisa que veio à mente.
— Vai em frente!
— Sério?!
“Meu Deus! O que eu ‘tô dizendo? Eu incentivei ele a ir em frente com essa idéia
maluca. O que eu ‘tô fazendo? Essa não sou eu. Ele pode se decepcionar mais ainda e
eu vou ser a culpada...”
— Bem, o que eu quis dizer é que...
Yuri inesperadamente deu-lhe um abraço envolvente.
— Muito obrigado, Ay. Eu sabia que você ia me entender.
Ela sentiu-se feliz por causa do abraço tão carinhoso, mas também sentiu
vergonha.
“Droga! Agora como eu vou voltar atrás no que eu disse. Sua tonta! Faça alguma
coisa.”
— Yuri?
— Sim?
— Você não acha que isso é... é... um assunto muito delicado? — Ele balançou a
cabeça. — Você pode acabar ficando muito triste.
— É verdade, eu já pensei nisso. É por isso que tenho uma proposta pra você.
— Como?
— Eu quero que você investigue comigo porque se eu começar a me entristecer
você me faz desistir disso.
“Investigar. Ele ‘tá falando como se ele fizesse isso todos os dias. Por onde anda a
sua mente, Yuri? Ela era assim tão importante pra você não querer acreditar? E eu?...
Só quero ver no que isso vai dar...”
— ‘Tá certo.
------------------------— Tk?
— Káris? Tudo bem?
— Mais ou menos.
— Mais ou menos? Era só uma pergunta retórica, mas já que você me confessou
que está com um problema eu quero ajudar. Conta aí, o que ‘tá te incomodando?
— Ai, Tk! Acho que quem está com problemas não sou eu e sim o Yuri.
— O Yuri?
— Ele, hoje, veio com um papo estranho sobre investigação.
— Investigação?
— Eu acho que ele ‘tá na mor deprê e ‘tá escondendo isso da gente.
— O Yuri deprimido? — Takashi buscou rapidamente na memória algum
motivo que fizesse Yuri se sentir assim. Lembrou-se de um — Ah! Você ‘tá falando da
Samanta? Pode ficar tranqüila, ele já superou isso.
— Eu não tenho tanta certeza disso.
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— Pode crer que sim. Ele não estava feliz no dia do aniversário dele? E aquele
passeio no Parque que ele fez com o Pedro? Ele me disse que se divertiu muito. O
boliche também. Ele se distraiu bastante, eu acho que ele já esqueceu.
— Não esqueceu não.
— Me conta isso direito porque eu não ‘tô entendendo nada. E que lance é esse
de investigação?
— Hoje, depois que vocês foram embora, o Yuri me falou que ganhou um livro
do Padre.
— Esse Padre! Só podia ser. Ele e o Yuri estão cada vez mais próximos e isso
não é bom.
Káris não deu muita atenção ao que Takashi acabara de dizer e continuou:
— Depois ele veio com um papo de investigar a morte dessa Samanta.
— Investigar a morte da Samanta? — estranhou.
— Eu também estranhei muito. Depois ele disse que não acreditava que fosse
um suicídio, que poderia ser um acidente ou até mesmo um assassinato.
— Sério? Ele disse que poderia ser um assassinato?
— Foi. E ele queria minha opinião. Sabe? Ele queria saber se devia ir em frente
com isso ou não.
— O que você disse?
— Disse que ele devia ir em frente.
— Sério? Não ‘tô acreditando. Káris, ele pode ficar mais pra baixo ainda.
— Eu não sei o que deu em mim pra eu concordar com isso. E agora ‘tô
superpreocupada com ele. O que eu faço, Tk?
— Não sei, talvez se a gente falasse com ele ...
— Eu vou me sentir tão culpada se... — Takashi a interrompeu.
— Ele chamou você pra ir na casa dele amanhã à tarde?
— Chamou sim. Por quê?
— Então, amanhã a gente senta e conversa tudo com ele.
— Eu ‘tô muito preocupada, Tk. Você acha que ele vai dar razão pra gente?
— Fica tranqüila. Vai dar tudo certo. Amanhã, a gente vai falar com ele e ele vai
entender. Não se preocupe.
— ‘Tá bom, então. Obrigada pela força, Tk. Valeu mesmo.
— Que nada! Amanhã a gente se encontra então.
— Então, tchau.
— Tchau! E não se esqueça, vai dar tudo certo.
Takashi desligou o telefone e começou a considerar a respeito dessa vontade de
Yuri. “‘Tá na cara que ele foi influenciado” — pensou. Ele sabia que aquela dedicatória
era estranha demais. O que o Padre queria dizer? “Vá em frente, investigue o suicídio
da sua amiga?” Que tipo de amigo faria uma coisa dessas? Havia algo em Bruno que
Takashi não conseguia compreender e a sua idéia de que essa identidade de Padre era
falsa ganhava cada vez mais força.
------------------------— Pêmrhhh!
Yuri levantou-se de um salto e foi abrir a porta. Do outro lado, um garoto de
olhos puxados, que não agüentava mais o calor e a secura de Brasília, se abanava.
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— Um domingo quente como esse e eu aqui nessa cidade — indignado. —
Como eu queria estar numa praia agora — desejou.
— É verdade. E o pior é esse tempo seco. O meu nariz já sangrou hoje.
— Acontece. Fora isso ‘tá tudo bem?
— Tudo.
O japonês entrou, cumprimentou Káris que estava sentada no sofá e tomou
assento ao lado dela, próximo ao ventilador. Yuri veio e sentou-se no outro sofá,
ficando de frente para eles. Ela deu uma olhada para Takashi como que dizendo: “Fala
com ele, Tk.”. Mas quando ele estava para abrir a boca e dizer alguma coisa, o dono da
casa o interrompeu:
— Espera só o Juan chegar que a gente começa.
— Eu pensei que éramos só eu e o Takashi. Você chamou o Juan também?
— Pêmrhhh!
— Deve ser ele.
Yuri abriu a porta, era Juan.
— Fala, moleque.
— Entra, Juan. Tudo bem?
— Tudo. Oi, pessoal!
— Olá — descontente.
— Oi —chateada.
Juan percebeu que a cara dos dois não era nada amigável. Mas ele não se
importou com isso. Já havia aprendido a superar a falta de amigabilidade — existe essa
palavra? — com que as pessoas o tratavam às vezes.
— Takashi, ‘tá tão quente! Você não ‘tá com sede?
Káris olhou para ele, como que dizendo: “Vamos na cozinha.”.
— É verdade. Vamos tomar um copo de água — se levantaram.
— Vocês querem água? Pode deixar que eu trago.
— Não, a gente mesmo pega. Não é, Káris?
— Isso. Fica aí conversando com o Juan.
— Então, ‘tá — sentou-se.
Já na cozinha eles conversaram em sussurros:
— E agora, o que a gente faz? Eu não sabia que o Juan vinha.
— Não sei. Talvez seja melhor a gente falar quando ele for embora.
— É melhor mesmo porque o Juan não precisa ficar sabendo disso.
— Verdade. Me passa um copo, por favor.
Káris estranhou.
— O que foi? ‘Tá calor, eu ‘tô realmente com sede.
Na sala, os dois conversavam sobre os planos para as férias. Juan disse que iria
viajar no dia seguinte por uma semana; ia para a casa dos seus tios em Recife. Yuri
disse que provavelmente ficaria em Brasília e no máximo iria para a chácara do seu
avô. Takashi entrou na sala interrompendo a conversa:
— Qual filme a gente vai assistir?
— Antes da gente ver o filme, eu queria falar uma coisa com vocês — disse Yuri.
— Sobre o quê? — perguntou Takashi.
“Tomara que não seja nada do que a gente conversou ontem lá em casa...” —
desejou Káris.
«49»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
H.P. Invesiga
— Sobre o Maníaco do Parque.
— Maníaco do Parque? Não vai me dizer que você descobriu quem ele é? —
brincou Juan.
— Ainda não.
— Como assim “ainda não”? — Káris estranhou.
— Deixa eu explicar desde o começo. O meu tio trabalha na polícia. Acho que
vocês já sabem, né? Menos o Juan. Bem, eu descobri que ele está investigando o
Maníaco do Parque e, por acaso, acabei sabendo de um monte de coisas que os jornais
não falaram. Várias informações novas sobre o caso.
— Sério? E o que seu tio disse? — Takashi se interessou.
— Antes de eu contar, vocês têm de me prometer que não vão falar nada pra
ninguém, ninguém mesmo...
Káris o interrompeu.
— Vamos falar de outra coisa, Yuri! Isso é muito...
— Ah, não! Deixa ele falar, eu quero ouvir — replicou Juan.
Káris não gostou de se interrompida. Realmente não queria falar sobre isso.
— Vocês prometem?
— Eu prometo — respondeu Juan.
— Eu também — disse Takashi.
— Eu vou embora — Káris se levantou decidida.
— Por favor não, Káris.
— Eu acho desnecessário ficar aqui ouvindo isso. Esse Maníaco acabou com a
vida de no mínimo três mulheres e vocês ficam aí, se divertindo, como se isso fosse
uma brincadeira! ‘Tá certo que eram mulheres da vida, mas isso não justifica. Tchau,
Yuri; vou embora.
— Por favor, fica.
Káris balançou a cabeça dizendo não.
— Não eram prostitutas.
— O quê?
— As mulheres que morreram, Ay, não eram prostitutas. Eram garotas comuns
de classe média.
Todos se impressionaram com essa revelação. Garotas de classe média? Mas os
jornais haviam dito...
Mesmo assim, Káris não desistiu de ir embora. Estava determinada. Yuri, então,
se pôs na frente dela para impedí-la de chegar à porta.
— Yuri, por favor.
— Você não pode ir.
Káris colocou as mãos na cintura e olhou aborrecida para ele.
— E por que não?
Yuri olhou bem nos olhos verdes dela como que pedindo que simplesmente
cresse nele; porém, Káris não o entendeu e ficou até um pouco sem graça por causa do
olhar.
— Yuri, se você é realmente meu amigo me deixa passar.
— Você vai quebrar a promessa que me fez ontem?
— Aquilo não tem nada a ver com isso.
— Samanta foi uma das vítimas do Maníaco do Parque, Ay. Ela foi uma vítima.
«50»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
H.P. Invesiga
A expressão no rosto de Takashi revelava surpresa. De onde Yuri tirara essa
idéia maluca? Juan em nada se alterou. Continuou sentado, observando a situação,
realmente não se surpreendeu.
— Yuri!
— Isso mesmo, Ay — segurou os ombros de Káris. — Samanta foi uma das
vítimas.
— Você está maluco ou o quê? A gente sabe que você gostava muito dela, mas
isso já é demais, Yuri. Achar que a sua amiga foi violentada e morta cruelmente só pra
não acreditar que ela mesmo se matou? O que ‘tá acontecendo com você, cara? —
Takashi estava preocupado.
— Quem disse que o Maníaco violentava as vítimas? — indagou Juan.
— Ora, quem disse! Os jornais. Nem isso você lê? — Takashi perguntou como se
fosse comum para os adolescentes lerem jornal.
— Sim, eu li. Também vi as reportagens da TV. Mas e daí?
— Como assim, “e daí”?
— O que ele ‘tá tentando dizer é que o Maníaco não faz tudo o que os jornais
dizem, Takashi. E o Juan ‘tá certo, o Maníaco não violentava as vítimas.
— ‘Cê ‘tá brincando. Então, ele é chamado de Maníaco porquê? Por que é
fashion? — ironizou.
— Olha, eu sei que tudo parece loucura, mas me deixa explicar, por favor —
olhou novamente para aqueles olhos verdes. — Por favor, Ay.
Káris sentou-se, meio a contragosto. Ficou, só porque Yuri insistira muito;
senão, teria ido embora. Era uma situação muito incômoda.
— Eu sei que parece loucura e eu acho que pode até ser, mas tenho motivos pra
acreditar que isso seja verdade. Pensei muito e até tentei esquecer, mas a idéia sempre
voltava. Não disse nada antes por medo da reação de vocês, mas já que tomei coragem
...
Yuri fez uma pausa e olhou para o rosto de cada um: ela, contrariada; ele,
indignado e o outro, curioso. Considerou se deveria continuar.
— Olha, o Maníaco atacava de seis em seis dias, mas desde o último ataque, 18
de junho, não se ouviu mais falar em vítimas. Porquê? Por que ele mudou sua forma
de agir. “MP:2: O Maníaco do Parque ataca novamente” foi o que o jornal disse. Meu
tio acha que foi pura especulação, mas eu acho que foi exatamente isso que o Maníaco
quis dizer. Ele queria chamar a atenção, queria que todos soubessem que ele está aqui.
E agora que conseguiu isso, está atacando de uma forma diferente, anônima talvez.
Yuri fez mais uma pausa e Juan indagou:
— Entendi o que você quis dizer. Mas por que você acredita que a Sam foi uma
das vítimas?
— Olha, o último ataque foi dia 18, então o próximo seria dia 24, o mesmo
domingo que Samanta morreu. Outra coisa é que todas as vítimas eram garotas que
tinham mais ou menos a mesma idade dela. E finalmente porque todas as vítimas
foram encontradas dentro da água e a Sam...
— Moleque, é uma idéia maluca. Mas sabe de uma coisa, pode até ser. Quem
realmente conhecia a Sam não acreditou muito nos boatos. Uma galera do colégio,
amigos da Sam, tentou falar com os pais dela, sabe, pra esclarecer um pouco as coisas,
mas eles não deram papo. Eles ‘tão chocados com tudo.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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Juan fez uma pausa, olhou para Takashi e Káris, depois concluiu:
— Olha, não é todo mundo que vai te dar razão; então, não conta isso pra muita
gente. O pessoal vai pensar que ‘cê ‘tá meio pirado, tipo o Tashi e a Sakura. E sem falar
que ‘cê não tem provas, ou tem?
— Não. Não tenho nada.
Káris e Takashi olharam para Juan. Os olhos de Takashi eram fulminantes;
porém, ele se conteve, achou melhor não revidar, mas Káris se sentiu ofendida:
— Pra sua informação eu considero muito o Yuri e tudo o que ele diz. Não sou
qualquer amigo dele...
— Então você acredita nele?
Káris sentiu um frio correr sua espinha. Yuri olhou-a ansioso para saber a
resposta.
— O problema não é se eu acredito, ou não e, sim, o que isso vai trazer de bom
pra ele e para mim também. E acho que ficar pensando nisso pode trazer muitos
problemas e sofrimentos, principalmente se você, Yuri, estiver errado. Você pode se
arrepender de ter alimentado uma esperança falsa.
— Concordo com você — disse Yuri calmamente.
— O que você vai fazer, Yuri? — perguntou Juan.
— “A verdade está lá fora” e eu vou até lá buscá-la.
— Mesmo correndo risco, moleque?
— É preciso estar preparado para ir “lá fora” e eu estou, pelo menos me sinto
com se estivesse.
Takashi enxergou o Padre falando por meio de Yuri, ficou preocupado.
— É realmente o que você vai fazer?
— É — respondeu decidido.
— Então eu estou nessa — disse Juan.
Yuri agradeceu o apoio com um olhar gentil.
— E a carta? Como fica a explicação para a carta? — questionou Takashi.
— Bem, eu... eu não sei, não tinha pensado...
— E se ele mudou o padrão, por que iria atacar exatamente seis dias depois do
último ataque?
— Talvez, porque...
— E por que o Maníaco iria querer que a morte da sua amiga parecesse com um
suicídio?... ‘Tá vendo? Há uma porção de coisas que não se encaixam.
— Ele não queria que a morte dela parecesse com um suicídio, eu acho. Alguma
coisa deu errado — disse sem pensar.
— Você tem de contar pra gente tudo o que sabe, já que a gente vai investigar
com você.
Yuri olhou atônito para Káris. Ela dera razão para ele?
— Você é meu melhor amigo e eu acho que te conheço bem. Se você acredita
mesmo nisso é por que sabe de alguma coisa ... Mas se eu perceber que em algum
instante você quiser continuar com isso, mesmo sabendo que você ‘tá errado, não vou
te perdoar.
Yuri deu um grande sorriso para ela.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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Agora, só faltava Takashi. Ele estaria do lado deles ou cairia fora? Eu sempre
achei que Takashi fosse embarcar com eles nessa loucura porque ele foi o primeiro a
sofrer com ela quando suspeitou fortemente de alguém.
Os olhos de Juan caíram sobre o japonês , eram interrogativos. Yuri ainda de pé
olhou para ele que estava sentado sozinho no sofá de dois lugares. Káris, que havia se
sentado no mesmo sofá em que Juan estava, foi a única que não voltou seu olhar para
ele, estava observando Yuri.
— Eu tenho de dizer que isso é muito difícil de acreditar e que eu não acredito,
mas entendo porque você quer ir atrás da “verdade”. O que eu posso fazer... ‘Tô
dentro.
Yuri sabia que o fato de Takashi não acreditar nele era bom, assim como a
preocupação de Káris, porque eles fariam de tudo para protegê-lo, sabia que estava
seguro.
— Então conta as outras coisas que você sabe — pediu Juan.
— Que horas são? — Yuri quis saber.
— Quinze e quarenta. Por quê?
— Então, ainda dá tempo.
Yuri sentou-se na poltrona que estava próxima de Juan e começou reforçando o
que já havia dito a respeito de as vítimas serem garotas comuns de classe média. Falou
também da morte por asfixia e do fato estranho de elas serem encontradas no lago.
Disse quase sussurrando que o Maníaco levava mecha de cabelos das vítimas e que
isso seria a prova que levaria ao Maníaco, já que não havia sido encontrado saliva,
cabelo, sangue, digitais, nada.
A ambigüidade a respeito das letras foi deixada por último.
— E ainda tem mais uma coisa.
— Mais uma? — Káris parecia não agüentar mais ouvir sobre esse Maníaco.
— É a última coisa, eu prometo.
Yuri se levantou e ficou em pé na frente de Káris.
— O que foi?
— Deixa eu te mostrar uma coisa?
Yuri ajoelhou-se e pegou na mão esquerda de Káris e seu rosto imediatamente
se avermelhou. Ele virou a palma para cima e com o indicador escreveu uma letra no
pulso dela.
— O que foi que eu escrevi, Ay?
— Hum!?
— Que letra eu escrevi, Ay?
— Ah, um “W”.
— Mas eu escrevi um “M”.
— “M”? Mas eu vi um “W”.
— É por isso que não se sabe ao certo se a pista deixada era MP2 ou WD2. Se eu
fizer no pulso direito vai acontecer a mesma coisa. Você vai ver um “d” minúsculo e
eu um “P” — fez uma pausa —. A primeira vítima tinha o “M” ou “W” escrito no
punho esquerdo. A segunda um, “P” ou “d” no punho direito e a terceira tinha...
— Um 2 na nuca — completou Juan. — Cara, me ocorreu uma idéia. Eu tenho
um suspeito.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
H.P. Invesiga
— Você não explicou a parte do Maníaco não ser um maníaco — Takashi não se
esqueceu desse detalhe.
— Bem, o meu tio disse que os jornais falaram muitas coisas que não são
verdade e também a polícia não encontrou nenhuma pista: saliva, cabelo, sangue,
digitais...
A expressão de Takashi era de alguém que ainda não havia captado a
mensagem.
— O que ele ‘tá tentando dizer — Juan tentou explicar — é que quem deu a
fama de Maníaco para o assassino foram os jornais. Na verdade, as intenções do
assassino são outras. Ele faz tudo parecer uma coisa quando na verdade é outra: as
vítimas eram garotas e não prostitutas; elas não morreram afogadas, foram asfixiadas...
É como se ele quisesse enganar a opinião publica, chamar a atenção para uma mentira.
— Mas ele sabia que o caso ia ser investigado, iam acabar descobrindo a
verdade — contestou Takashi.
— E descobriram. Mas por que a polícia não tratou de tornar públicas essas
informações? Porque tudo tem um significado, e eles ainda estão tentando entender.
Takashi pensou muito e chegou à conclusão que Juan e Yuri estavam certos,
mas duas coisas passaram a incomodá-lo: qual seria o significado dessa estranha
atitude do assassino fazer o crime parecer o que não era e o fato de Juan ter percebido
essas coisas e ele não.
— Você disse que tinha tido uma idéia sobre um suspeito, Juan — Yuri estava
curioso para saber quem ele tinha em mente. Seria alguém conhecido?
------------------------— O que você achou, Tk?
— Eu acho tudo isso loucura. Não consigo ver nenhuma ligação entre essa
garota e o Maníaco, mas se o Yuri acha que tem, o que eu posso fazer? Eu já te contei
que eu suspeito de uma pessoa? Eu conheço um cara que tem umas atitudes muito
estranhas, acho que ele pode ser o Maníaco.
— Até você, Takashi?
Takashi ficou, por alguns instantes, emudecido do outro lado da linha.
— ‘Tá, mas isso não importa muito agora. O importante é a gente fazer o Yuri
enxergar que isso tudo é apenas fantasia e fazê-lo desistir disso o mais rápido possível.
— E como a gente vai fazer isso? Eu não tenho nenhuma idéia do que poderia
funcionar.
— Eu tenho uma idéia.
— Sério? E qual é?
— O diário dela.
— O diário?...
— É um livro que praticamente todas as meninas no mundo têm. Elas escrevem
aquilo que sentem para um dia poderem ler e se lembrar de coisas boas ou aprender a
entender os próprios sentimentos.
— Não precisa gozar da minha cara, eu sei o que é um diário. Eu só não entendi,
você não me deixou completar a frase, por que o diário dela iria fazer o Yuri desistir de
tudo.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
H.P. Invesiga
— Eu acabei de dizer!
— Quando?
— As meninas escrevem no diário aquilo que sentem, é como se fosse uma
espécie de confessionário.
— Entendi agora. Se tiver alguma indicação que ela ia se matar então isso prova
que o Yuri está errado. Mas ele vai ficar mor pra baixo com isso.
— Eu não posso fazer nada. Foi ele que quis ir “lá fora”. Ele vai sofrer, mas vai
ser melhor pra ele sofrer agora do que mais tarde.
— Verdade. Mas como vocês vão conseguir esse diário?
— Nós vamos ter de pensar em alguma coisa, mas a gente dá um jeito.
— Só falta vocês invadirem a casa da garota pra roubar o diário.
— Até que não é má idéia.
Takashi ficou mudo do outro lado da linha. Imaginou seus amigos entrando na
casa de Samanta e sendo descobertos. Seria muita confusão.
— Alô? Você ainda ‘tá aí, Tk?
— ‘Tô sim.
— Vou desligar.
— ‘Peraí ! Você não quer saber quem é o meu suspeito?
— Sinceramente, não. Mas pode dizer, de qualquer forma.
— Puxa! Quando você quer ser sincera, você é mesmo. Mas vou contar, de
qualquer jeito. O nome dele é...
------------------------— Eu acho que foi o Rodrigo.
— Rodrigo? — Káris não reconheceu o nome.
— Rodrigo Martins Prado, o melhor amigo da Samanta.
— Só por causa do M e P do nome? — disse Takashi.
— Também porque o pai dele se chama Martins Prado; porque ele era
apaixonado pela Sam embora ela só o visse como amigo e porque a segunda vítima
lembrava muito, mas muito mesmo, uma ex-namorada dele. Uma ruiva chata metida a
modelo. Lis Cabral, era esse o nome dela.
Yuri escutou o elevador subindo e desconfiou que fossem seus pais chegando.
Pediu pra ninguém tocar no assunto e ligou a TV.
Eram mesmo os seus pais. Eles entraram, cumprimentaram todos, até mesmo
Juan que pareceu entrar em transe quando viu Chris.
— Yuri, traz o balde.
Como sempre, todos riram, menos o boca-aberta.
— E aí? Já assistiram ao filme?
— Ainda não, pai. A gente ‘tava te esperando — sorriu.
— Isso é que é um filho verdadeiro, o resto é falsificação — brincou.
Yuri pôs a fita Bater ou Correr de Jackie Chan. Todos assistiram, menos a mãe
de Yuri, que foi para o escritório resolver algumas coisas. Riram e se divertiram muito
vendo Jackie Chan fazer suas estripulias no faroeste, nem parecia que tinham
conversado sobre algo tão mórbido há pouco. Simplesmente pareciam adolescentes
despreocupados assistindo a um filme. Somente pareciam.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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À noite, Káris pensou em ligar para Yuri. Chegou a tirar o telefone do gancho
mas não teve coragem. Colocou-o de volta e ficou olhando para ele pensativa. O
telefone tocou e ela teve medo de atender, podia ser Yuri. Depois de o ouvir tocar
insistentemente atendeu com certo receio. Mas não era Yuri, era Takashi.
------------------------— Não vai me dizer que é o Padre.
— Ué!? Como você sabia?
— Você vive implicando com ele.
— Eu?
— Você não gosta dele e sempre que fala nele, fala com desdém. Mas por que
você acha que o Padre é o Maníaco? Ele nem tem cara de...
— Por quê? Bem, porque ele é muito estranho pra ser um Padre. Primeiro: ele é
rico. Segundo: ele não tem um comportamento de padre, já que gosta de Arquivo X e
Agatha Christie. E terceiro porque incentivou o Yuri a investigar um suicídio. Que tipo
de padre faria isso?
— O primeiro e o segundo motivos são pura implicância sua, já que você não
sabe como foi a vida dele antes de ser tornar um padre. Mas a terceira é de por dúvidas
até na cabeça do Papa. Mas eu acho que você está enganado.
— Será?... ‘Ó, Káris.
— Eu.
— Você não achou o Juan estranho demais? O jeito como ele olhou para a tia
Chris, a inveja que ele sente do tal Rodrigo M.P., a falta de surpresa... Ele ‘tava
achando tudo muito normal pro meu gosto.
— Ah não, Tk! Mais um suspeito?
— Eram garotas da mesma classe social que ele, da mesma idade... Sabe, acho
que as mulheres não dão muita chance pra ele...
— Olha, Takashi, esse assunto já me encheu por hoje. Não me leve a mal, mas...
— Okay! Então, ‘té mais.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
«SETOR 06»
O Diário
Káris desligou o telefone e ficou deitada na cama pensando em tudo que havia
acontecido desde o dia anterior. Lembrou-se daquele olhar, das idéias malucas de
Yuri. Pensou muito naquele garoto de olhos castanhos. Estava cheia de dúvidas a
respeito do que sentia por ele, mas no fundo sabia bem o que era.
Levantou-se foi até o seu armário e pegou seu diário. Sentiu que era hora de o
estrear.
“Yuri,
Yuri. Desde que eu te conheço, nós apenas fomos amigos e
ótimos amigos. Eu tenho mais intimidade com ele do que com todos os meus
outros amigos e sempre me senti a vontade para falar sobre quase tudo com
ele. Mas desde aquele olhar, todas as vezes que encosta em mim, me dá um
abraço ou simplesmente me olha, fico vermelha e meu coração dispara. Por
quê? Por que eu me sinto assim? Foi apenas um olhar entre tantos outros.
Yuri sempre falou com os olhos. Mas por que eu não consegui desviar os
meus olhos daquele olhar? Por quê? Eu sou mesmo uma tonta porque ele
não estava apaixonado por mim e eu cheguei a achar até que ele falou... Mas
se ele não sente algo assim por mim, por que eu sinto isso por ele? E pior,
por que eu não consigo deixar de sentir? Acabei me apaixonando pelo meu
melhor amigo. Por quê? Assim que eu o conheci, me apaixonei por ele
também, mas eu era muito pequena e boba, nem sei se foi paixão mesmo ou se
apenas me impressionei com o jeito dele. Já faz tanto tempo...”
«57»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
Káris trouxe à memória aquela cena tão especial. Muitas pessoas, depois de
anos de amizade, não conseguem se lembrar como se conheceram, mas ela não
esqueceria uma coisa dessas.
Era dezembro e o brinquedo da vez eram os patins in-line. Todas as crianças
tinham um e adoravam passar o dia inteiro na rua, patinando. Káris não agüentava
mais esperar; queria, por tudo, um patins desses antes do Natal e acabou ganhando de
presente da sua avó. A menina estava radiante. Embora não soubesse nada sobre
patinação saiu para a rua naquela tarde de segunda-feira determinada a aprender a
patinar.
Yuri saiu despreocupado de casa. Encontraria seus amigos da quadra do lado e
se divertiria muito. Mas nem tudo aconteceu como o planejado. Um acidente
inevitável o fez conhecer uma menina muito bonita, que dali em diante faria parte da
vida dele, uma menina de verdes olhos.
Yuri veio patinando tranqüilamente pela rua e no único instante que se distraiu
— um patins Roller Blade lhe chamou a atenção — bateu em alguém; bem, na verdade,
bateram nele.
Káris veio descendo a rua, desenfreada. Já era um milagre estar tanto tempo em
pé sem cair, mas estava apavorada porque a velocidade aumentava cada vez mais e
não sabia como freiar. Ela gritou, desesperada, pedindo para que aquele garoto de
olhos castanhos saísse da sua frente, mas ele não teve tempo.
Ela caiu sobre ele e quase lhe quebrou um braço. Como a menina ficou muito
sem graça, ele disse que não tinha sido nada, mesmo sentindo muita dor. Káris se
levantou e foi embora depois de pedir desculpas umas mil vezes, mas não foi muito
longe. Caiu de novo e dessa vez foi no asfalto puro. Yuri ficou com dó:
— Você ‘tá legal?
— Ai! Mais ou menos. Ai!
— Você tem de tomar mais cuidado. Vai acabar quebrando um braço, assim —
ele se referiu ao seu próprio braço.
— Ai! Acho que machuquei a perna.
Yuri estendeu o outro braço:
— Vem, eu te ajudo a levantar.
— Obrigada, mas acho que vou ficar aqui no chão mesmo — estava com medo
de cair novamente.
— Se você quiser, eu posso te ensinar a andar de patins.
— Sério? — segurou no braço estendido de Yuri.
— É mais seguro pra mim — brincou.
— Você é novo por aqui?
— Não. É que eu moro na 214. Vim andar de patins aqui na 215 só por causa
dos meus amigos, e também porque o asfalto daqui é melhor.
— Hã! E como é seu nome?
— Yuri.
— O meu é Káris.
— Káris? Que diferente!
— Minha mãe queria que eu me chamasse Catarina, mas meu pai não gostou.
Então, minha mãe sugeriu Karina que é quase igual a Catarina, só que sem o “ta”. Mas
minha tia já se chama Karina. Aí meu pai sugeriu Kari que é...
«58»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
— Que é Karina sem o “na” — completou Yuri.
— Isso. Mas Kari ficou muito estranho. Então minha mãe decidiu que eu ia me
chamar Káris, que é...
— Que é Kari mais “s”.
— Isso meeeesmo. Ai! — caiu de novo. — Mas, depois, meus pais descobriram
que esse nome já existia, vem do Grego e quer dizer “Graça”. Ai! É muito chato tomar
tombo. Isso dói.
— Principalmente quando caem em cima... Deixa pra lá! Posso te chamar de
Ay? — brincou.
Káris sorriu.
— Pode, desde que seja Ay com “y”. Ai, meu bumbum!
— Olha, a primeira coisa que você precisa aprender, Ay com “y”, é se equilibrar
— estendeu a mão mais uma vez.
Naquela tarde, Káris aprendeu a primeira lição da patinação: o equilíbrio. No
fim do dia já conseguia parar em pé sobre os patins. Além de feliz, ela ficou muito
impressionada com a paciência e educação daquele garoto.
À noite, não conseguia parar de pensar nele. Será que o encontraria no dia
seguinte? Sim. Lá estava ele brincando e ensinando outras crianças a patinar.
Não demorou muito para ela perceber que aquele jeito gentil e educado era sua
marca registrada. Aos poucos, sem que percebessem, foram se tornando amigos e daí
começou uma amizade que já dura 5 anos.
------------------------— Alô?
A pessoa do outro lado da linha não respondeu.
— Alô? Tem alguém na linha?
O telefone ficou mudo, por mais alguns instantes, até que uma voz macia falou.
— Y-Yuri?
— Ay? É você?
— Sou eu, sim.
— O meu telefone deve estar com algum problema, não ‘tava te escutando. Mas
e aí? Tudo bem?
— T-Tudo, tudo bem. ‘Cê ‘tá fazendo alguma coisa?
— ‘Tô assistindo Sakura Cardcaptors, na Globo.
— É que eu queria te convidar pra gente jogar disco.
— Disco?
— É! Aquele brinquedo que a gente leva pra praia e...
— Eu sei o que é um disco. Só estranhei um pouco, porque já faz tanto tempo
que a gente não brinca disso.
Káris falou baixinho:
— Eu quero te falar sobre ontem. Eu sei de uma coisa que pode te ajudar.
— Sério?
— Te encontro no campo de futebol daqui a 5 minutos. ‘Tá?
— Cinco minutos? ‘Tá bom. Tchau.
— Tchauzinho!
Yuri deixou seu animê gravando e foi encontrar sua amiga.
«59»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
Ela vestia calças jeans e camiseta babylook. Trazia o disco nas mãos e na mente
uma idéia perigosa, mas que poderia dar certo.
— Pega! — arremessou o disco.
Yuri deu um pulo e alcançou-o. Veio sorrindo e olhando para ela.
— Antes de você dizer qualquer coisa, eu quero pedir desculpas por ontem.
— Não se preo...
Káris colocou o dedo indicador nos lábios de Yuri, queria que ele escutasse o
que ela tinha a dizer. Não preciso dizer que ela ficou vermelha de novo, ou preciso?
— E-Eu queria pedir desculpas por ontem. E não adianta me dizer que não foi
nada, porque foi sim. Ficou uma situação muita chata entre mim e você e eu realmente
não gostei nada. E não quero que isso aconteça de novo. Então, já que toda a discussão
aconteceu por causa dessa garota, quero te mostrar a forma mais fácil de você
descobrir toda a verdade.
Ela fez uma pausa.
— O diário. Samanta provavelmente tinha um diário. E se ela pretendia se...
bem, você sabe — Yuri confirmou com a cabeça —. Ela deve ter escrito alguma coisa
no diário.
— Ótima idéia, Ay! Ótima idéia!
— Só que tem um problema. A gente tem de arranjar um jeito de entrar na casa
dela.
— Talvez dê certo. Eu acho que sei como a gente pode entrar.
— Sério?
— Sério.
— E como?
— A porta dos fundos. A porta dos fundos da casa dela sempre fica aberta.
— Como você sabe disso? — Káris estranhou.
Yuri resolveu explicar detalhadamente:
— Uma vez, eu tive de sair de casa sem trancar a porta porque não consegui
achar minha chave. No Sigma, encontrei com a Samanta num plantão e comentei que
eu ‘tava um pouco preocupado por causa da porta aberta. Então, pra me tranqüilizar,
ela disse que a porta dos fundos da casa dela sempre fica aberta porque a empregada
nunca tranca.
— Hum! Entendi. Mas ainda tem um problema. Como a gente vai entrar na casa
dela com a empregada lá dentro?
— A gente vai ter de esperar que ela saia.
— E se ela não sair?
— Claro que vai. Ela sempre passeia com a cadela.
— A Samanta também te contou isso?
— Foi. Mas tem um probleminha.
— E qual é?
— Como a gente vai passar pelo porteiro?
— Isso não é problema. Eu tenho um amigo que acabou de se mudar para o
apartamento ao lado do dela, aquele que foi do Padre. É só eu dizer que vou na casa
dele e, vualá, estamos dentro.
— Legal! Que tal se a gente fosse hoje mesmo?
— Hoje à tarde. Às três ‘tá bom?
«60»
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O Diário
— Perfeito. Então às três eu passo na sua casa.
— E aí? Vamos jogar disco ou não vamos?
— Claro que sim. Pega!
------------------------— Káris!
— O que foi?
— Eu nem lembrei de chamar o Takashi. Ele vai ficar furioso.
— Sabendo como o Tk é, ele nem viria, além de tentar desencorajar a gente. Ele
não vai ficar com raiva não — concluiu.
— É verdade, mas mesmo assim eu vou falar com ele depois... Toma, fica com
isso — Yuri tirou um walk-talk do bolso e colocou-o junto do livro que trazia na mão.
— Antes da gente chegar no prédio vamos combinar umas coisinhas.
— Pra quê tudo isso?
— Olha, é melhor só um de nós entrar na casa. Eu vou, porque se alguma coisa
der errado, você não leva a culpa. Então fique aqui embaixo me dando cobertura.
Quando a empregada estiver voltando você me avisa, ‘tá?
— Ai, ai, ai, Yuri! Isso tem de dar certo.
— Vai dar, mas a gente precisa fazer assim...
Yuri explicou que Káris subiria primeiro. Quando o porteiro saísse para resolver
algum problema, ele falaria com ela pelo walk-talk. Ela desceria, abriria a porta para
ele e então sairia. Assim que a empregada descesse, ele informaria para Káris e entraria
na casa. Quando a empregada fosse subir, Káris avisaria pelo walk-talk e Yuri desceria.
O plano parecia perfeito.
— Yuri, tem mais uma coisa.
— O quê?
— E se os pais dela ou algum irmão estiverem em casa?
— O Juan me contou que os pais dela viajaram pra tentar esquecer um pouco as
tristezas. E ela não tem irmãos.
— Então vai dar tudo certo. Vamos lá.
Assim que chegaram ao prédio, Káris se dirigiu ao porteiro e Yuri foi se
esconder.
— Boa tarde!
— Boa tarde, jovenzinha!
— Eu combinei com o meu amigo, o Roberto, de passar na casa dele hoje.
— Qual Roberto?
— O do 221.
— É na primeira portaria. Pode ir lá que eu vou abrir pra você.
Ela agradeceu com um sorriso.
— O seu sorriso me fez lembrar de alguém.
— Hã? — Káris já estava se virando.
— Eu disse que o seu sorriso me fez lembrar de alguém.
— Ah! — sem dar muita atenção.
Virou-se novamente, estava se controlando para não tremer de medo.
O homem não se conteve com a falta de curiosidade da menina e falou:
— Samanta tinha um sorriso igual ao seu.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
A curiosidade acendeu-se dentro dela e sobrepôs-se ao medo. Ela fazia lembrar
a tal Samanta? Elas teriam o mesmo sorriso? Virou-se para o porteiro, estava
interessada no que ele tinha a dizer.
— Samanta? A vizinha do Roberto? — fez-se de desentendida.
— Ela mesma. Você a conhecia?
— Só de vista. Dizem que ela ... — não completou a frase.
— Não acredite em tudo o que dizem.
— Por quê? — perguntou sagazmente.
— Ela era uma menina de ouro. Sempre gentil com todos, sempre me tratou
bem, era bastante diferente dos jovenzinhos desse prédio. Sempre sorridente. Sempre.
Uma menina comunicativa, esforçada, determinada. Detestava Matemática, mas
estudava muito para tirar boas notas. Sempre conseguiu o que queria porque dava
duro. Não tinha medo da dificuldade. Nunca.
“Uau! Essa garota não existe...”
— E ainda era muito bonita, tinha dinheiro, amigos... Digam o que quiserem,
mas eu não acredito.
— Até parece que o senhor sabe de alguma coisa — sugeriu Káris.
— Àquela noite, eu vinha descendo pelas escadas, tinha subido até o sotão pra
pegar uma ferramenta. Sabe, eu não gosto muito de elevadores; já fiquei preso uma vez
e não gostei nem um pouco. Então, já era tarde e eu vi uma pessoa entrando na casa da
menina Samanta. Não consegui ver direito quem era, mas eu poderia jurar que era o
namorado dela. E é muito estranho ele vir aqui na mesma noite em que ela morreu,
que Deus a tenha. Capiche? — ele fez um olhar intrigante.
— Capisco... “Mas de qualquer forma o senhor não viu direito, não é mesmo?”
— Eu já interfonei para o apartamento do seu amigo?
— Não, mas não precisa não. Eu avisei pra ele que ia passar aqui hoje.
— Ah! Então ‘tá tudo certo. Vou abrir a portaria pra você, é a primeira.
Káris entrou, subiu um lance de escadas e ouviu o walk-talk chamar.
— Yuri?
— Por que você demorou tanto assim? — impaciente. — Já não ‘tava
agüentando mais esperar.
— Desculpa, mas foi o porteiro que puxou assunto. Yuri, minhas pernas ‘tão
bambas de tanto medo.
— Fica calma, vai dar tudo certo. Daqui a pouco eu te chamo de novo.
— ‘Tá.
Ela esperou no segundo andar. Se alguém a visse, teria a desculpa de estar
esperando Roberto chegar.
Aos poucos, Káris percebeu que embarcara nessa loucura apenas com a cara e a
coragem. Não tinha planejado nada. Se Yuri não tivesse montado um plano, mesmo
que básico, eles estariam perdidos. O medo, que nem percebera estar presente desde o
momento em que teve essa idéia, ganhava forças agora. Não conseguia mais se
sustentar em pé, sentou-se pálida.
“Como eu tive coragem de fazer isso? Só posso estar maluca” — pensou.
— Ay? Ay? Responde Ay.
— Y-Yuri?
— ‘Tá tudo bem? Sua voz ‘tá estranha.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
— Eu ‘tô com muito medo, Yuri.
— Te ajuda se eu disser que também estou com medo?
— Não, não ajuda em nada.
— E se eu disser que não estou com nem um pingo de medo?
— Também não ajuda. Eu vou me sentir inferior.
— Você ainda quer continuar com isso?
— ....
— Ay?
— ‘Tô pensando!
— Pensa rápido, porque o porteiro já ‘tá voltando.
— Eu ‘tô descendo pra abrir a porta.
— ‘Tá bom.
Káris reuniu toda a coragem que restava e desceu até a portaria.
— Ay, o porteiro ‘tá chegando.
— Calma ‘tô indo.
— Se você não vier não vai dar tempo.
— Calma.
— Ele já ‘tá quase aqui.
— Cheguei.
— Não ‘tô te vendo.
Káris saiu de trás da porta que dá para as escadas e o elevador de serviço e
abriu a portaria. Por muito pouco, mas por muito pouco mesmo o porteiro não os
avistou.
Eles passaram para o outro lado da porta e ficaram um pouco ali, até se
recomporem.
— Você já pensou o que pode acontecer se alguém nos pegar aqui?
— Foi a primeira coisa que eu pensei.
— Acredite se quiser, mas eu não tinha pensado nisso até agora.
— Não!?
— Não.
— Você quer ir em frente?
— Sinceramente, não. Mas quem, além do diário, sabe a verdade?
— Então eu vou subir. E, Káris, fica num lugar onde o porteiro não te veja.
— Yuri?
— O que foi?
— Me promete que vai tomar cuidado.
— Prometo.
Yuri subiu até quase o segundo andar e ficou esperando em um canto da escada.
Se alguém o visse, fingiria que deixara cair algo no chão, abaixaria para pegar e
desceria as escadas. Agora só precisava de paciência e coragem.
Teve de colocar seu plano em ação quando um dos moradores do terceiro andar
vinha descendo pela escada, mas em vez de fingir estar descendo, fingiu estar subindo.
O morador passou por ele, desejou boa tarde e se foi. Yuri sentiu seu coração bater tão
rápido como nunca sentira antes, estava morrendo de medo.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
De cinco em cinco minutos, Káris dava dois toques no walk-talk para saber se
tudo estava bem. E Yuri respondia com os mesmos dois toques. Passados trinta
minutos, Káris estava impaciente e resolveu falar:
— Yuri?
— O que foi? — sussurrou.
— ‘Tá tudo bem aí?
— ‘Peraí , depois a gente se fala.
A porta do 222 se abriu. Uma mulher de uns 25 anos, baixa e de cabelos ruivos
apareceu com um cachorro: era um poodle pequeno e branco.
Yuri desceu correndo para o primeiro andar e esperou o elevador descer. De
volta ao segundo andar ele se aproximou da porta dos fundos e experimentou abrí-la.
Estava aberta.
— Vou entrar.
— O quê? Não entendi.
— Vou entrar.
— Agora sim. Toma cuidado!
Káris estava sentada na grama, sob a sombra de uma árvore, a certa distância do
prédio. De lá, conseguia ter uma boa visão do porteiro, que ficava de costas para ela, e
da mulher com o poodle que acabara de aparecer na portaria.
A menina dos verdes olhos tinha O Misterioso Caso de Styles nas mãos e fingia
estar lendo-o. Em momento algum desviou sua atenção para outra coisa que não fosse
aquela mulher com o poodle.
O coração de Yuri estava disparado. Abriu um pouco a porta e foi olhando o que
havia lá dentro. Ficou atento a qualquer barulho no corredor e dentro da casa também.
Parecia não haver ninguém. Abriu um pouco mais a porta. Já conseguia enxergar quase
toda a cozinha. Tomou coragem e entrou.
Fechou a porta com a máxima suavidade que conseguiu, sentiu suas pernas um
pouco bambas, mas dominou-se. Na área de serviço, cuja entrada estava a sua frente,
não havia ninguém. Então ele andou suavemente pelo chão da cozinha, até a porta que
dá para a sala, e se encostou na parede ao lado da geladeira. Olhou para a sala pelo
canto do olho, estava arrumada e vazia de gente. Prendeu a respiração para poder
ouvir melhor. Estava tudo em silêncio. Sentiu que podia ir em frente.
Agora era vez de ir até aos quartos. Caminhou lentamente pela sala e a cada
passo que dava sentia o coração bater mais rapidamente.
Káris estava agoniada. Não se agüentava de tão nervosa. Já havia roído as unhas
da mão direita e agora estava na mão esquerda. Pensou em falar pelo walk-talk, mas
desistiu da idéia. Seguiu o plano original: quando a mulher estivesse para subir, daria
quatro toques para avisar Yuri.
O corredor dava para o banheiro social e para os três quartos da casa. Dois deles
estavam abertos e um tinha a porta encostada. Yuri julgou que esse seria o quarto de
Samanta — havia um urso de pelúcia pendurado na maçaneta. Mas não entrou. Antes,
deu uma olhada discreta nos outros quartos. Estavam arrumados e sem ninguém.
Voltou para a frente do quarto de Samanta e empurrou a porta suavemente. Ela
rangeu e o coração do garoto disparou. Receava que mais alguém estivesse na casa. E
se esse alguém estivesse dormindo no quarto dela? Ele estranhou o fato dos pais de
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
Samanta confiarem tanto assim numa empregada aparentemente nova. Eles a
deixaram sozinha na casa? Mesmo correndo esse risco, ele decidiu entrar no quarto.
A porta foi abrindo-se e rangendo. As cortinas estavam fechadas e a
luminosidade era pouca. O vento balançou a cortina levemente, deixando entrar um
pouco mais de luz. Yuri viu uma escrivaninha com um computador, um hacker com
TV e uma cama vazia. Ficou aliviado.
Ele estava indo em direção à escrivaninha quando — crash! O barulho veio do
quarto ao lado. Ele desesperadamente correu para a cozinha, mas a porta estava se
abrindo, alguém acabara de chegar. Correu de volta para o quarto, jogou-se no chão e
rastejou para debaixo da cama. Porém, foi surpreendido por um colchão preso a
rodinhas que ocupava todo o espaço ali.
“Droga! Tem uma cama debaixo da cama.”
Ouviu passos. Precisava de um lugar para se esconder. Mas onde? Abriu uma
das portas do guarda-roupas e entrou. Não havia nada além de um cabideiro e sapatos;
ou seja, havia espaço suficiente para ele ali. Puxou a porta.
— Lú! Cadê você, meu amor? Ué!? Quem abriu a porta do quarto da Sam?
Maurício olhou para a janela, as cortinas balançavam com o vento.
— Louiseee! Clia! Onde estão essas duas?
Maurício foi para o quarto onde estava hospedado; no chão, um jarro quebrado.
— Droga! Louise deixou as janelas abertas.
Yuri suava de medo dentro do armário. Queria sair dali, mas, como, com esse
cara andando pela casa? Tinha de esperar.
— Yuri?... Yuri? Responde, Yuri.
O walk-talk não funcionava, Káris não conseguia ouvir nada. As pilhas haviam
acabado rápido demais; eram de marcas diferentes e já usadas. Yuri ainda era um leigo
nessa parte da Física e acabou preparando mal os comunicadores.
— Meu Deus! O que eu faço agora?
Louise estava caminhando em direção à portaria, quando uma criancinha de
uns 3 anos de idade começou a brincar com Clia. Ela tinha um compromisso e
precisava subir, mas achou tão linda aquela cena... Resolveu ficar um pouco mais.
Maurício voltou para o corredor, ficou em silêncio e pensativo por alguns
segundos. De repente, entrou no quarto de Samanta, foi até a janela e abriu as cortinas.
— Aí está você!
O coração de Yuri disparou.
“Ele me achou.”
Maurício saiu do quarto. Yuri ficou aliviado e mais ainda quando ouviu uma
porta bater.
“Será que ele desceu?...”
Káris percebeu que Louise iria demorar. Precisava avisar Yuri. Levantou-se e
saiu correndo em direção à portaria, pois uma velhinha estava saindo. Segurou a porta
instantes antes dela bater e trancar-se. Entrou e subiu correndo pelas escadas, dando
de frente com um homem alto e engravatado que vinha descendo.
— Opa! Cuidado, garota.
A menina não disse nada e continuou subindo. No segundo andar segurou a
maçaneta do 222, girou-a com receio. A porta se abriu.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
Káris viu um vulto se movendo na sala e tomou um susto.
— Ahhh! — colocou aflita a mão na boca, não podia gritar.
Yuri voltou desesperado para dentro do armário; teria sido visto? Por que Ay
não avisou que a mulher estava de volta?
“O que eu vou fazer?”
Káris caminhou em direção à sala com receio. Seria Yuri ou outra pessoa?
O homem engravatado chamou por uma mulher ruiva.
— Lú!
— Oi, meu amor!
— A gente vai chegar atrasado pra ultra-sonografia, meu bem.
— Que horas são?
— Já passa das quatro.
— Já!? Eu desci com a cachorrinha e acabei perdendo a hora.
— É melhor a gente subir.
Na sala não havia ninguém. Ela, então, foi até ao corredor e chamou o seu
amigo.
— Yuri! — controlou bem o volume da voz.
— Káris?
— Yuri? Cadê você? — parou em frente do quarto de Samanta.
Ele saiu de dentro do guarda-roupas e quase matou Káris de susto.
— Ahhhhhh!
— Calma, sou eu.
— Você quase me matou de susto.
— A gente tem de sair daqui agora. Vem!
Yuri segurou na mão de Káris e correu em direção à cozinha. Quando ele foi
pegar na maçaneta da porta dos fundos ela se moveu sozinha. Maurício e Louise
chegaram.
Os corações dos quase ladrões de diário — sim, quase, pois ainda não haviam
conseguindo roubar nada — dispararam. Seriam descobertos. Mas a porta não chegou
a se abrir, a maçaneta voltou para a posição original. Yuri puxou Káris novamente e
saiu correndo com ela de volta para o quarto.
— Olá — o vizinho os cumprimentou cordialmente.
O homem engravatado e sua esposa, Louise, se viraram para olhar.
— Oi, como vai?
— Bem, obrigado. Tem alguma notícia do seu irmão?
— Acho que ele vai ficar no Rio por mais um tempo — respondeu Maurício.
— Nós, aqui, estamos torcendo por eles.
— Nós também.
— Eu já vou indo; então, até mais.
— Tchau!
— Até!
Yuri abriu a porta do guarda-roupas e disse para Káris se esconder ali.
— E... você?
— Eu vou achar outro lugar. Entra aí.
Maurício e Louise já haviam entrado, alcançado a sala e Yuri não conseguia
achar um lugar para se esconder.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
— Acho que eu vou tomar um banhozinho antes de ir.
— ‘Tá bom. Mas não demore muito.
Káris abriu a porta do armário e sinalizou para ele entrar, era o único lugar.
O espaço interno do armário comporta no máximo uma pessoa do tamanho de
Yuri, duas é praticamente impossível. Estavam comprimidos, desconfortáveis e
próximos, tão próximos que um conseguia sentir na pele a respiração do outro. Não
podiam falar, mexer, respirar direito ou espirrar. Era necessário esperar Louise e
Maurício saírem. Depois disso, eles estariam livres ou quase isso.
Clia resolveu se deitar na cama de Samanta. Ela sentia muito a sua falta e não
conseguia entender porque sua dona não voltava para casa. Todos os dias ela se
deitava ali esperando-a voltar. Mas ela nunca voltava.
O tempo foi passando e os dois já não agüentavam mais a situação. Não tinha ar
suficiente, estavam com medo de serem descobertos, estavam próximos demais e
ainda tinha a cachorra como vigia do lado de fora. Mas faltava pouco para a liberdade.
Louise e seu marido estavam prontos para sair.
— Vai deixar a Clia solta, Ma?
— Deixe-a aí, ela vai se comportar, não vai?
Clia estava sentada de frente para o guarda-roupas. Escutara barulhos que
vinham lá de dentro. O que seria?
— Então vamos.
— Cadê a chave da casa, Lú?
— ‘Tá pendurada no porta-chaves. Por quê?
— Você saiu e deixou a porta aberta hoje à tarde.
— A Cidinha me disse que não tem problema.
— Mesmo assim é melhor sempre trancar quando a gente sair porque pode
entrar alguém aqui e roubar alguma coisa.
— ‘Tá bom, meu amor.
— Au-au! Au-au!
— Clia, comporte-se.
Eles ouviram os passos de Maurício e sua esposa cada vez mais fracos até que
desapareceram. A porta bateu e foi fechada.
Káris pediu para Yuri abrir a porta, mas...
— Não dá.
— Como assim, “não dá”? É só empurrar a porta.
— Eu quis dizer que a gente não pode sair agora. E se eles esqueceram alguma
coisa e voltarem pra buscar?
— Au-au! Au-au!
Fora da casa, enquanto, esperavam o elevador, Louise ouviu os latidos:
— Você ouviu? A Clia ‘tá latindo. Acho que é melhor prendê-la, Ma.
— Deixe a coitada lá, Lú. E a gente já ‘tá atrasado, é melhor irmos embora. O
elevador chegou, vamos.
Dentro do armário, Káris apertava o nariz segurando-se para não espirrar.
Queria sair.
— Yuri?
Ele indicou com os olhos a presença da cachorra, do lado de fora. Era melhor
não falar agora.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
— Cinco minutos — gesticulou com os lábios.
Eles não agüentaram nem três. Káris já havia prendido o espirro por muito
tempo e agora não conseguia mais se controlar. Ela tentou empurrar a porta mas tudo o
que conseguiu foi empurrar Yuri. A porta cedeu com o peso. Ele caiu no chão, e ela,
em cima dele.
— Aaa-aaa-aaachiiiiiiimm!
O espirro estourou em cima de Clia que saiu correndo de medo.
— Ai! Parece que um trator passou em cima de mim.
— Eu não ‘tô sentindo minhas pernas direito.
Os olhares dos dois se encontraram por um momento. Káris percebeu que
estava em cima de Yuri e morreu de vergonha.
— Desculpa.
— Não foi nada. A queda não conseguiu me machucar mais que o armário. ‘Tá
tudo bem.
Yuri realmente era ingênuo quanto ao sentimento de sua amiga. Nem conseguiu
perceber que as desculpas eram por outro motivo.
Ele ficou no chão por mais algum tempo, suas pernas estavam dormentes. Mas
Káris queria sair dali o mais rápido possível. Levantou-se cambaleando e foi procurar
um meio de sair da casa.
— A gente tem de sair daqui.
— Káris! Aonde você vai?
— Tem de ter mais uma chave por aqui. Já volto.
Yuri, ainda deitado no chão, olhava para o teto, pensando, quando alguma coisa
chamou sua atenção; era Clia, tremendo de medo debaixo da cama. Achou aquilo
engraçado:
— Então você consegue se esconder aí?
Enquanto Káris procurava pela chave, ele resolveu procurar pelo diário.
Levantou-se, foi até a escrivaninha, abriu as gavetas. Nada além dos livros do Terceiro
Ano, do fichário, papéis e canetas.
— Ué!? Era pra estar aqui, junto das coisas da escola.
Tentou o armário. Nas portas de baixo não tinha nada além de roupas, sapatos,
toalhas e roupa de cama. Puxou a cadeira e subiu para alcançar as portas de cima. Nas
primeiras duas portas que abriu encontrou apenas papéis, bonecas, troféus e algumas
caixas. Não tinha nada que se parecesse com um diário ali. Na terceira porta havia
livros de Primeiro e Segundo Graus, jogos, cadernos e agendas.
— 96, 97, 98, 99, 2000 e... ué? Cadê a agenda desse ano?
Káris entrou no quarto:
— Yuri, achei! Vamos embora.
— Eu não achei.
— Não achou o quê?
— O diário. Só têm agendas dos anos anteriores. A desse ano não ‘tá aqui.
— Deixa isso pra lá. A gente tem de sair daqui. Vem!
Yuri pegou a agenda de 2000, fechou as portas do guarda-roupas e seguiu atrás
dela. Eles saíram pela porta da sala e foram embora.
Clia deu um latido medroso, como que dizendo: “E não voltem nunca mais
aqui!”. Coitada!
«68»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
Era melhor não serem vistos juntos, por isso tomaram caminhos diferentes: cada
um saiu por uma portaria. Yuri desceu até a garagem do prédio, foi até a segunda e
saiu por lá. Káris saiu pela primeira mesmo. Encontraram-se, minutos depois, em uma
lanchonete na comercial.
— Meu Deus! Meu coração ‘tá disparado até agora — Káris estava com a mão no
peito ainda se recuperando do medo.
— Vocês vão querer alguma coisa? — perguntou o empregado da lanchonete.
— Não, obrigado — Yuri esperou até ele se afastar para falar. — Eu nunca passei
tanto medo na minha vida. Eu ‘tô gelado.
— A gente é louco.
— Káris!
— O que foi?
— Cadê meu livro?
— Livro?
— O livro que eu te emprestei pra você fingir... — não completou.
— Eita! Eu deixei em cima da grama, junto com o walk-talk.
Ele se levantou subitamente.
— Vou lá buscar. Já volto.
— ‘Peraí ! Eu vou com você.
Káris indicou o lugar onde havia deixado o livro. Yuri foi buscá-lo enquanto ela
esperava na banca de revistas próxima ao prédio.
É obvio que o livro não estava mais lá, nem o walk-talk. Os dois estavam nas
mãos de uma garotinha de uns 5 anos de idade que brincava de colorir uma página do
livro.
— Ei, menininha!
O pai da garota chegou por trás dele e disse:
— Sim?
Yuri tomou um susto.
— É que essa menina pegou meu livro e meu walk-talk. Você é o pai dela?
— São seus, é?
— São.
O pai, um homem alto, musculoso e nem um pouco gentil, tomou o livro da
filha. A menina fez menção de chorar, porém as lágrimas secaram com apenas uma
olhada de repreensão do homem.
— Se é seu, então prove.
— Como?
— O livro não é seu? Então me prove.
Yuri achou a atitude do homem a mais estranha possível. Mas existe todo tipo
de gente no mundo.
— Tem uma dedicatória. Bruno Engelhard.
O homem abriu o livro. A primeira página estava rabiscada, passou para a
página seguinte. Havia uma dedicatória estranha. As primeiras palavras não eram em
português e o homem não entendeu o que estava escrito. Continuou lendo, mas não
tinha muito paciência para ler um texto tão grande.
— Toma logo esse livro — jogou nas mãos de Yuri.
— E o walk-talk?
«69»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
O Diário
— Não vai me dizer que isso também é seu?
— Vai querer que prove também?
Yuri tirou o outro walk-talk do bolso da calça e mostrou para ele.
— Por que alguém deixaria um brinquedo caro como esse largado por aí?
Um frio correu a espinha de Yuri.
— Por causa de uma emergência — respondeu.
— O livro eu não ligo de você levar, não presta pra nada mesmo, mas isso eu
ligo. Se você quiser de volta vai ter de dar algo em troca por ele. Como dizem as
crianças: “Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado.”
Essa atitude acendeu uma raiva enorme dentro de Yuri. Ele tomou o walk-talk
da mão da menina e saiu correndo.
A “parede de músculos” ficou irada, mas não correu atrás dele. Ficou com a
filhinha que chorava.
— Não chora não, filhinha. Papai compra um pra você.
O homem olhou para Yuri, que já estava longe, e murmurou:
— Existem pessoas muito estranhas nesse mundo...
«70»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
«SETOR 07»
“We change”
Yuri marcou a página do livro com o dedo indicador. Respirou fundo, pensou
por alguns instantes, era um bom livro. A história era bem amarrada, os
acontecimentos, bem significativos; ele se sentia envolvido, queria descobrir o
assassino. Mas quem seria? A cada momento tinha um palpite novo.
O azul do céu desviou sua atenção. Estava um dia bonito apesar da secura e do
calor. Perdeu-se em seus pensamentos. Já fazia tantos dias que não via Káris... Ela
estava chateada com ele ou pelo menos era o que parecia. Tinha de se redimir. Mas
como?
— Pêmrhhh!
A campainha tocou inesperada. Quem poderia ser? Takashi estava viajando com
o pai, Juan ainda não havia voltado de Recife, Káris... talvez fosse ela.
— Quem é?
— Oi, Yuri. Sou eu, a Berenice.
Yuri sentiu um frio na barriga. O dia estava indo muito bem e agora isso.
Berenice não, hoje não.
— Não vai abrir a porta?
— Sabe o que é? É que eu não ‘tô com a chave.
— Mas a porta sempre fica aberta.
Ela girou a maçaneta. Yuri passou o trinco na porta antes que Berenice
conseguisse abrir.
— Ué!? Parece que ‘tá só no trinco. Eu ‘tô achando que você não quer abrir a
porta, Yuri.
“Como você adivinhou?”
— Yuri, eu vou embora — ameaçou.
“Por favor, por favor.”
— Abre logo, Yuri.
— Não vai dar, não.
— Como?
— Eu ‘tô muito ocupado — tudo o que ele fez o dia todo foi ler o livro. — E a
casa está uma bagunça.
«71»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
Yuri olhou em volta. A tábua corrida refletia, a mobília estava encerada e o
perfume de limpeza e arrumação pairava no ar.
— Deixa de ser bobo, não ligo pra isso — forçou a porta.
— Infelizmente.
— O que você disse?
Yuri não percebeu que havia pensado em voz alta. Ele sempre evitara Berenice,
era uma pessoa muito inconveniente. Sempre suportou, nunca havia dito a verdade
para ela, antes. Era hora de mudar isso.
— Eu não quero abrir a porta.
— Não ‘tô acreditando que você vai fazer isso comigo!
— Vou!
— Você não me merece como amiga, Yuri. Não me merece.
— Verdade, verdade. Você tem toda a razão.
— Nunca mais falo com você.
“Tomara” — desejou, ele.
Ela deu um murro na porta e foi embora chateada. Bem, eu preciso explicar
algumas coisas pra você. Eu sei que a atitude dele parece um pouco estranha e até maleducada, mas eu fico do lado dele. Você não conhece a Berenice.
Imagine uma garota comum de 15 anos. Não muito alta nem muito baixa,
mediana. Agora pense em um velho insuportável, cheio de manias, opinioso, tagarela,
insistente e exímio conhecedor da forma de vida dos répteis. Dobre a tagarelice e
coloque a personalidade do velho na garota comum de 15 anos. Eis Berenice.
Yuri a conheceu por meio do Icq. O Icq, para aqueles que não conhecem, é um
programa de conversação instantânea via Internet. Ele possui uma lista de pessoas
autorizadas a falar com você, e existem dois modos de conseguir a autorização de
alguém. Em um, o usuário seleciona as pessoas que receberão autorização; no outro, a
autorização é concedida para qualquer um que a peça. Bem, depois de conhecer
Berenice, Yuri mudou do segundo modo para o primeiro.
Mas excluí-la da sua lista não foi suficiente, pois a prima da garota mora no
mesmo prédio de Yuri; então, todas as vezes que ela visita a prima, também faz uma
visitinha — em média umas quatro horas — para ele.
Yuri caiu na gargalhada. Nem acreditava no que acabara de fazer.
Pegou um marcador, colocou-o na página onde estava o dedo e deu uma
folheada. A primeira página estava toda rabiscada. Káris voltou ao seu pensamento.
— Nesses últimos dias, ela não me ligou, não combinou de fazermos nada. Nada
comigo... ‘Tá chateada com alguma coisa. Só pode ter sido aquele dia na casa da Sam.
Várias vezes deu desculpas pra não atender meus telefonemas... Já sei, vou pedir
desculpas e chamá-la pra sair. Será que ela vai aceitar?
------------------------— Káris? É você?
— Oi, Wina!
— Que aconteceu? Cê ‘tá com uma carinha de desânimo.
— Eu ‘tô cansada, só isso.
Káris foi para o quarto deitar-se. Não queria atender ninguém naquele dia.
— Eu não vou atender nenhum telefonema nem ninguém. Ouviu, Wina?
«72»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— Pra que ‘cê ‘tá gritando? Eu ‘tô aqui ao seu lado — Wina sentou-se na ponta
da cama. — Agora me conta. O que ‘tá acontecendo?
— Nada, eu só ‘tô um pouco cansada.
— Não, não é só isso. Ontem você também ‘tava diferente. Me conta, o que foi?
— Ah! sei lá. Às vezes, eu acho que é o Yuri, às vezes acho que sou eu, às vezes
acho que não é nenhum nem outro. Sei lá!
— Entendo, mas por que você, ou o Yuri ou nenhum de vocês dois é o
problema?
— Ele me pediu pra guardar segredo, mas pra você acho que não tem problema
contar — sentou-se.
— Então, conte.
— Sabe aquela garota do Sigma que morreu semana passada? — Wina disse que
sim — Então, o Yuri era apaixonado por ela.
— Quem te disse isso?
— Ninguém, mais dá pra perceber.
— Por que dá pra perceber?
— Por causa da... da... Ah! Eu não quero falar sobre isso.
— Não quer, mas precisa. Dá pra ver nos seus olhos que você quer desabafar.
Tem alguma coisa aí dentro — apontou para o coração — que ‘tá machucando você.
Káris olhou para sua irmã por alguns instantes e, por fim, admitiu:
— É verdade, eu preciso contar isso pra alguém. Eu... eu... estou... apaixonada...
pelo Yuri.
— É, isso acontece — sem surpresas.
— Só isso? “Isso acontece”? Yuri é quase que um irmão pra mim, Wina.
— Ele é quase um irmão, mas não é um irmão. Quem entende o coração?
Convive-se meses, até anos com uma pessoa e aí, de repente, acontece.
— Mas é um sentimento muito estranho. Me sinto culpada.
— Coitadinha da minha irmãzinha — abraçou-a afetuosamente. — Ele já sabe?
— Eu não contei e acho que ele também não percebeu.
— E quando foi que você se apaixonou?
— Foi tão estranho, ele só olhou pra mim e aí eu vi algo estranho no olhar dele,
uma coisa diferente e... estranho, foi apenas um olhar.
— Planetas nascem, civilizações surgem, evoluem, destroem-se e passam. Tudo
no curto espaço de tempo de um olhar de dois amantes.
— Isso é romântico demais pro meu gosto.
Wina sorriu.
— Mas quando foi isso?
— Anteontem.
------------------------— Mas aonde a gente podia ir? Mc Donald’s? Não, eu é que gosto de ir ao Mc.
Seu eu fosse a Káris e quisesse comer algo, aonde eu iria? Bem, ela iria num lugar
legal, agradável, calmo, onde desse pra conversar. Ela prefere o ambiente à comida. Já
sei! Vou chamá-la pra ir na Praliné, lá tem um ambiente legal e, à tarde, tem um
lanche delicioso. Mas como a gente vai?... Wina!
«73»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
Yuri olhou o relógio, eram cinco e meia. Tomou banho, vestiu uma calça jeans,
colocou o sapato de camurça, cinto e camisa social-esporte. Pegou a carteira, as chaves
— ele as deixou bem a vista dessa vez — e deixou um bilhete na geladeira: “Fui na
Praliné com a Káris e a Wina”. Já ia saindo quando viu o livro largado em cima do sofá.
Achou melhor guardá-lo.
— Eu vou descobrir quem é. Você vai ver HP — disse para o livro e saiu.
Roubou uma rosa da roseira do prédio e foi para a casa de Káris. Achou que era
melhor chegar sem avisar, seria mais difícil dela negar o pedido.
Já no prédio de sua amiga, ele chamou o elevador e entrou. Teve a impressão de
que havia uma música ambiente ali, mas estava enganado. Quando chegou ao quarto
andar percebeu que a música vinha da casa de Káris.
Tocou a campainha do jeito diferente, que só ele toca todas as vezes quando
chega à casa dela. A música pareceu-lhe, propositadamente, aumentar de volume.
Pensou que ela devia realmente estar chateada com ele. Ela não iria abrir a porta.
“Puxa! Foi algo ruim entrar na casa de outra pessoa como um bandido, mas não
aconteceu nada demais pra ela estar tão chateada assim comigo, sem falar que a idéia
veio dela. Deve ser coisa de menina...” — concluiu com certa tristeza.
Achou melhor voltar para casa.
— Quem é? — uma voz macia perguntou por puro costume.
Yuri não respondeu, era melhor entrar no elevador e ir embora. Ela
provavelmente não ia querer recebê-lo.
-------------------------
Yuri.
— Mas não se preocupe. Das duas, uma: ou você supera isso, ou ...
— Acho que ele... deixa pra lá.
— Mas me conta, onde você foi? E se eu não ‘tô enganada, você ‘tava com o
— Wina, você não vai acreditar.
— Tente.
— O Yuri ‘tava apaixonado por essa Samanta. E ele não quer acreditar, de jeito
nenhum, que ela... bem, ele acha que ela foi assassinada.
— Assassinada?
— Loucura, né? Mas ele acha que sim.
— E por que ele acha isso?
— Calma, ainda tem outra coisa. Ele acha que ela foi assassinada pelo Maníaco
do Parque.
— This boy is totally crazy!
— Eu também acho, mas pra ele tem lógica.
— Lógica?
— Ele acha que o Maníaco do Parque mudou a forma de atacar e...
Káris contou minuciosamente a conversa do dia anterior. Contou como a
situação fora chata e por fim entrou na parte do diário. Wina achou tudo uma grande
maluquice.
— Aí, pra fazer ele desistir disso tudo eu disse que no diário dela devia ter
alguma coisa, algum sinal.
— Sei.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— Daí, eu disse: “Vamos na casa dela pegar o diário”.
— I don’t belive.
— Mas pode crer, nós entramos na casa dela pra pegar o tal diário.
— Vocês dois estão malucos ou o quê?
— E eu só fui me tocar no que eu tinha me metido quando eu já ‘tava dentro do
prédio. Imagine só.
— E vocês não desistiram da idéia?
— Não.
— ‘Cê ‘tá brincando, né?
— Não.
— Que isso!? E como vocês fizeram pra entrar na casa? Fizeram a empregada
como refém? — brincou.
Káris contou sobre o plano de Yuri. Era até um bom plano, mas aconteceram
muitas coisas inesperadas e no final das contas tudo saíu diferente. E por pouco eles
não entraram numa fria.
— Por fim, eu tive de abrir a porta do armário pra ele entrar. Não tinha nenhum
outro lugar.
— Vocês dois ficaram juntos dentro de um armário minúsculo? E aí?
— Como assim, “e aí”?
— Não aconteceu nada? Você sabe, vocês dois ali, pertinho e...
— Eu ‘tava com tanto medo que... ‘Tá bem! Eu confesso; apesar do medo, eu me
senti mal por causa da situação. A gente ‘tava muito perto um do outro.
— E põe perto nisso.
— Mas ele se comportou muito bem, levando tudo em consideração.
— Uau! Dá pra ver que ele realmente gosta de você. Se fosse outro garoto, teria
se aproveitado da situação.
— Também acho. E depois de um tempão dentro no armário eu ainda cai em
cima dele. Fiquei morta de vergonha.
— Meu Deus!
— Eu não ‘tava agüentando mais ficar dentro do armário e acabei empurrando
ele sem querer.
— Ele te vê como uma irmã, porque...
— E é por isso que eu me sinto culpada.
— Mas você não pode se sentir assim. Não!
— “Quem entende o coração?”
Wina sorriu.
— E o diário? Vocês conseguiram?
— Não. Não ‘tava lá.
— Tudo isso pra nada?
— Tudo isso pra nada.
— Mas deve ter sido superlegal.
— Legal? Foi loucura, isso sim.
— Claro que foi loucura, mas foi legal.
— Eu nunca mais faço isso outra vez.
— É bom mesmo, porque se você fosse parar na delegacia, eu nem ia saber como
explicar isso. E os nossos pais? Iam ficar...
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— Você não pode contar nada, ouviu?
— É claro que eu não vou contar, ‘cê acha que eu sou louca? Isso ia acabar
sobrando pra mim.
As duas ficaram caladas por alguns instantes, até que Wina perguntou:
— E o quê eu digo pro Yuri? Ele vai ligar.
Káris estava cansada. Não queria pensar, ver ou ouvir Yuri. Queria fugir.
— Diz que eu ‘tô cansada e que já fui dormir.
— Você acha que o melhor é fugir?
— Não. Mas eu não vou atender ninguém.
— Você é quem manda, chefinha.
------------------------Káris olhou pelo olho mágico, viu Yuri indo embora. Abriu a porta o mais
rápido que pôde e gritou:
— Yuri!
O dedo dele parou sobre o botão “P”, não chegou a apertá-lo. Káris abriu a porta
do elevador.
— Yuri?
— Oi — falou com uma voz triste.
— Ué!? Você ia embora sem falar comigo?
— Achei que só ia atrapalhar. Melhor eu ir embora — apertou o botão.
— ‘Tá chateado comigo, né?
— Na verdade, não. Eu vim pra pedir desculpa por qualquer coisa. Mas eu acho
que não vim em boa hora.
Káris entrou no elevador e eles desceram.
— Você veio na melhor hora. Eu fiquei muito envolvida com uma coisa e acabei
me isolando. Mas eu não ‘tô chateada com você. Pode crer.
Yuri ficou em silêncio e Káris também não disse nada, ficou observando-o girar
a rosa na mão. O elevador chegou à portaria.
— Sério? — disse meio descrente. — Depois a gente se fala. Eu vou indo.
— Você quer que eu te peça desculpas? Eu peço: me desculpa por não ter falado
com você todos esses dias, foi mal.
— Sabe, parece que as coisas mudaram desde a última vez que eu te vi.
— Tudo muda no mundo, até o próprio mundo. A gente tem de aprender a
conviver com as mudanças, você não acha?
Yuri sorriu.
— Vamos logo. Anda, entra aqui e sobe comigo.
Ele a observou, sentiu que havia algo diferente nela. Mas o que era? Ela parecia
mais, mais, mais o quê? Tinha algo a mais.
— Se eu disser porque não te recebi todos esses dias, você me desculpa?
------------------------Káris tomou banho, comeu qualquer coisa e foi para cama dormir. Queria se
desligar dos seus pensamentos, mas não conseguiu. Rolou de um lado para outro por
mais de uma hora, o sono não vinha. Tudo o que havia era Yuri.
«76»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
Ligou o rádio para se distrair; colocou em qualquer estação, só queria escutar
algo que desviasse um pouco sua atenção. Na estação, a musica Olha o que o amor me
traz, de Sandy & Júnior, tocava: “Primeira vez, o amor bateu de frente comigo. Antes
era só um amigo, agora mudou tudo de vez. Será que você sente o que eu sinto por
você? Será que é amor? É tão difícil de esconder. Olha o que o amor te faz, te deixa
sem saber como agir...”. Chorou.
Um choro calado, um choro sereno, um choro sem motivo, mas cheio de razão.
“O pior da paixão — pensava — é não saber o que o outro sente por você.”
Tinha medo de que Yuri acabasse se afastando. Como ele reagiria? Foi difícil
dormir àquela noite.
Na manhã seguinte, Káris se levantou morrendo de fome. Estava disposta a
tomar um supercafé da manhã. Quando chegou na cozinha, encontrou Wina
cozinhando.
— Bom dia, Ka!
— Bom dia! Hum! ‘Tô com uma fome.
— Você chegou na hora certa.
Wina colocou a mesa para o almoço e Káris não entendeu:
— Ué!? Já ‘tá na hora do almoço?
— É uma e meia da tarde, litlle sister.
— Já!?
— Já! E aí, dormiu bem?
— Foi a pior noite da minha vida. O Yuri ligou?
— Duas vezes. Ontem e hoje.
— O que você disse pra ele?
— A verdade: “Ela ‘tá dormindo” e “Ela ainda ‘tá dormindo”. Ele vai ligar de
novo.
— Eu não quero atender.
— Ka, olha pra mim — ela olhou fundo nos olhos de Wina. — Não dá pra fugir.
Mais hora, menos hora ele vai acabar sabendo. Por que você não conta pra ele?
— Medo.
— Medo de quê?
— Medo de ele não me entender, medo dele se afastar de mim, medo dele vir a
gostar de mim com eu ‘tô gostando dele agora. Medo de mudanças.
— Tudo no mundo muda, Ka; até mesmo o mundo. We change!
Káris ficou em silêncio, não queria mais falar sobre isso.
— O cheiro ‘tá uma delícia. O que você cozinhou? — desviou do assunto.
— Káris, Káris...
------------------------Ele sorriu e disse:
— Eu já te desculpei, Ay. E você? Me desculpa por qualquer coisa?
— Claro que sim!
Eles se abraçaram, era um abraço reconciliador.
— Toma — estendeu a rosa — achei que ia gostar.
— Obrigada, é linda!
— Então vamos subir.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
A música, dessa vez, parecia mais alta ainda. Na sala, Wina dublava a voz de
Sandy na música “Vivo por Ela”, interpretada por essa e Andrea Bocelli. Parecia estar
cantando para uma multidão de fãs. No fim, recebeu os aplausos da platéia.
— Muito obrigada — curvou-se.
— E aí? Tudo bem?
— Agora que você chegou, está tudo melhor — olhou para Káris.
— Eu não sabia que era tão importante assim.
— Pra nós, você é mais que um irmão.
— Thank you for these sweet words.
— You’re welcome, Yuri-chan — “chan” é uma forma carinhosa de tratamento
em japonês.
— Eu gosto muito dessa música — disse Káris.
— É muito bonita. Esse Andrea Bocelli canta muito bem. Eu queria que ele e a
Celine Dion gravassem o tema de A Bela e a Fera em Italiano. Ia ser fera... e belo
também.
— Verdade, ia ser lindo — disse Wina.
— Vem! — pegou na mão de Yuri. — Vou dizer porque não te recebi todos esses
dias.
Eles foram até ao quarto de Káris e fecharam a porta — a música vinha do
quarto de Wina e estava no máximo, não dava para conversar direito...
— Então conta, por que você não me recebeu todos esses dias?
— Na verdade, é melhor eu mostrar pra você.
Káris estava em pé na frente de Yuri, olhando bem em seus olhos.
— Mostrar? Mostrar o quê?
— Isso!
------------------------Depois do almoço, ela foi para o seu quarto procurar algo com que se distrair,
achou o livro. Leu a contracapa. Era uma história de Sherlock Holmes no Brasil? E na
época do Segundo Império? Parecia interessante.
Tomou coragem e abriu o livro. As letras eram grandes e as linhas espaçadas. O
livro era grosso apenas para facilitar a leitura.
“Se fosse igual aos outros, ele até seria fino. As aparências enganam...”
A história, de alguma forma, a fazia lembrar de Yuri.
— Não ‘tô nem aí, vou ler de qualquer jeito.
E realmente leu. Ela ficou concentrada na leitura até às sete da noite. Divertiu-se
muito. A história era bem bolada e esse Sherlock Holmes era engraçado, diferente
daquele de O Cão de Baskervilles, livro que teve de ler no ano anterior para o colégio.
Káris saiu do quarto e encontrou Wina falando no telefone:
— É que ela ‘tá ocupada agora, Yuri.
— Puxa! Ela ‘tá ocupada desde de ontem? O que ela ‘tá fazendo?
Káris gesticulou que ela não iria atender, de jeito nenhum.
— Eu não posso dizer. É segredo.
— Segredo até pra mim?
— É... “principalmente pra você” — pensou.
— Ela ‘tá chateada comigo?
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— Acho que não.
— Então, ‘tá bem. Quando ela estiver desocupada, pede pra me ligar. Eu tenho
uma coisa pra dizer pra ela.
— Eu digo sim, Yuri-chan.
— Tchau!
— Tchauzinho!
Wina desligou o telefone com um peso no coração.
— O que foi que ele disse?
— Ele disse que tem algo pra te dizer.
Káris gelou.
— O que pode ser?
Wina estendeu o telefone para ela:
— Só ligando pra saber.
— Hoje não. Talvez amanhã.
— Káris, Káris. Você ‘tá escolhendo o caminho errado.
Yuri desligou o telefone, pensativo. Achou que Wina estava mentindo. O que
Káris estaria fazendo, de tão importante assim, que nem atender ao telefone ela podia?
A porta se abriu, eram sua mãe e seu pai, que acabara de chegar de viagem.
Káris preferia não ter ouvido Yuri ligando. Agora ele não saia da sua mente.
— O livro não é legal?
— Hã?
— Terra para Lua, Terra para Lua.
— O livro? Ah, sim! É muito legal sim. É bastante engraçado.
— O final é superlegal. Pra quem já leu os livros do Sherlock Holmes esse tem o
final mais interessante. Na minha opinião.
— Por quê?
— Por quê? Quer mesmo que eu conte?
— Não, deixa que eu mesmo descubro. Vou ler ele todo.
— Gostei de ver!
Káris abriu um sorriso gentil.
— É, acho que vou tomar banho...
— Oh, Ka!
— Eu?
— Você vai continuar lendo agora à noite?
— Não sei. Por quê?
— Eu ‘tava pensando em ir ao cinema. ‘Tá a fim?
— Bora.
-------------------------
livro?
Káris apontou para o monitor do computador.
— A Lenda do Cavaleiro Imortal — Yuri leu o título. — Você ‘tá escrevendo um
— Na verdade, é um filme, mas eu acho que vou escrever como um livro e
depois adaptar. Meu sonho é ser...
— Uma grande diretora de Hollywood — completou. — Mas, diz aí, já escreveu
quantas páginas?
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— Acho que mais de trinta.
— Uau! ‘tava inspirada, hein?
— Na verdade eu tenho toda a história aqui — apontou para a cabeça — agora
só falta passar para o papel.
— Legal demais! A minha melhor amiga vai ser escritora. Fera! Mas sobre o que
é a história?
Káris fez uma explicação resumida. Havia em um reino, um lorde que era o
braço direito do rei. Esse lorde não possuía nenhum filho porque sua mulher era
estéril. Mas um dia ela concebeu um filho forte, cheio de habilidades e amaldiçoado.
Amaldiçoado pela serva da mulher. O filho da serva morrera por causa da inveja da
senhora, então ela amaldiçoou o ventre dessa nobre. Um filho lhe nasceria e ele seria
imortal até que a décima quinta geração da serva se cumprisse. Se uma das gerações
morresse sem deixar descendente, ele seria imortal eternamente; do contrário, teria a
mortalidade devolvida ao seu corpo. Nascendo o novo descendente, seus encargos
para com o ascendente cessavam e o ciclo voltava ao início. Isso se repetiria por
quinze gerações. Seriam séculos de angústia.
— Isso é uma benção e não uma maldição — disse a senhora.
Então a serva replicou:
— Um homem fadado a viver a vida de quinze homens não pode ser alegre ou
feliz, não pode casar-se ou ter amigos. Tudo a sua volta morrerá, e só ele viverá e
viverá só.
A serva se foi e sua senhora jamais deu razão às palavras dela. Anos depois do
menino ter nascido, sua mãe veio a falecer e seu pai não pôde criá-lo. O garoto, então,
foi tutorado por um mestre da guerra que já estava aposentado de seus serviços ao rei.
O mestre o criou juntamente com seu neto.
Quando já homem feito, ele voltou para o reino de seu pai e ofereceu seus
serviços ao rei, que os aceitou imediatamente.
Certa vez, um reino próximo que havia se fortalecido muito investiu uma
campanha contra o seu reino por causa de terras. Após ignorada a diplomacia, o
conflito se resolveu por meio da guerra.
O chefe da campanha do outro reino era o neto do mestre. Quando o imortal
soube disso, não quis lutar, mas foi obrigado mediante a situação que ameaçava a
integridade do reino. Durante a batalha ele se recusou a lutar contra o neto de seu
mestre e acabou sendo assassinado por este. A campanha não teve sucesso e todos os
vivos voltaram para os seus reinos, inclusive o cavaleiro imortal que acabara de
descobrir sua benção, ou melhor, maldição.
Quando a notícia chegou aos ouvidos do neto do mestre, ele não acreditou e foi
pessoalmente conferir a veracidade da informação. Constatou que “seu irmão” ainda
vivia. Dominado pelo ódio, raptou a amada de “seu irmão” e o forçou a lutar pela
segunda vez. O imortal novamente recusou-se e o neto do mestre assassinou sua
amada.
— Você roubou tudo o que me restava, o amor de meu avô. E agora, quantas
mais terão de morrer para que você lute comigo? — exaltou-se.
Dominado pela ira, o cavaleiro o matou. De um e de outro lado de uma grande
árvore ele enterra sua vida. De um, o amor ao irmão; do outro, o amor a sua mulher.
«80»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
Sua espada ferindo a árvore indicava que ele estaria obrigado a viver uma vida ferida e
sem amor.
Quando a serva de sua mãe morreu, tendo um filho ainda bebê, ele foi
contatado e recebeu um livro que lhe informava de sua missão...
— Uau! — surpreendeu-se Yuri. — É uma história muito legal e cheia de
significados. Gostei desse lance da árvore... filosófico.
— Mas não é só isso.
— Ainda tem mais?
— Tem. A história vai começar em Londres, no Natal de 2000. Certo homem irá
contar para a última descendente, que deve ser protegida e que está grávida, mas
abandonada pelo pai da criança, sobre a lenda do cavaleiro imortal. Aí, você precisa
descobrir quem é o cavaleiro, porque ele está presente, porém, oculto. E ainda tem um
final apaixonante, se é que me entende?
— Conta, vai.
— Quando eu escrever tudinho, deixo você ler o final.
— Vou cobrar.
Káris sorriu.
— Você tem talento, vai em frente.
— Obrigada.
A música do quarto de Wina, que já estava bem mais baixa, foi desligada. Ela
deu uma batidinha na porta e entrou:
— O que vocês acham da gente alugar uma fita?
— Legal — disse Káris.
— Eu tenho uma sugestão melhor. Que tal a gente ir na Praliné lanchar?
— Hum! A comida de lá é uma delícia — disse Wina. — Mas não vai dar.
— Por quê? — perguntou Káris.
— Porque eu só ‘tô com dez reais aqui e o papai ainda não depositou dinheiro
na minha conta.
— Mas isso não é problema. Eu vou pagar pra vocês.
— Sério!? — surpreendeu-se, Káris.
— Sério. Eu ganhei cinqüentinha do meu pai. O que vocês me dizem?
— He is a gentleman, isn’t he?
— Yeah, he is.
Káris e Wina resolveram trocar de roupa, para não destoarem de Yuri. Wina
vestiu camisa multicolorida justa ao corpo e calça jeans comum. Káris colocou calça
jeans, camisa do mesmo tom da rosa que ganhara, casaco degradê que também
combinava com a flor e, por fim, colocou a própria rosa presa atrás da orelha como
ornamento.
Wina chegou na sala e surpreendeu Yuri com a roupa que estava usando.
— O que foi? — perguntou Wina.
— Acho que é a primeira vez, em um ou dois anos, que eu não te vejo vestindo
preto.
— Na verdade, Yuri-chan, um ano, três meses e alguns dias.
— Não é da minha conta, mas por que você mudou o seu estilo agora? Algum
motivo especial?
«81»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— We change. Às vezes, achamos que é de uma hora para outra; mas na
verdade, as mudanças são um processo que ocorrem todos os dias e um dia — Vualá!
elas aparecem. E apareceram hoje.
Káris chegou na sala. Estava divina.
— Uau! — exclamou Yuri.
— Como estou?
— Simplesmente linda.
— Obrigada.
— Então, vamos? — sugeriu Wina.
— Vamos.
------------------------Káris e Wina foram assistir a Morgan Freeman atuando em Na Teia da Aranha.
O filme deu uma excelente idéia para Káris: escrever uma história para um filme. Ela
já trazia na mente essa idéia desde que assistira a Highlander há alguns meses. Já havia
amadurecido a idéia e, agora, mediante o que estava passando, conseguiu acrescentar
romance a história: o cavaleiro imortal se apaixonaria novamente. Com isso, conseguiu
ligar a história do passado do Imortal ao presente.
Ela achou melhor escrever como livro já que nunca havia visto um roteiro de
filme, depois adaptaria.
As horas passavam mais rápido na frente do computador e lembrava-se pouco
de Yuri. Mas ainda não queria falar com ele. Os únicos telefonemas que atendeu,
durante aqueles dias, foram o de Takashi e o de seus pais, que estavam desfrutando
uma segunda lua-de-mel em um resort.
— ‘Tá bem, um abração pra você, Takashi-chan. Eu vou chamar a Káris.
— Um abraço pra você também, Wina-san. Tchau!
— Káris, — Wina tapou o fone — é o Takashi. Você vai atender?
— O Tk? ‘Tá bem, eu atendo.
Wina passou o telefone para ela.
— Alô? Tk?
— Oi, Káris! Como você ‘tá?
— Quase bem, e você? Como ‘tá a praia?
— Aqui ‘tá ótimo. A praia é bonita, um pouco brava, mas legal. E você? O que
você ‘tá fazendo?
— ‘Tô escrevendo um livro.
— Sério!? Que legal! ‘Ó, quando eu chegar você vai me contar tudo, hein? Káris,
eu não posso demorar, mas me diz, como foi na casa da Samanta? Vocês entraram
mesmo?
Ela contou resumidamente como tudo aconteceu. Takashi achou uma loucura e
ficou aliviado ao saber que ninguém acabou preso.
— O Yuri não te contou como foi?
— Não deu tempo. O meu cartão acabou e não deu pra ele contar tudo. Eu só
pude ligar de novo hoje, mas só chamava.
— Ele deve ter ido a algum lugar.
— Káris, meu cartão já ‘tá no fim, vou desligar. Um tchau bronzeado pra você.
Se der, eu ligo de novo pra saber como as coisas ‘tão indo.
«82»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
Ela riu. Um “tchau bronzeado”: bem criativo, não?
— Tchauzinho, Tk. Aproveite a praia.
— Káris!
— Eu?
— O Padre já voltou de viagem?
— Não sei, Tk.
— Tomara que não. Então ‘tá, tchau!
— Tchau!
------------------------A Praliné é uma confeitaria suíça que serve lanche todas às tardes, pelo preço
de 12 reais. Pode-se comer livremente de tudo o que a mesa oferece: tortas, chocolates,
doces, salgadinhos, sucos, torradas... O ambiente é bastante agradável e várias pessoas
vão até lá para comer e conversar, inclusive estes três:
— O que você fez nesses últimos dias, Yuri-chan?
— Bem, joguei Age of Empires II, The Sims ,conversei com o Juan pelo Icq, li o
livro que o Bruno me deu, visitei meu papagaio e mexi nos arquivos da minha mãe.
— Sua mãe te mandou arrumar os arquivos dela? — Káris estranhou.
— Não. Os arquivos dela são organizadíssimos. Eu fui, por conta própria e sem
ela saber, procurar uma coisa: o arquivo da Sam.
— Sério? Por que você não me contou antes?
— Eu tentei, mas você não atendeu o telefone a semana inteira.
— Ah, é mesmo. Mas conta, vai. O que você encontrou?
— A Wina já sabe sobre...
— Eu contei pra ela, tem problema?
— Acho que não. Só quero esclarecer uma coisa: eu não sou maluco, ‘tá?
— Eu sei, Yuri-chan, eu sei. Mas conta, eu também ‘tô interessada.
------------------------Yuri não estava em casa naquela tarde de quarta-feira porque tinha ido ao
apartamento do Padre ficar um pouco com o seu papagaio.
A casa estava um pouco abafada, então ele abriu as janelas para arejar o
ambiente. Quando entrou no escritório, ficou novamente tentado a abrir a gaveta da
cômoda. Desta vez, ele chegou a puxá-la, mas estava trancada.
Káris continuava empenhada em escrever e escreveu sem parar madrugada
adentro. Às vezes se perdia em seus pensamentos e acabava pensando em Yuri.
Tentava esquecê-lo, mas ele sempre voltava a sua mente. Aos poucos, ela se
acostumou com a idéia de estar apaixonada pelo seu melhor amigo. Era tolice fugir, o
sentimento era real e presente. Achou até bom sentir algo assim por alguém como
Yuri; era melhor que fosse por ele, ao invés de por outro garoto que mal conhecia.
Pela manhã, ela caiu na cama morta de sono e só acordou no final da tarde,
ouvindo o som de Wina tocar “Sozinho” na voz mais melodiosa que a Bahia tem.
Sentiu-se feliz:
— Wina?
Wina estava em seu quarto lendo o “livrinho” Musashi.
— Pode entrar, Ka.
«83»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— Sabe? eu cheguei a uma conclusão sobre o Yuri.
— Sério? E o que você vai fazer? Vai contar pra ele?
— Não.
— Não?
— É, eu acho que isso não é necessário agora. O importante é que eu admiti o
que sinto por ele.
— Muito bom. Esse é o primeiro passo: conhecer os próprios sentimentos.
— Mas eu não quero contar nada pra ele, não agora. Sabe, até gostei de sentir
isso por ele.
— Então, agora você ‘tá feliz?
— Bem, acho que sim.
— Que bom! — Wina deu um abraço forte em Káris. — Eu gosto de te ver assim,
feliz.
Naquela noite, seus pais ligaram, como faziam todas as quintas à noite. Káris
estava feliz e sua mãe percebeu isso, ela sabia que sua filha estava apaixonada, só não
imaginava por quem.
------------------------— A minha mãe tratou da Samanta quando ela tinha 6 anos, quase 7. Ela
simplesmente não falava por causa de um trauma. O irmão dela morreu afogado e
parece que ela viu, mas não pôde fazer nada.
— Que coisa triste — Káris lamentou.
— Coitada, viu o próprio irmão morrendo. Foi um acidente?
— Bem, parece que sim. A família dela, nessa época, morava no Rio Grande do
Sul, em uma cidadezinha que eu não lembro o nome. Ela e o irmão saíram para
brincar e acabaram chegando a um lago. Passou muito tempo e como eles não
voltavam os pais resolveram procurar por eles. Quando a mãe dela a encontrou, ela
estava paralisada olhando para o irmão afogado dentro do lago.
— Ah, não! Isso é triste demais — lamentou novamente.
— A Samanta chegou a fazer um desenho pra contar o que tinha acontecido e
no arquivo diz que ela foi chorando entregar pra mãe dela. O desenho mostrava ela, o
irmão caindo no lago e mais alguém. A mulher deu uma surra nela.
— Meu Deus! — Wina dessa vez.
— A situação foi ficando cada vez pior. Ninguém deu crédito pra ela e ela foi se
isolando da família. Eles acharam que o garoto, o filho predileto deles, tinha morrido
por um acidente; talvez por causa de uma brincadeira inconseqüente dela. Pensaram
que a Samanta estava jogando a culpa em um alguém imaginário, como ela fazia todas
as vezes que o irmão se machucava por causa dela. A Sam foi tratada, mas não deu
nenhum resultado, continuava sem falar. Então os pais acharam melhor começar uma
vida nova em um novo lugar. Vieram pra cá e ela foi tratada pela minha mãe.
— E como eles chegaram até sua mãe?
— Indicação dos amigos da família. Mas na opinião da minha mãe, e eu
concordo com ela, toda a família precisava de tratamento. Olha, os pais dela eram duas
pessoas estressadas e egoístas que viviam brigando e quase sempre sobrava pra Sam.
Aí brigavam porque ela era uma menina introvertida, calada, sem amigos...
«84»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— E como sua mãe soube de tudo isso? Porque a menina não falava, não é? —
Káris ficou curiosa.
— Minha mãe é super-observadora e interpreta as coisas com muito bom senso.
Acho que ela devia fazer perguntas e a Sam respondia gesticulando, com desenhos...
sei lá.
— Era uma família desestruturada — sentenciou Wina.
— Tem uma coisa que eu não entendi. Numa das folhas do arquivo tem uma
nota meio que sem ligação com nada.
— Como é a nota? — perguntou Wina.
— TPM... Uma menina de 6 anos ainda não... — não completou a frase.
— Talvez não, mas pode até acontecer. Quem sabe, a menina sofria mesmo de
tensão pré-mestrual devido a carga de estresse que estava sobre ela? Imagina seus pais
brigando com você por você ser uma pessoa calada. E ainda saber que todos te
consideram o assassino do seu irmão. É uma situação muito difícil pra uma criança —
sentenciou Wina.
— Verdade. É uma situação difícil até pra alguém de mais idade.
— E quando ela voltou a falar? — perguntou Káris.
— Na terceira consulta com a minha mãe ela falou do nada: “O céu ‘tá tão
bonito hoje. Adoro os passarinhos. Eles são ‘tão felizes”. Depois ela se calou.
— E durou quanto tempo esse tratamento? — Wina quis saber.
— Não muito. Na mesma época minha avó ficou muito doente e minha mãe teve
de viajar. Os pais dela não queriam a interrupção do tratamento porque a Sam estava
progredindo rápido, até mesmo na questão da introversão, mas não deu. A última
coisa anotada no arquivo é a indicação de um psicólogo, amigo da minha mãe, e a
recusa da família.
— Eu não sabia que ela já tinha passado por um problema tão difícil assim. ‘Tô
com pena dela — disse Káris.
— Eu sabia que ela tinha sofrido com algo no passado, porém não sabia que
tinha sido tão doloroso; mas sabe de uma coisa, eu achei que ela foi uma vencedora e
isso me deu mais um motivo para não acreditar. Ela sabia muito bem o valor que a
vida tinha.
— Mas você não conhece as cicatrizes que ficaram desse trauma — colocou
Wina.
Yuri simplesmente a olhou tentando ver o que estava por trás daquelas palavras.
— Yuri, você já leu a agenda?
— Já, mas não ajudou muito.
— Não tinha nada de estranho?
— A única coisa estranha que eu achei foi no mês de dezembro. Não tem nada
escrito, fora umas duas linhas no dia 31.
— E o que ‘tá dizendo?
— Não deu pra entender muito bem, até parece que foi outra pessoa quem
escreveu. A letra é muito diferente, uns garranchos bem diferentes da letra redondilha
dela.
— Vai ver, ela ‘tava com pressa e escreveu de qualquer jeito. Mas o que deu pra
entender?
— Só umas quatro palavras: “resistir”, “criei”, “forte” e “perdeu”.
«85»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
— Sem saber a frase toda, as palavras não fazem muito sentido — disse Wina.
— E você continua querendo investigar?
— Querer eu quero, mas depois desse tanto de informação, ainda não tenho
nada que me ajude. Como disse meu tio: “‘tô num beco sem saída”.
— Tudo o que eu quero é que você tome cuidado e não vá se meter em outra
enrascada como da outra vez, hein? — Káris brincou.
— Olha só quem fala... Ah! Tem mais um coisa: o Juan me falou que ela
escrevia cartas de amores para o namorado e, mesmo assim, ele queria acabar o
namoro...
Depois dessa frase o assunto pareceu se esgotar. Yuri não falou mais esperando
um comentário de Káris, porém ela não se pronunciou. Sentiu-se saturada a respeito
de Samanta e et cetera.
Então, Káris limitou-se a um gesto de leve surpresa e mudou, propositadamente,
de assunto:
— Essa torta de frango com catupiry é boa, Yuri?
— Uma delícia, Ay. Você devia provar.
— Eu vou lá pegar uma fatia pra mim então.
Káris se levantou e Wina ficou olhando para o garoto de olhos castanhos
sentado a sua frente. Ela tinha no rosto um sorriso tão enigmático quanto o de Mona
Lisa.
— O que foi Wina? ‘Tá me olhando de um jeito estranho.
— Minha irmã me contou sobre a Missão: Impossível de vocês.
— Contou, foi? Eu nunca mais faço uma coisa dessas. Nunca mesmo.
— Ela também me contou que vocês ficaram presos dentro de um armário e que
ficaram bem próximos.
— Ela contou isso também? Mas eu não fiz nada. Pode acreditar em mim.
Palavra de escoteiro.
— Embora você nunca tenha sido escoteiro, eu acredito em você. Mas poucos
garotos não se aproveitariam de uma situação como essa.
— Ay é como uma irmã para mim, eu jamais...
— Ela é como uma irmã, mas não é irmã.
Yuri olhou curioso para ela.
— Com licença, vou ao banheiro.
Wina saiu propositadamente e deixou-o pensativo. Ela, às vezes, dizia coisas
que ele não entendia direito.
Subitamente os olhos de Yuri foram atraídos. Era uma menina, não, uma garota
que estava em pé enfrente ao microondas esperando sua torta esquentar. Seu cabelo
balançava com a brisa que entrava pela janela, seus olhos verdes pareciam atrair a luz
do sol, o sorriso era gentil. Só agora ele entendera o que Juan lhe dissera: sua amiga
Káris era realmente uma garota muito linda.
Tudo isso durou o tempo de um momento, mas ele carrega esse momento
consigo desde então. Quanto tempo tem um momento? Wina diz que um momento é
uma quantidade infinita de instantes. Então é só aplicar o cálculo integral para
descobrir o tamanho; bem, não vou nem terminar porque ninguém acharia graça dessa
piada mesmo. O que eu queria dizer é que está definição é tão interessante quanto
«86»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“We change”
subjetiva, mas creio que para esse caso ela se encaixe sem problemas, já que para Yuri
aquele momento pareceu infinito.
De volta à mesa, Káris contou-lhe algo que ainda não havia dito. Iria contar no
dia, mas depois de tudo o que aconteceu acabara esquecendo.
— Lembra aquele dia que a gente foi pegar o diário?
— Claro.
— O porteiro me disse uma coisa que eu esqueci de te dizer.
— E o que é?
— Parece que ele viu alguém entrando na casa da Samanta. Ele não viu direito
quem era, mas achou ser o namorado dela. Podia ser o pai, mas se foi mesmo o
Guilherme, isso é quase...
— É quase incriminador — completou, Yuri.
------------------------Enquanto Káris falava ao telefone com sua mãe, Yuri lia o livro da Rainha do
Crime.
Já havia lido nos arquivos de Chris a história que ele não conhecia sobre
Samanta. Leu também o diário e, agora, lia o Misterioso Caso de Styles para se entreter.
Yuri parou a leitura por alguns momentos e se pôs a pensar:
“Já faz quantos dias que o Bruno está fora? Ele nem telefonou pra saber sobre o
apê. Mas o que tem dentro daquela gaveta? Caramba! ‘Tô ficando curioso que nem o
Takashi. É melhor deixar isso de lado. Onde eu tinha parado mesmo?”
Voltou a sua leitura.
Na manhã seguinte, ele continuou lendo e já era quase o fim da tarde quando
resolveu parar.
Yuri marcou a página do livro com o dedo indicador. Respirou fundo, pensou
por alguns instantes, era um bom livro. A história era bem amarrada, os
acontecimentos, bem significativos; ele se sentia envolvido, queria descobrir o
assassino. Mas quem seria? A cada momento tinha um palpite novo.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
«SETOR 08»
Perseguição
DonJuan (11:29 PM):
Eh... semana passada, a ultima do mês passado, foi o enterro...
DonJuan (11:30 PM):
eu fui
muito triste : (
Engel (11:31 PM):
ela era muito querida
Engel (11:31 PM):
deve ter sido muito triste mesmo
DonJuan (11:31 PM):
eu ja te disse q a Sam tava estranha nos ultimos dias??????
Engel (11:32 PM):
naum!!!!!
DonJuan (11:32 PM):
eh por isso q muita gente acha q naum foi
DonJuan (11:33 PM):
Ela tava estranha nas ultimas semanas
Engel (11:33 PM):
estranha como??????
DonJuan (11:34 PM):
«88»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
as notas dela cairam bastante, perdia a paciencia facil...
DonJuan (11:34 PM):
algumas pess falaram q ela tava chata e inconveniente,
falava pouco, não copiava a materia ...
Engel (11:35 PM):
quem disse isso?? garotas????
DonJuan (11:35 PM):
chata e inconveniente foram umas garotas q me disseram
Engel (11:36 PM):
muitas garotas tinham ciume dela
DonJuan (11:37 PM):
pode ate ser,
mas que ela e o guilherme brigaram varias vezes, naum eh boato. ate eu vi.
DonJuan (11:38 PM):
acho q foi por causa de outras garotas
Engel (11:38 PM):
ele pulava a cerca????????
DonJuan (11:39 PM):
isso eu naum sei, mas eles discutiram bastante antes do dia D
ele ate disse q ia largar dela
Engel (11:41 PM):
o porteiro do predio dela disse q viu o Guilherme entrando la na noite N
DonJuan (11:42 PM):
eles deve ter ido la conversar com ela
o relacionamento deles naum tava dos melhores...
Engel (11:43 PM):
E justamente naquela noite???????
DonJuan (11:43 PM):
Maridos, namorados, parentes sempre sao os mais suspeitos
«89»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
mas nunca sao os culpados.
DonJuan (11:44 PM):
sempre eh assim nas historias de misterio
Engel (11:45 PM):
seria muito facil se fossem eles, neh??
DonJuan (11:45 PM):
eh!!!!!!
DonJuan (11:48 PM):
Mas diz ai, já teve alguma ideia do q significa MP2?????????
Engel (11:49 PM):
eu ja naum te disse??????
Maniaco do Parque ataca Novamente (2)!!!!!!!!!!!
DonJuan (11:50 PM):
mas eu acho que naum.
se for pq ele naum tatuou o 2 no punho
????????
Engel (11:51 PM):
sei la!!!! : |
DonJuan (11:51 PM):
eu vou pensar mais nisso ...
Engel (11:55 PM):
ei!!!!!
Engel (11:55 PM):
ela tava passando por algum problema em casa?????
DonJuan (11:56 PM):
naum sei : (
soh conheço 2 pess q podem dizer isso pra gente: rodrigo & guilherme
Engel (11:57 PM):
vc naum pode perguntar p eles?????
«90»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
DonJuan (11:58 PM):
eles naum dao muito papo pra mim... naum vai rolar!!!!!
DonJuan (11:58 PM):
O diario naum rolou tb??????
Engel (11:59 PM):
naum
Engel (00:00 AM):
eu quase vou preso.
DonJuan (00:03 PM):
kra vc naum sabe o q aconteceu hoje
Engel (00:04 AM):
Gisele Bundchen apareceu ai em recife???????
Heheh!! : )
DonJuan (00:05 PM):
quem me dera!!!
DonJuan (00:06 PM):
Eu achei q tava sendo seguido dentro do shopping hoje
Engel (00:06 AM):
um ladrao?????
DonJuan (00:07 PM):
naum
parecia q era, naum ria de mim, mas eu achei q era o rodrigo
Engel (00:08 AM):
AHAHAHAHAHAH ; - ) BRINCADEIRA.
mas pq vc achou isso
DonJuan (00:08 PM):
po, eu disse p vc naum rir
Engel (00:09 AM):
foi mal, mas pq vc achou q era ele e naum qq outra pess?????
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
DonJuan (00:11 PM):
sei la ...
eu simplesmente achei q foi ele, soh isso.
Juan só esqueceu de contar alguns detalhes. Enquanto ele sentia estar sendo
perseguido, estava contando para o seu primo que ele, um amigo seu da oitava série
chamado Yuri e mais duas pessoas: Tashi e Káris, estavam investigando o Maníaco do
Parque. Contou sobre Yuri ter informações sigilosas do caso, embora não dissesse
quais. Também contou sobre o estranho suicídio de sua amiga chamada Samanta, que
provavelmente teria alguma ligação com o Maníaco. Seu primo achou tudo uma
grande besteira, mas Juan revidou dizendo que eles teriam como provar se o diário de
sua amiga não tivesse sumido.
Engel (00:11 AM):
deve ser soh impressao sua, relaxa!!!!!
DonJuan (00:13 PM):
naum sei naum.
DonJuan (00:14 PM):
Ei!!!!
ai em bsb já chegou o manga de samurai x????????
Engel (00:15 AM):
manga de samurai x????
eu nem sabia q no brasil tinha manga do kenshin!!
DonJuan (00:16 PM):
mas tem.
Uma editora ta publicando mas eu acho q soh chegou no rio e em sampa
meu primo comprou.
Engel (00:18 AM):
q chato, tudo chega antes por la.
oq eles pensam da gente????
Engel (00:19 AM):
sera q eles acham q nos naum gostamos de manga????
povinho tratante!!!!!!!
DonJuan (00:20 PM):
quando eu chegar ai eu vou dar um pulo na KC.
«92»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
ce ta a fim de ir la comigo?????
Engel (00:20 AM):
KC?????
DonJuan (00:21 PM):
vc naum conhece a Kingdom Comics?????? : -()
eh uma loja dai especializada em revista em quadrinhos
Engel (00:22 AM):
eu naum conheço, mas quando vc chegar eu quero ir la contigo
DonJuan (00:23 PM):
la deve ter o manga do battousai.
DonJuan (00:27 PM):
Mlq, eu tenho q ir. depois a gente se fala, valeu?????
Engel (00:28 AM):
quando vc chega???
DonJuan (00:29 PM):
Terça . tenho q ir. T+
Engel (00:30 AM):
falow ^_^
Quando Juan percebeu que já passava e muito de meia-noite, resolveu ir deitarse. Não queria desperdiçar seu último dia em Recife dormindo. Pois na manhã
seguinte, com os tios e o primo, iria até Porto de Galinhas, fechariam a semana com
chave de ouro.
Yuri não estava conversando com mais ninguém no ICQ. Desligou o programa e
foi pesquisar na Internet sobre o mangá de Samurai X‘¹’. Mas antes disso fez uma
promessa. Olhou para o apelido de Samanta que estranhamente ainda continuava em
sua lista e disse para si mesmo:
“Eu vou descobrir tudo, prometo.”
Só para matar a curiosidade, o apelido de Samanta é “Trinity” — você nunca
ouviu esse nome em nenhum filme superfamoso, ou ouviu? — e o de Juan você já
conhece: “DonJuan”. Coitado!
Na manhã seguinte, domingo, enquanto Juan passeava, Yuri continuou lendo
seu livro. Foi interrompido quando recebeu uma visita inesperada; melhor, duas —
«93»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
calma! não foi Berenice. Por volta das onze e meia da manhã a campainha tocou, era o
Padre.
— Quem é?
— Sou eu, Pequeno Parrot. Bruno.
Yuri abriu a porta com um sorriso no rosto.
— Há quanto tempo! Entra.
— Tudo bem com você?
— Sim. Ah! Eu já ‘tô no fim do livro que você me deu. É um livro legal. Valeu
mesmo.
— O final é muito interessante. O assassino é quem você sempre suspeitou ser,
mas é melhor você descobrir isso sozinho.
— Pode deixar, eu vou descobrir quem é. Ué!? Cadê suas malas?
— Eu já deixei em casa. Tenho outra chave.
— Hum! Falando nisso, é melhor eu te entregar as chaves agora, posso acabar
esquecendo.
Yuri abriu uma gaveta da estante e tirou as chaves de lá. Ele foi bem severo
consigo mesmo para não perder as chaves do Padre. Entregou-as.
— Bem, e isso é para você. Estou muito agradecido por ter tomado conta da
minha casa.
O Padre lhe deu o jogo Final Fantasy X original.
— Uau! Final Fantasy X! E é original. Obrigado, valeu mesmo.
— Eu me lembrei de você ter dito que gostava desse título de jogo. Achei que
você gostaria de jogar nas férias. O jogo está em japonês, mas creio que o seu amigo
pode te ajudar a jogar, não é?
— Claro!
Yuri achou melhor não contar que esse jogo não era para o tipo de seu videogame: PlayStation I, pois o jogo foi desenvolvido para o PlayStation II. Mesmo sem
poder jogar, ficou supercontente. Era seu primeiro jogo original, os outros eram todos
falsificados, comprados na Feira dos Importados, a antiga Feira do Paraguai.
— Mas, pensando bem, eu não fiz nada. Só cuidei do meu papagaio. Eu é que
tenho de te agradecer por ficar com ele pra mim.
— Não se preocupe. Não tem nenhum problema. Eu gosto muito de pássaros e
ele me faz sentir menos só. Por favor, aceite o presente.
— Quando é o seu aniversário?
O Padre riu.
— Geheimnis. Isso é um segredo.
— Olha, eu ‘tô ficando bom em descobrir coisas, hein? — brincou.
O Padre deu um sorriso sagaz.
— Então, está tudo bem?
— Até agora, sim.
— Apenas não se esqueça de jamais perder a esperança. Você ainda vive e é
uma pessoa feliz. Isso é o que importa, não é mesmo?
— Esperança na vida. Pode crer.
— Você está sozinho em casa? — mudou de assunto. — Seu pai... Sua mãe, não
estão?
— Não, eles saíram. Foram caminhar no Parque.
«94»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
Depois de dias sem encontrar outro corpo no Parque, o fluxo de pessoas
começava a voltar ao normal. Mas o policiamento intenso continuava.
— Eu também tenho de fazer algum exercício físico. A idade pesa mais a cada
dia.
— Por que você não entra pra academia que minha mãe freqüenta? É a melhor
de Brasília.
— E qual é essa academia?
— A Cia. Fica lá no Pier 21.
Na segunda-feira de manhã o Padre já estava matriculado e se exercitando.
— Bem, acho que já vou indo. Vou deixar você ler o final do seu livro.
— Não quer tomar nada? Que tal um suco de uva?
— Suco de uva? Boa idéia, aceito sim.
Enquanto Yuri foi até a cozinha pegar o suco, o Padre ficou observando as fotos
da família expostas pela sala. Viu Yuri ainda bebê, Pedro e Chris juntos, Pedro com
sua nova moto, Chris com seu vestido de noiva, dentre outras. Uma foto em especial
lhe chamou a atenção. Ele se aproximou da estante para vê-la mais de perto. Era uma
foto de Chris com 14 anos de idade.
— Prontinho! — Yuri chegou na sala.
— Ah! Você já está de volta. Preciso ir ao banheiro, com licença.
Yuri achou estranho Bruno sair correndo para o banheiro tão subitamente. Mais
estranho ainda foi ver exposta a foto que chamou a atenção do Padre. Ele a retirou do
porta-retrato e guardou-a de volta no envelope dentro da estante de onde ela nunca
deveria ter saído.
— Como essa foto foi parar aí?
A campainha tocou novamente, mais uma visita inesperada.
— Quem é?
— Sou eu, rapaz. Seu avô.
— Vô?!
Ele abriu a porta com um sorriso no rosto.
— Como você ‘tá, meu garoto? — abraços.
— Bem. E o senhor?
— Forte como um cavalo.
— Que legal o senhor aparecer por aqui.
— Seu pai não avisou que eu vinha?
— Não!
— Esse Pedro... Só não perde a cabeça porque está grudada em cima do pescoço.
E esse suco? É pra mim?
— Não, mas pode ser. Era pra um amigo meu, mas pode beber. Eu pego outro
quando ele sair do banheiro.
— Então passe pra cá... Puxa!
— O que foi?
— Esqueci de trazer seu presente de aniversário — avistou o embrulho sobre a
estante.
— Relaxa, vô. Não tem problema.
— O que você acha de ir pra chácara, amanhã, comigo? Aí, você pega seu
presente. Pode levar seus amigos se você quiser. E aí, o que me diz?
«95»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
— ‘Tô dentro. Que horas amanhã?
— No finzinho da tarde. Eu tenho de resolver uns assuntos por aqui e depois eu
estou livre até quinta. Vocês podem voltar comigo na quinta. E Seu pai? Ele vai viajar
por esses dias?
— Vai, ele ‘tá indo amanhã pra Goiânia.
— Que pena! O seu tio e a Samara também vão amanhã lá para casa. Ele me
disse que ‘tá menos atarefado e que vai poder dormir pelo menos uma noite lá. Vamos
chamar sua mãe para ir com a gente.
O Padre saiu do banheiro e voltou para a sala. Yuri achou que havia algo de
estranho nos seus olhos, pois pareciam olhos tristes e felizes; verdadeiros em um
instante e no outro, mentirosos. Concluiu que estava vendo coisas demais, achou
melhor apresentar os dois:
— Bruno, esse é o meu avô. Vô, esse é o meu amigo. Ele ‘tá cuidando do
papagaio pra mim.
— Como vai? — perguntou Seu Marcus cordialmente.
— Prazer.
Os três conversaram por um bom tempo antes dos pais de Yuri chegarem. Seu
Marcus gostou muito do Padre. Achou-o uma pessoa muito culta e agradável. E acabou
por intimá-lo a ir junto com eles para sua casa. Bruno ficou bastante surpreso com o
convite, mas aceitou — para a infelicidade de Takashi.
Todos almoçaram juntos, pois, seu Marcus, avô de Yuri, fez questão de convidar
seu novo amigo, que pareceu se interessar muito por Chris. Era a primeira vez que eles
se falavam. Bruno quis saber sobre o seu trabalho, formação acadêmica, família, como
foi a experiência de morar no Rio de Janeiro, entre outras coisas. Quando despediu-se,
foi bastante educado. Elogiou muito a felicidade de todos e foi-se, dizendo que havia
sido um prazer almoçar com pessoas tão agradáveis.
Enquanto aquele homem partia, Chris teve um sentimento por ele que não
soube ao certo o que era. Sentia que havia algo a mais na personalidade daquele Padre,
algo que talvez ele escondesse. Resolveu observá-lo melhor.
------------------------— Alô?
— Yuri! Sou eu, Takashi.
— Takashi? E aí, cara? Tudo beleza?
— Tranqüilo. Como você ‘tá?
— Bem. E a praia, ‘tá boa?
— ‘Tava ótima.
— ‘Tava? Ué!? Você não ‘tá mais na praia?
— Não, eu já ‘tô aqui em Brasília.
— Sério? Você não ia ficar lá até o fim das férias?
— Deu um rolo, cara. A gente já foi meio que de última hora. A minha tia
desistiu de ir pra casa da minha avó e meu pai resolveu ir.
— ‘Cê me contou, mas por que vocês voltaram assim tão de repente?
— A minha tia garantiu pro meu pai que não ia mesmo pra casa da minha avó,
mas ela resolveu aparecer lá, na Quinta, com a família toda. Meu pai ficou chateadasso
com ela.
«96»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
— A casa da sua avó é pequena pra tanta gente, né?
— Não é só isso. Meu pai já ‘tava meio triste porque minha mãe teve de ficar por
causa do salão de beleza. Aí, quando minha tia chegou lá com os meus primos, umas
verdadeiras pestes, a casa ficou uma zona: apertada, barulhenta e bagunçada. Meu pai
não pensou duas vezes, voltamos.
— Que chato!
— E aí? O que ‘cê fez esses dias? Assistiu Lara Croft: Tomb Raider?
— Não. Fiquei lendo o livro que o Bruno me deu.
— Massa, né? Mas, que ‘cê vai fazer amanhã? A gente podia almoçar no
shopping e pegar a primeira sessão do filme.
— Amanhã eu vou pra casa dos meus avós, mas é só no final da tarde. Acho que
dá, sim. Ei! você não ‘tá a fim de ir comigo?
— ‘Tô dentro. Ainda mais porque seus avós são supergente boa.
— Acho que vou chamar a Káris e a Wina também.
— Aproveita e convida elas pra ir com a gente no cine amanhã.
— ‘Tá certo. Takashi, você já andou de metrô?
— Ainda não. E você?
— Só uma vez. O que você acha de a gente ir ao Park Shopping? Dá pra ir de
metrô.
— Por mim, tudo bem. Então a gente se encontra amanhã de manhã.
— Então, falou.
— ‘Té mais!
------------------------Havia uma garota loira encostada na parede da entrada do metrô, estação 214.
Três rapazes que vinham subindo repararam na beleza dela, nenhum dos três hesitou
em olhá-la. Ela, por sua vez, nem percebeu a presença deles, estava mais interessada
em observar os dois garotos que vinham conversando em sua direção.
— Tk, há quanto tempo!
— Tudo bem? — abraços.
— Sim, tudo bem. Oi, Yuri.
— Oi!
— E então? Vamos?
O metrô estava em fase experimental. Era uma obra de 8 anos que já passava
pelo terceiro governo e mesmo com gasto superior ao da construção do conhecido
mundialmente Plano Piloto ainda não estava completamente terminado. A parte
operável da linha, cerca de 40 quilômetros, foi posta em funcionamento gratuito e
muitos já utilizavam os serviços oferecidos. Dentro de Brasília propriamente dita, o
metrô é subterrâneo para não ferir o tombamento da cidade; já nas outras regiões, ele
corre na superfície, como um trem comum.
Enquanto o trem não vinha, eles conversavam na plataforma sobre a viagem de
Takashi, dentre outras coisas:
— Tem algum lugar famoso perto da onde você ficou? — perguntou Káris.
— Bem perto de São João da Barra fica Rio das Ostras. Búzios também é
relativamente perto. Em Rio das Ostras vende umas cocadas deliciosas. Ah! Eu te
contei que eu andei de escuna por lá?
«97»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
— Não. Foi legal?
— Muito massa! Quando a escuna parou um pouco afastada da praia eu dei um
mergulho. Nunca senti tanto frio na minha vida.
— Takashi, eu ‘tava vendo uma coisa. Olha só, tem um jeito de alguém cair no
trilho e não morrer se o trem passar.
— Como?
— Os trilhos ficam em cima de dois muros pequenos de concreto e o trem não
alcança ali; ‘tá vendo?
— Ah, já entendi! É só deitar que o trem não pega você.
— Isso!
— Mas mesmo assim deve ser horrível ficar deitada ali enquanto um trem de
várias toneladas passa por cima, não? — observou Káris.
— Com certeza, mas em caso de necessidade...
— ‘Tá vindo um trem. Esse vai para o Park? — perguntou o japonês.
— Todos vão. A bifurcação é só depois — esclareceu Yuri.
Chegando à estação do shopping, que estranhamente não fica perto do shopping,
eles tiveram de andar quase um quilômetro. Mas quando se está bem acompanhado, as
distâncias parecem menores.
— E aí? Onde a gente vai comer? — Yuri perguntou.
— Vamos no Mc Donald’s mesmo — disse Káris.
— Bora. ‘Tô com muita vontade de comer um Quanteirão — confirmou,
Takashi, a escolha da lanchonete.
Enquanto estavam na fila para fazer o pedido, o japonês sentiu uma mão
tocando o seu ombro por trás. Virou-se para ver quem era. Atrás dele havia uma
garotinha baixinha, que não tinha tamanho suficiente para alcançar o ombro dele e
depois dela não havia mais ninguém.
— Estranho...
— O quê é estranho? — perguntou Yuri, que estava a sua frente.
— Eu senti como se alguém tivesse tocado o meu ombro, mas não vejo ninguém
conhecido por aqui.
— Vai ver, foi só impressão.
— Bom dia! Posso pegar o seu pedido?
Yuri fez o pedido e seu amigo ficou olhando ao redor para ver se reconhecia
alguém. Sentiu uma presença saindo da loja, era um garoto loiro.
— Parece que eu já vi aquele cara antes.
— Bom dia! Qual é o seu pedido?
Enquanto eles comiam e conversavam, Takashi não deixou transparecer sua
preocupação. Porém sentiu-se mal com aquela presença.
Depois de um almoço nutritivo como esse, nada melhor que uma volta pelo
shopping. Olharam diversas vitrines, de sapatos a bichos de pelúcia. Enquanto
estavam passeando dentro de uma loja de departamentos, o japonês sentiu novamente
a estranha presença.
— Você sentiu isso?
— Sentiu o quê?
— É o ar condicionado que ‘tá muito forte, Tk.
«98»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
Takashi não disse nada, mas ele sabia muito bem que não era o ar
condicionado. Sentiu novamente a presença, porém não viu ninguém suspeito, nem
mesmo o garoto da outra loja.
— Ei, vamos andar mais. Que tal a gente ir naquela loja de tênis ali? — sugeriu o
garoto sensitivo.
Eles seguiram para a loja, ainda havia algum tempo até a sessão.
A presença parecia perseguí-lo.
— Vamos virar aqui.
— Mas a gente já passou por aqui, Takashi. Vamos por ali.
— É porque eu queria ver uma coisa.
— Então vamos — disse Káris.
Quando viraram a esquina e ele pensou ter despistado quem quer que fosse.
Sentiu-se aliviado e olhou para trás apenas conferindo senão havia mesmo ninguém,
porém viu uma pessoa loira indo para detrás de uma pilastra.
— Yuri, não olhe agora, mas acho que tem alguém seguindo a gente.
— Quem? — ele olhou para trás.
— Eu disse pra você não olhar.
— Foi mal. Mas quem ia seguir a gente?
— Uma pessoa loira.
Yuri olhou discretamente para atrás de si. Káris fez o mesmo.
— Você ‘tá certo, Tk.
— Não disse!?
— Tem quatro mulheres loiras bem atrás de nós — disse Yuri.
Takashi parou e, de repente, virou-se de uma vez, queria surpreender a pessoa
da presença. Deu de frente com uma loira turbinada e por causa da estatura dele,
bem... você conhece o Keitarô do Love Hina‘²’?
— Moleque atrevido — paft! Tomou um tapão no rosto.
— Ai! Eu não tive a intenção. Eu só...
Ele viu o tal garoto loiro novamente. Mas não conseguiu ver o rosto, havia
algumas pessoas passando entre eles naquele momento. Tentou olhar através das
pessoas, mas o garoto já não estava mais lá. Nem prestou atenção a bronca da loira e
foi atrás dele:
— Vem, a gente precisa ir até ali.
— Ali, onde? — perguntou Káris.
— Vem! — Takashi pegou na mão de sua amiga.
— Ei, esperem por mim. Desculpe o meu amigo, moça. Ele não fez por querer —
a mulher mordia-se de raiva.
Yuri saiu correndo atrás deles e os encontrou próximos a uma pilastra. Takashi,
escondido atrás da coluna, olhava pelo canto do olho, tentando avistar o tal garoto.
Káris estava morrendo de vergonha:
— Tk, a gente ‘tá pagando mor micão; ‘tá todo mundo olhando. O que ‘cê ‘tá
fazendo?
— Eu vou provar pra vocês que tem alguém seguindo a gente. Vem! — puxou
Káris de novo. Yuri seguiu atrás deles.
— Para aonde você quer nos leva, Takashi? — perguntou, Yuri, ao impedí-lo de
prosseguir.
«99»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
— Aqui! Entrem aí.
— Aqui? De jeito nenhum.
— Anda logo.
Ele empurrou Yuri para dentro de uma loja de lingeries. A atendente, uma
morena muito bonita, por sinal, caminhou ao encontro deles.
— Boa tarde, no que posso ajudar?
— Eu? Eu não quero nada. Foi esse aí quem me empurrou aqui pra dentro.
Pergunte a ele.
— Não, obrigado — Takashi se adiantou. — A gente não vai querer nada, hoje...
‘Tá vendo aquela loja — voltou-se para seus amigos e apontou para a loja do outro lado
do corredor.
— E daí, Takashi? — Yuri estava aborrecido.
— Tem um cara loiro seguindo a gente e ele entrou ali.
— Você não gostaria de ver nenhuma lingerie? — a atendente se dirigiu para
Káris. — Pede pro seu namorado de presente — sugeriu, ela.
Takashi ainda segurava a mão de Káris quando a morena se aproximou.
Vermelha de vergonha, tratou, imediatamente, de puxar sua mão e esclarecer a
situação.
— Ele não é meu namorado, não.
— Ah, não!? Mas...
— Fica pra outro dia, ‘tá? — Yuri respondeu rispidamente por Káris e ela ficou
mais vermelha ainda.
“O que essa mulher vai pensar de mim?”
— Ele vai ter de sair por ali. Fiquem olhando.
— Takashi? — Yuri queria que ele se virasse para falar-lhe.
— Agora não. Ele vai sair por ali a qualquer momento.
— Takashi! — Yuri virou-o, à força.
— Que é?
— Você percebeu o que fez ali atrás com aquela mulher?
— Yuri, acredite em mim. Tem alguém seguindo a gente. Olha pra lá, ele vai
sair a qualquer instante.
— Tchau! ‘Tô indo pro cinema.
Káris o acompanhou. Estava morrendo de vergonha, todos na loja estavam
olhando para eles; queria sair dali o quanto antes.
— ‘Peraí ! Vocês não acreditam em mim?
Takashi correu até a loja em que supunha estar o tal garoto, porém não havia
nenhum rapaz loiro ali.
— Droga! Ele deve ter saído enquanto o Yuri me puxou. Droga!
O japonês virou-se subitamente para sair da loja e alcançar seus amigos, mas
não percebeu a presença de uma pessoa atrás de si. Exatamente; era a loira de minutos
antes. Novamente, eles bateram de frente e dessa vez o tapa por conta do atrevimento
foi ainda mais forte.
Caído no chão, sentindo o rosto formigar, ele a viu partindo envergonhada por
causa da grande quantidade de olhos que observavam o escândalo.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
Takashi levantou-se e saiu instantes depois dela. Procurou por seus amigos, mas
não os encontrou em lugar nenhum. Como já era quase hora do filme, achou melhor
entrar no cinema. Eles já deviam ter entrado.
Entregou seu bilhete para o funcionário, apresentou a carteirinha de estudante e
entrou no cine 1. A sala parecia ter sido reformada recentemente e estava cheia, o
filme era bastante esperado.
Káris e Yuri estavam sentados no meio de uma fileira mais ao fundo. Ele pediu
licença para umas sete pessoas e, por fim, conseguiu chegar até eles.
— Vocês sumiram.
— Você fez a gente pagar mor micão. Loja de lingerie, Takashi? Vacilo!
— Mas ‘tô te falando, Yuri. Tinha um cara seguindo a gente. Você acredita em
mim, não acredita, Káris?
— Esquece isso, Tk. Bora ver o filme.
Mesmo sentindo-se contrariado, resolveu obedecer. Mas embora seus olhos
avistassem a tela, sua mente ainda estava intrigada:
“Será que foi só impressão minha? Mas parecia...”
A presença estava próxima novamente, andando no corredor atrás deles —
estavam sentados na penúltima fileira, e após a última havia um corredor. Takashi não
hesitou nem por um segundo. Virou-se e gritou:
— Te peguei!
A mulher gorda sentada logo atrás de Takashi tomou um susto. Ela fugia de um
regime rigoroso, estava deliciando-se com um saco de pipocas amanteigadas e
extremamente tentadoras — havia ido ao cinema apenas pelo prazer de comer essas
delícias.
Seus olhos se arregalaram, o coração disparou e o saco de pipocas saiu voando
pelo ar. Mas o pior ainda estava por vir.
No momento em que o sensitivo japonês gritou, a mulher acabara de colocar
uma mão cheia de pipocas na boca. O susto foi tamanho que ela se engasgou. Sua
auto-estima estava arrasada, coitada!
— Me desculpe, não era com você que eu estava falando. Eu...
A mulher chorava. Queria até pedir desculpas por estar fugindo do regime,
tamanha era a culpa, mas não conseguia, não tinha ar. Estava sufocada por sua
tentação.
Logo juntaram-se várias pessoas a sua volta, que agoniadas, pediam uma as
outras por um médico. Um pronto-socorrista soube o motivo da confusão e se adiantou
para salvar a mulher, fazendo-lhe a manobra de Heimlich‘³’.
As pipocas, que a sufocavam, voaram metros de distância em cima das pessoas
inocentes. Alguns, que assistiam de longe a situação, caíram na gargalhada. Aquilo era
melhor que qualquer filme de comédia, era hilário. Mas havia quem estivesse com
vergonha da situação: a mulher — é claro —, Káris e Yuri.
Takashi queria se redimir de alguma forma. Pediu desculpas inúmeras vezes,
disse que estava arrependido, que não fora intencional, mas a mulher não dizia nada,
estava muito fragilizada para dizer qualquer coisa, talvez ainda houvesse algumas
pipocas entaladas.
Acho que essa mulher preferiria ouvir mil vezes que estava gorda a passar por
uma situação tão constrangedora como essa: para quem não queria ser notada, ela
«101»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Perseguição
estava sendo vista por dezenas de pessoas que tinham, sobre si, pipocas cuspidas por
ela. — Eco!
A sessão foi atrasada em cerca de dez minutos porque a pobre mulher teve de
ser retirada de cadeira de rodas, não estava em condições de andar.
Takashi morria de vergonha, estavam todos olhando para ele. E se alguém o
processasse? Como ele iria explicar isso? Pensou em acompanhar a mulher, mas isso
só a faria se sentir pior. Pediu desculpas pela a última vez e voltou para o seu assento.
Yuri? Káris? Onde eles estão?
Enquanto todos riam, eles escorregaram envergonhados nos assentos e saíram
abaixados para não serem notados. Escondidos atrás de uma revistinha distribuída
gratuitamente e em outra seção do cinema, Takashi os encontrou.
— Cara, que situação. ‘Tô com muita pena da mulher. Coitada, ela quase
morreu.
— Ei, Káris! O que ‘cê acha da gente ir comprar alguma coisa enquanto o filme
não começa?
— Bora, com tanto que não seja pipoca.
Um homem sentado logo atrás deles caiu na gargalhada.
— Tudo, menos pipoca. Ahahahahaha!
Takashi sentiu-se ignorado pelos seus amigos.
“Mas também pudera, foi um mico muito grande” — reconheceu suas
trapalhadas.
— Seus amigos não vão falar com você enquanto as luzes estiverem acessas.
Sente-se aqui, depois, quando as luzes apagarem, você muda de lugar — sugeriu o
homem que acabara de cair na gargalhada.
Ele sentou-se na cadeira ao lado do homem. Estava sem graça e sentia-se, mais
do que nunca, observado, pois várias pessoas o olhavam e comentavam a situação:
— Foi aquele japa ali que tentou matar a mulher, de susto.
— ‘Tá vendo aquele garoto de olhos puxados? Então, foi ele.
— Essas crianças de hoje em dia ... A pobre mulher quase tem um enfarte por
causa da brincadeira de mal gosto dele. Essas crianças.
Quando as luzes se apagaram e a projeção começou, o burburinho dentro da
sala diminuiu até sumir. Yuri e Káris voltaram para os seus assentos e Takashi sentouse ao lado deles, porém ninguém deu nenhuma palavra enquanto estavam dentro da
sala.
Antes da última cena do filme, os três saíram de fininho para não serem
notados. Já do lado de fora do shopping, Takashi resolveu se desculpar:
— Eu sei que eu fiz vocês pagarem mor micão...
— “Mor micão”, Tk? Eu paguei um King-kong lá dentro.
— Desculpa, ‘tá? Mas eu tenho certeza que um garoto loiro seguia a gente dentro
desse shopping. E ele ‘tava dentro daquela sala.
Enquanto ele ainda falava, Rodrigo M.P. passou com sua moto em frente a eles.
O rapaz olhou bem nos olhos dos três, colocou seu capacete e foi-se, acelerando a
moto e arrancando olhares das pessoas.
— O cara que você viu era aquele, Takashi? — perguntou Yuri.
— Não tenho certeza. Talvez seja, ele é loiro... Quem será?
— Rodrigo M.P., o “amigo” da Sam.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
«SETOR 09»
“Vamos ao campo”
— Mas por que você não quis dirigir?
— Eu não posso nem sonhar em bater um carro desses. Sem falar que eu não
estou acostumada a dirigir carros muito grandes. Mesmo assim, obrigada. Poucas
pessoas confiariam de entregar um carro tão caro nas mãos de alguém que acabou de
conhecer.
— Pelo fato de seus pais terem confiado a você sua irmã e o cuidado da casa, já
prova a sua responsabilidade. E você me pareceu muito interessada em dirigir um
carro automático.
— É porque o meu avô tem um carro desses e sempre diz que vai deixar ela
dirigir, mas nunca deixa. Ele é muito apegado — observou Káris.
— Entendo... É Takashi o nome do seu amigo, Yuri? — o Padre olhou nos olhos
do japonês pelo retrovisor.
— Meu nome é Takashi sim, por quê?
— Você não está feliz? Estamos indo para uma chácara nos divertir e você está
encostado aí no canto, quase não disse nada. Aconteceu alguma coisa?
— É porque hoje aconteceram umas coisas no cinema e ele ‘tá um pouco
aborrecido, não é Tk?
— Pode ser.
Káris sabia muito bem que o mal-humor de Takashi não tinha nada a ver com os
acontecimentos do cinema. Ele já havia superado, embora a mulher... Estava assim por
causa do Padre. Yuri não dissera nada a respeito de Bruno os acompanhar e muito
menos que iriam no carro dele.
— Hein, Yuri! Como foi o mistério da foto? Você ‘tava falando e o Takashi te
interrompeu.
O japonês mal-humorado deu uma olhada congelante para Káris, mas ela não se
importou. Não havia nada de mais no que Yuri estava contando.
— Ah, é! Foi assim: ontem de manhã, eu vi a foto na estante. Achei estranho,
quem teria colocado ela ali? Lá em casa, todo mundo sabe que minha mãe não gosta
dessa foto. Então guardei ela de volta no envelope. Mas quando cheguei em casa hoje,
depois do cinema, a foto ‘tava na estante de novo. Meu pai veio e me deu a mor
bronca. Ele pensou que eu tinha colocado a foto lá.
«103»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
— ‘Peraí ! Que foto é essa? — perguntou Wina.
— É uma foto de quando minha mãe tinha 14 anos. Ela foi tirada um dia antes
do meu avô morrer. Bem, aí minha mãe veio e explicou que tinha sido ela mesma
quem colocou a foto lá. A gente ficou sem entender. Então ela disse que apesar de tudo
era uma foto muito bonita, mesmo sendo uma foto triste. “O meu pai sempre me amou.
Ele não me disse isso antes de morrer nem mesmo vivo, mas demonstrou muito
carinho por mim. Eu o amo e amo muito vocês dois. Vocês são os homens da minha
vida”, ela disse. Aí a gente se abraçou, chorou e tudo mais.
Takashi não tirava os olhos do Padre, queria ver qualquer reação no rosto dele,
mas não houve nenhuma.
— Que bom sua mãe perceber o quanto ela é amada. Eu gosto muito dela —
confessou, Káris.
— “Deixo as coisas que para trás ficam e prossigo para as que diante de mim
estão”, já dizia o apóstolo.
— Foi Paulo quem disse isso, não foi? — Wina perguntou.
— Foi. Você tem o costume de ler a Bíblia?
— Sempre que posso.
— Wina! Você não ‘tá vestindo preto? — só agora Takashi percebera.
— Isso aí, Tk-chan.
— Você era daquele tipo de jovem que veste preto, usa piercing e cortes de
cabelos estranhos? — indagou o Padre.
— Minha irmã cortar o cabelo? Difícil.
Wina detesta cortar o cabelo; nem para aparar as pontas ela se anima em ir ao
salão. Quando suas madeixas estão grandes demais e precisam de um corte, volta
deprimida do salão. Já Káris nunca se importou, até prefere usar o cabelo mais curto, à
altura dos ombros.
— Não. Eu só andava de preto mesmo. Nem sei direito porquê. E nunca furei
meu corpo, não uso nem brinco.
— Eu percebi — disse o Padre.
No Marea à frente da Cherokee estavam Chris e Pedro. Seu Marcus fora antes
para acertar algumas coisas.
— Por que seu pai convidou esse senhor? Eles mal se conhecem. Não é bom
confiar tanto assim nos outros.
— Ele até é uma pessoa agradável, Chris.
— Eu sei que é. O que eu quis dizer é que não se deve confiar tanto assim em
uma pessoa que se acabou de conhecer. Afinal de contas, nós vamos para uma chácara
isolada e... eu não me sinto muito bem com a presença dele.
— É verdade, você tem razão. Mas eu acho que o meu pai viu algo de bom nele,
sei lá, ele inspira confiança. Em todo caso, não tema, pois SuperPedro estará lá para
defendê-la — brincou.
— Sabe amor, eu sinto como se essa aproximação, primeiro, ao Yuri, e, agora, a
nós, tivesse, no fundo, um motivo muito claro, mas que eu não consigo ver.
— Quantas vezes eu já ouvi você dizendo isso? “Eu sinto que...”
— E quantas vezes eu errei?
— Pouquíssimas! E é isso que me deixa preocupado.
«104»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
— Então vou te deixar mais preocupado. Eu tive a nítida impressão que ele
estava me seguindo hoje.
— Te seguindo?
— Ele apareceu lá na academia. Disse que estava começando hoje.
— Ele também malha, é?
— Viu? Até ele.
— Eu vou ter de dar um jeito nisso. Vou pagar para ele ficar em casa.
— Palhaço! Você precisa ir malhar comigo, isso sim.
— Quem sabe? Mas por que ele estaria te seguindo?
— Bem, eu o cumprimentei quando o vi; conversamos um ou dois minutos e
depois fui fazer meus exercícios. Mas comecei a me sentir estranha, como se estivesse
sendo observada a todo tempo; ele ficou me acompanhando com os olhos, sabe?
— Mesmo velho continua sendo homem. O velhinho estava te paquerando.
Safado!
— Pode até ser, mas...
— Eu me decidi! Vamos malhar juntos de hoje em diante. Assim nenhum cara
vai ter coragem de dar em cima da minha mulher quando eu mostrar meus megabíceps.
— Hum, convencido! Mas agora não tem mais desculpa. Você tem tido mais
tempo desde que arrumou esse padrinho. Falando nisso, até agora você não me contou
quem é.
— Quem me dera saber. Eu só recebo ordens.
— Cancelou sua viagem, deu folga, até sexta-feira, pra você. Não é nenhuma
mulher, ou é?
— Tomara que não, senão eu ‘tô encrencado, não é?
— Pode acreditar.
— Mas você me completa e não tem outra mulher que faça isso. Magoar você,
meu amor — smach —, é o mesmo que magoar a mim mesmo. Olha só esse sorriso
seu, me enche de alegria ver a mulher que eu amo sorrindo pra mim. Já te disse que
você é linda e maravilhosa e que eu te amo?
— Só hoje, você disse umas dez vezes quando...
Bem, é melhor... bem, vamos deixar eles a sós. Vamos falar um pouco sobre a
chácara. Boa idéia, a chácara.
A propriedade de seu Marcus fica a alguns quilômetros depois de São
Bartolomeu e um pouco antes de Cristalina. Alguns minutos de estrada de chão e já é
possível avistar a propriedade. Seu Marcus construiu uma casa confortável e
suficientemente grande para receber seus filhos, as noras e os netos. Também mandou
fazer piscina, campinho de futebol, churrasqueira e fogão à lenha. Além dele e dona
Márcia, sua esposa, também moram lá o caseiro e a família.
Os latidos dos cachorros anunciavam a chegada dos carros à propriedade. Seu
Marcus foi recebê-los com um sorriso no rosto. Cumprimentou todos, apresentou-se a
Wina, que ainda não conhecia, e recebeu elogios quanto a beleza da chácara.
— Fizeram boa viagem, meu filho?
— Tranqüilo, pai. E o senhor? Chegou bem?
— Tudo certo. Seu irmão já está aí. Oi, Chris!
«105»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
— Tudo bem? — smach — Esse lugar parece mais bonito a cada dia, Seu
Marcus.
— Eu me esforço. E esse meu neto? Como foi o cinema?
— Nem te conto, vô. Você não ia acreditar.
— Eu quero saber, depois você me conta.
— Como vai? — disse o Padre com um sorriso no rosto.
— Meu amigo Bruno, gostou da propriedade?
— Sou da mesma opinião da sua nora, é um lugar muito bonito.
— Esses dois eu já conheço, mas essa aqui ainda não. Eu sou Marcus, prazer.
— Wina. Muito prazer.
— Deve ser irmã da Káris, certo? Os olhos são muito parecidos, além de ter um
nome incomum.
Wina confirmou com a cabeça e um sorriso gentil.
— E vocês dois? Estou muito feliz de ver vocês de novo.
— Eu também. Obrigada pelo convite.
— É mesmo, valeu.
— Que nada! Os amigos do meu neto são meus amigos também. Mas vamos
entrando, venham.
Dentro da casa eles encontraram Vítor, Samara e dona Márcia. O ambiente era
de felicidade e de reencontro. O Padre se mostrou muito educado e agradável e logo
conquistou a todos. Yuri apresentou seus amigos para os seus tios, e Takashi ficou
deslumbrado com Samara, ela lembrava Camila Pitanga. Dona Márcia, sempre com um
sorriso jovial no rosto, agradeceu a vinda de todos e os acomodou nos quartos.
Todos os quartos ficam no segundo andar: subindo as escadas, no começo do
corredor estão os quartos menores. O quarto de Wina e Káris à direita; à esquerda, o de
Yuri, Takashi e o Padre. Seguindo pelo corredor, está a suíte de Chris e Pedro à direita;
à esquerda, a suíte de Vítor e Samara. No final do corredor está o maior quarto, a suíte
de seu Marcus e dona Márcia.
Após se acomodarem, desceram e foram surpreendidos por uma mesa farta
preparada na varanda: bolos, pães doces, salgados, geléias, queijo, biscoitos caseiros,
sucos, frutas e leite de vaca da própria chácara.
Durante o lanche, Yuri considerou a causa de Takashi estar assim, meio
chateado. Sabia que era a presença do Padre, mas não entendia o porquê. Bruno jamais
fizera nada de mal a ele, sempre o tratara com educação e respeito. O que seria?
Alguém sugeriu fazer uma fogueira, idéia que agradou a todos. Yuri, Káris e o
Padre saíram para procurar gravetos secos. Wina ficou conversando com dona Márcia,
interessou-se muito por seu trabalho. Ela escreve livros infanto-juvenis. Takashi
também não os acompanhou; ficou, só para olhar a mala do convidado alemão.
Eles não demoraram muito para conseguir os gravetos. O Padre escolheu um
local perto da casa onde havia dois troncos de árvore deitados e arrumou a fogueira.
Ele ensinou a Yuri e Káris o básico: primeiro, arrumar os gravetos menores em baixo e,
por cima, colocar os maiores; usar jornal e álcool para colocar fogo e procurar acender
a fogueira na direção do vento, porque, assim, o próprio vento se encarrega de espalhar
o fogo pela madeira.
Takashi subiu para o quarto, trancou a porta e desarrumou cuidadosamente a
bagagem do Padre. Não encontrou nada estranho; apenas roupas, que julgou serem
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
caras por causa das marcas, uma lanterna e uma necesseríe. Frustrado, ele colocou
tudo de volta no lugar, fechou a mala, guardou-a no armário, no mesmo lugar onde
estava antes e desceu.
“Eu vou te desmascarar Bruno Engelhard, espere.”
O neto entrou em casa anunciando que a fogueira já estava acesa. A noite estava
caindo e com ela chegava o frio. Todos foram aquecer-se e conversar em volta do fogo:
— Então, o senhor já foi Padre? — perguntou dona Márcia.
— Sim, é verdade.
— Sabe, eu gosto muito da Bíblia. É um livro fantástico. Pena que poucas
pessoas a lêem e pouquíssimas a entendam.
— Deus é uma pessoa muito simples, o homem é que é complicado. Deus só
quer estar perto dele, porém ele insiste em fugir de Deus. Dá para entender uma coisa
dessas?
— Vocês, conversando, me fizeram lembrar de uma coisa lá da minha infância.
“Direto do túnel do tempo”, essa foi boa — Samara auto-elogiou a piada.
— Quem tem de dizer isso sou eu, você não acha? — o Padre brincou.
— Que nada! O senhor está em plena forma.
— Ah, não! Trate-me por você, por favor.
— Foi mal. Bem, como eu ia dizendo para VOCÊS — o Padre sorriu mostrando
aceitação pela brincadeira —, eu estava no primário, era um colégio de freiras e a
madre Tereza, uma das mais severas, um dia virou-se para mim, eu estava
conversando com uma colega, como sempre, e me perguntou qual era o nome do
primeiro homicida. Eu gelei, não sabia nem o que era homicida. Para encurtar a
história, fiquei de castigo escrevendo no quadro negro umas cem vezes: “Caim matou
Abel, Caim matou Abel”. Nunca me esqueci disso.
— É verdade, Caim foi o primeiro homicida. Ele ficou com inveja de Abel, seu
irmão, e disse para ele: “Vamos ao campo” e lá Abel morreu. Mas você levantou uma
questão interessante. Eu, no lugar dessa madre, não teria lhe dado esse castigo porque
a Palavra de Deus não é um castigo e...
Takashi não tirava os olhos do Padre. Aquela conversa era muito sugestiva. Eles
já estavam no campo, só faltava o assassinato. O que estava por trás das palavras dele?
Ele já havia resolvido ficar acordado aquela noite, vigiaria o alemão. Mas e se ele fosse
realmente quem o japonês mal-humorado pensava ser? Não poderia fazer nada para
impedi-lo, mas faria o possível.
Enquanto Takashi divagava nesses pensamentos, o Padre, subitamente, o olhou
nos olhos. Não conseguiu evitar o frio que lhe subia pela espinha.
— Isso é verdade. A ira faz as pessoas perderem a consciência, elas agem sem
pensar — comentou Samara.
Sentada ao lado do japonês mal-humorado, estava a garota dos verdes olhos. Ela
nem ouviu o que o Padre dissera e nem mesmo vira seu olhar, seu interesse era a
conversa de Vítor com Pedro. Eles não estavam sentados perto da fogueira, mas em pé
na varanda. Conversavam baixo, porém ela, bem atenta como estava, conseguiu ouvir
algumas palavras e entendeu outras lendo os lábios.
— Yuri! — gritou sem perceber.
Todos a olharam, surpresos.
— Desculpa — vermelha.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
— O que foi?
— Depois eu falo.
— Ué!? Diz agora.
Ainda havia olhos observando-os, era dona Márcia com um sorriso no rosto.
— Agora não — disse entre os dentes.
O anfitrião conversava com Chris quando lembrou-se de algo. Pediu licença e
entrou. Quando voltou, trazia um embrulho nas mãos e um sorriso no rosto. Pedro e
Vítor se aproximaram junto com ele à fogueira.
— Yuri, como eu havia prometido, aqui está.
— Pra mim?
— Eu e sua vó não tínhamos muita idéia do que você iria gostar, fora videogame e esses seus desenhos de olhos grandes, e, bem, escolhemos isto. Tomara que
goste.
— Brigado, vô — abraços. — Valeu, vó — abraços e beijos.
— Não vai abrir, rapaz? — disse Pedro.
— Ah, é!
Dentro do embrulho havia um canivete suíço original com 34 ferramentas.
— Uau! Sempre quis ter um desses.
— Isso é que é neto protegido. Eu também sempre quis um desses e nunca
ganhei — brincou, Vítor, instigando o pai.
— Nem invente! Eu lhe dei um, até mais completo que esse, quando você fez 16
anos e você perdeu uma semana depois.
— Bem feito! Vai caçoar do pai pra ver o que acontece.
— Mas não me dou por vencido. Yuri, eu te amo, mais os seus dias de neto
único acabaram nesta família.
Todos olharam para ele. Yuri não seria mais o neto único? Então, significava
que...
— Isso mesmo, gente. Samara e eu vamos ter um filho!
A felicidade se espalhou ao redor da fogueira. Vítor recebeu um abraço forte de
Pedro e o pai ao mesmo tempo — quase fica sem ar. Samara tinha um sorriso lindo no
rosto e também foi abraçada por dona Márcia e por Chris. Todos, inclusive Yuri,
parabenizaram o casal. Era uma excelente notícia.
— Isso merece algo especial.
Seu Marcus saiu correndo e, alguns instantes depois, voltou com uma garrafa de
vinho do porto da idade do neto que não seria mais o único.
— Vamos brindar! Que bom, filho; excelente, Samara!
— Mas como, Mar? Sem taças? — observou dona Márcia.
Seu Marcus estava tão emocionado que acabou se esquecendo. Dona Márcia
buscou taças para todos e eles brindaram. Até o Padre bebeu e Wina experimentou
apenas meia taça. O clima da noite continuou alegre até o último crepitar da fogueira.
Em determinado momento, Bruno quis saber do seu novo amigo como ele
adquirira a propriedade. Seu Marcus explicou que já tinha a propriedade há 10 anos,
mas só recentemente decidira vender seu apartamento quitado no Plano Piloto,
construir uma casa confortável e se mudar para o campo.
— Nunca me esqueci do cheiro do campo — concluiu. — Meu amigo, meus
olhos já estão pesados. Acho que vou indo... Vamos, Márcia?
«108»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
O dia já revelava suas primeiras horas quando eles se retiraram para o quarto.
Bruno, sempre com seu jeito cordial, retirou-se após eles. Vítor e Pedro conversaram
por mais meia hora e depois subiram acompanhados de sua esposas, deixando os
quatro jovens terminando uma partida de dominó, que Wina venceu facilmente.
— Ah! Desisto. Você sabe todos os macetes do jogo.
— Um dia eu te ensino, Yuri-chan — piscou para ele.
— É, vai ser uma longa noite — suspirou.
— Não, Tk. Foi um longo dia. Eu ainda não me esqueci do cinema...
— Deixa disso, Káris. Então, vamos dormir, gente?
Os quatro se despediram e foram para os seus quartos. Takashi, mais
preocupado do que nunca, pediu para Yuri ficar atento. Ele obviamente não entendeu
do que se tratava. Após mais de uma tentativa frustrada de descobrir do que seu amigo
falava, ele desistiu e dormiu.
Deitado no beliche de baixo, Takashi tentava imaginar o que aconteceria
naquela noite. Olhava com total desconfiança para o senhor deitado na cama em frente
a dele, o qual parecia dormir profundamente.
“Que Deus nos proteja!” — desejou.
Na suíte, ao lado do quarto de Wina e Káris, Pedro e Chris ainda conversavam:
— O que você achou?
— Eu fiquei muito feliz. Eles já vem tentando ter um filho a tanto tempo... Você
viu a carinha de felicidade da Samara? Ela está realizada.
— Também fiquei muito feliz por eles, mas eu estava falando do Bruno. Você
não acha melhor, chamarmos os meninos para dormirem aqui?
— Ele estava tão feliz como um órfão ao achar uma família que o acolha. Talvez,
eu o tenha julgado mal. Ele é só um velho rico, educado e sem família.
— Então, você não sente mais nada?
— Ah, Pedro — suspirou. — Você teria de sentir o que eu sinto pra me
entender.
Takashi não podia ouvir essa conversa por causa do isolamento acústico da
casa, que é muito bom, embora, não fosse fazer a menor diferença para ele a opinião de
Chris. Tinha sua própria opinião e a mantinha firme.
Com o passar do tempo o quarto se revelou demasiadamente silencioso.
O
japonês preocupado, então, resolveu olhar em volta, procurando um local onde
pudesse se escorar. Sentia-se cansado; sabia que acabaria dormindo se ficasse ali
naquela posição tão confortável da cama e ainda prestando atenção no silêncio. Foi
para junto da porta.
A chave estava na fechadura, porém a porta não estava trancada. Ele, então,
tratou de trancá-los ali dentro e ficou com a chave na mão. Escorado junto a porta,
como que guardando-a, ele se pôs a refletir sobre o misterioso Padre.
“Pensando bem, é um pouco de maluquice achar esse velho padre um assassino,
ou melhor, o Maníaco do Parque. Eu nem estou tão nervoso assim — olhou para a sua
mão, ela tremia. — Talvez eu não esteja tão calmo também. O que me deixa angustiado
é só eu perceber a pessoa misteriosa dele. O Yuri, por exemplo, não acha nada de
estranho um padre gostar de histórias de assassinato. A Káris também não me dá razão.
Será que eu ‘tô vendo coisas demais?”
«109»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
Takashi olhou o homem, investigando-o. Seu coração disparou quando ele
mudou sua posição na cama. O garoto pensou que sua hora havia chegado.
“Não! Eu tenho certeza que ele esconde algo... Quase todas as noites esse Padre
sai durante a madrugada. O que alguém como ele faz durante o breu da noite? Ele não
estava em casa na noite em que a Samanta morreu, nem na noite dos outros
assassinatos. Quem é você, Bruno Engel Hard?... Que o Padre manipulou o Yuri, não
restam sombras de dúvida. Fez dele um boneco. Primeiro se aproximou dele; e por que
não de mim? Somos da mesma idade, temos os mesmos gostos, mas eu é que sou o seu
vizinho. O Yuri mora na outra entrada... Chris. Com certeza, ela é o maior motivo... O
olhar dele. Ele a olha como se querendo não-sei-o-quê. É ela que você quer, não é? Mas
de dentro desse quarto, hoje, você não sai! Eu não vou deixar...”
Takashi já estava cansado de ficar sentado ali. Decidiu levantar-se. Foi até a
janela tomar um pouco de ar.
A brisa gelada entrou no quarto quente e abafado assim que o japonês
suspendeu a janela.
“E se ele tentar sair por aqui?”
Olhou para fora, havia um telhado. Era a cobertura da varanda.
“Devem ser uns três metros do telhado ao chão, já que a casa é suspensa meio
metro do solo. Não, ele me mataria antes pra pegar a chave... Yuri. Como você consegue
dormir tranqüilamente com um homem desses no quarto?... Já sei, vou esconder esta
chave. Onde?”
Ele procurou pelo quarto um lugar onde pudesse deixar a chave bem escondida.
Chegou a conclusão que ela deveria ficar onde estivesse pouco visível e que estivesse
perto de si.
Cuidadosamente, Takashi levantou o colchão da sua cama e colocou a chave ali,
entre ele e o estrado. Sentou-se na cama.
“Que droga! ‘Tô morrendo de sono... Que foi isso?”
Um som, parecendo um rugido de leão, interrompeu a concentração do japonês
cansado. O Padre roncava? Não, não era ele. Era o som do ronco de Vítor que estava no
quarto ao lado. Por causa das janelas abertas, tanto a do quarto do delegado como a do
quarto de Yuri, o som chegava ali sem dificuldades.
O barulho continuava intermitente; e isso distraiu tanto o japonês sentinela que
não conseguiu mais pensar. Aos poucos, foi sentindo sono. Estranho, não? Enquanto
todos perdem a vontade de dormir por causa do ronco de uma pessoa, Takashi acabou
caindo no sono. Na verdade, ele já sentia cansaço desde antes da meia-noite e apenas
enganara a si mesmo mantendo a mente ocupada. Mas agora, sem conseguir se
concentrar, o cansaço o dominou. Seus olhos estavam pesados como jamais sentira
antes, queria lutar, mas não tinha forças. Cada vez que fechava os olhos, permanecia
mais tempo com eles fechados, até que perdeu.
O galo cantava, anunciando mais um raiar do sol. A luz, entrando pela janela,
começava a incomodar o japonês deitado no beliche, que aos poucos acordava.
— Meu Deus! Já é dia. Eu acabei dormindo.
Takashi olhou para a cama ao lado, procurando pelo Padre; tomou um susto.
Estava vazia. Imediatamente colocou a mão debaixo do colchão para conferir se a
chave estava ali e, mais uma surpresa. Estava.
— Como ele saiu do quarto? A janela!
«110»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
Saindo através da janela, é possível caminhar sobre o telhado da varanda e
saltar fora da casa. Seria um pouco improvável para alguém de idade, mas era a única
possibilidade. Ele olhou por ela e avistou Chris andando pelo campo. Repentinamente,
a figura de Bruno Engelhard apareceu atrás dela.
Takashi não pensou duas vezes. Saiu pela janela, ando por sobre o telhado e
alcançou o chão. Correu o mais rápido que pôde e gritou:
— Chris!
Tanto ela quanto o alemão voltaram-se para olhar. Takashi repentinamente
parou, o Padre segurava um canivete.
— O que você ‘tá fazendo com esse canivete? — aproximou-se lentamente.
— Takashi? O que faz acordado tão cedo? Você não está de férias?
— Eu queria ver o sol nascendo tia, é isso. Mas acho que acordei um pouco
tarde, né? E você? — perguntou para o Padre.
— Bem — sentou-se na grama —, eu também vim ver o nascer do sol —
respondeu Chris.
— Bom dia, meu amigo. Dormiu bem? — perguntou, Bruno, com o sotaque bem
carregado.
— Dormi pouco. Mas por que você está segurando o canivete do Yuri?
— Eu emprestei para ele dar uma olhada, Takashi. Por que você não se senta?
Vamos admirar um pouco dessa beleza do campo.
— É realmente um canivete muito bom. Foi um excelente presente.
O Padre puxou a lâmina e ficou olhando o seu fio por alguns instantes e Takashi
sentia um frio lhe correr a espinha.
— Tome, meu amigo. Acho que você também gostaria de vê-lo.
Ele guardou a lâmina de volta e entregou o canivete para japonês.
— Por que o senhor não se senta também?
— Claro!
Takashi estava mais aliviado, agora que tinha o canivete na mão. Porém, sentiuse mais seguro só depois de perceber que o caseiro os observava de longe. Mas ainda
não conseguia acreditar. Se ele não chegasse a tempo o assassino tentaria qualquer
coisa contra Chris? Estava nervoso, fora um acordar bastante estressante.
Os três ficaram sentados ali cerca de meia hora. Takashi, que fez questão de
sentar entre Chris e Bruno, não falou muito; preferiu ouvir. Eles conversaram sobre
Samara, sobre a felicidade de ter um filho. Falaram também a respeito de Yuri e do
Padre. Porém este pareceu se esquivar um pouco das perguntas de Chris,
principalmente as relacionadas ao passado. Ele respondia genericamente, sem dar
muitos detalhes, era sucinto. Depois de fartar os olhos com a exuberância da natureza,
decidiram entrar.
Seu Marcus e dona Márcia já estavam acordados e tomavam café na varanda.
— Bom dia! Admirando a beleza do lugar?
— Sim. É um lugar muito bonito, meu amigo. Como vai a senhora?
— Bem. E vocês dormiram bem?
— Sim — respondeu Chris.
— Creio que todos nós dormimos bem, não é Takashi? — perguntou o Padre
com sagacidade.
Ele não respondeu, apenas ateve-se a olhá-lo.
«111»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
Chris não pôde evitar um bocejo, ainda tinha sono.
— Desculpe-me, acho que vou voltar para a cama.
— Não vai tomar café, filha? — perguntou a sogra.
— Acho que vou esperar o Pedro, Márcia.
— Nós também vamos subir, não é, meu amigo Takashi? Rechtfertigen — pediu
licença.
— Estejam à vontade — disse seu Marcus mesmo sem entender a última palavra
do alemão.
Os três subiram a escada. Takashi e o Padre pararam em frente à porta do
quarto, Chris despediu-se deles e entrou. O garoto estava preocupado, como entraria
no quarto? Precisaria descer, passar por seu Marcus e subir pelo lado de fora. Porém,
mais do que preocupado, estava com medo, medo de estar a sós com o assassino. Se
ele fora capaz de pular da janela para atacar Chris, o que não faria contra um garoto?
— Geralmente as coisas correm melhor quando se planeja o começo, o meio e o
fim.
O Padre tirou uma chave do bolso:
— Pode abrir, eu não tranquei depois que sai... Você é um garoto corajoso. Acho
que o Yuri pode aprender muitas coisas com você.
Como Takashi estava estático, morrendo de medo, Bruno abriu a porta e entrou.
“Quais são os verdadeiros planos dele?” — teve medo de morrer.
Yuri estava acordando enquanto o Padre abria o armário para pegar sua
necesseríe. Antes de fechá-lo, guardou a chave dentro de uma gaveta.
— De volta ao ninho — disse olhando-a.
— Bom diiiiiiiiaa — espreguiçando.
— Yuri! Que bom, você acordou — disse, o japonês esperançoso.
— Bom dia, Pequeno Parrot! Bem, vou deixar os senhores a sós. Com licença,
meu amigo.
Takashi abriu caminho para ele passar e respirou aliviado.
Durante toda a manhã, Takashi refletiu. Repassava na mente cada expressão do
Padre que julgara estranha; pensava nas palavras que ele dissera, na conversa logo pela
manhã com Chris... Preocupou-se ainda mais, pois parecia estar mais certo do que
nunca.
Após o almoço, por volta das quatorze e meia, O novo amigo de seu Marcus se
despediu de todos. Era hora de partir.
— Mas já? Eu pensei que você fosse ficar mais.
— Eu bem que gostaria, mas o trabalho me chama. Se vocês quiserem, posso
voltar para pegar o Yuri e...
— Não se preocupe. Tenho de resolver uns negócios no Plano, eu mesmo os
levo.
— Então, meu amigo Marcus, muito obrigado por tudo. Os momentos que passei
aqui foram muito agradáveis, vocês todos são pessoas maravilhosas. Desejo que Deus
continue com vocês. Mais uma vez, obrigado.
Ele foi-se, deixando uma boa impressão para quase todos. Por volta das cinco
horas, Pedro, Vítor e as esposas também estavam se despedindo. O pai de Yuri podia
ficar até quinta, mas preferiu voltar antes por causa de Chris, que precisava trabalhar.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
Ela não gostava de ficar sozinha em casa. Vítor também tinha trabalho a fazer; não
estava tão atarefado como antes, mas tinha seus afazeres na delegacia.
— Chris!
— Sim, Takashi.
— Não esquece de trancar as portas de casa.
— Claro! Com certeza. Fique tranqüilo, não vou esquecer... “Esse Takashi é um
amor, sempre preocupado com a gente...”
Logo após a partida dos casais, Káris sugeriu jogar Banco Imobiliário, mas a
proposta de Yuri agradou mais: nadar. A água quente da piscina parecia muito boa
naquele fim de tarde. Dona Márcia foi preparar o jantar e seu Marcus, cuidar de alguns
assuntos da chácara.
— Yuri!
Káris, que vestia um biquíni bonito e comportado, aproximou-se da borda da
piscina onde encontrou Yuri:
— Eu tenho de te contar uma coisa.
Ele olhou curioso para os olhos verdes dela, esperando-a falar.
— Ontem eu peguei uma conversa entre o seu tio e o seu pai. Eles falavam sobre
o Maníaco do Parque.
Takashi e Wina se aproximaram.
— Sério? O que eles disseram? — Yuri quis saber.
— Eles ‘tavam um pouco longe, mas...
— Eu também preciso dizer uma coisa: descobri quem é o Maníaco do Parque.
— Brincou, né, Tk-chan? — Wina debochou.
— Não ‘tô , não!
— ‘Peraí . Quem vai contar primeiro? — Yuri perguntou.
— Pode ser o Takashi, depois eu falo.
Káris já tinha em mente quem era o suspeito de seu amigo e sabia que ninguém
acreditaria nele.
— Então ‘tá, vou dizer. O nome do Maníaco do Parque é Bruno Engelhard. Tem
mais, ele não é só o Maníaco do Parque.
— Quem?
— Ele ‘tá falando do Padre, Wina — Káris esclareceu.
— Isso mesmo. O Padre é o assassino.
— Ah, Takashi! Inventa outra.
— Eu ‘tô falando sério, Yuri. Deixa eu explicar, depois você diz o que quiser.
— Então ‘tá, explica. Por que o Bruno seria o Maníaco do Parque?
— No dia que você disse que a Samanta teria sido uma vítima do Maníaco do
Parque, eu achei isso uma idéia maluca e sem lógica. Mas depois, pensei melhor sobre
a dedicatória do livro e tudo começou a se encaixar. Quando o Padre te presenteou
com livro, ele estava dizendo: “Eu sou o assassino”.
Takashi fez uma pausa e esperou a reação de seu amigo.
— Como assim, “eu sou o assassino”?
— Você não consegue ver? Quem era o assassino no livro?
— Não sei, eu parei na parte em que o Hercule Poirot ia dizer. Tentei descobrir
sozinho e...
«113»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
— No livro, o assassino é... Ah! Deixa pra lá, vocês não iriam acreditar em mim,
de qualquer forma.
— Ah, não! Agora eu quero ouvir tudo — reclamou Wina.
Takashi olhou para o rosto de cada um. Wina e Yuri estavam esperando que ele
contasse, mas Káris ... O que ela sabia?
— Então ‘tá. Eu percebi depois do último assassinato que o Padre não havia
estado em casa em nenhuma das noites dos crimes.
— E como você sabe disso?— questionou Wina.
— Eu ouvi o vigia noturno, lá do prédio, comentando sobre o Padre. Segundo
ele, esse homem sai quase todas as noites por volta da meia-noite e volta perto das
cinco da manhã. Então, eu resolvi ficar acordado no dia de mais um suposto
assassinato e verificar se ele estaria em casa. Eram onze e meia quando ele saiu e às
quatro ainda não havia chegado. Eu sei disso porque fiquei acordado, lendo e atento a
qualquer barulho no corredor. E essa foi a noite em que a Samanta morreu.
— Ele sofre de insônia. As vezes, sai pra adiantar o serviço na empresa ou pra
jogar boli... — Takashi não esperou Yuri completar a frase.
— Olha, naquele dia suspeitei dele, mas como nos jornais não saiu a reportagem
de nenhum crime novo, eu fiquei meio na dúvida, porém não tirei minha atenção
dele... Quando ele incentivou o Yuri a ir atrás da causa da morte da Samanta, eu achei
isso muito estranho.
— ‘Tá, mas se ele era o assassino por que iria incentivar alguém a descobrir
tudo? — indagou Káris.
— O maior desejo de um serial killer é ser pego.
— ‘Tá, mas por que o Yuri? Ele não é investigador, não é uma pessoa experiente,
ele é apenas um garoto comum.
— Você nunca achou estranho o Padre ser amigo do Yuri? Por que ele se
aproximou de você, Yuri?
— Por causa do papagaio.
— Não, foi por causa da sua família. Olha, eu não descobri o porquê disso mas
de uma forma ou de outra ele está atacando a sua família e está conseguindo o que
quer: atenção. Talvez seja vingança, talvez inveja ou talvez um jogo, mas seja o que
for...
— Mas seja como for, Deus salve a América — satirizou, Wina, o tom do
discurso de Takashi.
— Mas, Takashi — Káris interveio —, você não acha que foi longe demais, não?
O Padre é o Maníaco do Parque, o “misterioso assassino” da Samanta e ainda alguém
que procura se vingar da família do Yuri? Três em um?
— Tudo bem, pode debochar, mas uma coisa é inegável: todas as garotas foram
assassinadas na jurisdição da delegacia do tio do Yuri. Coincidência? E a Samanta? A
garota morre de uma hora para outra, ninguém sabe toda a verdade, a carta que ela
deixou ninguém leu. Uma garota extremamente determinada se mata por um motivo
patético? “Ai, ai, meu namorado vai me largar, prefiro a morte”. Ele era vizinho dela;
estranho, não é?
Káris ficou olhando-o, pensativa. Ele realmente era bom em argumentos, mas
daí criar essa história tão...
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
— E não é só isso. Vocês viram como o Padre foi recebido aqui? Ele até parecia
da família. Conquistou a confiança do seu avô; sempre muito educado, agradecendo...
Ele está jogando com o Yuri e você — apontou para o próprio — está perdendo.
— Tk, eu preciso dizer: você tem um futuro brilhante como escritor. Sério,
alguém bolar uma história tão mirabolante e ainda contá-la com o tom de quem é o
dono da verdade não é qualquer um que faz. Você tem futuro — disse Wina.
Takashi olhou para ela com um ar de reprovação nos olhos.
— Olha gente, deixa eu contar o que eu ia dizer quando o Takashi me
interrom...
— E por que eu estou perdendo?
Yuri estava com uma expressão preocupada. Como a conversa parecia ir para
um beco sem saída Wina achou melhor intervir:
— Agora, falando sério; eu quis ouvir a história porque pensei ser apenas mais
uma brincadeira de vocês, mas não parece ser bem isso. Sinceramente, acho que essas
suposições não vão levar vocês a lugar nenhum. Vocês são garotos cheios de
imaginação e acontecimentos assim, tão estranhos, fazem a gente pensar em coisas,
mas são apenas um monte de suposições, bastante criativas por sinal. Porém, Takashi,
quer você queira ou não, o Padre é uma pessoa muito querida para o Yuri e falar tudo
isso sem poder provar nada, só vai deixá-lo chateado com você.
— Ela tem razão, Tk.
Takashi considerou durante alguns segundos e por fim concordou:
— Vocês têm razão. Eu não devia ter falado tudo isso sem. Bem, eu nunca quis o
seu mal Yuri, só queria te alertar. Ah, deixa pra lá!
Os olhos de Yuri estavam distantes, alheios àquelas palavras.
— Yuri? ‘Tá tudo bem? — Káris perguntou preocupada.
— Muito interessante — ele voltou a si —, mas por que eu estou perdendo?
— Ah, não! Vocês vão continuar com isso? Então, dá licença que eu vou tomar
meu banho — Wina se retirou.
— Você quer mesmo saber?
— Quero.
— Olha, você é um cara precoce, meio geniozinho, o único da nossa sala a
entrar na oitava com doze anos. Todos os teus amigos são mais velhos. Bem, você
parece ser adiantado em tudo, menos em uma coisa: você é um pouco ingênuo com as
pessoas, acredita demais nelas, sabe? Você às vezes demora um cado pra perceber
certas coisas... Se o Bruno for quem eu acho que é, ele está jogando contigo. Ele
percebeu essa sua ingenuidade e está te manipulando. Primeiro, ele se aproximou,
depois te fez investigar o caso da Samanta, e agora está se infiltrando na sua família. O
jogo dele é o seguinte: se você descobrir quem ele é e o que ele quer, você será capaz
de pará-lo a tempo.
— E por que o Yuri? — questionou Káris novamente.
— Talvez seja porque o Yuri gosta de jogar e ao mesmo tempo que é esperto é
ingênuo.
— A tempo de quê? Você falou que eu poderia pará-lo a tempo.
— Pra mim o próximo alvo são seus pais e, mais especificamente, a sua mãe.
Deixa eu te contar uma coisa, Yuri, e você me diz se eu tenho razão ou não. Essa
madrugada, depois que vocês dormiram, tranquei a porta e escondi a chave. Eu não
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Vamos ao campo”
queria dormir, mas não deu, acabei caindo no sono. Quando acordei de manhã o Padre
não estava e a chave, estranhamente, estava no mesmo lugar, debaixo do meu colchão.
Olhei pela janela e vi sua mãe andando e, de repente, atrás dela, apareceu o Padre. Eu
sai pela janela, andei pelo telhado, me pendurei e pulei no chão. Corri o mais rápido
que consegui até alcançar os dois. Ele segurava um canivete, o seu, Yuri.
O garoto dos olhos castanhos continuava com aquele ar pensativo.
— ‘Tá, digamos que ele fosse matar a mãe do Yuri. Por que ele não matou? Só
por que você apareceu por lá? — indagou Káris.
— Eu também me perguntei isso, mas eu lembrei de uma coisa que ele me disse
essa manhã: “Tudo funciona melhor quando se planeja o começo, o meio e o fim.” Ele
não faria isso porque seria facilmente pego aqui. Estamos isolados e quem, além dele,
faria uma coisa dessas? Um parente ou o caseiro de confiança? Iriam suspeitar dele...
Pra mim, sua mãe está correndo perigo, Yuri.
— E como foi que o Bruno saiu do quarto? Por acaso, um senhor de 60 anos ‘tá
tão em forma assim que consegue pular do segundo andar? — Káris questionou mais
uma vez.
— Ele achou uma cópia da chave dentro do guarda-roupas... Ah, vocês sabem o
que significa o nome Bruno Engelhard?
Os dois balançaram a cabeça negativamente.
— “O Severo Anjo das Trevas”. Pra mim, esse cara não é um Padre e aposto que
a identidade dele é falsa.
— Olha, Tk, sinto te dizer, mas você está totalmente enganado. O Maníaco do
Parque já foi preso.
— ‘Tá falando sério? — Yuri ficou surpreso.
— Ah, fala sério, Káris!
— Era isso que eu ia dizer antes de você começar a falar, Tk. Ontem, enquanto
nós estávamos sentados ao redor da fogueira, o tio e o pai do Yuri estavam um pouco
afastados, conversando. Prestei atenção à conversa e conseguir pegar algumas coisas.
O tio Pedro perguntou para o irmão se o “Mister M” já estava preso. Acho que foi só
uma brincadeira dele, mas o delegado respondeu sério, disse que sim.
— E como eles chegaram até esse cara? — agora foi a vez de Takashi questionar.
— Não sei, não deu pra entender tudo. Mas uma coisa é certa: o assassino era
alguém que não tinha nada a ver com a gente. Nós estávamos enganados, Samanta não
foi vítima de ninguém além dela mesma, Yuri — dirigiu-se ao garoto dos olhos
castanhos e pensativos.
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«SETOR 10»
Correio
Yuri ficou mudo por alguns instantes e Takashi não parava de fazer perguntas
que Káris não sabia e nem podia, por si, só encontrar as respostas.
— É, Takashi, a sua história foi muito interessante. Sabe, eu quase acreditei.
Acho que fantasiei muito sobre isso tudo, mas no fundo, no fundo, eu sabia toda a
verdade, só não queria aceitar que a Samanta fosse uma pessoa tão covarde assim.
Encontrei uma fuga quando ouvi meu tio falando sobre o Maníaco do Parque e daí... O
Padre pode parecer uma pessoa estranha e até cheia de mistérios, mas, sei lá, é como
se eu sentisse nele uma pessoa que quer o meu bem... Muito obrigado, Ay. Valeu
mesmo...
— Pelo o quê?
— Ah, mesmo sabendo que tudo isso era só uma idéia maluca, você ficou do
meu lado pra me ajudar e provou ser mesmo minha amiga me falando a verdade que
eu precisava ouvir. E você também, Takashi, valeu... Incrível, como é que eu posso ter
pensado em uma coisa dessas, realmente eu sou muito criança mesmo.
Dona Márcia apareceu na varanda, chamando-os para lanchar. Yuri atendeu-a
prontamente e entrou. Takashi e Káris permaneceram um pouco mais na piscina. Ela
tentando entender a estranha reação estampada nos olhos castanhos daquele garoto e o
japonês questionador inquirindo-a.
— Será que ele ‘tá bem? — duvidou Takashi.
— Não sei não. Parece que ele encarou numa boa, não foi?
— Com muita naturalidade, pro meu gosto.
— Acho que eu vou lá falar com ele.
— ‘Peraí , antes, me explique como eles prenderam o assassino e não saiu nada
disso nos jornais?
— Sei lá, talvez eles queriam ter certeza antes de tornar isso público... Sei lá!
— E como o tio do Yuri teve essa folga com o Maníaco preso?
— Takashi, eu não sei. Só ouvi que prenderam o assassino e só. Agora me dá
licença, vou até lá falar com o Yuri.
— ‘Tá muito mal contada, essa história pra mim, hum!
Káris se enrolou em uma toalha, calçou um chinelo e foi atrás de Yuri enquanto
Takashi ficou na piscina olhando para o céu e pensando. Depois de uns cinco minutos
«117»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Correio
ele chegou a achar que tudo devia acabar do jeito que acabou porque assim seria
melhor para todos.
— Ah, é melhor que seja assim mesmo. Já pensou se eu estou certo? A tia Chris
ia estar correndo perigo de verdade. E se acontecesse alguma tragédia? Deus me livre...
E minha mãe? Ela ficaria louca: “Eu, vizinha de um psicopata?”. Ela ia desmaiar, meu
pai ia querer se mudar... É melhor que o Padre seja realmente e somente um padre.
Já dentro da casa, Káris estava a procura de Yuri:
— Dona Márcia, o Yuri passou por aqui agora há pouco?
— Passou sim, ele está tomando banho. E é melhor você ir tomar também antes
de lanchar se não fica resfriada.
— ‘Tá.
— E o Takashi? Ele vai ficar lá fora sozinho?
— Acho que ele vai ficar por lá mais um pouquinho.
À noite, eles comeram pizzas que o seu Marcus assara no forno a lenha e todos
aprovaram o sabor.
— Mas isso é uma tentação, Seu Marcus. Que pizza gostosa! — elogiou Wina.
— Um amigo italiano me deu a receita, mas pode comer mais, gente. Ainda tem
muita. Yuri, pega mais um pedaço.
Káris ficou observando-o, ele parecia bastante descontraído e alegre, e ela
demorou um pouco para aceitar isso. Queria falar com ele a sós, mas não teve
oportunidade. Depois da janta, eles foram jogar truco com o Seu Marcus e ficaram até
de madrugada jogando. Dona Márcia chamou Káris para conversar e deu-lhe muitas
dicas sobre como escrever, montar uma história e coisas assim. Ela gostou muito da
conversa, nem tanto por causa do assunto, mas por perceber a inteligência e a
perspicácia daquela senhora tão alegre.
Minutos antes de dormir, já no quarto trocando de roupa, Wina perguntou sobre
a conversa na piscina:
— E então, que fim levou aquela conversa lá da piscina?
— Ah! — reclamou — Eu não entendo esse garoto!
— Como assim, Káris?
— Eu falei pra ele que ouvi o Vítor comentando a prisão do assassino e...
— Sério? Como? Quando foi isso?
— E ele encarou numa boa. Falei que a tal Samanta tinha sido vítima de
ninguém mais do que dela mesma e ele aceitou. E o pior não é isso, ainda me
agradeceu.
— Cara, prenderam o Maníaco.
— Wina! — gritou.
— Menina, não grita. Vai acordar os outros. ‘Tá, mas o que o Yuri disse
exatamente?
— Ele disse que agiu como uma criança por acreditar na relação entre a
Samanta e o Maníaco e que o Padre era uma pessoa misteriosa, mas que sentia nele
uma pessoa boa e, por fim, ele me agradeceu e ao Tk também.
— E o que tem de errado nisso?
— Nada, mas pra quem acreditou numa loucura dessas, de uma hora pra outra,
achar que tudo não passou de criancice é de se achar estranho.
— Não tem nada de estranho nisso, ele apenas cresceu. Só isso.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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— Mas assim, de uma hora pra outra?
— Ninguém cresce de uma hora pra outra, mana, ninguém. Agora, vamos
dormir que eu ‘tô morrendo de sono. Apaga a luz aí, por favor.
— Hum! — incompreendida.
— Boa noite.
— Boa noite — murmurou.
Enquanto Káris e Takashi não conseguiam pegar no sono, Yuri e Wina dormiam
tranqüilamente.
O dia seguinte amanheceu quente e seco, e o riacho de águas cristalinas e
geladas foi uma boa pedida. À tarde, eles praticaram tiro ao alvo com pistola de
chumbinho e Yuri mostrou ter boa pontaria ganhando uma aposta com Wina. A noite
já caía quando tiveram a idéia de acampar no quintal. Káris e Yuri arrumaram a
fogueira como Bruno havia lhes ensinado e Seu Marcus fez questão de verificar se era
segura. Com sua aprovação, eles sentaram-se ao redor do fogo e assaram batatas e
queijo provolone. Aproveitaram a escuridão da noite e o crepitar da fogueira, para
contarem histórias de terror, a maioria adaptadas dos episódios de Arquivo X.
Pela manhã, resolveram andar a cavalo explorando a região, e fizeram do caseiro
como guia. Conversaram sobre páginas de animê na Internet — onde comprar DVDs,
episódios gravados em CDs, onde baixar arquivos. Em determinado momento, Yuri
lembrou-se do seu livro e pediu para Wina lhe contar o final: quem era o assassino, e
ficou bastante surpreso. De tarde, Seu Marcus deu uma aula de direção para o neto,
que chegou a dirigir o carro por alguns metros antes dele apagar. Por volta das quatro
horas, deixaram o sítio, com o sentimento de alguém que provou algo muito bom e
queria mais.
Já em Brasília, Seu Marcus se despediu das irmãs Fernandes e lamentou pela
estada delas na chácara ter sido tão curta. Caso eles não precisassem viajar na sexta,
elas poderiam ficar e aproveitar mais, já que estavam de férias.
Ele e dona Márcia iriam viajar para o lançamento do novo livro da esposa: Ícaro:
Enigmas da Rede, que conta a história de um garoto que junto com seus amigos se
metem em muitas encrencas após decifrarem a mensagem de um e-mail
aparentemente sem propósito.
Depois de deixar os garotos, ele saiu a fim de resolver alguns assuntos e mais
tarde dormiria na casa do neto.
Takashi olhava para a rua, como que tentando lembrar-se de algo, porém, seus
olhos não miravam o carro que os deixara e acabara de partir.
— O que foi? Esqueceu alguma coisa no carro?
— ‘Tá vendo aquela moto azul do outro lado da rua?
Yuri virou-se e viu uma moto de linhas arrojadas, de porte considerável e
familiar.
— ‘Tô.
— Parece que eu já a vi antes.
— Foi aquele dia no shopping. A moto do Rodrigo é do mesmo modelo dessa.
Suzuki RGSX SRAD.
— É mesmo. Então, tchau, e valeu por ter me convidado.
— Que isso, cara! Falou.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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Cada um seguiu para o seu apartamento, Takashi, com as chaves na mão e Yuri,
que não conseguia achar as suas na mala. O japonês não pôde evitar a risada quando
viu a porta do seu vizinho:
— Então quer dizer que eu tenho futuro como escritor? Essa Wina ...
Yuri tocou a campainha e Samara veio abrir a porta:
— Tia!? — pouco surpreso.
— Tudo bem, meu lindo? — smach.
— Tudo, e o bebê? ‘Tá tudo legal?
— Ham-ham! ‘Tá tudo certinho. E aí, com fome? A gente ‘tá lanchando.
Eles foram até à cozinha, e Yuri sentou-se a mesa com elas.
— Chegou, meu filho?
— Oi, mãe! — smach.
Os três conversaram por mais de uma hora sem perceber o tempo passar.
Quando ficaram sem assunto, Yuri resolveu perguntar algo para sua mãe, a respeito de
sua melhor amiga:
— Mãe, que você acha da Káris?
— Káris, aquela loirinha? — perguntou a tia.
— Como assim, Yuri? Em que sentido?
— É que eu ‘tava pensando e... olha, ela é muito bonita, certo?
Samara olhou-o como quem diz: “‘Tô sentindo que pintou o clima”.
— Certo. Isso ninguém discute — Chris sorriu.
— Então, ela é muito bonita, tem vários admiradores, mas desde que a conheço,
ela nunca namorou. E, mesmo com 14 anos, ela é bem mais madura que outras garotas
lá da sala, sabe...
— Mas não é só porque ela tem 14 anos que precise namorar. Cada um sabe o
seu tempo. E, na minha opinião, namorar antes de entrar na faculdade não compensa.
Faz a gente desviar muito do alvo.
— Pior, que é verdade — concordou Samara.
— Não, não é isso que eu quis dizer. ‘Ó, se tem tantos garotos que gostam da
Káris, mas se ela nunca se interessou por nenhum deles, talvez ela goste de um que
não se interessa por ela. Você não acha?
— Mas porque todo esse interesse na sua amiga, hein? — Samara questionou
sagazmente.
— Não é interesse nenhum, tia, eu só ‘tava pensando. Sabe, a idéia veio na
mente.
— Talvez. A Káris é muito segura de si. Flores, ursinhos de pelúcia, bombons,
nada disso chama a atenção dela. Eu já andei reparando e notei que ela procura
personalidade nas outras pessoas. Conversar com ela é muito mais significativo do que
dar um presente. E por ser muito segura de si, saber o que quer, ela é mais madura que
as outras garotas da mesma idade, ainda mais as garotas de hoje em dia. Tudo depende
de como ela pensa, mas isso não descarta a possibilidade dela estar apaixonada por um
garoto que não lhe dê atenção, ou talvez que não demonstrou... — Chris não concluiu
a idéia.
— O que foi mãe?
— Não, nada, é que me ocorreu uma idéia.
— Que idéia?
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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— Nada não, deixa pra lá.
— Mas ‘peraí! Sua melhor amiga se apaixonaria e você nem ia perceber? Que
tipo de amigo é esse? — Samara brincou.
— Esse aí puxou ao pai, só vai aprender a perceber melhor as coisas depois de
casar e tomar vários puxões de orelha da esposa — suspiros.
Yuri riu.
— Que horas são? Eita! Já ‘tá quase na hora do meu cabeleireiro.
— É mesmo, Samara. A gente ficou conversando e nem viu o tempo passar — as
duas se levantaram. — Yuri, você guarda a mesa pra mim?
— Não vai dar. Não tem outro lugar pra colocá-la. É muito grande.
— Engraçadinho.
— Tchau, meu lindo! — smach. — Depois a gente conversa mais sobre as
mulheres. Vou te dar umas dicas pra você ser mais atencioso, ‘tá?
— ‘Tá bom. Tchau, tia! E pode deixar, mãe, eu guardo a mesa, sim. Mãe, ‘peraí!
— Que foi?
— Cadê o papai? A gente ficou conversando e eu nem percebi...
— Seu pai ‘tá viajando a serviço.
— Ué!? Ele não ia ficar de folga até amanhã?
— Você não vai acreditar. Sabe seu amigo, o Bruno? Então, ele é o presidente da
empresa onde o seu pai trabalha. Os dois viajaram a serviço hoje.
— Sério? Presidente? E por que o Bruno nunca me disse nada?
— Ele falou que queria ter certeza de que o seu pai, além de competente e
determinado, tinha uma família bem estruturada pra agüentar a responsabilidade de
comandar a empresa enquanto ele tirava umas férias bem longas.
— Caramba! Meu pai vai ser presidente da Consul&Info S/A?
— Vice, Yuri. Vice. Cadê minha bolsa?
— Aqui, Chris, ‘tá aqui!
Yuri foi chamar o elevador.
— Mas que legal, meu pai vai ser o vice-presidente.
— Pede aumento de mesada pra ele — sugeriu a tia.
O elevador chegou.
— Com certeza. Tchau, tia! Tchau, mãe!
— Beijo — smach. — Ah! As suas encomendas chegaram hoje. ‘Tão em cima da
sua cama.
— Tchau, meu lindo!
O elevador desceu.
— Encomendas? Eu não pedi nada — ficou surpreso.
— E os seus desenhos? — gritou Chris.
Yuri fechou a porta e tentou lembrar se tinha encomendado algo. Lembrou-se
que ia encomendar os OVAs‘¹’ de Samurai X, mas desistiu depois de saber que Wina os
tinha gravado em CD. Pegaria com ela qualquer dia desses.
— Estranho.
— Pêmrhhh!
— Aposto que esqueceram alguma coisa.
Yuri abriu a porta pensando encontrar sua mãe ou Samara, que teria voltado
para pegar uma carteira ou as chaves, porém surpreendeu-se com Káris:
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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— Ay!?
Ela estava de cabeça baixa, parecia um pouco tímida.
— Aconteceu alguma coisa? Entra, senta um pouco.
— Yuri.
— O que foi?
“Ai, ai, ai. Por que as coisas são difíceis assim? Meu coração ‘tá disparado,
mesmo eu estando certa daquilo que quero. Calma, calma! Seja você mesma, seja
verdadeira. Ele vai entender...”
— Ay, você não quer entrar?
— Yuri, eu preciso te dizer uma coisa muito importante.
— Sim?
— Depois de tudo aquilo que aconteceu na chácara, eu... eu... percebi que
você...
Embora seu coração falasse claramente as palavras, sua boca não conseguia
pronunciá-las. Então, atevesse a olha-lo, olha-lo através dos olhos, para dentro de sua
mente. Olhou-o sem perceber o tempo passar. Naquele momento, planetas nasceram,
civilizações surgiram, evoluíram, destruíram-se e passaram. E ela disse, com os olhos,
tudo o que queria.
Yuri não se incomodou com o olhar, mas tentou compreendê-lo através da íris
de Káris. Estava totalmente envolvido quando ela o abraçou.
— Te conhecer me dá vontade de ser alguém melhor a cada dia, Yuri.
O abraço se desfez e ela se foi, deixando-o dentro de uma turbulenta tempestade
de pensamentos e sensações, que não conseguiu assimilar corretamente, devido aos
acontecimentos que se sucederam.
Ele voltou a si depois do telefone tocar insistentemente. Era Juan.
— Alô? Yuri?
— ...A-Alô?.. Juan?
— Aconteceu alguma coisa, moleque? Sua voz ‘tá te denunciando.
— É... aconteceu. Mas, deixa pra lá, é coisa minha... Diz aí, como foram as
férias?
— Foi muito fera, deu pra relaxar bem. Mas e aí, o que ‘cê ‘tá fazendo?
— ‘Tô guardando a mesa do lanche. E você?
— ‘Tô lendo o mangá número 1 da edição brasileira de Samurai X.
— Sério? Você foi lá, naquela loja?
— Fui e comprei um pra você também.
— Puxa, obrigado!
— É muito bem desenhado. O Watsuki é muito bom no traço... Moleque!
— Que foi?
— Acabei de me lembrar. Esqueci de te contar, mas descobri alguns podres do
Guilherme. Você me perguntou se ele pulava a cerca, lembra? — Juan nem esperou
pela resposta — Então, ele pulou, e não foi só uma não, foram três vezes. Sabe, me deu
tristeza de saber que ela amava tanto um cara como esse. A Sam era muito gente boa e
merecia se apaixonar por alguém que a amasse de verdade... Descobri também porque
o Rodrigo e o Guilherme não estavam se falando ultimamente. Um dos pulos foi com a
namorada do “amigo” dele, a Lis. Estranho, né? Ele descobre que a namorada o traiu e
depois ela aparece morta.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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— Morta?
— Eu tenho certeza. Ela foi a segunda vítima. ‘Ó, ainda tem mais: o Rodrigo
estava mesmo lá em Recife quando eu me senti perseguido. Não é muita coincidência?
Yuri não respondeu nada, ficou calado por alguns instantes.
— Alô? ‘Cê ainda ‘tá aí?
— ‘Tô. Verdade, é muita coincidência. Ainda mais porque o Maníaco já foi
preso.
— Quê? ‘Cê ‘tá brincando, né?
— Meu tio quem disse.
— Caramba! E quem era?
— Não sei, mas acho que não é nenhum conhecido nosso.
Yuri acabou de limpar a mesa e foi para o seu quarto. Em cima da cama, havia
duas caixas de correio destinadas para “Yuri”; uma, própria para postar CD e outra um
pouco maior. Ele pegou a menor e olhou o remetente, era uma caixa postal.
— Que estranho!
— O que é estranho? Seu tio te contou mais alguma coisa?
— Não, não é sobre o Maníaco. É que eu recebi um CD pelo correio, mas não
lembro de ter encomendado nada.
— Ah, vai ver, foi engano. Deve ser do seu vizinho. Conta mais, como
descobriram o Maníaco?
Yuri olhou o destinatário, era para ele mesmo.
— Foram as mechas de cabelo? — Juan perguntou ansioso.
— Deve ter sido.
— Como assim “deve ter sido”?
— Nem fui eu quem descobriu isso, foi a Káris. Ela não conseguiu pegar muita
coisa, mas sabe, eu já perdi o interesse nisso tudo.
— Sério? Agora que a gente ‘tava chegando tão perto.
— Chegando perto? A gente não investigou nada, não fez nada, só fantasiou.
— Pior, que é verdade. Mas mesmo só fantasiando, eu já ‘tava quase me
sentindo o Hercule Poirot.
— Ah, você também gosta de Agatha Christie?
— E como! Já li todos os livros dela.
— Sério?
— Eu gosto muito dessas histórias.
— Certo! Então é isso, Juan.
— ‘Peraí ! ‘Cê não ‘tá a fim de, amanhã, ir na gibiteca da 508? Ouvi falar que lá
tem mangá do Akira‘²’.
— Beleza, que horas?
— Vem de manhã aqui em casa, e daqui a gente vai.
— Antes do almoço eu apareço por aí.
— Então falou, moleque!.. Tomara que você consiga resolver seu problema...
— Ah, ‘tá... ‘Té mais! E valeu pelo mangá do Kenshin.
Yuri desligou o telefone e começou a suspeitar que aquela encomenda pudesse
ser...
— Será que... Ah, já sei! Deve ser algum amigo meu do colégio. Óbvio! Mas e a
outra?
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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Ele pegou a caixa e olhou o remetente, estava em branco.
— Não ‘tô gostando disso.
Mesmo com certo receio Yuri resolveu abrir as encomendas começando pela
caixa de CD. Tirou seu canivete do bolso, abriu o lacre e a caixa.
Ficou sem palavras diante do que viu. Sua mente recusou-se a acreditar no que
os olhos enxergavam.
Nunca imaginara que um dia viesse a ter nas mãos algo tão lúgubre: três negras
e mórbidas mechas de cabelo, funebremente guardadas dentro de uma caixa de CD.
Agora, tudo ganhava um novo significado, as suspeitas enterradas dias antes,
seriam exumadas. O assassino estava mais perto do que nunca e, o pior, conhecia Yuri
o suficiente para poder jogar com ele um jogo tão perigoso quanto interessante.
Ele largou o porta-CD e olhou com olhos apavorados para a segunda caixa.
Sentiu um frio correndo por todo o corpo, uma ânsia, uma agonia que não conseguia
exteriorizar. Ficou estático, mudo e ofegante. Não conseguia pensar em nada mais
além do medo de morrer.
Após vários minutos, mesmo sem recompor-se do susto, ele achou coragem
dentro de si para encarar a segunda caixa. Com a mão trêmula, usou o canivete para
fazer um corte pequeno na lateral tentando enxergar o que havia ali dentro: era um
livro. Quando abriu completamente a caixa, constatou que não se tratava de um livro
comum, na verdade era um diário. Sim, aquele diário. Não sentiu-se aliviado por ser
algo pior, mas ficou ainda mais tenso.
Ficou ali, sentado na cama, pensando em mil coisas. Sua vida corria risco, mas
e quanto a Káris? Estavam juntos no dia da busca ao diário. A conversa com Juan,
minutos atrás no telefone, as desconfianças de Takashi, Rodrigo M.P., Guilherme, o
Padre...
“Calma, você precisa pensar. Pensa! Pensa! Droga! Ele sabe de mim, o Maníaco
sabe quem eu sou e o que eu quero. Ele ‘tá atrás de mim. Mas e a Ay? Ela ‘tava comigo
naquele dia. A gente chegou perto demais da verdade e agora isso me dá medo. Não
fica com medo, sem medo! Mas como vou ficar sem medo se ele ‘tá me perseguindo? O
Rodrigo estava mesmo lá em Recife quando eu me senti perseguido. Não é muita
coincidência?... Você sentiu isso? Tem alguém seguindo a gente. Quem será ele? Rodrigo
M.P., o ‘amigo’ da Samanta... ele pulava a cerca???? Ele pulou três vezes. Ela amava
mesmo ele... Podia ser o pai, mas se foi mesmo o Guilherme, isso é quase
incriminador... Ele está jogando com você. O assassino é quem você sempre suspeitou...
Você disse que gostava desse título de jogo: Final Fantasy. O Yuri gosta de jogar e ao
mesmo tempo que é um geniozinho é ingênuo. Pra mim o próximo alvo são seus pais...
Cadê o papai? Ele é o presidente da empresa onde o seu pai trabalha. Os dois viajaram
a serviço hoje. E por que o Bruno nunca me contou nada?... Yuri, creia que você é
H.P.... Preciso fazer alguma coisa e tem de ser agora.”
Yuri pegou o telefone e discou para a casa de Káris. O telefone chamou até
quase cair a ligação. A cada toque, seu o coração batia mais forte, pensando que o pior
pudesse ter acontecido:
— Alô?
— Wina, aqui é o Yuri. ‘Tá tudo bem aí?
— Oi, Yuri! Como assim, “‘tá tudo bem”? Por que não estaria? — brincou.
Ele ficou mudo.
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— Yuri?
— A Káris está? Eu preciso muito falar com ela.
— Yuri, ‘tá tudo bem? Sua voz parece ansiosa.
— ...O-O carteiro já passou aí no seu prédio hoje?
— Carteiro? Yuri, pode começar a falar. O que você aprontou dessa vez?... É o
Yuri, Ka.
— Ay? Deixa eu falar com ela.
— Toma, ele quer falar com você. Parece que aconteceu alguma coisa com ele.
— ...Y-Yuri? — perguntou timidamente.
— Ay, só me responde uma coisa. O carteiro, você já recebeu alguma
correspondência hoje? — tenso
Káris percebeu a ansiedade na voz dele. Sabia que esta chamada não tinha
ligação alguma com o olhar de minutos antes.
— Hum?... Já. Por quê?
— Você recebeu alguma sem remetente?
— Sem remetente? Não, eu nem recebi correspondência.
— E sua irmã?
— Também não. E você recebeu?
Emudeceu.
— Yuri, você ‘tá começando a me dar medo.
— É que eu, bem... — respirou fundo. — Eu recebi um pacote com o diário
dentro.
— Diário? Aquele diário?
— É, mas não se preocupe. Eu vou ligar para o meu tio agora mesmo.
— Yuri, você ‘tá falando sério?
— Não abra a porta para ninguém, ouviu? Ninguém!
— Yuri!
— E fica calma, vai dar tudo certo. Não abre a porta.
— Yu... Ué!? Desligou.
— O que ele queria? — Wina quis saber.
Ele desligou o telefone e, aflito, discou para o número de Vítor. Diferentemente
da chamada anterior, essa não foi atendida, pois o celular de seu tio estava desligado.
O garoto se pôs pensativo. Precisava de ajuda, mas quem poderia fazer algo por ele, ou
melhor, por eles? O telefone tocou.
Yuri tinha o telefone a mão, porém não o atendeu de imediato. Olhou-o com
certa desconfiança, talvez fosse... Desejou, fortemente, não ser quem imaginava: o
assassino. Somente depois de muitos toques e uma dose de coragem, ele atendeu a
chamada.
— Yuri? Meu filho, que demora. Vou falar rápido porque a bateria está
acabando. Quando o seu pai ligar, pede pra ele deixar o número do hotel e me esperar
acordado. Bem, mesmo sendo onze da noite lá em Frankfurt, ele não deve estar com
sono. Mas de qualquer jeito... Yuri? Yuri? Não ‘tô te ouvindo, a bateria vai acabar. Diz
que eu ligo ainda hoje, ‘tá bem? Não esquece.
— Mãe! — ansioso.
— Yuri, não ‘tô te ouvindo direito. Vou desligar. Tchau!
— Mãe!... Desligou. E agora? O que eu faço?
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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Olhou para aquelas lúgubres mechas negras que jamais desejara ter em mãos,
mesmo tratando-se da principal prova dos crimes, e sentiu-se mal. Pegou a caixa com
uma camiseta, evitando deixar suas digitais ali, e confinou-a em um canto empoeirado
do guarda-roupas e sentenciou:
“Ninguém vai te tirar daí a não ser a polícia... E agora, meu Deus? O que eu vou
fazer?”
Olhou para o diário e teve muita curiosidade de abrí-lo, apesar do medo.
“O que Hercule Poirrot faria?... Que Hecule Poirrot que nada! Isso não é história,
é realidade... Bruno? Frankfurt, Alemanha.”
— Não pode ser! — gritou.
Yuri pegou o diário e correu até a sala. Encontrou as chaves do apartamento de
Bruno ao lado das chaves, que sua mãe esquecera sobre a estante. Pegou ambos os
chaveiros e saiu. Dessa vez, apesar do pavor e de todas as incertezas, trancou a porta,
julgando ser isso suficiente para impedir a entrada do assassino, fosse quem fosse.
Desceu à garagem folheando o diário e subiu pela entrada que leva ao
apartamento do Padre. Entrou e fechou a porta sem fazer qualquer ruído. E sentiu
medo. Pela primeira vez, sentiu medo ao entrar naquela casa, medo de descobrir a
verdade, medo da amizade que havia confiado ao dono daquela casa. Simples e puro
medo.
Com o coração disparado, Yuri vasculhou o apartamento. Olhou dentro dos
armários, tirou livros da estante, procurou por qualquer indicie de pista nas gavetas e
não encontrou nada, nenhum pedaço de papel escrito em que pudesse ver a caligrafia
de Bruno. Bem, creio que devo explicar isso.
Enquanto folheava o diário de Samanta, percebeu duas coisas estranhas:
faltavam folhas referentes a vários dias, elas haviam sido arrancadas; e a letra de outra
pessoa estava em apenas uma das folhas restantes. Uma frase escrita com verdadeiros
garranchos — parecia-se com a letra de um quase analfabeto — dizia: “Você perdeu,
eu, eu venci!”
Depois de meia hora procurando, não havia encontrado nada que o
incriminasse, mesmo depois de ter revistado toda a casa. Cansado, ele sentou-se à
mesa, de frente para o computador, e colocou o diário e o papagaio ali. Viu a cômoda,
sabia que ela escondia algo dele, pois era o único lugar obstruído em toda o
apartamento. Yuri sabia muito bem a razão de não começar a sua busca por ali.
Ele levantou-se, pegou uma chave de fenda que encontrara na casa e foi em
direção ao móvel, determinado a arrombá-lo. Ajoelhou-se, posicionou a chave entre a
borda da gaveta e a cômoda, tomou coragem e forçou-a.
— Tbaftiiiiii!
A gaveta saiu voando pelo escritório e foi bater em um dos pés da mesa. O
papagaio, que tentava comer a contracapa do diário, tomou um susto e caiu no chão. A
gaveta não estava trancada desta vez. Caído no chão, Yuri encontrou a única coisa que
estava escondida, um Palm Top.
Ligou o computador de mão e logo percebeu que todos os programas e
anotações estavam em Alemão. Não demorou muito para achar o nome de Aurélio
Delano na agenda, o único em Português. Chegou a abrir diversos programas
procurando alguma coisa que pudesse entender, mas não encontrava nada. Já com
raiva e prestes a arremessar Palm Top contra a parede, ele encontrou um arquivo de
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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fotos. Havia dezenas, a maioria de lugares que julgou ser a Alemanha. Em algumas
apareciam padres; em outras, os amigos de Bruno Engelhard.
Yuri já havia visto quase todas elas quando se deparou com uma foto sua, tirada
sem que soubesse. Pasmou-se diante dela, pois havia sido tirada no dia em que o Padre
se apresentou a ele, porém horas antes. A próxima foto era de Chris, ao lado de Pedro,
em um restaurante; a seguinte mostrava sua mãe saindo de seu antigo carro, o Corsa
preto, no estacionamento próximo ao seu consultório.
— Ele já conhecia a gente desde o ano passado!
As próximas fotos eram todas de Chris em vários momentos e lugares. Havia
mais de 10, apenas dela.
As suspeitas de Takashi ganhavam força na mente de Yuri e já se confundiam
com a realidade, sendo praticamente fatos. Suas palavras ecoavam repetidas vezes:
“Pra mim, o próximo alvo são seus pais e, mais especificamente, a sua mãe... O Severo
Anjo das Trevas”.
Ele levantou-se de um salto, deixando o computador cair no chão, e saiu do
escritório à procura do telefone para pedir ajuda. Já estava desesperado e impaciente
por não conseguir achá-lo no meio da bagunça, que ele mesmo fizera no apartamento,
quando ouviu o papagaio falar algo. Yuri parou e voltou-se para ele. Estava em pé
sobre o Palm Top olhando para a foto de Chris e falava.
Yuri ouviu seu papagaio repetir a mesma frase várias vezes e aquilo lhe deu
chance de perceber quais eram as intenções de Bruno Engelhard. Uma quantidade
incontável de pensamentos invadiram-lhe a mente: frases, expressões, atitudes,
conselhos... Agora ele passava a entender quem era o dono daquela casa.
Abriu o diário com o desespero à flor da pele. Passava as páginas com certa
violência procurando por algo que havia deixara escapar. Parou quando viu a
contracapa rasgada. Era apenas um pequeno buraco, mas podia-se ver alguma coisa
escondida ali. Yuri terminou de rasgá-la e encontrou o que procurava: a prova
incriminadora. A foto do assassino de Samanta ao lado da primeira vítima do Maníaco.
— Trim- trim- trim, trim- trim- trim, trim- trim- trim...
Yuri seguiu o som abafado do telefone e o encontrou debaixo de um monte de
livros. Atendeu-o sem dizer nada.
— Alô? Yuri, é você? — Bruno perguntou.
— Sim, sou eu.
— Eu estava ligando para pegar os recados da minha secretária quando...
— Eu sei quem você é.
— Hã?
— Eu sei quem você é, e o que você quer.
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A Verdade Bate à Porta
«SETOR 11»
A Verdade Bate à Porta
Yuri olhou para o outro lado da rua na esperança de ver estacionada ali a moto
que chamara a atenção de seu amigo, mas não teve sorte. Ela já não estava mais lá.
Perguntou ao porteiro se ele havia visto o dono da Suzuki, porém o homem negou.
Havia saído para ajudar um morador a subir algumas caixas e acabou não vendo a
moto partir.
Chris, que interfonara para o apartamento de Bruno pedindo para o filho descer
com as chaves, estava esperando-o em frete à portaria:
— Saí com pressa e acabei esquecendo as chaves em casa.
— É, eu vi. Cadê o vô? Ele não ia dormir aqui hoje?
— Ele foi para a casa da Samara e do Vítor. Está muito empolgado com o novo
neto — sorriso. — E o seu pai? Ligou?
— Ih! Esqueci, mãe. Fui pra casa do Bruno e esqueci que o papai ia ligar.
— Yuri, Yuri! Eu tinha acabado de dizer que seu pai ia ligar e você esquece? Por
onde anda a sua mente, hein?
Ele não respondeu. Apertou o botão chamando o elevador e fingiu não ouvir.
— O seu papagaio está bem?
— Está sim. Ele já aprendeu a falar um monte de coisas. Me surpreendeu.
— Se o bichinho não ficasse assustado com a mudança de ambiente, você podia
ter levado-o para o sítio. Seria bom pra ele ficar naquele viveiro enorme que tem lá. E
essa agenda aí?
— É de uma amiga minha. Mas e aí, ‘cê não quis cortar o cabelo também? —
tentou mudar de assunto.
— Amiga, é?
— É. Amiga e nada mais que isso.
— Eu só disse amiga.
— Certo, eu sei — ironizou.
— Mas é por causa da agenda que você está assim, desse jeito?
Yuri gelou. Sua mãe era muito perspicaz, precisava ter cuidado com a resposta.
— Como assim, “desse jeito”? — enrolou.
— Yuri, Yuri! Você está me escondendo alguma coisa. Mas não se preocupe. Eu
vou descobrir.
«128»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
A Verdade Bate à Porta
— É, não deu... — brincou. — Milady, primeiro — abriu a porta do elevador
para sua mãe entrar.
Já abriam a porta, quando a secretária acabava de receber mais uma chamada.
Ao todo, eram sete, as ligações recebidas desde quando saíra.
Yuri verificou as chamadas enquanto Chris foi ao banheiro. Káris ligara quatro
vezes, pedindo-o para retornar a ligação; Berenice, uma; seu pai outra e a última
chamada era de um número desconhecido, que não deixou recado.
— Yuri? — de volta a sala.
— Eu, mãe.
— O que você acha desse senhor, o Bruno?
Chris perguntaria antes, mas, depois de ver a agenda, que seu filho carregava
debaixo do braço, acabou esquecendo-se.
Yuri queria responder, dizer o que sabia, mas as coisas não eram tão simples
assim. De qualquer maneira, teria dito algo se Chris não se antecipasse a ele em falar.
— Ah, deixe para lá. Seu pai ligou?
“Você sentiu algo de estranho nele e está certa, mãe. Só que ainda não sabe
disso.”
------------------------— Yuri!? Então era você que ‘tava aí dentro — disse o garoto escondido detrás
da porta do vizinho.
— É, eu vim procurar uma coisa aqui.
— O que tinha dentro da gaveta?
Yuri tomou um susto.
— Pelo barulho que eu ouvi, parece que você revirou a casa de ponta cabeça.
Mas e aí, o que tinha lá dentro?
— Nada de mais, só um computador de mão, aqueles com touch screen.
— Sei. Você lembra o dia em que o Padre te deu o livro? Lembra o que você
falou?
— Naquele dia? Sei lá, acho que não me lembro bem.
— Você disse: “Ela seria capaz de matar todo mundo, mas nunca a si própria”.
Sabe, eu te achei muito obstinado aquele dia. E você me contagiou. Depois, até mesmo
eu, achei o máximo essa idéia de investigar o Maníaco; se bem que pensando melhor, a
gente não investigou nada, mas isso não importa. Bem, eu queria mesmo dizer que
julguei o Padre erroneamente. Eu realmente não fui com a cara dele, mas preciso
admitir que exagerei um pouco nas minhas suposições. E, o pior, foi eu ter despertado
essa obstinação de novo em você...
Yuri ficou mudo, olhando-o.
— Foi mal! Mas o importante é que tudo acabou bem, né?
— É, tudo vai acabar bem. Preciso ir. Minha mãe ‘tá me esperando lá em baixo.
— O que você vai fazer amanhã?
— Amanhã? Bem, acho que amanhã vou ter um dia cheio. Vou passar o dia com
o meu tio.
— Então, ‘tá. Falou.
«129»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
A Verdade Bate à Porta
O garoto dos olhos castanhos desceu as escadas. O japonês curioso ponderou
sobre “tudo vai acabar bem” e sobre o livro que seu amigo carregava debaixo do braço,
pois parecia uma agenda.
“Desculpa meu amigo, mas não quero te envolver também com a polícia. Acho
que vai ser melhor pra você...”
------------------------Já passava de uma hora da madrugada daquela sexta-feira, quando Yuri
resolveu sair do seu quarto. Sua mãe já havia se deitado há pouco mais de meia hora e
provavelmente estaria dormindo agora.
Ele refletiu bastante a respeito de tudo o que descobrira no dia anterior e acabou
tendo uma nova idéia, tão absurda quanto aquela de relacionar a morte de Samanta ao
Maníaco, mas que completava o sentido de tudo. Aquilo o atormentou, era difícil de
acreditar.
Yuri Hércules Engel Ferreira, um garoto de apenas 13 anos de idade, sabia a
verdade sobre o Maníaco do Parque. Isso o assustava. Mas ainda precisava de algumas
confirmações.
Abriu a porta do quarto com o máximo de suavidade que conseguiu aplicar nas
mãos. Ela se abriu sem fazer nenhum ruído. Andou pelo corredor até a sala em busca
do telefone e, após o encontrar em cima do sofá, foi ao encontro da secretária
eletrônica. Procurou pela última ligação registrada e encontrou o número
desconhecido. Respirou fundo e discou:
O telefone foi atendido, mas ninguém se pronunciou do outro lado da linha.
Yuri também não falou por vários segundos.
...
— Eu vou chamar a polícia.
— Faça o que quiser. Mas é melhor tomar cuidado de agora em diante.
— Por que você me mandou isso?
— Me responda você.
O telefone do outro lado da linha foi desligado. Yuri tentava reconhecer aquela
voz, mas por fim julgou ser eletrônica porque era demasiadamente grave. Ele passou o
trinco nas portas da casa e voltou para o seu quarto. Pegou a agenda “roubada” do
guarda-roupas de Samanta e o diário. Comparou as letras, aquelas estranhas, e
percebeu que as frases foram escritas pela mesma pessoa. Somente agora ele conseguia
decifrar o que estava escrito.
Pensativo, sentiu uma estranha vontade de olhar mais uma vez para o conteúdo
daquela caixa de CD. Tirou-a de dentro do armário e agora, já com certa frieza,
conseguiu entender o que aquilo significava.
— Você não vai mais me enganar.
------------------------— Yuri? Ainda bem que você me ligou. Eu já ‘tava preocupada. Que negócio é
esse de você estar com a agenda da Samanta?
— É, chegou pelo correio. Mas não se preocupe, ‘tá tudo certo.
— Como assim, “‘tá tudo certo”?
— Foi um amigo que me mandou a agenda.
«130»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
A Verdade Bate à Porta
— Amigo? O Juan, seu amigo?
— O importante é que eu já sei o que precisava e agora ‘tá tudo acabado... “Ou
perto, eu acho” — pensou.
— E o que você sabe?
— A verdade. A verdade bateu na minha porta, Ay.
— E que verdade é essa? — aflita.
— O interfone ‘tá tocando. Deve ser minha mãe querendo as chaves. Preciso ir.
Prometo que amanhã te contar tudo.
— Ah, não! Pode ir tratando de falar.
— Você sabe que eu gosto muito de você, não é?
— Yuri não desvia do assunto... você gosta de mim, é?
— É. Amanhã a gente se fala. Beijo!
— Hum! ‘Tá me escondendo alguma coisa.
“Desculpa, mas eu não quero te envolver nisso, ‘tá ficando muito perigoso. Puxa!
Quando ela descobrir, não vai me perdoar.”
Yuri deixou o apartamento bagunçado como estava e saiu. Encontrou-se com
Takashi antes de descer e lhe escondeu a revelação que acabara de Ter, bem como o
que intencionava fazer: relatar tudo à polícia.
------------------------— Knock! Knock! Knock!
— Ué!? Quem será a essa hora?
Chris estava no quarto, terminando de se arrumar. Usava calça de coton, dessas
justas ao corpo, azul-marinha, top vermelho e uma camiseta regata, larga, que cobria
até os quadris. Fez um rabo de cavalo no cabelo, vestiu o seu tênis 300 reais,
especialmente desenvolvido para ginástica, e foi atender a porta. Estava pronta para
sair para sua malharão.
Tomou um susto quando olhou pelo olho-mágico. Não esperava que fosse ele.
— Você por aqui!? Digo, o senhor por aqui!? — abriu a porta.
— O Pedro não lhe disse? Precisei pegar um Concorde. Surgiram alguns
imprevistos aqui. Já está de saída?
— ‘Tô, mas entre.
— Obrigado.
— Mas a que devo a visita? Já sei, veio falar com o meu filho. Só que ele está...
— Não, eu vim falar com você. Posso me sentar?
— Claro!
Bruno sentou-se em um sofá e Chris, no outro.
— Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta.
— Pode fazer.
— O que você acha do Yuri? Ele tem boa intuição? Pergunto isso como amigo.
— Bem, eu acho que ele tem uma intuição muito boa, mas por que a pergunta?
Bruno não respondeu. Abriu um sorriso e simplesmente olhou-a nos olhos. E
Chris resolveu falar:
— Ele é um garoto, muitas vezes, desligado quanto a várias coisas; sempre
esquece onde deixa as próprias chaves, por exemplo. Mas quanto aos amigos, é
bastante atencioso. Nada que um amigo seu fale lhe escapa. Acho sua intuição, às
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
A Verdade Bate à Porta
vezes, interessante quando conhece alguém. Ele tem facilidade em fazer amigos
porque sente como as pessoas são e, com isso, consegue se aproximar delas. “Nisso, ele
parece muito comigo” — pensou. — Será que respondi a sua pergunta?
— Totalmente. E você? No primeiro dia em que nos encontramos, você sentiu
algo a meu respeito? Talvez você tenha o mesmo dom do seu filho.
— Mas onde você quer chegar, Senhor Bruno? — falou, Chris, com um tom
levemente ríspido.
— Eu também nasci com esse dom. E, depois de tantos anos treinando-o, hoje
consigo perceber aqueles que possuem o mesmo dom. Creio que, desde aquele dia,
você desconfiou de mim, sentiu quem eu realmente era — disse Bruno tentando
minimizar seu sotaque alemão.
Chris preferiu manter seu silêncio.
— Não acho que isso seja o melhor a fazer, creio ser, até, uma espécie de
covardia da minha parte, uma vez que você não poderá contar com o apoio emocional
de seu esposo, mas isso explicará muitas coisas que você, e apenas você, sente.
Ele se levantou, foi em direção a Chris e lhe entregou um envelope.
— Espero que você me perdoe um dia.
Bruno se dirigiu a porta e saiu.
Chris, que até agora não havia entendido nada, resolveu abrir o envelope e
desvendar todo o mistério das palavras daquele senhor. Dentro, havia uma foto, uma
foto de sua mãe, que só ela tinha.
O primeiro sentimento, quanto a fotografia, foi raiva. A princípio, pensou que
ele a havia pego dentre suas coisas. Então, foi até ao quarto e no armário pegou o
envelope onde guardava suas fotos mais preciosas. Conferiu se faltava mais alguma.
Assustou-se ao ver que a foto única de sua mãe estava lá. Colocou as duas lado a lado
e comparou-as, eram idênticas.
“Mas como? Mamãe, antes de morrer, me disse pra eu guardar essa foto com
muito carinho porque ela era muito especial, era única.”
Uma lágrima singela e pura, única, brotou de seu olho. Ela escorregou pelo seu
rosto delicado, percorrendo-o lentamente. Tocou-lhe os lábios e também o coração.
Precisava de ar puro, precisava pensar, precisava entender aquilo que o seu
coração lhe dizia. Ela guardou as fotos no envelope e chorando, pegou seu Ray-ban, a
bolsa e saiu de casa batendo, trancando a porta. Os óculos escondiam seus olhos
lacrimosos, que choravam compulsivamente.
Yuri acordou com o barulho da porta. Deu um salto da cama, eram oito e dois
da manhã de sexta-feira.
“Eu preciso falar com o Juan. Ele vai poder me ajudar.”
------------------------— Knock! Knock! Knock!
— Já vai! — gritou Julieta.
— Knock! Knock! Knock!
— Já vai! — gritou, aborrecida.
Julieta abriu a porta e era Yuri quem batia.
—Yuri! Que surpresa! — abriu um sorriso.
— Tia, eu preciso muito falar com o Juan. Ele já acordou?
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
A Verdade Bate à Porta
— Não, mas acho que já está na hora dele acordar. Sente-se aí que eu vou lá
chamá-lo.
— Não, pode deixar que eu mesmo vou.
— Então ‘tá.
Yuri entrou no quarto de Juan e fechou a porta. Estava bastante escuro lá dentro
por causa do blackout.
— Gisele Bundchen, volta aqui.
— Juan? Acorda, Juan! — abriu as cortinas.
— Gisele?
— Que Gisele, que nada! Acorda, vai — sacudindo-o.
— Hã!? Hã!? Yuri!?
— Cara, eu preciso muito falar com você.
— Ah não! Eu ‘taaaaa— bocejos —aaava sonhando com a Gisele Bundchen. Por
que ‘cê tinha de me acordar, moleque?
— Juan, é superimportante. Eu ‘tô com o diário da Samanta e preciso que você
veja uma coisa pra mim.
— ‘Cê ‘tá com o diário!? Cadê? — deu um salto da cama.
— ‘Tá aqui, ‘ó.
Yuri tirou o diário da mochila e o entregou para Juan, que deu uma folheada
rápida.
— E aí? O que você descobriu? ‘Peraí , como você conseguiu isso?
— Depois eu te conto, mas olha só isso — Yuri abriu na última página escrita do
diário.
— “Você perdeu, eu, eu venci!” — Juan decifrou os garranchos na primeira lida.
— De quem é essa letra?
— É mesmo! Eu não conheço essa letra.
— Não é do Guilherme?
— Não, a letra dele é toda arrumadinha.
— E do Rodrigo?
— Também não.
— Então, só pode ser da própria Samanta.
— Não, a letra dela não é feia assim, não. Olha aqui nesse outro dia.
— É, eu já vi que é bem diferente.
— ‘Tá tudo bem aí dentro? — Julieta, a mãe de Juan, quis saber.
— ‘Tá tudo bem, mãe. O Yuri ‘tá me contando um segredo, só isso. Depois eu te
conto.
— Yuri, ‘cê vai tomar café com o Juan?
— Ele vai sim, mãe.
— Agora só falta uma coisa pra tudo se encaixar.
— O quê? Mas ‘peraí, como assim, “tudo se encaixar”? Você não disse que tinha
desistido?
— Depois eu explico, mas agora eu preciso saber o que significa MP:2.
— Ué?! ‘Cê não disse que já sabia: O Man...
— É porque são dois significados.
— Dois?
— Me empresta o seu braço — Yuri estava segurando uma caneta.
«133»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
A Verdade Bate à Porta
— Pra quê?
Ele escreveu um “W” no seu próprio pulso esquerdo e um “P” no pulso direito
de Juan.
— Mas quem vai ser a terceira pessoa? Ah, não! Nem pense em chamar minha
mãe.
— Eu não vou chamar sua mãe, não. Mas como a gente vai conseguir visualizar
isso? Você tem alguma Barbie?
Juan olhou-o com cara de quem diz: “‘Tá me estranhando, moleque?”.
— ‘Tá, ‘tá. A sua irmã não tem nenhuma Barbie aí?
— Olha, escreve aqui no outro pulso o “M” e o 2 na minha nuca.
— E agora?
— Agora você tenta entender.
— Então, mexe os braços.
— Assim?
— Não, Juan. Não é pra fazer polichinelo. É pra colocar os braços em posições
diferentes, e não ficar mexendo eles sem parar.
— Ah ‘tá.
Juan colocou os punhos estendidos à frente do corpo; depois, em forma de cruz,
esticou os braços para o alto, colocou um punho de cada lado da nuca...
— Põe as mãos pra trás.
— Assim?
— Não, como se você estivesse algemado.
— Assim?
— É. Mas por que você encostou o queixo no peito?
— ‘Cê não falou pra fazer como se estivesse algemado? Então, todo cara que vai
em cana dobra o pescoço pra esconder o rosto.
— 2 na nuca. É isso. 2 é igual a dobrar. Valeu, Juan! Tenho de ir.
— Ah não! ‘Cê não vai sair daqui sem antes me explicar tudinho.
— Vem comigo, então, e traz seu celular.
Juan vestiu uma calça, a primeira camiseta que encontrou pelo quarto e pegou o
celular. Eles já estavam quase na porta quando Julieta chamou pelo filho.
— Aonde você vai, meu filho? Vai sair com esse olho cheio de remela? E o café?
Vocês não iam tomar café?
Juan pegou uma torrada da mesa, deu um beijo em sua mãe e disse:
— Mãe, a verdade não está mais lá fora, ela bateu na nossa porta. Depois eu te
explico. Tchau!
«134»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Um animal estúpido e selvagem”
«SETOR 12»
“Um animal estúpido e selvagem”
— E aí? Por que você pediu pra eu trazer o celular?
— Pra chamar a polícia, mas...
— Polícia? ‘Cê realmente descobriu tudo?
— Mas, antes, preciso falar com a minha mãe, porque so ela pode me confirmar
uma coisa. Vamos na minha casa primeiro.
— Não dá pra falar depois ou pelo celular? E se o Maníaco desconfiar que você
sabe tudo? Você ‘tá correndo risco, moleque.
— Não, tem de ser pessoalmente. E não se preocupe, eu já cuidei disso.
— Moleque, olha lá, hein, o que ‘cê ‘tá fazendo.
— Confie em mim.
Eles chegaram à parada e pegaram o primeiro ônibus do Setor Sudoeste, onde
Juan mora, rumo a Asa Sul e foram para a casa de Yuri. Estranhamente, um homem
forte que os seguia a caminho da parada de ônibus tomou o mesmo transporte coletivo
deles.
Como o ônibus estava vazio, devido ao horário, e Juan insistia em perguntar
sobre a tal verdade que bateu a sua porta, eles decidiram sentar-se mais afastados dos
outros passageiros para que Yuri pudesse contar o que sabia.
No fundo do ônibus, em tom de voz próximo ao sussurro, Yuri expôs a Juan o
seu ponto de vista a respeito de quem era e o que queria o Maníaco do Parque.
Mostrou o perfil das vítimas e sua relação com o assassino. Também relatou o motivo
pelo qual Samanta morreu, as encomendas recebidas na noite anterior; bem como a
prova mais reveladora, descoberta quase por acaso no apartamento de Bruno.
No ponto da 614 Sul, eles e mais duas pessoas desceram do ônibus. E enquanto
subiam até a quadra de Yuri, Juan não percebeu que eram seguidos por aquele homem.
E já chegando ao prédio:
— Que foi?
— Acho que minha mãe já chegou. Vi a cortina do quarto dela mexendo. Que
horas são?
— Nove e cinqüenta.
— Juan, você pode esperar aqui em baixo?
«135»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Um animal estúpido e selvagem”
— ‘Cê vai falar algo sério com a sua mãe, não é? Pode deixar, eu te espero aqui.
Mas, por favor, não demora. ‘Tô com um pouco de medo. Sabe como é, né?
— Fica tranqüilo. Aqui a gente ‘tá seguro.
— Se você diz, né?
Enquanto ele subia para o apartamento, Juan resolveu puxar conversa com o
porteiro, que estava lendo o jornal do dia.
— E aí? Alguma coisa nova?
— Tem sim! Parece que prenderam um cara; sabe, acharam que ele era o
Maníaco.
— ‘Tá brincando?!
— Não. O cara se enrolou quando foi se explicar pra polícia, mas depois
soltaram ele por falta de provas. Daqui a pouco esse marginal ‘tá aí, atacando de novo.
Hum, essa polícia de hoje!
Yuri entrou pela porta da cozinha porque não encontrou suas chaves antes de
sair de casa.
— Mãe?
Passou pela cozinha, foi até ao corredor, onde sentiu o seu coração disparar,
como no dia em que entrou escondido na casa de Samanta. Mas não havia motivo
nenhum para temer, sabia que estava seguro ali.
— Mãe?
Ele abriu a porta do escritório, que estava levemente encostada. Estava um
pouco escuro ali por causa das cortinas fechadas. Chris não estava trabalhando em seu
computador.
— Ela ainda deve estar tomando banho.
Yuri foi até o quarto de sua mãe. A cama ainda estava bagunçada, a janela
fechada e o ar bastante abafado por causa do calor da manhã. Não havia ninguém ali,
nem no banheiro nem no closet.
Então, ele resolveu ir até ao escritório, ler uma vez mais o arquivo de Samanta
Coelho Valença.
— Vejamos, vejamos. Década de 80. Aqui!
— Bu!
O seu coração disparou. Ele virou-se rapidamente para ver quem e nesse
momento o susto foi ainda maior. O frio do medo lhe correu a espinha uma vez mais.
Sentiu-se apavorado por olhar nos olhos dele. Estava frente a frente com o assassino.
— Parece que o moleque ‘tá assustado. Será por causa do presentinho que eu te
mandei ou será por minha causa mesmo?
Yuri engoliu em seco o medo que estava sentindo. A sua frente, vestido com
roupa comum — calças jeans, camiseta clara, tênis, um boné, que escondia seus
cabelos lisos e negros e ressaltava seus olhos fundos e frios — estava o assassino, que
tinha um sorriso sarcástico no rosto. Aparentava tranqüilidade e nenhum temor. Sua
personalidade era forte e má e não se importava em usar de todos os meios possíveis
para alcançar o que queria. Passaria por cima de tudo e de todos para vencer. E foi isso
que ele fez, até então. Yuri perguntou:
— Como você entrou aqui?
«136»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Um animal estúpido e selvagem”
— Esses pirralhos que vivem esquecendo onde deixam as chaves de casa! Tsc,
tsc, tsc! Você tem de tomar cuidado, às vezes um assassino pode acabar entrando na
sua casa. Mas e aí? Cadê o livrinho da minha namorada, hein?
— Seu maior erro foi ter vindo aqui hoje. Você não vai conseguir escapar daq...
Guilherme literalmente saltou para cima de Yuri e com muita facilidade o
imobilizou. Levou-o até o banheiro e o sentou na privada. Enrolou suas mãos com uma
fita adesiva grossa e prateada, bastante resistente, no cano que saía da parede. Enrolou
também seus pés, prendendo-os ao vaso sanitário.
— Hum! Por que todo mundo não coopera quando você precisa, hein? Sempre é
necessário ser violento. Parece que as pessoas não entendem.
Guilherme desferiu um soco no estômago de Yuri, que não podia fazer nada a
não ser gritar e nem isso conseguia direito por causa da tosse que irrompia por sua
garganta. Estava imóvel e totalmente subjugado, precisaria ter muita inteligência pra se
livrar daquela situação ou muita garganta.
— Agora vamos tentar mais uma vez. Cadê o diário da minha namorada?
— Arghfuhfuhfuh!... Arghfuhfuhfuh! — tossia compulsivamente. — Por que...
arghfuh!... você acha que eu ‘tô com ele... fuhfuhfuh?
— Certo.
Guilherme o golpeou pela segunda vez. Um soco extremamente forte no
abdômen, que o deixou com a respiração fraca. Yuri sentiu o gosto de sangue na boca
e a ânsia de vômito de um bêbado. Se tivesse comido alguma coisa certamente
vomitaria.
— Arghfufufufu!... Fuhfuhfuh!... ‘Tá na... arghfuhfuhfuh... na... arghfuhfuhfuh...
— Com essa tosse, eu não consigo ouvir. Onde?
— Na minha... rouhfuhfuh... mochila. Arghfuhfufu! — disse, quase em
sussurro.
Ele puxou Yuri para frente e abriu sua mochila.
— Se você cooperar, vai doer menos. Deixa eu ver, deixa eu ver.
Quando Guilherme percebeu que a contracapa do diário estava rasgada, desferiu
um terceiro soco contra Yuri. Mais forte que os anteriores. A dor que sentia era
incontrolável e tão intensa como nunca sentira antes em toda a sua vida. Já havia
tomado um soco no estômago, de um garoto mais velho certa vez, porém, ele não era
tão forte quanto Guilherme e havia sido apenas um. O gosto de sangue o incomodava.
Guilherme jogou o diário no chão com muita ira. Levantou a cabeça de Yuri
apertando-a com uma força fora do comum. O seu rosto estava vermelho, de tanto
tossir.
— Se você não percebeu ainda, eu não estou brincando. Cadê a foto, pirralho?
— perguntou com uma voz calma que escondia a ira que existia por detrás dos seus
olhos.
Yuri ainda recobrava seu fôlego depois de tanto tossir.
— Por que um pirralho como você foi se intrometer nisso, hein? O que você
pensou que ia acontecer? Pensou que a mamãe viria te salvar? Já sei, pensou em armar
pra cima de mim, não é? Cadê a foto?
Em meio as tosses e a falta de fôlego Yuri falava:
— ‘Targhfuhfu... ‘tá com medo de... arghfuhfuh... ser preso, é? Era você com a...
primeirarfuhfuh... primeira vítima? Arghfuhfuh!
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Um animal estúpido e selvagem”
Guilherme soltou o rosto de Yuri e se preparava para lhe dar mais um soco.
— Acho que você ainda não entendeu!
— Você é que ainda não entendeu! — gritou. — Arghfuhfuh! Arghfuhfuh! —
curvou-se tossindo e protegendo o estômago. — Se acontecer qualquer coisafuhfuh...
comigo, é você quem vai sofrer na prisão... Eu sou o único que sabe... você não é o
Maníaco! Arghfuhfuh!
------------------------Dentro do Fiat Pálio branco, modelo 99, estacionado do outro lado da pista,
onde a Suzuki estava no dia anterior, se encontrava um homem. Um senhor de uns 60
anos de idade, cabelos brancos bem penteados, usando um terno marrom se
aproximou e tocou no vidro.
O homem, que estava desatento e tinha fones nos ouvidos, tomou um susto.
— Situação? — perguntou o senhor.
O homem se endireitou no banco, desceu o vidro e disse:
— Bem, senhor Bruno; até agora, tudo normal. A mulher que o senhor nos
mandou vigiar está no Pontão. Ela parece estar meditando ou algo do tipo. Um dos
meus homens está lá com ela. O garoto saiu e foi a casa de um amigo no Setor
Sudoeste. Encarreguei um dos meus homens para segui-lo também.
— Onde ele está agora?
— Ele voltou, está em casa. O amigo dele não subiu. Está ali conversando com o
porteiro faz uns dez minutos.
— Por que ele não subiu?
— Eu ouvi — apontou para o seu aparelho de escuta de longa distância — que
ele ia ter uma conversa com a mãe. Talvez ele esteja...
— Mande um de seus homens vir comigo.
— Okay! Alberto — falou na escuta—, siga junto com esse senhor de terno.
— Positivo.
O homem forte que havia seguido Yuri e Juan levantou-se do banco de um
prédio próximo, o C, e rapidamente se aproximou de Bruno.
— Mas não diz aí o nome da vítima que foi reconhecida?
— Aqui fala que o nome dela é, ‘peraí... Aqui, achei. Lis Cabral.
— Pô! Como os jornais demoraram pra perceber que era ela.
—Estou subindo pra falar o meu amigo — disse Bruno ao porteiro.
— Tudo bem, doutor — abriu a portaria para ele e o homem que o
acompanhava.
O homem com os fones nos ouvidos saiu do carro e ficou observando enquanto
Bruno subia. Sua atenção foi desviada, assim como a do porteiro e de Juan, quando
uma moto azul estacionou em frente ao seu carro. Era Rodrigo.
------------------------Guilherme estava parado na frente de Yuri. Com mais de um metro e oitenta de
altura, parecia um gigante diante do garoto indefeso. O assassino segurou-lhe o
pescoço e levantou-lhe a cabeça novamente, colocando-a encostada à parede. As dores
agora eram mais intensas por causa do alongamento do abdômen, além de ter a
sensação horrível de que a qualquer momento seria estrangulado. Guilherme poderia
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“Um animal estúpido e selvagem”
matá-lo se quisesse e sem muito esforço. Porém Yuri sabia que, em parte, isto lhe
interessava: alguém, que assim como ele, conhecia toda a verdade.
— O que, exatamente, você sabe, pirralho?
— Vai me... matarfuhfuhfuhfuh... matar como fez com o irmão dela? Ou igual
fez com ela? Argfuhfuh!
— Não. Eu não tive de bater neles para matá-los, mas, talvez, você morra com
mais dois ou três socos.
O gigante já estava para esmurrá-lo mais uma vez quando Yuri se adiantou:
— A foto não está comigofuh! — gritou e rompeu em tosses. — Arghfuhfuhfuh!
Arghfuhfuhfuh! Se qualquer coisa me acontecer, um amigo meu vai levá-la...
arghfuhfuhfuh... a polícia e aí você vai ser preso como o assassino das patricinhas.
Argfuhfuh! Você vai preferir morrer a sofrerfuh... nas mãos daqueles caras. Os
estupradores sempre recebem um tratamento especial na prisão. Pense nisso!
Arghfuhfuh! — falava com dificuldade.
O assassino observou-o por alguns instantes com curiosidade nos olhos.
— Quem é então o Maníaco do Parque?
— Se você confessar que a matou, eu destruo a foto argh... mas se não...
— Você não está na posição de exigir nada! — apertou-lhe o pescoço. — Fala!
— Seu nome é — falou roucamente — Samanta!
Guilherme sentiu a presença de alguém atrás de si. Enquanto Yuri ainda
pronunciava o nome, ele se virou e um soco brutalmente forte o acertou no meio da
cara. O impacto foi sobremodo descomunal que ele caiu no chão, batendo no box de
blindex.
— Alberto! — gritou Bruno.
Guilherme se revirou no chão e levantou-se, empurrando Bruno para o corredor.
O alemão perdeu o equilíbrio e caiu, deixando o assassino fugir.
O homem forte entrava como um touro enraivecido pela porta dos fundos, por
onde Bruno entrara, enquanto Guilherme saía pela sala em direção as escadas.
— Ele desceu!
Alberto não pensou duas vezes. Correu atrás do fugitivo, como um touro
persegue o toureiro.
Guilherme, ainda sentindo dor, sangrando e um pouco atordoado por causa da
pancada que havia tomado, descia as escadas pulando os degraus e quase caindo.
Atrás dele vinha o homem forte, com um 38 na mão e a cada lance de escada se
aproximava mais dele. Já no segundo andar, Alberto saltou sobre ele. Os dois desceram
rolando a escada. Um tiro foi disparado.
A arma caiu da mão do homem forte e Guilherme se aproveitou para golpeá-lo
no rosto antes de se levantar. Quando ele tentou continuar descendo as escadas,
Alberto lhe deu uma banda nas pernas e ele caiu, rolando pelo último lance de
degraus.
O homem forte se levantou, o tiro não o havia acertado. O assassino se
endireitou sobre os pés o mais rápido que pôde e, sem hesitar, correu em direção ao
vidro da porta dos fundos da portaria.
— Crash!
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“Um animal estúpido e selvagem”
Do lado de fora, Guilherme apareceu no ar, em meio aos estilhaços, protegendo
o rosto. O barulho atraiu os olhos de Rodrigo, Juan e o homem dos fones de ouvido,
que com uma arma semi-automática 9mm em mãos, esperava pelo fugitivo.
— Parado aí! — gritou
Guilherme não deu ouvidos. Levantou-se e saiu correndo.
— Atira! — gritou, Rodrigo. — Atira!
O homem simplesmente paralisou. Não conseguiu puxar o gatilho.
O assassino já ia em direção ao estacionamento do bloco H quando Alberto
chegou esbaforido à portaria.
Vendo que o homem não atiraria, Rodrigo correu atrás de Guilherme, que, sem
seu boné, revelava seus longos cabelos negros. O homem forte, já sem sua arma,
continuou na perseguição.
Takashi acabara de descer e não estava entendendo nada. Escutara um barulho
de disparo e vidro se quebrando, e pensou que fosse um ladrão fugindo. Ele avistou
Juan, que estava para entrar pela portaria de Yuri, e gritou:
— Juan! Juan!
Ele se virou:
— O que ‘tá havendo? — curioso como sempre.
— O assassino fugiu.
— O assassino!? Pra onde?
— Subiu para o bloco H. Ele ‘tava na casa do...
Takashi não esperou que Juan completasse a frase, simplesmente saiu correndo
atrás do assassino. Era sua chance de vê-lo cara a cara.
O homem dos fones de ouvido tremia de medo e não saiu do lugar.
E o porteiro? Bem, o porteiro se mijou todo. Era um covarde.
Rodrigo estava bem atrás de Guilherme, já no canteiro do bloco H, quando
saltou sobre ele, segurando-o com os braços. Ambos caíram na grama. O assassino
havia tirado do um canivete bolso e o tinha na mão. Não hesitou em cravá-lo no braço
de seu “amigo”, que instintivamente o soltou.
Guilherme já ia se levantar quando Alberto também pulou sobre ele. Rolando
pelo chão, ele se esquivou de ser detido, levantou-se e continuou a correr.
— Esse moleque é um animal! — exclamou o homem forte.
O japonês, que vinha correndo, passou por eles e seguiu o assassino.
— ‘Tá tudo bem?
— Vai atrás dele. Anda!
Alberto se levantou, seguido por Rodrigo. A perseguição ainda continuava.
------------------------— Yuri!
Juan encontrou a porta aberta e entrou:
— Yuri!
Bruno gritou do banheiro:
— Hier, meu amigo, ele está aqui.
Lá Juan encontrou Yuri já deitado no chão:
— Acho que não foi muito grave, mas em todo caso eu chamei a emergência.
— Eu ‘tô bem. Não precisa...
«140»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Um animal estúpido e selvagem”
— Xuuuu! — colocou a mão sobre sua boca, impedindo-o e falar. — É melhor
você ficar calado por enquanto.
— O que aconteceu? — Juan quis saber.
— Infelizmente eu cheguei tarde e ele acabou tomando alguns socos. Está
sentindo gosto de sangue na boca?
Yuri fez sinal de positivo.
— É um desgraçado mesmo. Não me arrependo nem um pouco por ter gostado
de lhe dar um murro. Foi o melhor soco que eu já dei em alguém.
— Fica na boa, moleque. Você vai ficar bem.
------------------------— Eita! ‘Tão correndo atrás de ladrão!
— Onde? — Káris se virou para ver.
— Ali, ‘ó, perto do metrô — sua amiga apontou
— Takashi!?
— Você conhece?
— É meu amigo.
Sua amiga, que passeava com o cachorro, ficou para trás quando Káris correu
em direção a Takashi. Embora não o tenha alcançado, ficou sabendo o que acontecia
quando encontrou alguém de aparência familiar, que segurava o braço ensangüentado.
Guilherme já não tinha muitas forças — já era hora, né? — e precisava decidir
qual caminho tomar. Acima dele estava o Eixo L, uma via com grande circulação de
carros, e, a sua frente, a entrada para o metrô. Escolheu entrar na estação.
— Agora já era, seu pacóvio! Foi direto pra Polícia Metroviária — sentenciou o
japonês perseguidor.
O assassino desceu as escadas cambaleando, correu mais uns 30 metros e
encontrou um guarda. Alberto já apontava na entrada e Takashi já havia descido as
escadas.
— Por favor, me ajuda. Tem um louco me seguindo.
— Calma, filho. Quem está te seguindo? — perguntou o homem enquanto
reparava o rosto ferido de Guilherme.
— Aquele garoto ali, ‘tá com eles. Me ajuda, por favor — escondeu-se atrás do
guarda.
— Não acredite nele. Ele está mentindo — declarou Takashi.
O segurança não deu atenção as palavras do japonês. Mas desabotoou o grampo
que prendia seu cassetete quando viu Alberto vindo furiosamente em sua direção.
— Não se aproximem — disse com autoridade na voz.
— Sou detetive particular — informou.
— Onde está sua identi...
O assassino pegou o cassetete, empurrou o guarda e saiu gritando:
— Socorro! Socorro! Têm loucos me perseguindo.
O guarda alertou pelo seu comunicador:
— Lê, não deixa esse rapaz passar. Detenha-o.
Takashi e Alberto dispararam em direção a Guilherme que agora saía gritando e
se passando por louco.
— Socorro! Estão atrás de mim.
«141»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Um animal estúpido e selvagem”
Alessandra se pôs em seu caminho, porém não foi o bastante para o detê-lo. Ele
praticamente atropelou-a.
— O que ‘tá acontecendo? — perguntou Káris para o garoto loiro, que vinha
mais atrás.
— Seu amigo Yuri deve estar mal — disse Rodrigo com sua voz profundamente
grave.
Decidida, ela saiu correndo o mais rápido que pôde para a casa de Yuri.
Desejava, com todas a sua esperança, que ele estivesse bem.
Ao invés de continuar subindo pela estação, Guilherme decidiu loucamente
descer para a área dos trens. Agora havia três pessoas pelas quais precisava passar:
dois guardas que paqueravam uma mulher — grandes atributos, óculos escuros e
cabelo trançado — depois das roletas. Ela, uma policial militar à paisana, estava para
influenciar a decisão de um assassino e nem mesmo sabia disso.
Gritando como um louco, ele atravessou a roleta e se jogou nos braços da
mulher. Os dois guardas trataram logo de puxar seus cassetetes.
— Eles são loucos! Querem me pegar. Me protege!
— Não acredite nele! — rompeu Alberto aos berros.
Enquanto os guardas se viravam pra ver quem gritara, Guilherme empurrou a
mulher para cima dos dois homens e tomou o único caminho que podia, desceu as
escadas.
— Ele é perigoso. Feriu um rapaz e quase me matou — anunciou o homem forte
para os guardas caídos no chão.
Takashi desceu as escadas com certo receio, pois não havia mais para onde o
assassino ir. Qual era a intenção dele?
Guilherme estava na beira da plataforma, atrás da linha de retenção, próximo
aos trilhos. Havia rendido o atendente da plataforma com o cassetete e se protegia
atrás dele.
— Cadê sua arma! — gritou furiosamente.
— E-eu não-não tenho arma — disse com dificuldade por causa da pressão que
o cassetete fazia em seu pescoço.
— Você quer morrer? — gritou novamente.
— N-ninguém a-aqui tem. Eu não sou policial.
Sua ira se acendeu e agora apertava o pescoço do pobre atendente com força
desmedida.
— O que ‘cê vai fazer agora, hein? — perguntou Takashi mantendo uma boa
distância dele.
— Cala a boca, fedelho! — gritou enfurecido.
O atendente da plataforma já estava com o rosto vermelho por causa da falta de
ar que sentia. Ele se debatia tentando se livrar de Guilherme, mas era inútil. Quanto
mais se mexia, mais o assassino pressionava o cassetete contra seu pescoço.
As luzes de um trem que chegava à estação já eram vistas nos túneis.
— Não tem pra onde você ir, animal, você perdeu! — gritou Alberto.
— Polícia Militar! — gritou a policial, sacando a arma que trazia escondida. —
Larga ele!
— Sua danadinha! Então você tinha uma arma?
— Se você não largar esse homem, eu vou atirar — ameaçou.
«142»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Um animal estúpido e selvagem”
— Se vai atirar, atire de uma vez.
Sem qualquer dúvida na consciência, a mulher disparou contra ele. Talvez
tenha sido por causa da eminente morte por asfixia do pobre atendente ou por causa
do afrontamento do assassino. Porém, o mais importante é que ela não mediu as
conseqüências, e talvez daí tenha vindo seu êxito.
O tiro foi certeiro no braço de Guilherme, que largou o cassetete. Perdendo o
equilíbrio, ele caiu entre os trilhos puxando o atendente consigo.
O condutor já vinha freiando o trem desde que avistara a confusão na
plataforma, mas não conseguira parar a tempo.
— Fique deitado no chão! — Takashi gritou com todas as sua forças.
O atendente imediatamente obedeceu, porém Guilherme, não. Ele colocou a
cabeça acima dos trilhos e olhou para a mulher.
Seus cabelos grudados à mistura de suor e sangue que tinha no rosto lhe davam
um aspecto selvagem, olhos selvagens. E quando as luzes dos faróis já brilhavam
intensamente sobre ele, durante apenas o tempo de um momento e nada mais do que
isso, o assassino lançou um olhar desprovido de qualquer sentimento: dor, pena ou
rancor para ela e se deitou, reconhecendo sua derrota.
O barulho estridente da frenagem do trem ecôou violentamente assustando os
passageiros, que nada sabiam dos acontecimentos na plataforma. O trem passou por
sobre eles e só parou depois de alguns metros. Se não fossem os trilhos suspensos,
cerca de meio metro, estariam mortos.
------------------------Quando Káris chegou ao bloco F, onde Yuri mora, encontrou uma ambulância
que acabava de chegar. Três homens saltaram do carro e subiram para o apartamento
dele. Ela pensou que o pior tivesse acontecido.
Chegando lá a enorme alegria da garotas dos verdes olhos se traduziu em lindo
sorriso e numa lágrima singela e pura, única, que brotou de seu olho e percorreu seu
rosto delicado quando o viu vivo e consciente.
Os homens, com a prática de verdadeiros socorrista que eram, imobilizaram-no,
deram-lhe os primeiros socorros e o retiraram do apartamento em poucos minutos. A
princípio Yuri estava bem.
------------------------A policial ainda apontava a arma para o assassino enquanto o condutor, já
informado de todo o ocorrido pelo rádio, dava ré no trem a fim de que os dois
pudessem ser retirados dali.
Ela pulou entre os trilhos e algemou o assassino. Ele não mais reagiu ou tentou
fugir. Enquanto lia seus direitos, ele tinha uma expressão neutra no rosto, olhos
cansados nem parecia o animal selvagem que era há poucos instantes.
O outro homem, o atendente, teve o braço deslocado com a queda e estava
agradecendo a Deus por estar vivo depois de ter sobre si toneladas de aço em
movimento. Era um milagre.
Quando a policial passou por Alberto, seguida de vários guardas que seguravam
o assassino, ele não evitou o elogio:
— Que coragem! Adoro mulheres corajosas — acrescentou sugestivamente.
«143»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
“Um animal estúpido e selvagem”
dois.
— Coragem? Loucura, isso sim! — contrapôs Takashi. — Ela quase matou os
— Por que loucura, fofinho?
Ele sentiu-se embaraçado com esse tratamento tão íntimo.
— Você quase mata os dois eletrocutados ou atropelados ou as duas coisas
juntas.
— Não sei se você olhou nos olhos dele, fofinho, mas ele estava disposto a fazer
o que fosse preciso pra sair vivo daqui. Então, precisei colocá-lo numa situação difícil.
Ou ele saía daqui da minha maneira, ou não saía. E só entre nós dois — aproximou sua
boca do ouvido de Takashi e sussurrou entre seus lábios carnudos —, os trilhos,
teoricamente, não são eletrificados, não é mesmo?
— Você é um animal, cara. Um animal estúpido e selvagem! — exclamou, o
homem forte.
— Ei! Como é mesmo o seu nome?
A policial, que já subia a escada rolante, virou-se e disse:
— Lara Crawford, fofinho!
E mandou um beijo para ele.
«144»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
«SETOR 13»
Mirabolante
Após realizarem exames de raio-X do abdômen e de endoscopia, os médicos
constataram que não houvera hemorragia interna. Yuri ficaria sob observação até o
final da tarde e à noite teria alta. Ainda tinha hematomas e sentia dores e
provavelmente teria de conviver com isso nos próximos dias.
Sua mãe, que já tinha chorado tudo o que podia, após tomar conhecimento da
experiência como saco de pancadas do filho, se encontrava mais calma:
— Como você foi fazer isso comigo, Yuri! Quer me matar do coração?
— Mãe, não é que eu quisesse, mas aconteceu!
— Você podia ter morrido. E que negócio é esse de investigar o suicídio da
Samanta?
— Ai! Não é que eu investiguei, mas as coisas foram, ai!, acontecendo — sentia
dores ao se virar na cama.
— Vai me dizer que você ficou comportadinho em casa e tudo caiu do céu?
— Bem, foi mais ou menos isso. Eu só fiz juntar os fatos.
— Você ‘tá de castigo pelos próximos 6 meses. Isso vai te ensinar a não me
esconder as coisas. Meu filho, você não tem idade pra sair por aí atrás de um
assassino, Yuri.
— Pelo menos, eu consegui mostrar que ela não era suicida, não foi?
— 7 meses por esse “não foi”.
— Pô, mãe!
Vítor e Samara entraram no quarto trazendo um buquê de rosas brancas.
— Oi, meu lindo! — smach.
— Fala investigador-mor. Recebendo a glória da vitória?
— ‘Tá mais calma, minha amiga?
— Dor e glória, né? Um pouco de cada. Ai!
— Hum! Quase morro do coração.
— ‘Ó só, eu conversei com uns amigos meus e o tal Guilherme, depois de
receber atendimento médico, confessou que matou a garota. Ele nem quis chamar
advogado... É, você conseguiu, fera! E — sussurrou — eu pedi pra darem uma sova
nele. ‘Tá ligado, né?
Yuri riu.
«145»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
— Ele não ‘tava armado — disse para tranqüilizar um pouco Chris —, mas
encontraram um remedinho interessante com ele. Maleato de Midazolam. Bastava um
comprimido e você dormiria igual a uma pedra. Não se lembraria de nada quando
acordasse.
— Graças a Deus, aquele senhor supersimpático apareceu. Apesar de ter sido
padre, ele não pensou duas vezes antes de quebrar o nariz daquele assassino. Graças a
Deus, meu lindo. Mas e se ele não chegasse a tempo? Você tem de pensar mais nas
conseqüências. Dessa vez você se livrou, mas e da próxima?
— Isso mesmo, Samara! Diga tudo o que você puder pra me ajudar a dar juízo a
esse menino — pediu a mãe.
— Mas você não ‘tá feliz com o filhão corajoso que tem, Chris?
— Eu? Feliz? Só se for por ele estar vivo, e só.
— Mas relaxa, o pior já passou. Agora é só curtir a glória, ainda mais quando
minha mãe souber. Com certeza ela vai querer escrever essa história. Quer apostar?...
Conversa vai, conversa vem e passou quase meia hora. Estavam de saída:
— ‘Ó! E não esquece, se você quiser ser investigador da polícia, eu te arrumo
uns casos sinistros, uns tipo X-Files. Pense nisso.
— Vamos, Vítor. E não dê asa a cobra, meu amor! Tchauzinho e melhoras.
— Tchau!
— Tchau! E obrigado por terem vindo — agradeceu Chris.
— Que isso! — disse Samara gentilmente.
— Mas vejam só se este não é o herói do dia!
Eles encontraram com Bruno, que acabava de chegar trazendo os amigos de
Yuri.
— Não diga isso, Vítor. Se eu tivesse chegado antes, o Yuri não estaria aqui.
— Quanto a isso não se preocupe. Você fez o suficiente pra ele estar bem e é
isso que importa.
Bruno ponderou a respeito.
— Precisamos ir. Depois a gente se fala, então. ‘Té mais, galera!
— Tchau! — coletivo.
Bruno entrou no quarto e logo atrás, a turma:
— Bruno, Ay, Takashi, Wina, Juan! Que legal! Veio todo mundo.
— Como é que ‘cê ‘tá? — perguntou Takashi.
— Eu ‘tô bem. Mas e aí, como foi a perseguição? Fiquei sabendo que você
correu atrás do Guilherme até ao metrô.
— Yuri, Yuri! — Chris chamou sua atenção.
— A gente trouxe umas flores pra alegrar um pouco o seu quarto — anunciou
Káris.
Os olhos dos dois se cruzaram. Os castanhos olhos dele encontraram os verdes
olhos delas atrás do buquê de rosas brancas. Foi um momento.
— Olá, Christie! — cumprimentou Bruno.
— Bem, acho que até agora não te agradeci direito por tudo.
— Não, não precisa agra...
Ela estendeu a mão e Bruno sabia o que aquilo significava. Era a primeira vez
que ele tocaria a mão de sua filha.
— Juan! Juan!
«146»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
Wina estalava os dedos na frente dos olhos dele, mas ele nada enxergou a não
ser a beleza de Chris.
— Eu gostaria de falar com você — Chris se dirigiu à porta.
Bruno olhou para Yuri e recebeu o que esperava, um sinal de aprovação. Então
saiu logo após ela. Juan já tinha voltado a si quando Chris reapareceu na porta e disse:
— Yuri, traz o balde!
A risada teria sido geral se não fosse pelo boca-aberta não entender, ainda, do
que se tratava.
— Eu não entendi — declarou Juan.
— Deixa pra lá — disse Wina. — Mas conta aí, Tk. O Yuri vai gostar de saber
como foi a perseguição ao assassino ou devo dizer animal?
— Bem, foi assim...
Takashi então relatou minuciosamente como tudo ocorreu, desde o momento
em que viu Juan, até a prisão do assassino, e Juan completou, contando a parte inicial
da perseguição. É obvio que o japonês não disse nada quanto a ser tratado por
“fofinho” pela policial Lara, mas devo dizer: ele achou aquela mulher atraente — e
qual homem não acharia?
— Caramba! Ele foi muito burro. Fugiu pra dentro do metrô — sentenciou Juan.
— Ele queria uma arma e foi pra lá pensando que os guardas usassem armas,
mas nenhum tinha, a não ser a policial à paisana e aí ele se deu mal.
— Mas, como assim, nenhum policial tinha arma?
— Essa estação não é muito movimentada e ainda era começo das atividades
porque o metrô só abre às dez horas. Se tinha algum guarda armado na estação, esse
não ‘tava no caminho do Juan. A não ser a policial.
Takashi ficou aéreo por alguns instantes, lembrando daquela mulher. Até
confundiu os nomes.
— Que, que é, que, que foi, que, que há? — reclamou
— Guilherme, Guilherme. Você entendeu — retrucou.
— Mas, Takashi, não tinha ninguém na plataforma? Era isso que eu ia te
perguntar no carro — Káris lembrou-se da pergunta.
— Graças a Deus não, nem uma viva alma, exceto o guardinha que caiu entre os
trilhos.
— Coitado! — ela se condoeu.
— O melhor de tudo foi isso acabar relativamente bem. Você machucado, porém
sem complicações; o assassino preso, sem ninguém mais morrer e o Takashi, pelo
visto, foi quem ficou com a melhor parte — concluiu Wina.
— E o Rodrigo? Será que ele ‘tá bem? — Yuri.
— Eu liguei pra ele e parece que perder o braço, ele não vai.
— Credo, Juan! — repreendeu Káris.
— Ele vai ficar bem. Chato foi ele não ser o assassino, mas de qualquer jeito o
Guilherme e ele são farinha do mesmo saco. E deu quase na mesma, eu quase acerto.
— Eu sabia que não era ele desde ontem.
— Eu devia ficar sem falar com você, viu? Você me escondeu tudo. Até parece
que não confia mais em mim! — reclamou a garota dos verdes olhos.
«147»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
— Não é isso não, Ay. Eu só quis proteger vocês. E se eu não conseguisse provar
que o Guilherme era o assassino da Sam? Com certeza, ele iria perseguir a gente. Eu só
quis proteger você, só isso.
— A gente viu seu tio indo embora. Ele não te contou nada se o Guilherme
confessou ser o Maníaco do Parque? — perguntou o curioso Takashi.
— Ele não é o Maníaco.
— Ué!? O Juan falou pra gente que você disse que o Guilherme era o Maníaco —
Káris ficou sem entender.
— Foi. Você me contou hoje no ônibus, lembra?
— Eu ‘tava te testando.
— Brincô!
------------------------— Eu já liguei para o Pedro e mandei-o retornar ao Brasil. Não dei muitos
detalhes, para que não se preocupasse muito; pois afinal tudo acabou bem perto
daquilo que se podia esperar, não é?
— Ele já me ligou.
— Que bom, então!
— Sobre o assunto que eu queria conversar com você... Quero saber tudo. Antes
e depois de eu nascer, tudo o que se passou até hoje. E, por favor, não minta para mim.
Bruno suspirou. O momento mais temido por ele havia chegado e havia chegado
de supetão. Desgostou-lhe o fato dela ser tão direta. Ele gostaria de lidar com isso de
forma mais calma e gradativa, mas não teve escolha.
— Você já contou para o Pedro?
— Nem para o meu marido nem para o meu filho. Tudo vai depender daquilo
que você me disser.
— Então está certo. Bem, tudo começou quando vim fugido para o Brasil em
1960, eu tinha 26 anos.
— Fugido?
— Exatamente. Não me pergunte por quê ou de quem. Eu jamais revelei isso a
sua mãe e não vou revelar a ninguém. Apenas uma pessoa no mundo sabe de tudo e,
que Deus me perdoe, mas espero que ela já esteja morta.
Chris parou em frente a máquina de refrigerante e comprou um de uva, seu
predileto. Bruno pegou um para ele também.
— Continue.
Bruno não estranhou a falta de reação de Chris. Ele a conhecia o suficiente para
saber que ela controlava a expressão de suas emoções, apesar de ter um conflito muito
grande dentro de si. E, além disso, era necessário conquistar sua confiança. Então,
decidiu falar a verdade mesmo não sendo verossímil. Continuou:
— Conheci sua mãe, a única mulher que amei em toda a minha vida. Porém isso
no momento não é importante, você não vai acreditar de qualquer forma — tomou um
gole.
Chris olhou-o com olhos de julgamento.
— Nós vivemos juntos por cinco anos.
— Viveram juntos!?
«148»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
— Jamais nos casamos no papel. Isso foi quase a morte para a sua avó, mas nós
éramos felizes assim.
— E por que vocês nunca se casaram? Você não quis?
— Eu não pude, é diferente. Continuando, já no final de 1962 você nasceu. Não
havíamos planejado isso; na verdade, não tínhamos nada planejado naquela época.
Bem, você nasceu, eu consegui um emprego melhor e vivemos relativamente bem e
muito felizes durante dois anos, quando aquilo que eu mais temia aconteceu:
descobriram meu paradeiro.
Bruno fez uma pausa.
— Continue.
— Eu tive de deixá-las, infelizmente eu tive de deixá-las. Se eu as levasse
comigo certamente vocês seriam um alvo fácil e jamais me perdoaria por ver minha
mulher e filha mortas por minha causa. Então, eu parti. Acredite, foi a pior decisão da
minha vida.
Ele fez mais uma pausa, respirou fundo e prosseguiu:
— A única coisa que eu levei foi aquela foto e nem comigo a carregava. Mandeia para um banco em Zurique, onde mantive um cofre durante anos. Sua mãe e você
tiveram de ir morar com sua avó. Durante dois anos sua mãe sofreu muito com toda
essa situação, até que uma notícia acabou com todas as esperanças dela, a notícia de
que eu havia morrido.
— E quem deu essa notícia a ela? Algum amigo seu que sabia do seu paradeiro?
— Eu mesmo mandei a carta, fazendo-me passar por um amigo meu.
— Você é sórdido!
— Sim, o meu amor me fez sórdido. Mas como era o nome do homem a quem
você chama de pai?
— Ele é o meu pai. Uma pessoa reta e íntegra.
— Pois bem, este homem, chamado Augusto Di Romanelli, sempre soube tudo a
meu respeito. Ele estava para seqüestrar vocês duas quando a minha carta chegou às
mãos de sua mãe. A notícia da minha morte fez com que vocês fossem preservadas de
serem usadas como instrumento de chantagem.
— E você espera que eu acredite nisso? Realmente não sei porquê me dei ao
trabalho de ouvir isso. Passar bem, senhor Bruno.
— Espere! — segurou-a pelo braço. — Você sabe que ele não a amava, que
nunca demonstrou afetos por você. Eu posso ver isso nos seus olhos.
— Me larga! Você não tem o direito de falar isso dele.
— Quer saber o porquê? Foi por minha causa. Eu precisava saber se vocês
estavam bem. Então regressei em segredo e encontrei sua mãe casada com esse
homem, por influência de sua avó, mas não a culpo. No lugar de sua mãe, eu teria feito
o mesmo. Estabilidade, era isso o que sua avó sonhava para a vida da filha.
— Que não a culpa, o quê! Você não tem esse direito.
— Ele me viu. Soube que eu ainda estava vivo e também que sua mãe ainda me
amava, e não suportou isso. A missão dele era mantê-la sobre vigilância constante por
causa das suspeitas quanto a minha “morte”. Eles casaram-se, e embora Augusto a
amasse, o sentimento não era recíproco. Isso ficou muito claro quando eu apareci.
Você não era amada por ele, por ser o símbolo do nosso amor. E pela segunda vez tive
«149»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
de me afastar, deixei vocês. Então provoquei minha própria morte, dessa vez algo
incontestável e desapareci... Como é seu nome, Chris?
— Que provas você tem disso? Se quer que eu acredite nisso, você está
perdendo o seu tempo.
— Christie Engel de Souza Ferreira. Christie, de Agatha Christie, minha
escritora favorita. Engel, de Augusto Engel, meu nome antes da morte. De Souza, de
sua mãe, Eliza de Souza Brito. E Ferreira, de seu marido. Mas em todo caso, tome —
ele arrancou um fio de cabelo. — Acho que isso é a melhor prova que eu tenho para
lhe dar.
— Eu não quero isso, mas saiba de uma coisa: sua história é mirabolante demais
e cheia de furos.
— E também tem poucos detalhes. Eu não esperava falar sobre isso agora. Mas o
que você quiser saber, eu lhe direi.
— Pois bem! Se você estava “morto” e o meu pai morreu infartado quando eu
tinha apenas 14 anos, por que você só decidiu aparecer na minha vida agora, 24 anos
depois?
— Sua mãe não permitiu que eu aparecesse antes, embora eu a tivesse
encontrado duas vezes. Eliza não queria que eu me aproximasse de você para, logo em
seguida, deixá-la, como já havia feito com ela. Eu não devia complicar a sua vida, não
tinha esse direito. E respeitei essa decisão. Eliza também não quis que nós voltássemos
a viver juntos e também respeitei isso. Então eu insisti em, pelo menos, dar uma
condição digna de vida para vocês e é o que tenho feito desde então.
— Então era por isso que a herança de mamãe era tão vultosa.
— O patrimônio de Eliza devia ser de mais ou menos 60 mil dólares.
— Elizabeth! Eliza, apenas para os íntimos. E saiba que o seu dinheiro ainda
está lá. Eu não preciso dele, sei me virar muito bem. Eu sabia que aquilo não tinha
vindo da minha mãe.
— É, pelo visto você não me entendeu. Não compreendeu nada do que isso
significa para mim. Ainda existe muito rancor em seu coração e não há o que eu possa
fazer para poder curá-lo. Mesmo assim, peço perdão a você, perdão por eu ter sido o
que fui e ter feito o que fiz.
— Você deveria pedir perdão a minha mãe e não a mim, que nunca soube da
sua existência.
— Não sabia, mas sentia — falou com a felicidade de um pai que se enxerga no
filho. — E eu pedi. Agradeço a Deus todos os dias por ela ter me perdoado antes de
morrer.
— A dor que ela sentia, o choro que eu nunca soube os motivos, a tristeza dela,
nada vai mudar. E isso eu não posso perdoar...
Chris emudeceu repentinamente. Olhava para o vazio; sua mente andava por
caminhos tristes: lembranças dolorosas, memórias de choros sem motivos. Fragmentos
das tristezas de Eliza que ela absorveu e guardou no fundo da alma. Voltou a si ao se
lembrar da última dor da mãe, o câncer.
—Você sabe o quanto ela sofreu antes de morrer por causa do câncer? Não, você
não sabe. Disse ter deixado-a três vezes por amor, mas no momento em que mamãe
mais precisava de carinho, atenção e consolo, você só viu o seu próprio lado, queria
apenas o seu perdão. Egoísta!
«150»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
— Isso não é verdade. Estive com ela durante dias. Fui a primeira pessoa a estar
do seu lado quando ela precisou de alguém. Antes mesmo que você soubesse, eu já
estava aqui para ajudá-la. Pergunte ao médico da sua mãe ou às pessoas do hospital.
Eu, inclusive, consegui que Eliza se tratasse nos Estados Unidos, onde tratei do meu
câncer há um ano e meio atrás. Mas infelizmente ela não aceitou.
— E por que você não apareceu pra mim naquele momento?
— Seria algo muito baixo se eu me aproveitasse da sua fragilidade naquele
momento para me aproximar de você. E eu ainda tinha alguns problemas. Ainda
precisava me encontrar, precisava saber quem, na essência, eu era, precisava saber se
valeria a pena você me conhecer, se isso lhe traria algo de bom.
— E agora você tem?
— Eu quase morri de câncer como sua mãe. Pela graça de Deus, ganhei uma
segunda chance, realmente nasci de novo depois dessa experiência. Percebi quão triste
seria não ver o meu neto crescer, assim como eu não a vi.
— Sabe por que é difícil acreditar em você? Porque sinto muita brandura nas
suas palavras, mas não sentimento. Você não foi nem capaz de se emocionar, de
chorar.
— A minha vida me forçou a ser assim. Mas embora os meus olhos não
consigam derramar lágrimas, o meu coração chora rios — poético, não?
— Eu preciso de tempo. Hoje está sendo um dia muito difícil para mim.
— Você terá o tempo que quiser. Mas, por favor, ainda precisamos sentar-nos
com calma para conversarmos mais. Há tantas coisas que eu gostaria de lhe contar,
tantos detalhes. Muitas coisas que eu gostaria de saber sobre você. Tanto tempo
desperdiçado: eu, longe de minha filha.
— Quando estiver pronta, eu te procuro.
— Estarei esperando com ansiedade.
— Só quero te pedir uma coisa: não tente me comprar por meio do trabalho do
meu marido ou da sua amizade com o meu filho. Eu lhe odiaria por isso.
— Eu jamais faria isso. O cargo que dei ao Pedro é estritamente profissional. Ele
é o mais qualificado para assumir a empresa no meu lugar. Tem uma família bem
estruturada, é uma pessoa feliz e extremamente competente no que faz, como poucos
que conheci. E amo o Yuri, assim como amo você, e não me aproveitaria da amizade
que o meu neto me confiou para conquistar a confiança dele.
— Agora, por favor, com licença.
Chris entrou no banheiro, trancou-se ali e chorou. Havia escondido aquelas
lágrimas dele até então, mas agora, sozinha, elas brotavam livremente.
Bruno se foi com alegria no coração por ter dito que a amava e tristeza nos olhos
por não conseguir chorar. Era o mesmo sentimento do dia em que viu aquela foto na
estante da casa da filha; por mais que quisesse chorar, as cicatrizes do passado não
permitiam, e isso o entristecia.
------------------------— Contei aquilo pra ver se você chegava à mesma conclusão que eu. E você
chegou: Guilherme é o Maníaco do Parque. Não é difícil ver isso.
— Mas por que não é ele? — Takashi quis uma explicação.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
— O interessante é por que seria ele. Eu recebi, pelo correio, duas coisas. Em
uma delas, no diário da Samanta, estava escondida uma foto do Guilherme abraçado a
uma garota morena, muito bonita, em uma festa. Só que ela usava uma roupa muito
vulgar: topezinho, calça de cós baixo e muito justa e maquiagem pesada, muito
pesada. E o interessante é que a foto foi tirada no dia 6 de maio desse ano, exatamente
um mês antes da primeira vítima aparecer, ou seja, a própria morena.
Káris, como sempre, não estava muito a vontade, detestava esses assuntos de
morte. Tentou ficar quieta e apenas torcer para que tudo aquilo acabasse logo.
— Então, quando vi essa foto, eu me lembrei do que o Juan me falou: “a segunda
vítima lembra muito, mas muito mesmo a ex-namorada do Rodrigo, Lis Cabral” e
também daquilo que você me disse ontem — apontou para o garoto dos rastafáries.
— O Guilherme pulou a cerca três vezes, e uma foi com a ex do Rodrigo que na
época não era a ex.
— Isso! Ele esteve envolvido com três garotas ultimamente. Duas delas, já se
sabia serem vítimas; comprovar a terceira seria só uma questão de tempo. Para
justificar as mortes, bastava dizer que ele sofria de algum distúrbio psicológico e
enxergava aquelas garotas como verdadeiras “peruas” que mereciam morrer. A sigla
faria alusão ao maníaco de 4 anos atrás. E dá até pra explicar porque a Sam morreu: ela
simplesmente descobriu tudo. Fazendo a morte dela parecer um suicídio e deixando
uma carta atestando isso, Guilherme eliminaria eventuais suspeitas. Ele viaja pra casa
dos avôs no Sul, mostrando estar sofrendo muito com a morte da namorada. Agora era
só se livrar das mechas incriminadoras, mandando pra mim, por exemplo, e pronto.
Ninguém nunca iria saber de nada.
— E como ele iria imitar a letra da Samanta sem ninguém desconfiar? —
Takashi queria mais informações.
— Na verdade, foi ela mesma quem escreveu a carta — esclareceu Juan.
— Ela mesma? ‘Tá brincando, né? — o japonês desconfiou.
— Não, Takashi, é verdade. Em algumas folhas do diário, a Samanta disse ter
escrito cartas de amor para o Guilherme, não só se declarando, mas até mesmo se
humilhando. Ela era louca por ele.
O desconfiado ficou pensativo, mas apenas por alguns instantes.
— E como ele conseguiria fazer a morte dela parecer um suicídio? — Takashi de
novo.
— Puxa! Achei que você ia ver isso mais facilmente do que eu. Provavelmente
dopando-a com uma dose alta de calmantes e depois mergulhando ela na banheira
cheia de água — declarou Yuri com a frieza de um perito criminal.
O garoto nipônico sentiu-se alfinetado pela resposta do seu amigo.
— Muito bem, mister H.P., mas o senhor havia dito não ser Guilherme o
Maníaco. Estamos curiosos — sentenciou Wina.
Yuri riu.
— Ai! Não me faz rir que, ai, dói, Wina.
— E a segunda coisa foi caixa de CD com as mechas, não é? — Takashi quis a
confirmação.
— O Juan já contou pra vocês, né?
— Só falei algumas coisas.
— É isso mesmo. A segunda coisa foi o porta-CD.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
— Foi aí que você descobriu que não era ele? — sugeriu Wina.
— Não, com as mechas eu descobri outra coisa. Na verdade, foi o Takashi que
me ajudou a enxergar quem realmente era o Maníaco do Parque.
— Eu!? — surpreso.
— Isso mesmo. Você me fez lembrar das minhas palavras quando eu ganhei o
livro: “Ela seria capaz de matar todo mundo, mas nunca a si própria”.
— Só falta você dizer que a Samanta era o Maníaco do Parque, Yuri — Káris não
se agüentou.
— Não era bem a Samanta que eu conheci, mas a primeira personalidade dela.
— Como? — Wina fez como se não tivesse entendido.
— Isso mesmo! Samanta tinha dupla personalidade. E aquela que eu conheci
era a sua segunda personalidade.
— O Guilherme bateu no seu estômago ou foi na sua cabeça? — Takashi
debochou. — Deve ser efeito retardado da falta de ar por conta do quase
estrangulamento, não é?
Yuri riu da brincadeira.
— Ai! Por favor, já pedi pra não me faz rir porque dói... Eu vou provar. ‘Ó,
lembra quando eu contei que minha mãe tratou a Samanta, quando ela tinha uns 6
anos?
— Você não me contou isso, não — disse Takashi com segurança.
— Nem pra mim — Juan afirmou.
— Foi mal, eu acho que esqueci. Mas tudo bem, eu conto agora. A Samanta viu
o irmão morrendo e como não pôde fazer nada para salvá-lo, acabou ficando
traumatizada com isso e parou de falar. Segundo ela, uma terceira pessoa teria matado
seu irmão, mas os pais dela não acreditaram. Eles acharam que a Sam causou a morte
do garoto e acabaram menosprezando a filha. Então, ela ficou cada vez mais isolada,
introvertida e sempre calada. Amigos? Nenhum. Mas um dia tudo mudou, a menina de
6 anos simplesmente falou como se não fosse ela. Essa menina deu lugar a uma nova
personalidade, um eu oposto ao seu, de personalidade ativa, extremamente
determinada, corajosa, comunicativa, adorável; uma pessoa que por ter tantas
qualidades seria amada e invejada ao mesmo tempo. E o mais interessante foi minha
mãe ter desconfiado disso. TPM não significava tensão pré-mestrual e sim “tendência a
personalidade múltipla”.
— Puxa, Yuri, sua análise foi muito boa, mas, talvez, não seja a análise correta
do caso.
— Lembra o que você me disse nesse dia? “É uma situação bastante difícil para
uma criança” e “nós não conhecemos as cicatrizes que ficaram desse trauma”. Qual é o
jeito mais fácil de uma criança sair de um problemão desses e conseguir sobreviver em
uma família desestruturada? Não ‘tô dizendo que é o único jeito, mas a menina teve
uma melhora muito rápida em pouco tempo. Ela tinha de ser outra pessoa para ser
aceita e se preservar ao mesmo tempo — afirmou Yuri categoricamente. — E foi isso o
que ela fez.
— Moleque, ‘cê me fez lembrar de uma coisa. A Samanta nadava quando
criança. Chegou até a competir e ganhar uns campeonatinhos. Caramba!
Os olhos de Takashi eram descrentes.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Mirabolante
— No diário faltavam várias páginas e havia apenas uma única frase escrita com
letra muito estranha e dizia: “Você perdeu, eu, eu venci!”. A caligrafia não era do
Guilherme. Interessante é que essa mesma letra apareceu na agenda do ano passado.
No dia 31 de dezembro estava escrito: “Não adianta resistir, eu te criei, sou mais forte,
você perdeu”. Na minha opinião, quem escreveu as frases foi a primeira personalidade,
que não tinha muita oportunidade de aparecer e por isso não tinha prática na escrita.
Infelizmente a agenda está lá em casa, senão eu mostraria pra vocês agora — Yuri
mirou os olhos, ainda descrentes, de Takashi.
— Não fica grilado não, moleque. A gente confia em você.
— Yuri, ainda não consigo acreditar. O que ‘cê ‘tá dizendo é muito... ‘Tá,
digamos que eu acredite; então, por que essa “personalidade” iria querer ser o Maníaco
do Parque? Onde está o elo disso tudo? — o amigo de Yuri ainda estava descrente.
— Guilherme. Ele é o elo, o assassino do irmão dela, o causador do trauma, Foi
ele quem iniciou tudo isso, forçando-a a viver uma vida em segundo plano, oculta...
Provavelmente, quando criança, estava de férias na casa dos avós e se encontrou com o
irmão da Samanta. Por algum motivo, talvez uma briga, disputa ou mesmo por
maldade, o menino morreu e ela presenciou isso. Viu o irmão se afogando e não pôde
fazer nada. Foi incapaz de agir, vencer aquela situação. Guilherme obviamente fugiu e
ela levou toda a culpa. Quando ele surgiu novamente na vida dela, a primeira
ressurgiu para uma vingança sombria e cruel.
O garoto H.P. parou por alguns instantes. Era como se estivesse tentando
interpretar aqueles quatro pares de olhos que atentamente miravam os seus. Talvez,
um acreditasse mais que os outros; um, fosse mais cético; outro, não se importasse
tanto se fosse tudo verdade ou não, e o outro achasse tudo apenas interessante e só
isso. Mas tinha vontade de contar o que acreditava para alguém. Eles eram seus amigos
e, mesmo que por motivos diversos o estivessem escutando, estavam ali atentos para o
que ele dizia. Resolveu continuar:
— Samanta, a que conviveu com a gente, conheceu Guilherme. Um cara forte,
boa pinta, tão determinado quanto ela, cheio de amigos, em suma, alguém parecido
com ela. Samanta se apaixonou e, mais do que isso, o amou.
Yuri olhou para Juan como se buscasse apoio e o teve. Ele balançava a cabeça
confirmando aquelas palavras. Então, prosseguiu:
— Mas algo aconteceu, que a fez reconhecer o assassino de seu irmão,
Guilherme. Embora estivesse frente a frente com ele, anos depois, não conseguia fazer
nada, porque havia uma disputa entre as personalidades. Enquanto Samanta se sentia
amada por ele e tentava protegê-lo, a primeira personalidade, que estava oculta,
tentava ressurgir para se vingar. Então, Samanta resistiu às investidas da
personalidade oculta com toda a sua determinação e perseverança. As páginas
arrancadas do diário provam isso, pois eram escritas pela primeira. Essa luta deve ter
durado uns cinco meses no mínimo. Samanta lutou até que algo quebrou seu amor,
destruiu sua vontade de lutar.
— As traições! Claro! — concluiu Juan.
— Isso mesmo! Quando descobriu as traições do namorado, ela duvidou do
amor, ficou fraca e vulnerável o suficiente para a primeira personalidade reviver
completamente. Samanta morreu há muito mais tempo do que eu imaginava — disse
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com tristeza. — A garota das últimas semanas, Juan, não era a Sam, mas essa outra
personalidade. Por isso, a mudança brusca de comportamento e todo o resto.
— Yuri você falou igualzinho a sua mãe. Até parecia um psicólogo defendendo
uma tese, querendo mostrar provas para sustentar seus argumentos. Incrível! Eu nunca
iria imaginar que essa brincadeira fosse tão longe assim. Não estou dizendo que você
está mentindo, mas, convenhamos, isso é mirabolante e definitivamente incomum —
opinou Wina.
— Eu sei. Eu mesmo quase não acredito.
— E como se explica a morte por asfixia, e o espaço de seis dias entre os crimes,
e o jeito como as vítimas eram vestidas? E a água? Elas eram encontradas na água —
inquiriu o cético Takashi.
— Em todas as características dos crimes há algum significado. A asfixia das
vitimas significava a morte calada que ela de certa forma sofreu quando se colocou em
segundo plano. O intervalo de 6 dias entre os crimes e o total de 3 vítimas fazem
alusão a todo o tempo que se passou desde os seus 6 anos até hoje, aos 18. Três vezes
seis é igual a dezoito. As garotas eram encontradas, vestidas como prostitutas, porque
era assim que ela as via. Lembra da roupa vulgar que a garota morena usava na foto?
Então. Bem, a água do lago dos pedalinhos simbolizava onde tudo iria acabar, fazendo
um paralelo com o a água do lago onde tudo começou — explicou Yuri em tom de
psicólogo renomado e habituado a fazer esse tipo de interpretação.
— Mas qual era o plano dela? Por que “essa outra personalidade” iria querer ser
conhecida como o Maníaco do Parque? — Káris.
— O plano dela não era matar o Guilherme, mas fazê-lo sofrer. Queria que ele
sentisse na pele o que ela passou: anos de prisão e sofrimento. “MP:2” significa morrer
na prisão. Quando você fez aquele gesto, hoje, lá na sua casa, deu pra perceber isso
nitidamente — olhou para Juan. — Ele seria algemado, esconderia o rosto e seria preso
como estuprador. E vocês sabem o tipo de tratamento que um estuprador recebe na
prisão. Alguns chegam a morrer de tanto apanhar. A fama de Maníaco era para
chamar a atenção da opinião pública, fazer os crimes serem conhecidos. E quando
parte da verdade viesse a tona, ou seja, quando as pessoas descobrissem quem
realmente eram as vítimas, Guilherme teria o tratamento merecido.
“As mechas eram para incriminá-lo, pois, mesmo ele não confessando os
crimes, seria dado como culpado, tanto pelo envolvimento com as vítimas, como por
ter ‘os troféus’. Ela deve ter armado tudo para incriminá-lo na noite em que morreu.
“Depois de esconder as mechas na casa dele, eles se encontrariam naquela
noite, quando se esperava acontecer mais um crime. Ela o desmaiaria, chamaria a
polícia, contaria que ele iria matá-la porque era o Maníaco. A polícia iria investigá-lo,
achar a prova mais inegável e bingo! Guilherme levaria toda a culpa.
“Mas havia algo que ela não sabia. O assassino também a reconheceu. Se minha
mãe, que não a via desde os 6 anos, a reconheceu 11 anos depois, Guilherme também
perceberia quem ela era. Mesmo que na época do assassinato ele ainda fosse uma
criança, acho muito difícil que tenha se esquecido do rosto da menina que presenciou
tudo.
“Depois de reconhecer todas as vítimas, perceber a mudança brusca de
comportamento dela desde o começo dos assassinatos e muito provavelmente ainda
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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descobrir as mechas, ele foi até a casa da Samanta sabendo exatamente o que estava
para fazer. Antes dela ter chance de executar o plano, ele executou o seu.”
— Uau! — exclamou Takashi.
— E onde você entra nessa história? — perguntou Wina. — Afinal de contas,
você está aqui por causa do Guilherme, não é?
— É obvio! Só o fato de o Yuri saber de tudo já era uma grande ameaça — disse
Juan com ar de superioridade.
— E como o assassino sabia sobre o Yuri sabia? Você não contou nada disso pra
ninguém, não é mesmo? — esclareceu Wina.
— É verdade, vocês são os primeiros e únicos pra quem eu estou contando.
Takashi não pôde evitar o sorriso de satisfação por ver Juan sem argumentos,
porém, lembrou-se, que há pouco tempo, ele é quem havia dado uma fora. Tirou o
sorriso da boca e prestou atenção no que Yuri dizia.
— Na segunda caixa dos Correios estavam as mechas. Mas como o Guilherme,
que foi quem as mandou, chegou até a mim? Pensei muito nisso hoje. Existiriam várias
respostas, mas a que eu acho ser a verdadeira é esta: foi por meio do Juan!
— Eu!? Por que eu ia te entregar pro assassino, moleque? Sou teu amigo, cara!
— Eu sei, eu sei! Na verdade você fez sem perceber. ‘Ó, quando você estava em
Recife, aquele dia no shopping, o seu primo estava com você, não é?
— ‘Tava.
— Você comentou alguma coisa com ele sobre as informações que eu tinha do
Maníaco? Aquelas que eu pedi segredo?
— É, bem, eu... eu falei algumas coisas, sim.
— O quê?
— Bem, eu contei sobre o seu tio ser delegado e que você tinha informações
sigilosas dos crimes, mas não disse quais eram. Também falei da sua suspeita de uma
possível ligação entre a morte da Sam e o Maníaco... Foi mal, moleque — lamentou.
— Você falou meu nome?
— Falei, por quê?
— Porque você sentiu que o Rodrigo, o amigo da Sam, estava te seguindo. O
Takashi teve a mesma impressão quando nós fomos ao cinema. E dessa vez a gente
chegou a vê-lo.
— Então o Rodrigo realmente seguiu o Juan, ouviu tudo e contou para o
Guilherme. Eles estavam juntos nisso tudo? — perguntou Wina.
— Não, não ‘tavam. O amigo da Sam também não acreditava no suicídio e
comentou sobre as minhas suspeitas com o Guilherme, que temeu que eu descobrisse
algo e acabasse prejudicando-o. Então, me mandou três mechas de cabelo, três mechas
falsas.
— Falsas!? — bastante surpresos.
— Falsas! A segunda vítima era ruiva, era a Lis. Mas as três mechas eram de
cabelos pretos. Ele queria me assustar. Eu iria até à polícia levando a “prova”, daí iriam
fazer análise de DNA e constatariam que eram falsas. Meus pais, já sabendo de tudo,
iam me “desencorajar” a investigar e a polícia concluiria que tudo não passou de uma
brincadeira de mau gosto. O assassino estaria a salvo novamente.
— Mas... — Juan estava esperando.
— Como assim, “mas”? Ele já disse tudo — Káris não se conteve uma vez mais.
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— Sempre existe um “mas” nas histórias de mistérios, Sakura. Não ‘tô certo,
Tashi?
Takashi preferiu repreendê-lo com um olhar fuzilante a falar qualquer coisa.
— Mas o Guilherme não sabia que o amigo da Sam desconfiava da verdade, que
ele a havia assassinado. E também desconhecia o diário.
“O Rodrigo M.P. — olhou para Juan — me ligou, hoje aqui no hospital, pra me
pedir desculpas e resolveu me esclarecer algumas coisas, dentre elas o diário. Ele o
roubou da casa da Samanta antes mesmo dela morrer. Queria descobrir o que estava
acontecendo com ela, o porquê do comportamento tão estranho das últimas semanas.
Como ela não se abriu com ele, decidiu descobrir por conta própria. ‘Ela escrevia a
vida toda nos diários’, ele disse.”
— ‘Peraí ! Você e o Rodrigo são amigos? Então, ele ficou sabendo de tudo antes
da gente? — disse, Juan, com certa indignação.
— Não! Ele me ligou hoje aqui no hospital pra saber se eu estava bem. Afinal
de contas, foi ele quem me meteu nessa enrascada. O cara resolveu contar tudo, eu
nem precisei perguntar nada. Também não pude dizer muita coisa, porque minha mãe
ficou por perto o tempo todo. Tudo o que fiz foi ouvir... A voz dele é estranha, é muito
grave — comentou.
— Se vocês não são amigos, como ele sabia seu endereço, já que eu não falei
nada sobre isso aquele dia no shopping?
— O diário, na verdade, é uma agenda. Lá tem meu nome, endereço, e-mail,
número do ICQ, data de aniversário... Ele deduziu que eu fosse o Yuri de quem você
falou, por eu ser amigo da Sam.
— Ah, ‘tá! Agora sim.
— Continua, Yuri — pediu, Wina.
— Bem, não tenho certeza disso, mas o assassino provavelmente sabia que a
foto estava com a Sam. Talvez ele tenha procurado naquela noite e não a encontrou.
Quando soube do diário, deduziu onde a foto estaria.
“Rodrigo comentou sobre o diário com o Guilherme, que o quis por tudo; mas
ele não entregou. Como eram, ou melhor, foram amigos, ele sabia que o namorado da
Sam não iria desistir de conseguí-lo; então, resolveu “guardá-lo” em um lugar seguro,
comigo. Na primeira oportunidade, mandou-o pra mim. Mas, como o assassino
continuou insistindo pelo diário, ele resolveu contar que havia me mandado,
instigando o ex-amigo, dizendo que, talvez, eu conseguisse achar alguma pista ou,
quem sabe, até mesmo uma prova. Era uma espécie de teste: se Guilherme viesse atrás
de mim, a isca, isso provaria que ele escondia alguma coisa e, talvez, tivesse culpa...”
— ‘Tá, esse cara aí, o Rodrigo, tinha o diário e sabia que você também
desconfiava de um homicídio, mas isso não explica ele ficar seguindo a gente dentro
do shopping aquele dia. O que ele queria?
Takashi não se esquecera da estranha sensação de estar sendo observado
quando foram ao cinema.
— Moleque — virou-se para o japonês —, não tenta entender esse riquinho. Ele
é introvertido, calado, chato e ainda é egocêntrico. Ele não é uma pessoa normal.
Acredite em mim.
Wina olhou para Yuri, como que pedindo que ele continuasse. Então, ele
prosseguiu:
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Mirabolante
— Então, o Guilherme entrou em pânico. Eu já iria à polícia por causa das
mechas e, enquanto se faziam os exames de laboratório, iriam investigar minha
correspondência à procura de mais alguma coisa suspeita. Achariam o diário e, talvez,
se a foto estivesse nele, encontrariam ela também. A polícia, com certeza, iria
identificar a vítima, considerar a data bastante sugestiva, e daí ele se tornaria um
suspeito. Pela duvida do sim e do não, ele resolveu ir até minha casa conferir se a foto
estava lá.
— E foi aí que você quase morre. Só Deus pra te guardar mesmo — disse a
garota dos olhos apaixonados.
— Mas eu sabia que ele não queria me matar, Ay. Isso iria trazer muitos
problemas. Ele só não queria ir para a cadeia pagar por algo que não fez. E nisso ele
estava determinado, tão determinado que se arriscou muito pra conseguir entrar na
minha casa. Tudo teria dado certo, se não fosse por mim, ou melhor, pelo meu medo.
“Ontem à noite, eu falei com o Bruno. Contei sobre as caixas dos Correios e o
que elas significavam. Ele quis saber qual atitude eu tomaria e eu disse estar pensando
em ligar para o meu tio, mas que ainda tinha um pouco de receio. Sabe quando você
sente que tem de fazer uma coisa, mas ainda não é a hora certa?”
Wina respondeu que sim e os outros três nada disseram.
— Então, eu senti que não era a hora. Mas estava com medo, não só por mim,
mas pela minha mãe também. Perguntei se ele não poderia me ajudar.
— Aquele Alberto disse que era detetive particular. Então foi isso! O Padre
colocou um detetive observando você — concluiu Takashi.
— Exatamente. Desde ontem à noite, já tinha gente observando a minha mãe e
eu. Se não fosse por isso, talvez o Guilherme conseguisse se sair bem dessa.
— Interessante é que mesmo com essa segurança e o Rodrigo vigiando você, o
assassino conseguiu entrar na sua casa. Ou ele é muito esperto, ou é muito sortudo —
disse Wina.
Ou contou com a ajudinha do narrador — disse, Caio de Oliveira.
— Eu acredito que ele estivesse tentando entrar desde ontem, mas precisou
esperar uma brecha, que aconteceu hoje pela manhã quando eu e minha mãe saímos e
apenas um homem ficou vigiando a casa. Mas tem um lado positivo nisso tudo. Ele
acabou confessando que matou a Sam.
— Sério!? — Juan ficou surpreso.
— Meu tio acabou de me dizer. Mesmo com toda a sua determinação,
Guilherme chegou em um beco sem saída. Ou confessava o mínimo, ou era acusado
pelo máximo. E ele fez a sua escolha. E tudo acabou.
— Perfect Blue‘¹’— anunciou a otaku-mor.
Eles pensaram ter compreendido, mas na verdade nenhum deles realmente
entendeu.
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Final Fantasy
«SETOR 14»
Final Fantasy
— Então sua mãe deixou você levar o papagaio para a sua casa?
— Foi. Eu pedi porque o Pequeno Parrot — finalmente batizou o animal — ‘tava
muito sozinho. Você ainda vai demorar muito aí?
— Por aqui, não. Mas surgiram alguns problemas com um amigo meu. Vou ficar
fora por uns tempos. Ele me ajudou muito e agora é ele quem precisa da minha ajuda.
— Certo! Mas não deixe de telefonar.
— Com certeza! Yuri, você já mandou aquela carta para o seu tio?
— Já. Tive de pedir a ajuda da Wina porque eu não ‘tava conseguindo organizar
direito as idéias. Ela se empolgou um pouco quando escreveu as palavras que eu ditei
e por fim a carta ficou a cara dela, mas tudo bem. Enviamos para o meu tio essa
semana e provavelmente ele já recebeu. Tomara que a carta o incentive. Sabe como é,
ele ‘tá um pouco desanimado por não ter solucionado o caso. As pessoas já começaram
a esquecer, mas como ele não descobriu nada satisfatório, ficou meio chateado.
— Creio que tudo vá correr bem. Ele vai se animar. Mudando de assunto, é hoje
a estréia daquele filme?
— Não, é amanhã, dez de agosto.
— Como era mesmo o nome?
— Final Fantasy: The Spirits Within.
— Isso mesmo. Então, bom filme pra vocês.
— Valeu, vô!
— Você não sabe a alegria que me dá quando ouço isso!
— Eu amo muito você, apesar de conhecê-lo pouco... Que Deus seja com o seu
amigo e traga você de volta o mais rápido possível.
Bruno riu do outro lado da linha.
— Amo você também, muito mesmo. E seus pais estão bem?
— Estão sim. Eles saíram pra jantar e acho que já chegaram. ‘Tô ouvindo o
elevador subir.
— Então vou desligar. Mas, antes me diga, pequeno parrot, ou melhor, meu
neto; você não falou nada para eles sobre já saber de tudo, ou disse?
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Final Fantasy
— Fui o primeiro a saber, mas vou fazer de conta que serei o último. Mas logo,
logo, minha mãe vai estar mais acostumada com a idéia e vai se sentir pronta pra me
contar. Você vai ver!
— Espero que sim. Então ,um grande abraço, meu neto! Auf wiedersehen!
— Outro, vô. Tchau!
A campainha tocou. Não eram os pais de Yuri e sim seu amigo Takashi.
— Entra, cara.
— Acabei de receber um e-mail do Padre, digo, do Bruno.
— Ué!? Vocês estão se correspondendo?
— Sim. Sabe, eu perguntei se ele sabia da sua intuição fora do comum...
— Como é que é?
— Ele respondeu que sim, desde o dia em que te conheceu.
— Eu tenho intuição fora do comum? Por quê?
— Duas filas de supermercado. O mesmo número de pessoas, aparentemente o
mesmo tanto de compras. Você sempre escolhe a que anda mais rápido. Às vezes, você
conversa comigo sobre algumas coisas e depois elas acontecem...
— Como assim?
— Lembra aquele dia lá no metrô, quando você me disse como alguém poderia
sobreviver se caísse no meio dos trilhos e um trem passasse? Então, aconteceu. E com
quem? Justamente com o assassino da Samanta. E aquela idéia maluca de investigar a
morte da Samanta, porque você dizia ter relação com o Maníaco do Parque. Por fim
tinha tudo a ver. Não resta dúvida, sua intuição é fora do comum e aquele homem
sabia disso, o que é mais impressionante... Você sonha com o futuro?
— Ah! Deixa disso, Takashi!
— O Bruno sabia disso! Ele é um homem muito misterioso. Vou ficar de olho
nele.
— Você é sempre desconfiado. Sempre.
— Este aqui é irmão deste — apontou para os olhos. — Mas, cara, eu vim aqui
pra te pedir uma coisa.
— Sim?
— O Bruno me emprestou alguns livros da Agatha Christie; então, você não
quer ir comigo no apê dele, pra pegar os livros?
— Claro! Vamos lá.
— Prometo que dessa vez não vou bisbilhotar — cruzou os dedos.
------------------------Ao pôr do sol ou quase nesse horário, Pedro, Yuri, Semp e Takashi chegaram ao
Pier 21. A bela visão do Lago, que refletia a luz do sol naquele final de tarde,
contrastava com a enorme fila formada em frente à bilheteria do cinema. Enquanto a
primeira visão era relaxante e inspirava tranqüilidade, a segunda era barulhenta e
monstruosa. Yuri percorreu a fila à procura de rostos conhecidos, até que encontrou
Juan conversando com um garoto vestindo jaqueta de couro preta.
— Aqui! — gritou Yuri para os outros.
— Você!? — surpreendeu-se Takashi ao chegar e ver Rodrigo.
O rapaz loiro não respondeu.
— Eu convidei ele pra assistir ao filme com a gente — esclareceu Yuri.
«160»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Final Fantasy
— E eu até aceitei uma carona. Sua moto não é lá essas coisas — desdenhou.
Rodrigo limitou-se a olhá-lo. Preferiu manter-se em silêncio.
— E aí Juan? Tudo bem? — cumprimentou Pedro.
— Tudo!.. Como vai, professor? — cumprimentou Semp que vinha logo atrás.
— Tudo bem, aluno! E você, Rodrigo? Tranqüilo como sempre?
Ele acenou um oi com a cabeça e nada mais.
— Volto já. Vou dar um pulo ali, naquela livraria, pra ver se encontro o novo
livro da minha mãe. Você já ‘tá com a grana dos ingressos aí, né, Yuri?
— Já!
— Toma. Se a fila andar antes de eu voltar, compre os nossos ingressos também.
Vou ao banheiro.
— Okay.
Quando Semp já havia se afastado, Juan não agüentou de curiosidade e resolveu
perguntar:
— Vem cá, ‘cês não ligam de sair com os seus pais, não? Não ficam com
vergonha?
— Não — respondeu Takashi. — Eu até acho melhor porque eles pagam tudo
pra gente. Nós nem gastamos dinheiro. E eles são legais, não ficam em cima tratando a
gente como criança. Não ligo mesmo.
— Moleque, isso é muito estranho.
Enquanto os dois discutiam o relacionamento de pais e filhos, Yuri e Rodrigo
foram surpreendidos por uma visão. Foi a chegada das irmãs Fernandes.
Era algo que eles jamais viram. A luz clara e amena do pôr do sol iluminava e
anunciava a chegada das duas beldades. Como princesas que caminham em frente aos
seus súditos, elas vinham vestidas de porte e realeza. Uma brisa suave surgiu pelo
caminho, saudando-as e acariciando os leves e d’oiros cabelos, que começaram a
dançar em um ritmo tão suave quanto delicado. Foi um momento, um momento que se
deu em câmera lenta, um momento em que o tempo não fez sentido, foi apenas um
momento. Por um momento, o burburinho cessou para aqueles dois. Por um momento,
os olhos deles só conseguiram ver os verdes olhos que vinham brilhando e desfilando
graciosamente em sua direção. Infelizmente foi apenas um momento.
Digo que teria sido mais que um momento se a figura do pai não houvesse
surgido por detrás delas. O sol perdeu sua importância, a brisa se foi e as vozes
voltaram. Apenas o porte real continuou porque lhes era intrínseco.
Os dois trataram imediatamente de desviar o olhar quando foram mirados por
ele, o pai.
— Ei, Yuri! — cutucou Takashi. — Traz o balde.
O japonês brincou sem perceber que o seu amigo também estava babando ou
prestes a isso.
— ‘Taí uma coisa que eu não entendi até hoje — comentou Juan. — Toda vez
que eu encontro com a mãe do Yuri ela diz isso. Não sei porquê.
— Ah, fala sério, Juan! Você fica de boca aberta, quase babando, toda vez que
encontra com a Chris e não entende porquê ela manda o Yuri trazer o balde?
— Então é por que eu babo? Mas eu não babo — afirmou categoricamente.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Final Fantasy
— É no sentido figurado, seu pacóvio. Não quer dizer que você esteja
literalmente babando, mas é como se estivesse. Será que dá pra entender ou fica difícil
pra você?
— O que eu entendo é que vocês ‘tão tirando uma com a minha cara. Ela é
bonita, parece com a Ana Hickmann...
— Quem?
— Mas eu não fico babando, não. Ela é apenas mais uma mulher bonita —
tentou desdenhar. — Olho pra ela, como olho qualquer pessoa.
— Então você realmente precisa de um balde — Takashi rompeu em risos. — E
um dos bem grandes. Ahahahahaha...!
— Do que ele ‘tá rindo? — Káris chegou e ficou curiosa.
— Sei lá! Eu ‘tava prestando atenção em vo..., quero dizer, eu não ‘tava
prestando atenção neles. ‘Tava meio desligado, sabe como é, né? — Yuri se enrolou na
explicação. — Mas, e aí? Tudo bem? — mudou de assunto.
— Tudo ótimo! — respondeu, Wina, entusiasmada. — Hoje foi meu primeiro
dia no estágio, mas nem sei se vou continuar. Já ouvi rumores, dizendo que a
universidade vai entrar de greve. Se for mesmo, eu vou passar um tempo nos Estados
Unidos na casa da minha tia. Pra treinar meu Inglês.
— Tomara que a UnB entre de greve, então — desejou, Yuri, pensando que isso
era algo bom. — Esse aqui é o Rodrigo, Wina.
— Ah, o Rodrigo. Prazer!
—Você me conhece? — falou pela primeira vez desde que chegara ao shopping.
— Apenas histórias. Como vai o seu braço?
— Carlos, muito prazer — cumprimentou, o pai das duas.
Káris, ao invés de cumprimentá-lo, lançou sobre ele um olhar de reprovação,
pois não o havia perdoado por colocar Yuri em perigo quando lhe mandou o diário.
Uma pessoa extremamente egoísta, era essa a sua opinião a seu respeito.
— Você não sabe que animê eu descobri, Yuri. Cowboy Bebop‘¹’. Blues do
começo ao fim, futurístico e muito engraçado. Nota dez!
— Que legal! Eu ‘tô lendo Akira na gibiteca. Extremamente bem desenhado e
com uma história muita fera: duelos entre paranormais em um futuro punk.
— Eu sei. Eu tenho a coleção completa. Trinta e oito mangás de pura emoção e
arte.
— Sério? Por que você nunca me disse?
— Você nunca me perguntou!
— E aí? Todo mundo animado pra ver o filme? — Juan resolveu puxar assunto
com alguém para desviar a raiva que estava sentindo por conta das incansáveis risadas
do japonês.
— Meu pai ‘tá — anunciou Káris. — Ele trabalha com animação gráfica.
Enquanto Takashi se engasgava de rir, uma mão o tocou por trás. Ele se virou
rapidamente, mas, de repente, parou. Seus reflexos já estavam mais treinados depois
de ter tomado dois tapas por causa desse seu jeito súbito de se virar. Atrás dele, estava
uma mulher.
— Lembra de mim? — perguntou ela.
— Vagamente — mentiu.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Final Fantasy
— Vagamente? E daqueles tapas? Você também se lembra vagamente? —
perguntou a loira turbinada.
— Bem...
— Esse é o meu namorado — apontou para um homem grande, uma verdadeira
massa intimidadora. — Eu contei pra ele o que você me fez aquele dia, lá no Park
Shopping, e ele não gostou nada, nada. É melhor você não se atrever comigo de novo
porque a mão do meu namorado é bem mais pesada e maior que a minha.
Takashi ficou emudecido, com um pouco de medo.
— Entendeu, pirralho? — a massa intimidadora perguntou.
— Pirralho é vo... — respondeu instintivamente.
Desistiu de falar quando o homem mirou seus olhos grandes sobre ele. A loira
turbinada puxou o namorado e eles desapareceram no meio da multidão.
— Só porque é grande, pensa que pode meter medo em qualquer um? —
desabafou para o nada.
— Era aquela mulher? — perguntou Káris.
— Que falta de sorte. Encontrar com ela bem aqui. Ainda bem que eu prestei
mais atenção antes de me virar dessa vez.
— O Tashi ‘tá encrencado, não é? — instigou Juan.
— Quantas vezes eu já te falei pra não me chamar assim! Ta-ka-shi. Meu nome é
Takashi. Takashi — gritou.
— Calma, nervosão! — pediu Juan. — Se você me contar por que não gosta que
te chamem assim e me convencer que é um motivo razoável, eu paro de te chamar de
Tashi. Vamos, fala!
O japonês ficou olhando para a cara dele, mordendo-se de raiva. Sabia que, no
fundo, não era nada disso. Se ele abrisse a boca pra contar o verdadeiro motivo, iriam
caçoar ainda mais dele. Resolveu apelar:
— Você é um pacóvio boca-aberta. Eu não tenho de contar nada pra você.
Ouviu?
— Pá-o-quê? — Yuri não conhecia a palavra.
— É que o Tashinha aqui pensa que eu sou burro. Mas saiba você, Tashinha,
que eu já li toda a letra “P” do dicionário e sei exatamente do que você me chamou. Se
eu sou um pacóvio, você é um pacobão. Ouviu?
— Ah é, é? Então você é um...
Esses dois realmente precisam crescer. Então, foi basicamente isso. Eles
continuaram na fila, compraram os ingressos e assistiram ao filme. Yuri e Takashi
saíram meio decepcionados, esperavam uma história melhor. Os cenários foram bem
construídos, e até eram bem realistas, mas os personagens deixaram a desejar. Já era
um avanço, porém, não tão grande como se esperava. De qualquer forma, foi divertido,
embora, mal saiba Yuri, que por uma pilastra e nada mais que isso aliado a
sincronismo, foi que Berenice, que também foi assistir ao filme, não o avistou. Se
tivesse acontecido...
Vendo essa atitude dos dois, Juan versus Takashi, eu me lembrei de uma frase
de Wina, com a qual gostaria de terminar essa história. Ela disse: “Ninguém cresce de
uma hora pra outra, ninguém”. E eu ainda acrescento: crescer pode ser um processo
doloroso e demorado, mas nos faz pessoas melhores. Dificuldades todos enfrentamos.
A diferença se dá como nós as encaramos. Superamos ou somos superados? Aqui me
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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lembro das palavras de encorajamento do Padre: “Quero trazer à memória o que me
pode dar esperança”, esperança para prosseguir e superar o que ainda está por vir, e
sempre crescer. Amém!
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Final Fantasy
Brasília, agosto de 2002.
Ao Senhor Delegado Vítor H. A. Ferreira
Gostaria de relatar ao senhor delegado a conclusão do caso MP:2, bem como lhe tirar um peso
da consciência, pois o senhor jamais poderá prender o Maníaco do Parque. Ele morreu. Isso mesmo,
acredite. Ele morreu.
Depois de me envolver com o caso e, de certa forma, o investigar, fui surpreendido por essa
conclusão. Inesperado? Sim. E também difícil de se acreditar. Todavia eu, alguém comum, tive contato
com esse assassino frio e cruel que matou garotas de famílias respeitadas. Sei que não eram prostitutas.
Sei também que em todos os aspectos dos crimes reside um significado. Segundo o que vi e presenciei,
interpretei cada um deles, mas infelizmente não os posso relatar. Relato, sim, algo no mínimo
surpreendente. O Maníaco era uma mulher.
Creio que essa revelação a muitos assuste, mas a mim, não, visto não haver sinal de violência
física nas vítimas, a não ser o estrangulamento sofrido por elas, causando suas mortes. Devo esclarecer,
antes de prosseguir, que não faço parte de sua equipe e nem mesmo sou policial. Como já disse, sou uma
pessoa comum. O assassino, ou melhor, a assassina morreu por causa de seus próprios crimes, cometidos
com o único propósito de incriminar uma outra pessoa, um homem. O motivo? Vingança.
Toda a aparência criada sobre os crimes, a importância alcançada por eles nos jornais desta
cidade, como em outras também, visavam apenas à punição. Quanto mais a população se sentisse
agredida, maior seria o apelo público para uma sentença severa. E provavelmente esse homem, que seria
tido como um estuprador, morreria na prisão. Eis o significado da sigla MP:2. Como alguém algemado
que dobra a cerviz escondendo o rosto, ele seria levado para o inferno; porém, vivo.
Não declararei o nome do assassino do Maníaco. Contudo, posso lhe informar que ele está preso,
pagando não pela morte de um maníaco, mas por causa da morte de uma criança e pelo sofrimento de
toda uma vida causado a irmã dessa.
Eu me propus a lhe escrever esta breve carta porque creio que apenas alguém estando em minha
posição poderia solucionar este caso, pois ele não envolve apenas os fatos do presente, mas resgata
muitos acontecimentos do passado, que são de difícil ciência e aparentemente desconexos. Espero que essa
aparente derrota lhe traga motivação para continuar seu trabalho investigativo de grande qualidade e
preciosidade. Muitas vezes não podemos solucionar todos os problemas a nós impostos e não devemos
nos culpar por isso. Devemos, sim, prosseguir fazendo o nosso melhor, assim como o senhor sempre fez.
Sinceramente,
H.P.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
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— Hum! H.P. Quantos Hercule Poirot existem nesta cidade? Tição! — gritou.
Um rapaz albino entrou pela porta:
— O senhor me chamou, delegado?
— Toma — estendeu a carta para ele.
— Do que se trata?
— Mas um H.P. que “solucionou” o nosso mistério. O interessante é que esse
tem idéias coerentes com as minhas.
— Quer que eu mande a carta para o laboratório?
— Não, não precisa. Pode arquivar.
— Em qual pasta, senhor?
— MP:2, Tição. MP:2.
««««««««fim»»»»»»»»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Notas
«NOTAS»
«SETOR 02» “Samanta”
1. Belldandy: principal personagem feminina — e deusa — do animê Oh! My Goddess
de Fujishima Kosuke. Morisato Keiichi, um estudante que mora em um dormitório
para garotos, disca um número errado de telefone e a ligação cai no Escritório das
Deusas. Belldandy atende e diz que realizará um de seus desejos. Pensando ser
uma brincadeira de alguma colega de escola, ele pede que uma garota como ela se
torne sua namorada. Ela entende que essa garota é ela mesma e atende ao pedido. A
partir daí, eles não conseguem mais se separarem e envolvem-se em muitas
confusões. Esse animê é baseado na mitologia nórdica. No Brasil, atualmente, só
pode ser encontrado na Internet por meio de Fansubers.
«SETOR 04» Diversão
1. Lara Croft: arqueóloga e musa digital. É a personagem principal do jogo Tomb
Raider. Ela conduz o jogador através do mundo, fazendo-o desvendar enigmas e
viver perigos.
«SETOR 05» H.P. Investiga
1. Reynaldo: Juan está citando uma frase muito falada por esse professor do colégio
Sigma.
2. BAC: Brasil Anime Clube. Conhecido grupo brasiliense, fã de animê, que divulgava
esta arte pela cidade.
3. Sakura Kinomoto: uma das personagens mais famosas do grupo Clamp. Depois de
ter libertado as cartas Clow de dentro de um livro mágico, Sakura aceita ser uma
cardcaptor e sair à procura das cartas, a fim de impedir que uma catástrofe
sobrevenha ao mundo. Embora o animê seja infantil, conquistou fãs de várias
idades pela excelente caracterização dos personagens, produção e enredo. Também
há mangá da série. No Japão foi publicado pela Kodansha Ltd, e, no Brasil, pela
Japan Brazil Communication (JBC).
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Notas
«SETOR 08» Perseguição
1. Samurai X – Rurouni Kenshin: mangá shounen (para garotos) de Nabuhiro Watsuki.
Seu personagem principal é Kenshin Himura, um samurai que, no passado, foi
Battousai, o retalhador, e, agora, proibiu a si mesmo de matar. Publicado
originalmente na revista Shounen Jump e, no Brasil, pela JBC. Vale a pena conferir!
2. Love Hina: mangá shounen de Ken Akamatsu. Seu personagem masculino principal
é Keitarô Urashima, um jovem reprovado duas vezes no vestibular, de poucas (ou
sem) habilidades para conquistas amorosas que é expulso de casa e vai morar na
hospedaria de sua avó (Pensão Hinata), que para surpresa sua, agora é um
dormitório feminino. Apesar de ter em sua composição, diversos clichês dos
mangás, Love Hina é hilário, envolvente e divertido. No Japão foi publicado pela
Kodansha Ltd, no Brasil, pela JBC. Mais um que vale a pena conferir.
3. Manobra de Heimlich: procedimento médico em que utiliza-se a mão para aplicar
uma pressão no final do externo. Essa pressão desloca o ar dentro da caixa toráxica
desobstruindo as vias e possibilitando a volta do fluxo de ar.
«SETOR 10» Correio
1. Original Video Animation: geralmente são séries curtas de excelentes produções.
Às vezes, resumem acontecimentos de uma serie maior, anunciando-a, ou contam
uma historia adicional de uma série já existente, como é o caso dos OVAs de
Samurai X, que mostram com excelência de traço e animação a vida de Kenshin
Himura quando retalhador no final do Shogunato (período de profunda alteração
política em meados do século XIX). Devido a carnificina, recomendo estes OVAs
apenas para aqueles de mais idade. Excelente!
2. Akira: mangá punk-fiction de Katsushiro Otomo. Experimentos realizados em
crianças, com o intuito de liberar seus poderes paranormais, acabaram gerando
Akira, um menino dono de um extremo poder destrutivo, que devasta Tóquio. Ele é
contido, criogenado e a cidade se reconstrói. Porém, anos depois, Tetsuo, um
delinqüente juvenil, tem contato com um paranormal, antigo amigo de Akira, e seu
poder é despertado. Akira, mesmo em estado de vida suspensa, sente esse poder,
que ressoa com o seu, e atrai Tetsuo. Um trabalho fantástico e clássico do mundo
dos mangás, que traz uma história envolvente, traço sublime e personagens cheios
de personalidade. Na minha opinião, o melhor. Como a publicação é da década
passada, tente encontrar essa “jóia” em gibitecas ou com colecionadores. Também
há um filme de mesmo nome do mangá, muito bom.
«SETOR 13» Mirabolante
1. Perfect Blue: animê psico. Essa é uma definição que ouvi de um amigo meu certa
vez e não é simples explicá-la, mas em linhas gerais, significa que a história, ou a
personalidade dos personagens, envolvem elementos de difícil compreensão e por
isso o força a pensar muito. Digamos que são aqueles animês que não saem da sua
mente tão facilmente. No caso de Perfect Blue, são abordados temas como dupla
personalidade, projeção do seu eu em outra pessoa e crescimento pessoal por meio
da superação das tribulações da vida.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Notas
«SETOR 14» Final Fantasy
1. Cowboy Bebop: um dos melhores trabalhos da Sunrise Inc. Cheio de mistérios,
comédia, enredos interessante e muito Blues, Cowboy Bebop se revela um produto
de ingredientes combinados na medida certa. A série conta com 26 episódios e um
filme longa metragem, Knockin’ on Heavens Doors. É um animê extremamente
recomendado para qualquer otaku que se preze.
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Ciclovia
«CICLOVIA»
MP:2, por Caio de Oliveira
Era julho. Eu estava de férias, tinha tempo de sobra para fazer muitas coisas
legais. Pensei em ler uns livros da Rainha do Crime; já fazia algum tempo que eu não
lia nada dela. Fui à biblioteca e, para minha surpresa, o livro estava lá, O Misterioso
Caso de Styles. Já havia tentado alugá-lo antes, porém nunca estava na prateleira. Mas
agora... Voltei para casa e, bem, não comecei a lê-lo imediatamente. Só fui ler dias
depois, mas a medida que eu lia, imaginava a mente brilhante dessa mulher. Mais de
80 livros sobre histórias de mistério e esse primeiro era bom. Deixe-me explicar: antes
de começar a ler, pensei que não deveria esperar muito. “Esse não deve ser um dos
melhores. Tenho de dar um desconto, foi o primeiro”, contudo estava enganado. Era
um livro tão bom quanto qualquer outro livro dela.
Então, me veio uma idéia: “E se eu também escrever uma história de mistério?”
Não tinha nenhuma experiência nisso, mas a idéia me agradou.
Eu sabia que para ser uma boa história, precisava ser inovadora, intrigante, ter
algo diferente e o fim precisava ser inesperado. E eu queria que, de certa forma, ela
fosse um tanto quanto agressiva: “Crianças investigando um maníaco?”, isso me
pareceu chamativo. Então, criei o fim, depois o começo e, por último, o meio. Só
faltava ajustar algumas coisas: como seriam essas “crianças” e o narrador?
Creio que já deu pra perceber que eu sou um otaku — para aqueles que ainda
não sabem, significa fã de animê. Gosto muito de animê por causa da abordagem que
tem: as histórias são interessantes, os conflitos traduzem vários problemas reais, os
personagens são cativantes, e o humor é hilário. Bem, foi sobre esse esquema que a
história de “MP:2” foi traçada.
Os personagens tinham de parecer reais, assim como os personagens de animê e
eles precisavam ser cativantes. Para cumprir a primeira parte eu resolvi dar uma vida
normal para eles: escola, amigos, andar de ônibus, ir ao cinema, passear, etc. Acho que
por fim eles pareceram tão comuns como qualquer pessoa. Talvez Yuri seja aquele
garoto que você conhece só de vista porque vocês sempre pegam o mesmo ônibus.
Talvez, você imagine que o japonês a sua frente, na fila do banco, pagando a
mensalidade do colégio seja um garoto inteligente. Ou, talvez, você seja um dos
admiradores daquela garota loira e bonitinha da sala ao lado, ou, talvez... A segunda
parte, bem, só você poderá dizer se alcancei ou não.
«170»
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MP : 2 – O Maníaco do Parque Ataca Novamente
Ciclovia
O narrador. Eu queria um narrador onisciente e onipresente, mas que, na
medida do possível, fosse humano. Que fosse um personagem fora da história, alguém
com opinião própria, duvidas, seu próprio ponto de vista, alguém que fizesse escolhas
— afinal de contas, é ele quem escolhe o que é e o que não é narrado. Foi bastante
divertido para mim ter um narrador assim, deu-me muita liberdade dentro da história.
Quanto aos capítulos eu escolhi seguir o trivial, a ordem cronológica dos fatos.
Mas para quebrar a monotonia que se instaurou, muitas vezes, por causa dessa
trivialidade, decidi picotar e inverter os acontecimentos. E, cá pra nós, eu me superei
no capítulo “We change”. Vai dizer que não foi inovador um capítulo começar e
terminar com o mesmo parágrafo? Infelizmente, alguns capítulos do início da história
ficaram um pouco lentos, culpa da trivialidade e até de certa forma enrolados. Porém
não os considero capítulos ruins, pelo contrário, são essenciais para história, no geral,
e também para o contato entre você, leitor, e os personagens.
Resumindo, é isso. Tudo o que eu posso desejar é que tenha sido tão divertido
para você ler, assim como foi para mim escrever. Ainda há muitas coisas para contar
como, por exemplo, o passado do Padre e... Bem, isso já é uma outra história.
Um grande abraço,
Caio de Oliveira, em algum momento de 2002.
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