Representações de Tecnologia e ciência nas obras de
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Representações de Tecnologia e ciência nas obras de
1 Representações de Tecnologia e ciência nas obras de Gustavo Barroso (19301935) Representations of science and technology in the works of Gustavo Barroso (1930-1935) Karla de Souza Babinski Graduanda em História, PUC-PR [email protected] Gilson Leandro Queluz Doutor em Comunicação e Semiótica UTFPR [email protected] RESUMO O presente artigo tem como objetivo analisar as representações tecnológicas encontradas nos textos de Gustavo Barroso, um dos líderes integralistas, no período entre 1930-1935. A pesquisa foi embasada em textos relacionados principalmente ao Integralismo e ao Nazismo, procurando a compreensão das políticas e transformações mundiais, além da análise dos livros de Gustavo Barroso, destacando-se Aquém da Atlântida e o Quarto Império. Os resultados da pesquisa demonstram que os estudos relacionados a Gustavo Barroso estão focalizados geralmente em sua visão anti-semita, que é tema de destaque em suas obras. Porém, nossa análise tem o intuito de destacar as percepções de Barroso, relacionadas a modernidade, a tecnologia e a ciência, intimamente ligadas, como veremos, a articulação de seu pensamento político. Palavras-Chave: Gustavo Barroso, Integralismo, Modernidade, Tecnologia. Abstract This article aims to analyze the technological representations found in the writings of Gustavo Barroso, a leading Integralist in the period of 1930-1935. The research was based- for the understanding of the political and global transformations- mainly on bibliography related to the integralism and the Nazism, besides the analysis of books of Gustavo Barroso, specially Aquém da Atlântida and the Quarto Império. The results of the research show that the studies about Gustavo Barroso are focused on his vision of anti-semitism, which is actually a prominent theme in his works. However, our analysis aims to highlight the perceptions of Barroso, related to modernity, technology and science which are closely tied in the articulation of his political thought. Key-words: Gustavo Barroso, Integralism, Modernity, Technology. 2 Representações de Tecnologia e ciência nas obras de Gustavo Barroso (1930-1935) Este artigo tem o intuito de compreender as representações de tecnologia e ciência nas obras de Gustavo Barroso, por essa razão, seria importante verificarmos o que se entende por representações. Segundo Chartier (2002), A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler [...] Variáveis consoante as classes sociais ou os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas, próprias de grupo. São estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro torna-se inteligível e o espaço ser decifrado (CHARTIER, 2002, p. 16,17, grifo nosso). As representações são, então, pensamentos e discursos, em determinado tempo e espaço, que foram construídos socialmente. Mas, segundo ainda Chartier (2002), essas representações construídas por determinado grupo, não são neutras. Para o autor: [...] produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 2002, p.17, grifo nosso). É neste pensamento que nos embasaremos para abordar nosso tema, pois, como destacamos, as representações são estabelecidas pelos valores e ideias de determinado grupo para obtenção de poder, e Gustavo Barroso não se distanciava desse contexto. É importante observar que as tecnologias transformam e são transformadas no meio em que vivemos, com suas representações sendo imbuídas de valores: As tecnologias não apenas refletem a nossa sociedade, mas também a refratam. Desta forma, a tecnologia não será considerada apenas como um sistema de máquinas com certas funções, mas também em seu aspecto de dinâmica inter-relação com a construção social da realidade. Tecnologias são, portanto, construções sociais, elas não são apenas objetos, mas também expressões culturais. (Queluz 2010, p. 27) Gustavo Adolfo Luíz Guilherme Dodt da Cunha Barroso nasceu na cidade de Fortaleza no dia 29 de dezembro de 1888, filho de Antônio Filinto Barroso e de Ana Dodt Barroso. Gustavo foi um intelectual de seu tempo, escrevendo vários livros, ligados principalmente ao folclore 3 nordestino, além de publicar artigos em diversos periódicos 1. Utilizava pseudônimos, sendo o que lhe trouxe maior reconhecimento foi o de João do Norte. Fez parte da Academia Brasileira de Letras, sendo o terceiro ocupante da cadeira 19, eleito em 1923. Também fundou e dirigiu o Museu Histórico Nacional, ocupando o cargo de diretor entre o período de 1922 a 1959, onde se afastou da função apenas no período entre 1930 e 1932 (MAIO, 1992, p. 67-73). Gustavo Barroso aderiu ao integralismo em 1933, se tornando um de seus principais líderes. Neste período, suas obras passaram a ter um forte viés autoritário. Sua visão sobre a modernidade e a tecnologia comungava não somente com a visão dos integrantes da AIB, mas, aquela hegemônica em grande parte dos intelectuais deste período, ligados a uma perspectiva política autoritária. A Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada oficialmente em 7 de outubro de 1932, propunha ideias de mudança no quadro político brasileiro da época, onde as oligarquias ainda eram muito influentes no cenário político. O período entre o final da República Velha, e o surgimento do Estado Novo, favoreceu o surgimento deste partido, em um momento, onde, após a crise de 1929, o liberalismo perdia sua força política no mundo (MAIO, 2002, p. 78). É neste contexto, que, com a ascensão de alguns partidos de extrema-direita em várias partes do mundo, destacando-se o fascismo e o nazismo, surgirá em nosso país o Integralismo, que tem grande similaridade com os partidos fascistas, principalmente na simbologia, desfiles, propagandas e ideologias e que terá grande influência no pensamento e escrita de Barroso2. A influência de pensamentos fascistas, principalmente o nazista, demonstrado fortemente no sentimento anti-semita de Gustavo Barroso, foi tema de destaque em suas obras. Trindade (1979) relata que o anti-semitismo não foi uma ideologia pregada por todos os integrantes da AIB, mas, “... quando teóricos e dirigentes integralistas criticam a tendência de Barroso, suas atitudes não significam uma posição neutra diante do problema judaico, mas uma rejeição de seu radicalismo...” (TRINDADE, 1979, p. 242). 1 Suas obras passam de uma centena em publicações onde os temas são os mais variados, abrangendo arqueologia, biografias, contos, economia, ensaios, ficção, folclore, história, memórias, museologia, poesia e política. Sua primeira publicação literária foi Terra e Sol, de 1912, que descreve o sertão nordestino. Foi Redator dos jornais, Jornal do Ceará e Jornal do Commercio, além de diretor da revista Fon-‐Fon, entre outras contribuições. (MOREIRA, Afonsina Maria Augusto., 2006, p. 9 -‐ 21). 2 Para um maior entendimento sobre as políticas fascistas e suas ideologias ler PAXTON, Robert O., 2007 e STACKELBERG, Roderick, 2002. 4 A idéia anti-judaica circulava em meio a sociedade, inicialmente ligada a questões religiosas. Para Maio (1992) existem dois modelos de anti-semitismo, o de “continuidade” e o de “ruptura”. O anti-semitismo, ligado a idéia de “continuidade”, seria segundo o pensamento de Norman Cohn3, uma continuidade do anti-semitismo existente na Idade Média. O anti-semitismo de “ruptura”, baseado na filosófa Hannah Arendt4, destacaria uma ruptura entre o anti-semitismo denominado de tradicional, que seria o religioso, e o moderno. No anti-semitismo tradicional, “... Os judeus seriam o “mal necessário” no terreno religioso, como uma referência fundamental e negativa da verdade do cristianismo. Na instância econômica, agiriam como agentes monetários numa economia pré-capitalista...” (MAIO, 1992, p. 24.). Já o anti-semitismo moderno: [...] inaugurou um período que em seu conjunto culminou no surgimento do totalitarismo. Seus contornos mais visíveis estão localizados principalmente nas tensões advindas com a modernidade, quando os judeus foram convocados à participação no mundo da cidadania. Neste momento, a herança adversa do passado combinada com a nova inserção dos judeus na esfera dos direitos, criou uma série de constrangimentos, cujo clímax coincidiu com o aparecimento do mito da conspiração mundial judaica, no final do século XIX, através de os Protocolos dos Sábios de Sião. Estas tensões teriam sido pretensamente elaboradas pelos judeus como parte de um plano político de domínio da humanidade. Os Protocolos são um indicador preciso da importância dos conflitos entre Estado e sociedade em cujo cenário se destacariam os judeus. A partir do final do século XIX, os judeus tiveram um papel singular como pólo atrator de múltiplos descontentamentos sociais, devido à sua inserção marginal na sociedade. Com isso, foram investidos do papel de fonte única de todos os males. Desta forma, do “mal necessário” do período anterior surgiu a total intolerância, que se expressou adiante na solução nazista de eliminação (MAIO, 1992, p. 24, 25). A ruptura destacada por Maio (1992), entre o anti-semitismo tradicional e moderno, sendo Os Protocolos dos Sábios de Sião5 o marco dessa nova definição social do anti-semitismo, destacou os judeus como detentores e causadores de todo o mal no mundo. Esse novo enfoque seria utilizado pelas políticas fascistas, principalmente a nazista, em suas representações políticas. O livro Os Protocolos dos Sábios de Sião foi um dos fundamentos do nazismo para legitimar suas ações e que, significativamente, foi traduzido por Gustavo Barroso no Brasil em 1936. Segundo Maio (1992): 3 Maio utiliza o livro: COHEN, Norman. A Conspiração Mundial dos Judeus: Mito ou Realidade. São Paulo: Ibrasa, 1969. 4 Maio se baseou em: HANNAH, Arendt. As Origens do Totalitarismo: Anti-‐semitismo. Instrumento de Poder. Rio de Janeiro, Documentário, 1975. 5 “... Os Protocolos são reconhecidamente um dos maiores best-‐sellers do mundo [...] A obra, publicada pela primeira vez na Rússia em 1903, teria como autor um membro da polícia secreta do Czar Nicolau II...” (COSTA, Luiz Mário Ferreira, 2009, p. 117, 118). 5 Até o início dos anos 30, no que tange aos artigos na imprensa e às principais obras publicadas na República Velha, não se observa em Barroso a presença de conteúdos antijudaicos. Pelo contrário, em alguns momentos até elogia o povo judeu, ao se deter em episódios de sua trajetória militar. Só após a Revolução de 30, aparecem os primeiros sinais de seu anti-semitismo (MAIO, 1992, p. 91). Apesar desta explicação de Maio (1992), ao analisarmos o livro de Gustavo Barroso, Aquém da Atlântida, de 1931, antes de sua adesão ao Integralismo, verificamos o emprego de mitos utilizados por nazistas, como a Atlântida, mitos nórdicos, o vril, livros sagrados hindus, Thule, citação de esotéricos, como a russa Helena Blavatsky , entre outros6. Este livro em especial, ao que pudemos verificar, tem o intuito de demonstrar como ocorreu o povoamento e o surgimento das primeiras civilizações no planeta, sendo a Atlântida o primeiro local do nascimento das sociedades. Mas, ainda neste texto, já pode-se constatar seu pensamento contrário ao comunismo e a sua condenação a riqueza. Neste trabalho, ao relatar a visão dos esotéricos sobre o surgimento e o povoamento de Atlântida, relata sobre a utilização do vril como energia obtida da natureza ao qual era utilizado como “força” para movimentar suas invenções. Tinham grandes navios e navegavam com a bussola. Empregavam a polvora e outros explosivos mais violentos. Andavam os ricos em barcos aereos movidos pelo misterioso vril; os pobres e os escravos em carros puxados por leões e leopardos. Havia maquinas aeras de metal e madeira capazes de transportar de 80 a 100 homens. Sua industria prosperava. Exploravam minas. Traziam o cobre do Canadá, o ouro e a prata do Perú, quando os não fabricava quimicamente. Conheciam o metal denominado orichalco... Cerné, sua capital, a “cidade das portas de ouro”, ficava ao pé de alta montanha de tres cumes... Foi isso que deu origem ao simbolo de tridente netuniano... A mulher era considerada igual ao homem e participava do governo. Podia exercer qualquer cargo publico, mesmo o de pontifice. Entretanto existia a poligamia limitada a tres esposas. Havia regimentos de guerreiros femininos e fez-se uma experiencia comunista que deu pessimos resultados e foi logo abandonada... (BARROSO, 1931, p. 7 44, grifo nosso). Além de descrever esta poderosa sociedade imaginária e as principais tecnologias desenvolvidas pelos atlantes, e de mencionar que a política comunista não funcionou, destaca que o fim de Atlântida, baseando-se supostamente nos esotéricos, ocorreu pelo [...] desequilíbrio entre a evolução moral e material. O orgulho do poder e da ciência gerou o egoismo e a opressão. O luxo engendrou a sêde das riquezas. Os freios morais 6 7 Para uma maior compreensão sobre mitologia nazista ver: GOODRICK-‐CLARKE, 2004. Optamos por manter a grafia original dos textos de Gustavo Barroso. 6 relaxaram-se e os apetites á solta, de braço com a magia negra, trouxeram a idade da bêsta (BARROSO, 1931, p.45). Esse pensamento de luta entre a moral e o poder, ligado a ciência, será reiterado em seu outro livro, O Quarto Império, de 1935, momento em que já havia aderido ao Integralismo. Neste, especificamente, denotaria sua visão anti-semita, onde todas as guerras e desastres mundiais seriam vinculados aos judeus, os quais seriam intensificados com o advento do liberalismo. O livro é divido em quatro capítulos, correspondendo estes a quatro períodos ocorridos, na visão de Barroso, na história mundial. Ele descreve o surgimento das primeiras civilizações e os acontecimentos que levaram a várias mudanças na sociedade, enfatizando a superioridade da raça branca principalmente relacionada às qualidades morais. Em seu primeiro capítulo, denominado de O Império do Carneiro, descreve que a sociedade era fundamentada nos preceitos morais religiosos, sendo que seu fundador foi Ram ou Rama8 . Segundo Barroso, Ram foi o “... o mais perfeito modelo da humanidade...” (BARROSO, 1935, p. 23). Nesta sociedade a religião era a principal autoridade, donde, “... O sacerdócio formava uma teocracia intelectual encarregada da direção cientifica e moral da sociedade. Abaixo da autoridade religiosa, a autoridade política, civil e militar, exercida pelo imperador, a que estavam sujeitos os Reis...” (BARROSO, 1935, p. 40). Esse império perfeito, para Barroso, sucumbiu após trinta e dois séculos, antes de Cristo. A luta pela sucessão entre dois irmãos: Tarákhya, o mais velho, e Irshú, trouxeram o seu fim. O irmão mais novo, para alcançar seu objetivo, “... revoltou-se contra o dogma que fazia de Deus um principio masculino e punha, em consequencia, no Estado Social, o Homem antes da Mulher, dando ao Pai predominancia sobre a Mãe...” (BARROSO, 1935, p. 43). Essa divisão, para Barroso, é a causa da separação entre a sabedoria (masculino) e amor (feminino). Os homens, que passam a seguir suas paixões, não foram mais capazes de compreender a totalidade, pois, baseando-se na razão, [...] nunca poderá encontrar sózinha uma Causa ou um Principio Universais, se a Inteligencia os não indicar. Ora, como poderia a Inteligencia fazer isso, se, no ápice do 8 Personagem principal da epopéia religiosa indiana, O Ramáiana, escrito supostamente pelo poeta Valmiqui, mas, não se há certeza sobre sua autoria. (Introdução de Paulo Matos Paixoto do livro O Ramáiana, supostamente do poeta Valmiqui, editora Paumape, 1993) 7 teu novo Culto e Universidade, pões o Amor antes da Sabedoria, a Alma antes do Espírito, a Esposa antes do Esposo, a Natureza Celeste antes de Deus. [...] não serão mais possíveis nenhuma hierarquia inteligível e nenhum governo inteligente. Tudo o que fôr elevado se rebaixará na mediocridade comum, toda dignidade impessoal se afundará no personalismo e no materialismo governamentais (BARROSO, 1935, p. 50). Esse acontecimento acarretou no surgimento da Babilônia e consequentemente, dos judeus, que segundo Gustavo Barroso, passaram a degenerar a humanidade e a afastá-la da religiosidade. A partir do momento que o homem se afastou da religião, para Gustavo, Na ciência como na vida, o Deus Social Terreno, a Antiga Sintese Unitaria, será despedaçada e logo, fatalmente, se seguirá espantosa desordem no dominio dos fatos. Profundamente desiguais em inteligencia e vontade, a maioria dos homens desconhecerá as verdades que não poderá alcançar e que terás posto á mercê da opinião e das paixões públicas [...] A vontade arbitraria dos primeiros dividir-se-á continuamente contra ela propria. O instinto original e selvagem do homem primitivo reaparecerá toalmente nos segundos. E uns conduzirão os outros á perdição, destruindo a Ordem Social e Intelectual que os mantem em paz, e devorando-se em vão sobre suas ruínas, na incessante competição do Poder Impotente sem Autoridade Moral para o iluminar... (BARROSO, 1935, p. 48,49). A ambição dos homens, segundo Barroso, fez com que Deus fosse deixado de lado, provocando surgimento de um novo Império, O Império da Loba, tema do segundo capítulo de seu livro. Neste tema, Barroso descreve Roma como a capital desse Império, sem base moral e religiosa, denominando-a como a nova Babilônia: “... A luxuria, a magia negra, a gula, os vicios e riquezas da Asia e da Africa, a sutileza filosofica da decadência grega e as organizações secretas dos judeus parasitarios haviam invadido a nova Babilónia...” (BARROSO, 1935, p. 70). A denotação religiosa, encontrada em seus textos, está intimamente ligada à ideologia integralista, onde há um forte embasamento cristão em seus discursos. A moral cristã é pregada como forma de acabar com o materialismo mundial, constituindo-se também em um instrumento de legitimação e persuasão política do integralismo. Para Cruz (2004): [...] os valores cristãos – é um condicionamento imaginário, na medida em que faz parte do instrumental ideológico do movimento na construção de uma imagem que oculta o seu verdadeiro caráter. Não que os adeptos do integralismo não fossem, de fato cristãos, mas o culto ao cristianismo não era o empecilho real ao discurso racista clássico, e sim um meio de legitimar as idéias do movimento (CRUZ, Natalia dos Reis, 2004, p.113). Esta visão de luta entre espiritualismo e materialismo, verificado principalmente nos discursos do líder integralista, Plínio Salgado, será também uma das bases do discurso 8 barrosiano. “... O confronto permanente entre bem e mal explica-se, segundo Salgado, pela oposição entre duas concepções de vida e de finalidade: o materialismo e o espiritualismo...” (TRINDADE, 1979, p. 202). O livro O Quarto Império, como um todo, demonstra a luta entre a moral e o material, os cristãos contra os judeus, sendo a modernidade e a ciência formas de desvirtuar o homem do divino. No império da Loba, com o surgimento do cristianismo e do feudalismo, a luta entre a moral e o material teria sido mais intensificada. Para Barroso inclusive o islamismo foi criado pelos judeus para acabarem com o cristianismo através de infiltrações de idéias “judaico-árabes”, ligadas a disseminação da ciência, pondo fim a Idade Média. O arabismo apresentou-se como um sistema cientifico com a finalidade de matar o sistema religioso. Baseou-se na teoria da absorpção e da emanação. Disfarçado no arabe, o judeu trocou o Deus que morava por trás do véu do Templo por uma Inteligencia Infinita espalhada no Cósmos[...] (BARROSO, 1935, p. 85). A Revolução Francesa, o liberalismo e o comunismo, foram todas formas encontradas por judeus, segundo Barroso, para aniquilar o cristianismo. Para Barroso, o capitalismo fez com que o comércio, indústrias e os veículos de comunicação, ficassem nas mãos de poucos , influenciando toda a sociedade. Gustavo afirma que mesmo a Primeira Guerra Mundial, teve interesse judaico, para a obtenção de lucros através da fabricação de armas. “... No dia da grande prestações de contas, êsse crime custará muito caro á Europa infeudada aos fabricantes e traficantes de armamento...” (BARROSO, 1935, p. 153). Para Gustavo Barroso, a técnica, a ciência a modernidade em geral, foram apenas meios para um determinado grupo de pessoas, os judeus, obterem lucro e poder mundial. No Império do Capricórnio, o Império onde os judeus obtêm maior poder maior poder, principalmente após o surgimento do liberalismo, [...] o Homem desceu ao despreso completo da Imortalidade, para se contentar com a creação na Terra duma existencia cheia de alegrias. O aperfeiçoamento da técnica e a regulamentação perfeita da produção e do consumo são os meios mais capazes de levar o Homem a êsse novo paraíso. Toda a confusão assoprada pelo nemrodismo judaico vem produzir êste resultado fatal: o Imperio Economico manejado por algumas mãos... (BARROSO, 1935, p. 138). Para Barroso, a técnica, a ciência, a filosofia e os novos preceitos políticos da modernidade, foram meios encontrados pelos judeus para controlarem a população. “... A máquina, de serva do homem, se tornou sua senhora, reduzindo ás mais tristes condições a 9 mercadoria-trabalho...” (BARROSO, 1935 p. 150). Ele afirma que, o materialismo burguês está ligado, ao ateísmo, e esse “mal”, só poderia acabar com o aparecimento de outro regime, este com regras morais, o Integralismo, o “Império do Cordeiro”. O conhecimento, no futuro Império do Carneiro, estaria ligado ao divino, sendo algo revelado por Deus, Seu fundador não via somente o mundo da substancia, porque conhecia o da essencia das cousas. A essencia do Estado, para êle, não era o poder do homem pervertido pela ambição pessoal ou pelas falsas categorias mentais, nem somente o poder da razão expresso na lei, mas o da razão, resultando da observação das realidades e norteada pela inspiração superior do Espirito unido a Deus (BARROSO, 1935, p. 39). Considerações Finais Os discursos de Barroso, assim como os fascistas, tiveram o intuito de obter influência sobre a sociedade em busca do poder político. Neste pensamento, pode-se verificar que suas representações da tecnologia, ciência e modernidade, estavam totalmente ligadas a sua visão política, sendo agenciadas em sua luta contra o liberalismo. Suas representações, ligadas principalmente ao cristianismo, foram utilizadas para a manipulação de ideias das massas para obter legitimidade política,em um momento de crises econômicas e sociais , através do argumento maniqueista do mal que o homem -principalmente o semita- trazia a humanidade. O combate a modernidade em si, para Barroso, estava relacionado à sua ação política na sociedade. Somente as políticas fascistas, das quais, para Barroso o Integralismo fazia parte, poderia mudar esse quadro. Para Barroso: No dia em que as doutrinas fascistas tiverem o mundo inteiro nas mãos, numa aliança universal [...] um equilibrio social melhor permitirá aos povos a tranqüilidade necessária para organizarem a Paz Social, livres da despudorada intriga da imprensa e da propagação de doutrinas dissolventes, graças ás medidas de proteção contras as forças ocultas e parasitarias movidas por messianismos sem escrúpulos (BARROSO, 1935, p. 171). *Agradecemos ao CNPQ, pelo apoio a esta pesquisa através de bolsa de iniciação científica 10 Referências BARROSO,Gustavo. Aquém da Atlântida. São Paulo: Nacional, 1931. BARROSO, Gustavo. O quarto Império. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1935 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Difel, 2002, p. 1-28. COSTA, Luiz Mário Ferreira. Maçonaria e Antimaçonaria: Uma análise da “História secreta do Brasil” de Gustavo Barroso. 2009. 167 f. 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