Actualidade

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Actualidade
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ARISTIDES LIMA, presidente da AN
ESTUDO REVELA
Parlamento e cidadã
ABCDE
“Esta é a segunda mais
reforma
F J H I G Kimportante
do parlamento”
LMNOP
QRSTU
ABCDE
VZXW
FJHIGK
LMNOP
QRSTU
VZXW
A Assembleia Nacional e os cidadãos estão de costas
viradas, revela um estudo sobre a “Eficácia e transparência
do parlamento na era digital”. Esse trabalho, realizado pelos
consultores José Magalhães e Giordano Custódio, reitera
contudo a opção profunda dos cabo-verdianos pela demo-
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
Actualidade
cracia, bem como a sua já conhecida desconfiança em
ara o presidente da AN, se adoptadas, as
recomendações sugeridas pelo estudo de
Magalhães e Custódio poderão constituir a segunda mais importante reforma do parlamento
nestes anos de democracia. “É um passo fundamental para se adaptar o parlamento às novas condições de trabalho, com os deputados
a exercer o mandato a tempo inteiro e condições adequadas que têm neste momento”, defende.
Mais do que isso, segundo Aristides Lima,
trata-se de um passo não menos fundamental
para a reforma política em Cabo Verde, já que,
estando a democracia afirmada no país, importa agora assegurar a melhoria da sua qualidade. Essa reforma poderá, inclusive, ter o
seu início brevemente com a adopção de um
novo esquema de trabalho na AN.
Nesse novo figurino, a primeira semana do
mês será reservada para contactos entre os deputados e os eleitores, ficando as três semanas
seguintes reservadas a trabalhos nos grupos parlamentares, nas comissões especializadas e nas
plenárias. E, neste quadro, em vez de uma plenária mensal como acontece actualmente, as
sessões passariam a acontecer semanalmente
sendo a quarta-feira dedicada às perguntas ao
governo, debates, interpelações etc, enquanto
às quintas a (tarde) e sextas aconteceriam as
discussões e votações de leis, tratados, resoluções, etc.
“Isso implica que os deputados passariam
a estar mais tempo no parlamento”, diz Aristides Lima, para quem, em querendo os sujeitos
parlamentares, estão reunidas as condições materiais para o funcionamento da AN em novos
moldes.
Esta proposta, defendida pelo presidente da
AN, surge na sequência da profissionalização dos
deputados e ampliação do edifício do parlamento, que passou a contar com mais gabinetes para
os deputados. A isso somam-se outras medidas
em curso, entre elas a entrada em funcionamento na semana passada dos serviços de intranet,
bem como o estudo “Eficácia e transparência
do parlamento na era digital”. Feito por Magalhães e Custódio, o estudo aponta novos caminhos a seguir.
Aristides Lima diz-se seguro de que as medidas propostas pelos dois consultores, somadas a outras tantas já realizadas ou em curso,
deverão dar lugar a “uma vida parlamentar
mais intensa, a uma cultura de debate político e à revalorização dos próprios partidos políticos representados no parlamento. E isso
será também um factor a contar na melhoria
da imagem do parlamento e da ideia que a
sociedade tem dele enquanto instituição”.
relação aos políticos. Inédito em Cabo Verde, o estudo visa
definir uma estratégia de aproximação entre o parlamento e
os cidadãos. Afinal, mais de 80% dos eleitores nunca tiveram qualquer contacto directo com os deputados.
imagem que os cabo-verdianos
têm do seu parlamento passa
pelas informações que são postas à sua
disposição através da comunicação social. Isto porque é por intermédio dos
media que eles, no dia a dia, se informam acerca da actividade parlamentar. Apenas uma ínfima parte dos eleitores (3%) tem o hábito de assistir das
galerias às sessões da Assembleia Nacional. Apesar desse aparente descaso, mais de 50% dos inquiridos dizemse interessados pela actividade parlamentar.
Estas são algumas conclusões do
estudo “Eficácia e transparência do
parlamento na era digital, Contribuição para uma estratégia de aproximação entre a Assembleia Nacional de
Cabo Verde e os cidadãos”, feito pelo
deputado português José Magalhães e
o psicólogo-social cabo-verdiano Giordano Custódio, estudo esse a que A
Semana teve acesso. Comentarista de
televisão, Magalhães foi um dos primeiros políticos do seu país a interessar-se pelo fenómeno das novas tecnologias, sendo hoje um especialista
nessa área; e Custódio é responsável
da rádio Praia FM, com experiência
nas áreas da publicidade e sondagens.
A realização do referido estudo,
Por:
JOSÉ VICENTE LOPES
encomendado pela AN e financiado
pelo PNUD, visa não só a aproximação entre o parlamento e os cidadãos,
como também a melhoria da democracia cabo-verdiana ou não fosse, no
geral, difusa e por vezes confusa a
ideia que os eleitores têm do seu parlamento, especialmente do seu funcionamento quotidiano.
O objectivo do estudo é, no entanto, mais abrangente. Engloba aspectos internos e externos ao parlamento, aponta falhas e propõe melhoria no
funcionamento dessa instituição, nomeadamente na sua relação com os
eleitores. Mas também apresenta informações relativas à confiança dos cidadãos referentes a várias outras instituições, entre elas os partidos políticos e a comunicação social.
O estudo baseia-se numa pesquisa
de opinião realizada em Outubro de
2004 (ver ficha técnica na pág 4). Dessa sondagem é possível concluir que
“os cidadãos vêm acompanhando com
interesse os assuntos relativos à Assembleia Nacional”. Contudo, 80%
deles disseram nunca ter qualquer contacto directo com um deputado, contra 14% que o tiveram.
Ainda de acordo com a mesma
sondagem, para a maioria dos cida-
dãos (57%), é difícil contactar um deputado. “A aproximação com um Deputado da Nação é considerada importante ou muito importante por mais
de 70% da população com idade eleitoral e que preferem fazê-lo pessoalmente. Para 20%, o contacto com o
Deputado é pouco ou nada importante”.
Por outro lado, os trabalhos da AN
são acompanhados por 65% da população, através dos media. A rádio é o
meio mais utilizado para esse acompanhamento (42%) e a seguir surge a
televisão (29%), enquanto a imprensa
escrita fica-se nos 8%.
Sobre os assuntos que gostariam
de ver os deputados a centralizar a sua
atenção e energia, os cidadãos apontam “mais emprego”, 34%; apoio social (ajuda a idosos, pobres e povo),
CONFIANÇA NAS
A igreja e a polícia são as instituições em quem os
cabo-verdianos mais confiam, indica o estudo de Magalhães e Custódio. A igreja, no seu sentido lato, mobiliza 60% da confiança dos cidadãos, seguem-se a polícia (40%), os presidentes de câmara municipal (32%)
e o presidente da República (29%). Porém, por igreja
deve-se entender todas as confissões religiosas, ainda que os estudos mais recentes indiquem que 80%
dos cabo-verdianos são católicos.
Os partidos políticos encontram-se, em contrapartida, entre as instituições com menos nível de confiança. “Comparativamente às demais instituições o índice
de não confiança nos partidos chega a ser o dobro, há
casos em que ultrapassa o triplo”, diz o estudo de Magalhães e Custódio. “Acresce que uma percentagem significativa da população confia pouco nos órgãos de comunicação social, tanto públicos como privados”, acontecendo o mesmo em relação às empresas públicas e
privadas.
De realçar também o grau de confiança manifestada
em relação aos partidos políticos. Embora o PAICV e o
MpD apareçam tecnicamente empatados, é o partido no
governo que surge na frente com 22% daqueles que confiam muito nele, contra 35% dos que não confiam nele.
Em contrapartida, o MpD mobiliza 18% daqueles que confiam muito nele, contra 37% dos que nele não confiam.
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COMUNICAÇÃO SOCIAL
ãos de costas viradas
CHOQUE TECNOLÓGICO
Depois de apontar algumas anomalias internas, o estudo “Eficácia e
transparência do parlamento na era
digital” conclui com uma série de recomendações susceptíveis de melhorar o desempenho da AN, nomeada-
S INSTITUIÇÕES
Não sendo embora uma sondagem de intenção de
voto, mas, tendo em conta a data da sua realização (Outubro de 2004), pode-se concluir que ou as autárquicas
são realmente uma disputa diferente das legislativas, ou
então o PAICV conseguiu inverter o quadro que à partida lhe era desfavorável quando o inquérito foi feito. Isto
porque, potencialmente, era de se esperar um nível de
confiança mais favorável ao MpD e mais desfavorável
ao PAICV abalado que fora sete meses atrás pela última disputa autárquica. Pelo contrário, dos partidos inquiridos, é o PAICV que apresenta melhores resultados
em termos de confiança (ver quadro na pág 4).
De realçar ainda que a soma dos valores relativos
aos ítens “confia pouco” e “confia muito” dos vários agentes políticos indica a primazia da AN (80%) sobre o presidente da República (78%), presidentes de CM (75%)
e Governo (74%) e CNE (74%).
Um dado que não deixa de ser preocupante é o nível de confiança dos cidadãos em relação às Forças
Armadas. Comparativamente à polícia, os militares apenas conseguem 6% de “muita confiança”, enquanto a
instituição policial apresenta 40%. O quadro atenua-se
no entanto quando se somam os níveis “confia pouco”
e “confia muito”: a polícia consegue 76% contra 49%
das FA.
Mais elementos na pág.4
uase 15 anos depois da sua criação, A
Semana é de longe o jornal mais lido
do país. Num universo de 60% de leitores, este semanário goza da preferência de 37%
dos cidadãos, ao passo que o Expresso das Ilhas
e o Horizonte apenas mobilizam, cada um, a
preferência de 7% da população. Os restantes
9% dos leitores são ocupados por outras publicações, entre elas o Terra Nova, A Bola etc.
Estes dados integram o estudo sobre a “Eficácia e transparência do parlamento na era
digital”, que revela igualmente que a rádio
(RCV) e a televisão (TCV) são os meios mais
utilizados pelos cabo-verdianos para se informarem sobre o parlamento e tudo mais. Segundo o estudo, a rádio é ouvida regularmente por
90% da população, mas é a televisão o meio
preferencial dos cabo-verdianos, 61%. Embora reconheça a expansão da internet no país, o
estudo não contemplou os jornais online.
No período em que o estudo foi realizado
(Outubro de 2003 a Julho de 2004), os jornais
deram grande destaque ao Orçamento do Estado e ao caso Enacol.
De um modo geral, diz o documento, nos
artigos publicados em A Semana sobre a actividade parlamentar “predomina a apreciação
negativa desse órgão (...), sendo salientados e
criticados comportamentos de parlamentares”.
Em 40 edições, este jornal trouxe 20 artigos/
notícias relativos ao parlamento.
Dos três jornais, o Horizonte é aquele que
mais artigos/notícias trouxe do parlamento (em
40 edições houve 33). Aqui, “raramente são
publicadas críticas ao Parlamento, desde logo
por força da natureza meramente informativa
dos textos”, diz o estudo, mas também, podese acrescentar, por força da natureza institucional desse órgão.
Em 40 edições o Expresso das Ilhas trouxe
28 menções ao parlamento nos seus números,
com destaque para deputados ou acções do
MpD. Também aqui predominam os artigos informativos, “com recurso regular à crítica intensa marcada por notas de humor de estilo
peculiar”, sendo o principal visado dessas críticas o presidente da AN, Aristides Lima.
Segundo o estudo, todos os jornais dão a
conhecer a agenda das sessões plenárias, os debates e os resultados das reuniões plenárias, noticiando a aprovação ou não das leis, sendo contudo “preocupante”, a falta de interesse desses
órgãos em relação às visitas dos deputados aos
seus círculos, ao trabalho das comissões especializadas ou ainda dos grupos de amizade, etc.
Mais elementos na página 4
Actualidade
(8%) e Internet (5%) são os restantes
meios que, no entender dos eleitores,
poderiam ser utilizados pela AN para
fazer chegar até eles informações relativas à vida parlamentar.
Na mesma esteira, segundo 52%
dos inquiridos, “o meio que actualmente melhor dá informações sobre a
Assembleia Nacional é a rádio. Cerca de 30% fazem referência à TV. Os
jornais ficam com 8% das menções”
(mais dados na pág.4)
ABCDE
FAJSemana
H I oGjornalK
lido e a RCV
Lamais
M
NOP
rádio mais ouvida
QRSTU
VZXW
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
16%; espaços de lazer, 11%; ajuda aos
moradores, 6%; calcetamento de ruas,
5%; honestidade e decisão, 4%; defesa dos problemas, 4%; energia e água,
4%; e construção de estradas, 4%.
Os eleitores entendem que um dos
principais requisitos para um deputado realizar um bom mandato é ele ser
“sério e honesto” (28%). Seguem-se
a defesa e promoção do emprego
(6%), visitas ao eleitorado (5%), leis
a favor do cidadão (5%), ouvir a opinião do eleitorado (5%) e defender a
população (5%).
De um modo geral, os eleitores
gostariam de ter mais contactos directos com os deputados e receber deles
mais informações sobre o parlamento. Os meios preferidos para isso são
a televisão (37%), a rádio (33%) e o
jornal (10%). Boletim informativo
mente no seu relacionamento com os
eleitores. O elevado número de cidadãos que nunca tiveram qualquer contacto com os deputados é, no fundo,
um sintoma do “centralismo parlamentar” que parece afectar a AN, segundo se depreende também do estudo.
Um outro sintoma é a ineficiente
comunicação externa da AN. Esta possui um site, que se encontra desactualizado há vários meses; o seu centro
de documentação, apesar de bom, é
pouco conhecido e frequentado pelos
cidadãos; estes, de um modo geral, denotam também “um considerável desconhecimento dos direitos que, nos
termos da Constituição e das leis, podem exercer perante a Assembleia Nacional”, etc.
Os resultados deste trabalho vão
ser apresentados na próxima quintafeira, 24, na Praia, por José Magalhães, num acto público a ter lugar no
Palácio da AN. A esse acto estarão
presentes deputados, outros políticos,
quadros e cidadãos interessados na actividade parlamentar e não só, já que,
pelo seu conteúdo, o estudo tem tudo
para ser um instrumento de trabalho
para os políticos profissionais e todos
aqueles que se interessam por este tipo
de fenómeno.
Entre as medidas propostas por
Magalhães, consta um “choque tecnológico”, de modo a agilizar e tornar
transparente o funcionamento da AN,
algo que passa pela revisão da legislação orgânica desse órgão, maior utilização das novas tecnologias, abertura de uma linha telefónica através da
qual os cidadãos poderão apresentar
as suas demandas (queixas, reclamações e sugestões) aos deputados ou aos
grupos parlamentares, a melhoria de
determinados serviços internos etc.
Esse choque tecnológico poderá incluir também a criação de um canal
televisivo do parlamento, à semelhança do que acontece em vários países
do Ocidente (ver texto na pág.2)
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
Actualidade
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Cabo-verdianos contra o bipartidarismo
Quinze anos depois de adoptado o multipartidarismo em Cabo Verde, os cabo-verdianos continuam a depositar a sua fé na democracia. Esta é uma das conclusões a tirar
da sondagem efectuada pelo estudo “Eficácia e transparência do parlamento na era
digital”. Isso não obstante 51% dos entrevistados considerarem que a democracia no
país ainda apresenta “muitos problemas” e
de um número não menos considerável de
pessoas (40%) rejeitarem o bipartidarismo.
Para os autores do referido estudo, os
resultados demonstram que o processo de
transição democrática em Cabo Verde se encontra “consolidado”, com a alternância política ocorrida em 2001. A “evolução favorável” ocorrida no país a nível do parlamento permite igualmente concluir que se tornou “obsoleta” a qualificação da Assembleia
Nacional como um “Parlamento débil” ou
“inibido”. E, superada essa fase, a questão
agora “é como melhorar a qualidade da democracia”.
Abraçada, em suma, a democracia pelos cabo-verdianos, 50% destes declaram-se satisfeitos com o grau desse sistema alcançado no país e 44% não. O regime parlamentarista merece a aprovação de 38% dos
entrevistados, contra 29% que preferem o
presidencialismo. O partido único é rejeitado por 62% dos eleitores, do mesmo modo
que 74% dos inquiridos preferem eleger os
seus representantes através de eleições, dando o seu apoio a vários partidos (50%) e rejeitando o bipartidarismo (40%).
INTERNET E PARABÓLICAS
O estudo inclui também a apreciação dos
cidadãos sobre a comunicação social, tido
como um dos pilares da democracia. A rádio continua a ser o meio mais popular no
país - cerca de 96% dos lares têm pelo menos um aparelho radiofónico. Dos entrevistados, 66% declararam que escutam rádio
todos os dias, sendo que 90% escutam regularmente esse meio de informação. Das estações existentes no país, a RCV colhe a pre-
ferência de 38%, seguem-se a Praia FM
rem um sintoma de destruição da economia
Quer dizer que estamos a perder dinheiro,
(16%), a Morabeza (10%) e a Crioula (6%).
mediática cabo-verdiana. “Sem quaisquer
já que esses canais não pagam impostos ao
As outras emissoras estão abaixo da fasquia
custos ou investimentos no país, os canais
Estado, nem geram serviços entre nós”, condos 4% e por isso não aparecem no primeipor cabo já conseguem 24% da audiência.
clui Giordano Custódio.
ro escalão deste ranking.
Se a rádio é ainda o meio mais
A CONFIANÇA DE UNS E OUTROS
popular do país, é contudo a televisão que atinge quase 100% da
Instituição
Sem Confiança
Confia Pouco
Confia Muito
população, isso não obstante 11%
Presidente da Republica
18%
49%
29%
dos entrevistados não terem esse
Assembleia Nacional
16%
59%
21%
aparelho nos seus lares. A TCV
Governo
21%
50%
24%
goza da preferência de 61% dos
Comissão Nacional de Eleições
21%
55%
19%
entrevistados, seguida da RTPPresidente de Câmara
21%
43%
32%
África (12%). Os outros canais estrangeiros, que chegam ao país
FORÇAS DE SEGURANÇA
através de parabólicas, juntos, já
Instituição
Sem Confiança
Confia Pouco
Confia Muito
mobilizam 24% da quota do merExército
17%
43%
6%
cado cabo-verdiano.
Policia
19%
36%
40%
O estudo chama igualmente a
atenção para outras formas de coPARTIDOS POLÍTICOS
municação actualmente existentes
Partido
Sem Confiança
Confia Pouco
Confia Muito
no país. Uma delas é a internet que
mobiliza já um número significaPAICV
35%
38%
22%
tivo de utilizadores. Dos entrevisMPD
37%
41%
18%
tados, 40% disseram ter acesso a
PCD
53%
36%
6%
esse meio através de cybercafés
PTS
56%
33%
6%
(19%), trabalho (9 %), casa (6%)
Média oposição
49%
37%
10%
e escolas (5%), sendo que cerca de
PÚBLICO X PRIVADO
18 % disseram ter um computador
em casa. O único senão nisso tudo
Instituição
Sem Confiança
Confia Pouco
Confia Muito
é ainda o custo da Internet no país,
Comunicação Social Estado
17%
54%
25%
considerado demasiado caro, o que
Comunicação Social Privado
15%
50%
29%
bloqueia a expansão de cibernauEmpresas Publicas
14%
55%
26%
tas.
Empresas Privadas
19%
50%
26%
Comentando o quadro acima
descrito para A Semana, GiordaIGREJA
no Custódio chama a atenção para
Instituição
Sem Confiança
Confia Pouco
Confia Muito
o fenómeno da televisão. “A pesIgreja
9%
26%
60%
quisa demonstra que está havendo em Cabo Verde uma inversão
da preferência das pessoas pela teFICHA TÉCNICA
levisão em detrimento da rádio; é
A sondagem que integra o estudo “Eficácia e transparência do parlamento na era digital” foi
realizada nos dias 30 e 31 de Outubro de 2004 e foi coordenada por Giordano Custódio. No total
uma tendência mundial que neste
foram realizadas 676 entrevistas, feitas em cinco ilhas, abrangendo oito dos 17 concelhos do país:
momento começa a ser verdade
Ribeira Grande, Porto Novo, São Vicente, Santa Cruz, Santa Catarina, Praia e São Filipe, segundo
entre nós”.
a proporcionalidade populacional do censo de 2000, o que confere à pesquisa um carácter nacional.
Um outro facto, a seu ver preA população abrangida foi maior de 18 anos e as entrevistas foram feitas em crioulo. A margem de
ocupante,, o que está a acontecer
erro do estudo é de 4%.
com as parabólicas, por constituí-
5
ALFÂNDEGAS
A escolha de Alberto
Barbosa Júnior (foto)
para chefiar a
Direcção-Geral das
Alfândegas está a ser
contestada pelos
profissionais do sector
aduaneiro. A
resistência existe
governo, onde o nome
daquele
superintendente da
polícia não reúne o
consenso. Por isso,
pelo andar da
carruagem, é bem
possível que o
ministro João Serra se
veja obrigado a
procurar um outro
nome para o lugar.
ALBERTO BARBOSA
divide governo
O governo tem na sua posse uma “moção-protesto” da Associação dos Aduaneiros de Cabo Verde (ADUANA) na qual um
número expressivo de funcionários das Alfândegas manifesta o seu desacordo com a
possível nomeação do superintendente Alberto Barbosa Júnior para chefiar a Direcção Geral das Alfândegas.
No documento, subscrito por 103 elementos no activo e na reforma, das mais
diversas categorias e pontos do país onde
existem serviços aduaneiros, os seus autores “contestam e protestam com veemência” contra a ideia do governo de recorrer
a alguém fora dessa família para dirigir a
DGA. E, por isso, apelam o executivo a
reconsiderar essa decisão, caso se confirme a notícia avançada por A Semana numa
das suas edições e que dava Alberto Barbosa Júnior como nome escolhido para suceder a Adriano Brazão.
No entender da ADUANA, com a es-
colha de um outro DGA “haverá uma prédisposição muito diferente” por parte do
colectivo aduaneiro no sentido de iniciar
uma “nova era” na recuperação do prestígio perdido das Alfândegas. Só assim, entende a associação, esses serviços voltarão
“a ser uma referência dentro da nossa Administração Pública como foram outrora”.
Mas, ao que A Semana apurou, a rejeição a Alberto Barbosa Júnior não fica
pelo pessoal aduaneiro. Mesmo dentro do
Conselho de Ministros, que é a entidade
que aprecia e aprova o nome escolhido pelo
titular das Finanças e do Planeamento para
a DGA, existem resistências à eventual nomeação de Barbosa Jr.
Este facto, a confirmar-se, poderá levar João Serra - que já tem na sua posse o
documento da ADUANA, mas não chegou
a receber os dirigentes da associação como
anteriormente referido para A SemanaOnline - a buscar um outro nome para subs-
tituir Adriano Brazão. De acordo com as
fontes deste semanário, há ministros que
parecem não ver com bons olhos a “policialização” das Alfândegas.
Além disso, é sabido que sendo as Alfândegas uma das mais antigas instituições
do país, o seu pessoal tem um forte sentido
corporativo. E o facto de, como reconhece
a ADUANA, haver neste momento a necessidade de reerguer as Alfândegas, a pessoa escolhida terá que ter pulso forte, mas
também terá de contar com o apoio da família aduaneira.
Aliás, esta é uma posição que parece
contar também com o acolhimento de alguns sectores do governo e do próprio partido que o sustenta, PAICV, que conta nas
suas fileiras com algumas figuras influentes do sector alfandegário.
De qualquer forma, uma decisão urge.
Sobretudo porque, além de Adriano Brazão, o director da Alfândega da Praia, Gui-
do Figueiredo, e o director de Luta contra
a Fraude, Carlos Brito, encontram-se demissionários na sequência da sindicância
feita às alfândegas. Abalada com esta que
é a primeira inspecção em 30 anos a esses
serviços, a ADUANA deixa a entender no
seu comunicado que a divulgação do relatório da sindicância deveria ser gerido de
outra forma, isto é, mais discreta, de modo
a salvaguardar o prestígio da instituição.
Por coincidência, a divulgação da “moção-protesto” da ADUANA acontece numa
semana em que se ficou a saber que por
altura do Natal e do fim de ano um stock
de 3.542 caixas de cerveja Super Bock, fora
de prazo e importadas de Portugal, foram
desviadas dos armazéns da Enapor, passaram pelas Alfândegas da Praia, e foram colocadas no mercado sem que ninguém saiba como. Das quase 4 mil caixas de “mata
burru” (nome dado à cerveja estragada),
apenas foram recuperadas 142.
Actualidade
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
também no próprio
6
Idosa Comida, aos
POR: KIM-Z
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
Correio das ilhas
Prostrada na cama, Tanha d’Zizim, 62 ano
a sua casa e roem-lhe os dedos dos pés
que se abateu sobre a vida, s
Os raios do sol matinal
aqueciam o corpo franzino de
Tanha d’Zizim, sentada a escassos dez metros da sua choupana feita de barro e coberta de telhas rotas. Excepcionalmente, conseguira abandonar a cama e caminhar para a rua, apoiada num
pau. Os pés estavam envoltos em pensos brancos, que
protegiam os seus dedos do contacto com o chão.
Duas semanas antes, Tanha tinha ainda sérias dificuldades em encostar a sola dos pés no chão da sua choupana, quanto mais caminhar para a rua. Todos os dedos
pingavam sangue fresco, que parecia sair por debaixo das
unhas. Como seria possível ferir os dedos se, como ela
própria afirma, passava os dias deitada na sua cama de
ferro, colocada num canto da casa?
“Devem ser eles, os meus queridos amigos, que adoram vir dormir comigo”, avançou Tanha no seu jeito característico de falar. Mas, eles quem? “Os ratos! Mordem e sopram, não sinto nada”.
Parecia inacreditável mas, na verdade, os ferimentos
que Tanha d’Zizim apresentava nos dedos dos pés foram
feitos por esses pequenos animais roedores, segundo constatação, a posteriori, do enfermeiro Carlos Feliciano, técnico de origem cabo-verdiana residente na Bélgica.
Foi por um mero acaso que Feliciano ouviu “a história revoltante de Tanha d’Zizim”, enquanto gozava férias na cidade do Mindelo, após longos anos sem pisar Cabo
Verde. No hospital universitário de Brugmann, Carlos Feliciano especializou-se no tratamento de idosos. Tanha
enquadra-se perfeitamente dentro da sua área de trabalho. Movido em primeiro lugar por um espírito de curiosidade, Feliciano quis ver com os seus próprios olhos o
quadro de miséria que uma recém-conhecida lhe descrevera acerca da mãe de um patrício residente também na
Bélgica. “Fui vê-la, encontrei-a num estado de subalimentação, doente, e sem condições de higiene pessoal”,
descreve o técnico de saúde para quem somente os ratos
podem ter provocado os ferimentos recentes nos pés dessa
mulher de 62 anos e que vive prostrada na cama.
“Tinha sangue fresco nos dedos, isso significa que os
ferimentos eram recentes. Se ela vive em cima da cama,
como ela e o filho disseram-me, como poderia ferir-se?
Mas, ao conversar com ela com mais profundidade ela
acabou por afirmar que os ratos costumam roer-lhe os
pés”, explica Feliciano, que ficou chocado ao saber que
Tanha anda a passar fome apesar de ter dez filhos, cinco
deles emigrantes na Europa. Dessa “ninhada” apenas um
deles, o Ricardo, parece estar mais ligado à mãe.
RIR DA PRÓPRIA DESGRAÇA
Apesar da situação em que vive, Tanha tem um sentido de humor contagiante. Fala das suas desgraças metendo sempre pelo meio uma piada. Entre as peripécias
vividas, fala de uma tentativa de violação sexual, de uma
ameaça de afogamento quando a chuva invadiu recente-
mente a sua casa e da
“safadeza” do marido,
que emigrou para a Europa graças ao dinheiro dela e nunca mais lhe deu cavaco.
A não ser mandar buscar dois dos seus filhos.
Aquando das recentes chuvadas, Tanha esteve
na eminência de tornar-se a única vítima mortal dos
aguaceiros. A água invadiu a sua casa de tal forma que
ficou a boiar dentro da sala, sentada no colchão. “Só para
verem quanto é que estava a pesar”, comenta. Cadeiras,
mesa e os poucos objectos que ornamentam a sua sala de
estar - e quarto de dormir - bloquearam a porta da frente.
“Fui acordado pelos gritos da minha mãe. Nem tinha reparado que estava a chover daquela forma. Quando entrei na sala, encontrei a minha mãe a equilibrar-se
em cima do colchão. Tentei abrir a porta, mas estava
bloqueada pela força da água”, conta Ricardo. Lá fora,
os vizinhos tentavam, em vão, arrombar a porta. A solução encontrada por Ricardo foi sair pelos fundos da casa
e passar a mãe por cima da parede do quintal.
Enquanto estava a ser tirada do perigo, Tanha não
parava de rir dessa situação caricata. A vida secou-lhe as
lágrimas e deu-lhe, também, a capacidade de desdenhar
da sua própria desgraça. “Levo a vida na troça, caso contrário já estava doida”.
Mas as desventuras de Tanha não param por aí. Ela
recorda o que lhe aconteceu numa noite quente, em dia
de Verão. Sentia o corpo todo suado, por isso resolveu
tirar toda a roupa. Meteu o netinho na cama e foi também
deitar-se. Momentos depois sentiu um ranger de madeira. A janela abriu-se e entrou um homem todo nu. Tanha
também estava nua. “Até parecia um encontro amoroso
marcado”, diz a mulher, em tom de gozo.
Senhor da situação, o intruso começou a procurar, em
vão, por comida. “Não tenho comida para mim quanto
mais para ti. Sai da minha casa”, respondeu-lhe Tanha,
já de si chateada com o atrevimento do desconhecido.
As reais intenções do invasor foram reveladas quando pegou na mulher e a atirou para o chão. Sem saber
onde foi buscar as forças Tanha desferiu-lhe um pontapé
que o atirou para trás. O barulho chamou a atenção da
vizinhança que chegou e encontrou o intruso num canto
da casa, ainda completamente nu. “Deram-lhe uma sova
e depois chamaram a polícia”, conta Tanha, que tem comido o pão que o diabo amassou nos últimos anos.
Acredita que a sua desgraça tem um nome: Zizim,
seu ex-marido, “casado de papel passado no registo e na
igreja”, como faz questão de sublinhar. Tanha d’Zizim,
como é conhecida, já não se lembra da fisionomia do exmarido, mas ainda transporta na alma e na memória o
desgosto de ter sido abandonada pelo homem que a levou para o altar, quando ainda era uma “mulher jeitosa”.
“Se via um homem falando comigo ou tentando atirar as
garras para cima de mim batia-me sem dó nem piedade.
Era um bom ciumento porque eu tinha pinta naquele tempo, quando ainda era viva”.
“TCHOM D´INGLATERRA TEM ESPONJA”
Tanha repassa o filme da vida e lembra do tempo em
que conheceu Zizim. O negócio da venda de tecido e ouro
pelas ruas do Mindelo dava-lhe para viver, aliás como
nunca. Tinha sempre dinheiro na mão e, como boa comerciante, costumava investir o seu lucro, nomeadamente
na compra de casas que revendia. “Foi nesta altura que
conheci aquele rapaz de Santo Antão”, diz, referindo-se
ao tal Zizim, actualmente emigrante na Inglaterra.
Uma fotografia emoldurada e colocada na parede da
choupana testemunha a beleza de Antónia Conceição na
sua juventude. Como toda a mulher romântica, casou-se
na igreja e no registo civil, segundo as suas palavras. Para
financiar a festa de noivado vendeu uma das duas casas.
Tempos depois vendeu a segunda para custear a viagem
do jovem marido à Europa. Com o resto do dinheiro comprou a choupana, onde ainda vive, situada na extensa ribeira de Pedra Rolada.
“Nunca imaginara que marido algum fosse capaz de
abandonar a própria mulher”, confessa Tanha, ao lembrar--se do alegado comportamento do ex-marido, que
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s poucos por ratos
os, tornou-se vítima de ratos que invadem
s até sangrarem. Apesar disso, da miséria
surge uma luz no fim do túnel.
ZÉ BRITO
O único companheiro de Tanha tem sido o filho Ricardo, homem de barba rija, pai de um filho. Trabalhador da construção civil, Ricardo vive de biscates e, às
vezes, tem de viajar para outras ilhas, deixando a mãe
fermeiro, o Carlos, fez por
minha mãe coisa que os outros filhos nunca tiveram coragem de fazer.
Veio cá, conversou com ela, tratou-lhe das
feridas e deixou alguém com a missão de lhe vir
curar os pés. Ela até saiu de casa hoje para apanhar
um pouco de sol”.
LUZ NO FUNDO DO TÚNEL
Tanha sofre de má circulação sanguínea nas pernas,
segundo o enfermeiro Carlos Feliciano. Este facto explica porque ela não sente dor quando os ratos lhe roem os
dedos dos pés até sangrar. Mas, com o aparecimento de
Carlos, a sua vida começa a mudar.
Neste momento, Tanha está a ser tratada por uma enfermeira do hospital de S. Vicente, que pretende envolver
a Cruz Vermelha e o serviço de protecção social da Câmara de S. Vicente no esquema de auxílio. “Ela e o filho precisam de uma desintoxicação alcoólica, em primeiro lugar. Eu e um médico muito humano estamos a tentar ver a
possibilidade de internarmos essa senhora no hospital e
depois arranjar-lhe um lugar no centro de recolhimento
de idosos da Cruz Vermelha”, diz a enfermeira.
Colocada ao corrente desta estória, a Cruz Vermelha
prontificou-se a deslocar-se à casa de Tanha o mais rapidamente possível. É muito provável que a vida de Antónia Conceição venha a mudar de rumo aos 62 anos de
idade. Ela que nunca perdeu a sua fé em Deus porque,
como diz, sempre que a “barriga dá horas” aparece um
“criston” que lhe oferece um dez escudos.
N O T A:
O objectivo desta reportagem é somente alertar a sociedade civil e as
autoridades competentes para a situação lastimável de Tanha. O relato da sua história acaba por envolver os filhos e o ex-marido mas, em
nenhum momento foi intenção desta reportagem apontar o dedo a
alguém em concreto. O jornal fica ao dispor daqueles que, por se sentirem atingidos pelas afirmações contidas nesta matéria, queiram relatar os seus pontos de vista em relação a este assunto.
Correio das ilhas
“SOFRO COM A MINHA MÃE”
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
terá viajado para a Holanda com o objectivo de trabalhar
e enviar algum dinheiro para a família, em S. Vicente.
“Em vez disso meteu-se com uma inglesa. Ouvi dizer que
se casou novamente. Como foi possível não sei, porque
nunca nos divorciámos”, garante Tanha, que já nem se
lembra da fisionomia do seu ex-companheiro, tantos anos
se passaram.
Abandonada, segundo conta, pelo homem que a levou para o altar, Tanha entrou em depressão. Começou a
“colegar-se” com “pessoas pouco aconselháveis” e ganhou o gosto pela bebida alcoólica. E ela foi ao fundo do
poço. A única coisa que conseguiu salvar foi a sua choupana. Perdeu, pelo caminho, o próprio carinho dos filhos, com excepção do Ricardo.
entregue à caridade da
sua esposa e da vizinhança.
“Sofro o sofrimento
da minha mãe. Dou-lhe
banho, faço-lhe café,
limpo-lhe a casa. Não
tenho vergonha porque
ela é a minha mãe”,
afirma Ricardo, que
confirma toda a história
relatada por Tanha.
Uma das questões que o
inquieta é saber se Zizim realmente conseguiu
casar-se com uma inglesa
sem estar legalmente divorciado. “É um assunto que eu e os
meus irmãos podíamos tirar
a limpo”.
Podiam mas, por
aquilo que o próprio Ricardo conta, parece claro que a relação entre ele e os restantes irmãos é conflituosa, muito
por causa da situação de alegado
abandono da mãe. Considera uma
“ingratidão e um acto de vingança”
o esquecimento a que Tanha foi votada pelos próprios filhos.
“Somente um deles lhe dá 500
escudos de duas em duas semanas.
Não sabemos qual deles. O dinheiro é entregue por uma outra pessoa
que nega divulgar quem é que envia essa ninharia. E muitas vezes
atira os 500 escudos para o rosto da minha mãe e dizlhe para ir-se afogar na bebida”, relata Ricardo, garantindo que essa humilhação tem aprofundado o estado de
angústia da mãe.
Na sua perspectiva, os filhos têm condições financeiras para tirarem Tanha desse poço num estalar de dedos. Basta haver união e boa vontade. “Mas dizem que
Tanha não vai gastar o suor do trabalho deles. É verdade que alguns foram criados por outras pessoas, mas já
é momento de lembrarem que existem porque Tanha existe. A terra não se abriu para nascerem”, sublinha.
Tanha não precisa de ter dinheiro na mão para gastar
com cigarros ou bebidas. Segundo Ricardo, basta comida e uma casa condigna. “Esta casa está a cair aos bocados. Se voltar a chover com a mesma intensidade da última vez, pode desabar e soterra-la cá dentro. As paredes desta choupana são de barro e estão minadas. Os
ratos circulam cá dentro e até atacam a minha mãe. Será
que ela terá de morrer nesta miséria?”, grita Ricardo.
Apesar das lamentações, Ricardo reconhece o auxílio que a vizinhança tem prestado à sua mãe. “Esse en-
Achada Falcão
vai mudar
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
Correio das Ilhas
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Achada Falcão, em Santa Catarina, vai
deixar cair a máscara de um aspecto rústico e essencialmente rural para assumir daqui em diante uma nova faceta. A localidade vai ser urbanizada, passando a contar
com um Museu etnográfico, um salão de
Teatro, vias rápidas, parques de lazer, esplanadas...
Achada Falcão, localidade rural do concelho de Santa Catarina, vai mudar. Sim, a
região onde Amilcar Cabral viveu parte da
sua infância já tem o seu plano urbanístico.
O projecto, elaborado pelo arquitecto
Pedro Bettencourt, ocupa uma área de 100
hectares para a faixa urbana, dentro dos
600 da localidade, os restantes 500 estão
vocacionados para a agropecuária.
O arquitecto optou por criar algumas
“manchas urbanas” com zonas de expansão a partir dos núcleos existentes e que
irá dar-se em linha recta, por duas razões:
“Evitámos zonas degradadas, e as ruas vão
ser pagas pelas pessoas que comprarem
os lotes”, justifica o arquitecto.
O espaço rural vai ser circundado pela
zona urbana, ficando no meio mas nem por
isso vai perder as suas características pois
será uma zona destinada à agro-pecuária.
“Significa que podemos circular dentro da
cidade e não brigamos com o mundo rural.
E toda a expansão vai ser auto-sustentada”, explica Pedro Bettencourt, para quem
o mais interessante é que as vias vão constituir também espelhos de recolha de água.
“As águas recuperadas das estradas irão
ser canalizadas para reservatórios que irão
servir para agricultura”, adianta.
A zona onde vai ser o centro de Achada Falcão irá ter quatro vias, duas funcionando com estradas e duas como ruas locais, com parques de estacionamento que
terão no seu bojo parques de lazer, esplanadas, casas de um andar e sótão (todas
elas com agricultura familiar). Segundo a
proposta deste projecto, a casa onde viveu
Amilcar Cabral vai ser transformado num
Museu Etnográfico.
Pedro Bettencourt diz que “o interessante neste plano é que mesmo a parte urbana vai servir para potencializar as riquezas
e os investimentos económicos da área
agropecuária. Existe uma relação muito estreita entre a parte urbana e rural”.
Aidê Carvalho
CRIAÇÃO DE NOVOS MUNICÍPIOS
O governo está a mobilizar os recursos necessários
para instalar os cinco novos municípios que vão
ser criados e cujas leis vão ser apresentadas e
aprovadas na sessão parlamentar deste mês,
a começar na próxima segunda-feira. As
propostas de Orçamento para essas autarquias
já estão prontas e o financiamento das
mesmas está sendo negociado junto
dos parceiros de desenvolvimento
de Cabo Verde.
GOVERNO
mobiliza recursos junto de parceiros
A Assembleia Nacional deverá, durante
a sessão que começa a partir do próximo
dia 21, aprovar, por maioria de dois terços,
as cinco porpostas de lei que criam os novos municípios. São eles, Ribeira Grande
(Cidade Velha), São Salvador do Mundo
(Picos, Santa Catarina), Órgãos (Santa
Cruz), Santa Catarina (Fogo) e Tarrafal (S.
Nicolau). O diploma relativo a este último
deverá ainda extinguir o concelho de S. Nicolau e criar o município da Ribeira Brava.
Depois de aprovados os referidos dispositivos, o governo tem 90 dias para criar
as comissões instaladores dos novos concelhos. Porque é duma grande exigência financeira a criação de tais concelhos, o governo, através do ministro da Administração Interna, garante que está já a mobilizar
os recursos necessários para fazer funcionar essas cinco comissões instaladoras.
“As propostas de Orçamento para os
novos Municípios já estão concluídas. Porque são custos que não podem ser suporta-
dos pelo Tesouro Público, o governo está a
negociar o seu financiamento junto dos tradicionais parceiros de desenvolvimento de
Cabo Verde”, diz Júlio Correia.
Este assevera que o seu ministério estudou os diversos cenários de custos máximos e mínimos que devem ser suportados
para pôr a funcionar as comissões instaladoras dos citados municípios. Segundo ele,
a criação destes visa, na perspectiva do governo, responder a aspirações antigas dos
munícipes das ditas circunscrições, aproximar o poder local das pessoas e responsabilizar ainda mais os cidadãos no processo de desenvolvimento local.
O titular da pasta do MAI garante, por
outro lado, que vai desencadear, no processo da constituição das comissões instaladoras dos cinco novos municípios, consultas às formações políticas nacionais, nomeadamente ao maior partido da oposição.
A discussão dos diplomas que criam os
municípios deverá, entretanto, causar algu-
ma celeuma entre a situação e a oposição.
Isto porque tanto o MpD como o PAICV
pretendiam apresentar as respectivas propostas, uma intenção que esbarraria no
art.156-4 da Constituição que estipula: os
grupos parlamentares “não podem apresentar iniciativa que envolva, directa ou inderectamente, o aumento de despesas ou a diminuição de receitas previstas no Orçamento do Estado ou que o modifiquem, por
qualquer forma, no ano económico em curso”.
Portanto, se o PAICV pode assistir o
governo a protagonizar a iniciativa da criacção dos municípios, ao MpD restará participar ou não no acto, ainda que tenha sido
ele a iniciativa de propor a criacção de alguns dos municípios que agora vão surgir.
Até porque os votos do maior partido da
oposição são indispensáveis para fazer passar os diplomas em causa que exigem uma
aprovação por dois terços dos deputados.
ADP
PORTO NOVO
Câmara acusada de se ter apoderado de bens do Estado
A Câmara do Porto Novo foi acusada de ceder a um
privado as antigas instalações da Fábrica de Pozolana, sem
o consentimento do dono daquele património: o Estado de
Cabo Verde. Esta não é mesmo a única “contenda” entre
aquela edilidade e a Direcção-Geral do Património do Estado, pois, na semana passada, a DGPE pediu a suspensão do processo de venda da Pousada Municipal até que
sejam esclarecidas as dúvidas sobre “a titularidade do imóvel”. Pedido esse refutado por Amadeu Cruz já que, segundo aquele autarca, a pousada “sempre foi propriedade do
Município”.
Alguns portonovenses acusam a CM de “se apoderar”
das antigas instalações da Fábrica de Pozolana, “de forma
inapropriada, ainda por cima para ceder à exploração privada sem qualquer retorno financeiro para o legítimo dono”. É
que aquele espaço nem sequer pertence ao Município do
Porto Novo, mas sim é propriedade do Estado de Cabo Verde. Informação essa, aliás, confirmada por fontes autorizadas da DGPE.
De resto, o próprio edil , Amadeu Cruz, admite que a
referida fábrica pertence ao Estado mas isso, no seu entender, “não impede o Município de arrendar o espaço a
um privado”. Posição que o autarca justifica: “Existe um
acordo assinado entre a Câmara do Porto Novo e o Patri-
mónio do Estado, desde a altura do mandato de César Almeida, que dá ao executivo municipal poderes de explorar
a fábrica, inclusive para arrendá-la a terceiros”.
É estribado neste acordo que o executivo camarário
arrendou a antiga estrutura fabril por cerca de 30 mil escudos mensais a um privado, que a remodelou e a transformou num espaço de lazer e cultura denominado “Rotcha
Nu”. Na verdade, todos os equipamentos da antiga Fábrica
- já em avançado estado de degradação - foram retirados
do local e substituídos por mesas de bilhar, bar, palco, cadeiras, coisas típicas de uma casa de espectáculos.
De todo o modo, há quem entenda que o citado acordo,
assinado no tempo de César Almeida, não concede à Câmara “a legitimidade de fazer o que quiser com as instalações”.
De resto, sublinha uma fonte deste jornal, “no acordo terá sido
concedida apenas a produção de Pozolana, porém, como se
sabe, há muito tempo que a fábrica estava inactiva”. Por esse
motivo, a mesma fonte pensa que a Direcção-Geral do Património “deveria intervir para salvaguardar o interesse do Estado até porque, além do espaço estar subarrendado, o dinheiro não vai parar ao cofre do legítimo dono”.
Esta “contenda” surgiu, ademais, na mesma semana
em que o director-geral do Património do Estado pediu ao
edil portonovense que mandasse suspender o processo de
alienação da Pousada Municipal, até que sejam esclarecidas as dúvidas sobre a “titularidade desse imóvel”. Na nota
datada de 10 de Fevereiro, António Lopes Soares solicita
mesmo que a Câmara envie cópia dos documentos comprovativos de propriedade da referida pousada para se poder esclarecer o assunto.
Em resposta ao pedido da DGPE, Amadeu Cruz diz não
entender o posicionamento de Soares já que “a pousada foi
sempre propriedade do Município do Porto Novo”. Por esse
motivo, reitera o autarca, “cabe à referida Direcção-Geral
provar e fundamentar as dúvidas que está a suscitar”.
O edil afirma, inclusive, que vai prosseguir com o processo de alienação da Pousada e lamenta que “assuntos
desta natureza estejam a ser contaminados por posicionamento partidário”. Outrossim, Cruz refere que, além de já
“não se justificar que a Câmara esteja a gerir um empreendimento daquele tipo, a verba proveniente da venda do citado imóvel será empregue na construção do novo edifício
dos Paços do Concelho”.
São processos, portanto, que prometem fazer correr
muita tinta nas próximas semanas. Sobretudo porque a
Câmara do Porto Novo não parece nem um pouco interessada em provar qualquer coisa que seja à DGPE.
João Almeida Medina
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Eleições na Ordem dos Médicos
A direcção da Ordem dos
Médicos de Cabo Verde
reúne-se a partir de hoje, 18,
e até amanhã, na Praia, para
marcar a Assembleia-Geral
que vai eleger um novo
instituição. O encontro
deverá ainda debater vários
aspectos relacionados com o
exercício da medicina no
país, com destaque para o
projecto que regulamenta o
acto médico e o atraso na
implementação da carreira
médica.
Um dos pontos de destaque na reunião
do orgão directivo da Ordem dos Médicos
será, segundo o bastonário cessante, Luís
Leite, marcar a Assembleia-Geral que deverá eleger novos corpos gerentes da Ordem. Luís Leite(foto) realça ser fundamental que tal reunião se concretize o mais rapidamente possível, já que esta será a segunda convocatória para uma assembleiageral dos médicos -, no final do ano passado, uma outra assembleia convocada para
o efeito tinha sido adiada. Em condições a
propor oportunamente, Leite não descarta
a possibilidade de concorrer a mais um mandato à frente da Ordem.
O encontro de hoje deverá, por outro
lado, apreciar o projecto de lei sobre o acto
médico, elaborado pelo jurista e consultor Jorge Carlos Fonseca. O mesmo define como acto médico o diagnóstico, prognóstico, prescrição e execução de medidas terapêuticas relativas à saúde das pessoas, bem como os exames de perícia
médico-legal e actos de investigação da
ciência médica. O diploma estipula que
só podem praticar tais actos os médicos
inscritos regularmente na OMC ou, excepcionalmente, licenciados em medicina
autorizados legalmente a exercer a actividade médica em Cabo Verde. O projecto, que será depois submetido aos órgãos
competentes para aprovação, regulamenta ainda a existência e funcionamento dos
consultórios médicos no país.
Os homens da bata branca irão ainda debater, nas reuniões de hoje e amanhã, a proposta do Ministério de Saúde que regulamenta a colocação de médicos na periferia.
Este ítem faz parte da carreira médica, cuja
implementação, no que toca à parte financeira, estava prevista para acontecer em
2004. A execução de tal medida acarreta,
segundo as nossas fontes, um esforço financeiro do Estado superior a 60 mil contos por
ano e Luís Leite diz não ter visto essa verba
inscrita no OGE de 2005 - o MS está por
esclarecer a Ordem sobre o andamento desse processo.
Junto do director do gabinete do Ministro da Saúde A Semana apurou que as listas para os pagamentos de 2004, tanto para
médicos como para enfermeiros - no quadro do acordo para a implantação da carreira médica e de enfermagem - estão já no
Ministério das Finanças. Manuel Boal conclui que a única coisa que está por resolver
é o subsídio de colocação de médicos na periferia, cuja proposta de regulamentação já
foi remetida à Ordem dos Médicos, para
efeito de apreciação.
A direcção da Ordem dos Médicos deve
ainda analisar na reunião de hoje o trabalho realizado pelas comissões para a revisão da carreira médica e dos estatutos da
mesma e tomar uma posição sobre a inscrição na OMC dos médicos recém-chegados de Cuba.
Alírio Dias de Pina
Direitos humanos na escola
Os direitos humanos vão passar a
fazer
parte
dos
currículos
escolares.Esta á via encontrada pela
Comissão Nacional dos Direitos Humanos para divulgar essa problemática, reforçando ao mesmo tempo a cidadania entre os cabo-verdianos. Para
isso decorreu esta semana, na Praia,
o I encontro internacional de direitos
humanos.
Este evento, que reuniu conferencistas do Brasil, Senegal, Portugal e
Ruanda, decorreu à volta de dois eixos fundamentais: a promoção dos direitos humanos, através do ensino, e
a sua protecção através da jurisdicionalização da
defesa dos direitos humanos.
E uma das conclusões saídas deste evento é
a necessidade do ensino dos direitos humanos,
nas escolas algo que, de acordo com a presidente da CNDHC, Vera Duarte, vai permitir a disse-
minação de valores e de bons comportamentos entre os cidadãos desde a infância.
E durante dois dias os participantes deste encontro internacional de direitos humanos buscaram formas de
socializar o tema do ensino dos direitos humanos nos curriculos, pois “todos estão de acordo que o ensino dos
direitos humanos é necessário para
fazer com que na sociedade as pessoas sejam mais tolerantes, mais cívicas e mais pacíficas”, garante Vera
Duarte.
Assim, e terminado o encontro, a
presidente da CNDHC espera que cada participante interfira de alguma forma nesta problemática fazendo denúncias de quando elas acontecem.
Sexta-feira,
18 de Fevereiro
Sexta-feira,
18 de Fevereiro
de 2005de 2005
corpos gerentes dessa
Correio das ilhas
bastonário e os demais
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STJ suspende castigo a magistrado
O procurador Evandro Carvalho vai continuar a
exercer funções de representante do Ministério
Público em Santa Catarina. O Supremo Tribunal
da Justiça acaba de suspender a execução da
pena de 10 meses de inactividade aplicada àquele
procurador em consequência de dois processos
numa altura em que um outro processo
disciplinar contra Carvalho — por alegado
atropelamento e abandono de sinistrado — vai
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
Correio das Ilhas
disciplinares que lhe foram instaurados. Isto
trocar de instrutor.
O Supremo Tribunal da Justiça deferiu o
recurso interposto pelo procurador Evandro
Carvalho e retirou a executariedade da pena
de 10 meses de inactividade, aplicada àquele
magistrado pelo Conselho Superior do Ministério Público em Novembro do ano passado.
Assim, Carvalho vai retomar as funções de
representante do Ministério Público em Santa
Catarina, até a decisão definitiva do Supremo.
Esta instância judicial alegou no seu acódão “danos irreparáveis”, caso a pena a Carvalho fosse aplicada, já que o magstrado ficaria privado da sua única fonte de rendimento. Mas, ao que A Semana apurou, a posição
adoptada pelo STJ terá também muito a ver
com o facto de em Santa Catarina estarem
neste momento apenas dois procuradores: o
próprio Evandro Carvalho e Sebastião de
Pina, este transferido para aquela Comarca
para substituir António Claret que passa por
um estágio em Portugal. “Como Sebastião de
Pina vai ser agora transferido para a magistratura judicial, a seu pedido, Santa Catarina
ficaria sem nenhum procurador da República
se a pena a Carvalho fosse executada”, revela
a nossa fonte, que acrescenta ainda não haver
de momento magistrados disponíveis para
aquela Comarca.
Seja como for, a suspensão da executariedade da pena a Evandro Carvalho não é
bem vista, inclusive, no seio da classe. Tanto que há quem fale em dois pesos e duas
medidas do STJ. “Em 1999, quando Amadeu Oliveira, então procurador do Sal, foi
demitido do Ministério Público, ele tinha pedido também a suspensão da executariedade da pena. No entanto, o seu recurso foi
rejeitado pelo Supremo”, indica um magistrado, para quem este é mais um sinal de que
o sistema judicial cabo-verdiano continua a
merecer uma atenção especial, pois vem
“servindo uns quantos, em detrimento de outros”.
A pena de dez meses de inactividade aplicada pelo CSMP ao magistrado de Santa Catarina baseou-se nos dois processos disciplinares levantados contra Evandro Carvalho, e
que dão como provados os factos apurados
pelo relatório de inquérito sobre o comportamento daquele representante do MP - factos,
esses, denunciados anteriormente pelo procurador e presidente da Associação dos Magistrados, José Landim.
Depois de recuar numa primeira proposta que era de expulsão, o CSMP optou por
uma pena mais leve para Evandro Carvalho,
tendo, por isso, adoptado uma pena de dez
meses de total inactividade. Inconformado,
Carvalho recorreu junto do STJ, instância que
agora vem suspender a executariedade do
castigo aplicado... pelo menos até à decisão
final. Uma pena, entretanto, vista na altura
por muitos homens da lei como suavíssima,
tendo em conta a gravidade das acusações de
STJ com “dois pesos e duas medidas”
que Evandro Carvalho fora alvo.
Queixa-crime
A suspensão da executariedade da pena a
Evandro Carvalho acontece numa altura em
que um outro processo disciplinar contra aquele magistrado pode trocar de mãos... e de instrutor. É que, depois de levantar suspeita quanto à imparcialidade do instrutor nomeado, Baltasar Ramos Monteiro — que é membro do
CSMP, o mesmo órgão que o condenou -, Carvalho decidiu interpor uma queixa-crime contra Monteiro por injúria e difamação (Nilda
Fernandes e António Jorge Borges, membros
também do CSMP serão outros alvos de Carvalho).
Com isso, Baltasar Monteiro ficará excluído do processo, e substituído por um outro magistrado. Aliás, A Semana sabe que o
CSMP está à procura de um novo instrutor
para o processo, devendo indicar um novo
nome nos próxmos dias.
A actuação disciplinar levantada ao procurador da República em Santa Catarina tem
a ver com o seu alegado envolvimento num
acidente de viação, com atropelamento e
abandono de sinistrados, ocorrido em Junho
do ano passado em Achada São Filipe, Praia.
Esta atitude do CSMP, na verdade, vai no
mesmo sentido da acção da POP e da PJ que
apontaram o procurador de Santa Catarina como
o principal suspeito desse acidente - a PJ chegou, inclusive, a fazer exames laboratoriais à
tinta do veículo conduzido por Evandro Carvalho para indiciar este magistrado como tendo
atropelado e abandonado dois sinistrados.
Aliás, o processo-crime contra Evandro
Carvalho está neste momento a seguir os seus
trâmites normais no STJ - há informações de
que Carvalho já terá sido instado a prestar
declarações sobre este caso.
O acidente de Achada São Filipe, refirase, aconteceu por volta das 22 horas do dia
24 de Junho do ano passado, quando uma viatura de caixa aberta atropelou de uma assentada duas pessoas e, em vez de prestar
socorro, abandonou os sinistrados. Testemunhas oculares conseguiram tirar as características e chapa matrícula do veículo e comunicaram de imediato a POP.
As características da viatura, mais a chapa de matrícula da mesma, coincidiram com o
Toyota Hilux ST-62-CK da Procuradoria de
Santa Catarina, conduzido pelo procurador
Evandro Carvalho. A PJ viria mesmo a encontrar o carro suspeito, depois das 23 horas, estacionado em frente a uma habitação em São
Domingos, sem condutor, com um farol partido e capot amolgado. As vítimas — um emigrante e um mecânico que trabalha por conta
própria —, condenadas a meses de inactividade clamam por justiça, uma justiça que toma
tempo demais para acontecer.
HS
Lúcia Passos tem mais de mil contos por justificar
Lúcia Passos, ex-responsável da ADC - Associação para
o Desenvolvimento de Santa Cruz —, recebeu 3 mil contos
do Estado para ajudar os pobres a terem uma casa digna,
dentro do projecto de habitação social desenvolvido pela
então Câmara de Pedro Alexandre. Mas, agora, um grupo
de cidadãos que responde pelo nome de “Fidjos de Órgãos”
quer que a ex-responsável da ADC e agora dirigente do MPD
justifique o dinheiro então recebido, o qual acreditam não
ter sido empregue na totalidade, havendo um saldo de cerca de mil contos.
Contactada por A Semana, Lúcia Passos desmente a
denúncia de que está a ser alvo e diz ter a certeza de que
este caso foi despoletado pelo ex-marido que quer, desta
forma, vingar-se dela por terem um processo de divórcio a
decorrer no tribunal, chegando à fase de separação de bens.
“Ele fez-me chantagem! Ligou-me várias vezes pedindo-me
para desistir do processo no tribunal porque senão iria dizer
publicamente que desviei dinheiro do Estado. Não acedi à
chantagem e ele cumpriu o que prometeu”, defende-se.
Entretanto, a actual presidente da Morabi e membro da
Comissão Política do MpD, confessou não ter na sua posse
os comprovativos dos gastos, visto que o ex-marido “os roubou” para a acusar, mas, diz, “felizmente, as pessoas que
receberam as casas ainda estão vivas para o comprovar”
que o projecto foi realizado.
Este jornal apurou junto das pessoas que receberam
casas em João Teves dos Órgãos que as habitações foram
construídas, sim, mas que as obras ficaram por concluir.
Segundo Maria Cristina Vieira, uma das contempladas, foram construídas quatro casas, fora duas outras pessoas que
receberam ajudas em materiais de construção.
A Semana esteve no local e pôde constatar a existência de pessoas que se afirmam insatisfeitas, pois receberam casas inacabadas. Queixam-se, por exemplo, dos azulejos que ficaram por colocar na sala, e dizem ainda esperar
pelos materiais de cozinha e da casa de banho. “A nossa
vizinha recebeu uma amostra do lava-loiça, e disseram-nos
que todos nós íamos ter também, mas até agora não vi nada”,
revela Maria Vieira.
As quatro casas construídas em Órgãos são todas iguais.
Têm uma pequena sala, “um quarto que não chega para
dormir mais que uma pessoa”, razão pela qual a Maria Vieira preferiu transformar a sua cozinha num outro pequeno
quarto em que cabe apenas uma caminha. “Com o meu
esforço construí uma parte de casa, porque antes cozinhava na parte de trás da casa”. A habitação dispõe ainda de
uma casa de banho sem espaço para colocar mais que uma
sanita e um lavatório, peças que lhes foram prometidas mas
que nunca chegaram a ver.
Queixas de uns e alegria de outros. É que, no meio desta celeuma, não falta quem exploda de felicidade, mesmo
que lhe tenha caído em sorte uma casa incompleta. Jacinta
Ramos, moradora em Santa Cruz, revela que a habitação
que recebeu “não tem casa de banho, nem cozinha, mas
fiquei contente quando o Pedro Alexandre ma deu”. Ramos,
que mora com uma filha adoptiva e o neto mostrou à reportagem do A Semana a sua casinha de apenas uma divisão
com cerca de 6 metros de comprimento e 4 de largura, sem
espaço nem as mínimas condições de conforto. E é na rua,
num cercado de pedras, que ela. prepara as suas refeições.
Segundo esta idosa, à semelhança da sua casinha, existe uma outra nessa localidade de Santa Cruz, construída
dentro do projecto de apoio à habitação social.
Segundo uma fonte deste jornal, a ADC foi criada no
mandato do ex-presidente de Santa Cruz, Pedro Alexandre
Rocha, e fechou as portas logo depois que este deixou a
Câmara em 2000. E foi nesse ínterim que Lúcia Passos,
que dirigia a ADC, recebeu três mil contos para ajudar um
grupo de pobres a construir e a melhorar as respectivas casas, em Santa Cruz. Por isso há quem exija neste momento
a apresentação de contas.
Para o cabal esclarecimento desta história, A Semana
contactou também o ex-marido de Lúcia Passos, Otílio Pereira, que se recusou a pronunciar-se sobre o sucedido. Segundo ele, há três anos que se encontra separado da exmulher e portanto cabe a ela dar as explicações sobre o
assunto.
AC
11
RIBEIRA GRANDE
Gilmar Cruz, gerente de uma oficina de
marcenaria na Ribeira Grande, diz-se
revoltado com o facto de o autarca Orlando Delgado “não ter respeitado o compromisso assumido” com ele. Essa “revolta” levou-o a retirar parte das portas
do centro comercial daquele município e
promete “terminar esse desmantelamento”, se a Câmara não lhe pagar uma
dívida de cerca de 500 contos nos próximos dias. Entretanto, Delgado nega que
Marceneiro revoltado com Orlando Delgado
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“revolta” de Gilmar Cruz advém do
facto de não ter recebido todo o montante referente ao trabalho de marcenaria feito no centro comercial da Ribeira Grande.
Numa dada altura, ele chegou mesmo a interromper a colocação das portas e dos vidros no referido centro por causa do atraso
no pagamento de metade dos cerca de mil e
800 contos por parte do empreiteiro da obra.
Mas, segundo conta, retomou o trabalho assim que recebeu “as garantias do Eng.º Orlando Delgado, de que todas as dívidas seriam liquidadas no término do serviço”.
Deste modo, “e confiando na palavra do
edil”, Cruz completou o trabalho, recorrendo a créditos. “Só que, para minha surpresa,
quando fui receber o dinheiro no início deste
mês não havia nada, e nem sequer obtive uma
explicação para esse facto. E porque o presidente tinha assumido o compromisso comigo, tentei contactá-lo directamente porém,
nunca fui recebido”, refere Cruz.
“Pressionado” por uma casa comercial
do Mindelo, pelos sócios e pelos funcionários da oficina, aquele gerente deu um ultimato à Câmara, de que retiraria as portas do centro comercial, caso não recebesse o dinheiro
até ao meio-dia da passada sexta-feira. E assim fez. Arrancou apenas parte das portas mas
promete “terminar esse desmantelamento” se
a dívida não for saldada nos próximos dias.
Orlando Delgado afirma, no entanto, que
cumpriu todo o acordo assumido com o gerente da oficina de marcenaria. “Pedi-lhe que
colocasse os vidros e, por esse serviço, ele
recebeu um cheque de cerca de 200 contos.
Portanto, se existem outras dívidas, ele deve
procurar a Firmotec com quem terá firmado
o acordo anterior”, replica o autarca da Ribeira Grande.
Gilmar confirma que recebeu o cheque
de 200 contos porém, segundo ele, o mesmo
cobria apenas parte do montante que tinha por
receber. “Falta uma soma a rondar os 500
contos, e estou pronto a fazer qualquer coisa
para reavê-la. Isso porque tenho créditos
bancários por liquidar; a minha família, coproprietária da oficina, está a pressionar-me;
e tenho 12 trabalhadores para pagar vencimentos”, sublinha.
ECOS DE UM IMBRÓGLIO
Este é, na verdade, um processo complexo que se arrasta desde a altura em que a empresa de construção Firmotec assinou um
acordo com o Gabinete Técnico Intermunicipal, para que este último acompanhasse algumas obras em Santo Antão. Um acordo do
qual resultaria um imbróglio que ainda hoje
não foi totalmente desenlaçado.
É que, em nome desse mesmo acordo, o
GTI fez várias requisições de materiais e serviço naquela ilha; daí ficarem dívidas por liquidar e aquele órgão da Associação dos
Municípios de Santo Antão (AMSA) ter sido
obrigado a responder a processos em tribunal. Contudo, após as denúncias feitas por A
Semana, a Firmotec saldou algumas dessas
dívidas, ficando por resolver a “intrincada”
história do centro comercial.
Neste caso em particular, quem saiu lesado foi o marceneiro Gilmar Cruz já que, do
contrato assinado no valor de mil e 800 contos para fazer os trabalhos no referido centro, recebeu apenas dois cheques de 500 contos cada. Os restantes 800 contos ficaram por
liquidar, pois nesse meio tempo a Câmara da
Ribeira Grande, dona da obra, pediu a anulação do contrato de construção do centro assinado com a Firmotec.
Sem alternativa, Cruz paralisou o trabalho até porque não queria endividar-se mais,
já que tinha recorrido a créditos para não só
comprar materiais como também pagar aos
funcionários da oficina. Mas, após o contacto com Orlando Delgado, retomou a obra na
esperança de receber todos os 800 contos em
falta. Mas isso ainda não se concretizou. E,
ao que tudo indica, este é mais um caso que
deve ir parar às barras do tribunal, à semelhança de outros processos nos quais estiveram envolvidos a Firmotec e o GTI.
Curiosamente, Orlando Delgado esteve
sempre no meio desse imbróglio: primeiro na
qualidade de coordenador do GTI; depois
como presidente da AMSA, entidade que tutela aquele gabinete. Além disso, sendo também presidente da Câmara da Ribeira Grande, tem de solucionar o processo em curso, o
de anulação do contrato de construção do citado centro, para que se possa resolver o problema das dívidas, nomeadamente com o
marceneiro Gilmar Cruz.
TRANSFORMAÇÃO DO GTI
No entanto, para evitar esse tipo de embrulhada, a AMSA está a analisar uma proposta de transformar o GTI numa sociedade
com maior autonomia e capacidade para
acompanhar os diversos tipos de projectos espalhados pelos três municípios de Santa Antão. Os autarcas de Santo Antão querem com
isso não só criar as bases para garantir a sustentabilidade daquele gabinete, mas também
determinar as formas de estabelecer contratos de prestação de serviço a terceiros sem
que haja problemas de legalidade.
Contudo, a intenção é que o GTI continue
a coordenar todo o processo de desenvolvimento de Santo Antão. E, neste momento aquele gabinete está a organizar o terceiro plano de
desenvolvimento daquela ilha.
JAM
DIREITO DE RESPOSTA
Osvaldino Andrade esclarece
O Secretário-Executivo Nacional da UCID, Senhor Osvaldino Andrade, no uso da faculdade de direito de resposta
- “Polémica na UCID - Mesa do CN dissipa as dúvidas” -,
esclarece os equívocos, os paradigmas, como se transcreve:
1) Os mandatos dos órgãos nacionais da UCID - Comissão Política Nacional, conselho nacional, mesa do
congresso, cessaram as sua funções no dia 29/07/04 ;
só serão legitimados no próximo congresso em Julho/
05, na cidade da Praia, desta vez com a participação
confirmada dos nossos militantes da Região Benelux -Holanda.
1.1) O caso paradigmático da UCID criação de uma
Comissão de Gestão Política é ilegal, inconsistente,
os argumentos são falaciosos, inconcebíveis numa organização que luta pela defesa intransigente da justiça
social e princípios da democracia-cristã, multidimensional, visão sistémica, integrada, do desenvolvimento socio-político-económico de Cabo Verde, estimula e apoia
a unidade nacional, a solidariedade, a soberania e segurança nacional, bem como a conservação dos direitos nacionais e imprescritíveis do cidadão caboverdiano. Do ponto de vista da filosofia do direito existe uma
relação entre o direito da razão e a força da razão: a
comissão política nacional liderada pelo Sr. Eng. Manuel Rodrigues foi eleita num Congresso Nacional e tomou posse perante a mesa do congresso nacional.
2) O quórum de uma reunião é verificado no seu 1° dia
da agenda de trabalho; a Sra. Isidora Santos e o Sr.
José da Cruz não compareceram neste aludido dia;
sejamos coerentes nas nossas afirmações. O Sr. Serafim foi substituido pelo Sr. António Lima na reunião
do CN antecedente, sob proposta de António Monteiro, alegando a sua residência actual fora do País na
Bélgica; repito a coerência na política é um valor insubstituível.
3) O esforço político da UCID será sempre no sentido
de tornar Cabo Verde e o seu povo cada vez mais
próspero e mais soberanos.
A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos
nós.
O Secretário-Executivo Nacional da UCID
Osvaldo Vieira Andrade
Correio das ilhas
compromisso com aquele marceneiro.
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
tenha desrespeitado qualquer tipo de
12
PAI NEGA TER VIOLADO A FILHA
Sexta-feira,1818dedeFevereiro
Fevereirodede2005
2005
Sexta-feira,
Social
“Querem influenciar a Justiça”
As denúncias de violação de uma
menor e ameaças de morte contra ela
e a mãe publicadas na edição de 4 de
Fevereiro deste Jornal, foram refutadas pelo suspeito, o próprio pai da suposta vítima. O visado nega qualquer
tipo de envolvimento sexual com a filha e acusa agora a ex-mulher de estar a usar uma estratégia de difamação e de pressão psicológica para o
ver pelas costas. Isto em conluio com
a própria filha. “Tudo porque descobri que ela tem um amante e quer ficar à vontade com ele”, contra-ataca.
“Não é verdade que tenha oferecido livros pornográficos à minha filha e induzido a fazer sexo comigo.
Jamais a acariciei e quem me conhece sabe que esse tipo de comportamento não condiz com a minha pessoa”, afirma o pai da menina. Porém,
ele próprio admite que, a dado momento, assumiu na Judiciária que
“teve alguma coisa com a filha”. No
entanto esclarece que foi pressionado
de tal modo por um agente que acabou por dizer “aquilo” com a promessa de que, assim, iria mais rápido para
casa.
“A dado momento, após muita
pressão, o agente disse-me: ‘basta
dizeres que tiveste alguma coisa com
a tua filha que tudo isto acaba’. Aí,
disse-lhe: queres ouvir isso, pronto,
tivemos, sim”, conta “M”, explicando
que, em vez de ir para casa, foi metido numa cela e presente ao juiz no dia
seguinte. Para sorte dele, o processo
foi devolvido à Judiciária pois o Tribunal considerou que cabia ao Ministério Público solicitar a legalização da
prisão.
Ouvido novamente na Judiciária,
na presença do seu advogado, “M” terá
então negado todo e qualquer envolvimento
de carácter sexual com a filha, quando esta
tinha treze anos de idade. Apresentou,
como diz, a mesma versão ao procurador
da República.
Segundo as suas palavras, o clima en-
tre ele, a esposa e a filha em causa sofreu aborrecimentos, que persistem até
hoje. Tudo começou quando notou que
a filha estava a levar uma vida muito
“folgada” e que andava a descer as
notas na escola. Inconformado com
esse quadro começou a pressionar a
filha, que mostrou desagrado e provocou o mesmo sentimento na mãe.
Pelo meio foram registadas algumas brigas e mesmo agressão física
com pedradas. No entanto, assegura
que jamais ameaçou a filha com uma
faca, como foi escrito. “Nesse dia estava com um rolo de papel de alumínio no bolso de um blusão, que foi confundido com uma faca”.
Apesar disso, “M” reconhece que
procurou a esposa no seu posto de trabalho munido de uma faca. “Ela estava de costas para mim, podia tê-la
agredido mas não tive coragem. Larguei a faca no local e segui o meu caminho”, explica “M”, que mostra algumas cicatrizes na cabeça e num dos
braços de ferimentos provocados supostamente por pedradas e garrafadas
atiradas pela ex-mulher e a filha.
“Discutíamos por motivos fúteis.
Comecei a desconfiar que algo andava mal, até que descobri que a minha
mulher estava a trair-me. Encontreia com o outro na nossa cama”, diz
“M”, que acusa também a ex-mulher
de ter consentido o namoro da filha
com outro menor, a ponto de estarem
“muito à vontade” dentro de casa. “Eu
não concordei com essa liberdade e
disse isso aos dois”, conta a nossa fonte, para quem a mulher e a filha querem denegrir a sua imagem pública e
influenciar a justiça. Não tem a mínima dúvida de que a intenção das duas
é vê-lo atrás das grades “para poderem viver sem a intromissão de ninguém”.
KzB
Cabo-verdiana em Lisboa passa dificuldades
A Semana continua a acompanhar a vida de Gervásia e da filha Milene, agora com seis anos, em Lisboa. Foi há pouco mais de seis meses que demos a
conhecer a história desta mãe-coragem, e da filha, Milene, vítima de hidrocefalia. A doença atinge o cérebro
e causa várias perturbações. Milene não anda, não fala,
não vai à escola, e depende da mãe e dos irmãos, 24
sobre 24 horas.
Gervásia e os quatro filhos vivem num bairro degradado, nas Fontainhas, arredores de Lisboa. Não têm
água nem luz, e o rendimento mínimo nacional no valor
de 200 euros, não chega para as refeições, nem para a
compra dos livros escolares das crianças. Muito menos para as despesas com a saúde da Milene.
Parte do dia desta família de Santiago é passada
numa das ruas mais movimentadas de Benfica, em
Lisboa.Todos os dias, a lata já envelhecida é colocada
delicadamente, num canto do carrinho da Milene. A mai-
oria dos transeuntes não resiste em deixar uma moeda, depois de lançar um olhar rápido ao rosto doce e
silencioso desta criança de seis anos.
Diz-se que a esperança nasce a cada dia que passa. Por isso, Gervásia não desiste desta luta e continua a bater várias portas. Neste segundo encontro com
A Semana, mais uma vez, Gervásia deixa um apelo
aos cabo-verdianos: “Ajudem-me. A minha filha precisa de apoio. Aqui o dinheiro não chega para nada”.
Quem quiser, pode ajudar em dinheiro, fraldas, um
carrinho em melhor estado, roupa, brinquedos, medicamentos e bens de primeira necessidade.
Já lá vão dois meses, mas Gervásia não esquece o
Natal triste de 2004. Alguns vizinhos continuam a ajudar, “mas não é a mesma coisa”. Prendas, nem vê-las.
“Os miúdos já sabem. E não pedem nada. Eu não posso”, desabafa, sem tirar os olhos da calçada. Quanto
ao Carnaval, foram dias iguais a tantos outros. Enquanto
outras crianças saíam à rua mascaradas com roupas
dos heróis da banda desenhada, os filhos de Gervásia
limitavam-se a ver o “desfile”.
Agora, aproxima-se a Páscoa, e Gervásia sabe que
a história repete-se, para ela. Nas últimas semanas,
Portugal tem acordado com temperaturas negativas. O
frio é assustador e Gervásia não sabe como proteger
os filhos, a razão da sua existência. As condições subhumanas em que sobrevive não lhe permitem distribuir
o calor e os mimos que gostaria, “e que eles precisam”,
diz, mantendo o olhar cabisbaixo.
Gervásia lembra que há dias em que o desespero é
maior, e outras vezes ela abandona todos os seus sonhos. Até esquece que é mulher. Sente-se anulada,
numa encruzilhada. Sem a retaguarda segura que lhe
faria sorrir novamente. “Preciso de uma nova esperança”. Remata, no esplendor dos seus 28 anos.
CQ
13
Deolinda é cabo-verdiana,
natural de Santa Catarina.
Cresceu em Lisboa, num bairro
degradado, e foi mãe com
apenas 17 anos. Hoje tem 28,
está grávida do segundo filho, e
numa longa conversa com “A
Semana”, ela fala dos prós e
contras de uma gravidez
precoce, e claro, não esconde a
regressou de férias já adulta.
Deolinda e o filho Ângelo
FORÇA DE VIVER
Deolinda não sabe como seria a sua
vida, se naquele ano de 1994, com apenas
17 anos, e a frequentar o 11º ano de escolaridade, não tivesse engravidado. O namoro com um homem mais velho já durava
há cinco anos. Ela recorda que naquela altura, “não tinha qualquer noção dos perigos de uma gravidez, e ele foi o meu primeiro namorado”.
A falta de maturidade e informação que
tinha na altura fizeram com que só se apercebesse que carregava um bebé no ventre
quando já se encontrava no quinto mês de
gestação. “Não senti absolutamente nada
até que uma amiga aconselhou-me a fazer
o teste, por causa da falta da menstruação”.
No meio do relato, a entrevistada de A
Semana passa a mão pelo cabelo curto e
rebelde, e continua: “Seria um ano em
cheio se não fosse a gravidez. Caminhava
para o 12º ano e o meu pai já tinha prometido que me pagava a carta de condução.
Mas foi tudo diferente a partir daí”.
Começaram os problemas, que se multiplicavam a cada dia que passava. O pai
tinha depositado muitas esperanças na Deolinda e não se conformava com a gravidez, numa altura decisiva da vida da filha.
“Sou a terceira de oito irmãos e a única
que estava prestes a concluir o liceu”. Talvez por isso o pai sentisse que aquele era
um golpe demasiado duro. E diante disso
as discussões entre o pai e a filha não cessavam, e o ambiente em casa degradavase com o passar do tempo.
Nessa altura, Deolinda nem podia contar com o apoio do namorado, que se encontrava em Cabo Verde. Aos sete meses,
numa manhã em que nada fazia prever o
pior, a jovem tenta o suicídio. “Já não
aguentava nada daquilo. Pensei matar-me
antes que a minha mãe o fizesse quando
voltasse do trabalho”.
Utilizou veneno para ratos que encontrou escondido em casa. Sentiu-se muito
mal e foi transportada para o hospital, onde
lhe fizeram uma lavagem ao estômago.
Correu um risco tremendo, mas tudo acabou bem e nem a criança ficou afectada.
Mas, depois deste episódio, decide sair de
casa.
Deolinda é acolhida no lar de Santo António, que apoia grávidas e mães solteiras.
Mudou-se para essa instituição no bairro
lisboeta de Alcântara. “Foi importante para
mim. Fui bem tratada e conheci muitas grávidas adolescentes com histórias bem mais
dramáticas que a minha”.
Aí ficou até ao dia do parto. E recorda:
“Senti contracções fortíssimas. Deram-me
a epidural para deixar de ter dores. E
quando o Ângelo nasceu, pouco depois da
meia-noite, numa quarta-feira”, além da
felicidade, sentiu o peso da responsabilidade “Assim que o expulsei de dentro de
mim, pensei: meu Deus, um filho! Agora é
que a vida vai começar”.
Foi em 1994 que o Ângelo nasceu, no
Hospital S. Francisco Xavier, “pesava 3
quilos e meio... media meio metro”. Rapidamente Deolinda aprendeu a tratar do seu
bebé, tão pequenino, frágil e totalmente dependente do seu amor. E até teve sorte. “O
Ângelo era sossegado e nem dava muito
trabalho. Mas mudou a minha vida”.
Os pais aceitaram-na de volta e o namorado andou sempre por perto, durante
um ano. “Depois é que foram elas”.
Sou uma lutadora
Quando o Ângelo já tinha um ano, o
namorado disse-lhe que precisava deslocar-se a Cabo Verde para tratar de alguns
assuntos, mas que regressava dentro de 15
dias. “Isso foi em 1995. Já se passaram
quase dez anos. Nunca mais voltou!”
Deolinda acredita no destino, mas não
conseguia perceber a razão de tudo o que
se passava. Ainda esperou por esse primeiro amor durante um ano e meio. Depois,
recomeçou a viver e seguiu em frente. “Sou
uma lutadora”.
Encontrou o seu primeiro emprego,
como empregada de limpeza, na cadeia de
supermercados “Pingo Doce”. E, com a
ajuda dos pais, irmãos, amigos e vizinhos,
foi refazendo a sua vida e até voltou para a
escola, em período nocturno. “Foi a melhor decisão que podia ter tomado. Acabei
finalmente o 12º ano!”. E ainda fez um curso profissionalizante, o de Hospedeira, no
IATA - Instituto de Aperfeiçoamento Técnico Acelerado.
Passou por vários empregos. “Não podia parar”. Teve experiência em restaurantes, passou por um gabinete de arquitectura para depois ser despedida numa fábrica
de materiais eléctricos. “Fiquei desempregada por quase dois anos, mas não baixei
os braços”, frisa.
O filho é a razão e força de Deolinda.
“Vejo-o crescer lindamente. Uma criança
amorosa, e não é por ser meu filho. Hoje
não sei o que seria de mim sem ele”, diz,
sem disfarçar o sorriso.
Adorei Cabo Verde
Deolinda tem 28 anos e cresceu na Pedreira dos Húngaros. Era este o nome do
bairro degradado na periferia de Lisboa,
agora deserto. “Fomos todos realojados”.
Mas não esquece como eram passados os
dias por lá. “Vi tanta coisa... Tiros, drogas,
famílias desfeitas”.
Mas aprendeu que a vida é feita de todas estas contrariedades. Ela continuou à
procura de um lugar ao sol, sem nunca deixar de pensar nas suas raízes. A vontade de
conhecer a terra que a viu nascer crescia
de forma desmedida. Juntou algum dinheiro e conseguiu fazer a viagem dos seus sonhos.
“Adorei, não tenho palavras. A comida, as pessoas, o convívio. Foi tudo bom”.
Mas, porque não há bela sem senão, “só
fiquei chocada com a terra árida e a falta
de espaços verdes”. Mas talvez seja isso
que faz do arquipélago um lugar tão particular.
Regressa a Lisboa e, em 2002, consegue, finalmente, empregar-se com segurança e vê o seu trabalho valorizado. “Depois
de uma entrevista numa sexta-feira, comecei logo a trabalhar na segunda-feira”. É
secretária de direcção numa escola privada, na zona de Belém. “O meu sonho era
ser hospedeira, mas adoro o serviço administrativo”.
Uma grande lição
Todos os anos nascem em Portugal cerca de onze mil bebés, filhos de mães adolescentes. Muitas delas são solteiras e precisam de ajuda. Deolinda é um exemplo
de coragem e das poucas que conseguiu dar
a volta à situação.
O Ângelo já tem 10 anos, está no 4º
ano. “Não deixo que lhe falte nada”, comenta Deolinda que, hoje em dia, depois
da experiência com o pai do seu filho, tornou-se mais cautelosa em relação aos homens. “Sou mais fria e distante”.
Ainda assim, em 2003 encontrou aquele que parece ser um homem à sua medida.
É um cabo-verdiano dos Mosteiros, ilha do
Fogo. “É uma pessoa calma. O meu equilíbrio”.
O amor que os une levou-os a planear
um filho.Deolinda está grávida de cinco
meses e meio e é uma mulher realizada.
Há erros que não voltava a cometer,
mas “não mudava nada”.Vai passando
a mão pela barriga arredondada, enquanto sente os movimentos do seu bebé.
“Hoje estou muito feliz e se fosse preciso vivia tudo outra vez. Foi uma grande
lição!”.
Quando está prestes a abandonar a pastelaria do Centro Comercial onde nos encontramos, deixa a mensagem que qualquer
mãe ou grávida adolescente quer ouvir:
“Não desistam de lutar. É claro que a vida
fica condicionada, mas não é o fim do mundo!”.
Conceição Queiroz, em Lisboa, [email protected]
Social
saiu com cinco meses de vida e
Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2005
saudade de Cabo Verde, de onde

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