um estudo do feedback interativo na era digital

Transcrição

um estudo do feedback interativo na era digital
“Awesome job!” – um estudo do feedback interativo
na era digital
“Awesome job!” – a study on the interactive feedback
in the digital age
Denise Negreiros Soares1
(UFF)
Kátia Modesto Valério2
(UFF)
Resumo: Este artigo relata uma pesquisa netnográfica que tem como objetivo investigar o papel
interacional do feedback nas interações instrutor-aprendiz em uma das maiores comunidades de prática
para o ensino e aprendizagem de LE online atualmente: o Livemocha. Oferecendo cursos em 35 línguas
para mais de 9 milhões de membros em cerca 195 países ao redor do mundo, o Livemocha propõe o
aprendizado de LEs através de material pedagógico multimídia e da colaboração entre os membros da
comunidade, que atuam tanto como aprendizes quanto como instrutores. Portanto, o feedback fornecido
pelos membros instrutores orienta os membros aprendizes em seu processo de aprendizagem,
direcionando-os para a percepção de seus erros e possibilitando o aprimoramento da sua interlíngua.
Neste estudo, analisamos ocorrências de feedback interacional, descrevendo os movimentos
interacionais dos instrutores que visam estabelecer e manter suas imagens sociais - suas faces. Para
tanto, nos valemos de teorias de polidez orientadas a partir dos estudos de Goffman (1967) e Brown e
Levinson (1987). A análise realizada vem revelar que as amostras de feedback em foco são orientadas
para o estabelecimento de interações dinamizadas pelos aceleradores sociais da polidez positiva.
Pautando-se por valorizar a aproximação, cooperação e conhecimento compartilhado, os instrutores
parecem tentar ser solidários, tornando o feedback um evento comunicativo tão agradável quanto
possível.
Palavras-chave: aquisição de LE, comunidade de prática, feedback, interação, estratégias de polidez
Abstract: This article reports a netnographic study which aims at investigating the interactional role
of feedback in instructor-learner interaction in one of the largest communities of practice for FL
teaching and learning: Livemocha. Offering courses on 35 different languages to more than 9 million
members in about 195 countries worldwide, Livemocha intends to promote FL learning by means of the
provision of multimedia pedagogic material and the collaboration among its members, who act both as
learners and instructors. The feedback offered by community instructors, therefore, leads community
learners in their learning process, guiding them towards the perception of their errors and the
improvement of their interlanguage. In this research, we analize occurrences of interactional feedback,
describing the instructors’ interactive moves which aim at establishing and maintaining their social
images - their faces. In order to do that, we count on politeness theories supported by Goffman’s (1967)
and Brown and Levinson’s (1987) works. The analysis carried out reveals that the instances of
feedback focused on are geared to the establishment of positive politeness interactions. Promoting
closeness and cooperation as well as claiming common ground, community instructors seem to try to
appear sympathetic, turning the feedback into a communicative event as agreeable as they can.
Keywords: FL acquisition, community of practice, feedback, interaction, politeness strategies
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[email protected]
[email protected]
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1. Introdução
Felipe chega da faculdade e liga seu laptop. Ao checar seu e-mail, vê que a tarefa que
fez para seu curso de inglês online foi comentada. Felipe acessa o link que recebeu, considera
as correções sugeridas e fica satisfeito com as palavras de incentivo recebidas de alguns
instrutores. Ele deixa uma mensagem de agradecimento e, após corrigir e comentar uma
atividade submetida por um amigo esloveno que está aprendendo português, segue para a
página do curso onde encontra novos conteúdos e tarefas propostas para seu nível de
aprendizagem.
Felipe é membro de uma comunidade de aprendizes de Língua Estrangeira (LE) e as
práticas nas quais se engaja, embora se assemelhem àquelas experimentadas por alunos de
cursos de idiomas presenciais, têm características próprias. Há algum tempo, tem se tentado
comparar os dois modos de aprendizagem - online e presencial -, mas tais iniciativas, em sua
maioria, tem levado a resultados que indicam diferenças não significativas (HUBBARD,
2009). A despeito dos possíveis resultados de estudos desse tipo, a era digital se impõe como
nova realidade e, como tal, precisa ser descrita para que a compreensão de seus múltiplos
aspectos possibilite-nos lidar com os problemas a ela inerentes, sem nos privar de usufruir dos
avanços por ela proporcionados.
Nesse novo cenário, há que se saber como se estabelecem as relações interpessoais
entre aprendizes e seus instrutores em um contexto no qual inexistem trocas de olhares, gestos
e sorrisos. Buscamos, então, nesse artigo, amparadas pela sociolinguística interacional, em
especial, pelos estudos de polidez (BROWN; LEVINSON, 1987), descrever as tentativas de
integrantes de uma comunidade de aprendizagem online construírem suas imagens sociais; ou
seja, suas faces. Para tanto, a partir de uma visão netnográfica, consideramos os feedbacks
escritos fornecidos pelos instrutores da comunidade de prática online conhecida como
Livemocha e observamos suas estratégias de realização, enfocando, principalmente as
características interacionais desses contatos mediante os recursos oferecidos pelo ambiente
virtual de aprendizagem. Procuramos identificar as estratégias utilizadas para compatibilizar
as demandas de clareza e objetividade que a interação a distância requer às necessidades de
preservação das imagens sociais de aprendiz e instrutor cooperativos a que estamos
acostumados em interações presenciais.
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2. A evolução de CALL
Para falar sobre a aquisição de línguas em ambiente digital, é preciso esclarecer o que
é CALL (aprendizagem de línguas mediada por computador). À princípio, a CALL referiu-se
à aprendizagem mediada pelo computador através de programas tradicionalmente utilizados
para atividades de leitura, gramática e sintaxe nos anos 60, 70 e 80 que ofereciam um
estímulo ao qual o aprendiz daria uma resposta. O tratamento do erro e o feedback ocorriam
de forma discreta. Em programas mais recentes e sofisticados havia a tentativa de analisar a
resposta dos aprendizes, apontando os erros, oferecendo suporte e atividades complementares
e de revisão de conteúdo. A partir dos anos 90, os CD-Roms e os DVD-Roms agregaram o uso
de sons e imagens à CALL, possibilitando uma aprendizagem multimídia através de
atividades tais como o role play, na qual o aprendiz poderia gravar sua própria voz como
parte de um diálogo com um falante nativo e reproduzi-lo ao término da gravação.
Recentemente, conforme apontam Egbert e Petrie (2005) e Lamy e Hampel (2007), a CALL
abrange outras terminologias, tais como CMC (comunicação mediada pelo computador) e
CMCL (aprendizagem colaborativa mediada por computador). Em termos de aquisição de
LEs online, os recursos multimídia são usados para provimento de insumo, mas a
aprendizagem consolida-se a partir da interação entre aprendizes e instrutores. A CMCL
tornou-se uma prática bastante difundida em todo o mundo, possibilitada a princípio pelo
correio eletrônico e, mais recentemente, pelas redes sociais.
A demanda pela educação a distância (EaD) é crescente em todo o mundo, motivada
pela flexibilidade de navegação, possibilidade de interação (síncrona e assíncrona)
permanente entre seus usuários, acesso rápido à informação e à comunicação interpessoal, em
qualquer tempo e lugar; dentre outros. Ou seja, os meios online promovem interatividade,
hipertextualidade e conectividade, três características que garantem o diferencial para a
aprendizagem individual ou em grupo. Dessa forma, fomenta-se o ensino e a aprendizagem
colaborativos, viabilizados pelas ferramentas de interação e comunicação. Atualmente há uma
demanda por cursos de línguas estrangeiras (LEs) online, seja por motivo de desenvolvimento
profissional, educacional, ou mesmo para enriquecimento pessoal. Com o advento da web 2.0
em 2004, as redes digitais difundiram-se, possibilitando as relações sociais e o intercâmbio
cultural, sem limites de tempo e espaço. Aliados ao uso das ferramentas multimídia, esses
aspectos promovem um ambiente fecundo para a aquisição de LE. Surgem então as
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plataformas de ensino à distância, a aprendizagem de línguas em e-tandem3 via mensagens
instantâneas e as comunidades de prática que unem grupos com interesses afins de
aprendizagem e que constroem conhecimento colaborativamente.
3. A aprendizagem de LE em comunidade de prática online
A princípio, as redes sociais surgiram com o propósito de promover a interação entre
seus membros através do intercâmbio de informações pessoais. Mais recentemente, nota-se
que além de servir a esse propósito, as redes sociais também têm sido usadas como ferramenta
de construção de conhecimento coletivo de forma colaborativa, o que também as caracterizam
como uma comunidade de prática. Segundo Wenger (2006), o termo ‘comunidade de prática’
foi cunhado recentemente, apesar de referir-se a um fenômeno já antigo. Atualmente este
conceito vem possibilitando uma perspectiva bastante útil sobre conhecimento e
aprendizagem. É crescente o número de pessoas e organizações em todo o mundo que vêm
utilizando essas comunidades para construir conhecimento e aperfeiçoar suas práticas. São
formadas por um grupo de pessoas comprometidas em compartilhar informações, aprender
colaborativamente sobre determinado assunto e, principalmente, refinar suas práticas. Para
tanto, os membros fazem uso de um conjunto de recursos, tais como a troca de experiências,
de ferramentas, o mapeamento do conhecimento e a identificação do que ainda não sabem
(lacunas) ou de formas de solucionar problemas recorrentes. Isto implica em uma demanda de
tempo e em uma interação regular; isto é, envolvimento e comprometimento entre os
membros da comunidade.
4. Feedback em ambiente de aprendizagem online
Quando as interações dependem exclusivamente de mensagens recebidas online a
necessidade de um retorno aumenta, podendo gerar ansiedade e até mesmo certa aflição na
expectativa do feedback. Segundo Paiva (2003), em ambientes digitais de aprendizagem serão
percebidos dois tipos de feedbacks, avaliativo e interacional. O feedback avaliativo tem por
objetivo avaliar o aluno, o grupo, o professor ou o curso; enquanto o feedback interacional
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Consiste em um processo colaborativo entre aprendizes no qual um aprende a língua do outro.
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enfoca a qualidade das interações de um modo geral, o que inclui sugestões e incentivos à
participação dos alunos.
Segundo Schwartz e White (2000, p.169-170), para os aprendizes em ambientes
online, o feedback efetivo é aquele que é imediato, oportuno e completo; formativo e dirigido
ao grupo; avaliativo; construtivo, substantivo e que dê suporte; específico, objetivo e
individual; e consistente. Em CMCL será essencial que o feedback seja oferecido de forma
bastante clara, objetiva e detalhada já que muitas vezes ocorre de maneira assíncrona e não há
possibilidade de negociação da forma ou do sentido no momento em que o erro ocorre. É
essencial que o instrutor online esteja atento à maneira como oferece feedback aos alunos para
que de fato os esteja orientando à reflexão e correção dos seus erros e não gerando novas
dúvidas. Assim os alunos perceberão que o feedback recebido é relevante para o processo de
construção de seu conhecimento e que colabora para uma aprendizagem autônoma.
Nesse estudo o feedback considerado, o qual denominamos feedback interativo, é
aquele voltado para o estabelecimento da imagem social de instrutor e aprendiz.
5. Comunicação e comportamento em ambiente digital
As redes digitais de ensino e aprendizagem exigirão de aprendizes e instrutores
acostumados aos contextos presenciais, uma reaprendizagem. Consequentemente, os modos
de ensinar e aprender terão de ser reavaliados para que maximizem as interações e a produção
coletiva. Isto irá favorecer a descentralização e as trocas sociocognitivas. Logo a EaD online
representa uma quebra de paradigmas educacionais e não mais um processo de ensino ou de
instrução a partir de instrumentos tecnológicos. Vejamos, portanto, quais aspectos
constituirão a comunicação mediada pelo computador (CMC), e o comportamento em
ambiente digital.
Nesse tipo de ambiente, tanto a linguagem oral como a escrita adquirem características
distintas daquelas recorrentes em interações face a face. Ocorre a ausência de alguns ou de
vários elementos dos ambientes presenciais, tais como visibilidade, audibilidade,
simultaneidade, efemeridade e ausência de registro. Em toda ocasião em que isso ocorrer,
tornar-se-ão necessárias habilidades e procedimentos especiais. O locutor precisa explicitar
suas intenções e expectativas de forma bastante objetiva para que seja plenamente
compreendido. Além disso, nas relações humanas, através de conversas espontâneas ou nas
interações em sala de aula, há a expectativa de que o outro demonstre que está prestando
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atenção ao que dizemos seja por meio de uma fala, um gesto, um olhar ou mesmo de uma
expressão facial. Tais formas de sinalização poderão transmitir concordância, dúvida, apoio,
ou simplesmente demonstrar que o interlocutor está atento à nossa fala. Portanto, o esforço de
co-construção de sentido online será maior requerendo habilidades, considerações e
procedimentos especiais. Faz-se, então, recorrente o uso dos emoticons – símbolos criados a
partir da combinação de caracteres tipográficos, tais como :) e :- ), expressando alegria,
simpatia ou aprovação, ou :( , expressando tristeza ou desapontamento.
6. A polidez e a troca de significado social
Assim como todas as relações sociais, a relação professor-aluno ocorre com base em
regras de convívio e uma das principais regras presentes nas interações sociais remete à teoria
da polidez. A polidez é uma forma de comunicar reconhecimento e respeito em uma interação
social, mediando a relação entre falante e ouvinte. Nas interações em sala de aula presencial, é
comum observar que os professores evitam fornecer evidências negativas ao aluno em
resposta a um erro cometido. Buscam, portanto, formas indiretas ou implícitas para o
tratamento do erro, assim como o uso de estratégias de polidez. Isso se deve à intenção do
professor de proteger sua face e a do aluno. Baseando-se no conceito de Goffman (1967) de
face como a auto-imagem pública que cada indivíduo deseja preservar, Brown e Levinson
(1987) elaboram as noções de face negativa e de face positiva. A primeira refere-se à
preservação dos interesses pessoais, a liberdade de ação e a manutenção de território; e a
segunda, busca a apreciação e a aprovação de sua auto-imagem ou de sua ‘personalidade’.
Qualquer ação que venha a contrariar a manutenção da face constitui um ato de ameaça à face
(AAF). Para que o falante ou o receptor não perca a face, são usadas estratégias de polidez.
De acordo com Brown e Levinson (ibid), a imagem social é mutuamente vulnerável, e por
isso geralmente utilizamos mecanismos para minimizar a ameaça. Os falantes empregam
estratégias mitigadoras de acordo com a avaliação do risco para a imagem dos envolvidos.
Diante da perspectiva de realizar uma ação ameaçadora existem algumas opções:
1) fazê-la de forma direta, sem ação reparadora;
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2) fazê-la, com polidez positiva: aponta para face positiva do ouvinte, de maneira que
demonstra que em algum nível o falante deseja as mesmas coisas que o ouvinte (mostra
pertencimento ao mesmo grupo);
3) fazê-la, com polidez negativa: Aponta para satisfazer a face negativa do ouvinte; seus
desejos básicos de manutenção de território e de auto-determinação;
4) fazê-la de maneira encoberta, de forma indireta;
5) não fazê-la.
Brown e Levinson estabelecem estratégias de polidez positiva, de polidez negativa e
de indiretividade, conforme listas abaixo:
Polidez positiva:
1. Perceba o outro. Mostre-se interessado pelos desejos e necessidades do outro.
2. Exagere o interesse, a aprovação e a compaixão pelo outro.
3. Intensifique o interesse pelo outro.
4. Use marcadores de identidade de grupo.
5. Procure acordo.
6. Evite desacordo.
7. Pressuponha, declare pontos em comum.
8. Faça piadas.
9. Explicite e pressuponha os conhecimentos sobre os desejos do outro.
10. Ofereça, prometa.
11. Seja otimista.
12. Inclua o ouvinte na atividade.
13. Dê ou peça razões, explicações.
14. Simule ou explicite reciprocidade.
15. Agrade, elogie, demonstre simpatia, compreensão, cooperação.
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Polidez negativa:
1. Seja convencionalmente indireto.
2. Faça perguntas, seja evasivo.
3. Seja pessimista.
4. Minimize a imposição.
5. Mostre respeito.
6. Peça desculpas.
7. Impessoalize o falante e o ouvinte. Evite os pronomes "eu" e "você".
8. Declare o AAF como uma regra geral.
9. Nominalize.
10. Vá diretamente como se estivesse assumindo o débito, ou como se não estivesse
endividando o ouvinte.
Indiretividade:
1. Dê pistas.
2. Dê pistas associativas.
3. Pressuponha.
4. Diminua a importância.
5. Exagere, aumente a importância.
6. Use tautologias.
7. Use contradições.
8. Seja irônico.
9. Use metáforas.
10. Faça perguntas retóricas.
11. Seja ambíguo.
12. Seja vago.
13. Generalize.
14. Desloque o ouvinte.
15. Seja incompleto, use elipse.
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Nas interações online assíncronas, especialmente nas relações professor-aluno, há a
necessidade de que o professor seja explícito e objetivo, pois ao término do envio da
mensagem não haverá oportunidade imediata para negociação da forma ou do significado
como nas interações face a face. Geralmente, os feedbacks corretivos fornecem correção
explícita, na qual o professor aponta claramente o erro do aluno e indica a forma correta; isto
é, oferece evidência negativa. O Por esse motivo, em alguns casos podem ocorrer AAFs, e,
portanto, as estratégias de polidez funcionam como uma forma de preservação da face tanto
do professor como do aluno. Nas relações humanas há o desejo de ser aceito, admirado,
cuidado, compreendido, ouvido e assim por diante (BROWN; LEVINSON, op. cit.). Para que
os instrutores online possam ser ao mesmo tempo claros e objetivos, considerando esses
anseios comuns dos alunos, faz-se comum o uso de estratégias de polidez. Segundo Lakoff
(1973), há três regras de polidez: não imponha, dê opções, e faça seu interlocutor sentir-se à
vontade. Dessa forma, para que a interação ocorra de forma agradável para ambos é preciso
que os interlocutores se sintam respeitados e aceitos. Para que isso aconteça, é necessário que
os instrutores online também saibam ser sutis ao sugerir correções ou outras formas mais
adequadas de escrita em determinado contexto.
Veremos neste estudo como as estratégias de polidez são usadas pelos membros da
comunidade para a preservação de suas faces, mesmo em interações que não ocorrem face a
face; isto é, muitas das vezes ocorrem exclusivamente online. É importante apontar que a
polidez é considerada um fenômeno social universal (LAKOFF, op. cit., BROWN;
LEVINSON, op. cit.); e, portanto, bastante pertinente ao presente estudo, já que a
comunidade de prática para aquisição de LE que será analisada promove a interação de
aprendizes de toda parte do mundo.
7. Contexto do estudo
O Livemocha é uma rede social criada em 2007 cujo propósito é promover a aquisição
de LE online. Trata-se de uma comunidade de prática para a aprendizagem de idiomas que
oferece cursos pagos e gratuitos em 35 línguas para mais de nove milhões de membros em
cerca de cento e noventa e cinco países ao redor do mundo. O Livemocha foi idealizado por
empresários que contam com uma equipe de consultores especialistas em aquisição de LE.
Sua proposta é o aprendizado de LEs através de material pedagógico multimídia e da
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colaboração entre os membros da comunidade, ou seja, instrutores e aprendizes de todo o
mundo.
Os procedimentos pedagógicos possibilitam a prática das quatro competências: ler,
escrever, ouvir e falar; tanto de forma síncrona (através dos chats) ou assíncrona (através das
atividades escritas ou orais). Nesta última forma, os aprendizes escolhem dentre os membros
da comunidade instrutores nativos, fluentes ou mesmo outros aprendizes de nível mais
avançado para submeterem suas atividades. Em resposta aos mesmos os aprendizes recebem
feedbacks que os orientam na percepção e correção de seus erros, assim como incentivo e
estímulo para continuarem seu processo de aprendizagem. Existe também um sistema
motivacional de pontos adquiridos (mochapoints), seja através da conclusão das lições ou
unidades de ensino, do envio de feedbacks às atividades recebidas de outros aprendizes ou da
participação nos chats.
Ao receber a atividade para a correção, o instrutor visualiza uma janela onde se lê a
tarefa proposta, com um modelo que ilustra o que deverá ser feito pelo aprendiz. Logo abaixo
dessa janela estará o texto ou o áudio do aprendiz. Para submeter um feedback, basta utilizar a
janela ‘revisar esta submissão’, escrever um comentário ou postá-lo em forma de áudio. Ao
lado dessa janela, o instrutor também poderá avaliar a produção do aprendiz em termos de
ortografia, proficiência e gramática, o que irá resultar na ‘média da avaliação’ que pode ser
vista na janela em que o aprendiz submeteu a atividade. Ao término do feedback, o instrutor
deverá clicar em ‘submeter revisão’. Na figura 1 abaixo, pode-se observar um exemplo de
atividade a ser comentada:
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Figura 1: exemplo de atividade a ser comentada.
Na figura 2, temos exemplo de uma ocorrência de feedback enviado ao aprendiz e por
ele respondido, ambos podendo ser visualizados por todos os membros da comunidade:
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Figura 2: Feedback e resposta do aprendiz.
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O site de domínio público Livemocha foi acessado através da conta de uma das autoras
e também aprendiz de francês e instrutora de inglês como LE. Foram coletados exercícios
escritos submetidos por aprendizes de inglês, com seus respectivos feedbacks enviados pelos
instrutores. Para tanto, foram utilizados filtros para que somente exercícios escritos de inglês
recentes que já tenham recebido feedback fossem listados. Portanto, a escolha dos aprendizes
e dos instrutores foi aleatória, independentemente de sexo, idade4 ou de nível de proficiência
na LE. Coletamos 6 feedbacks corretivos a fim de representar as estratégias de polidez
recorrentes empregadas pelos instrutores da rede social e efetuamos a análise à luz das
estratégias de polidez listadas por Brown e Levinson (op. cit.) e de contribuições de autores
por elas orientadas (VALÉRIO, 2003; CHEN, 2001).
8. Análise e discussão
Consideramos, a seguir, os aspectos interacionais de feedbacks fornecidos por diversos
instrutores para duas atividades submetidas para avaliação.
Atividade 1
(1)
To: [email protected]
From:[email protected]
Date: June 29
Dear Carla,
Hi, How are you?
My name is Clara Muniz. I'm your new roommate at the university for the rest of the
year. I'm from Chicaco. Illinois, and I'm studying law. I like old movies, romance
books. What do you like?
See you soon.
Clara.
A primeira atividade considerada (excerto 1), que propõe que o aprendiz escreva um email para um colega de turma ou de trabalho, recebeu três feedbacks (excertos 1a, 1b e 1c) de
diferentes instrutores.
Feedback 1a
(1a) Did you mean "Chicago"?
Enjoy your studies!
Alan
4
Segundo o Termo de Uso do Livemocha não é permitido que menores de treze anos de idade se tornem
membros da comunidade.
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Usando a pergunta retórica “Did you mean "Chicago"?”, o primeiro instrutor faz um
pedido de esclarecimento (LYSTER; RANTA, 1997), para que o aprendiz perceba que
escreveu Chicago de forma incorreta (Chicaco). Tal estratégia se trata de uma opção pela
indiretividade, pois o instrutor optou por uma pergunta sobre o que o aprendiz quis dizer, ao
invés de informá-lo de que havia grafado a palavra erroneamente. A correção ou a observação
do erro constituem críticas, atos de fala ameaçadores para a face do indivíduo criticado, de
cujo conteúdo proposicional o instrutor poderia se preservar de diversas formas. Nesse caso,
sua opção foi pela forma mais velada, aquela que mais distancia os interlocutores da força
ilocucionária primária do ato de fala (SEARLE, 1975) e obriga o destinatário a fazer
inferências para chegar até ela (BROWN; LEVINSON, 1987), resguardando, de modo
inequívoco, a face do aprendiz e a sua própria face positiva (CHEN, 2001).
O próximo movimento interacional adotado pelo instrutor é desejar ao aprendiz que se
divirta com seus estudos (Enjoy your studies!). Esta é claramente uma opção pela polidez
positiva, pois o instrutor comunica que deseja o bem do aprendiz. Possuidores do mesmo
querer, conforme Brown e Levinson (ibid), instrutor e aprendiz estão próximos um ao outro,
localização primeira dos interlocutores em interações pautadas pela polidez positiva
(VALÉRIO, 2003).
Feedback 1b
(1b) Very nicely done :)
Just the one small mistake.
1) I like old movies and romance books.
Hint: use comma (,) when you write more than 2 things.
Example: I like old movies, romance books and football.
Antes de fazer as correções, o segundo instrutor elogia a produção do aprendiz (Very
nicely done) e usa um emoticon para expressar simpatia/aprovação em relação ao seu
desempenho. Nas duas situações, o instrutor parece visar a oferta de um agrado ao aprendiz,
satisfazendo, assim, os anseios de sua face positiva (BROWN; LEVINSON, op.cit.) e
aproximando os interlocutores. Ainda buscando a aproximação, o instrutor não dá uma
explicação para o aprendiz, mas uma ‘dica’ (hint), o que parece constituir mais um agrado
ofertado pelo instrutor. Além disso, a dica se presta para incluir o interlocutor em um grupo
seleto de pessoas que detém a informação contida no conteúdo proposicional da mesma, o que
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nos remete à macroestratégia identificada por Brown e Levinson (1987) que involve a
alegação de pertencimento a um grupo que compartilha anseios, objetivos e valores.
Além da opção pela aproximação do aprendiz, o instrutor usa também estratégias de polidez
negativa a fim de minimizar a imposição de sua correção/crítica (Just the one small mistake). O
emprego do hedge ‘just’ equivaleria ao uso dos termos só ou apenas em português, codificados por
Valério (2003) como minimizadores proposicionais por exercerem função atenuadora da proposição
ou de um aspecto da mesma. A mesma função parece ser exercida por ‘pequeno’ (small) para
qualificar o erro apontado. Ou seja, ao minimizar a relevância dos problemas da atividade submetida,
o instrutor atenua sua crítica e, assim, tanto resguarda a face negativa do aluno quanto evita reações
desfavoráveis em relação a sua própria imagem social.
Esse feedback talvez possa exemplificar um dos efeitos da utilização de uma mistura de
elementos derivados de estratégias de polidez positiva e negativa descritos por Brown e Levinson
(1987). No feedback em questão, elementos de polidez negativa parecem ter sido adicionados a uma
elocução pautada pela de polidez positiva sem transformá-la, mas amenizando “qualquer efeito de
presunção que os elementos de polidez positiva pudessem causar” (VALÉRIO, 2003:40).
Feedback 1c
(1c)
Hi, how are you?
Because the comma in there and not a full stop the 'h' is not capitalized.
I like old movies, and romance books.
The 'and' needs to be there because you are giving only two examples of what you like.
See you soon,
Clara.
The full stop is replaced with a comma because you are not stopping the thought, you
are telling the reader to pause, and then read the rest (your name.)
Everything else looks great, good job!
O terceiro instrutor inicia seu feedback cumprimentando o aprendiz (Hi, how are
you?). Ao fazer essa opção, expressa sua consideração pelo aprendiz e seu anseio de ser
reconhecido por seu papel conversacional, ao mesmo tempo em que parece buscar intensificar
o interesse do aprendiz para seu feedback. Segundo Brown e Levinson (1987) um dos meios
de se comunicar anseios comuns entre interlocutores se traduz pela tentativa de aguçar o
interesse do interlocutor, trazendo-o para o dentro da cena narrada. Podemos dizer que o
instrutor parece fazer isso ao introduzir seu feedback com um iniciador conversacional (TSUI,
1994). Ao lançar mão desse recurso, o instrutor marca claramente o valor interacional de seu
feedback, pois expressa seu reconhecimento do papel conversacional que juntos, ele e o
aprendiz desempenham.
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O instrutor mantém a mesma linha de conduta ao final de seu feedback. Ao usar
“Everything else looks great, good job!”, o instrutor elogia a o desempenho do aprendiz.
Elogios atendem às demandas de diversas estratégias de polidez positiva. Tanto expressam a
consideração dos anseios do interlocutor quanto constituem agrados não tangíveis dirigidos a
sua face positiva. Além disso, determinados elogios, como o expresso em “Everything else
looks great”, especialmente pelo uso ‘tudo o mais’ (everything else) e ‘formidável’ (great),
podem remeter ao traço identificado por Valério (2003) codificado como Expressividade, a
partir da estratégia ‘Exagere’, descrita por Brown e Levinson (1987). Esse traço de polidez
positiva se faria presente no uso de determinados adjetivos, pronomes e determinativos,
dentre outros, que permitam ao falante exprimir como se sente e, desse modo, se aproximar de
seu interlocutor. Aqui, podemos considerar que as nuances de sentido perpassadas por ‘tudo o
mais’, indicando plenitude ou o grau máximo em uma escala de inclusão, e o adjetivo
‘formidável’ remetem ao entusiasmo do instrutor, trazendo as marcas de como se sente em
relação ao desempenho do aprendiz.
Atividade 2
(2)
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Customer name: Juliane Andrade
Customer email: [email protected]
Order Item: Shoes and T-shirt
Order numbre: XCCV456
Problem or Request:
Hi, good morning!
I bought in this store, one shoes and two t-shirts and I want to change this purchase.
The t-shirts are small and the shoes is big. How Can I to change it? Please send me
the address to return this purchase.
Thanks!
Juliane
Para a segunda atividade analisada (excerto 2), cuja proposta era que o aprendiz
preenchesse um formulário online para devolução de um produto, apresentamos a análise de
três dos feedbacks recebidos de diferentes instrutores.
Feedback 2a
(2a)
awesome job just two things:
one pair of shoes....
the shoes are too big.
"are" plural -"is" singular
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No feedback 2a, o instrutor inicia suas considerações com o elogio awesome job, que
talvez pudesse ser traduzido para nossa comunidade de fala como ‘tremendo trabalho’. Além
da demonstração de consideração pelos anseios da face positiva da aprendiz e constituir um
agrado ou presente intangível, a escolha pelo termo awesome, pela informalidade de seu uso,
parece perpassar o desejo do instrutor de trazer a aprendiz para perto de si ao expressar
pertencem a um mesmo grupo. Além disso, pelo caráter hiperbólico do termo, também remete
a estratégia Exagere, identificada por Brown e Levinson (1987) que também contribuiria para
exprimir a atenção do instrutor para os anseios da face positiva da aprendiz, dos quais
compartilha.
Como no feedback 1b, o instrutor aqui também faz uso da minimização como recurso
para atenuar a força da ameaça que sua crítica traz para a face negativa da aprendiz, ao dizer
que tem ‘apenas’ duas coisas para comentar.
Feedback 2b
(2b) adidas.com Customer name: Juliane Andrade Customer email: [email protected]
Order Item: Shoes and T-shirt Order numbre number: XCCV456 Problem or
Request: Hi, good morning! I bought in from this store, one pair of shoes and two
t-shirts and I want to change exchange this purchase. The t-shirts are small and the
shoes is are big. How Can can I to change exchange them it? Please send me the
address to return this purchase. Thanks! Juliane
----Hi Juliane!
Good try! Your main problem is plural nouns. Shoes are 'one pair of' and so we use
'are' with them. The word 'change' means to turn something into something new,
almost like magic. If you say 'exchange' it means to return a purchase and receive
new items back.
Good job! ^^”
Na primeira etapa do feedback 2b, o instrutor realiza a correção explícita do texto do
aprendiz (LYSTER; RANTA, op.cit.) optando, desse modo, por não interagir com a aprendiz
nesse primeiro momento. Na segunda parte, no entanto, o instrutor cumprimenta a aprendiz e
a trata pelo nome (Hi Juliane!). Este cumprimento, como aquele descrito no feedback 1c,
parece buscar atender aos anseios da face positiva da aprendiz ao mesmo tempo em que a traz
para a instância de enunciação, além de marcar claramente o caráter interacional do feedback.
Porém, como dessa vez o instrutor usa o nome da aprendiz para cumprimentá-la, torna ainda
mais evidente o caráter pessoal da interação. Além disso, ao apontar o que identifica como o
principal problema da aprendiz (Your main problem is plural nouns), o instrutor expressa
preocupação com suas necessidades, as quais conhece e se dispõe a atender.
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O instrutor usa as expressões ‘Boa tentativa!’ (Good try!) e ‘Bom trabalho!’ (Good
job!) para elogiar a aprendiz. Porém o primeiro elogio parece se referir à tarefa realizada e é,
portanto, menos enfático que o segundo, que parece qualificar o (des)empenho da aprendiz na
realização da tarefa. Ou seja, a aproximação entre instrutor e aprendiz é marcada pelo
aparente reconhecimento do valor da imagem social da aprendiz, a despeito das falhas de sua
produção. Por fim, um emoticon (^^)5 é utilizado como fecho para o feedback, cuja expressão
de simpatia pode constituir um agrado voltado para a face positiva da aprendiz, evidenciando
ainda mais a linha de conduta voltada para a polidez positiva que permeia todo o feedback.
Feedback 2c
(2c)
Very good except for a few mistakes in your grammar, I'll leave an audio comment but in
case I speak too quickly I'll also write my comments down.
Firstly you should have said "one pair of shoes" not just "one shoes". Where you said "The
t-shirts are small and the shoes big" it should have been "The T-shirts are too small and the
shoes are too big".
"How Can I to change it?" should be "How can I change it?"
**sorry this should have been "How can I change them?" (I noticed this one after my audio
comment sorry)
No feedback 2c, o instrutor prefaceia seu feedback com um elogio à produção da
aprendiz (Very good), que, como vimos em feedbacks anteriores, se volta para os anseios de
sua face positiva, constituindo, também, um agrado para a mesma. No entanto, podemos notar
que a função interacional de ‘Muito bom a não ser por...’ (Very good except for) assemelha-se
a de prefácios de desalinhamento, categoria descrita por Marcuschi (1986) como parte
interacional da conversação. Para Valério (2003), esses prefácios servem à polidez positiva,
pois viabilizam a tentativa de introduzir uma idéia divergente, sem se abrir mão da
pressuposição de valores e conhecimento compartilhados. Prefácios de desalinhamento
seguiriam a fórmula acordo + desacordo, que atenderiam aos movimentos interativos de
realce da face + ameaça a face. Notamos que a sequência ‘Muito bom a não ser por...’, que
poderia ser representada pela fórmula elogio + crítica, também seria passível de ser
representada pelo mesmo movimento interativo realce da face + ameaça a face, servindo,
portanto, à função interacional bem semelhante.
5
No Brasil, são em maioria influência dos animes e mangás. Podem ter como boca um underline (^_^), um
ponto (^.^), um traço (^-^) ou nada (^^).
^_^ ^.^ ^^ ^-^ sorriso (fofinho), feliz
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Novamente, o recurso da minimização proposicional (VALÉRIO, 2003) é lançado
mão aqui para não ameaçar a face negativa da aprendiz, já que o instrutor opta pelo
determinativo uns poucos (a few) para especificar os erros cometidos pela aprendiz. No
entanto, vê-se que a polidez negativa nesse feedback, como nos outros, não altera a linha de
conduta escolhida para a interação. A opção pela polidez positiva é corroborada pelo ato de
fala realizado pelo instrutor, que demonstra seu envolvimento/proximidade com a interação
ao se comprometer com a realização de uma ação futura por intermédio da produção de um
comissivo (SEARLE, 1972) ‘Deixarei um comentário em áudio, mas no caso de eu falar
rápido demais também escreverei meus comentários’ (I'll leave an audio comment but in case
I speak too quickly I'll also write my comments down). Também o teor de seu discurso revela
atenção às necessidades da aprendiz, corroborando, mais uma vez, a sinalização da dinâmica
de polidez positiva que permeia a interação.
Por fim, o instrutor fecha seu feedback realizando um outro ato de fala que revela seu
envolvimento na interação, o pedido de desculpas. Esse ato de fala, categorizado por Brown e
Levinson (1987) como contribuindo para a polidez negativa, deve ser compreendido de modo
diverso aqui. Nesse feedback o uso repetido de ‘sinto muito’ (sorry) acompanhado pelo
emoticon (**) que, neste caso, expressa desapontamento, decepção por não ter feito a
correção também no áudio, parece dever ser interpretado como um expressivo (SEARLE,
1972); ou seja, como um mecanismo que serviria à expressividade, traço descrito por Valério
(2003) como representativo da aproximação do falante ao conteúdo proposicional de sua fala
e, consequentemente, servindo à polidez positiva.
9. Conclusão
Partindo do pressuposto de que imagens sociais são construídas, mantidas e
reformuladas a partir de interações entre membros de comunidades de prática, este trabalhou
tentou identificar a funcionalidade de certas estratégias discursivas no contexto em que
ocorreram, a fim de documentar os movimentos interativos adotados em feedbacks por
instrutores de LE no Livemocha. Com isso, levantamos possíveis tendências da linha conduta
desses instrutores que seriam decorrentes de sua tentativa de construção/manutenção de suas
faces.
Tomamos as estratégias de polidez como bem mais do que um meio de atenuação da
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ameaça à face. Para nós essas estratégias constituem direções tomadas nos movimentos dos
interlocutores na ‘dança’ da interação. A polidez positiva representaria o movimento para
junto do interlocutor - a dinâmica interativa típica de contextos privados. Com a polidez
negativa, ao contrário, o indivíduo afasta-se de seu interlocutor, já que essa seria a tônica da
interação
em
situações
que
requeiram
a
preservação
de
espaço.
Pudemos verificar, em nosso estudo, que as interações estabelecidas nos feedbacks
fornecidos pelos instrutores do Livemocha são claramente pautadas pela polidez positiva.
Talvez devido à frequência de formas mais explícitas de correção do erro demandadas pela
necessidade de clareza e objetividade da interação a distância, os instrutores se preocupem em
engajar os aprendizes na aprendizagem através de elogios, palavras de incentivo ou uso de
emoticons como modo de assemelhar a interação mediada pelo computador às interações face
a face. Deste modo, estariam contrabalançando a distância física que os separam dos
aprendizes por intermédio da proximidade interacional propiciada por estratégias de polidez
positiva.
Pudemos constatar também a relevância do papel do feedback no contexto em exame,
pois este promove bem mais do que a competência linguística dos aprendizes. Motiva, dá
suporte e incentiva; isto é, atua no filtro afetivo do aprendiz, promovendo apreço em relação à
LE e ao interlocutor. Consequentemente, a disposição para interagir com a língua-alvo e/ou
com o interlocutor pode ser mantida ou aumentada (SVALBERG, 2009). Mais do que isso, o
feedback é socialmente relevante, pois propicia situações reais de interação entre os membros
da comunidade, estimulando a troca de conhecimento e mediando trocas de significado social.
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