O Direito Autoral na China

Transcrição

O Direito Autoral na China
O Direito Autoral na China
Por Gilberto Mariot
“A imprensa foi inventada na China (que também teria inventado o papel), no século
IX e encontrou uso geral no século seguinte”.
Esta declaração, feita por David Landes1, professor emérito de história e economia
política na Universidade de Harvard, autor de The Unbound Prometheus 2 , causou certa
perplexidade, quando foi publicada a primeira vez em 1969. Mas com a abertura chinesa,
que teve início da década de 80 (e ainda está em curso) o mundo vem constatando que
estas, e outras invenções, tidas como realizadas na Europa Ocidental, podem ter tido sua
origem, na verdade, atrás da “grande muralha”.
Mas a possibilidade da invenção da prensa na China é tanto mais impressionante
porquanto a língua chinesa, escrita mediante símbolos ideográficos (não alfabéticos), não se
presta facilmente à tecnologia dos tipos móveis. Isso pode explicar por que a imprensa
primitiva chinesa consistia primordialmente em impressões “de bloco de página inteira” e
também por que grande parte dos antigos textos chineses consistem em desenhos. Landes
explica que quando se vai recortar um bloco, é mais fácil desenhar do que entalhar uma
grande quantidade de caracteres. Além disso, a escrita ideográfica funciona contra a
capacidade de ler e escrever: uma criança pode aprender os caracteres, mas se não
continuar a usá-los esquece como lê-los. As imagens ajudavam neste processo, explica o
autor.3
Diferentemente da impressão de caracteres alfabéticos, a impressão em blocos limita
o âmbito e a difusão de publicação. Ajusta-se melhor à reprodução de textos clássicos e
sagrados, mas aumenta os custos e o risco de publicação de obra mais recente e tende
para as pequenas impressões. Alguns impressores chineses usaram os tipos móveis, mas,
dado o caráter da linguagem escrita e o investimento requerido, a técnica parece nunca ter
vingado como no Ocidente. De fato, como outras invenções chinesas, pode muito bem ter
sido abandonada por um tempo, para ser reintroduzida mais tarde.4
Ainda segundo Landes, muitas publicações na China da época dependiam do
governo, e o mandarinato confuciano desencorajava a dissensão e as novas ideias. Até
1
David Landes nasceu em 1924 em Nova Iorque. É um dos historiadores econômicos mais credenciados da
atualidade. Doutorou-se em 1953 pela Universidade de Harvard, onde se tornou professor em 1964. Ensinou em
Harvard até se reformar, sendo hoje professor "emeritus" de economia da Universidade de Harvard (Coolidge
Professor of History and Professor of Economics). Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Landes
Acesso em 14 out. 2010
2
Publicado no Brasil pela Editora Campus, Rio de Janeiro, em 2003 com o título Prometeu Desacorrentado.
3
Cf. David S.Landes. Riqueza e a Pobreza das Nações. Traduzido por Álvaro Cabral. 4° Edição. São Paulo.
Campus. 1998. p.55
4
Cf. Eduardo Lycurgo Leite. Plágio e outros estudos de Direito de Autor. RJ. Lúmen Júris. 2009 – Diz que os
tipos móveis só serão utilizados na China depois do Século XI
Mariot, Berti & Kanner – Sociedade de Advogados
1
mesmo a evidência da falsidade do conhecimento convencional podia ser rechaçada como
aparência. Como resultado, a atividade intelectual segmentou-se de acordo com linhas
pessoais e regionais, e a realização científica mostra surpreendentes descontinuidades. “O
grande matemático Chu Shih-chieh5, treinado na escola setentrional, migrou para Yangchu,
no sul, onde seus livros eram impressos, mas não pôde encontrar discípulos. Em
consequência, as mais sofisticadas de suas realizações tornaram-se incompreensíveis às
gerações seguintes. Mas os textos científicos básicos eram propriedade comum por toda a
parte”.6
A imprensa chegou à Europa Medieval alguns séculos mais tarde. Mas, segundo
Landes, não devemos pensar que a imprensa fez o livro e inventou a leitura. Pelo contrário,
o interesse pela palavra escrita cresceu rapidamente na Idade Média, sobretudo depois que
a burocracia e a ascensão das cidades aumentaram a demanda de registros e documentos.
O governo fundamentava-se em papel. Documentos públicos eram feitos por escrito e na
língua vulgar ao invés do sofisticado (e sagrado) latim, abrindo-se para um conjunto mais
amplo de leitores e uma literatura de discordância.7
Com isso, houve um grande volume de documentos transitando na Europa da época,
tanto que os copistas não davam conta da demanda. Daí porque muitos métodos de cópia
foram desenvolvidos a fim de aumentar o material de leitura. Manuscritos foram preparados
e encadernados em fascículos separáveis; isto dividia o trabalho de escrever, enquanto
permitia que muitas pessoas lessem o livro ao mesmo tempo. E tal como na China, a
impressão em bloco chegou antes dos tipos móveis, produzindo mais panfletos do que livros
e, uma vez mais, copiosamente ilustrados. Assim, quando Gutenberg publicou sua primeira
Bíblia, entre 1452 e 1455, o primeiro livro ocidental impresso por tipos móveis, ele trouxe
esta nova técnica para uma sociedade que já tinha aumentado significativamente sua
produção de escrita e capacidade de leitura e, portanto, estava ansiosa para utilizá-la.8
Apesar das grandes vantagens da imprensa de tipos móveis, ela não foi uma
unanimidade. Os países muçulmanos rejeitaram-na por muito tempo, em grande parte por
razões fundamentalmente religiosas: a ideia do Alcorão impresso era inaceitável. Judeus e
cristãos tinham impressoras em Istambul, mas não os muçulmanos. O mesmo na Índia: só
no começo do século XIX foi aí instalada a primeira impressora. Na Europa, por outro lado,
ninguém podia deter a nova tecnologia. A autoridade política estava fragmentada demais. A
5
Chu Shih-chieh foi um matemático chinês que viveu durante a dinastia Yuan. Nascido perto da atual Pequim,
dois de seus trabalhos matemáticos sobreviveram; Introdução ao Estudo Computacional escrito em 1299, é um
livro sobre matemática elementar. Chu incluiu quatro problemas ilustrativos para explicar operações de aritmética
e álgebra, adicionando 284 mais problemas como exercícios. Este livro também mostrou como medir diferentes
formas bidimensionais e tridimensionais de sólidos. A Introdução teve uma importante influência sobre o
desenvolvimento da matemática no Japão. O livro foi perdido na China até que uma cópia do livro foi feita a partir
de uma fonte de uma edição coreana de 1660. Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Chu_Shih-
chieh> Acesso em 20 out 2010
6
Na legislação brasileira, não são objeto de proteção como direitos autorais, segundo o artigo 8°, inciso I, da Lei
9.610/98, as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais.
7
Cf. David S.Landes. Riqueza e a Pobreza das Nações. op.cit. p.55
8
Cf. David S.Landes. Riqueza e a Pobreza das Nações. op.cit. p.56
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2
Igreja tentara frear as traduções em vernáculo das Escrituras Sagradas e proibir a
disseminação de textos canônicos e não canônicos.9
Curioso porém é observar que assim como fora feito o raciocínio de que o direito de
autor, da forma como se conhece hoje, teria nascido junto e por consequência natural da
prensa de tipos móveis, e portanto, com a revolução da imprensa de Gutenberg. Muitos
estudiosos fazem o mesmo raciocínio em relação à possibilidade do aparecimento do direito
de autor na China, pelo mesmo motivo e da mesma forma.
De fato, ensina Lycurgo Leite que a noção de que os Direitos de Autor surgiram na
China logo após a invenção dos tipos móveis (ou prensa) goza de ampla aceitação nos
meios acadêmicos chineses e advém, principalmente, da comparação com eventos
similares ocorridos na Europa.10
O autor citando autores americanos Peter Ganea e Thomas Pattloch menciona que:
(...) segundo os doutrinadores chineses, a consciência autoral na China
data de um período em que o ocidente ainda se encontrava imerso nas
profundezas da Idade Média, pois referem-se às anotações autorais
ancestrais contidas, por exemplo, em cópias da obra Dongdu Shilüe (East
City Annotations), na qual se proibia qualquer indivíduo que não o editor –
Cheng – de imprimir a obra, e no livro intitulado Biographical Sketch of the
11
Capital of the Northern Song, editado durante a Dinastia Song e o qual
trazia anotado que a obra fora editada pela Família Cheng de Mei Shan, os
direitos registrados perante a autoridade competente e que não se permitia
12
a reprodução da referida obra sem autorização
Adverte ainda Lycurgo Leite que, se a anotação acima estivesse acompanhada do
ano de publicação seria muito semelhante à menção de autoria contemplada pela
Convenção Universal sobre Direito de Autor.13
Prossegue citando Zheng Chengsi, doutrinador chinês, e afirma:
(...) é comumente admitido que os direitos de autor originaram-se,
concomitantemente, à invenção das técnicas de impressão. No Ocidente é
creditada ao alemão Gutenberg, no século XV, a invenção de tais técnicas.
Entretanto na China, Bi Sheng (na Dinastia Song) usou os tipos móveis
muito antes do século XI, e isso encontra-se nos registros históricos de
14
vários países.
9
Cf. David S.Landes. Riqueza e a Pobreza das Nações. op.cit. p.57
10
Cf. Eduardo Lycurgo Leite. Plágio e outros estudos de Direito de Autor. op. cit. p.90
11
A dinastia Song ou Sung, que governou a China de 960 a 1279, deveu a sua existência a um jovem oficial que
pensou ter tido uma visão. Essa visão significava, declarou, que um novo imperador iria tirar a China das mãos
do jovem imperador Kung-ti, da dinastia Chou. Os oficiais seus colegas pensaram que aquilo queria dizer que o
seu general, Chao Kuang-yin, seria o novo imperador. Acordaram-no e proclamaram-no como novo governante,
Sung Tai Tsu. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Dinastia_Sung> Acesso em 15 out 2010.
12
Cf Peter Ganea e Thomas Pattloch. Copyright. In Intellectual property law in China. Max Planck Series on
Asian Intellectual property Law, Vol.11. 2005, p.205 apud Lycurgo Leite, op.cit. p 91
13
Cf. Eduardo Lycurgo Leite. Plágio e outros estudos de Direito de Autor. op. cit. p.90
14
Cf. Chengsi Zheng e Michael Pendleton. Chinese Intellectual property and Technology Transfer Law. Londres:
Sweet and Maxwell, 1987, p.86 (apud Lycurgo Leite. op.cit p.92)
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3
Assim, existe farta documentação histórica e registros, principalmente do período da
Dinastia Song, onde autoridades proíbem editores, que não haviam registrado previamente
a obra, de publicá-las, sob pena de terem seus equipamentos destruídos e serem punidos,
principalmente durante o tempo no qual os tipos móveis teriam sido inventados.15
Como já dito, a impressão de livros na China iniciou-se com a utilização de blocos de
madeira muito antes da invenção da prensa por Gutenberg16, sendo que a propriedade dos
livros na China era protegida pelas leis penais contra o furto e, posteriormente, as criações
intelectuais passaram a ser regidas pelo direito de propriedade, sendo que a proteção aos
direitos do autor dava-se através de ordens específicas expedidas pelas autoridades
chinesas.17
Este regime de proteção baseado na expedição de ordens específicas perdurou até
o final da Dinastia Qing18, ou seja, até início do século XX (1910), quando então foi editada a
Lei de Direito de Autor do Grande Império Qing, a qual, pode-se considerar, a primeira
norma genuinamente autoral chinesa por conter cláusulas similares àquelas encontradas
nas leis autorais de outros países.19
Baseados em evidências históricas, afirma Lycurgo Leite, alguns doutrinadores
defendem a ideia de uma consciência autoral já no período da China imperial pois, a
invenção dos tipos móveis teria, automaticamente, dado origem ao reconhecimento da
necessidade de proteção autoral; razão pela qual, teria sido a China o primeiro país a
desenvolver o que o autor chama de “consciência autoral”.
Mas essa afirmação não é unânime. Outros doutrinadores, como Alford, consideram
esta interpretação muito simplista e argumentam que a menção ocasional aos direitos
exclusivos de impressão a que se referem documentos antigos, seria apenas um “sistema
rudimentar de privilégios” provavelmente com a mesma motivação relacionada ao poder e à
censura, como ocorreu no Ocidente. Alford sustenta ainda que a China Imperial tinha uma
estrutura hierárquica que não permitia o desenvolvimento de valores relacionados com
direitos deste tipo onde são valorizados a consciência autoral calcada, principalmente, em
um sistema de recompensas pelo esforço criativo.20
15
CF Willian P. Alford. To Steal a Book is na Elegant Offense. Intellectual property Law in Chinese Civilization.
Stanford: Stanford Univ. Press, 1995, p.13
16
Segundo Ganea e Pattloch século IX e segundo Alford, entre século VI e X (não existe consenso sobre a data
exata).
17
Cf. Eduardo Lycurgo Leite. Plágio e outros estudos de Direito de Autor. op. cit. p.91
18
A dinastia Qing, por vezes conhecida como a dinastia Manchu, foi fundada pelo clã Manchu Aisin
Gioro. Esta dinastia começou quando os manchus invadiram o norte da China em 1644 e derrotaram
a dinastia Ming. Desta região, os manchus expandiram a dinastia para a China propriamente dita e os
territórios circundantes da Ásia central, estabelecendo o Império do grande Qing (pinyin: dàqīng
dìguó). A Qing foi a última dinastia imperial da China; os seus imperadores ocuparam a sua capital
entre 1644 e 1912, quando, no seguimento da Revolução Xinhai, uma república foi estabelecida e o
último imperador da China, Puyi, abdicou. Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Dinastia_Qing>
Acesso em 20 out 2010
19
Cf. Eduardo Lycurgo Leite. Plágio e outros estudos de Direito de Autor. op. cit. p.92
20
CF Willian P. Alford. To Steal a Book is an Elegant Offense. Intellectual property Law in Chinese Civilization.
op.cit. p.61
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4
Não obstante autores como Landes, Zheng Chengsi e Alford, embora não estejam de
acordo sobre como as coisas se sucederam na antiga China, é certo que concordam que
existia um sistema de privilégios relacionados à impressão e que, neste sentido, a história
da China e do Ocidente em muito se assemelham e que quando aparece uma tecnologia
que permite a reprodução em massa, com a mesma qualidade do original, de obras
intelectuais, surge um sistema de proteção.
Lei do Direito Autoral do Grande Império Qing
Segundo o professor Lycurgo Leite, ao contrário do que ocorria no Japão, que já no
século XIX, reconhecia voluntariamente a proteção autoral como um instrumento de
crescimento nacional, na China pouco se debatia acerca da proteção autoral como uma
forma de satisfazer interesses nacionais.
Já no início do século XX, época dos grandes tratados unionistas (Paris e Berna) a
China sofria grande pressão do resto do mundo demandando a proteção autoral para
autores estrangeiros. Estas pressões vinham principalmente do Japão e dos Estados Unidos
e deram origem a uma série de acordos comerciais internacionais.
A partir destes acordos, os autores e editores chineses passaram a reivindicar a
proteção contra contrafação editorial, que aumentava constantemente como um indesejável
produto da próspera indústria editorial chinesa.21
Em 1910, um ano antes de ser deposta a Dinastia Qing, foi editada a Lei de Direitos
de Autor no Grande Império Qing, baseada na legislação japonesa, foi a primeira norma
verdadeiramente autoral do direito chinês.22
Esta norma, assim como ocorreu na maioria dos países, signatários de Berna que
normatizaram esta matéria naqueles anos iniciais do século XIX, definiu e regulou os direitos
autorais, assim como, estabeleceu penas para a utilização indevida de obras intelectuais.
Entretanto, curiosamente estabelecia proteção somente a obras registradas, garantindo o
direito de exploração pelo prazo de 30 anos contados a partir da morte do autor. Previa
também a proteção perpétua aos direitos pessoais (ou morais), em especial ao direito de
integridade.23
Esta norma sobreviveu às diversas mudanças políticas ocorridas na China, pois foi
sempre entendida como uma norma politicamente “neutra”. Em 1949 com a proclamação da
república popular da China, passou a integrar o sistema jurídico de Taiwan.24
21
Cf. Eduardo Lycurgo Leite. Plágio e outros estudos de Direito de Autor. op. cit. p.93
22
Peter Ganea e Thomas Pattloch. Copyright. In Intellectual property law in China. Max Planck Series on Asian
Intellectual property Law, Vol.11. 2005, p.205, apud, Eduardo Lycurgo Leite, op.cit. p 93
23
Eduardo Lycurgo Leite, op.cit. p 94
24
A República da China (RC), vulgarmente conhecida como Formosa, Taiwan ou Taiuã é um Estado
localizado na Ásia Oriental, que evoluiu de um estado de partido único com reconhecimento mundial
e jurisdição plena sobre a China em um estado democrático, com reconhecimento internacional
limitado e com competência sob a ilha de Taiwan e outras ilhas menores, apesar de usufruir de
relações de fato com muitos outros Estados. Até 1949, o governo da China reconhecido
internacionalmente e como tal, um dos membros fundadores da Organização das Nações Unidas e
um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, até ser substituído pela
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5
A Revolução Cultural
O período que corresponde ao que se chama de Revolução Cultural foi de 1969 a
1979 e é conhecido pelos chineses como “a catástrofe dos dez anos” pois foi um período de
grande repressão e pouca produtividade, inclusive no campo cultura.25 Mas antes disso, em
1949, com a proclamação da República Popular da China, todas as leis até então existentes,
incluindo-se aí a legislação autoral, foram abolidas pelo Comitê Central do Partido
Comunista.
Não obstante, apesar dos direitos de autor representarem uma “propriedade
imaterial”, a liderança comunista mostrou-se disposta a continuar recompensando a
iniciativa criativa.26
Assim, cerca de um ano após a criação da Republica Popular da China o documento
intitulado de Declarações sobre a Melhoria e o desenvolvimento das Atividades Editoriais foi
promulgado pelo Escritório Geral de Publicações.27
Segundo o professor Lycurgo Leite:
O documento considerava a necessidade de respeito aos interesses dos
criadores intelectuais até um certo ponto, e estabeleceu que os direitos de
autor e o direito de publicação deveriam ser respeitados, sendo que, o plágio,
a violação ao direito de integridade, e a edição sem autorização estavam
proibidos. Estabeleceu ainda que todos os livros deveriam ter uma página a
qual conteria as informações autorais, o pagamento de remunerações, e,
para a proteção dos autores, tornou ilegal a alienação total dos direitos de
28
autor
Mas com o passar do tempo e com o recrudescimento do partido comunista chinês,
face ao posicionamento político mais radical, toda e qualquer forma de propriedade privada
tornou-se indesejada e, entre elas a própria proteção autoral.
Assim, em 1958, o Ministério da Cultura promulgou as Cláusulas Preliminares do
Manuscrito de Remuneração para Obras Literárias e os Livros sobre Ciências Sociais, ao
invés de aprimorar a proteção autoral.
República
Popular
da
China
em
1971.
Disponível
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Rep%C3%BAblica_da_China> Acesso em 26 set 2010
em:
25
A Revolução Cultural da China (ou, de modo completo, Grande Revolução Cultural Proletária) foi um
movimento de massas na República Popular da China dentre os anos de 1966 e 1976, por parte de
estudantes e trabalhadores, contra a burocracia que tomava conta do Partido Comunista Chinês. Incidental
ou intencionalmente, o movimento acabou enfraquecendo os adversários de Mao Tse-tung que ganhavam
força então. A Revolução Cultural representou uma depuração partidária, contra o revisionismo que se
insinuava. O processo foi oficialmente terminado por Mao em 1969, mas os especialistas dizem que ele durou
até o golpe contra os seguidores próximos e Chiang Ching, esposa de Mao (a Camarilha dos Quatro), 1976.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Cultural_Chinesa> Acesso em 20
out 2010
26
Cf Eduardo Lycurgo Leite. op.cit. p.94
27
Cf Wei Zhi. Der Urheberrechtsschutz in China. Munique, 1994. p.7 apud Lycurgo Leite.op. cit. p.94
28
Cf Eduardo Lycurgo Leite.op.cit. p.95
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6
Tal norma estabelecia que a forma de remuneração dos criadores intelectuais se
relacionava com o tamanho do manuscrito e o número de cópias feitas, não considerando
esforço criativo ou a possibilidade de venda da obra.29
Durante a Revolução Cultural, até mesmo esta norma incomum se tornou inútil,
sendo que a indiferença pelos criadores intelectuais, em geral, se matéria até 1978, quando
Deng Xiaoping 30 anunciou a política da reforma e o Escritório geral de Publicações
apresentou o projeto da Lei Autoral que teve sua origem na pressão feita pelos intelectuais
chineses, pelo respeito aos direitos intelectuais, durante a Terceira Sessão Plenária do
Décimo Primeiro Comitê Central em 1978 e, em parte por acordos comerciais internacionais
celebrados então pela China.31
O Direito Autoral chinês contemporâneo
No período de 1979 a 1990 pouco ou nada ocorreu na China em termos de
legislação autoral, salvo uma série de normas autorais para resolver pequenos problemas
internos. Qualquer tentativa de implantação de uma legislação autoral mais consistente era
obstruída porque considerava-se que a China ainda não estava preparada para tanto e que
tal legislação, naquele momento, só beneficiaria autores estrangeiros.32
Mas a pressão externa e também interna para que a China aderisse aos tratados
internacionais, pois que se avizinhava a Convenção do Uruguai que viria a dar origem à
OMC em 1994, e em 1990, finalmente foi promulgada, durante a 15° Sessão do Comitê
Permanente do 17° Congresso Nacional Popular, a Lei Autoral Chinesa, sendo que, em
1991, o Conselho de Estado promulgou as Regras de Implantação da Lei Autoral,
documento que suplementou a própria lei e estabeleceu diretrizes administrativas para a
concessão da proteção autoral, incluindo a sua aplicação.33
A Lei Autoral de 1990 visava a integração no cenário autoral e, principalmente,
comercial internacional. Assim, a China adotou a proteção autoral nos moldes da
comunidade internacional, estabelecendo o objeto sobre o qual recai a proteção, o prazo
dessa proteção, os direitos de exclusividade do autor, as limitações a este direito, etc.; isto é,
observando os elementos e requisitos mínimos de proteção.
A Lei Autoral de 1990 foi qualificada como uma norma moderna e reproduziu o
modelo predominante na Europa Continental, uma vez que distinguia direitos morais de
paternidade, edição, integridade e os direitos advindos da exploração econômica da obra,
29
Cf Wei Zhi. Der Urheberrechtsschutz in China. Munique, 1994. p.7 apud Lycurgo Leite.op. cit. p.95
30
Deng Xiaoping, em Dèng Xiǎopíng, em transcrição Wade-Giles Teng Hsiao-p'ing, (22 de agosto de
1904 — 19 de fevereiro de 1997) foi o secretário-geral do Partido Comunista Chinês(PCC), sendo, de
fato, o líder político da República Popular da China entre 1978 e 1992. É o criador do chamado
socialismo de mercado, regime vigente na China moderna. Disponível em: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deng_Xiaoping> acesso em 20 set 2010
31
Peter Ganea e Thomas Pattloch. Copyright. In Intellectual property law in China. Max Planck Series on Asian
Intellectual property Law, Vol.11. 2005, p.205, apud, Eduardo Lycurgo Leite, op.cit. p 95
32
Cf Willian P. Alford. op. cit. p 57
33
Cf Eduardo Lycurgo Leite, op.cit. p 95
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7
além de conter cláusulas com listas exemplificativas de obras protegidas e fazer clara
distinção entre direito de autor e conexos.34
Não obstante, mesmo com esses esforços, a legislação chinesa ainda apresentava
algumas lacunas com relação aos padrões de proteção internacionalmente estabelecidos e
a partir de 1992 passou a integrar-se paulatinamente ao sistema internacional, assinando
uma série de tratados e protocolos que versavam sobre a matéria.
Mas a falta de experiência legislativa sobre a matéria e o conseqüente excesso de
proteção, típico de países em desenvolvimento, fizeram com que a Lei Autoral de 1990 se
tornasse ineficaz em uma série de aspectos.
No final da década de 90 a China buscava integrar-se à OMC – Organização Mundial
do Comércio35 e, para que fosse admitida em tal organismo, deveria adequar suas normas
ao ordenamento jurídico internacional, em especial ao TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual, relacionados ao Comércio) 36 , bem como estabelecer
meios mais eficazes de proteção à propriedade intelectual.
Em 2001, quando se aproximava o ingresso da China à organização Mundial do
Comércio, mostrou-se oportuno o momento para uma revisão geral na legislação autoral e
assim, em outubro de 2001, durante o 9° Congresso Popular Nacional, promulgou-se a
decisão sobre a Emenda da Legislação Autoral, a qual, apesar de inúmeras e significantes
mudanças em suas regras individuais, não apresentou alterações em sua estrutura geral,
34
Cf Willian P. Alford. op. cit. p 79
35
A Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma organização internacional que trata das regras
sobre o comércio entre as nações. Os membros da OMC negociam e assinam acordos que depois
são ratificados pelo parlamento de cada nação e passam a regular o comércio internacional. Em
inglês é denominada World Trade Organization” (WTO) e possui 153 membros. O surgimento da
OMC foi um importante marco na ordem internacional que começara a ser delineada no fim da
Segunda Guerra Mundial. Ela surge a partir dos preceitos estabelecidos pela Organização
Internacional do Comércio, consolidados na Carta de Havana, e, uma vez que esta não foi levada
adiante pela não aceitação do Congresso dos E.U.A., principal economia do planeta, com um PIB
maior do que o das outras potências todas somadas, imputou-os no GATT de 1947, um acordo
temporário que acabou vigorando até a criação efetiva da OMC após as negociações da Rodada
Uruguai
em
1995.
Disponível
em:
<
http://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_Mundial_do_Com%C3%A9rcio> Acesso em
16 out 2010
36
O Acordo TRIPs é um tratado Internacional, integrante do conjunto de acordos assinados em 1994
que encerrou a Rodada Uruguai e criou a Organização Mundial do Comércio. Também chamado de
Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio
(ADPIC), tem o seu nome como resultado das iniciais em inglês do instrumento internacional. O
TRIPS foi negociado no final da Rodada Uruguai no Acordo Geral de Tarifas e Troca (GATT) em
1994. Sua inclusão foi a culminação de um programa de intenso lobby pelos Estados Unidos, com o
apoio da União Européia, Japão e outras nações desenvolvidas. Campanhas de apoio econômico
unilaterais sob o Sistema Generalizado de Preferências e coerção dentro da seção 301 das Leis de
Comércio tiveram um papel importante em derrotar políticas em oposição que eram favorecidas por
paises em desenvolvimento, principalmente Coréia e Brasil, mas também Tailândia, Índia e países do
Caribe. Em troca, a estratégia dos Estados Unidos de ligar políticas de comercio a padrões de
propriedade intelectual podem ser traçadas desde o empreendimento de gerenciamento senior na
Pfizer no inicio dos anos 80, quem mobilizou corporações nos Estados Unidos e fizeram com que a
maximização dos privilégios de propriedade intelectual fosse a prioridade numero um da política de
comércio nos Estados Unidos. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_TRIPs> Acesso
em 16 out 2010
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8
sendo sua base ainda a lei de 1990 com os aperfeiçoamentos do TRIPs para que a China
possa cumprir com suas obrigações internacionais.37
A influência do confucionismo
David Landes, em brilhante estudo sobre a civilização chinesa comenta as diferenças
entre um povo que vive sobre a égide dos valores do Confucionismo e o um povo cristão
como eram os europeus da Idade Média. Assim, os chineses, grandes navegadores,
levavam em suas caravelas presentes para os povos ultramarinos, para conquistá-los para o
comércio. Os europeus levavam crucifixos e armas para conquistar, saquear e converter.
A partir da invenção da pólvora os chineses inventaram os fogos de artifício. Os
europeus, a partir da mesma pólvora, desenvolveram o canhão.38
Se as normas nascem dos costumes e valores de um povo, a pergunta que se nos
coloca é até que ponto a resistência chinesa em adequar suas regras internas com relação
à propriedade intelectual às normas internacionais poderia ser em parte atribuída a eventos
e diferenças históricas e culturais, que remontam cerca de 2500 anos aos ensinamentos de
Confúcio e sua influência na tradição cultural chinesa? 39
No mundo ocidental, como visto, a proteção autoral reflete basicamente as
liberdades individuais, com ênfase nos benefícios individuais, os direitos de autor e seus
aspectos financeiros e, de forma secundária, os eventuais benefícios sociais.
Contrariamente, na cultura tradicional chinesa acredita-se que os indivíduos são
obrigados a dividir suas criações com a comunidade40. A busca pela recompensa econômica
era considerada como uma ameaça ao Estado e desencorajada. Novas ideias e tecnologias
são consideradas como bens públicos, e o estímulo cultural ao invés do ganho material é a
ferramenta que serve de incentivo para a criatividade.
Portanto, há uma grande diferença entre o pensamento oriental e o pensamento
ocidental. Como exemplo desta diferença Alford menciona a questão da natureza da
verdade e da descoberta. No Confucionismo enfatiza-se o aprendizado pela cópia, o que era
aplicado em todos os aspectos da vida na China, de modo que, “a cópia de obras de quase
todos os tipos foi, por séculos, considerada como honrosa e necessária”.41 O furto intelectual,
conhecido no Ocidente, apresenta-se como um conceito relativamente novo para os
chineses.42
A ética do Confucionismo representa uma força muito importante na cultura chinesa
e, certamente, teve (e ainda tem) um papel relevante na formação da cultura moderna.
37
Cf. Eduardo Lycurgo Leite. op cit. p.97
38
Cf. David S.Landes. Riqueza e a Pobreza das Nações. op.cit. p.57/58
39
Cf. Eduardo Lycurgo Leite. op.cit. p.97
40
Cf. Philip G. Altbach. Ecomomic Progress Brings Copyrigth to Asia. (1988) 139.9 Far Eastern Econon. Rev.62
(apud Lycurgo Leite. op.cit p.97)
41
Cf Willian P. Alford. op. cit. p 57 (apud Lycurgo Leite. op.cit p.98)
42
Cf Willian P. Alford. op. cit. p 58 (apud Lycurgo Leite. op.cit p.99)
Mariot, Berti & Kanner – Sociedade de Advogados
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Segundo Alford a clara noção de que as idéias e obras intelectuais deveriam ser
divididas ou repartidas com a sociedade deriva diretamente do Confucionismo e são muito
anteriores ao regime comunista, razão pela qual, pode-se deduzir que estão profundamente
enraizadas na cultura chinesa.
Assim, para os chineses a cópia não tem nada de forma inferior de imitação, muito
pelo contrário, é louvável e admissível. Não é cena incomum ver estudantes chineses
tentando copiar o mestre na sua forma de reproduzir os ideogramas que além de sistema de
escrita do mandarim também é forma de expressão artística. Para a maioria dos povos
asiáticos o maior elogio que alguém pode receber é o de ter sua obra copiada.43
Não bastasse, o professor Lycurgo Leite nos adverte que na cultura oriental, tem-se
como virtudes essenciais a devoção paternal e a obediência à autoridade, além da
presunção de não se questionar as opiniões e decisões dos superiores mais velhos.
Adicione-se a isso, o fato de que, historicamente, a forma como as leis eram vistas pela
população chinesa era consideravelmente diferente da forma como os ocidentais viam suas
normas positivadas.44
Na sociedade chinesa, por muito tempo, o sistema jurídico tradicional foi visto como
uma “ferramenta” de domínio do Império para controlar a população. O filósofo Lao Tzu,
seguidor do Confucionismo, afirmou que quanto mais leis e ordens são promulgadas, mais
ladrões e usurpadores existirão.45
Durante muitos anos, a sociedade chinesa respeitou o ren zhi – regra dos homens - ,
mas não o fa zhi – regras de direito – com o imperador ou governador e seus representantes
possuindo o direito absoluto de ditar as normas de conduta para o povo, o qual, por sua vez,
exercia o dever absoluto de obediência.46
Portanto qualquer análise que se faça do sistema de proteção autoral chinês, deve
considerar a grande influência do Confucionismo na cultura tradicional chinesa, pois, não há
como separar a norma autoral do comportamento social e das mudanças pelas quais a
sociedade passa, pois a norma, para que efetivamente possa regular as relações jurídicas e
permitir que o homem viva em sociedade, deve se adaptar às realidades da vida social.47
43
Cf. David S.Landes. Riqueza e a Pobreza das Nações. op.cit. p.57
44
Cf. Eduardo Lycurgo Leite.op. cit., p.99
45
Cf. Tang Guanhong. A comparative study of Copyright and the public Interest in the United Kingdon and China
(2003) (apud Lycurgo Leite. op.cit., p.99)
46
Em chinês, o "Estado de Direito" é normalmente referido como “fa zhi” que significa literalmente "regulação por
leis". É considerado como a antítese da ren zhi (regulação por homens). Fa zhi, portanto, equivale a negar a
longa tradição de ren zhi . Ainda no início da década de 1980 fa zhi como um valor da cultura política chinesa
não era indiscutível. Desde 1999, porém, a Constituição prevê que a China será “governada, segundo a lei" (fa yi
zhi guo) e "estabelece um estado socialista regulamentado por lei". Portanto fa zhi ficou em primeiro lugar e,
acima de tudo, define uma forma de legislar ou seja, pelo Congresso Nacional Popular e do Conselho de
Estado (governo central). Implementação dos recém criados órgãos administrativos e judiciários.
Também no ensino jurídico predomina os elementos de fa zhi. Devido a um sistema político com um
"partido dirigente" como seu núcleo e à recusa da doutrina dos freios e contrapesos (separação de
poderes) fa zhi tende a ser um instrumento para fins políticos em vez de limitar o poder político.
Disponível em < http://wikis.fu-berlin.de/display/SBprojectrol/China> Acesso em 22 out 2010
47
Cf. Eduardo Lycurgo Leite.op. cit., p.100
Mariot, Berti & Kanner – Sociedade de Advogados
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GILBERTO MARIOT – Bacharel em Desenho Industrial pela PUC do Paraná, com pós-graduação em
Design Gráfico pela Scuola Dell, Umanitária di Milano; Bacharel em Direito com pós-graduação em
Comércio Exterior pela Aduaneiras de São Paulo, Gestão de Direitos Autorais pela Faculdade São
Luiz, e Direito das Novas Tecnologias pelo IICS – Instituto Internacional de Ciências Sociais. Mestre
em Direito pela UNIFMU. Sócio fundador da MBeK – Sociedade de Advogados. Professor de Direito
da propriedade Intelectual e Direito Internacional Privado.
Mariot, Berti & Kanner – Sociedade de Advogados
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