A arte de trabalhar e estudar - Portal RP

Transcrição

A arte de trabalhar e estudar - Portal RP
Portal RP-Bahia
www.rp-bahia.com.br
A arte de trabalhar e estudar
Márcia Carvalhal
Q
uem vê a cantora Sandy (foto), da dupla Sandy e Júnior, se apresentar no palco não
imagina que seu grande sonho é ser psicóloga. O interesse pela psicologia fez com que
ela resolvesse prestar o vestibular nessa área. Passou em 10º lugar e chegou inclusive a
fazer algumas matérias, mas Sandy não pôde
continuar o curso por causa da falta de tempo
decorrente da carreira internacional. “Tinha que me
desdobrar
entre
gravações,
shows
e
outros
compromissos para fazer as tarefas da escola”, diz a
cantora. Sandy concluiu o segundo grau com muita
dificuldade e fala que é sempre muito difícil estudar
e trabalhar.
No Brasil, segundo dados estatísticos do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
18,2% dos jovens brasileiros entre 15 a 26 anos estudam e trabalham. A conciliação dessas duas
atividades muitas vezes leva o indivíduo a um grande desafio: cumprir as tarefas impostas pelo
trabalho para agradar o patrão e simultaneamente estudar para alcançar rendimento suficiente na
escola ou na faculdade.
Vestibulandos de Minas Gerais que conseguiram ingressar em disputados cursos nas melhores
faculdades locais dizem que o melhor horário para estudar é das quatro às sete da manhã. “Os
vizinhos estão dormindo, o cérebro está num ritmo favorável para a assimilação de
conhecimento, o telefone não toca e a pessoa está mais descansada”, afirmam.
A Pedagoga Ana Luiza Franco utilizava essa estratégia para estudar. Trabalhava o dia todo, à
noite ia para a faculdade e ao chegar as 11:30h dormia até às 4h. Nesse horário ela conseguia ter
disposição para estudar. Ana conta que motivava o seu cérebro para entrar nessa rotina. “Eu
ficava repetindo: quero me formar”.
Durante o expediente de trabalho é pouco recomendável estudar. Geralmente o chefe não
permite que os funcionários desviem a atenção do serviço para outros fins. A profissão de
modelo, por exemplo, traz uma polêmica antiga. É correto modelos com idade tão baixa deixar
Portal RP-Bahia
www.rp-bahia.com.br
de estudar porque não conseguem conciliar a carreira com os estudos? A rotina irregular e a
abundância de trabalho inviabilizam realizar as duas atividades. As modelos conseguem vários
trabalhos em diversos lugares e com horários incertos, por isso resolvem parar de estudar.
A média de idade para uma modelo começar a carreira é de 13 anos e o tempo de permanência
no mercado de trabalho é muito curto. As grandes agências de modelos estão aconselhando as
garotas a continuarem os estudos para que não haja um prejuízo futuro na educação dessas
jovens. Anderson Beungartner, book da agencia multinacional Marylin, confirma essa
informação, mas admite ser quase impossível conciliar a carreira com a escola ou faculdade.
O estatuto da criança e do adolescente garante o acesso e freqüência obrigatória ao ensino
regular e atividade compatível ao seu desenvolvimento - artigo 63 Incisos I e II. Contudo, isso
não acontece na prática.
Ana Garcia, de 22 anos, da agência Marylin (foto acima) optou pelo trabalho e abandonou os
estudos. Fazia jornalismo na Universidade Federal de Goiás quando teve que ir para São Paulo e
foi obrigada a parar de estudar por conta do trabalho. Carol Francischen, de 14 anos, da Mega
Models, seguiu o mesmo caminho da colega Ana, abandonou os estudos para se dedicar a sua
carreira.
2
Portal RP-Bahia
www.rp-bahia.com.br
Optar entre o estudo e a carreira é sempre uma difícil decisão a ser tomada, pois a escolha pode
ser crucial para o futuro do indivíduo, que corre o risco de parar de estudar, não ser bem
sucedido na profissão e se arrepender, ou então continuar estudando, não conseguir cumprir os
compromissos de trabalho, comprometer a carreira profissional e ficar frustrado.
Pesquisa realizada pela Cia de Talentos em parceria com a empresa de cursos LAB SSJ, com 31
mil universitários no estado de São Paulo, mostra que 36,5% dos entrevistados estão estagiando,
enquanto 26,6% estão trabalhando como funcionários contratados. Os que já estagiaram, mas
atualmente apenas estudam representam o percentual de 24,5% e os que nunca conseguiram
estágios apenas 12,2%. Cerca de 3.9 mil entrevistados responderam o questionário por e-mail.
O resultado da sondagem indica também que os jovens universitários gostariam de trabalhar em
empresas como a Nestlé (eleita empresa do ano pelo Guia Melhores e Maiores da revista
Exame), Natura, BankBoston, IBM, Microsoft e Citibank. Eles dizem que trabalhar em empresas
conceituadas no mercado representa status, mas que o principal motivo da escolha é que essas
companhias admitem estagiários para trabalhar meio período.
O emprego ou estágio que permite ao estudante trabalhar apenas meio período facilita muito a
conciliação das duas atividades, porém, a maioria trabalha em tempo integral e mesmo aqueles
que só trabalham um turno passam dificuldades para administrar o seu tempo. Foi o que
aconteceu com Carmem Lúcia, Engenheira formada pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Ela conseguiu um estágio para cobrir os seus custos pessoais, já que estudou em uma
universidade pública. Só trabalhava 3 horas por dia e mesmo assim, por não conseguir organizar
o tempo livre, acabou perdendo muitas matérias. "Poderia ter me formado em 5 anos e terminei
me formando em 7”, conta Carmem. Essa capacidade de administrar o tempo demanda
habilidade, esforço e exige determinação por parte de estudantes que além de precisar se
concentrar nos estudos e trabalhar necessitam ter condições financeiras para chegar a se formar.
Gráfico do resultado da pesquisa realizada pela Cia de Talentos
40
30
Jovens que estão estagiando
Jovens contratados (trabalhando)
20
Já estagiaram, mais atualmente só estuda
10
Nunca estagiou
0
2003
3
Portal RP-Bahia
www.rp-bahia.com.br
O crescimento do número de vagas oferecidas pelas instituições privadas de ensino superior
possibilitou ao indivíduo uma chance muito maior de se qualificar ingressando em uma
universidade. Contudo, esse crescimento gerou uma nova demanda social: a necessidade de se
atender a exigência do mercado por qualificação de nível superior sem ter condições financeiras
de arcar com as despesas que esta exige.
Para dar conta dessa demanda surgem os incentivos governamentais. O Governo Federal, por
exemplo, lançou o Programa Universidade para Todos, que pretende beneficiar cerca de 300 mil
alunos de baixa renda nos próximos 5 anos com bolsas integrais. Além desse programa lançado
recentemente, o governo mantém um sistema de crédito educativo há vários anos.
Segundo dados fornecidos pelo MEC – Ministério da Educação – 213 mil pessoas possuem
crédito educativo em instituições privadas de nível superior. No Brasil, esses incentivos tornamse imprescindíveis ao estudante que não tem condições de pagar. Porém a concorrência para
conseguir crédito é grande e o nível de exigência alto.
O Fies, Programa de Financiamento Estudantil disponibilizado pela Caixa Econômica Federal,
exige comprovação de renda, através de documentos, para avaliar se o estudante pode ou não
pagar o curso. Quando é liberado, o aluno ganha um credito de até 70% do valor da mensalidade
e só paga o restante do valor financiado depois de formado.
Para Leonel Baracat, de 23 anos, estudante de direito, o programa de incentivo só funciona para
alguns poucos escolhidos. Ele conta que já tentou varias vezes o Fies e não entende porque não
consegue o crédito. Leonel fala que não vai mentir dizendo que não tem renda alguma. Ele
recebe mil reais por mês, mas alega que o dinheiro não dá para pagar as contas. “Não sobra
grana para pagar a faculdade”, afirma.
Uma outra forma que os estudantes têm de conseguir recurso para ajudar no pagamento das
mensalidades são as monitorias, auxílio técnico complementar oferecido por alunos aos seus
pares, contribuindo com os professores em disciplinas específicas. O estudante de Hipermídia
Jessé Monteiro, 28 anos, monitor na faculdade que estuda, se queixa da exploração em relação
ao trabalho. Ele fala também que o valor que ganha não resolve o problema de pagamento da
faculdade. Recebe R$ 350,00 por mês, mas tem gasto muito dinheiro com remédio porque
adoece de tanto trabalhar. “O trabalho é cansativo. Só tenho vontade de deixar a faculdade. Não
tenho vida”, reclama.
4
Portal RP-Bahia
www.rp-bahia.com.br
O lado psicológico do estudante sofre transformações diante de tantas questões pendentes a
resolver: financeira, preocupação com os estudos, cansaço físico associado a um dia estressante
de trabalho.
Normalmente o primeiro impacto da notícia de que passou no vestibular leva o estudante a uma
sensação de felicidade. Logo vem o pensamento de que se está começando uma nova vida, que
irá conhecer muitas pessoas diferentes, aprender uma profissão, receber um diploma, porém,
logo em seguida vem a tona a realidade, o cansaço, o desgaste físico e mental e as questões
financeiras. A pergunta surge: Por que cometi o erro de fazer vestibular em uma faculdade
privada se não tinha dinheiro para pagar? O cérebro começa a virar uma maquina calculadora:
X% de prestação, Y% de transporte, W% sapato, K% roupa, etc.
Para Fernanda Lemos (foto), atriz e estudante de Publicidade e
Propaganda, a universidade se tornou um fardo em sua vida. Ela
não suportava tantos problemas. Não queria mais comer, dormir
e até mesmo sexo não sentia vontade de fazer. Fernanda conta
que adquiriu uma estafa que a levou a depressão e por conta
disso, trancou a matricula. “Negociei a divida e hoje me sinto
mais aliviada”, confessa Fernanda, admitindo que a sua atitude
contrariou a vontade da família.
Os pais sentem-se orgulhosos com a conquista dos filhos ao passar no vestibular. Mas o que
fazer para sustentá-los em uma faculdade se eles não conseguem enfrentar o desafio de estudar e
trabalhar?
Nem sempre a família dos estudantes tem uma situação econômica estabilizada, que possa
proporcionar a eles a possibilidade de somente estudar. Lucidalva Dias, 40 anos, mãe de
Andreia, estudante de Psicologia, 22 anos, teve que atrasar vários meses de prestação da
faculdade da sua filha. Chegou a ter seu nome incluído na lista de mau pagadores do SPC,
Serviço de Proteção ao Crédito. Ela conta que não conseguia crédito em lugar nenhum. Só
depois de ser muito pressionada pela faculdade a pagar as dívidas, conseguiu negociar e vai
realizar o sonho de ver a filha formada.
Pessoa de origem humilde, Lucidalva trabalhou dia e noite para pagar os estudos da sua filha
Andréa, que não conseguia conciliar o trabalho com os estudos e por ser uma aluna aplicada, sua
5
Portal RP-Bahia
www.rp-bahia.com.br
mãe resolveu apostar no seu futuro. “Um dia eu me livro das dívidas. Não me arrependo de
investir no futuro de Andréa, vou ter uma filha Psicóloga”, diz Lucidalva orgulhosa.
Da mesma forma que existem jovens pobres que impõem aos país o esforço de bancar os seus
estudos independente do sacrifício que isso possa representar para eles, existem aqueles que a
família possui um alto poder aquisitivo e não precisam trabalhar, mas preferem trabalhar para
não ter que passar pelo constrangimento de ficar tendo que pedir dinheiro aos pais diariamente
para tirar as xerox, comprar roupas, ir ao cinema, etc. Milena Borges, de 28 anos, por exemplo,
conta que estava muito ansiosa para se formar, conseguir um emprego e ter o seu próprio
dinheiro, não depender mais dos pais. Milena diz que se por um lado fica feliz de ter dinheiro
para pagar seus estudos e ter tempo livre suficiente para estudar sem precisar trabalhar, por
outro, fica muito dependente dos pais. "Isso incomoda muito, pois, o trabalho completa o
estudante, o torna independente” .
Estudar e trabalhar são duas atividades que separadamente ou somadas fazem parte da trajetória
de vida da maioria dos brasileiros. A dificuldade que as pessoas têm de conciliar essas atividades
depende da elaboração de uma analise do indivíduo levando também em consideração os fatores
sociais, econômicos, culturais e psicológicos do ser humano.
No final de uma jornada de trabalho e estudo, o indivíduo pensa se vale a pena todo o esforço.
Mesmo não tendo tempo para os amigos e a namorada, o contador, teólogo e Capitão da Policia
Militar, Ricardo Nery diz que vendeu um carro para pagar os estudos. Ele conta que estudava e
trabalhava tanto, que nas poucas horas vagas que lhe restava, não conseguia se concentrar em
mais nada que não fosse relacionado ao estudo ou trabalho. “Eu faria tudo novamente. Hoje eu
tenho consciência de que investi no meu futuro e alcancei a vitória. Valeu a pena”, afirma Nery.
Para citar este trabalho copie as linhas abaixo trocando o X pela data que acessou esse
trabalho:
CARVALHAL, Márcia. A arte de trabalhar e estudar [online] - Disponível na internet via
WWW URL: http://www.rpbahia.com.br/trabalhos/paper/jornalisticos/a_arte_de_trabalhar_e_estudar.pdf - Capturado em
XX/XX/200X.
6

Documentos relacionados