História e Economia
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História e Economia Revista Interdisciplinar História e Economia Revista Interdisciplinar 1 2 História e Economia Revista Interdisciplinar História e Economia Revista Interdisciplinar História e Economia Revista Interdisciplinar 3 HISTÓRIA E ECONOMIA - revista interdisciplinar. Brazilian Business School. - v. 7, n. 1, (2010). - São Paulo: Meca Comunicação, 2010 Semestral ISSN 1808-5318 1. História - Periódicos 2. Economia - Periódicos 3. Finanças Periódicos 4. Brasil - Periódicos I. Brazilian Business School. CCD 330.981 4 História e Economia Revista Interdisciplinar Expediente História e Economia Revista Interdisciplinar BBS – Brazilian Business School Editor: John Schulz Vice editor: Adalton Francioso Diniz Secretários gerais: Roberta Barros Meira, Rafael Balan Zappia Secretário adjunto: Anderson Floriano Conselho editorial: Adalton Franciozo Diniz (Faculdade Cásper Líbero;PUC- SP) • André Villela (EPGE/FGV) • Antônio Penalves Rocha (USP) • Carlos Eduardo Carvalho (PUC/SP) • Carlos Gabriel Guimarães (UFF) • Flavio Saes (USP) • Gail Triner (Rutgers University) • Jaime Reis (ICS - Universidade de Lisboa) • John Schulz (BBS) • Jonathan B. Wight (University of Richmond) • José Luis Cardoso (ICS - Universidade de Lisboa) • Marcos Cintra (Unicamp) • Pedro Carvalho de Mello (ESALQ) • Renato Leite Marcondes (USP/Ribeirão Preto) • Ricardo Feijó (USP/Ribeirão Preto) • Steven Topik (University of California Irvine) • Vitoria Saddi (INSPER) Agradecimento aos pareceristas externos: Rogério Arthmar (UFES) Luiz Eduardo Simões de Souza (UFAL) Alexandre Queiroz Guimarães (PUC - MG) Wilson Luiz Rotatori Corrêa (UFSJ) Fausto Saretta (UNESP) Júnia Furtado (UFMG) Antônio Jucá (UFRJ) Projeto gráfico e arte: Meca Comunicação Estratégica – Tel. 55 11 2447-0681 Apoio editorial: Denise Freitas Diagramação: Valter Luiz de Freitas Tiragem: 1.000 exemplares Impressão: Neoband BBS – Brazilian Business School Al. Santos, 745 – 1º andar – São Paulo – SP – Brasil Tel. 55 11 3266-2586 – Fax 55 11 3289-3345 [email protected] – www.bbs.edu.br História e Economia Revista Interdisciplinar 5 6 História e Economia Revista Interdisciplinar Sumário Apresentação O momento de História e Economia The moment of História e Economia Conselho editorial.....................................................................................................................................9 Nota do editor Editor’s note John Schulz.............................................................................................................................................11 Artigos In Hoc Signo Vinces: moeda e poder da monarquia na época moderna Grasiela Fragoso da Costa.......................................................................................................................13 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”: ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII Raphael Freitas Santos...........................................................................................................................31 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). José Tadeu de Almeida............................................................................................................................49 Câmbio: uma questão da política Esther Kuperman....................................................................................................................................67 Regimes Cambiais: A Teoria na Prática João Basilio Pereima / Marcelo Curado.................................................................................................87 Roteiro para submissão de artigos....................................................................................109 História e Economia Revista Interdisciplinar 7 8 História e Economia Revista Interdisciplinar O momento de História e Economia The moment of História e Economia O País e as Disciplinas D e proporções continentais, o Brasil se fechou em si mesmo ao longo da segunda metade do século 20. A industrialização tardia do País materializada sob a forma de substituição de importações foi o tema dominante nesse período. Durante a última década, entretanto, a visão do Brasil mudou de forma significativa. Tal episódio teve também repercussão na academia, observando um movimento no qual tanto a “esquerda” quanto a “direita” passaram a buscar novas idéias de fora do País. Os historiadores e economistas procuraram entender o mundo inclusive em áreas nas quais o Brasil possuía pouco contato prévio. Atualmente, a Coréa do Sul e a Índia podem ser modelos para o Brasil. Neste ínterim, o Brasil, que liderou o mundo em termos de crescimento econômico por diversas décadas e, recentemente, superou um processo de pré-hiperinflação, tem muito a contar para o mundo. Ao nosso ver, História e Economia é um fórum multilinguístico para estudiosos brasileiros e de outros países. Também entendemos que esta revista é uma forma na qual os pesquisadores do Brasil podem expressar suas experiências a acadêmicos e demais interessados no exterior. Os estudos interdisciplinares estiverem em voga, no mínimo a partir da publicação dos Annalles em 1929. Os historiadores, em sua grande maioria, apesar de serem influenciados por idéias de áreas distintas, raramente produzi- The Country and the Disciplines O f continental proportions Brazil looked predominantly inwards throughout most of the second half of the twentieth century. Import substitution and autarky dominated thinking accross the political spectrum. Over the past decade the outlook changed dramatically with both the “left” and the “right” searching outside for new ideas and for material fulfillment. Historians and economists seek to understand the world including areas with which Brazil had little previous contact. Today South Korea and India may be role models and are at least “benchmarks” for Brazil. Meanwhile Brazil, which led the world in economic growth for a number of decades, and which recently overcame near hyperinflation, has something to tell the rest of the world. We view História e Economia as a multilingual forum for both Brazilian and international scholars. We also see our journal as a means by which Brazilian researchers communicate the Brazilian experience to academics and other interested parties abroad. Interdisciplinary studies have been in vogue at least since the appearance of the Annales in 1929. In practice, historians, although influenced by ideas from many fields, rarely undertake research in conjunction with scholars trained in other disciplines. Collective studies tend to be by groups of historians. Brazil has a História e Economia Revista Interdisciplinar 9 ram trabalhos em co-autoria com acadêmicos de outras disciplinas. Esforços coletivos tendem a incluir apenas historiadores. Esta revista pretende ser um fórum de propagação de idéias inovadoras de historiadores e economistas. De fato, o Brasil tem um grande número de economistas cujos trabalhos de história econômica possuem reconhecimento internacional e contribuíram para o avanço da história. Tal tradição teve início nos anos 50 com Celso Furtado, senão antes. Assim, usando da credibilidade desses acadêmicos brasileiros, o intuito da revista é o de estimular a pesquisa e a comunicação por acadêmicos das duas disciplinas. A revista abarca três áreas: história econômica geral, história financeira e história das idéias econômicas. Em história financeira incluímos moeda, instituições e instrumentos financeiros e finanças públicas. A história das idéias econômicas abrange as adaptações que economias, como as do Brasil e de Portugal, terminaram por implementar no pensamento econômico tradicional. Será por meio do encontro entre história e economia e do Brasil com o mundo que esta revista deverá fazer sua contribuição. Conselho editorial 10 História e Economia Revista Interdisciplinar large number of outstanding economists whose work on economic history is recognized around the world. This tradition started with Celso Furtado in the fifties if not earlier. We intend to take advantage of this existing situation to encourage research and communication by scholars of both disciplines. História e Economia dedicates itself to three areas: General Economic History, Financial History and the History of Economic Ideas. Within Financial History we include money, financial institutions and instruments, and public finance. The History of Economic Ideas encompasses the adaptations that relatively backward economies, such as Brazil and Portugal, have made of economic thought from the “advanced” countries. It is on the intersections of history and economics and of Brazil and the world where we wish to make our contribution. Editorial board Nota do editor Editor’s note D esde o período medieval, as letras de câmbio têm sido uma grande preocupação dos empresários internacionais. O Brasil teve problemas de câmbio praticamente desde o nascimento, quando a sua moeda caiu em dois terços durante a primeira década do país. Uma vez que os movimentos separatistas foram encerrados, as autoridades imperiais voltaram sua atenção para a política de câmbio, incluindo um longo debate sobre as virtudes da moeda convertível. Embora o país só adotasse o padrão ouro em 1906, o sistema que prevaleceu durante duas gerações anteriores deu à economia a maioria das vantagens do padrão-ouro e a estabilidade dos preços, permitindo uma flutuação durante o período de preços baixos das commodities. A I Guerra Mundial e a Depressão em conjunto destruíram o padrão-ouro, e o Governo Vargas da década de 1930 impôs controles rigorosos no câmbio. Esses controles sobreviveram mais tempo no Brasil do que na maioria dos outros estados. A Moeda tornou-se conversível no Brasil apenas em 1989, embora os exportadores e os investidores ainda hoje enfrentam uma boa dose de burocracia para fechar câmbio. O Seminário BBS História e Economia sobre o Câmbio, realizada em 13 de agosto passado, teve como palestrantesArnim Lore e Celina Arraes. Meu amigo Arnim foi diretor do Banco Central, que presidiu o desmantelamento dos controles de câmbio em 1989. Hoje, ele é vice-presidente da FIESP (Federação das In- S ince the medieval bill of Exchange, exchange has been a major preoccupation for international businessmen. Brazil suffered exchange problems almost at birth as her currency fell by two thirds during the country’s first decade. Once the separatist movements terminated, the imperial authorities turned their attention to exchange policy including a lengthy debate on the virtues of convertible currency. Although the country only adopted the gold standard in 1906, the system which prevailed during the previous two generations gave the economy most of the advantages of the gold standard and price stability while allowing a float during periods of low commodity prices. World War I and the Depression together destroyed the gold standard, and the Vargas Government of the 1930s imposed stringent exchange controls. These controls survived longer in Brazil than they did in most other states. Brazil’s currency became convertible only in 1989 while even today exporters and investors face a good deal of bureaucracy to close exchange. The BBS Historia e Economia Seminar on Exchange, held last August 13, had as keynote speakers Arnim Lore and Celina Arraes. My friend Arnim was the director of the Central Bank who presided over the dismantling of major exchange controls in 1989. Today he the vice president of the FIESP (Federation of Industries of São Paulo) Committee on International Trade. Celina served as international director of the História e Economia Revista Interdisciplinar 11 Nota do editor dústrias de São Paulo) - Comissão do Comércio Internacional. Celina atuou como diretora internacional do Banco Central no governo que acaba de terminar. Ela liderou iniciativas para criação de um mecanismo de compensação da América Latina que utilizasse moedas locais e diminuísse o trabalho dos exportadores. As duas participações nos honraram profundamente. Nosso seminário foi aberto com uma história geral de câmbio no Brasil apresentada por André Villela, professor da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro e um dos membros de nosso conselho editorial. Tivemos também cinco apresentações que publicaremos nesta edição. Duas são relacionados com a circulação de ouro e de crédito durante o período colonial, uma na tentativa de ir do padrão-ouro no ano 1846-1858, e duas sobre as políticas de troca contemporânea. Como sempre, estamos ansiosos por comentários e críticas. O conselho editorial gostaria de expressar seu agradecimento a Roberta Barros Meira pela coordenação deste seminário e desejar-lhe sorte na organização de nosso seminário para este ano que será: Sustentabilidade: Dimensões históricas e econômicas. Central Bank in the government which just ended. She led initiatives to establish a Latin American clearing arrangement which utilizes local currencies and to reduce paper work for exporters. Their participation honors us profoundly. Our seminar opened with a general history of exchange in Brazil delivered by André Villela, a professor at the Fundação Getulio Vargas in Rio de Janeiro and one of the members of our editorial board. We also had five presentations which we are publishing in this issue. Two are related to gold, circulation, and credit during the colonial period, one on the attempt to go on the gold standard in the years 1846-1858, and two on contemporary exchange policies. As always we look forward to comments and criticism. The editorial board would like to express its appreciation to Roberta Barros Meira for coordinating this seminar and wish her luck in organizing our seminar for this year which shall be: Sustainability: Historical and Economic Dimensions. 12 História e Economia Revista Interdisciplinar In Hoc Signo Vinces moeda e poder da monarquia na época moderna Grasiela Fragoso da Costa Mestrado/UFRJ/PPGHIS [email protected] Resumo Por que criar uma Casa da Moeda na América Lusa em finais do século XVII? Para compreendermos o terreno dessa discussão, analisaremos a situação do meio circulante e as dificuldades econômicas advindas da falta de numerário nas principais praças comerciais da América Lusa no século XVII. Num segundo momento, examinaremos duas fases dessa instituição: a Casa da Moeda Itinerante, na qual essa instituição circulou pela Capitania da Bahia, do Rio de Janeiro e de Pernambuco entre 1694 a 1702, com o objetivo de se cunhar a moeda provincial, uma moeda específica para a América Lusa, com cunho e valor diferentes das do reino; e a Casa da Moeda Definitiva, que se inicia em 1703 na capitania do Rio de Janeiro, fruto de uma outra paisagem política, com maior peso na complicada trama de formação da Monarquia Portuguesa. . Palavras-chaves: Moeda metálica, Casa da Moeda, Rio de Janeiro, século XVIII Abstract Why create a mint in Portuguese America in the late seventeenth century? To comprehend this discussion, we analyzed the situation of the currency and the economic difficulties that were consequences of the lack of cash in the main business centers of Portuguese America in the seventeenth century. Then, we examined two phases of this institution: 1- the Itinerant Mint, which moved among three captancies: Bahia, Rio de Janeiro and Pernambuco between 1694 and 1702. The mint’s goal was to produce the provincial currency: a specific currency for Portuguese America, with different values from that of continental Portugal Kingdom’s one), and 2- the Permanent Mint, which opened in 1703 in Rio de Janeiro, the result of a new political landscape, with more importance to the development of the Portuguese Monarchy. Key words: Currency, Mint, Rio de Janeiro, Eigtheenth Century História e Economia Revista Interdisciplinar 13 In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna Moeda e metais preciosos “São as moedas uns documentos com que igualmente se autorizam as histórias; porque, por elas, se entra no conhecimento da grandeza e do poder dos soberanos, pela riqueza dos metais e pela diversidade dos cunhos.” 1 O btidos pela força, pela conquista de novos territórios e, na maioria das vezes, pelo comércio, os metais preciosos, personificados nas moedas, desempenharam um importante papel nas economias modernas. Além de matéria-prima para a fabricação do meio circulante, eram eles ingredientes indispensáveis no exercício de poder e de soberania real, na medida que compunham o que Eli Heckscher denominou de entesouramento, de potência financeira nas mãos do príncipe (HECKSCHER, 1983, 654). Segundo o mesmo autor, as reservas de metais preciosos existentes dentro de um reino eram uma das bases mais importantes de poder da Monarquia, pois sua soberania, sua autonomia frente às outras Monarquias se traduzia por sua capacidade de entesouramento, ou seja, na reserva de objetos caros e de fácil realização, guardados para serem utilizados num momento de necessidade súbita e inesperada, como uma má colheita ou mesmo uma guerra: Um príncipe deve contar com um grande tesouro, e também seus súditos, para fazer frente a todas as eventualidades. (...) Se tivéssemos guerra ou uma má colheita, como temos tido, ou se necessitássemos de uma artilharia, armas ou outra ajuda do estrangeiro, não é a moeda que atualmente dispomos que poderia nos abastecer disso. E o mesmo ocorreria se padecêssemos de uma grande penúria de trigo dentro do país... Nossas mercadorias não poderiam, tampouco, em caso de sensível escassez, contrastar essa situação, nem sequer 1 SOUZA, C. História Genealógica da Casa Real Portugueza e dos Documentos, Lisboa:Régia Officina Sylviana e Academia Real, 1749, p.100. 14 História e Economia Revista Interdisciplinar nos anos de abundância não bastam para procurarmos a quantidade suficiente de artigos necessários. Portanto, se se juntassem a guerra e uma má colheita, como outras vezes ocorreu, o que teríamos de fazer? Nos veríamos, indubitavelmente, em uma situação muito difícil e expostos a um grande perigo por parte do estrangeiro. Em troca, se existisse um tesouro acumulado dentro do país, estaríamos, apesar da guerra e da má colheita, em condições de lhes fazer frente durante dois ou três anos. (...) O dinheiro é, por assim dizer, uma despensa na qual se armazenam todas as mercadorias apetecíveis. (HECKSCHER, 1983, 657) Esse texto, datado do século XVI, nos dá uma boa amostra de como era sabido que a falta de um tesouro poderia tornar vulneráveis as defesas de um reino. Nesse mesmo trecho, o autor descreve o dinheiro como uma dispensa, na qual se armazenam todas as mercadorias. Percebemos com isso mais uma função da moeda: além de poder ser utilizada como uma reserva de valor, a moeda se constitui também em instrumento que viabiliza e agiliza as trocas. Em outras palavras, a moeda, em especial as cunhadas em metal precioso, ouro ou prata, funciona como o equivalente geral das trocas, ou seja, a mercadoria específica pela qual todas as outras mercadorias comparam e medem o seu valor, e pela qual se pode adquirir qualquer outra mercadoria. (MARX, 1983, 31-149) Demonstrando o quão vital representava a moeda para os reinos, no período compreendido em nossa análise era comum que a moeda aparecesse em documentos, relacionada à imagem do sangue, vital elemento que, ao circular, dá vida às partes do corpo. A carta do Governador do Brasil, Câmara Coutinho, de 1694, é um bom exemplo: “Toda a opressão, e ruína que se teme, nasce da falta do dinheiro, que é aquele nervo vital do corpo político, ou o sangue dele, que derivando-se e correndo pelas veias deste corpo, o anima e lhe dá forças...” 2 Ao circular, a moeda ativava as trocas comerciais e nutria o corpo político da Monarquia, mantendo a vitalidade de sua economia e sua força perante o estrangeiro. Essa força, transfigurada no poder de compra da moeda cunhada sob a efígie e as armas do monarca em exercício, estava ligada à reserva interna de metais, o entesouramento, pois nas trocas feitas entre diferentes reinos a moeda era cotada por seu valor intrínseco, ou seja, pela quantidade de metal precioso nela existente. Logo, quanto mais metal disponível para a cunhagem, maior o número de moedas e maior a quantidade de metal precioso no seu toque. Ao contrário, se houvesse uma baixa nas reservas de metais, a Monarquia tinha de promover a alteração do seu valor nominal, ou de face, para compensar a escassez. Todavia, essas alterações aumentavam o poder de compra dessa moeda somente no interior de seus domínios, desvalorizando-as perante as trocas no estrangeiro.3 A partir disso, podemos perceber como a imbricação moeda-metal precioso era, na visão mercantilista, signo de poder e de soberania real, uma vez que proporcionava à Monarquia o sustento do seu corpo político e sua capacidade de reiteração no tempo.4 Para impor sua política monetária no estrangeiro frente às outras Monarquias e internamente frente a seus súditos, o monarca contava com o empenho de uma instituição em particular, 2 Fragmento da carta do Governador do Brasil, Antônio Luís Gonçalves Câmara Coutinho de 1692. Apud Anais da BN do RJ vol. LVII, 1935, pp.147-153. BRAUDEL, F. A Moeda In: ____.Civilização material, Economia e Capitalismo, século XV-XVIII, vol 1, São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.399-437. 3 Essa prática era denominada de levantamento da moeda. Esses levantamentos, na verdade, rebaixavam o valor da moeda, pois consistiam num aumento do seu valor extrínseco, ou valor nominal, sem alterar a quantidade de metal precioso existente no seu toque, ou seja, seu valor intrínseco. 4 Para saber mais sobre o assunto: DEYON, P. O Mercantilismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992; FALCON, F. J. C. Mercantilismo e Transição, São Paulo: Brasiliense, 1996. a Casa da Moeda. Criada para zelar pela qualidade e fidelidade do dinheiro em circulação, a Casa da Moeda tinha o monopólio da emissão das moedas e da cotação dos metais preciosos em circulação.5 Seus membros, denominados em geral de moedeiros, possuíam privilégios especiais e juravam na sua cerimônia de sagração fé e lealdade no serviço à Coroa. A primeira Casa da Moeda instalada na América Portuguesa data de 1694. Ao analisarmos o contexto político-econômico desse período, vemos como a moeda, ou melhor, sua escassez e aviltamento, era um problema de primeira grandeza. Problema esse que afetava não só a sede da Monarquia, como também suas conquistas na América Lusa. O século XVII foi um período de grande dificuldade para a Monarquia Portuguesa, uma vez enredada por conflitos internos que marcaram a separação das Coroas de Espanha e Portugal, a Monarquia Restaurada teve de lidar com um estado crescente de dificuldades financeiras, advindas das despesas de guerra e da montagem do novo governo.6 No ultramar, a ofensiva holandesa e inglesa contribuiu para o agravamento da situação. No Oriente, a entrada desses novos personagens nas transações comerciais gerou a perda do monopólio português sobre o comércio das especiarias, resultando numa forte queda nos rendimentos do Estado da Índia. No Ocidente, os holandeses conseguiram também atrapalhar dois dos principais negócios lusos no Atlântico: a produção de açúcar – com a tomada de Pernambuco, Olinda e Recife, nos anos de 1620 – e o comércio de escravos – com a conquista de Angola por 5 “Regimento que Sua Majestade que Deus guarde manda observar na Casa da Moeda, Lisboa, 1687”. Apud GONÇALVES, C. B. A Casa da Moeda do Brasil, 290 anos de sua história. Editora: Casa da Moeda, RJ, 1989, p.113-137. 6 Sobre as guerras de restauração em Portugal: GODINHO, V. M. 1580 e a Restauração In: ____. Ensaios II, Sobre História de Portugal, Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1978, p. 257-291. Sobre a situação financeira no reino nesse período: HESPANHA, A. M. A Fazenda In: ____. (Org.) História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, pp. p.203-238. História e Economia Revista Interdisciplinar 15 In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna volta de 1640.7 A situação se complicou ao longo do século. O açúcar brasileiro – nesse momento um dos principais produtos de reexportação do qual Portugal dependia para pagar as importações essenciais à sobrevivência de sua economia – estava em baixa no continente europeu, devido às guerras do norte da Europa e da concorrência da produção açucareira das Antilhas holandesas e inglesas.8 Essa instabilidade econômica se refletia nos constantes desequilíbrios da balança comercial lusa. O numerário já escasso nessa época, em parte por causa do declínio das importações de prata vinda da América espanhola, esvaía-se para fora do Reino. Conforme observou Thomas Maynard, cônsul-geral inglês em Lisboa, em 1671: “Todo o açúcar deles que chegou este ano, com todos os produtos que este Reino pôde exportar, não pagará sequer metade das mercadorias que são importadas, portanto, todo dinheiro sairá do Reino deles dentro de poucos anos” 9 O colapso financeiro acabou por gerar uma crise monetária. A moeda já escassa passou a sofrer sucessivas deteriorações. Para remediar a carência e o aviltamento da moeda metálica, a monarquia portuguesa tomou algumas medidas. Uma das mais polêmicas foram as leis de levantamento da moeda. O que significava esse 7 Sobre a ofensiva holandesa e inglesa no ultramar: ALENCASTRO, L. F. As guerras pelos mercados de escravos In: ____. O Trato dos Viventes, São Paulo: Cia. das Letras, 2000, p.188-246. BOXER, C. R. A luta global com os holandeses In ____. O Império Marítimo Português. 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.120-140. CHAUDHURI, K. A Concorrência Holandesa e Inglesa In: BETHENCOURT, F. & CHAUDHURI, K. (Orgs.) História da Expansão Portuguesa, Do Índico ao Atlântico, Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, vol 2, p.82-106. MELLO, E. C. Olinda Restaurada, Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. 8 Refere-se a importação de produtos como: cereais, tecidos e outros produtos manufaturados. GODINHO, V. M. Flutuações econômicas e devir estrutural do século XV ao século XVII; Portugal, as frotas do açúcar e as frotas do ouro In: ____. Ensaios II... p.177-205 e 425-448, respectivamente. 9 Apud BOXER, C. R. O Império Marítimo Português... p.164. 16 História e Economia Revista Interdisciplinar levantamento? Os levantamentos da moeda “Levantar moeda” consistia em recolhê-la e fundi-la novamente ou simplesmente carimbá-la com um novo valor, mais alto do que o anterior. O levantamento, na verdade, era um rebaixamento do valor da moeda, pois se referia a um aumento do seu valor extrínseco, ou valor nominal, sem alterar a quantidade de metal precioso existente no seu toque, ou seja, seu valor intrínseco. Esses levantamentos eram também um meio de se arrecadar impostos, pois, a cada remarcação, uma pequena parte do metal precioso era confiscada pela Coroa.10 Conforme Rita de Sousa, entre 1640 e 1688, contam-se seis desvalorizações para o ouro e cinco para a prata, que se traduziram no montante de 243% e 133% respectivamente: “No período compreendido entre 1640 e 1688, a política monetária caracterizou-se por intensas desvalorizações que, sobretudo, visaram um aumento das receitas do Estado através das receitas de senhoriagem. Um conjunto de medidas legislativas refere explicitamente a canalização dos lucros das recunhagens e contramarcações para as despesas de guerra.” (SOUSA, 1999, 76-115)11 10 LEVI, M. B. Elementos para o Estudo da Circulação da Moeda na Economia Colonial In: Estudos Econômicos, 13 (nº especial), FEA/ USP, p.825-840, 1983. Para saber mais sobre o assunto: SAMPAIO, A. C. J. Crédito e circulação monetária na Colônia: o caso fluminense, 1650-1750. Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas. ABPHE, 20. FARIAS, S. de C. Moeda In: VAINFAS, R. (Dir.) Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.403-405. VIEIRA, D. T. A Política Financeira. In: Holanda, S. B. (Dir.) História Geral da Civilização Brasileira - I. A Época Colonial - 2. Administração, Economia e Sociedade. São Paulo: Difel, 1985, p.340-351. 11 O imposto de senhoriagem é cobrado aos particulares na Casa da Moeda, sempre que estes a ela se dirijam para transformar metais em moeda ou recunhar moedas que não cumprem as devidas condições legais. A diferença estabelecida na lei entre o preço do metal em barra e o preço do metal em moeda é igual ao imposto de senhoriagem, sendo o montante anual deste imposto função quer da taxa, quer do volume anual de amoedação. No caso da cunhagem não ser gratuita, a existência deste imposto faz com que os particulares se dirijam à Casa da Moeda apenas quando o valor monetário excede o valor metálico./Essa tese já se encontra disponível na versão impressa pelo Instituto Nacional, Casa da Moeda, Lisboa, ano de 2006. Além destas medidas que desvalorizavam a moeda, diminuindo seu poder de compra no estrangeiro12, o dano do cerceio tinha se tornado uma verdadeira calamidade. O cerceamento da moeda consistia na raspagem de suas bordas com o intuito de extrair fragmentos do seu metal, para a cunhagem de novas moedas. (MADEIRA, 1993, 33-34) A prática do cerceio, que alterava o peso da moeda, e as constantes remarcações que mudavam seu valor nominal acabaram por facilitar a falsificação, tanto por meio do aviltamento da liga como na alteração do valor nominal da moeda. Além desses aumentos, uma série de medidas foi ordenada pelo Conde de Óbidos, ViceRei do Brasil, para conter a anarquia monetária. O Regimento por ele escrito, datado de 1663, previa, por exemplo, a recunhagem de todas as moedas de ouro e prata e o confisco das que não estivessem de acordo com as prescrições do referido Regimento.16 Tudo indica, porém, que pouco resultado teve tal intento. Por carta de 2 de janeiro de 1687, enviada ao Governador da Capitania do Rio de Janeiro, João Furtado de Mendonça, El Rey relatou os males que padecia o meio circulante: A América Lusa também sofria com essa escassez e deterioração do meio circulante. A solução encontrada para minimizar tal problema foram os aumentos nominais nas moedas, pelas Câmaras. Em 1643, o Governador da Bahia decretou o aumento de 25% e 50%, respectivamente, para as moedas de ouro e de prata, nestas incluídas as patacas de origem peruana.13 Uma consulta do Conselho Ultramarino de 1681 nos informa que pela lei de 23 de março de 1679 El Rey mandava marcar, em um mês, todas as patacas no Estado do Brasil e que essas passassem a correr por 640 réis.14 João Furtado de Mendonça, eu El Rey vos envio muito saudar. O dano do cerceio da moeda se introduziu de sorte neste Reino que desejando dar todo remédio conveniente e necessário a tão perigoso delito e de que resulta tanta confusão e perda à República, fui servido mandar publicar uma lei com pena de morte a todos os que cerceassem moeda (...) e sendo as patacas o que recebiam o maior dano por terem mais capacidade para o cerceio, [estando] fora do Reino já cerceadas, por ser moeda que não é nacional com que receba em si o maior prejuízo por ser em benefício dos estrangeiros para se lhe dar o remédio de que necessitam, mandei publicar a lei que com esta se vos remete e porque acabada a redução das patacas se há de passar a dar remédio a moeda nacional para que ela se acabe de todo este delito do cerceio, se considera tanta a importância de perda que não bastam o cabedal da Fazenda Real para se satisfazer as partes ficando por minha conta 17 Esta lei, porém, não foi executada na Capitania do Rio de Janeiro. A justificativa para esta exceção, fornecida pelo Mestre de Campo Pedro Gomes, que estava governando a referida Capitania, é que, em 1676, a Câmara e os povos daquele Estado haviam acrescentado dois vinténs nas patacas e um vintém na meia pataca, para ver se o dinheiro se conservava nessa Capitania.15 12 Diminuía o seu poder de compra, pois no comércio com o estrangeiro a moeda deveria correr a peso, ou seja, pelo seu valor intrínseco. HECKSCHER, E. Las Relaciones de Cambio com El Extranjero In: La Época Mercantilista..., p.680-706. 13 MAURO, F. Portugal, o Brasil e o Atlântico, 1570-1670, vol. 2, Lisboa: Editorial Estampa, 1988, p.175. 14 Arquivo Histórico Ultramarino, Coleção Castro Almeida, Rio de Janeiro – Doravante – AHU CA RJ – doc 1766-1769, cd 1, 1681, f. 3334. Provisão de 23 de março de 1679, relativo ao “Carimbo Coroado de 640 réis sobre oito reales”. 15 Idem. A lei a que tal carta faz alusão é a de 1686, que ordenava o recolhimento das moedas para que lhes fossem postos cordões e marcas, com a finalidade de dificultar a prática do cerceio, tão perigoso delito e de que resulta tanta 16 SOMBRA, S. Historia Monetária do Brasil colonial: repertório cronológico com introdução, notas e carta monetária. Rio de Janeiro: Laemmert, 1938, p. 81-84. BARROS, M. D. de. “O Regimento do Conde de Óbidos diante da história e da legislação monetária”. Rio de Janeiro: Anais do Museu Histórico Nacional, vol. IV, 1943. Edgar Araújo Romero. “O Regimento do Conde de Óbidos, 7 /7/1693”. Revista Casa da Moeda, nº9-14, mai-jun de 1948 a março-abril 1949. 17 AHU CA RJ - doc 1766 a 1769, cd 1, 1687, f. 34-36. História e Economia Revista Interdisciplinar 17 In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna confusão e perda à República.18 Os prejuízos eram de tal monta, que não bastavam os recursos da Fazenda Real para socorrê-los, tendo o Rei de dispor de seus próprios meios para trazer alívio à vida de seus súditos. Nesse período, Portugal se encontrava com seu stock de metais em baixa, devido aos constantes desequilíbrios da balança comercial, que faziam com que o pouco numerário de que dispunha corresse para fora do Reino.19 E o que lhe era mais caro, o parco numerário existente no Reino e nas terras da América Lusa, eram as patacas castelhanas. Logo, essa abundância de moedas estrangeiras nas terras pertencentes ao Rei de Portugal, que, devido à escassez de numerário haviam se tornado a principal moeda disponível para as trocas, mexia com a soberania da Monarquia Portuguesa, não só pelo fato de serem falsificadas, mas também por demarcarem certa dependência lusa frente à prata castelhana. Tão importantes eram essas patacas para a economia da América Lusa, que o levantamento de 1688, no qual se ordenava que essas passassem a correr a peso, foi embargado na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro. O dito levantamento ordenava que o aumento fosse de 20% no valor de face das moedas de ouro e prata. Sendo que as patacas castelhanas passariam a correr pelo peso, com a oitava a 100 réis. Esse era o ponto mais polêmico do levantamento, pois somente as patacas de sete oitavas, raras em terras brasileiras, receberiam alguma vantagem, mas não chegariam aos 20% previstos na lei. As demais patacas cerceadas de menor valor intrínseco – as de quatro a seis e meia oitavas – estavam fora do acréscimo, por terem seus pesos adulterados. Contudo, esse era o gênero de 18 Idem. Para uma visão mais ampla sobre a circulação monetária nas demais capitanias no século XVII vide : GALANTE, Luís Augusto Vicente. Uma história da circulação monetária no Brasil do século XVII. Tese (Doutorado em História)-Universidade de Brasília, Brasília, 2009. 19 Nesse contexto do XVII, não só Portugal sofria com a escassez de metal precioso como também toda a Europa. VILAR, P. O Ouro e a Moeda na História-1450-1920, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, passim. 18 História e Economia Revista Interdisciplinar moeda de que dispunha a América Lusa para as suas transações. (AZEVEDO, 1947, 328, 349) Pela lei de 1679, todas as patacas, independentemente do seu peso, estavam correndo a 640 réis; logo, o fato de correrem a 100 réis a oitava implicava numa perda para seus possuidores, pois no máximo elas valeriam 600 réis. Afora isso, a multiplicidade de valores intrínsecos, devido a variações de peso, causaria muita confusão no comércio; primeiro, pela necessidade de se pesar cada uma, e, depois, pela falta de troco. A reclamação foi geral. Por volta de 1690, o Rio de Janeiro em Câmara protestava ao Rei, descrevendo os prejuízos que viriam da execução de tal lei: a primeira ruína e prejuízo irreparável é que dentro de um ou dois anos se há de sacar e tirar todo este gênero de moeda nas frotas que vierem e forem e ficará totalmente a terra exausta de toda a dita moeda, porque como o açúcar está na baixa (...) e tem pouca saída (...) remeteram os comissários e mercadores desta terra, em cuja mão está e vai parar toda a dita moeda para o Reino pois tenha o mesmo valor que cá tendo o lucro certo sem o risco de perderem no açúcar. Tanto é assim que nas frotas de 1688 e 1689 se levaram mais de 400 mil cruzados desta cidade (...) faltando o dinheiro, como certo e precisamente há de faltar, se hão de desfabricar os engenhos (...) porque não hão de ter os senhores com que fornecer e fabricar os seus engenhos e partidos porquanto a mais principal fábrica dos engenhos conta de escravos e de bois os quais se compram sempre a dinheiro e os não querem vender os donos e credores de outra maneira (...) não só se ameaça e se segue esta ruína e prejuízo dos moradores e povo desta cidade mas também que se segue a fazenda Real de Sua Majestade, certa e infalível perda porque os contratos e rendas reais viram diminuídas e se ande arrematadas por menor, a metade do que até agora andavam (...) se acabará a nova colônia do Sacramento porque não há de haver dinheiro para se lhe acudir assim para os socorros para os soldados como com os mantimentos necessários (...) até os hospitais se não admite nem querem admitir os soldados e mais pobres doentes por não haver dinheiro e nem efeitos com que se curam...20 O documento acima nos mostra como a moeda era um problema de primeira grandeza na conjuntura do século XVII. A escassez de numerário, combinada com a produção de um açúcar de segunda pela Capitania do Rio de Janeiro, num cenário de diminuição da procura desse gênero no estrangeiro, comprometia a reiteração de sua economia, essencialmente baseada na produção vinda dos engenhos. Com a queda do preço do açúcar, as frotas vindas do Reino preferiam negociar suas mercadorias em troca de moedas. Isso significava, para o Rio de Janeiro, uma diminuição das suas exportações e uma diminuição de sua capacidade de investimentos, devido à evasão do meio circulante. Essa queda nas vendas do açúcar, ou sua comercialização por preços muito baixos, colocava em risco o funcionamento dos engenhos, a principal unidade produtiva da economia da América Lusa, signo de poder e prestígio; por conseguinte, colocava em risco a própria organização social presente na América Lusa, que tinha no topo de sua hierarquia a nobreza da terra, formada principalmente por senhores de engenhos de açúcar. (FRAGOSO, 2002) Câmara Coutinho, Governador do Brasil na época, especialmente preocupado com as dificuldades financeiras vividas pela América Lusa, enviou ao Rei D. Pedro II uma representação datada de 4 de julho de 1692, na qual destacava as graves consequências da falta de numerário. Nessa mesma carta, ele sugere ao soberano a 20 AHU CA RJ doc 1766 a 1769, cd 1, 1691. Confirmando os prejuízos advindos do cumprimento da lei de 1688, somam-se as certidões passadas nessa mesma época pelas principais autoridades da Capitania: os irmãos do Colégio da Cia. de Jesus, o Prior do Convento N. Sr.ª do Carmo, o frei Francisco da Cruz, guardião do Convento de São Francisco, o Provedor da Santa Casa de Misericórdia e o Ouvidor Geral. AHU CA RJ 1766 a 1769, cd 1, f. 20-32. cunhagem de dois milhões de moedas provinciais, que seriam distribuídas pela Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. Assim, em face das inúmeras representações provenientes das diferentes Capitanias do Brasil, por suas Câmaras e seus Governadores, somando-se a estas o pedido de Câmara Coutinho, o Rei de Portugal, entendendo a necessidade de se criar uma moeda própria à América Lusa – com cunho e valor diferentes da moeda do Reino21 e que circulasse somente nessas terras – instituiu em 8 de março de 1694 a primeira Casa da Moeda no Brasil, para a cunhagem da provincial: a Casa da Moeda Itinerante. A moeda provincial trazia, pois, em suas raízes, o embate em torno da questão do valor da moeda, ocorrido no século XVII entre América Lusa e Lisboa. Neste panorama, a escassez de numerário provocava iniciativas das Capitanias na tentativa de se amenizar o problema. Algumas Câmaras com apoio dos seus Governadores, mesmo sem autorização régia promoveram, aumentos nominais nas moedas que circulavam na América Lusa, como a ocorrida em 1643, na Bahia, e em 1676, no Rio de Janeiro.22 Estas ações independentes e a anarquia monetária vivida tanto aqui quanto no Reino, levou a Monarquia a demonstrar sua força, por meio da lei de 1688. Esta lei, que não foi amplamente aceita pelas principais Capitanias da América Lusa, como evidenciado pela documentação da época, se tornou alvo de protesto das Câmaras. A proximidade de algumas datas sugere uma relação entre esses eventos apresentados e a criação da Casa da Moeda Itinerante. Por volta de 1690-91, partem da Câmara do Rio de Janeiro reclamações contra o cumprimento da lei 21 10% a mais sobre o acréscimo anterior de 20%. 22 AHU CA RJ doc 1766-1769, cd 1, 1681, f. 33-34. História e Economia Revista Interdisciplinar 19 In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna de 1688, a representação de Câmara Coutinho endereçada ao Rei D. Pedro II data de 1692 e a criação da Casa da Moeda do Brasil, não por acaso, data de 1694. A criação da Casa da Moeda Itinerante representou um ganho para as elites locais, uma vez que a criação da moeda provincial significava aumento nas exportações dos gêneros da terra, pois aos comerciantes vindos do Reino eram oferecidas duas opções: ou negociavam seus produtos por uma moeda fraca, podre – mais desvalorizada que a moeda do Reino e restrita às transações comerciais da América Lusa – ou em troca de açúcar, mesmo que considerado de qualidade inferior. Com isso, a moeda provincial acabou por assegurar a saída do açúcar produzido na Capitania do Rio de Janeiro, garantindo desta forma a reiteração não só da economia baseada na produção desse gênero, mas também da própria hierarquia social presente nessa sociedade. A criação da Casa da Moeda Criada em 1694 para transformar o dinheiro antigo em moeda provincial, a Casa da Moeda, instalada inicialmente na Bahia, acabou por circular pelas principais Capitanias da América Lusa.23 Como nos mostra a carta enviada em 14 de maio de 1696 pelo Governador Geral, João de Lencastre, para Artur de Sá e Meneses, o então Governador da Capitania do Rio de Janeiro, havia uma grande resistência por parte dos habitantes dessa Capitania em enviar o pouco numerário de que dispunham para a Bahia, com o objetivo de ser recunhado. Escreveu Lencastre: 23 Para saber mais sobre o assunto: LIMA, F. C. G. de C. A criação da Casa da Moeda ‘itinerante’ e a cunhagem de moeda provincial no Brasil (1695-1702). Anais do V Congresso de Economistas de Língua Portuguesa, Recife, 2003; AZEVEDO, M. A Casa da Moeda In: ____. O Rio de Janeiro, sua História, Monumentos, Homens Notáveis, Usos e Curiosidades. Rio de Janeiro: Brasiliana, vol II, 1969, p.275-291. Coleção Vieira Fazenda; GONÇALVES, C. B. A Casa da Moeda do Brasil... LUDOLF, D. A Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Separata dos Anais do Museu Histórico Nacional, vol XIX, 1968; Revista Casa da Moeda, nº1-23, 1947-1950. 20 História e Economia Revista Interdisciplinar muitas repetidas são as ordens que tenho mandado a essa Capitania, para na forma das de sua Majestade, que Deus guarde, vir o dinheiro dela a esta cidade e converter-se na Casa da Moeda na Provincial; e nenhuma teve efeito até o presente, pela repugnância que esses moradores tiveram ao risco que podia ter no mar com os Piratas e na terra com as distâncias dos caminhos, e passagens de caudalosos rios. (SOMBRA, 107) Em 1697, os membros da Câmara do Rio de Janeiro, com o apoio do Governador da Capitania, escreveram ao Rei relatando o inconveniente de se afastar daquela Praça o pouco numerário de que a mesma dispunha. Em resposta a essa representação, o Rei ordenou aos vereadores que escolhessem entre dois meios: ou mandarem o dinheiro como se lhe havia ordenado a essa casa [da Bahia] ou remetesse acabado o lavor dela oficiais e engenhos ao Rio de Janeiro para se reduzir a sua moeda, não se levando por parte de minha fazenda, senhoreagem ou braceagem, mas correndo por conta de todos aqueles moradores a despesa desta fabrica, para a qual se lhe daria os engenhos por estarem já pagos, e lhes mandei declarar que iria um desembargador por Superintendente daquela Casa ao qual por sua conta se havia de dar o ordenado que era costume24 Reconhecendo a vontade de seus vassalos e repassando para eles os custos com a transferência e a manutenção da Casa e de seus funcionários na Capitania do Rio de Janeiro, a Monarquia não só permitiu a saída da Casa da Moeda da Bahia rumo ao Rio, como também abriu mão dos seus direitos reais, traduzidos no imposto da senhoriagem e da brassagem,25 para que esses fossem revertidos em prol da manutenção da Casa. Mais uma vez a Monarquia agia 24 Carta de Sua Majestade escrita ao Doutor João da Rocha Pita Superintendente da Casa da Moeda, 7 de março de 1697, Apud GONÇALVES, C. B. A Casa da Moeda do Brasil...p. 153-154. 25 A senhoriagem é o imposto cobrado pela Monarquia aos particulares na Casa da Moeda, para transformar metais em moeda ou recunhar moedas que não cumprem as devidas condições legais. Já a brassagem é o pagamento dos custos de amoedação. In: SOUSA, R. M. Moeda e Metais Precisos... p.20. de forma a favorecer seus vassalos da América Lusa, em especial os da praça fluminense. A Casa ficou temporariamente no Rio até 1700, passando para Pernambuco nesse mesmo ano e funcionando por lá até 1702. Já em 1703 ela retorna, agora de maneira definitiva, para o Rio de Janeiro. Esta Casa da Moeda – que circulou pela Bahia em 1694, pelo Rio de Janeiro em 1698 e por Pernambuco em 1700, denominada de Itinerante – foi a resposta dada pela Coroa Portuguesa para o problema da escassez e do aviltamento do numerário vivida pela América Lusa no século XVII. Com a abertura desta Casa na Bahia, buscava a Monarquia Lusa aliviar a crise financeira advinda da falta de numerário e, no mesmo sentido, a evasão das moedas para o Reino. Mas o século XVIII coloca a Casa da Moeda numa nova paisagem política. Se até então o papel desempenhado pela Casa Itinerante foi a cunhagem da moeda provincial, a descoberta das minas de ouro conferiu um novo peso político a essa instituição, que passou a ser um dos canais de administração e envio do ouro para o Reino. A Casa da Moeda do Rio de Janeiro – 1703 A Casa da Moeda que se instalou no Rio de Janeiro no alvorecer do século XVIII teve um peso diferente da Casa da Moeda Itinerante. Não só pelo tipo de moeda cunhada mas, sobretudo, pela importância que essa Casa adquiriu na malha política da Monarquia Portuguesa. Antes de investigarmos em pormenores essa Casa da Moeda do Rio de Janeiro, vale a pena analisarmos um pouco a viragem que o século XVIII empreendeu nos rumos da Monarquia Lusitana. Antes mesmo do tão sonhado ouro brasileiro ser descoberto, a América Lusa já vinha desfrutando de uma crescente importância na cartografia política do Império. Segundo Bethencourt, uma série de medidas militares e administrativas vinham sendo postas em prática por Portugal para assegurar suas possessões no Atlântico Sul. A articulação entre as duas partes do Atlântico, costa brasileira e costa africana, começou a tomar contornos expressivos no XVII. Tão estratégico se mostrava o domínio sobre os portos de comercialização de escravos em Luanda, que Salvador Correia de Sá e Benevides levantou tropas no Rio de Janeiro para tirar Angola do jugo holandês. Se no início do XVII a situação do Brasil na balança econômica do Império era de inferioridade se comparada ao Oriente, ao final do mesmo século a situação se inverteu, e as rendas da América Lusa a superaram as do Oriente. (BETHENCOURT, 1998, 320-335; ALENCASTRO, 2000; BOXER, 1973) Esta guinada, de fato, foi dada em decorrência dos descobrimentos do ouro. Segundo Boxer, a Coroa Portuguesa soube jogar com a vaidade dos paulistas, quando solicitava seu auxílio na prolongada procura por metais preciosos. Por volta de 1690, o Monarca autorizava explicitamente o Governador do Rio de Janeiro a induzir os principais paulistas a reunirem-se às buscas de minas, através de promessas segundo as quais eles seriam feitos gentis-homens da casa real e cavaleiros das três ordens militares, de Cristo, de Avis e Santiago. (BOXER, 2000, 61)26 Esse esforço por achar ouro e prata na região sudeste da América Lusa se relaciona com o fato de as economias de São Paulo e Rio de Janeiro estarem à margem das plantations nordestinas, fabricantes do produto-rei. Para o Rio de Janeiro, cujo açúcar o comércio reinol preteria, as investidas no sertão eram a tentativa de melhorar a reprodução de sua sociedade. Afora isso, mesmo que houvesse incentivos da Coroa, as expedições foram custeadas, em parte, 26 mais precisamente nota 9. História e Economia Revista Interdisciplinar 21 In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna pela fazenda dos sertanistas da nobreza da terra. Com isso, a façanha da descoberta, embora empreendida por vassalos Del Rey, foi entendida como uma conquista desses sertanistas, do local. (GRAGOSO, 2002, 52-53)27 As descobertas dos veios auríferos consolidaram o interesse da Coroa portuguesa no Atlântico Sul, sobretudo a partir do século XVIII. A exploração do ouro produziu uma tremenda mudança na paisagem geopolítica no centro-sul da América Lusa. (BOXER, 2000, 163-189) Com a necessidade de se abastecer as regiões mineradoras, rotas de fornecimento e comércio foram criadas. (SCHWARTZ, 1998, 86120; BOXER, 2000, 57-86; RUSSEL-WOOD, 1998, 471-525) Nesse novo contexto, o Rio de Janeiro emergiu como uma das pedras mais preciosas da Coroa do Rei de Portugal, o ponto de convergência de embarcações e circuitos mercantis. (SAMPAIO, 2003, 139-184; BICALHO, 2003) Não por acaso, foi nessa porta de entrada das minas que se instalou, de maneira definitiva, a Casa da Moeda. Segundo Noya Pinto, as notícias cada vez mais alvissareiras sobre a produção aurífera e seu confronto com os minguados quintos arrecadados impulsionaram a Coroa a tomar uma postura administrativa de cerco ao ouro. Em 1702, foi criada uma Casa de Fundição no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que se instalava a Casa da Moeda. E, dois anos após, duas Casas de Registro foram fundadas: uma em Santos e outra em Paraty. (PINTO, 1979, 39-112)28 27 Mais precisamente nota 26 onde o autor cita a Carta de Gaspar Rodrigues Paes – AHU, CA, doc. 3.093. 28 Também no início do século XVIII foi aprovado o Regimento para as Minas de Ouro, 19/4/1702; em 1709 foram criadas as Capitanias de São Paulo e Minas do Ouro, com a jurisdição separada da Capitania do Rio de Janeiro. SALGADO, G. (Org.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. Para saber mais sobre a estrutura administrativa e fiscal imposta em Minas para o recolhimento dos direitos e tributos reais recomenda-se o recente trabalho de CAMPOS, M. V. Governo de mineiros: “de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado” 1693 a 1737. São Paulo, 2002, Tese. (Doutorado em História) USP, FFLCH. 22 História e Economia Revista Interdisciplinar Conforme pesquisas de Michel Morineau29 retomadas em trabalhos de Rita de Sousa, podemos constatar que grande parte do ouro que chegava a Portugal era ouro em moeda. A análise realizada pela autora da composição de duas frotas, em momentos temporalmente diferentes, nos permite confirmar a predominância do transporte de ouro já amoedado. Diversas notícias da Gazeta de Lisboa relatam as grandes quantidades de ouro em moeda que chegavam ao Reino. Por exemplo: em julho de 1718, a frota saída do Rio rumo a Lisboa levava em sua carga 432.052 moedas; em agosto de 1721, a frota saída da Bahia rumo a Lisboa levava 24.773 moedas para Sua Majestade e 283.487 moedas para particulares. Para que possamos contextualizar a representatividade desses números, em 1718 a Casa da Moeda de Lisboa havia cunhado apenas 162.167 moedas de ouro, emissão, portanto, muito aquém das 432.052 vindas apenas do Rio. Os estudos de Leonor Costa, Maria Manuela Rocha e Rita de Sousa demonstram que as Casas da Moeda do Brasil, sobretudo a do Rio de Janeiro, e a Casa da Moeda de Lisboa, funcionavam como espaços de amoedação complementares.30 Conforme os dados indicados por essas autoras, as emissões de moeda portuguesa de ouro no Rio, se confrontadas com as emissões de ouro em Lisboa no período de 1730 a 1794, foram significativamente mais elevadas do que as da oficina monetária da capital do Reino. A carta régia de 1702, que ordenou a 29 Morineau encontra-se a realizar um trabalho a partir dos livros dos Manifestos da Casa da Moeda de Lisboa, em que procura determinar os montantes de moedas cunhadas no Brasil e legalmente chegadas em Portugal. SOUSA, R. M. O Brasil e as emissões monetárias de ouro em Portugal (1700-1797), Penélope, Fazer e Desfazer a História, nº23, 2000, p.89-107. 30 Essa complementaridade descrita pelas autoras se refere aos fluxos de emissão entre as Casas da Moeda. Se havia uma queda nas emissões da oficina monetária de Lisboa, era porque ocorrera um aumento nas emissões das oficinas da América Lusa. Além disso, outro traço distintivo entre as Casas da Moeda era os destinatários de suas emissões. Nas Casas da América Lusa a maior porcentagem de moedas cunhadas ia para os particulares enquanto a Casa da Moeda de Lisboa emitia em maior quantidade para o Estado. COSTA, L., ROCHA, M. M. R., SOUSA, R. M. O Ouro Cruza o Atlântico In: Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, Ano XLI, p.71-83, Julho-Dezembro de 2005. transferência da Casa da Moeda de Pernambuco para Rio de Janeiro, deu também um novo caráter a essa instituição, ao ordenar que nela se lavrassem as moedas de ouro correntes no Reino e fossem para ele destinadas.31 A Casa da Moeda que reaberta na da Bahia em 1714 e a criada em Minas em 1725, mais especificamente em Vila Rica, também cunharam moedas nacionais – as que corriam no Reino. Pelo pouco que se sabe, essas emissões são menores do que as da Casa do Rio. Além da mudança no tipo de moeda a ser lavrada pela Casa, a importância que essa instituição vai adquirindo, na primeira metade do século XVIII, pode também ser percebida nos variados empréstimos feitos por ela para a manutenção e viabilização da administração, da defesa e da própria urbanização da América Lusa. Quadro 1: Empréstimos feitos pela Casa da Moeda do Rio de Janeiro ANO 1699 QUANTIA ___ 1701 ___ 1712 ___ 1713 275:194 cruzados 1723 100:000 cruzados 1737 92:000 cruzados 1756 40:000 cruzados rendimentos foram aplicados em obras na Cadeia e na Câmara, em pagamentos de naus guardacostas e postos militares na Capitania, contribuindo assim para a própria defesa local. A partir da análise de um conflito ocorrido em 1755, provocado pela interferência do Intendente Geral do Ouro nos assuntos da Casa da Moeda32, pudemos perceber que a Casa do Rio funcionou como um centro a partir do qual os materiais necessários à fundição dos metais eram redistribuídos. Pensando nos aspectos técnicos necessários à transformação e ao refino do ouro, ter nas mãos o canal de comunicação de pedido e recebimento dos tais materiais era ter o controle sobre a conversão da matéria bruta em produto comercializável: as moedas e as barras. Isso, obviamente, se analisado dentro dos aspectos legais. FINALIDADE Pretensão dos oficiais da Câmara em comprar uma casa para os Governadores e reedificarem o edifício da câmara. Obras no edifício da câmara e cadeia. Pagamento de postos militares. Resgate da cidade. Destacamento para Montevidéu. Destacamento para Sacramento. Custeamento de nau guarda costa. Fontes: Fundo Secretaria do Estado do Brasil, Provedoria da Fazenda, Códice 60 v 12 169, AHU C.A. RJ doc 4502, cd 2, 23/8/1724, doc 9742, cd 3, 10/7/1737. Esses dados, embora pouco numerosos e incompletos, são uma boa pista de uma outra faceta dessa instituição: a contribuição dada pela Casa da Moeda para a organização e viabilização da administração lusa na América. Sua presença no Rio de Janeiro trouxe também ganhos para a localidade. Como vimos no quadro acima, seus 31 CALMON, P. História do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, vol. III, 1971, p 893. Cunhar moedas nacionais para o Reino era a principal função da Casa, mas isso não implica em dizer que ela não cunhava moedas para particulares e que também não emitia a moeda provincial. Segundo Rita de Sousa, essa prática da Casa da Moeda socorrer as despesas da Monarquia Lusa acontecia também no Reino. Na década de [17]30, época dos conflitos na colônia do Sacramento, são numerosos os avisos dirigidos ao Tesoureiro da Casa da Moeda para que este entregasse ao Conselho Ultramarino determinados montantes, destinados a pagar 32 AHU CA RJ doc 18492, 1/2/1755. História e Economia Revista Interdisciplinar 23 In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna fornecimentos de munições, fardas, pólvora e diversos materiais de guerra, que se destinavam ao Rio de Janeiro, a Nova Colônia, a Pernambuco e a Paraíba. (COSTA, 2006) Esse prestígio acabou por incitar o ciúme de alguns setores no Reino, que tramavam contra o funcionamento das Casas da Moeda no Brasil – no plural, pois vale lembrar que em 1725 tínhamos funcionando aqui, além da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, a da Bahia, aberta em 1714, e a de Minas, em 1725. A correspondência de Manuel de Sousa, um dos Provedores da Casa da Moeda do Rio de c.1700 a 1721, já alertava para as intrigas urdidas em Lisboa contra as Casas da Moeda no Brasil; teriam estas escapado no ano passado da extinção, mas neste não sei se lograrão a mesma fortuna, (BOXER, 1965, 28) dizia o Conselheiro Ultramarino Antônio Rodrigues da Costa, em 1716. Procuramos analisar até aqui algumas questões que envolveram a abertura de uma Casa da Moeda na América Lusa em finais do XVII, bem como suas diferentes fases. Nossa atenção agora, se voltará para o interior da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, para a compreensão do seu funcionamento, suas legislações internas, sua hierarquia. Sobre a organização das Casas da Moeda Existem dois balizadores para a organização das Casas da Moeda na América Lusa: 1- o Regimento de 9 de setembro de 1687, o mesmo da Casa da Moeda de Lisboa, e 2- a instrução feita por Rocha Pita, na época Chanceler da Relação do Brasil e primeiro Superintendente da Casa da Moeda aberta na Bahia. O Regimento de 1687 foi o segundo a 24 História e Economia Revista Interdisciplinar ser observado pela Casa da Moeda de Lisboa, datando o primeiro de 1498, reinado de D. Manuel I. Pelas primeiras linhas do novo Regimento, ficam patentes os motivos de sua reformulação: por estar hoje impraticável o antigo porque ela até agora se governava, tanto pelas alterações do tempo, como pela nova forma que se deu ao lavramento do dinheiro.33 Segundo Rita de Sousa, a nova forma do lavramento do dinheiro a qual o texto se refere são as alterações ocorridas na técnica produtiva em finais do seiscentos que modificaram a cunhagem da moeda. Esta deixou de ser feita pelo uso do martelo passando a ser realizada pela técnica do balancê.34 Essa alteração técnica feita na produção da moeda é parte das medidas tomadas pelo Estado Português para manter a qualidade da moeda em circulação, pois, como vimos anteriormente, o dano do cerceio tinha se alastrado pelo reino e pela América Lusa, pondo em risco a utilização do pouco dinheiro sonante disponível para as transações comerciais. O Regimento de 1687 traz algumas alterações em relação ao anterior, mormente a perda da importância dos Moedeiros no plano produtivo e o desmembramento do ofício de Juiz, dando origem ao cargo de Provedor e de Tesoureiro. (SOUSA, 1999, 44-45) Relacionando os ofícios às suas correlativas funções no tocante às fases de fabrico da moeda, temos o seguinte quadro organizacional: 33 “Regimento que Sua Majestade que Deus guarde manda observar na Casa da Moeda, Lisboa, 1687”. Apud GONÇALVES, Cléber Batista. A Casa da Moeda do Brasil..., 1989, pp.113-137. 34 balancê era uma prensa de parafuso com um braço terminado por pesos horizontalmente fixado na extremidade superior do referido parafuso. Acionado pelo braço humano, usualmente dois a quatro homens, esse veio-parafuso, em cuja extremidade inferior era colocado um cunho, descia rapidamente, esmagando o disco metálico contra um outro cunho fixo aposto na parte central do balance e na perpendicular do cunho móvel, obtendo-se assim a moeda cunhada. Apud SOUSA, Rita Martins de. Moeda e Metais Precisos... p.34. Quadro 1: Os ofícios segundo as suas funções Direção Provedor Tesouraria Tesoureiro Contabilidade Escrivão da Receita Escrivão da Conferência Guarda Livros Controle da Fiel do Ouro e ajudante Quantidade Fiel da Prata e ajudante Controle da Juízes da Balança (2) Qualidade Ensaiadores (2) e ajudantes Fabricação Fundidor Guarda do Cunho Abridor dos Ferros ou Cunhos Moedeiros (104) Auxiliares Serralheiro Porteiro Contínuo Meirinho Fonte: SOUSA, Rita. Moeda e Metais Precisos no Portugal Setecentista (1688-1797). Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 1999, Anexo 2.1, p.283. (Tese de Doutorado Inédita). Segundo o Regimento, o principal ofício da Casa da Moeda era o de Provedor. Tinha este por obrigação dar notícia ao Conselho da Fazenda sobre qualquer alteração na moeda dos reinos vizinhos, para se saber os preços pelo quais corriam os câmbios, e também sobre toda novidade a propósito da moeda no reino e nas conquistas. Era ele igualmente responsável pela fiscalização do trabalho da Casa e pela assistência às possíveis faltas dos materiais necessários ao lavramento da moeda. Era ele também incumbido da eleição dos 104 moedeiros, aos quais passaria suas cartas, afim de que o Conservador os armasse e desse juramento. Ao Provedor também caberia requerer por escrito aos Corregedores e Juízes do Crime para que o assistissem nas execuções do ouro e prata dos ourives ou quaisquer outros que pertencessem à Moeda. Tinha ele também permissão para pôr ou suspender verbas nos ordenados dos oficiais da Casa, aos que não estivessem satisfazendo as suas obrigações, fazendo autos que remeteria ao Conservador. Esses autos não poderiam ser feitos contra o Tesoureiro, Escrivães, Fundidores e Juízes da Balança, porque contra estes não procederia antes de dar conta ao Rei pelo Conselho da Fazenda. Poderia, também, fazer autos que seriam remetidos ao Conservador de quaisquer pessoas que dissessem palavras injuriosas a algum oficial da Moeda. Era o Provedor aconselhado a chamar à Casa da Moeda os homens de negócio que lhe parecessem necessários para saber das notícias que fossem interessantes ao bom funcionamento da Casa. Depois do Provedor, o ofício mais importante era o de Tesoureiro. Ele não só centralizava todo o processo de amoedação, como também se relacionava com as partes (os particulares) na entrega do metal amoedado. (SOUSA, 1999, 46) Pelas palavras do Provedor da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, José da Costa Matos, em 1751 se confirma a importância deste ofício na hierarquia da Casa: Este ofício tem de ordenado trezentos mil rés por ano. E sendo na série do Regimento o primeiro depois do meu lugar, é o mais inferior no ordenado aos oficiais da Mesa do Despacho...35 Essa Mesa era formada pelo Provedor, pelo Tesoureiro, pelos Escrivães e pelos Juízes da Balança. Curiosamente, nos ordenados declarados em 1759 na Casa da Moeda de Lisboa, o Tesoureiro era o oficial da Casa com o ordenado mais elevado; recebia o Provedor, 900.000 réis/ano e, o Tesoureiro, 1.200.000 réis/ ano. 35 AHU CA RJ doc 15144, cd 5, 1751. Grifo nosso. História e Economia Revista Interdisciplinar 25 In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna O Escrivão da Receita & Despesa e o Escrivão da Conferência eram os responsáveis pelos registros contabilísticos da Casa, podendo o Escrivão da Receita substituir o Provedor quando necessário. Isso ocorreu na Casa do Rio nos anos de 1721 a 1723, quando o então Provedor, Manuel de Sousa, regressava para o reino, deixando a direção da Casa por conta de Francisco da Silva Teixeira, o Escrivão da Receita & Despesa. O Guarda Livros era responsável não só por acomodar os livros nos armários, como também pelo recolhimento daqueles que registram as diversas fases do fabrico da moeda, designados por livros da Ementa. O Fiel do ouro ou da prata era o responsável por receber e dar feito em moeda todo o ouro que se lhe entregar. Devendo confirmar o justo peso das moedas, antes de chegarem ao controle da qualidade realizado pelo Juiz da Balança. Feita a entrega da moeda, deveria o Fiel apresentar a parte em sizalhas 36 ao Fundidor para nova fundição, enquanto a escovilha 37 era de sua pertença. O Regimento, no capítulo 62, exigia a separação dos ofícios de fiel, fundidor e guarda-cunho, pois não deve o oficial que faz a moeda fundir o metal de que se obra, nem ter em seu poder os ferros com que se cunha. Os Juízes da Balança e os Ensaiadores eram os responsáveis pelo controle da qualidade da moeda. Aos Juízes da Balança competia a aferição do peso das moedas, sendo a balança mais importante a que se encontrava na Casa do Despacho, onde se fazia a entrega do dinheiro já amoedado. Embora houvesse esse controle no legítimo peso das moedas, admitia-se legalmente uma pequena variação, para mais, as febres (so36 As sizalhas são os resíduos das barras de metal. In: SOUSA, Rita Martins de. Moeda e Metais Precisos... nota 33, p.47. 37 A escovilha corresponde às partículas de metal precioso que ficavam nos utensílios onde se realizava a fundição do metal. In: SOUSA, Rita Martins de. Moeda e Metais Precisos... nota 34, p.47. 26 História e Economia Revista Interdisciplinar bra) ou para menos, os fortes (falta). Já aos Ensaiadores cabia o exame da qualidade do metal de que era composta a moeda. O dinheiro deveria sair com a devida lei: a prata deveria ter de lei onze dinheiros e o ouro vinte e dois quilates. O último ensaio ocorria já depois da moeda feita, para se prevenir dos casos em que o dinheiro tivesse sido adulterado. Da fabricação participavam o Fundidor, os Abridores dos Ferros ou Cunhos e os Moedeiros. O Fundidor, além de responsável pela fundição dos metais, que deveria ocorrer sempre com o conhecimento do Provedor, a fim de que este nomeasse um dos Ensaiadores para Guarda da Fundição, cabia-lhe também a compra de todo o ouro que circulava pela Casa da Moeda. Por isso, este ofício deveria andar sempre em pessoa de cabedal e crédito. Os Abridores dos Ferros ou Cunhos eram os oficiais incumbidos da perfeição da marca da moeda, que continha o nome do Soberano, as Armas e a Cruz. Os Moedeiros não tinham o estatuto de oficiais da Casa da Moeda, pois o trabalho que prestavam nela era descontínuo. Não poderiam ser mais do que 104, sendo repartidos em doze Tiradores, dezoito Fieiros, quinze Cunhadores e quinze Contadores, sendo os restantes quarenta e quatro encaminhados pelo Provedor para as atividades que lhe parecessem mais convenientes. Segundo Rita Martins de Sousa, essas atividades podiam ser a compra de ouro e prata, sobretudo quando a falta de metais preciosos era excessiva na Casa da Moeda; como foi o caso de 1685 na Casa da Moeda de Lisboa, como a compra de moedas com o peso fora da lei; como ocorreu em Lisboa em 1733. Devido ao cerceamento da moeda de ouro, os Moedeiros foram enviados para as cabeças das comarcas para comprarem as moedas com falta de peso. (SOUSA, 1999, 51) Os Moedeiros deveriam ser sempre oficiais de tenda aberta, morador da cidade e, em nenhum caso, poderia ser nomeado Moedeiro um ourives. Eles eram escolhidos pelo Provedor e enviados para o Conservador do Cabido para se armarem moedeiros. Consta que, no ritual de sagração, o Moedeiro portando um capacete, de joelhos prestava o juramento solene sobre os Santos Evangelhos e recebia do Provedor o grau que lhe era conferido através de duas leves pancadas sobre o capacete, dadas com uma espada finamente lavrada. Essas pancadas significavam fé e lealdade e dedicação ao trabalho. (GONÇALVES, 1948, 3-14) Para gozarem de seus privilégios era necessário ter uma certidão e o nome constar no Livro da Matrícula da Casa da Moeda; para tanto, tinham de pagar 4.000 réis cada um que se armasse moedeiro: 2.000 iriam para o Conservador e, os outros 2.000, para a Corporação. Afora essas condições, os Moedeiros não poderiam falir de crédito, pois, se isso ocorresse, era-lhes retirada a carta e seu lugar era ocupado por outro. (SOUSA, 1999, 51) Completando o quadro da Casa, temos os Auxiliares. O Serralheiro era o responsável por acudir qualquer conserto nos engenhos. Ao Porteiro cabia zelar pela Casa durante o dia e, de noite, lhe servir de guarda, devendo residir na própria Casa da Moeda. O Meirinho deveria servir de carcereiro da prisão que havia na Casa da Moeda. Já o Contínuo era incumbido da correspondência da Casa da Moeda. Na verdade, a instalação da Casa na Bahia não tomou a amplitude que tal Regimento permitia. D. Pedro II, Rei de Portugal, passou algumas instruções ao Provedor da Casa da Moeda da Bahia, orientando que: não se embarace muito com o Regimento, porque tem algumas coisas impraticáveis, quando se possa ajustar com ele no essencial, não deve reparar nas circunstâncias e acidente. (GONÇALVES, 1989, 112) Com a vinda da Casa da Moeda Itinerante para o Rio de Janeiro em 1698, João da Rocha Pita, atendendo a vontade de Sua Majestade escreveu uma instrução, constando de dezoito apontamentos, para que por ela se guiasse o Superintendente da Casa no Rio de Janeiro, o Desembargador Miguel de Siqueira Castelo Branco. Essa Instrução38 versava, dentre outras coisas, sobre o direito de nomeação do Tesoureiro, que deveria ser eleito pelo Senado da Câmara, tal qual havia ocorrido na Bahia; sobre os preços que deveriam ser pagos na compra dos metais preciosos pela Casa; sobre a importância do Provedor e do Ensaiador Manuel de Sousa dentro da Casa da Moeda, faltando por algum caso a pessoa de José R Rangel, servirá em seu lugar Manuel de Sousa que vai por ensaiador, homem de muita verdade e perícia na sua ocupação, e que para administrar a casa tem toda a suficiência necessária. (GONÇALVES, 1989, 155-157) O primeiro Provedor da Casa da Moeda do Rio de Janeiro foi José Ribeiro Rangel. Este já havia servido de Juiz da Moeda39 na Casa da Bahia em 1694, juntamente com Manuel de Sousa, que desempenhava na época o ofício de Ensaiador. Em 1700, a Casa da Moeda situada no Rio de Janeiro foi transferida juntamente com os seus oficiais para Pernambuco. Seria Rangel a exercer ali o ofício de Provedor; porém, ele seguiu para o Reino, passando a Manuel de Sousa a administração da Casa de Pernambuco. Com a volta da Casa para o Rio de Janeiro em 1702, agora de maneira definitiva, Manuel de Sousa continuaria na sua direção até 1721, quando retornaria ao Reino. Manuel faleceu em 1722. Foi Francisco da Silva Teixeira, o então Escrivão da Receita & Despesa, que assumiu a direção da Casa interinamente até 1723, quando 38 Instrução que mandou o Dr. João da Rocha Pita ao Superintendente do Rio de Janeiro Desembargador Sindicante Miguel de Siqueira Castelo Branco. Apud, GONÇALVES, C. B. A Casa da Moeda do Brasil...1989, p.155-157. 39 De início os Provedores eram denominados Juízes e agregavam as funções que depois seriam do Tesoureiro e do próprio Provedor. História e Economia Revista Interdisciplinar 27 In Hoc Signo Vinces - moeda e poder da monarquia na época moderna seguiu para as Minas para servir nas Casas de Fundição e Moeda. Ficou em seu lugar, Manuel de Moura Brito, Escrivão da Receita & Despesa. Manuel de Moura Brito foi Provedor Interino até 1726, quando se teve uma nova provisão para o cargo. Concorreram para este o próprio Manuel de Moura Brito, Dionísio Batista Mendonça, o já citado Francisco da Silva Teixeira e João da Costa Matos. Designado por provisão real em 25 de junho de 1725, o novo Provedor efetivo, João da Costa Matos, foi empossado em 24 de março de 1726.40 Considerações Finais A Casa da Moeda Itinerante foi fruto da negociação vivida no século XVII entre América Lusa e Lisboa sobre a moeda, sua escassez, seu aviltamento e a alteração do seu valor. Essa Casa Itinerante representou também mais uma oportunidade de participação de autoridades locais na administração régia. Se de início a função da Casa Itinerante aberta na Bahia em 1694 foi a cunhagem da moeda provincial – que significou uma conquista para as principais famílias da terra, por assegurar as exportações de açúcar, afastando assim o perigo da paralisação da economia pela falta de numerário e pela desfabricação dos engenhos – dentro do contexto das descobertas e exploração dos veios auríferos essa instituição foi ganhando um novo peso dentro da geopolítica do Império Ultramarino. Agora marcadamente voltado para o Atlântico Sul. Juntamente com essa mudança da conjuntura política que deu uma nova feição à Casa da Moeda do Rio de Janeiro, ocorreu também uma alteração no perfil dos Provedores que estiveram à frente da Casa de 1702 a 1750. Manuel de Sousa veio do reino para a Casa da Bahia em 1694 no cargo de Ensaiador, passando a Prove40 AHU CA RJ doc 4135, cd 2, 1725. 28 História e Economia Revista Interdisciplinar dor em Pernambuco em 1700 e Provedor da Casa do Rio de 1702 a 1721. Pela sua correspondência nota-se uma estreita ligação com membros da alta administração lusa, como o Marquês de Marialva, seu compadre, e o Conselheiro do Ultramarino Antônio Rodrigues da Costa. Diferente de João da Costa Matos, que inaugurou uma linha sucessória dentro da Casa. Este foi Provedor de 1725 a 1750, seu filho José de 1750 a 1811 e depois seu neto também João da Costa Matos. Se Manuel guardava estreitas relações com membros da administração lusa, João tem na sua trajetória um histórico de participações no local: foi Escrivão dos Quintos do Ouro, Almoxarife da Fazenda, Capitão de Fortaleza e casado duas vezes com moças nascidas no Rio de Janeiro. Essa mudança no perfil dos Provedores pode ser fruto de um rearranjo político entre a Monarquia e as principais famílias da terra para um melhor controle sobre os canais de envio do ouro para o reino, até porque João da Costa Matos exerceu concomitantemente ao cargo de Provedor e de Superintendente das Casas de Fundição em Minas, substituindo Eugênio Freire de Andrade. Bibliografia ARAGÃO, Teixeira de. Descrição Geral e Histórica das moedas cunhadas em nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal, Lisboa, 1877. BRAUDEL, Fernand. “A Moeda” In: ____.Civilização material, Economia e Capitalismo, século XV-XVIII, vol 1, São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.399-437. COSTA, Grasiela Fragoso da. A Casa da Moeda do Rio de Janeiro: A instituição e seus membros, c.1694 a c.1750. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado em História). PPGHIS/UFRJ. SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá. “Crédito e circulação monetária na Colônia: o caso fluminense, 1650-1750”. 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História e Economia Revista Interdisciplinar 29 30 História e Economia Revista Interdisciplinar “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”: ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII Raphael Freitas Santos Professor Assistente Temporário/UFOP e doutorado em História Econômica/UFF [email protected] Resumo: O costume de vender fiado e a frequência com que se recorria a operações de crédito são referências constantes em relatórios de funcionários da coroa portuguesa, no que tange a economia mineira setecentista. O objetivo desse artigo é, a partir do escopo teóricoconceitual da história social e da análise de fontes de origem cartorial, compreender a dinâmica do crédito cotidiano praticado pela população mineira durante o século XVIII. O uso de tal metodologia é capaz de ampliar as interpretações sobre crédito, elucidando questões relativas às trocas cotidianas; e, o uso de tais fontes, de ter um maior conhecimento sobre as práticas dos indivíduos em sua vivência no mercado. Palavras-chave: Crédito, Práticas Creditícias, Colônia, Minas Gerais Abstract: The custom of selling on credit and the frequency of credit transactions are constant references in the reports of Portuguese colonial officials concerning eighteenth-century Minas Gerais. The aim of this article is understand the dynamics of everyday credit practiced in Minas Gerais during the eighteenth century. This article was based on the methodology of Social History and the analysis of notarial documents. The use of such methodology and sources helps understand the concept of credit, clarifies issues about daily trade; and informs about the market practices of the people.. Keywords: Credit, credit practices, colony, Minas Gerais. História e Economia Revista Interdisciplinar 31 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII A citação que dá nome ao artigo é capaz de ilustrar a relação entre ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII. O trecho foi retirado de uma carta do governador da capitania, escrita em 1720. Nela, D. Pedro de Almeida se espantava com o fato de “sendo este país [as Minas] a parte onde cria, é aquele onde menos ouro se vê”. 1 (grifo nosso). Se, assim como no restante da América Portuguesa, em Minas Gerais faltavam moedas, como teria sido possível ter desenvolvido ali um mercado relativamente importante, em um contexto de precária circulação monetária? Talvez a resposta para essa questão possa estar nas operações cotidianas de crédito praticadas pela população da região, na vivência do mercado. A historiografia tradicionalmente salientou a escassa liquidez pela qual passava a economia da América Portuguesa, como uma das explicações para as limitações do desenvolvimento de um mercado auto-centrado no Brasil colonial. Aliás, salientou Arruda, “a carência de moedas na colônia sempre se constituiu num problema sério, a ponto de, em vários momentos, ter se institucionalizado a circulação de ‘bilhetes de extração’ ou de ‘permuta’”. (ARRUDA, 1980, 346) 2 De acordo com Russell-Wood, a escassez de dinheiro líquido teria sido uma das razões para o declínio da prosperidade na Bahia a partir do século XVIII: “em 1712 o conselho municipal estimou que a quantidade total de moeda circulante da Bahia não ultrapassava 500.000 cruzados”. (RUSSEL-WOOD, 1981,53) Kátia Mattoso sugeriu, ainda para a Bahia, que “essa falta de numerário que se traduzia quase sempre pela falta de moeda divisionária tinha uma influência muito grande e decisiva sobre as modalidades de compra e venda de mercadorias quer se tratasse 1 APM – Seção Colonial: Caixa 4, 802-806. 2 Como foi o caso, por exemplo, dos bilhetes de extração que circularam como moeda no Distrito Diamantino durante o período da Real Extração. Ver: FURTADO, Júnia F. O livro da capa verde. O regimento diamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino no período da Real Extração. São Paulo: Annablume, 1996, p. 152. 32 História e Economia Revista Interdisciplinar de operações do tipo grossistas ou do tipo retalhistas”. (MATTOSO, 1978, 261) A circulação deficitária de moedas não teria sido muito diferente ao sul da América portuguesa. Segundo Nazzari, “como a economia paulista do século XVII sofria de uma escassez de moeda, certas mercadorias, como o tecido de algodão, eram com frequência usadas localmente para o pagamento de dívidas”. (NAZZARI,2001,92) Tamanha era a escassez de moedas no Rio de Janeiro que, como em muitos outros lugares, o mercado acabou gerando moedas substitutas. Para tanto, produtos de grande circulação acabaram tomando o lugar do dinheiro nas transações comerciais. Um desses substitutos foi o açúcar. De acordo com Sampaio, “sua utilização como moeda é uma constante na documentação seiscentista. (...) Além disso, o açúcar aparece constantemente nas escrituras do século XVII como meio de pagamento, sobretudo nas vendas rurais” (SAMPAIO, 2003). Mesmo durante o setecentos, “o dinheiro parecia pouco participar do dia-a-dia dos indivíduos da sociedade fluminense”. (SAMPAIO, 2002) De acordo com a historiografia, apesar de todo ouro extraído em Minas Gerais, a situação ali não deveria ter sido muito diferente: seja pela dinâmica do sistema colonial que canalizava o ouro para a Metrópole, seja pela especialização da produção que consumia todos os recursos extraídos. (NOYA PINTO, 1979) Mas, se por um lado a historiografia vem atribuindo como característica marcante de todo o período colonial brasileiro a precária circulação monetária – mesmo na capitania de Minas Gerais, apesar de toda a extração de ouro –, trabalhos recentes vem buscando relativizar essa máxima. Nesse sentido Ângelo Carrara (2010), em artigo recente, argumentou que a tão propalada falta de moeda, presente inclusiva na própria documentação do Arquivo Histórico Ultramarino, nada mais era do que o reconhecimento das dificuldades existentes em uma das unidades monetárias praticadas na capitania: a oitava do ouro em pó. Segundo o autor, não restam dúvida que o destino natural do ouro extraído de Minas Gerais era os mercados atlântico e, principalmente, europeu. No entanto, antes de percorrer este caminho que esteve predestinado, boa parte do ouro – que não teria sido enviado as casas de fundição imediatamente ao momento de sua extração, mas sobretudo no momento em que era preciso remetê-lo para fora da capitania – circulou de mão e mão sob sua forma de pó e grãos. (CARRARA, 2010) Como já apontava Pandiá Calógera (1960, 11-12), ao contrário de muitas outras regiões da América portuguesa, além das moedas de prata coloniais, do bilhão de cobre e das barras de metal, nas Minas, o ouro em pó circulou durante muito tempo livremente e acabou se tornando a principal moeda nas trocas comerciais cotidianas. Em relatório enviado a Coroa portuguesa, José João Teixeira ilustra com precisão essa prática monetária. Segundo o funcionário da Coroa, São inúmeras as quantias de ouro em pó, que giram na Capitania de Minas e infinitos os pagamentos que se fazem com ele. Está calculada a perda que costuma haver nestes pagamentos miúdos em cinco por cento, porque a experiência tem mostrado que toda pessoa que tiver cem oitavas de ouro e as for gastando em pagamentos miúdos, vem a perder cinco; parte deste ouro fica pegado nas balanças, parte nos papéis em que se embrulha e parte se desencaminha com o ar, o que acontece às partículas mais sutis. (COELHO. Apud. ZEMELLA, 1990,164) É importante ressaltar que a circulação de ouro em pó não teve impacto apenas na capitania de Minas Gerais. Segundo Carrara (2010, 237), “a circulação mercantil constituída pela produção de ouro não se circunscreveu ao território da capitania. A mineração fecundou os circuitos mercantis no interior do Brasil, e trouxe para a sua órbita de influência gêneros”. A partir do exposto, uma conclusão possível é a de que a questão da falta de moeda no Brasil setecentista precisa ser, no mínimo, relativizada. Porém, para se chegar a tal conclusão é preciso se levar em conta não apenas os agregados macroeconômicos, conforme sugeriu Ângelo Carrara (2010, 263), mas também a microescala, “à qual se revelam os comportamentos monetários e sua incrustação social”. Partindo desse pressuposto, é possível perceber que certas práticas utilizadas pelos indivíduos, em sua vivência do mercado, foram responsáveis pela superação do paradoxo de um mercado em expansão e uma relativa carência de moedas eficazes. Além do ouro em pó, outra solução encontrada para resolver esse paradoxo foi encontrada pela a própria sociedade que, segundo Silveira, “forjou, no cotidiano, uma solução: efetivou como uma nova moeda, no conjunto das transações diárias, a palavra, escrita ou falada”, o crédito. (SILVEIRA, 1997, 97) Crédito e práticas creditícias De acordo com a terminologia da época, o termo “crédito” estava muito mais ligado à idéia de confiança, “fé que se dá a alguma cousa”, “autoridade, estimação”, “favor, valimento”, do que a de uma atividade econômica – conforme definição do termo “crédito” segundo o Vocabulário Português e Latino escrito por D. Raphael Bluteau (1712). Apenas como a última das definições para o termo, aparece o sentido de “crédito entre mercadores, abono de cabedal e correspondência entre os mais” Portanto, “crédito”, na sociedade setecentista, estava mais ligado a um sentido social do que econômico – se é que traçar um limite entre essas duas esferas, História e Economia Revista Interdisciplinar 33 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII naquele momento histórico, possa ser uma tarefa possível. Por isso preferimos aqui entender as operações de crédito nas Minas setecentistas como uma prática social. Nesse sentido, foi utilizada a idéia de “práticas creditícias” para definir o conjunto de atividades de financiamento à produção e/ou ao consumo utilizado cotidianamente nessa sociedade. Entendemos por “práticas” as atividades produtoras de sentidos singulares, que adquire significados para indivíduos e determinados grupos de pessoas, de acordo com suas experiências de vida e com as estruturas do habitus.3 As “práticas creditícias” seriam, portanto, as diversas apropriações que os habitantes da comarca do Rio das Velhas fizeram do crédito, quando deviam e quando eram credores. Para melhor compreensão das práticas creditícias nos valemos, principalmente, das informações retiradas de 379 inventários post-mortem escritos entre 1713 e 1773, que alimentaram o Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas.4 Além disso, foram analisadas escrituras referentes ao Cartório de Primeiro Ofício da Vila Real de Sabará, comarca do Rio das Velhas, entre 1719-1769. Tratam-se de 913 escrituras das quais apenas 195 alimentaram uma base de dados, uma vez que foram privilegiadas as escrituras de compra e venda e de dinheiro tomado a juro, assim como traslados de créditos e recibos frente ao notário. 3 Segundo Bourdieu a “prática” é estruturada, mas relativamente autônoma. Isso porque ela é o produto da relação dialética entre uma situação e um habitus. Entende-se por habitus uma matriz de percepções e de ações que geram e estruturam as práticas, mas que não são simples produtos da obediência a uma regra ou modelo pré-estabelecido. Esse princípio gerador de práticas, diante de situações imprevistas, permite criar estratégias de ação, procurando a melhor escolha a partir da avaliação inconsciente das experiências passadas. As relações entre devedores e seus credores são muito mais complexas, se pensarmos o crédito por essa chave. BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. Precedido de três estudos de etnologia cabila. Oeiras: Celta Editora, 2002, p. 166. 4 O Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas foi um projeto iniciado em 1992 sob coordenação da Prof. Dra. Beatriz R. de Magalhães (UFMG) e financiado pela FAPEMIG e pelo CNPq. 34 História e Economia Revista Interdisciplinar A partir dessa amostragem foi possível perceber que boa parte das transações assentadas em escrituras públicas – cerca de 47,1% – foram realizadas a prazo, ou seja, se tratavam de operações de crédito. O prazo para o pagamento da dívida era, em média, de 38,2 meses, sendo que o maior encontrado foi referente a um sítio vendido pelo Capitão Braz Rodrigues da Costa à Manoel Gonçalves Lima, em que o pagamento – equivalente a 2:803$000 – deveria ser quitado dentro de 192 meses após o dia da venda5; e o menor prazo estipulado foi de um dia.6 Com relação aos juros cobrados, eles variavam entre 5 e 6,25%, conforme a legislação vigente, e foram mencionados em apenas 7,6% dos casos analisados, todos referentes a empréstimos.7 No entanto, as transações assentadas em escrituras públicas tinham algumas particularidades. Em sua maioria, se tratavam da compra e venda de bens de raiz ou créditos vencidos que estavam sendo novamente cobrados. Na maior parte das escrituras notariais eram negociados valores altos, principalmente quando comparados às dívidas analisadas a partir dos processos de inventário post-mortem. Enquanto nos inventários as dívidas eram, em média, no valor de 229$621, nas escrituras notariais as transações giravam em torno de 2:117$6667, em média. Ao que tudo indica, as operações creditícias cotidianas são mais facilmente mapeadas por meio da pesquisa em inventários post-mortem do que nas escrituras públicas. Essas tran5 O devedor deveria desembolsar 7000 cruzados e 3$000 como entrada e realizar pagamentos anuais de 400$000, mais os dízimos equivalentes a 36 oitavas e meia que estava devendo o capitão à Coroa. MO-Casa Borba Gato/IPHAN – Livros de Notas: Códice s/n – 1768, fls. 81v-82v. 6 Conforme a escritura de fiança passada pelo Juizado dos Órfão e Ausentes da Vila à Francisco de Seixas Brandão, um dos fiadores de uma dívida de 3000 cruzados contraída junto ao cofre do juizado. MO-Casa Borba Gato/IPHAN – Livros de Notas: Códice s/n – 1748, fls. 33-34. 7 A taxa de juros foi limitada pela Coroa Portuguesa até a primeira metade do século XVIII em 6,25% ao ano e de acordo com o alvará de 1757 foi reduzida, proibindo o empréstimo senão a uma taxa de 5% anual. Ver: Código Philipino ou Ordenações do Reino compiladas por mandado Del Rey D. Phillipe II. XIV edição. Rio de Janeiro: Tipografia Instituto Philomático, 1870.Additamentos, p. 1044. sações cotidianas envolviam pequenas somas, que deveriam ser pagas em curto prazo, sobre as quais, pelos menos aparentemente, não era cobrada qualquer taxa de juro e, muito menos, eram acompanhadas da exigência de alguma contrapartida. Além disso, havia uma grande alternância do papel dos indivíduos nas operações creditícias, ora como credores, ora como devedores. Foi o que aconteceu em 32% dos casos analisados, conforme a tabela abaixo. TABELA 1: Participação das dívidas nos inventários entre 1713 e 1773. Tipo de inventário % Com dívidas ativas e passivas 32% Somente com dívidas ativas 31% Somente com dívidas passivas 14% Sem dívida alguma 23% TOTAL 100% FONTE: Banco de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII. Pode ter sido justamente essa alternância de papéis que tornou dispensável, em muitos casos, a cobrança de juro e a exigência de garantias. Um credor sabia que, ao dar crédito a uma pessoa, ele estaria garantindo uma atitude idêntica do indivíduo que, naquele momento, lhe era devedor, e do restante das pessoas que faziam parte de sua rede clientelar e/ou de sociabilidade. (HESPANHA, 1993, 381-39) Dessa forma, para uma parcela da população, as práticas creditícias funcionavam, também, como formas de entreajuda, com base na confiança e na expectativa de um tratamento idêntico no futuro. Uma passagem do testamento de Antônio Gomes de Almeida ilustra bem a rotatividade que o crédito apresentava nas Minas setecentistas: Declaro que não faço menção de dívida nenhuma que devo nem de nenhuma que se me devem porque ao tempo do meu falecimento poderei já ter pago a quem agora devo e ter- me pago quem agora me deve e por isso peço e rogo a meus testamenteiros que pague todas as dívidas que eu dever sem contendas de justiça mostrando créditos ou recibos meus.8 É preciso destacar, ainda, a representatividade das operações de crédito no universo econômico setecentista, de acordo com nossa amostragem. Em cerca de 77% dos inventários analisados foi encontrada alguma menção a dívidas e/ou a créditos. Isso significa que a maioria dos habitantes da região que possuía bens, em algum momento da sua vida, foi credor e/ou devedor. Apesar dos processos de inventários não ter feito parte da vida da maioria dos habitantes da região, sua análise permite entender como funcionavam as operações cotidianas para a camada mais economicamente ativa da população. A abrangência do alcance das práticas creditícias na capitania de Minas Gerais se deve ao fato do lastro principal de uma dívida não passar, naquele momento, necessariamente por bens materiais, mas, principalmente, por meio da confiança – muito embora essa confiança estivesse inevitavelmente ligada a expectativa de solvência do devedor. Em outras palavras, o que garantia o acesso ao crédito não era uma variável simplesmente de ordem econômica, mas também de ordem social. Essa, talvez, fosse a principal característica das operações creditícias realizadas naquele momento. Outra singularidade das operações de crédito coloniais, identificadas nas Minas setecentistas, diz respeito às quitações das dívidas. Ao que tudo indica, muitas dívidas nunca chegaram a ser cobradas e mesmo quando foram, em muitos casos não houve o pagamento destas. Durante muito tempo, o fenômeno do endividamento nas Minas foi visto pela historiografia 8 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 08(16), fls. 556 - 562v – 24/07/1751. História e Economia Revista Interdisciplinar 35 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII como um sintoma da decadência. (LEVY, 1986) No entanto, tendo em vista os dados levantados, é preciso repensar o significado do crédito naquela sociedade. Se não foi a decadência, qual o motivo para o endividamento? Por que muitos indivíduos não pagavam suas dívidas? Embora não existam respostas concretas para essas questões, há indícios de que o fenômeno do endividamento nas Minas passa longe de ser explicado apenas pela dificuldade financeira ou revés econômico. Na verdade, o endividamento era generalizado. Mesmo (e, porque não, principalmente) entre os indivíduos que possuíam e negociavam grandes somas, o endividamento esteve presente. Vejamos o exemplo a seguir. 36 nhia, quanto das demais, ao contrário, perdooulhes as dívidas.9 A Coroa apontou as seguintes razões para não se tomar uma medida drástica no tocante aos devedores: (...) O primeiro é a condição de ‘homens de negócio honrados’, aos quais deveria ser dado um tratamento privilegiado, a fim de continuarem com seus negócios. O segundo, apesar de questionada pelo provedor a credibilidade dos livros dos registros, é o reconhecimento da queda da arrecadação em razão da guerra. O terceiro é a prisão rigorosa dos contratadores que levava à diminuição do interesse pela arrematação dos contratos régios na Capitania, o que de fato deve ter ocorrido. (ARAÚJO, 2002) Uma companhia, formada por João Fernandes de Oliveira, por Francisco Ferreira da Silva e por Jorge Pinto de Azevedo, foi responsável pela arrematação do contrato dos diamantes na capitania de Minas Gerais, em meados do século XVIII. A companhia arrematou o contrato pelo preço de 574:864$438, que deveriam ser pagos após o seu término, no ano de 1744. Entretanto, “em uma situação típica do relacionamento entre contratadores e a Coroa portuguesa, a referida Companhia não quitou a quantia total”. (LAMAS, 2004) Foi feito um pagamento de 414:000$000, que correspondia à 71,7% do total acordado. Ora, se nas transações creditícias nas quais estavam em jogo grandes somas, o nãopagamento era comum, pode-se dizer o mesmo das transações cotidianas.10 Muitos credores, ao fornecer um empréstimo ou adiantar algum produto e/ou serviço, sabiam que uma parte das dívidas nunca seria paga. Isso significa que o endividamento, ou melhor, a insolvência, era parte inerente das atividades creditícias praticadas no século XVIII. É com alguma freqüência que encontramos nos inventários e testamentos processos nos quais existem dívidas incobráveis, por se desconhecer o paradeiro dos devedores ou, simplesmente, porque estes não tinham condições de pagar.11 Era de se esperar que na arrematação seguinte a Coroa não quisesse ter como contratadores as mesmas pessoas que ficaram devendo-na vultosa quantia em um contrato anterior. No entanto, no período seguinte, eles foram os arrematadores e, novamente, não cumpriram o acordo. Dessa vez pagaram apenas 44,6% do montante total acertado. É interessante notar que a administração portuguesa nada fez para impedir o aumento do endividamento, tanto dessa compa- 9 Condições com que se arrematou o Primeiro Contrato. In: ANÔNIMO. Anais da Biblioteca Nacional. Vol. 80, 1960. Divisão de Publicações e Divulgação, 1964, p. 137 citado por LAMAS, Fernando Gaudereto. Os contratadores e o império colonial português... op. cit., p. 8. 10 Muriel Nazzari, ao analisar as práticas de dotação em São Paulo ao longo dos séculos XVII a XIX observou que “o fato dos inventários mais ricos serem todos devedores indica não só que eles tinham crédito e que, sendo famílias mais poderosas, provavelmente podiam atrasar o pagamento o quanto quisessem como também que eram os mais envolvidos na produção e distribuição de mercadorias, tomando empréstimos e negociando constantemente, enquanto a falta crônica de moeda sonante e fatores não econômicos levavam a um endividamento mútuo infindável”. Ver: NAZZARI, Muriel. O desaparecimento do dote: mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 180. 11 Sobre a insolvência dos devedores em Lisboa ver: ROCHA, Maria Manuela Ferreira Marques. Crédito privado num contexto urbano. Lisboa, 1770-1830. Florença: Tese de doutorado apresentada ao História e Economia Revista Interdisciplinar No testamento de Paula de Souza, por exemplo, foi declarada uma dívida no valor de nove libras e meia de ouro, contraída junto a Manoel de Araújo para a compra de um escravo, ao qual a testadora já estava “devendo há seis ou sete anos”.12 No caso de José Francisco Gago, o tempo em que o devedor ficou sem saldar seu compromisso de pagamento foi ainda maior, trinta anos. De acordo com o testamento, Caltário de Souza e o pardo Tomé de Souza lhe deviam “uma dívida há mais de trinta anos”.13 O mais interessante é que, ao que tudo indica, excetuando o momento em que o devedor falecia e, assim sendo, quando da feitura dos inventários, os credores, raramente recorriam judicialmente para cobrar os créditos que não eram saldados no prazo estipulado; e, quando iam, normalmente os credores não questionavam a dívida, prometendo pagá-la assim que possível, mas adiando ao máximo o pagamento. Tudo isso era importante para não abalar as redes clientelares e/ou de sociabilidade, e não atormentar a frágil relação que envolvia os devedores e seus credores. A explicação para o endividamento generalizado nas Minas, portanto, não estaria, na maioria das vezes, na impossibilidade financeira de saldar a dívida, mas no emaranhado de significados que um ato de conceder/contrair crédito possuía naquela sociedade. Em muitos casos, inclusive, era preferível ter uma dívida falida, mas um devedor fiel e prestativo, do que alguns mil réis na bolsa, mas a reputação abalada. Um perfil dos credores Os credores eram aqueles que emprestavam dinheiro, adiantavam produtos ou fornedepartamento de História e Civilização do Instituto Universitário Europeu, 1996. 12 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 01(01), fls. 7-12 – 24/11/1719. 13 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 08(16), fls. 644, v-650 – 29/01/52. ciam qualquer modalidade de crédito. Durante o século XVIII era comum encontrar como sinônimo de credor a expressão “acredor”, que significava “aquele a quem não paguei o dinheiro que me emprestou”. Mas a expressão “acredor”, assim como “crédito”, estava ligada, também, a um sentido moral. Assim, de acordo com o Vocabulário Português e Latino de D. Raphael Bluteau (1712), “acredor” derivava do verbo acreditar, que significava “dar crédito e opinião a alguém”. Cerca de 63% dos habitantes da comarca do Rio das Velhas que, após a sua morte, tiveram seus bens inventariados, foram, em algum momento de sua vida, credores. No entanto, os padrões de endividamento dos habitantes da Comarca variaram ao longo do século, conforme aponta as tabelas 2 e 3. TABELA 2: Dívidas passivas (débitos) inventariadas, por períodos, na comarca do Rio das Velhas Período Soma Quantidade Média 1713-1733 32:277$793 364 154$439 1734-1753 187:997$796 724 286$582 1754-1773 131:109$382 564 247$843 TOTAL 351:384$971 1652 229$621 FONTE: Banco de Dados de Inventários da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII TABELA 3: Dívidas ativas (créditos) inventariadas, por períodos, na comarca do Rio das Velhas Período Soma Quantidade Média 1713-1733 17:114$794 157 133$709 1734-1753 167:235$058 1036 165$419 1754-1773 332:235$681 2820 126$085 TOTAL 516:585$533 4013 141$737 FONTE: Banco de Dados de Inventários da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII História e Economia Revista Interdisciplinar 37 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII Percebe-se que, no primeiro período recortado, que equivale ao período de montagem da sociedade mineradora, havia um grande endividamento da população inventariada. No auge da atividade mineradora na Capitania, no cômputo geral dos valores registrados em inventários, apesar de encontrarmos uma quantidade superior de dívidas ativas em detrimento das dívidas passivas, os inventariados deviam, em termos financeiros, muito mais do que tinham a receber. Foi a partir da segunda metade do século XVIII que as dívidas ativas passaram a estar cada vez mais presentes nas riquezas inventariadas: a quantidade de crédito mais que quintuplica e os valores, em termos financeiros, desses créditos quase triplicam entre os anos de 1753 e 1773. Enquanto que ao longo do século XVIII os valores das dívidas passivas declaradas em inventário aumentavam, em média, cerca de 60,47%, o mesmo não foi observado quando analisadas as dívidas ativas. Ao longo de todo o período pesquisado, os valores dos créditos fornecidos pelos habitantes da região, em média, tenderam a ser cada vez menores. É possível concluir, portanto, que a maioria dos inventariados contraía poucas dívidas que, quase sempre, importavam em valores mais altos do que aqueles que estavam acostumados a adiantar. Esses dados revelam a importância assumida pelas transações creditícias em Minas Gerais ao longo do século XVIII, principalmente no que tange ao crédito cotidiano. Os comerciantes, os artesãos, os jornaleiros, os boticários e os produtores de alimentos que adiantavam seus produtos ou seus serviços a crédito, foram os grandes responsáveis pelo emaranhado de dívidas que se proliferou por todas as camadas sociais da Capitania. Tanto na América portuguesa como na América espanhola, um desses grupos profissio- 38 História e Economia Revista Interdisciplinar nais alcançou destaque especial nas operações creditícias: os comerciantes. (SUÁREZ, 2001; BRADING, 1975) Mas foi na América portuguesa, devido à inexistência de instituições de crédito de peso, que permitiram que a “atividade financeira se confundisse com o comércio, ou ainda, que tal atividade se fizesse por uma cadeia de endividamentos”.14 Em Minas Gerais não foi diferente. A principal fonte de financiamento e de fornecimento de crédito foi o comércio. Empréstimos, vendas fiadas e tantas outras práticas creditícias foram utilizadas pelos comerciantes com mais freqüência do que por qualquer outro grupo social ou agente financiador.15 A própria prática comercial exigia deles um contato cotidiano com operações de crédito. Devido à sazonalidade das atividades produtivas, à escassez de moedas circulantes, somadas à dificuldade da manipulação do ouro em pó nas trocas cotidianas, grande parte do comércio nas Minas era feito fiado.16 Apesar da riqueza dos comerciantes estarem concentradas, na maioria das vezes em dívidas ativas e estoques, uma das principais características do comerciante mineiro do século XVIII foi a sua baixa especialização.17 Observa14 No Rio de Janeiro, entre 1650 e 1700, o Juizado dos Órfãos foi responsável por “um terço de todos os recursos emprestados (32.91%) e esteve presente em praticamente um quarto de todas as escrituras de empréstimos”. No entanto, já nas primeiras décadas do século XVIII, o Juizado dos Órfãos vai perdendo seu lugar de destaque no financiamento da economia fluminense, sendo que sua participação passa a ser insignificante ao longo do século. Ver: SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. O mercado carioca de crédito: da acumulação senhorial à acumulação mercantil (1650-1750). In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, no 29, 2002, p. 29-49. 15 Sobre a multiplicidade de práticas creditícias ver: SANTOS, Raphael F. Teias de negócios: um perfil da atividade mercantil e do crédito privado em uma economia colonial (Minas Gerais, século XVIII). IN: Revista Eletrônica de História do Brasil, v. 10 n. 1 e 2, Jan.-Dez., 2008. 16 Na Bahia, ao longo dos séculos XVII e XVIII, verificava-se uma situação semelhante à descrita para as Minas. Naquela região,“os comerciantes ocupavam uma posição particularmente vantajosa e importante no financiamento da economia açucareira. (...) Os senhores de engenho, em especial, eram afetados por essa situação, em virtude de sua permanente necessidade de adquirir capital operacional, escravos e equipamento”. Ver: SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial: 1550-1835. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 179-180. 17 Ver: CHAVES, Cláudia Maria Graças. Perfeitos Negociantes: mercadores das Minas setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999, p. 163. se, a partir dos inventários desses homens, que suas riquezas derivavam de múltiplos investimentos e que seus negócios eram bem sortidos.18 O melhor exemplo de comerciante cujos investimentos estiveram distribuídos em inúmeras atividades foi o capitão Mathias de Crasto Porto. Além de ser o inventariado que possuía o maior número de dívidas ativas registradas durante o período analisado, Porto foi um dos maiores criadores de gado da capitania de Minas Gerais, na primeira metade do século XVIII. No entanto, ele não se preocupava apenas em criar o gado, mas participava de toda a cadeia produtiva da carne: desde a engorda e o abate até a venda nos açougues.19 Encontravam-se açougues do capitão Mathias de Crasto Porto em duas importantes regiões da capitania de Minas Gerais: na longínqua, mas próspera, Paracatu – que se localizava ao noroeste da capitania – e em Roça Grande, freguesia próxima à Vila Real de Sabará. Seus investimentos não se restringiam à produção e distribuição de carne. Além disso, Porto possuía escravos ferreiros e sapateiros, que trabalhavam em tendas por ele equipadas, em troca de jornais; era proprietário, ainda, de prédios urbanos destinados ao aluguel e algumas lojas na Vila de Sabará e em Roça Grande.20 A única diferença entre Mathias de Crasto Porto e o restante dos comerciantes relacionados acima, incluídos entre os maiores credores da região, foi a percentagem que os créditos assumiam em relação ao monte-mor acumulado 18 Segundo Júnia Furtado, “uma vez nas Minas, esses homens passavam, também, a se dedicar a outras atividades: mineração, agricultura e pecuária. Pediam sesmarias, levantavam engenhos, abriam lojas e adquiriam escravos, que garantiam o sustento de seus donos, ao se dedicarem a diferentes atividades”. Em pouco tempo, seus interesses econômicos estavam enraizados na terra. Ver: FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de Negócio: A interiorização da metrópole e do comércio nas Minas setecentistas. São Paulo: HUCITEC, 1999, p. 19. 19 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CPO) Ref. Ant. 02(18) – 10/10/1742. 20 Ibidem. por ele, que era muito menor do que o convencional. Enquanto grandes credores, tanto em montante, quanto em números de dívidas, como Domingos Gonçalves de Carvalho, Manuel José de Abreu e Antônio Francisco Pinto, tinham nas dívidas ativas a maior parte de suas riquezas, apenas 18% da riqueza de Mathias de Crasto Porto estava concentrada nelas. O exemplo de Antônio Francisco Pinto é emblemático sobre a participação dos créditos nas fortunas dos comerciantes. Morador no arraial conhecido como José Correia, localizado na freguesia de Roça Grande – porta de entrada para a estrada que liga as Minas à Bahia –, Antônio Francisco Pinto possuía uma loja de fazendas secas nessa mesma freguesia, na qual negociava seus produtos, principalmente, a crédito – haja vista as duzentas e trinta e sete dívidas ativas listadas em seu inventário. Além do crédito rotineiro derivado das transações ocorridas na sua loja, no inventário de Antônio Francisco percebe-se que ele se dedicou também ao empréstimo a juro e aos adiantamentos mediante cobrança de interesse. Foram identificadas quarenta e oito “dívidas por créditos que correm juros” – conforme enunciado no próprio processo – no valor de 1:116$469, como, por exemplo, a dívida que devia “Manoel Afonso da Silva por crédito que corre juros passado em 13 de abril de 1771 a esta herança a quantia de 203 oitavas um quarto e dois vinténs de ouro”.21 Um relato feito pelo tutor dos filhos de Antônio Francisco Pinto, extraído dos autos do processo de inventário dos seus bens, ilustra com clareza a participação das dívidas nas riquezas dos comerciantes. Diz Antônio José Teixeira, tutor dos órfãos de Antônio Francisco Pinto, e também, seu testamenteiro, que por constar aquela he21 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CSO) Ref. Ant. 06(09) – 13/10/1772. História e Economia Revista Interdisciplinar 39 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII rança quase toda de dívidas de crédito, e rol ou contas de livros por ter sido falecido mercador, haver muita miudeza, em que cresce o número de execuções pelo calamitoso estado em que se acha o país; lhe foi preciso ajustar por ano a Miguel Ignácio da Costa Marinho solicitado nos auditórios desta sentença para tratar de todas as dependências, demandas e execuções da dita herança por se achar nele a capacidade precisa para o efeito e dar contas do que cobrar pelo que ajustou por 50 oitavas por ano, em 01 de maio de 1773.22 No entanto, é preciso salientar que os comerciantes não foram os únicos personagens a integrar o grupo dos principais agentes financiadores. O maior credor entre os inventariados pesquisados foi o minerador Alexandre de Oliveira Braga. Em seu inventário, aberto em 17/06/1771, cerca de 86% dos seus investimentos estavam concentrados em dívidas ativas equivalentes a 62:554$236. No entanto, todo esse valor esteve distribuído em apenas cento e vinte dívidas, o que equivale a uma média de 521$285 por dívida.23 Percebe-se, nesse ponto, uma diferença essencial entre o crédito fornecido pelos comerciantes e por outros agentes privados: os comerciantes, em geral, adiantavam produtos e moedas para um grande número de pessoas, porém, pequenos valores. A concessão de crédito por parte dos comerciantes dependia também do conhecimento pessoal de cada potencial devedor. No entanto, no caso do crédito cotidiano fornecido pelos comerciantes, fosse em empréstimos ou em vendas fiadas, a confiança depositada nos seus devedores era, na maioria das vezes, a única garantia. Por isso, foram poucas as transações creditícias nas quais estiveram envolvidas as fixações de hi22 Ibidem. A partir desse relato, percebe-se que, como a riqueza dos comerciantes estava concentrada em crédito, era difícil a arrecadação de sua fortuna para ser partilhada entre os herdeiros. Por isso, o tutor e testamenteiro de Antônio Francisco solicitou ao Juiz de Órfãos que autorizasse a despender uma parte da herança deixada pelo inventariado na contratação de um profissional especializado em cobrar dívidas. 23 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CSO) Ref. Ant. 31(01) – 17/06/1771. 40 História e Economia Revista Interdisciplinar potecas ou quaisquer outras garantia. É bem verdade que alguns comerciantes mantinham uma organização bastante precisa de sua “conta corrente”, ou seja, da relação entre créditos e débitos que possuíam. São vários os livros de “notas”, de “razão”, de “assentos” e “borradores” mencionados nos inventários e testamentos setecentistas. Além disso, vários foram os comerciantes que passaram bilhetes e recibos que, de alguma forma, serviam como garantia no caso da insolvência do devedor, uma vez que facilitavam no momento de recorrer judicialmente à divida.24 Porém, poucas foram as dívidas corriqueiras contraídas junto aos comerciantes em que se exigia alguma contrapartida. Por isso, era importante para esse grupo manter sempre uma rede de contatos, fossem eles devedores com os quais podiam confiar, correspondentes competentes em auxiliá-los em seus negócios – principalmente nas eventuais cobranças de dívidas25 –, ou pessoas capazes de financiá-los. Os recibos e as conexões que Cipriano Afonso de Monteiro tinha em diversas regiões facilitaram a cobrança de suas dívidas. O testador declarou “que me deve o herdeiro de João de Barros Pessoa morador na comarca de Vila Rica cinqüenta e tantas oitavas [de ouro] ou o que na verdade constar dos autos de execução o cartório naquela Vila”. João de Barros declarou, ainda, que no cartório de execução de Vila de Mariana trago uma execução contra José Ro24 Ver: MAGALHÃES, Beatriz R.; SANTOS, Raphael F. AMARAL, Flávia. A. Vestígios de formas elementares da instrução em uma comarca mineira setecentista: o ler, escrever e contar. In: II Congresso de Pesquisa e Ensino em História da Educação. Uberlândia: UFU, 2003. 25 Uma indicação disso talvez seja o grande número de procurações registradas em cartórios durante o século XVIII, ocupando a maior parte do tempo dos escrivães na redação desse tipo de escritura. Além disso, a nomeação de testamenteiros em diferentes regiões da Capitania aponta, também, para a importância dessas conexões. Existiam, inclusive, profissionais responsáveis pelas cobranças, como aponta o exemplo encontrado no processo de inventário dos bens de Antônio Francisco Pinto, citado anteriormente. Ver: MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CSO) Ref. Ant. 06(09) – 13/10/1772. drigues Barros morador no Morro da Passage da quantia de sessenta e tantas oitavas ou o que constar na qual me tratam Manoel da Costa Mayor morador na dita cidade e o sargentomor Silvestre Fernandes dos Reis morador na freguesia de Itaubira.26 Os comerciantes da região possuíam conexões que extrapolavam os limites das vilas e arraiais onde se fixavam. O já mencionado comerciante Mathias de Crasto Porto, por exemplo, para abastecer suas lojas recorreu a diversos comerciantes e casas comerciais cariocas. Um de seus credores foi João Martins Pinto, morador no Rio de Janeiro, que adiantou ao comerciante mineiro 3:126$250 em fazendas. Mathias de Crasto Porto devia, ainda, à casa comercial carioca de Manuel Rodrigues Pontes e Companhia, duas dívidas no valor de 660$587, procedidas igualmente de fazendas.27 Assim como Mathias Crasto, grande parte dos comerciantes mineiros esteve ligada, em boa medida, às casas comerciais baianas, cariocas e/ou do reino. De acordo com João Fragoso, a leitura dos processos tramitados na Real Junta de Comércio nos informa que o funcionamento das atividades empresariais se dava através do adiantamento de mercadorias e de créditos, isto é, os negócios se faziam por meio de uma infinita cadeia de dívidas ativas e passivas. (FRAGOSO, 1998, 243) Comerciantes residentes no litoral, não raramente, adiantavam dinheiro e/ou mercadorias e recebiam parte do lucro, ou juro, após a sua venda nas Minas. No entanto, o inverso também acontecia, inclusive com alguma freqüência. Domingos Vieira de Sousa, morador na Vila Real de Sabará, por exemplo, entregou a João Cerqueira Porto 900$000 “para ir ao Rio de Janeiro a 26 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 08(16), fls. 407-415v – 25/05/1750. 27 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CPO) Ref. Ant. 02(18) – 10/10/1742. buscar fazendas por minha conta e dele, de que somos sócios na dita fazenda”.28 O comerciante Agostinho Correa Rego declarou em seu testamento que lhe era “devedor Manoel da Costa Valle, morador no Sabará, 360 oitavas de mil e quinhentos [réis cada oitava] procedidos de dois negros que lhe entreguei na cidade da Bahia e ele os trouxe para estas Minas por minha conta e risco”.29 Em um contexto de baixa liquidez, os comerciantes controlaram desde o financiamento ao consumo, à ascensão social e aos investimentos produtivos e ainda integraram, junto com os grandes mineradores, o grupo dos pouquíssimos homens capazes de acumular moeda. Foram raros os indivíduos que possuíram moedas entre a riqueza inventariada. Em apenas 2,3% dos inventários feitos, entre os anos de 1713 e 1773, se encontrou registros de moedas.30 Um dos poucos indivíduos que conseguiu tal façanha foi o comerciante Antônio Ribeiro da Silva Guimarães, que, entre seus bens, contava com “dinheiro de prata”, “25 oitavas e 1/2 de prata”, “2 libras de cobre velho” e “5 oitavas e um quarto de ouro em pó”, que importaram, no total, a quantia de 59$180.31 Outro morador da comarca do Rio das Velhas, que possuía moedas entre os bens inventariados, foi o já citado comerciante Antônio Francisco Pinto, que tinha guardado, além de várias jóias, 2 oitavas de ouro lavrado e “2$550 em dinheiro de prata”.32 Como bem relatou D. Lourenço de Almeida, em carta de 1731 “o estilo observado 28 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 02 (06), fls. 111-120v. 29 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 18 (29), fls. 154-158v –12/05/1772. 30 É bem verdade, que as moedas poderiam, facilmente, escapar aos olhos do avaliador e, portanto, é preciso relativizar esse dado. No entanto, em um contexto de baixa liquidez, como foi discutido anteriormente, o percentual de moedas dentro dos investimentos inventariados não poderia ser muito superior ao percentual indicado acima. 31 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CPO) Ref. Ant. 04(04) – 20/10/1773. 32 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Inventários (CSO) Ref. Ant. 06(09) – 13/10/1772. História e Economia Revista Interdisciplinar 41 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII nestas minas depois que elas se descobriram até o presente, foi sempre comprá-las tudo fiado a pagamento de um ano, ano e meio e dois anos, não há coisa nenhuma que se compre que seja com pagamento à vista, senão fiado”.33 Assim, em um cenário de precária circulação monetária no que tange as transações cotidianas, as cadeias de endividamentos entrelaçaram o pequeno comércio e a população de uma maneira geral. A venda fiada era, nesse sentido, a mola mestra das cadeias de endividamento. E, devido ao costume de se comprar e vender tudo fiado, os comerciantes se tornaram os verdadeiros reprodutores da economia colonial. Um perfil dos devedores Contrair uma dívida na sociedade mineira setecentista significava muito mais do que firmar um compromisso financeiro: era um ato social. O devedor deveria ser uma pessoa confiável, caso contrário, o seu acesso ao crédito seria restrito. Isso porque os contratos eram assumidos lastreados na confiança, fossem aqueles realizados de palavra ou mediante escritura. Nos processos de inventários foi possível identificar a importância da palavra empenhada durante o século XVIII. Em muitos casos os credores sequer faziam algum tipo de anotação de quem seriam seus devedores e de quanto eles estariam devendo. Isso aconteceu, Períodos porém com maior intensidade, entre os devedores. Vários deles, inclusi1713 - 1733 ve, declararam quais eram seus cre1734 - 1753 dores, mas não especificaram quanto 1754 – 1773 estariam devendo – conforme aponMÉDIA ta a tabela 4. Durante o início do século XVIII, quando a racionalidade capitalista e as técnicas comerciais – como as partidas dobradas, ou mesmo o simples ato de fazer contas34 – não faziam parte do universo cultural de muitos indivíduos, o índice de dívidas sem seus respectivos valores foi superior a 10% do total de dívidas passivas inventariadas. No entanto, observa-se um decréscimo nesse índice com o decorrer do século. Mas, o que a tabela acima traz de mais precioso é a diferença no comportamento de um credor e de um devedor. Ao que tudo indica, a própria condição de devedor fazia com que a dívida ganhasse uma dimensão muito maior do que a financeira; ela adquiria uma carga social muito grande. Antônio Vieira da Silva, em seu testamento, escrito em 1720, declarou que devia “as moedas que disser minha mulher a Gonçalo Pacheco”. O testador declarou, ainda, uma dívida contraída junto a Rui de Melo Coutinho – que era seu testamenteiro e, portanto, homem de sua confiança – na qual pediu para que lhe pagasse “o que disser sua consciência”.35 As dívidas eram tão importantes na sociedade mineira setecentista que cerca de 77% dos inventários pesquisados fizeram menção a alguma dívida ativa e/ou passiva. Algumas delas, inclusive, tornaram-se “dívidas de consciência”. Dívidas passivas em que não constam os valores Dívidas ativas em que não constam os valores 10,1% 1,9% 6,4% 1,7% 3,5% 2,9% 6,6% 2,1% FONTE: Banco de Dados de Inventários da Comarca do Rio das Velhas – século XVIII TABELA 4: Dívidas ativas e passivas inventariadas em que não foram registrados seus valores. 33 Ver: FURTADO. Júnia Ferreira. Homens de Negócio... op. cit., p. 138 42 História e Economia Revista Interdisciplinar 34 No caso dos comerciantes há alguns indícios que apontam para um conhecimento mais apurado da habilidade de ler, escrever e contar, entre esse grupo. Ver: MAGALHÃES, Beatriz R.; SANTOS, Raphael F. AMARAL, Flávia. A. Vestígios de formas elementares da instrução... op. cit. 35 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 01(01), fls. 87v-102 – 24/04/1720. Como, por exemplo, a declarada por Sebastião Pereira de Aguilar em seu testamento: Declaro que vindo da Bahia para essas Minas me vali de alguns bois amontoados que matei para a minha condução e pelos foros que tomei do dito gado vim em conhecimento de seus donos a que paguei e dos que não conheço sou devedor que pouco mais ou menos eram sete reses para descargo de minha consciência pessoal meus testamenteiros dêem de minha fazenda 21$000 aos esmoleiros da terra Santa por tenção de que quer que for seus donos.36 Encontra-se algo semelhante no testamento de Manuel da Costa Pontes. O testador comprou um cavalo e nunca havia quitado completamente a dívida, por isso, antes de morrer, segundo suas palavras, Declaro que devo mais vinte e cinco oitavas de um cavalo a um homem que lhe não sei o nome nem lhe passei clareza há muitos anos, qual por ser já falecido e não lhe saber os herdeiros, meus testamenteiros por desencargo de minha consciência mandarão dizer as ditas vinte e cinco oitavas em missas pela sua alma.37 A gratidão do devedor pelo ato social realizado pelo credor ao lhe conceder crédito, chegou, em vários momentos, a se tornar uma postura de subordinação. Essa subordinação do devedor frente ao seu credor pode ser percebida em expressões como “devo o que disser” ou “devo o que constar”, que aparecem em inúmeros testamentos setecentistas. Narciso Rodrigues Barros em 1767 declarou “que devo a Manoel da Silva Lagoinha o que constar de seus acentos”.38 Manoel Coelho de Oliveira declarou algo semelhante. De acordo com seu testamento ele devia “a João Pereira da Silva o que constar de fazen36 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 01(01), fls. 21v-32v – 26/10/1716. 37 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 24(37), fls. 48v-54 – 26/04/1769. 38 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 21 (34), fls. 107-112v – 20/10/1767. das que me vendeu”.39 As dívidas eram feitas com objetivos diversos: satisfazer necessidades de consumo, de ascensão social ou de investimentos no setor produtivo. Contraíram-se dívidas, também, em momentos de sofrimento da carne e do espírito, na busca de ajuda junto a doutores, boticários e padres para assistência nas horas de necessidade. Enfim, em todos os momentos da vida cotidiana de um indivíduo ele recorria às atividades creditícias. Muitas dessas dívidas decorriam de compras do dia-a-dia, nas quais teria sido impossível apresentar moedas ou ouro em pó no momento de cada transação. Imagine se toda a vez que Luis da Rocha Barbosa, morador na freguesia de Roça Grande, fosse comprar farinha tivesse que levar moedas junto a si. Por isso, as suas compras na venda de Luis Carvalho Ribeiro eram feitas fiadas. De acordo com seu testamento, Paulo Alves de Sousa declarou que devia “a Luís Carvalho Ribeiro sem crédito 75 oitavas de ouro procedidas de farinha que lhe comprei para meu sustento”.40 Vários são os exemplos, como os acima mencionados, encontrados nos testamentos. Como Martinho Afonso de Melo que devia “o que disser Serafim Vieira de Vasconcelos de roupas que comprou”,41 e Manoel Rodrigues Machado, que devia duas oitava e 12 réis a “Rita da Costa, escrava da preta forra Marta da Costa, procedido de pão” que lhe comprou.42 Mas o mais importante é que essas dívidas e créditos não eram apenas registrados em 39 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 28(43), fls. 233-241 – 19/04/1773. 40 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 02(06), fls. 02-05v – 29/06/1738. 41 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 04(09), fls. 40-54 – 25/02/1741. 42 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 03(08), fls. 81v-85 – 26/06/1740. História e Economia Revista Interdisciplinar 43 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII bilhetes, letras ou mesmo na consciência dos indivíduos e depois esquecidos, sendo retomados no momento do pagamento. Muitas das dívidas acabaram trocando de mãos várias vezes, o que transformou instrumentos de crédito em verdadeiras moedas fiduciárias. ventários post-mortem ou transcritas em escrituras notariais. Nelas é possível identificar uma cláusula que aparece recorrentemente, garantindo o funcionamento dessa prática. Um exemplo de letra de crédito foi registrada em 1730 no cartório da Vila Real de Sabará, em que se lê: A “cessão de dívidas” ou “trespasse” era uma prática muito comum nas Minas setecentistas, que consistia no repasse de uma dívida contraída a um terceiro, que passaria a ser, a partir daquele momento, o novo devedor. Para esclarecer como funcionava essa prática creditícia, vejamos alguns exemplos. Em seu testamento, Cipriano Afonso Monteiro, declarou “que devo mais ao dito Mateus da Fonseca 4 oitavas de ouro de um boticário por nome João do trato que as passou para a sua mão”.43 Devo que pagarei a Manoel Ferreira Farias 61 oitavas e meia de ouro em pó procedidas de fazendas as quais ditas oitavas lhe pagarei a ele dito senhor ou a quem este me mostrar em ouro quintado todas as vezes que me pedir sem a isso por dúvida alguma e por verdade lhe passei este por mim feito e assinado. Vila Real, 29 de janeiro de 1725. João de Souza Pereira.45 No entanto, tal prática não foi comum apenas na lida cotidiana. Assim como a venda a crédito, essa prática foi freqüente nos negócios mais avultados. A fim de saldar algumas dívidas, Maurício Ferreira Pinto e sua esposa Catherina Fernandes se desfizeram de um sítio que possuíam próximo ao Rio das Velhas. Na escritura que consta a venda dessa propriedade ao capitão Antônio Caldeira Telles ficou acertado que, como pagamento, “(...) o dito comprador [seria] obrigado a pagar os credores seus como foi José da Silva Brandão 1071 oitavas de ouro, a Francisco Monteiro de Campos 445 oitavas de ouro, a Manoel de Andrade da Silva, 45 oitavas a Manoel Gonçalves Cruz, 70 oitavas a Manoel Gonçalves Velho, 123 oitavas a Bento da Costa”.44 No entanto, onde podemos perceber essa prática com maior freqüência são nas várias letras de crédito encontradas em processos de in43 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: Testamentos (CPO) Códice 08 (16), fls. 407-415v – 25/05/1750. 44 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: CPO – Livros de Notas: Códice 01(05) – 1718, fls. 32-33. 44 História e Economia Revista Interdisciplinar Como é possível perceber, João Pereira de Souza, reproduzindo um certo padrão de letra de crédito, se dispôs a pagar a dívida “procedida de fazendas” ao seu credor, o comerciante Manoel Ferreira Faria, ou “a quem este me mostrar”. Essa cláusula, presente em quase todas as letras e bilhetes analisados, foi o que garantiu que, em alguns casos, os indivíduos que registraram a letra em cartório ou que apresentaram no momento da partilha de um inventário, não fossem os mesmos cujo nome estava inscrito no documento. E o mais importante: permitiu que muitas transações comerciais fossem feitas sem apresentar, no momento da troca, qualquer espécie de numerário. Com isso é possível afirmar que o crédito acabou se tornando, literalmente, uma moeda fundamental na dinâmica das trocas cotidianas. Considerações Finais Por causa da falta de moedas, da dificuldade de manipulação do ouro em pó em pequenas transações cotidianas; dos riscos e das incertezas da empreitada mineradora, da necessidade de adiantamentos para a atividade comercial e da sazonalidade da produção agropastoril, as 45 MO-Casa Borba Gato/IPHAN: CPO – Livros de Notas: Códice 05(04) – 1730, fls. 78-78v. atividades creditícias não só tiveram uma atuação destacada na sociedade mineira setecentista, como foram fundamentais para a circulação relativamente eficaz dos produtos nessa economia. Nesse sentido, o endividamento generalizado narrado pelos funcionários da Coroa que passaram pela Capitania, não pode ser mais interpretado apenas como um sintoma da crise econômica sentida na região após o fim do ouro de aluvião. É preciso, portanto, relativizar o termo “crise”, no caso da economia mineira, e compreender o endividamento como um fenômeno comum não só a capitania de Minas Gerais, mas ao universo colonial e ao mundo pré-industrial europeu. Como chamou atenção outro governador mineiro, a mizerável moeda de ouro em pó tem aqui [na capitania de Minas Gerais] introduzido huma circulação tão irregular, é feito recorrer os particulares a tantos expedientes nocivos, e créditos involuntários, para evitar a perda que experimentão nela que para dizer em huma palavra, até as custas dos processos são fiadas. (MENEZES, 1897, 322) Esses “expedientes nocivos” que relatou D. Rodrigo de Menezes nada mais eram do que as diversas práticas creditícias, nas quais os mineiros são formalizadas em “bilhetes sobre toda a qualidade de Lojas, para se hirem juntando, e pagarem por uma vez”.(MENEZES, 1897, 322) Eram tais práticas que permitiam a circulação constante de produtos sem a necessidade de apresentação de moedas. E por serem “mútuos fiadores um dos outros”, como bem afirmou o governador, as dívidas por vezes acabavam se compensando ou mesmo trocando diversas vezes de mão, garantindo a perpetuação das operações de crédito e o funcionamento do mercado. História e Economia Revista Interdisciplinar 45 “A parte onde cria é aquele onde menos ouro se vê”:ouro e crédito em Minas Gerais durante o século XVIII Bibliografia ARAUJO, Luiz Antônio Silva. Contratos e tributos nas Minas Setecentistas: o estudo de um caso de João de Souza Lisboa (1745 – 1765). Niterói: PPGH/UFF, 2002 (Dissertação de mestrado). ARRUDA, José Jobson. O Brasil no comércio colonial. São Paulo: Ática, 1980. BLUTEAU, D. Raphael. Vocabulário Português & Latino. Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. Precedido de três estudos de etnologia cabila. Oeiras: Celta Editora, 2002. BRADING, D. A. Mineros y comerciantes en el México borbónico (1763-1810). 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José Tadeu de Almeida Doutorando em História Econômica pela FFLCH-USP [email protected] Resumo Este trabalho tem como meta resgatar alguns aspectos relacionados à gestão da estrutura macroeconômica brasileira, notoriamente no que diz respeito às políticas monetária e cambial, no chamado Segundo Império (1840-1889), principalmente no período compreendido entre os anos de 1846 e 1858. Neste momento, verifica-se uma aparente hegemonia dos quadros filiados ao Partido Conservador, capazes de liderar um movimento de aproximação com membros mais moderados do Partido Liberal, denominado Movimento da Conciliação, como forma de engendrar a formação de governos de coalizão, reduzir o espaço de opinião de dissidências político-partidárias, e garantir a aprovação de projetos favoráveis ao progresso nacional. A política econômica deste período, portanto, desenvolveu-se em sua maior parte sob a égide dos conservadores, cujo foco incidia constantemente sobre o equilíbrio orçamentário e pela manutenção da valorização da taxa de câmbio, como forma de evitar o recurso da emissão de moeda para sanear os gastos públicos. Busca-se, nesta linha, entender este modelo de natureza conservadora de gestão da coisa pública, a partir da inserção de natureza periférica ao modelo de paridade cambial corporificado no padrão ouro-libra, então vigente, elucidando também a vulnerabilidade do sistema monetário brasileiro no século XIX. Palavras-chaves: História Econômica; Partido Conservador; Padrão Ouro-libra; Movimento da Conciliação. Abstract This work concerns Brazil’s public finance, specifically monetary policy and the exchange rate, during the Second Empire (18401889), focusing on the period 1846 to 1858. At that time, the Conservative Party enjoyed an apparent hegemony, co-opting moderate Liberals into “Conciliation” governments, reducing the political space of dissidents, and securing approval of projects conducive to national progress. The economic policy of this period, therefore, developed mostly under the aegis of the Conservatives, whose objectives were balancing the budget and sustaining the exchange rate as a means to avoid recourse to the issuing of currency. We seek to understand this conservative model of public administration which sought to insert a peripheral economy into the gold standard. The vulnerability of the Brazilian monetary system made this task challenging. Key words: Economic History, Conservative Party, Gold Standard-pound; Reconciliation Movement. História e Economia Revista Interdisciplinar 49 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). O presente trabalho tem por objetivo principal realizar uma discussão sobre uma determinada parte do período da história brasileira conhecido como Segundo Império, qual seja, entre os anos de 1846 e 1858. Mais que isso, pretendemos também fazer uma análise da política cambial realizada pelas autoridades responsáveis pela gestão dos negócios do Império ao longo deste recorte temporal, dominado pelo grupo político denominado Partido Conservador. Este partido foi responsável, nesta época, pela consecução de um movimento de progressiva acomodação de diferentes grupos políticos – dissidentes internos e membros do Partido Liberal, que lhe fazia oposição no âmbito do Poder Legislativo – à máquina pública, como forma de garantir maioria segura na aprovação das diretrizes do Poder Executivo, bem como de evitar a possível desagregação do território nacional em decorrência das sucessivas revoltas ocorridas em diferentes províncias ao longo do período da Regência. Ficaria este movimento conhecido como Movimento da Conciliação, sendo o mesmo corporificado nos diferentes grupos de ministros que assumiram a condução dos interesses do Estado Nacional, sob a égide do Partido Conservador, na década de 1850. Busca-se também, de maneira especial, estudar a conexão existente entre a dinâmica cíclica dos fluxos de investimento em escala global, e os períodos de depressão e ‘pânicos financeiros’ observados no período, principalmente no ano de 1857. Pretende-se, assim, avaliar as conseqüências da integração financeira das praças internacionais e das políticas cambiais empreendidas sobre o desenvolvimento do mercado financeiro nacional no período. Em paralelo a esta discussão, o estudo da história monetária no século XIX, em que pese 50 História e Economia Revista Interdisciplinar o fato de que ele leve em conta a configuração político-partidária do Império, também deve ter em consideração a vigência do sistema internacional de paridades que vigorou até a Primeira Guerra Mundial sob uma única roupagem: o padrão-ouro. Tendo sido o Brasil um dos primeiros países a adotar o modelo, através da Lei nº. 401, de 11 de Setembro de 1846, com a paridade estabelecida para 27 pence a cada um mil-réis (1$000), observar-se-á nos anos seguintes o sucessivo esforço das autoridades monetárias no sentido de manter a taxa estável em conjunturas de crise. A título de exemplo, durante os primeiros dias do pânico de 1857, a taxa caiu da paridade de 27 pence para 26, e por fim 25,5 pence para cada mil-réis; neste momento, o Banco do Brasil, visualizando a desvalorização progressiva1 da moeda nacional, suspende as operações de troca de notas de mil-réis por ouro e libras. Busca-se assim entender a questão do padrão-ouro no Brasil não apenas enquanto instrumento de transação e câmbio com as economias centrais, mas também como uma instituição característica de um momento histórico, de acordo com a abordagem realizada por Barry Eichengreen (2000), para o qual toda a prioridade governamental está vinculada à manutenção de reservas de ouro que fizessem frente às taxas de paridade exigidas pelo padrão vigente. A ‘atração metalista’ associada à manutenção destes estoques, segundo o autor, poderá engendrar crises no sistema monetário nacional, que têm como resultados o esgotamento rápido 1 Utilizando o processo inglês (up is up) para avaliação da taxa de câmbio, tem-se que para o agente nacional, uma elevação da quantidade de moeda estrangeira necessária para adquirir uma quantidade fixa de moeda nacional indica a apreciação da moeda nacional; por outro lado, a redução do preço da moeda nacional em termos de moeda estrangeira evidencia uma desvalorização da moeda nacional. Em termos práticos, a passagem do mil réis de 27 para 25,5 pence mostra que um volume menor da moeda inglesa compra a mesma quantidade da moeda brasileira, evidenciando a desvalorização do mil-réis. das reservas internacionais e pressões cada vez maiores para a desvalorização da taxa de câmbio corrente. Nossa abordagem contempla, portanto, um contexto de relativa fragilidade do sistema financeiro brasileiro, aliada ao intenso movimento especulativo ocorrido na América do Norte e à diminuição do fluxo de empréstimos (em especial vindos de casas bancárias inglesas) para os países latino-americanos, em meados do século XIX. Havendo delimitado o espaço geral do trabalho, portanto, será possível depreender nossa hipótese primordial, que reside em torno da idéia de que, em que pese o fato de liberais e conservadores demonstrarem poucas diferenças no que diz respeito à gestão da máquina pública, as autoridades monetárias, então membros ativos do Partido Conservador (salvo para o caso de Bernardo de Sousa Franco, em 1857, que era membro do Partido Liberal), no período em análise, tinham como principal foco, mais que a preservação de estruturas ditas arcaicas de dominação, a necessidade premente de construção e sustentação do espaço nacional. E, como decorrência de tal hipótese, pode-se também pensar em um desdobramento, uma hipótese paralela, qual seja, a existência de contradições no campo econômico, configuradas sob a tensão existente entre a necessidade de expansão dos negócios internos (o que levaria ao aumento da cessão de créditos e da atividade da emissão, mesmo em escala regional) e a necessidade de legitimidade internacional para o regime de paridade proposto, o do padrão-ouro (o que implica, necessariamente, na defesa do valor do mil-réis e na restrição à livre emissão). À guisa de justificativa para a tessitura deste trabalho, pode-se perceber que o estudo da correlação entre a ação política e a política econômica do Império, vis-a-vis as conjunturas de instabilidade nas esferas monetária e cambial, é pouco realizado em função de sua especificidade: afetando a economia nacional e o seu desenvolvimento (tema voltado para os que desejam compreender a formação econômica do Brasil), boa parte dos condicionantes destes momentos de instabilidade – em outras palavras, destas crises – possui natureza externa, que se verifica seja através de pressões sobre o câmbio, ou por diminuições dos fluxos de empréstimo, o que faz destes processos de crise um campo de estudo também para a área de Economia Internacional. Portanto, a consideração destes momentos de fragilidade – e mesmo de dependência – para o sistema financeiro nacional deve levar em conta tanto os aspectos internos quanto os externos, o que não é realizado em boa parte da literatura. A relativamente limitada disponibilidade de maiores reflexões dentro deste período da História Econômica brasileira, assim, condiciona a possibilidade de estudá-lo em detalhe. Para a realização da reflexão proposta, que perpassa a análise da política econômica do Império Brasileiro na década de 1850 em paralelo ao momentum político hegemônico do Partido Conservador, é de suma importância a definição de uma estratégia metodológica para a devida consecução e compreensão dos temas. Para levar a cabo esta tarefa, na primeira parte deste estudo realizamos um processo de localização temporal e teórica dos temas em discussão: Buscar-se-á, pelo campo econômico, efetuar uma análise a respeito da política cambial quando da implementação do padrão ouro-libra, vigente durante o século XIX, bem como sobre sua importância para a consolidação das finanças da nação, e o fato de também condicionar, em parte, o movimento de fragilidade financeira na História e Economia Revista Interdisciplinar 51 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). economia brasileira do período. No segundo tópico, enfatizaremos a ação no plano macroeconômico dos gabinetes do Conselho de Ministros compreendidos entre 1853 e 1858. Verificar-se-ão as medidas tomadas na gestão macroeconômica, com especial ênfase sobre a formação de um sistema bancário nacional, apoiado sobre a emissão de moeda, com vistas à reprodução contínua dos complexos econômicos nacionais, porém mais que isso, para a aceleração da atividade especulativa, em especial sobre a praça do Rio de Janeiro. Verificaremos ainda alguns episódios de crise no padrão-ouro nacional, com destaque para o ‘pânico financeiro’ de 1857. Visamos à explicação da referida crise, seus condicionantes e a orientação dos gestores da política macroeconômica – sejam liberais ou conservadores – no sentido de fazer-lhe frente. Por fim, seguirse-ão algumas considerações finais, em caráter conclusivo. 1. Notas sobre o advento do Padrão-Ouro e estrutura financeira do Império do Brasil (1822-1862) No campo econômico, a análise aqui proposta reside em efetuar explanações a respeito da dinâmica das políticas monetária e cambial no Segundo Reinado: É importante, nesta linha, ter em mente que toda a condução da política governamental – principalmente no campo monetário, que constitui o foco desta análise – se embasava nos moldes do sistema de transações e paridade internacional de moedas conhecido como o Padrão-Ouro. Ao longo deste tópico, portanto, pretendemos fornecer um pano de fundo para a compreensão das ações de política econômica ao longo dos ‘gabinetes da Conciliação’; em outras pa- 52 História e Economia Revista Interdisciplinar lavras, buscamos efetuar algumas considerações a respeito da dinâmica da economia brasileira no Segundo Império, com especial ênfase à dimensão cambial e à adesão da economia brasileira ao sistema do padrão-ouro, a partir de 1846. Qualquer abordagem a respeito da implementação do padrão-ouro em terras brasileiras deverá levar em consideração, primordialmente, o fato de que ao longo do século XIX percebe-se um claro compromisso das economias ocidentais no sentido de que se mantenham taxas de câmbio estáveis. Tal estabilidade neste indicador era necessária à manutenção de políticas comercial e financeira que fossem adequadas, no sentido da minimização do risco e manutenção de um horizonte decisório favorável, aos agentes e investidores nacionais (MILWARD, 1996, 87). O sucesso na implementação do sistema, portanto, residiria em torno da capacidade destes países em manter a paridade cambial (sem corrigi-la através de intervenções e ouras medidas de natureza discricionária, se possível) a fim de que se mantenha a estabilidade do padrão em escala supranacional. De qualquer forma, faz-se necessário ter em mente que tal sistema monetário, gerido no âmbito internacional, visava, sobretudo, salvaguardar interesses dos grandes credores (notoriamente as casas bancárias inglesas) no sentido de manter ativa a solvência das diversas economias no que diz respeito ao estoque de suas dívidas. Estes interesses condicionam, em grande medida, a execução de políticas monetárias, fiscais e cambiais de cunho ortodoxo, abrindo espaço para a emergência, a partir da Inglaterra, do sistema do padrão-ouro. Entender, ainda que de forma sintética, a metodologia adotada por estas economias, centrais e periféricas, para a operação do sistema supracitado, bem como as assimetrias que permeiam os países exportadores e importadores de capitais, são alguns dos objetivos deste tópico. 1.1.O advento do padrão-ouro no século XIX No ocaso do século XVIII, o sistema monetário europeu começa a consolidar um processo de profundas transformações. O ouro e a prata, que já possuíam o status de serem os principais meios de troca na economia internacional, vão se tornando a base para um sistema bimetálico. Ainda que o padrão estipulado fosse sensível às crises (que ocorreram em profusão ao longo do século XIX), alterando as relações médias entre preços, tem-se que ele foi a referência para as trocas entre países até o advento da Primeira Guerra Mundial, com duração efêmera após o término do conflito. Pretende-se assim estudar a progressiva adoção do ouro como referencial de riqueza e meio de circulação na economia mundial no século XIX, e a difusão do padrão de trocas daí derivado. A partir das décadas de 1840-50, o modelo bimetalista2 evidenciado em algumas das economias ocidentais, tais como a França, começa a entrar em declínio. A descoberta de grandes reservas de ouro na Califórnia e na Austrália, associada ao ato do Banco da Inglaterra já em 1816 (Coinage Act), adotando o referido metal como referência para as transações financeiras são, conjuntamente, o marco inicial da expansão do padrão-ouro e da conversibilidade de moedas nas praças européias (comandadas por Londres e Paris) e, a posteriori, sobre grande parte das eco2 Ao longo dos séculos, o ouro e a prata foram utilizados como determinadores comuns das trocas e da mensuração do valor do dinheiro; em que pese o fato do ouro ser negociado em valores bastante superiores aos da prata (eventualmente, no caso brasileiro após 1846, na razão de 15,625 moedas de prata para cada uma de ouro em circulação corrente). nomias ocidentais. (HAWTREY, 1947, 70-78).3 A respeito da formação do padrão, e da defesa permanente da conversão plena de moedas, afirma Barry Eichengreen: A pedra fundamental do padrão-ouro no período anterior à guerra foi a prioridade atribuída pelos governos à manutenção da conversibilidade. Nos países situados no centro do sistema – Grã-Bretanha, França e Alemanha – não havia dúvida de que as autoridades fariam, em última instância, o que fosse necessário para defender a reserva de ouro de seus bancos centrais e manter a conversibilidade da moeda (...) outras considerações poderiam, no máximo, influenciar a escolha do momento em que as autoridades deveriam agir (EICHENGREEN, 2000, 57). É importante ter em conta, porém que o sistema não era imune a falhas: no século XIX observaram-se vários períodos de crise, em especial sobre as praças européias4; fatores como o recrudescimento da inflação e déficits comerciais levavam, eventualmente, as diferentes economias a um processo crise, na defesa desesperada da paridade entre o ouro e suas respectivas moedas locais. As necessidades e premissas que orientam a adoção de um padrão de trocas lastreado sobre o ouro por parte de diversos países no século XIX, em boa parte, estão ligadas a três questões principais, quais sejam: 1) A demanda por uma conversibilidade das moedas nacionais em ouro. Enquanto equivalente universal para trocas, o ouro será o meio pelo qual as moedas nacionais, de curso forçado e circulação limitada, serão utilizadas 3 Deve-se ter em conta, ainda, que o período entre 1848 e 1871 é permeado por uma série de revoluções armadas na Europa, o que obriga algumas economias, por vezes, a utilizar mais intensamente o papelmoeda a fim de sustentar o warfare relacionado a estas convulsões sociais – papel que, obviamente, era sujeito à depreciação 4 Dornbrusch e Frenkel citam oito grandes crises: 1825, 1836-39, 1847, 1857, 1866, 1873, 1882 e 1890 (DORNBRUSCH & FRENKEL, in BORDO & SCHWARTZ (1982), p.234.) História e Economia Revista Interdisciplinar 53 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). para mensurar um poder de compra e viabilizar o comércio. 2) A liberdade para um fluxo internacional de ouro, a fim de equilibrar o balanço de pagamentos, com superávits/déficits na conta de capitais entre países. As transferências internacionais do metal, ao menos no plano teórico, seriam a forma de corrigir eventuais desequilíbrios. 3) A formulação de um arcabouço de regras que pudessem orientar, novamente em teoria, a quantidade de moeda em circulação em uma economia nacional, em relação ao estoque de ouro neste país5. Considerando que o século XIX é permeado por grandes ondas de empréstimos internacionais, nos quais as casas bancárias inglesas registram grande participação (PETTIS, 2001)6, torna-se necessário o uso de instrumentos que permitam aos credores exercer uma vigilância sobre os tomadores de empréstimo, e tomar as devidas precauções em caso de risco de solvência. O ingresso da economia brasileira ao regime do padrão-ouro, ocorrido em 1846, deve ser entendido no contexto de uma debilidade orgânica da economia nacional, que impunha ao Tesouro nacional uma reforma econômica que visasse fortalecer os seus estoques em moeda metálica. Tal debilidade pode ser observada, portanto a partir da década de 1830. Ainda que o café já começasse a render dividendos à economia, ainda não se havia evidenciado surtos de exportação do produto que pudessem acelerar o crescimento nacional7. A progressiva diminui5 As variações no nível de reservas se davam a partir da formação de certificados de depósitos bancários denominados nas principais moedas do sistema; transferências reais, com embarque de moeda metálica, se davam, via de regra, em momentos de crise generalizada. 6 A partir dos dados dispostos em Ónody (1960), verificamos que os empréstimos estrangeiros contraídos pelo Império do Brasil, que fazem parte do principal recorte temporal deste trabalho, se deram nos anos de 1852, 1858, 1859 e 1860. 7 Este movimento seria visível a partir da década de 1850, notoria- 54 História e Economia Revista Interdisciplinar ção do ingresso de metais preciosos no ‘sistema econômico’ através da mineração em jazidas, e a forte concorrência internacional em gêneros primários, como a cana-de-açúcar8, contribuem para uma estagnação das exportações que, junto com o aumento das importações de produtos, gera evasão de capitais em moeda metálica. O Gráfico 01 ilustra a tendência: Já durante a década de 1830, o governo imperial procedia, em intervalos incertos, a processos de retirada de moeda da circulação nacional, com o intuito de manter a taxa de câmbio no patamar estabelecido desde 1833. Mais que isso, porém, tal processo de renovação dos haveres de moeda em poder do público se dava também em função do crescente contrabando de moedas falsificadas, principalmente as de cobre, conhecidas pela alcunha de xenxém. (GREMAUD, 1997, 83-4) Este fato contribuía sensivelmente para a deterioração do meio circulante, principalmente nas províncias do Norte, onde a escassez de vias de comunicação com a Corte estimulava o surgimento de oficinas de cunhagem de moedas falsas (MONT’ALEGRE, 1972, 89) 9. Não obstante mente. 8 A este respeito, afirma Raymundo Faoro: “O açúcar de beterraba, introduzido no mercado mundial durante as guerras napoleônicas, precipita o Nordeste na crise de onde não mais sairia, senão para transitórias melhorias”. FAORO (1975), p.325. 9 O autor faz referência, inclusive, à origem externa dos principais falsificadores, que eram, em grande parte, norte-americanos. A imprensa de Nova York denunciava o fato em 1835: “NOTÍCIA IMPORTANTE PARA O COMÉRCIO DO BRASIL – É bem sabido que uma grande quantidade de moeda contrafeita e falsificada é manufaturada nesta cidade e subúrbios, a qual é mandada para os diferentes Estados da América do Sul, e ali passa como genuína por via dos que nelas traficam fraudulentamente”. este processo de mudança sobre o meio circulante interno, a oferta de papel-moeda10 aumentou gradativamente durante o período; a taxa de crescimento do volume emitido girava em torno de 4,2% ao ano. Estes dados estão elencados no Gráfico 02: Em 1846, a fim de estancar a saída de capitais e fornecer maior estabilidade à moeda nacional, é sancionada a Lei nº. 401, em 11 de Setembro. Ela fixa a razão de paridade a 27 pence, em ouro, a cada mil-réis. Da mesma forma, o artigo segundo da Lei determinava que o Governo Imperial estava autorizado a recolher papelmoeda na quantidade que julgasse necessária, com o intuito de manter a valorização da moeda nacional. A razão entre a prata e o ouro ficou estabelecida, a partir de 1847, no valor de 15,62511. Tais medidas colaborariam no sentido de tornar uniforme o sistema monetário nacional (dando menos ênfase à prata e aos outros metais na cunhagem e circulação de moedas). Poder-se10 Neste momento, faz-se mister realizar uma pequena pausa com fins didáticos: quando utilizamos o termo ‘papel-moeda’, estamos fazendo referência à moeda na forma de dinheiro/certificados de depósito cujo lastro era inferior a 100%, ou seja, à moeda criada através dos mecanismos de emissão doa bancos e do chamado multiplicador bancário, sobretudo para sanar a escassez de moeda puramente metálica. Tratase de um termo com significado diferente de ‘moeda-papel’, que configura certificados de depósito emitidos pelos bancos e outras casas de custódia com lastro de 100%, ou seja, com resgate total, e garantia plena de conversibilidade de ouro, não havendo assim a criação de moeda fiduciária; tal sistema seria aquele mais compatível com os preceitos de plena conversibilidade apregoados pelo modelo do padrão-ouro. Para maiores detalhes a respeito, ver FERNANDES (2001), pp.80-81. 11 Em ato sancionado em 1849, o governo brasileiro restringiu o lançamento adicional de moedas de prata na economia, ao proibir as operações governamentais com o referido metal com valores superiores a vinte mil-réis (VIANA, p.308). ia assim, na abordagem de Hugon, gerar bases para a retomada do desenvolvimento na segunda metade do século XIX, notoriamente sob a égide da ‘economia do café’ (HUGON, 1978, 145). E, mais que isto, a uniformidade do sistema monetário abre espaço, seguramente, para a melhoria dos negócios em âmbito interno, retirando moedas estrangeiras da circulação cotidiana e contribuindo para a própria unificação da nação – um dos projetos primordiais dos gestores da política monetária, conforme depreendemos ao longo desta análise. Torna-se conveniente citar, ainda, que para o caso do Império, vigoravam interesses distintos no que diz respeito aos principais focos da circulação monetária, a partir do porte – e da demanda por meio circulante – dos diferentes complexos produtivos em escala regional. Seguramente, tais complexos demandavam capital de giro para a manutenção de suas atividades, sendo que este capital era obtido junto a agentes particulares (tais como os comissários do café, nas casas comerciais paulistas), ou junto a bancos privados de médio e grande porte; contudo, neste trabalho, por apego à brevidade – e com o sacrifício imposto à justificável necessidade de uma análise mais ampla – procuramos enfatizar a demanda por moeda apenas nos espaços ao redor da Corte, onde se concentrava a vida financeira do Império. A partir do referencial teórico-analítico proposto acima, é possível ter em conta que o sistema do Padrão-Ouro experimenta grande expansão ao longo do século XIX por conta de uma necessidade de estabilização monetária nas economias ocidentais, favorecendo o incremento do comércio internacional. A defesa da paridade, porém, poderá ser vista a partir de diferentes ângulos, conquanto verificamos que há um interesse nítido dos credores internacionais, alocados História e Economia Revista Interdisciplinar 55 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). no eixo da grande onda de empréstimos da década de 1840, em especial, em manter a solvência das economias que haviam contraído empréstimos durante o boom de capitais. Por outro lado, o sistema de padrãoouro tem sua relevância no sentido de gerar uma solidariedade mecânica entre as diversas economias (EICHENGREEN, 2002, 60). À medida que um país elevasse suas taxas de redesconto para estancar a fuga de capitais, ter-se-ia como presumida uma reação semelhante por parte de outros bancos centrais, que elevariam suas taxas, reequilibrando o sistema. A política econômica destes países, ainda que seja um tanto quanto ousado afirmar que tenha sido ‘harmoniosa’, visava não só defender a paridade de suas moedas, bem como evitar desequilíbrios no balanço de pagamentos que conduzissem ao endividamento excessivo frente ao nível de produto interno. O Padrão-Ouro poderá ser entendido, ainda, enquanto um instrumento de compromisso entre as diversas economias: ainda que aquelas que se encontrassem em situação dita ‘periférica’ fossem obrigadas, de forma rotineira, a reverem ou suspenderem suas metas de paridade-ouro, o sistema foi mantido em alguns países-chave, notoriamente a Inglaterra, por quase um século. 2. Afirmação conservadora e política econômica: Os gabinetes da Conciliação – 1853-58 Nesta parte da pesquisa, pretendemos estudar em detalhe à gestão dos negócios do Império do Brasil, através dos sucessivos Gabinetes do Conselho de Ministros, compreendidos entre 1853 e 1858, pari passu à análise da atuação dos responsáveis pelo Ministério da Fazenda no mesmo período. 56 História e Economia Revista Interdisciplinar A clivagem temporal estabelecida para a presente discussão se deve a dois fatores principais, quais sejam: Primeiramente, trata-se de um momento histórico no qual percebe-se uma hegemonia do Partido Conservador na liderança dos Gabinetes do Império, encetando a política de conciliação com os membros do Partido Liberal, possibilitando verificar com maior acurácia o direcionamento do Partido em questões de política econômica. Da mesma forma, o ‘pânico financeiro’ evidenciado nas praças européias e americanas, em 1857, implicou em uma séria desorganização das finanças imperiais, dada a necessidade de elevação dos limites para a emissão de moeda a fim de saciar a demanda dos agentes pelo meio circulante, frente ao risco de múltiplas falências bancárias, tal como realmente se verificou. A partir de 1858-59, porém, a rígida condução da política monetária, impondo restrições progressivas à emissão, marcará um ponto de inflexão da política econômica do Segundo Reinado. Será na década de 1850, ainda, que se registrará um grande incremento da atividade bancária, haja visto a reestruturação do sistema monetário brasileiro proposta com a Lei de 1846 e a fixação da paridade do mil-réis. No eixo deste novo arranjo institucional, surgem diversas casas bancárias de caráter emissionista, estimulando a tomada de créditos para o sistema produtivo (TRIGUEIROS, 1987, 85-90). Dentre estes bancos, faz-se mister citar alguns, de atuação mais destacada no período, quais sejam: Banco do Brasil: este banco, fundado a partir de iniciativa do Visconde de Mauá em 1851, teve seus estatutos aprovados em 2 de julho do mesmo ano, através do Decreto nº. 801. Prefigurava uma instituição de caráter privado, com capital de 10.000:000$000 (dez mil contos de réis), e capacidade de emitir vales de valor superior a 200 mil réis, mas com o limite de emissão de até um terço do capital efetivo da casa bancária. Experimentando desde o início de seus trabalhos um processo de expansão rápida, o banco estabeleceu Caixas Filiais em São Paulo e no Rio Grande do Sul. (PIRES DO RIO, 1947; KUNIOCHI, 2005, 75) Banco Comercial do Maranhão: teve seus estatutos aprovados em 1849, com autorização de emissão de vales de até 100$000. Banco Comercial da Bahia: fundado por decreto a 13 de novembro de 1845 (portanto, ainda sob a égide dos liberais no Poder Executivo), foi autorizado a emitir vales no valor de até 100$000, até o limite de 50% do capital efetivo da casa bancária. Com as mesmas características do Banco Comercial da Bahia no que alude ao montante de emissão de vales e à formação de reservas compulsórias, têm-se: Banco de Pernambuco: fundado em 22 de Dezembro de 1851; Banco Comercial do Pará: aprovado por decreto em 5 de Janeiro de 1853; Há que se ter em conta, porém, que os Bancos do Maranhão e do Pará não chegaram a funcionar. Estes seriam convertidos em Caixas Filiais do terceiro Banco do Brasil, no processo de unificação do sistema bancário de 1853, liderado pelo Visconde de Itaboraí, então Ministro da Fazenda e também presidente do Conselho de Ministros. Com base em tais informações, é possível perceber que a atividade bancária em âmbito nacional apresentará expansão significativa no contexto da década de 1850. A evolução da política monetária, através do compromisso da manutenção da paridade cambial, aliada a um aparato institucional favorável, capaz de facultar aos bancos supracitados, e a outros de menor expressividade, bem como à capacidade emissora de títulos resgatáveis (ainda que se restabeleça o monopólio ao Banco do Brasil em determinados períodos), e ainda ao aumento significativo da demanda por créditos para a realização de inversões no sistema produtivo nacional, de caráter eminentemente agrícola, condicionam significativas oportunidades de realização de lucros no mercado brasileiro. Assim sendo, é inegável que estas oportunidades favoreceram uma possível dinâmica especulativa e viabilizaram, conseqüentemente, o surgimento de diversas casas bancárias. Esta lógica, é importante frisar, contraria o movimento de concentração do sistema bancário visível no ambiente europeu, no qual alguns países passam a unificar seus sistemas na órbita nacional (como a Bélgica e, em menor vulto, a França) a fim de torná-lo menos vulnerável a crises. A lógica de emissão de títulos nestes países, em relação ao total do fundo disponível, também é mais prudente: em 1857, no auge da crise, os bancos franceses são autorizados a fornecer créditos até o limite de 100% de suas reservas; no Brasil, como exemplo, esta razão alcançou os 300%12. Pelo lado do comércio, porém, esta situação, a ampliação do crédito, também seria passível de verificação: o rápido incremento das quantidades exportadas a partir de 1849, notoriamente de commodities, impulsionou a tomada de empréstimos de grandes proprietários para a 12 Para o estudo dos casos francês e belga na unificação do sistema bancário, ver KINDLEBERGER (2000). Para a reestruturação do sistema bancário britânico, KINDLEBERGER (1985), pp.91-94. Por fim, para as variações no estoque de títulos brasileiros, VILLELLA (1999) e PELÁEZ & SUZIGAN (1981) História e Economia Revista Interdisciplinar 57 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). ampliação de suas propriedades13. Diante desta demanda crescente por crédito, o sistema bancário, que operava já em seu limite de empréstimos em relação aos seus encaixes, é forçado a aumentar o limite de emissões. Já em 1854, o Banco do Brasil solicita licença para elevar a capacidade emissora ao triplo de seu acervo em moedas metálicas14. Tal fato não exime, porém, a verificação de um incremento das importações, tanto em bens de capital – para as obras de infra-estrutura – quanto em bens de luxo, para o consumo dos estratos mais abastados da sociedade. O consumo de tais bens representava, é válido afirmar, uma espécie de ‘dreno’ de recursos, para fora da rede bancária nacional, em detrimento de um processo de acumulação interna de recursos. A proibição do tráfico negreiro a partir de 1850, porém, trouxe consigo um movimento de progressiva escassez de oferta de mão-de-obra escrava; com o aumento dos preços dos escravos que se estabelecia no período, estudavam-se medidas de caráter atenuador, através do estímulo à formação de correntes migratórias. A princípio, cogitou-se a entrada de chineses, cuja eficácia havia sido comprovada em outros territórios. Seria, porém, apenas nas décadas seguintes que o movimento de migração, baseada na mãode-obra européia, apresentaria um incremento significativo15. 2.1.Conjunturas especulativas e a Crise de 1857 13 A título de ilustração, temos as quantidades exportadas dos principais gêneros, em toneladas. Café: 129.000; Açúcar, 127.000; Fumo, 7.000; Mate, 6.000; Borracha, 5.000; Cacau, 4.000 (MONT’ALEGRE (1972), p.127). 14 ‘Foi nesse anno que elle [Carneiro Leão] autorizou a inflação monetária, a elevação ao triplo do seu fundo disponível das emissões do Banco do Brasil, para evitar a queda do cambio e a suspensão dos pagamentos em ouro’. CARVALHO (1927), p.513. 15 Idem, p.139. Não pode, porém, descartar a existência do tráfico de escravos com natureza interprovincial, que, até certo ponto, manteve o abastecimento dos complexos econômicos do centro-sul a partir do remanejamento de cativos das regiões setentrionais do Império; tal discussão está melhor sintetizada em TROVÃO e ALMEIDA (2008). 58 História e Economia Revista Interdisciplinar A partir dos anos 1849/1850, registraram-se descobertas de jazidas auríferas nos Estados Unidos e na Austrália. Essa nova ‘febre do ouro’ propiciou uma entrada maciça do referido metal nos espaços econômicos europeus, incentivando o mercado financeiro e aumentando a dinâmica especulativa, que se concentrava na compra de participações acionárias em companhias de origem diversa, em que se incluíam também as de natureza mineradora. Mais que isso, o surgimento de novos estabelecimentos bancários contribuiu, igualmente, para o aumento das emissões de papel moeda, que em 1857 foram responsáveis pelo aumento da razão entre papel-moeda em poder do público e moeda metálica em poder do público, que passou de 6 para 1 (1837), ao patamar de 8 para 1 em 1857. . Fazendo referência, ainda, à dimensão do meio circulante, o Gráfico 03 faz alusão à variação dos meios de pagamento dos bancos, pari passu ao aumento de seus depósitos: Durante a década de 1850, este movimento especulativo revelou-se bastante intenso nas praças dos Estados Unidos e na Europa, porém concentrou-se significativamente sobre os papéis de companhias norte-americanas: para uma economia em expansão de sua infra-estrutura interna, tem-se que grandes obras e jointventures entre os setores público e privado, corporificadas nas estradas de ferro que marchavam, em ritmo célere, às jazidas dos territórios do Oeste, representariam, de forma emblemática, as pontas-de-lança do desenvolvimento econômico dos Estados Unidos (MOORE, 1975; BENSEL, 1990). Contudo, como tais obras de infra-estrutura redundavam, em boa parte, em um aumento dos volumes importados, as reservas norte-americanas em ouro reduziam-se drasticamente; o sistema financeiro norte-americano, já fragilizado, sofrerá seu primeiro golpe mais intenso em Agosto de 1857, com a falência da Ohio Life & Trust Company, cujos ativos, aplicados sobre títulos de companhias ferroviárias, eram superiores a cinco milhões de dólares (em valores da época). A falência desta companhia, considerada sólida até poucos dias antes de sua quebra, é a primeira de uma série de falências de bancos da Costa Leste dos Estados Unidos, e que se prolongaria até 1858. Para o caso europeu, observam-se diferentes fenômenos que engendraram a aceleração da especulação e posterior crise do sistema financeiro. No início da década de 1850, a Europa (e principalmente a Grã-Bretanha) passava por um período de prosperidade por conta do reaquecimento do sistema produtivo após o fim do conflito entre a Prússia e a Áustria no biênio 1851-52, bem como pelo recebimento de juros e dividendos do boom de empréstimos da década de 184016. Contudo, registram-se diferentes dinâmicas entre as diversas praças européias, no que alude ao alvo primário da especulação: Na França e na Inglaterra, aplicaram-se grandes quantias de capital em companhias de construção de ferrovias e na compra e manutenção de estoques reguladores de commodities, tais como trigo (para a Inglaterra) e café (no caso francês). Já no caso 16 A respeito da onda de empréstimos, notoriamente de origem britânica na década de 1840, ver maiores referências em PETTIS (2001). da Alemanha, o foco se deslocou para o sistema bancário, em especial na praça de Hamburgo: criaram-se novos bancos de emissão e redesconto de títulos; na Escandinávia, por fim, os agentes investidores demandaram as companhias de construção de navios de guerra. Colocadas, portanto, as nuances na esfera especulativa, que permeiam a Crise de 1857, que consiste em um momento capital deste trabalho, levando-se em conta principalmente os principais mecanismos de especulação no contexto do padrão-ouro, caberá verificar o modo como tais mecanismos se reproduziram no Brasil, e como as autoridades monetárias – imbuídas, eventualmente, de posturas diferenciadas a respeito da condução da política de emissão do meio circulante – reagiram a tais conjunturas de instabilidade. No referido ano, ocorre uma troca de lideranças no Conselho de Ministros; na pasta da Fazenda, ocupa sua liderança Bernardo de Sousa Franco, futuro Visconde de Sousa Franco. Membro, inclusive, do Partido Liberal, sua postura, como se verá, contrariará a lógica implementada pelos diferentes gabinetes conservadores, à medida que prioriza o aumento do meio circulante, com a liberação da emissão de moeda aos bancos espalhados pelo território, a fim de atender às crescentes exigibilidades de reprodução dos complexos econômicos17. O próprio Sousa Franco, em estudo publicado anos antes, faz menção a esta questão: Decidi-me a publicar este pequeno opúsculo pela consideração de que em um país novo e falto de capitais como o Brasil, é-lhe 17 A respeito de Sousa Franco, refere-se Austricliano de Carvalho: ‘Figura primacial do ministério, já era senador pelo Pará, na vaga de José Clemente. Era um chefe liberal, instruído e de grande talento, adestrado na administração , cujos assumptos discutia com proficência. (...) Mameluco, de mediana estatura e craneo desenvolvido, foi um perseverante, enérgico, dogmático, bravo no ataque e na defesa e sectário da liberdade de credito, da pluralidade da emissão, em contraposição a Itaborahy, o mentor financeiro do ultimo ministerio’. CARVALHO (1927), p.520. História e Economia Revista Interdisciplinar 59 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). serviço importantíssimo procurar desenvolver seus trabalhos e lançar mão das instituições de crédito como o mais poderoso meio de aproveitar os capitais desempregados, pô-los a serviço da indústria, e como que os duplicara em seu benefício. (GREMAUD, 1997, 89) Um debate é percebido em torno do fator desencadeador da crise de 1857. Charles Kindleberger, a título de exemplo, manifesta uma clara posição ao afirmar que o movimento se iniciou com a falência da companhia de seguros Ohio Life & Trust Company, em 24 de Agosto do referido ano. Este fenômeno teria sinalizado aos credores e investidores que a bolha especulativa, ‘ancorada’ sobre companhias e movimentação de ações, estaria entrando em colapso. (KINDLEBERGER, 2000) Tomados pelos conhecidos (e mesmo tradicionais) mecanismos de incerteza quanto à solvência das casas bancárias, comuns a momentos de instabilidade que se sucedem a booms de oferta de ativos financeiros, estes agentes recorreram aos bancos a fim de liquidar suas posições de caráter especulativo e retornar a aplicações de corte conservador. Os bancos, porém, fortemente alavancados por conta dos créditos concedidos com relativa facilidade nos anos anteriores, não conseguem fazer frente à demanda por saques e passam, progressivamente, a entrar em processo de falência. Em decorrência deste primeiro movimento nos Estados Unidos, registram-se corridas bancárias neste país e também na Europa, com vistas à troca das notas e títulos bancários, além das participações acionárias, por moeda corrente. Na Grã-Bretanha, que ainda então era a praça central do sistema monetário, o Banco da Inglaterra reajusta suas taxas de juro, elevando-as a 10%, a fim de reduzir o volume de saques e evitar a descapitalização completa (CARVALHO, 60 História e Economia Revista Interdisciplinar 1927, 523). A alta dos juros afetará todo o sistema monetário europeu, conquanto outros Bancos Centrais passam a elevar suas taxas de redesconto a fim de evitar perdas maciças de recursos através do esgotamento da conta capital. É importante frisar, neste sentido, que os bancos estadunidenses, contribuindo para a aceleração do ‘pânico’, operavam com níveis baixos de reservas, conforme se pode depreender através do Gráfico 04: Uma segunda abordagem para a eclosão da crise posterior, segundo Kindleberger18, residiria sobre o setor agrícola. A Guerra da Criméia, ocorrida entre 1853 e 1856, retirou do mercado todo o suprimento de produtos agrícolas russos, notoriamente o trigo. Neste sentido, os produtores rurais europeus – notoriamente os ingleses, após a revogação das Leis dos Grãos em 184619 – passaram por uma pequena Golden Age que lhes permitiu centralizar capital e aplicá-lo em investimentos (ou especulações) sobre terras públicas e outros bens estatais, além de outras aplicações de altas rentabilidades e risco. 18 Além de KINDLEBERGER (2000), a discussão é proposta por HILL (1985) 19 As leis dos grãos, promulgadas em 1815, via de regra, configuravam-se em medidas de forte caráter protecionista, como forma de criar reservas de mercado para os produto agrícolas ingleses: As chamadas corn laws proibiam a importação de alimentos da Europa Continental. Foram duramente criticadas por David Ricardo, que argumentava que tais leis, conquanto protecionistas, não obstante favorecerem a elevação dos preços dos alimentos no mercado interno (dada a ausência de concorrência), possuíam também o efeito de concentrar a renda nos setores ditos ‘atrasados’, controlados pela nobreza rural. Foram revogadas durante o mandato de Robert Peel como primeiro-ministro, em 1846. Com o fim do conflito, aliado a safras recordes para o período, e o progressivo retorno do trigo russo ao mercado, estes produtores param de perceber os ganhos extraordinários anteriormente verificados; por terem aplicado seus fundos em projetos de risco elevado, sua descapitalização será uma conseqüência clara (HILL, 1985, 98; PRADO, 1991, 241). No verão de 1857, os primeiros rumores da crise na América chegaram à Europa, com algumas semanas de atraso. Em meio ao pânico e à corrida bancária que se estabeleceram, o Banco da Inglaterra eleva suas taxas de juros; mas suspende, por outro lado, o Peel Act de 1844, que fixava a conversibilidade total da libra em ouro; dá-se espaço para a emissão de natureza fiduciária. Será na Alemanha, porém, que se registrarão os maiores efeitos. De fato, o sistema bancário vinha operando com baixos níveis de reservas a fim de sustentar os empréstimos para a região da Escandinávia e mesmo para a Rússia, dado o fim iminente da Guerra da Criméia. Para escapar da primeira onda de pânico, os bancos alemães, liderados pela praça de Hamburgo, formam uma liga a fim de garantir a manutenção das operações de redesconto (21 de Novembro de 1857). Contudo, isto não seria o fim. Até o final de 1858, 145 casas bancárias européias encerraram suas atividades. Em distantes colônias, como no caso da Índia, a crise foi sentida por mecanismos de transmissão de preços a produtos de exportação, como gêneros agrícolas. As conseqüências desta instabilidade resultaram em desemprego e baixas taxas de crescimento no biênio 1857-58. Será sobre o Brasil, porém, que esta crise se abaterá de forma mais significativa, por conta da limitação de seus estoques em moeda metálica para manter a funcionalidade do sistema. 2.2. Efeitos da Crise sobre o Brasil A 3 de Novembro, através do vapor Conrab, os rumores da instabilidade nos Estados Unidos chegaram ao Brasil, dando conta de que os bancos de Nova York haviam suspendido seus pagamentos (PRADO, 1991, 243)20. Diante deste cenário, os credores europeus e dos Estados Unidos aqui residentes passaram a pressionar o Tesouro Nacional – e seu operador, na qualidade de emissor da moeda de curso forçado, o Banco do Brasil – a liquidar seus débitos, gerando fuga de moeda metálica e, mais do que isso, gerando embarque de mercadorias, em momentos nos quais o estoque de ouro era insuficiente para honrar as dívidas. O rápido desdobramento dos eventos é algo a ser considerado: frente às insistentes demandas dos credores internacionais, o estoque de ativos monetários do Império passava a perder reservas, dada a contínua drenagem de recursos com o intuito de evitar grandes desvalorizações cambiais (que não tardariam a ocorrer). Como a colocação de títulos e venda de ativos imóveis, para obtenção de divisas, era uma atividade lenta e permeada de riscos, o governo apelará para a atitude mais dolorosa: suspendeu a conversibilidade entre notas do Tesouro e moedas metálicas, a 11 de Novembro. O comércio externo, por sua vez, entra em processo de estagnação, uma vez que os vendedores europeus passam a exigir pagamentos à vista para a cessão de seus produtos, desaparecendo o sistema de compra por consignação (VILELLA, 1999, 2-8). 20 Há que se ter em conta que o Brasil só interligou-se de forma plena com os ‘centros civilizados’, como afirmava o Barão de Mauá, em 1874, com a inauguração do telégrafo por cabo submarino, por iniciativa do próprio Mauá. Antes desta data, eram os paquetes e navios diversos que traziam as notícias de outras regiões do globo. Eram, em verdade, os ‘paquetes’, navios de linhas regulares entre o Brasil e os demais centros, que traziam as principais notícias do que estaria acontecendo nas praças internacionais. História e Economia Revista Interdisciplinar 61 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). A 13 de Novembro, outros navios que haviam acabado de aportar trouxeram as notícias do aumento dos juros na Inglaterra. Frente a este cenário, observam-se novas corridas bancárias, com o intuito de resgatar os títulos por ouro; o Banco do Brasil corria sérios riscos de ficar sem cobertura de fundos para fazer frente às operações quotidianas, dado o possível embarque maciço de ouro para a Inglaterra. Mesmo após a suspensão da conversibilidade, a fuga de capitais prosseguia: os embarques de ouro para a Inglaterra, e a conseqüente desmonetização da economia nacional, foram freqüentes durante o período. O próprio Banco do Brasil teve seus estoques, medidos em torno do montante de fundos disponíveis, bastante reduzido: O Banco do Brasil, sendo nesta praça o único reservatório de capital monetário para a satisfação do comércio exterior, devia ser o primeiro a sofrer os resultados daqueles acontecimentos. O seu fundo disponível foi seriamente ameaçado e, de fato, dentro de dez meses, este fundo sofrera o desfalque de 4.714:123$847, desfalque que prometia aumentar rapidamente pelos pagamentos forçados de recâmbios e pedidos de remessa por parte de credores nas praças em crise.21 O Gráfico 05 ilustra esta tendência: 21 Relatório do Banco do Brasil de 1858, citado por MONT’ALEGRE (1972), pp.147-8. 62 História e Economia Revista Interdisciplinar 3.O saneamento do sistema: a política macroeconômica pós-crise de 1857 Diante deste cenário de crescente incerteza a respeito das finanças públicas do Império, bem como sobre a solvência seus estabelecimentos bancários, os agentes passaram a recorrer ao setor privado para a obtenção de créditos. As casas mais visadas – A.J.Alves Souto e Cia, e Mauá, McGregor e Cia – sobreviveram à primeira onda de crise, mas principalmente por conta do tratamento concessivo do Banco do Brasil, que suplementou suas dotações em moeda metálica e negociou acordos para a obtenção de créditos externos, notoriamente britânicos – a saber, Rothschild & Sons, no montante de £600.000 – agindo como um Emprestador de Última Instância. A orientação do governo era clara, neste sentido: deter a marcha da desvalorização cambial e evitar a fuga de capitais e a conseqüente desmonetização da economia nacional. Este empréstimo se aloca no eixo de negociações entre o Banco do Brasil e importantes casas bancárias européias, possíveis graças ao aval do Império Brasileiro para a cessão de créditos aos bancos nacionais. A princípio, em 1 de Dezembro de 1857, o Governo forneceu aval para a tomada de um empréstimo de £340.000, ou 3.000 contos de réis (o que equivalia a 27,63% do fundo disponível do Banco no período). Não obstante, em 4 de Dezembro, as autoridades monetárias, julgando que este montante seria insuficiente para reestabilizar as atividades do sistema financeiro nacional, pressionaram o Governo a fim de que este cedesse um aval para um empréstimo no valor de £600.000. Por fim, à medida que os dias passavam e mais notícias chegavam ao país a respeito do pânico instalado nas praças européias e norte-americanas, o mil-réis continuava a desvalorizar-se, chegando ao valor de 23,5 pence em 31 de dezembro, o mais baixo do ano conforme será possível verificar a partir dos dados do Gráfico 06, na página seguinte. A respeito destes mesmos dados, é interessante perceber que o spread das taxas máxima e mínima no Império é relativamente pequena entre os anos de 1852 e 1856, ocupados, em grande parte, pelo Gabinete Paraná; o processo de ajuste do câmbio após o ano de 1846, associado ao enxugamento das moedas falsas em circulação, bem como à relativamente pouca presença de estabelecimentos bancários com a capacidade de emissão, certamente terá contribuído de maneira significativa para a estabilização do câmbio nos anos subseqüentes22. em Março, atingindo um total de £810.000 até Junho. Neste mesmo mês, os níveis de comércio foram restabelecidos na praça londrina, e o sistema bancário norte-americano já havia conseguido absorver as perdas decorrentes da quebra de bancos e companhias de crédito (CALÓGERAS, 1960, 111). No Brasil, acertaram-se os últimos detalhes, em Junho, para a tomada de um empréstimo de £1,4 milhão, para o prosseguimento das obras da Estrada de Ferro D. Pedro II. Por fim, a colheita de 1858, que elevou os preços do café no mercado internacional, também elevou a demanda por moeda internamente, o que possibilitou uma apreciação da mesma: em Agosto, a taxa de câmbio havia subido para 26,55 pence para cada mil-réis, nível bastante próximo ao acordado na Lei nº. 401, de Setembro de 1846. Contudo, o esforço para a revalorização do câmbio não pararia por aí: a 12 de Dezembro de 1858, um novo Gabinete foi formado, tendo Salles Torres Homem, Visconde de Inhomirim, como Ministro da Fazenda. Sua concepção de política monetária era, pode-se afirmar, diametralmente oposta à de Sousa Franco. A conjuntura de instabilidade começou a ser revertida apenas em meados de 1858. Neste momento a casa bancária Mauá, McGregor & Cia., convencida da possibilidade de restauração da paridade-ouro do mil-réis, lança com apoio do Banco do Brasil algumas letras de câmbio na praça de Londres, com valor inicial de £400.000, 22 A respeito da circulação de moedas falsas e o aumento da fiscalização do governo sobre esta situação, faz referência o escritor José de Alencar, em tom de sátira: ‘O crime de moeda falsa é um dos mais severamente punidos em todos os países, porque ameaça a fortuna do Estado e a dos particulares. Entretanto não acho razão no legislador em ter punido unicamente o falsificador de moeda, deixando impunes muitos outros falsificadores bem perigosos para a nossa felicidade e bem-estar, Todos os dias lemos nos jornais anúncios de dentistas, de cabeleireiros e de modistas, que apregoam postiços de todas as qualidades, sem que a Lei se inquiete com semelhantes coisas. (...) Um homem qualquer que nos dá a descontar uma letra de uns miseráveis cem mil réis, falsificada por ele, é condenado a uma porção de anos de cadeira. Entretanto aqueles que falsificam uma mulher, e que desgraçam uma existência, enriquecem e riem-se à nossa custa.’ ALENCAR (1955?), pp.90-91. Em um corte nitidamente metalista, Torres-Homem afirmaria, bem como já o fizera em momentos anteriores23 que o aumento do estoque de papel-moeda, praticado ao longo dos anos e acentuado durante a crise de 1857, era o agente causador dos aumentos no nível de preços, da desvalorização da taxa de câmbio e descenso dos salários, além de ‘travar’ o desenvolvimento industrial24. 23 ‘Na sessão de 58, Torres-Homem investiu contra Sousa Franco, oppondo a unidade da emissão à pluralidade deste, a quem censurou a incoherencia da liberdade ampla que defendia com a liberdade restrita que adotara, com um regimen de autorização’. CARVALHO (1927), p.523. 24 ‘Deplorava Sousa Franco que a crise commercial que se declarou em 57 não desse logar a fazer resaltar a efficacia da medida que tomou [o aumento das emissões e a descentralização da capacidade emissora do Banco do Brasil], sendo uma inverdade a insufficiencia que se allega, tanto mais quanto era uma realidade a solidez dos novos bancos, cuja emissão não poderia exceder o capital realizado e effectivo, História e Economia Revista Interdisciplinar 63 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). No afã de incentivar a formação de um estoque de moeda metálica compatível com as emissões bancárias, Torres Homem suspendeu, como primeira medida, a autorização recebida pelo Banco do Brasil, a 5 de fevereiro de 1856, para a circulação de notas bancárias com volume três vezes superior ao de reservas, já descrita no tópico anterior. Ainda que tal medida permitisse que o limite de emissões fosse ao dobro do fundo disponível, já se trata de uma primeira forma de combater a dinâmica especulativa e a emissão sem lastro. A partir do órgão governamental, ainda, as medidas de contração da base monetária deveriam atingir todos os outros bancos privados, dado que também lhes foi retirada a capacidade de livre emissão (CARVALHO, 1927, 529). Como fechamento ao tópico, no que alude à evolução da economia brasileira no período, é possível verificar que, na órbita do comércio exterior, os impactos da aceleração do comércio de importação e da Crise de 1857 são significativos, conforme pode-se depreender a partir do Gráfico 07, na página seguinte. De fato, houve um aumento de 103% no volume das exportações durante o período compreendido entre 1847 e 1858, ao passo que as importações aumentaram em 134% neste mesmo período. Mais que isto, há uma queda de 7,2% no valor total das exportações entre 1856 e 1858, frente a um aumento de 28,8% das importações no mesmo período. A análise desta situação torna possível verificar que a Crise de 1857, embora tenha uma origem clara no sistema financeiro – sobretudo se consideramos a quebra da seguradora Ohio Life & Trust como desencadeadora do garantido por titulos acreditados’. CARVALHO (1927), p.522. Em Pires do Rio, ainda, está a citação de Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí: ‘Se convêm edificar nosso sistema monetário sobre papel inconvertível, então seja o governo que o fabrique; não se dê a associações particulares o direito de se locupletarem à custa dos sofrimentos do povo’. Citado por PIRES DO RIO (1922), p.111. 64 História e Economia Revista Interdisciplinar Pânico – traz implicações relativamente severas sobre a dimensão macroeconômica, sobretudo sobre o comércio exterior. 4. Considerações finais A princípio, há que ressaltar – como recuperação das reflexões realizadas no primeiro tópico – a especificidade do padrão-ouro dentro do espaço econômico brasileiro. Configurado originalmente como mecanismo compensatório para transações entre países, uma vez que déficits em conta corrente em um país seriam compensados por superávits em outro país, gerando um jogo de soma zero onde a tendência de queda nos preços pudesse restabelecer o fluxo de ouro entre estas regiões, a implementação da conversibilidade do mil-réis em moeda metálica e a possibilidade de fixação das taxas de câmbio gerou quatro movimentos distintos. Em primeiro lugar, em função da adesão da economia brasileira a um regime de taxas de câmbio fixas a partir de 1846, o padrão-ouro colocou o país na rota dos fluxos de capital entre países através do financiamento a projetos de investimento em dimensão interna (COTTRELL, 1975; PETTIS, 2001). Como conseqüência, um segundo ponto reside na aceleração da atividade especulativa, passível de exemplificação através do surgimento de grande número de companhias de investimento (principalmente em estradas de ferro e navegação – considerando o fato, devese dizer, de que em diversas situações os pro- jetos de investimento não foram devidamente concretizados25). Em terceiro lugar, permitiu à elite nacional assimilar os padrões de consumo externos, por conta do estabelecimento da conversão da moeda nacional e da significativa geração de divisas decorrente do aumento das exportações: deu-se, neste sentido, fomento à importação de bens de consumo, e estímulo às atividades urbanas em torno da Corte, o que se verifica pelo aumento das importações que se verificou ao longo da década de 185026. Por fim, sinalizou o início do estabelecimento de um sistema bancário, concentrado regionalmente e focado na emissão de notas bancárias desprovidas de lastro, em desacordo com as regras do jogo em relação ao mecanismo da paridade-ouro; da mesma forma, considerandose que o sistema ainda possuía uma natureza bastante seminal, não há mecanismos de coordenação entre os diversos estabelecimentos, o que faz com que instrumentos de articulação de recursos entre bancos, como cheques e ordens de pagamento, sejam pouco utilizados, situação esta que engendra, em diversas ocasiões, o ‘vazamento’ de recursos destes bancos, que tinham suas reservas drenadas por resgates destinados ao comércio de importação. A dinâmica do Padrão-Ouro, ainda, no que diz respeito à relação entre países ‘centrais’ e periféricos, torna possível a propagação de pânicos e corridas bancárias para todo o sistema, desde que a crise tenha início em uma praça rele25 Em última análise, de fato, trabalhar o Padrão-Ouro como um mecanismo indutor de investimentos na economia brasileira do século XIX poderia consistir em uma ‘hipótese heróica’. Efetivamente, não há indícios suficientemente claros que forneçam sustentação a esta hipótese. Contudo, à medida que consideramos os presumidos efeitos da paridade cambial, e do estabelecimento de ‘regras do jogo’ para a convivência entre a moeda nacional e o sistema financeiro, é possível ter em conta que a vigência do Padrão-Ouro representa um instrumento de auxílio nas tomadas de decisão dos investidores privados e institucionais do período. 26 Para maiores detalhes a respeito da vida cultural no Rio de Janeiro em meados do século XIX, ver SCHWARCZ (1999). vante – como no caso dos Estados Unidos. Em 1857, este movimento foi válido: a concordata da Ohio Life & Trust deu início ao movimento de pânico nas praças de Ohio e Nova York, atingindo, meses depois, a Europa (em especial a Alemanha, cuja praça de Hamburgo havia investido pesadamente em companhias ferroviárias e de construção naval na Suécia e Noruega) e a América Latina, em especial o Brasil: nota-se que esta crise é a primeira de alcance verdadeiramente mundial, conquanto pertencente a uma conjuntura de implementação da conversibilidade entre as moedas nacionais e o ouro – seja de facto, como no caso dos EUA, ou de jure, para os casos do Brasil e da Inglaterra No Brasil, por sua vez, esta crise foi a que primeiro atingiu seu incipiente sistema bancário. Uma vez que os efeitos da recessão de 1847 restringiram-se primordialmente aos Estados Unidos, e a constituição da paridade entre o ouro e o mil-réis ainda era bastante recente, não se sentiram de maneira significativa os efeitos dessa primeira oscilação de mercado. A Crise de 1857, por sua vez, teve início em uma economia que operava sob condições adversas, principalmente no que diz respeito a seus passivos acumulados e à atividade especulativa, através do estabelecimento de companhias de crédito e financiamento às mais diversas atividades, tais como obras de infra-estrutura portuária, melhorias nos maiores centros urbanos (principalmente iluminação a gás e obras de pavimentação da malha viária) e ampliação da rede de ferrovias, que demandavam um volume bastante elevado de capitais, tal como abordamos no segundo tópico. Esta situação fornece subsídios para que se compreenda, ainda, a despeito da melhoria do ambiente decisório com a fixação da taxa de História e Economia Revista Interdisciplinar 65 Política econômica e crises cambiais: A gestão financeira do Império do Brasil nos primórdios do padrão-ouro (1846-1858). câmbio, conforme o receituário do padrão-ouro, a significativa falta de regulamentação que ainda era capaz de afetar as instituições financeiras no âmbito do Segundo Império. Realizamos aqui, portanto, uma última ponte, trazendo novamente à baila as perguntas delimitadas na parte introdutória deste trabalho, e que permearam a sua realização: Em verdade, colocando sob forma de síntese as discussões que procuramos realizar ao longo desta dissertação a respeito da primeira hipótese, relacionada aos limites do Partido Conservador na gestão da política macroeconômica, tem-se que não é de todo lícito imputar às autoridades monetárias, ou seja, aos gestores do Ministério da Fazenda (considerando a inexistência de um equivalente ao Banco Central) a responsabilidade pelas conjunturas de instabilidade que se verificaram no período em análise. Mais que atribuir títulos de metalistas ou papelistas – em função de suas posturas mais ou menos restritivas quanto à liberdade de emissão do Estado – aos ministros da Fazenda e suas gestões – Carneiro Leão, Sousa Franco, Torres- 66 História e Economia Revista Interdisciplinar Homem, entre outros – é importante realizar uma reflexão mais ampla: por trás das posturas aparentemente discricionárias, porque ‘emissionistas’, ou draconianas, porque restritivas, realmente permeava a ação daqueles estadistas, em geral membros influentes do analisado Partido Conservador, uma preocupação maior, qual seja, a da construção e afirmação do novel Estado Nacional. O que realmente perpassa todas as medidas de política econômica do período é, seguramente, a necessidade de um equilíbrio entre corresponder às demandas sempre crescentes das províncias (modelo privilegiado por Sousa Franco) e controlar a sua capacidade de livre emissão (de acordo com os conservadores). Os diferentes gestores das finanças do governo atuavam, portanto, acomodando estes distintos interesses. Todavia, durante o período analisado este esforço de acomodação não perdeu, de modo algum, a orientação principal, qual seja, o interesse estratégico de longo prazo, que residia na construção – de maneira centralizada – do Estado brasileiro no século XIX. Bibliografia ALENCAR, José de. Ao correr da pena. Prefácio de Francisco de Assis Barbosa. 4.ed. São Paulo: Melhoramentos, [1955?]. ALMEIDA, José Tadeu de. Transição política e política econômica no Brasil - Império: 18531862. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A dependência em progresso: fragilidade financeira, vulnerabilidade comercial e crises cambiais no Brasil (1890-1954). Tese – (Doutorado em Economia) – Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. BENSEL, Richard Franklin. 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Palavras-chaves: Políticas cambiais, políticas públicas, agências do Estado, grupos de interesse. Abstract Although exchange rate policies are considered part of the field of economics, they are the result of disputes among different interest groups present within state agencies. This article demonstrates how, from the 1950s, the control of these state agencies was in the hands of businessmen from different sectors. Therefore, the public policies, especially those related to exchange rates, reflected and still reflect the interests of the hegemonic Key words: Policies, foreign exchange, public policy, state agencies, interest groups. História e Economia Revista Interdisciplinar 71 Câmbio: uma questão da política O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê. Platão A historiografia brasileira carece de pesquisas sobre história cambial. Trata-se de um assunto novo, que poderá concorrer para uma melhor compreensão das bases sobre a quais se assentam as relações sociais e as estruturas jurídico-políticas brasileiras. Como contribuição para a produção deste campo de pesquisa, examinamos as políticas cambiais dos anos cinqüenta, que consideramos serem ferramentas para o entendimento das mesmas políticas nas décadas posteriores, em especial nos dias de hoje. Acreditamos que as oscilações da moeda, especialmente o dólar (referencial monetário para todo o comércio internacional no período em questão) em relação à moeda nacional, expressam interesses dos diferentes setores do empresariado brasileiro e que tais interesses têm como desdobramento as políticas cambiais, cujas definições se encontram no interior das agências do Estado. Daí sua importância como objeto de estudo. A política cambial constitui um dos principais instrumentos através do qual o Estado regulamenta algumas relações econômicas. Em uma sociedade capitalista, tais relações serão geradoras de benefícios para classes ou frações de classe, especialmente para aquelas que detêm o controle das instituições promotoras destas políticas – as agências estatais. Na década de 1950 – período que analisamos - é possível identificar pressões realizadas pelos diversos setores e grupos de interesse, com o objetivo de garantir uma política cambial que atendesse às suas demandas. Para os exportadores de produtos agrícolas, especialmente os cafeicultores, a valorização do dólar frente ao cruzeiro1 era decisiva, pois garantia bons lucros na venda da safra. Para o empresariado industrial, esta mesma valorização do dólar poderia significar o encarecimento dos insumos necessários à manutenção da produção, portanto, do ponto de vista deste setor, interessava que o cruzeiro estivesse valorizado frente à moeda americana. Para os demais setores da população, a valorização do dólar também tinha seu significado: para os trabalhadores, mais alto o preço do dólar, maior seria o custo de produtos importados e também o do petróleo, o que, por si só, já constituía fator de encarecimento do custo de vida, não só por interferir no preço do seu transporte, como também por ser um dos componentes do custo das mercadorias. Toda eleição das políticas econômicas resulta de uma hierarquização de objetivos. Estes, por sua vez, refletem as pressões dos diferentes grupos de interesse em torno da ação governamental e tais pressões têm sua origem nos diferentes setores da sociedade, desde os empresários aos trabalhadores, e são produzidas pelas instâncias de representação de classe de cada um destes setores. As taxas de câmbio são uma variável importante na política econômica. Nos anos 50 a valorização ou a desvalorização do dólar refletiam diretrizes governamentais – ora ligadas ao incentivo à importação de insumos para a indústria, ora ligadas à lucratividade do setor exportador – especialmente aquele ligado à cafeicultura -, que não deixou de constituir a base de nossa pauta de exportações, no que diz respeito aos produtos agrícolas. Na segunda metade da mesma década, em virtude das dificuldades geradas pela Segun1 Moeda vigente no Brasil de novembro de 1942 a fevereiro de 1967, de maio de 1970 a fevereiro de 1986 e de março de 1990 a julho de 1993. 72 História e Economia Revista Interdisciplinar da Guerra Mundial, as políticas públicas encontravam-se sujeitas a mudanças bruscas, decorrentes, principalmente, dos problemas gerados pelas oscilações da economia internacional. Este fator dificultava o planejamento e o controle governamental sobre as transações comerciais. Desde 1945 até o final dos anos 80, identificamos uma característica básica nas políticas cambiais brasileiras: as taxas de câmbio eram atribuição governamental, o que significava controle estatal da cotação do dólar. Tal controle era feito através da SUMOC 2, até 1965 e, após a transformação desta Superintendência, pelo próprio Banco Central. Neste período o Brasil não havia adotado o regime de câmbio flutuante e o dólar possuía conversibilidade reduzida. Mas, desde 1945 até o ano de 1953, a intervenção governamental no câmbio contribuiu para a ocorrência de alguns eventos, conhecidos como colapsos cambiais, ocorridos em 1951 e 1952. Em função destes momentos de extrema tensão nas questões relativas à moeda, as medidas voltadas para o controle e direcionamento do valor do câmbio passaram a ser motivo de disputa no espaço onde elas eram definidas: a SUMOC. Desde aquele período, nos vários momentos em que despontam crises cambiais ou movimentos bruscos de alta na cotação do dólar, era através da SUMOC, e depois da agência de Estado que irá se constituir a partir desta Superintendência, o Banco Central, que os setores interessados no direcionamento do câmbio atuavam. Nos dias de hoje, o controle do Banco Central tem importante significado para as disputas em torno da cotação cambial. Embora tenhamos, a princípio, uma política de câmbio flutuante, as oscilações na cotação da moeda ainda se mantêm sob o controle do BC, que exerce este domínio através da compra ou da venda da moeda, atuando através 2 Superintendência da Moeda e do Crédito, departamento do Banco do Brasil criado em 1945, que em 1964 foi transformado no Banco Central do Brasil, através da Lei n. 4595. da redução ou aumento da oferta de moeda no mercado. Muitos autores atribuem a crise cambial brasileira do início dos anos 50 à Guerra da Coréia, mas também apresentam como estopim deste processo o crescimento das importações, especialmente em virtude da “boa vontade” governamental para com as licenças para importação, durante os anos 40. Como o aumento das importações apontava para um volume maior de itens relacionados aos maquinários e produtos dirigidos às indústrias de bens de produção, esta liberalização, na prática, pode ser interpretada como uma orientação no sentido de incentivar o crescimento industrial, pois tinha a capacidade reduzir o custo dos insumos industriais. Mas a desvalorização do dólar tinha seus efeitos na exportação de produtos, especialmente na agricultura. Este contraste corrobora a idéia de que a cotação do câmbio e as licenças para a importação definiam o fortalecimento deste ou daquele setor no interior do aparelho de Estado. Desde o final de 1950, com a constituição da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos3, houve uma significativa mudança nas relações entre os dois países, não só através de uma alteração na atitude dos EUA, ampliando os in3 A Comissão Mista Brasil – Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico era parte do plano norte-americano de assistência técnica para a América Latina, conhecida como Ponto IV. Foi formada pelos técnicos brasileiros Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões e Valder Lima Sarmanho, e encarregada de estudar os pontos prioritários que deveriam compor um projeto de desenvolvimento do país. Um dos resultados do trabalho da Comissão foi a criação, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 20 de junho de 1952. O BNDE tinha a incumbência de financiar e gerir recursos captados no Brasil, no Eximbank e no BIRD para esses projetos, mas durante o governo Vargas somente 181 milhões forem concedidos pelos bancos estrangeiros e nem todos os projetos receberam financiamento. A Comissão Mista foi dissolvida em e apresentou seu último relatório em 1954, já no governo Café Filho, para o Ministro da Fazenda, Eugênio Gudin. O relatório limitou-se a dois pontos, considerados prioritários: transportes e energia. O grupo de brasileiros que participou da Comissão, mais tarde, fundou a Consultec, empresa privada que elaborou todos os projetos para o BNDE. O grupo também serviu de base para o Conselho de Desenvolvimento econômico que, por sua vez, preparou o Programa de Metas do Governo Kubitschek. Após a dissolução da CMBEU, o BNDE levou adiante as negociações para a execução dos projetos recomendados. Apud: ABREU, Alzira Alves et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro Pós 30. Volume II. Rio de Janeiro: FGV/ Positivo. 2001. p.1466-1468. História e Economia Revista Interdisciplinar 73 Câmbio: uma questão da política vestimentos no Brasil, especialmente aqueles destinados à infra-estrutura, mas também porque a maioria dos projetos industriais e de infraestrutura seriam financiados pelo Eximbank4. Neste período os preços internacionais do café estavam em alta, o que, na prática, representava alívio na situação das transações externas. Estas, entre outras razões levaram o governo a manter a taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada, mantendo, também, o regime de concessão de licenças para importar. Na prática, havia uma política de liberalização das importações pela via cambial, o que também refletia os interesses do setor industrial, uma vez que estas diretrizes reduziam os custos de produção. Segundo Vianna, esta liberalização pode ser explicada, do ponto de vista interno, pelos seguintes fatores: (i) persistência de séria pressão inflacionária interna e de aguda propensão a importar (ii) abastecimento precário do mercado interno, no que tange a produtos importados, devido às restrições cambiais de importações aplicadas com crescente severidade desde 1948 até meados de 1950 e afrouxadas apenas parcialmente em seguida à melhoria da posição cambial em fins de 1950, (iii) perspectiva decrescente de escassez internacional de matérias- primas e equipamento importável, em função da expansão dos programas armamentistas (iv) perspectivas favoráveis da evolução das exportações dos principais produtos, (v) posição cambial temporariamente favorável (CEXIM Relatório 1951; VIANNA, 1990, 126). Embora Vianna não explicite que esta liberalização através do câmbio era resultante de pressões políticas, especialmente por parte dos setores da burguesia vinculados à indústria, há um indicativo interessante de que esta medida 4 Eximbank (Export and Import Bank of the United States): criado em 1934, o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos com o objetivo de financiar programas de governos e empresas estrangeiros associados à compra de equipamentos e serviços norte-americanos. Sua atuação tem se concentrado nos países do Terceiro Mundo. 74 História e Economia Revista Interdisciplinar pode ser atribuída a estes grupos: a presença de Ricardo Jafet 5 na presidência do Banco do Brasil, instituição que possuía o controle do crédito em detrimento do Ministério da Fazenda. A política de “liberalização” cambial e aduaneira, segundo alguns analistas, foi responsável pelo aumento das importações, o que explicaria, especialmente para Horácio Lafer 6 e os partidários da contenção creditícia, o aumento da inflação. Para Vianna, a conjuntura econômica do início do ano de 1953 pode ser caracterizada pelo aumento da inflação, pelo colapso cambial, e pela acumulação do que ele denomina de atrasados comerciais. Segundo o autor, tais fatores abalaram o projeto de saneamento econômico. (VIANNA, 1990, 131) Para fazer frente a esta crise, o Congresso aprovou, em dezembro de 1952 a Lei 1807, ou Lei do Mercado Livre 7, uma alteração da política de câmbio fixo e utilização das licenças de importação, que passou a vigorar em janeiro de 1953. Esta lei criava taxas distintas para certas importações e exportações, com o objetivo de garantir o escoamento dos produtos gravosos 8 e diminuir a capacidade de importar, através do 5 Em sua gestão à frente do Banco do Brasil, Jafet promoveu uma política de expansão do crédito, o que levou à incompatibilização com o então Ministro da Fazenda, Horácio Lafer, defensor de uma política antiinflacionária que tinha como principais instrumentos a contenção do crédito. Também foi atacado pela oposição a Vargas, que o acusava de favoritismo na concessão de créditos ao jornal Última Hora, de propriedade de Samuel Vainer, periódico criado como contraponto aos demais jornais, com o objetivo de apoiar o presidente. Estes fatores levaram ao afastamento de Jafet da diretoria do Banco do Brasil, mas já o identificam como defensor das teses desenvolvimentistas e da ampliação da participação do Estado na economia. 6 Horácio Lafer era empresário do grupo Klabin-Lafer, foi Ministro da Fazenda nomeado em 1951 por Getúlio Vargas. Em 1959, como portavoz do Presidente Juscelino Kubitschek, foi à Câmara dos Deputados defender a ruptura com o FMI. Em seguida foi nomeado Ministro das Relações Exteriores, cargo no qual atuou com um perfil de desenvolvimentista favorável à participação do capital estrangeiro, criando a Comissão de Política Econômica Exterior deste Ministério. Apud. ABREU, Alzira Alves de. et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. Rio de Janeiro: FGV/Positivo. V III. 2002, p.2998-3001 7 A Lei 1807 instituiu o sistema de taxas múltiplas de câmbio, algumas até flutuantes. Permitia às mercadorias que não excedessem 4% do valor médio do total de exportações realizar parte das divisas obtidas no exterior fora do controle governamental. 8 É denominada gravosa toda mercadoria exportável que, dado o seu alto custo de produção, não pode competir, no mercado internacional, com os similares estrangeiros, ficando, assim, na dependência de medidas protecionistas por parte do governo. deslocamento, para o mercado livre, da terça parte do valor total das importações. Tal modificação na política cambial encerrava um longo período de taxa de câmbio fixa, que tinha vigorado desde 1939. Como conseqüência da Lei 1807 sobreveio uma desvalorização do cruzeiro em relação ao dólar. A valorização do dólar, por sua vez, teve como principal decorrência o encarecimento das importações e a maior lucratividade para as exportações. Esta situação comprometia a política de incentivo ao crescimento industrial, portanto, teve curta duração: em meados de 1953, Horácio Lafer e Ricardo Jafet foram substituídos. O Ministério da Fazenda passou para as mãos de Oswaldo Aranha e o Banco do Brasil ficou sob a presidência de Marcos de Souza Dantas. Na nova gestão, o colapso cambial serviu como justificativa para a redução das despesas do setor público, em particular os gastos com investimentos. Cortar investimentos significa, na prática, reduzir a capacidade de atuação do Estado como agente econômico. No entanto, esta maré de medidas de política econômica, cujo objetivo era reduzir o déficit público e solucionar a crise cambial, levou também à criação, em 9 de outubro de 1953, da Instrução 70 da SUMOC. Esta instrução estabelecia nova regra para o câmbio, sob maior controle governamental, beneficiando o setor industrial. Através da Instrução 70, o câmbio subvencionado estava extinto e era inaugurado um sistema de taxas múltiplas. Desta forma, o governo distribuía divisas disponíveis em lotes, sendo a taxa de câmbio para cada categoria determinada por meio de leilões. Tais lotes eram constituídos por bens considerados essenciais ou não. Neste sistema, que durou, com algumas alterações, até 1957, o governo fixava a quantidade de divisas distribuídas, mas não o valor da moeda estran- geira. No entanto, a quantidade de divisas atribuída a cada mercadoria já determinava o valor da moeda, pela escassez ou pelo aumento da oferta. Caso fosse em menor quantidade que a demanda existente em algum ramo, geraria uma valorização do dólar para aquele setor da economia. Procurando não desencorajar demasiadamente as importações necessárias à industrialização, a Instrução 70 era uma tentativa de produzir estabilidade financeira. Mas, a intenção de Aranha e Dantas era tornar as exportações brasileiras mais acessíveis ao mercado internacional e reduzir as importações (especialmente as de bens de consumo), bem como proteger a indústria e a balança comercial. Para Vianna (1990), a Instrução 70 pode ser entendida como uma medida cuja meta era a estabilização monetária. Tendo como objetivo principal a política de câmbio referenciada no sistema de taxas múltiplas, a Instrução buscava minorar o desequilíbrio cambial e combater a tendência de aumento da inflação do final da década anterior. Apesar de ter funcionado, na prática, como incentivo ao processo de substituição de importações (servindo, portanto, de apoio à indústria), não impediu que a situação financeira do país continuasse instável. De nossa parte, consideramos que esta medida também expressa o peso político do empresariado ligado à indústria, que tinha espaço considerável na sociedade política neste período. Segundo Almeida (2006), os “liberais” brasileiros, em defesa da reforma cambial, afirmavam que o processo de industrialização, pela via da substituição de importações, seria o responsável pela instabilidade financeira e pelo desequilíbrio na balança de pagamentos, na medida em que o câmbio, sobrevalorizado, não favorecia as exportações. História e Economia Revista Interdisciplinar 75 Câmbio: uma questão da política O que os “liberais” preconizavam era uma mudança nos rumos do câmbio, uma valorização da moeda nacional e a eliminação dos impostos – via confisco cambial. Tais medidas eram atribuição do Banco do Brasil, através de um de seus departamentos: a SUMOC. Portanto, o controle do Banco – conseqüentemente da Superintendência - representaria, a prerrogativa de dar a direção do processo e determinar a forma como seria feita a reforma cambial. Além da questão cambial e do domínio do déficit público, o controle do Banco do Brasil, responsável pela condução da política monetária, através de um de seus departamentos – a SUMOC – era o objetivo de Oswaldo Aranha. Isto vai ficar claro quando, também em outubro de 1953, o então Ministro da Fazenda - através do Plano Aranha - propôs a subordinação do Banco do Brasil ao seu Ministério. A proposta tinha por justificativa reduzir a possibilidade de conflitos como os que haviam ocorrido entre o ex-ministro da Fazenda, Horácio Lafer, e o ex-presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jafet, e que, segundo o próprio Aranha, haviam sido entraves para a estabilização fiscal. Tratava-se de uma iniciativa cujo intuito era garantir o controle sobre a política monetária e cambial – os empréstimos e o valor do dólar. É através deste processo que o conflito pelo controle destas agências do Estado, a Superintendência da Moeda e do Crédito e o Banco do Brasil, e de suas funções, se torna explícito. O Plano Aranha não resultou em maior controle do Ministério da Fazenda sobre o Banco do Brasil, nem em redução do déficit monetário ou das disputas. Este fracasso pode ser, em parte, explicado pela mudança nas relações entre o Brasil e os EUA, especialmente em virtude da eleição do republicano Eisenhower para a presidência dos Estados Unidos. Desta mudança no comando da política norte-americana resultaram 76 História e Economia Revista Interdisciplinar duas novidades: o acirramento da Guerra Fria, com a conseqüente decisão de prioridade para o combate ao comunismo e o abandono da política de Truman 9, o que significou a retirada dos financiamentos para os projetos elaborados pela Comissão Mista Brasil Estados Unidos. A nova orientação norte-americana em relação aos financiamentos governamentais para países do terceiro mundo coincidiu com a adoção, por parte do Eximbank, de condições duras para os empréstimos destinados a saldar dívidas comerciais e o encerramento dos trabalhos da CMBEU. O encerramento da Comissão, por sua vez, teve como desdobramento o fortalecimento das posições do Banco Mundial. Para a economia brasileira esta situação não era nada favorável, pois, segundo Vianna, as taxas de juros do Eximbank eram mais baixas e suas condições de financiamento mais suaves que as do Banco Mundial (VIANNA, 1990). Não podemos explicar esta alteração nas relações Brasil-EUA, o fim da CMBEU ou qualquer outra mudança de rumo nas orientações da política econômica, através de uma modificação na correlação de forças interna ou a uma atitude nacionalista de Vargas. Tais alterações devem ser atribuídas muito mais à mudança no governo norte-americano e à tentativa do Banco Mundial de ampliar sua tutela sobre as políticas econômicas dos países que demandavam crédito, bem como ao conflito entre o Eximbank e o próprio Banco Mundial. O novo governo norte-americano colocou-se explicitamente a favor das posi9 A política externa adotada pelo Governo Truman em relação aos países do bloco capitalista teve início com o discurso de Truman, em 12 de Março de 1947, diante do Congresso Nacional dos EUA, no qual o presidente assumiu o compromisso de defender o mundo capitalista contra o comunismo. A política de Truman visava conter o avanço do socialismo e a expansão da área de influência da União Soviética. A ajuda americana iniciou com a concessão de créditos para a Grécia e a Turquia e prosseguiu com a colaboração financeira dos Estados Unidos na recuperação da economia dos países europeus. No campo econômico a Doutrina Truman foi responsável pelo chamado Plano Marshall, mas a ajuda americana não se limitava ao campo econômico, estendendo-se ao campo militar, o que deu origem à Guerra Fria. ções do Banco Mundial, o que resultou em endurecimento das condições para a concessão de empréstimos. Tais fatores também contribuíram para o acirramento da crise cambial no Brasil. No ano de 1954, em virtude da crise e das pressões dos setores contrário às políticas econômicas implantadas em seu governo, Vargas suicidou-se e tomou posse o vice-presidente, Café Filho. Seu governo iniciou-se sem que os problemas relativos ao câmbio e ao déficit tenham sido resolvidos. Café Filho nomeou para o Ministério da Fazenda, Eugênio Gudin, que nomeou Clemente Mariani10 para o Banco do Brasil e Octávio Gouvêa de Bulhões para a SUMOC. O tripé que passou a comandar a economia brasileira a partir de 1954 possuía em comum alguns princípios: a crítica às políticas de desenvolvimento e de apoio às empresas públicas, a defesa do ingresso de capitais estrangeiros, a defesa da importância da agricultura brasileira frente à indústria, além da redução do crédito como ferramenta para o controle da inflação, e a convicção de que era preciso reduzir a participação do Estado na economia. Tendo como principal proposta o combate à inflação e o equilíbrio do déficit, o novo Ministro da Fazenda, Eugênio Gudin, baixou nova medida, através da SUMOC: a Instrução 113. Esta Instrução criava condições atraentes para o capital estrangeiro no país, através da concessão de licença, sem cobertura cambial, para importação de maquinaria para empresas estrangeiras associadas a empresas nacionais. A Instrução 113 harmonizava-se aos in10 Clemente Mariani foi deputado constituinte de 1946, saindo para assumir o Ministério da Educação e Saúde Pública, a convite do presidente, Eurico Dutra. No governo Café Filho foi convidado pelo Ministro da Fazenda, Eugenio Gudin, para assumir a presidência do Banco do Brasil. Manteve-se no cargo até a posse de João Goulart, quando voltou às suas atividades empresariais, quando criou um banco de investimento e de uma companhia financeira, ligados ao Banco da Bahia. Apud: ABREU. Alzira Alves de et allii. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro Pós-30. Rio de Janeiro: FGV/Positivo. 2001. Volume III. Pág. 3564 a 3568. teresses representados por Gudin no Ministério da Fazenda e suas idéias a respeito da validade do capital estrangeiro: Para atrair capital estrangeiro uni ou multinacional, devemos proporcionar: a) Instituições estáveis, com “regras do jogo” também estáveis em relação ao capital alienígena. b) Boa acolhida para a empresa afluente, dando-lhe as facilidades e proteção usuais. c) Liberdade de entrada como de saída para as reservas necessárias (GUDIN, 1978). Gudin possuía enorme prestígio junto à comunidade financeira internacional. Sua defesa intransigente da importância do capital estrangeiro como fator necessário ao desenvolvimento estava explícita em seus trabalhos: Em recente visita a Brasília, o Presidente do Conselho Diretor do City Bank felicitou os brasileiros “por não mais considerarem o investimento estrangeiro como uma ameaça a sua autonomia, e sim como expressão da confiança mundial em sua florescente economia.” Para quem, como eu trabalha durante mais de meio século procurando esclarecer a opinião do país no sentido de acolher a colaboração de um,a quota de poupança estrangeira e de desfazer o fantasma do perigo do capital invasor, é decerto confortador assinalar essa evolução da nossa mentalidade, acabando por compreender o quanto pode o capital externo contribuir para acelerar o desenvolvimento econômico nacional, tão carente de poupança e de tecnologia. (GUDIN, 1978) No entanto, apesar de todo este prestígio do Ministro, especialmente junto aos organismos financeiros internacionais, isto não foi suficiente para a obtenção de recursos junto a estas instituições. Cabe creditar este fato especialmente à mudança de orientação norte-americana, advinda com a eleição dos Republicanos, em 1953. Ao mesmo tempo, o desequilíbrio, resultante da redução das exportações de café, aprofundou a cri- História e Economia Revista Interdisciplinar 77 Câmbio: uma questão da política se cambial brasileira. Foi justamente o momento em que medidas de caráter mais efetivo, no sentido de captar investimentos externos, se faziam necessárias. Daí a adoção da Instrução 113. Mesmo sendo defendida pelo Ministro como medida de solução de longo prazo para a crise cambial e para o financiamento da industrialização, a Instrução 113 só foi possível em virtude do controle do Banco do Brasil e da SUMOC pelos intelectuais organizadores que apontavam para um processo de desnacionalização da economia brasileira como condição para o desenvolvimento: O nacionalismo exclusivista apresentava os argumentos mais curiosos. Um era o imperativo de se manterem no país os centros de decisão. Não foi fácil convencer esses nacionalistas bravios de que esses centros de decisão sempre estiveram nas mãos do governo, que empunha um arsenal de instrumentos com que pode afirmar sua soberania: tarifas aduaneiras, Cacex, Conselho de Desenvolvimento, política fiscal e outras glórias (GUDIN, 1978). A busca de equilíbrio monetário era a justificativa para a adoção da Instrução 113, mas seus reflexos, ainda durante o governo Café Filho, e mais tarde ao longo do governo JK, demonstram ter sido uma medida cujo principal objetivo era a atração de investimentos estrangeiros, como contraposição à política de redução dos créditos implementada pela gestão de Gudin. As declarações do Ministro ao jornal O Estado de São Paulo também são bastante esclarecedoras quanto às suas intenções: Aplicação de capitais Quanto às aplicações de capitais estrangeiros e nacionais, assegurou que amanhã ou depois deverão ser baixadas as instruções da SUMOC sobre o assunto. “Será regulamentada – declarou – a questão das aplicações de capitais estrangeiros destinados ao Brasil com capitais exclusivamente alienígenas, e não ca- 78 História e Economia Revista Interdisciplinar muflados. Também o capital nacional, interessado em adquirir aparelhamentos novos – não a compra de uma máquina ou de um caminhão – mas sim de um conjunto de aparelhamentos ou de uma fábrica completa, ou ainda, de um adicional completo – será regulamentada quando se tratar de financiamento.” Financiamento da produção Indagado sobre o decreto do financiamento da produção que vem sendo reclamado pelos produtores paulistas, o sr. Eugenio Gudin respondeu que o projeto foi submetido à apreciação de novo Conselho de Abastecimento, tendo sofrido ali a demora necessária ao estudo da matéria. “No momento – informou – já se encontra de volta o projeto, tendo sido realizada uma sessão para o debate final e encaminhando-se para o próximo despacho sua sanção.” 11 Segundo Almeida (2006, 107), o total dos investimentos estrangeiros no Brasil, facilitados pela Instrução 113, chegou à cifra de US$401 milhões de dólares, de um total de 565 milhões, no período entre 1955 e 1960. Isto demonstra o significado da Instrução 113 para a internacionalização da economia brasileira. Em declaração ao mesmo jornal, Bulhões, Superintendente da SUMOC, afirmava: Várias são as empresas estrangeiras que se mostram interessadas em trazer conjuntos de equipamentos para instalar novas fábricas no Território Nacional. Poder-se-ia condenar o ‘ investimento’ se se tratasse da simples entrada de um ou outro equipamento. Seria essa importação uma entrada sem pagamento de ágios que, na falta de uma adequada tarifa alfandegária, tem hoje um aspecto protecionista que não podemos esquecer. Tratando-se, porém, como disse, de uma fábrica inteira, a possibilidade desse conjunto, contendo um ou outro equipamento produzido no País, é menos condenável do que proibir-se a entrada de todo 11 DECLARAÇÕES DO MINISTRO GUDIN SOBRE AS PROVIDÊNCIAS DO GOVERNO. As aplicações de capitais estrangeiros e nacionais. Vai à sanção o decreto sobre o financiamento da produção. Jornal O Estado de São Paulo: São Paulo, Terça Feira,18 de Janeiro de 1955, Página 36. esse conjunto com o receio infundado de prejudicar-se a indústria nacional.12 Fica claro que a política desenvolvida durante este período tinha por objetivo primordial facilitar o ingresso de capitais estrangeiros. Mas, quando imaginamos que o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo iria combater este tipo de orientação, nos deparamos com o pronunciamento favorável do seu presidente. No dia 27 de janeiro, o Estado de São Paulo, publicava matéria com o pronunciamento do presidente do Centro das Indústrias: Julgamos também muito oportunas as observações de s.Exsa. sobre as diretrizes da Superintendência da Moeda e do Crédito à política de crédito, pronunciando-se decididamente em prol da seleção de crédito, salientando que já é tempo de complementar as medidas postas em execução pela SUMOC quanto à economia privada, com providências enérgicas relativas ao saneamento do orçamento federal, mediante a redução das despesas públicas. É oportuno acrescentar que, quanto a essa questão, tal apelo não significa uma crítica ao Sr. Ministro da Fazenda, mas ao contrário, um reforço de sua posição por parte de um líder de inegável prestígio das classes produtoras.13 No mesmo dia, a diretoria da então denominada Federação das Indústrias do Distrito Federal (Rio de Janeiro) reuniu-se e decidiu convidar o Sr. Octávio Gouvêa de Bulhões para realizar uma conferência neste órgão. Ela versou sobre a Instrução 113, objeto de críticas contundentes por parte destes empresários. A diretoria também deliberou que iria convocar dois representantes do Conselho de Exportação da entidade para “trabalharem” no órgão [na SUMOC], 12 O sentido das últimas instruções da SUMOC: Declarações do sr. Otávio Gouveia de Bulhões, diretor executivo daquele órgão. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, Quinta Feira,20 de janeiro de 1955, p. 44. 13 .As forças econômicas e o governo federal. O pronunciamento do presidente do Centro das Indústrias – Política cambial e de crédito, orçamento federal e entrada de capitais. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, Quinta Feira, 27/01/1955. p. 5 com o objetivo de obter alterações na Instrução que seriam do interesse da indústria. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 27/01/1955) Estas deliberações mostram que não se trata de um discurso nacionalista, mas explicitamente classista, que também descortina a participação de membros da Federação em agências do Estado, como é o caso do Sr. Renato Heinzelmann, integrante da Federação e que faz parte do comitê especial da CACEX. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955) A participação de um membro da Federação das Indústrias do Distrito Federal na CACEX possibilitou, ainda antes do lançamento da Instrução 113, um debate nas dependências da Federação sobre os problemas voltados para a exportação de produtos industriais. Na verdade, o debate versava sobre o preço do dólar, ou seja, sobre as formas como o governo pretendia lidar com a questão cambial, o que era vital para empresários que pretendiam adquirir maquinário no exterior. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955) O apoio destes industriais às políticas implementadas pelo governo Café Filho era explícito. Na reunião do Conselho de representantes do dia 11 de janeiro de 1955, eles lembraram que devemos também telegrafar ao Sr. Ministro da Fazenda, congratulando-nos com S. Excia, pela entrevista que deu a respeito do novo tratamento que o governo pretende adotar para com os investimentos estrangeiros em nosso país. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955) Ao contrário do que se poderia supor, os industriais brasileiros, já àquela altura, se posicionavam contra o que eles denominam de História e Economia Revista Interdisciplinar 79 Câmbio: uma questão da política “intervenção estatal acentuada”, além disso, se ressentiam com as restrições impostas pela Instrução 113 ao financiamento de suas empresas com capital internacional: O Sr Mario Ludolf manifesta-se contra essas congratulações, de vez que o critério anunciado pelo Ministro da Fazenda estabelece distinção entre as indústrias novas e as já existentes, pois a fórmula só tem interesse para indústrias que venham a estabelecer-se no país, de atividades ainda não exercidas, pois do contrário, a concorrência será evidente e fatal. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955) Na verdade, os industriais não estavam se contrapondo às facilidades criadas pela Instrução 113 ao ingresso de capitais estrangeiros, ou seja, não era um discurso nacionalista. Eles não discordavam quanto à participação do capital estrangeiro, mas reivindicavam regras que preservassem seus interesses, sem impedir a entrada de capital estrangeiro. O que estes empresários criticavam era a impossibilidade de utilizarem esta Instrução para captar financiamentos externos. O que pretendiam era exercer sua influência para garantir modificações nesta política, de forma a abrir espaço para a associação com os capitais internacionais. A participação de membros da Federação nos embates que se desenrolavam no interior da sociedade política fica demonstrada, quando, na mesma ata, podemos ver as formas de pressão exercidas pelos industriais em relação à Instrução 113: O economista Knaack de Souza14 responde a várias perguntas que lhe são dirigidas pelo plenário e comenta a Instrução cento e treze, que se refere a investimentos de capital estrangeiro no país, aludindo, por fim, a uma emenda apresentada pelo Senado ao projeto de lei que prorroga o regime de licença prévia, emenda esta essencialmente perigosa e até inconstitucional, pois que delega poderes ao Exe14 José Octávio Knaack de Souza era economista e pertencia à Confederação Nacional da Indústria. 80 História e Economia Revista Interdisciplinar cutivo para estabelecer sobretaxas de câmbio, caso este resolva extinguir o sistema de licitação atualmente em vigor. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 11/01/1955) Em abril de 1955, Gudin demitiu-se do Ministério da Fazenda. Os motivos de sua saída ainda não são um consenso entre aqueles que se debruçam sobre este período. Alguns acreditam que sua saída foi impulsionada pelo pedido de substituição da presidência do Banco do Brasil, outros pensam que o estímulo para que Gudin deixasse o cargo foram as reclamações dos cafeicultores contra o chamado confisco cambial. Quanto a este último motivo, consideramos que, por ser um quadro ligado aos interesses do café, seu nome não seria alvo de veto por parte dos cafeicultores. Observamos que as pressões, por parte do empresariado industrial, no sentido de garantir acesso mais amplo aos investimentos estrangeiros, poderiam ter tido peso político suficiente para derrubar o Ministro da Fazenda. Em abril do mesmo ano, a Federação posicionava-se a respeito da demissão de Gudin do Ministério da Fazenda: O Gal Octacílio Almeida, a propósito da demissão do Ministro da Fazenda, pede que a Casa pleiteie a permanência do diretor da CACEX, homem digno, que vem desempenhando o cargo de acordo com os altos interesses do país e em consonância com as aspirações das classes. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 05/04/1955) Na verdade, mais importante que a dignidade do diretor da CACEX, seriam os interesses de classe, e a manutenção de um representante destes interesses na agência. O que eles desejavam era a continuidade de um programa e não a simples permanência de um homem no cargo. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 05/04/1955) Do que estes empresários se ressentiam era uma maior participação nas agências do Estado: Agora mesmo está informado de que os ministros para assuntos econômicos do Itamaraty não são economistas e muitos deles são até estrangeiros, desconhecendo por completo as necessidades nacionais e as coisas do Brasil. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 12/04/1955) Porque, na verdade, sabiam que era na sociedade política que seus interesses deveriam ser defendidos: O Sr. José Pironnet solicita à Mesa providências no sentido de que o Governo não utilize a Instrução 113 da Sumoc, que permite a importação de máquinas, sem cobertura cambial, para instalação de novas indústrias no país, sem ouvir a Confederação Nacional da Indústria. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 20/07/1955) Para o presidente da Confederação Nacional do Comércio, que defendia a mínima intervenção do Estado na economia, a mudança das regras para as importações era proveitosa, do ponto de vista dos exportadores: O presidente da Confederação Nacional do Comércio, sr. João de Vasconcelos, falando à reportagem sobre as duas instruções que acabaram de ser baixadas pela SUMOC, afirmou que os primeiros pronunciamentos recebidos são favoráveis às medidas adotadas ali, destacando-se que pela primeira vez ficou estendida aos produtos gravosos o sistema de exportações até agora vigente para a exportação do café.15 Os representantes da Indústria da Fiação e Tecelagem em Geral de S. Paulo também eram contrários à intervenção do Estado na economia, ao mesmo tempo, reclamavam da nova Instrução 15 Manifesta-se o Presidente da CNC. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo, Quinta Feira,20 de janeiro de 1955, Página 44. e clamavam por uma política que fosse representativa de seus interesses: Sobre os reflexos da Instrução 113 da SUMOC, observou-se que a indústria têxtil vem há muito pleiteando a inclusão de teares automáticos na terceira categoria de importação, o que modificaria o conceito de licença e financiamento desse material. Acreditam os industriais que a nova instrução tenha dificultado ainda mais a importação.16 Em outubro de 1955, o Conselho de Representantes da Federação das Indústrias do Distrito Federal reunia-se mais uma vez, sem chegar a um acordo sobre a melhor forma de enfrentar a nova política cambial. Uma parte defendia que na Carta de Princípios da Indústria - a ser discutida por todos os empresários ligados a este setor - fosse incluída a prioridade para a indústria de base e de máquinas, especialmente quanto aos investimentos feitos pelo capital estrangeiro. Outros industriais consideravam que não se deveria restringir os investimentos estrangeiros a toda a produção, mas apenas a um setor da indústria. Sem fechar uma posição unificada, os industriais do Rio de Janeiro encerraram a reunião. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 18/09/1955) Em dezembro de 1955, na reunião do mesmo Conselho de Representantes, o Sr. Álvaro Ferreira da Costa relatou que um dos membros da Federação já havia conseguido barrar a entrada de uma empresa mexicana de equipamentos para montagem de rolhas, mas que a partir da Instrução 113, a empresa teria obtido facilidades para conseguir se instalar no Brasil. E reportava que várias empresas do ramo estavam se mobilizando para evitar este tipo de ingresso de capital. (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL, 13/10/1955) 16 A Instrução 113 da CACEX e a indústria têxtil. Jornal O Estado de São Paulo. Sábado, 22 de Janeiro. P.11. História e Economia Revista Interdisciplinar 81 Câmbio: uma questão da política Não seria de espantar que o discurso de posse do Ministro José Maria Alkmin, reproduzido pelo periódico Observador Econômico, expressasse uma tentativa de equilibrar pólos opostos: Os tradicionais exportadores de outros produtos agrícolas e de mineração também são atendidos em suas pretensões de ajustamento do valor de suas cambiais à realidade econômica do País. Procuraremos, outrossim, ajustar e possibilitar a exportação de nossos produtos industriais. Destarte, sem prejuízo da exportação agrícola que se desenvolverá com benéfico efeito em sua produção, iniciar-se-á a expansão da exportação industrial. Com isto, adotaremos realmente uma política de desenvolvimento, libertando o País da condição de só exportar café e fazendo com que o aumento da renda proveniente do incremento das exportações não se concentre em determinados setores, dando a estes uma capacidade de ação inflacionária, mas antes se distribua pelos diversos campos da produção. 17 Segundo Almeida (2006, 107), ao “herdar” a Instrução 113 do período anterior, o Governo Kubitschek obteve um excelente instrumento de substituição de importações que também facilitou a importação de equipamentos mediante a emissão de licenças de importação sem cobertura cambial. A Instrução também simplificou o processo burocrático, o que, em última instância, representou um reforço na própria industrialização brasileira, garantindo a entrada de capital estrangeiro para que o crescimento industrial se realizasse de maneira acelerada, como era a proposta do novo governo. De nossa parte, identificamos que a Instrução 113 expôs os conflitos entre as frações da burguesia que se desenvolviam neste período, na medida em que representou uma reorientação na política cambial: ao desencadear críticas e pres17 A presença do Estado. Trecho do Discurso de posse de José Maria Alkmin. In: O Observador Econômico - Janeiro de 1956. Ano XXI n. 239. p.15 82 História e Economia Revista Interdisciplinar sões por parte dos setores que se sentiam prejudicados com a concorrência do capital estrangeiro, poderia ter agradado aos empresários ligados à agricultura. Mas estes não foram beneficiados com a medida e, ao mesmo tempo, também se ressentiam, pois a aceleração no ritmo de expansão industrial levaria a balança a pender mais para o lado da indústria, comprometendo, assim o espaço conquistado e mantido pelo empresariado ligado à agricultura de exportação no interior da sociedade política. A mudança no sistema cambial ocorrida nos anos 50 não tinha por principal objetivo solucionar os problemas da balança de pagamentos. Na verdade, o que se pretendia era garantir uma ferramenta para a promoção da industrialização, garantindo a participação do capital estrangeiro neste processo. A prova dessa postura está na lei tarifária de1957 do SUMOC que também permitia a importação de equipamentos sem necessidade de cobertura cambial. Assim, o investidor estrangeiro poderia importar máquinas sob condição de concordar em aceitar pagamento pela participação do capital no empreendimento no qual o equipamento seria utilizado. Em 1957, ainda durante o governo JK, houve uma mudança básica no sistema cambial brasileiro, com a promulgação da lei 3244, onde foram introduzidas tarifas ‘ad valorem’ 18, que elevaram até a 150%, as categorias cambiais, reduzindo de 5 para 2, a categoria geral (matériasprimas, bens de capital), e a categoria especifica (eram os bens considerados não essenciais). De 1958 a 1961 o dólar no cambio livre estava abaixo da taxa aplicada pela categoria geral. Durante os últimos anos em que vigorou este sistema cambial, o governo cobrou empréstimos compulsórios tanto de exportadores 18 De acordo com o Tesouro Nacional, a expressão ad valorem significa conforme o valor. Assim um tributo “ad valorem” é aquele cuja base de cálculo é o valor do bem tributado. Contrasta com o tributo específico, arrecadado conforme uma dada quantia por unidade de mercadoria. quanto de importadores. Estes últimos pagavam um imposto denominado de ágio no mercado de leilões e recebiam a moeda seis meses depois. Os exportadores recebiam somente uma fração dos preços da moeda estrangeira em cruzeiros, e o saldo era investido em títulos públicos de seis meses no Banco do Brasil. Tratava-se ainda de forte intervenção estatal no câmbio, tão combatida pela Associação Comercial de São Paulo, mas que apesar das pressões, vigorou no país durante toda a década de 1950. Somente a partir das novas medidas econômicas implantadas pela equipe que assumiu, em 1964, as rédeas da economia brasileira, destacando-se, entre eles, Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto Campos, as regras cambiais começaram a mudar, culminando com o câmbio livre, adotado no país durante os anos 90. História e Economia Revista Interdisciplinar 83 Câmbio: uma questão da política Bibliografia: ABREU, Alzira Alves et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro Pós 30. Volume II. Rio de Janeiro: FGV/Positivo, 2001. ABREU, Marcelo de Paiva (org). A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990. ALMEIDA, Lucio Flavio de: Uma ilusão de desenvolvimento: nacionalismo e dominação burguesa nos anos JK. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2006. FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO DISTRITO FEDERAL. Atas das Reuniões do Conselho de Representantes de Janeiro de 1955 a dezembro de 1960. Rio de Janeiro: Arquivo FIRJAN. GUDIN, Eugênio. Reflexões e comentários: 1970-1978. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. Jornal O Estado de São Paulo: São Paulo, Janeiro de 1955. Biblioteca Nacional 84 História e Economia Revista Interdisciplinar Regimes Cambiais: A Teoria na Prática João Basilio Pereima Professor e Vice-Chefe do Departamento de Economia UFPR [email protected] Marcelo Curado Professor do Departamento de Economia da UFPR e Bolsista do Programa Cátedras para o Desenvolvimento do IPEA/CAPES [email protected] Resumo Este artigo trata da escolha e mudanças de regimes cambiais ao longo dos anos 1990 e 2000 em diversos países. O trabalho apresenta resultados empíricos que sugerem, particularmente a partir de 2003, a ampliação de facto dos regimes de administração da taxa de cambio real, contrariamente ao “consenso” teórico de que o regime de câmbio mais adequado ao sistema monetário internacional pós-Bretton Woods é o de cambio flutuante. Num cenário em que economias migram para regimes de tendência fixa, países que adotam de facto regimes de tendência flutuante podem encontrar-se numa posição perigosa quando o regime flutuante tende valorizar a moeda e os demais países com regimes de tendência fixa estabilizam suas moedas em um nível desvalorizado. Palavras-chaves: Regimes Cambiais, Macroeconomia, Câmbio Abstract This article deals with the choice and changes of foreign exchange regimes during the decades of 1990 and 2000 in different states. The paper shows some empirical results which suggest, mainly after 2003, that an increasing number of countries adopted managed exchange as opposed to floating exchange, the theoretical “consensus” established after Bretton-Woods. In a scenario where economies move to fixed rates, the countries that retain floating currencies can be drawn into a dangerous situation, in which their currencies appreciate unfairly. Key words: Exchange Regime, Macroeconomics, Exchange Classificação JEL: F31, N10.. História e Economia Revista Interdisciplinar 85 PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática Introdução E ste artigo tem como objetivo central contribuir para o debate sobre o papel da taxa de câmbio e, em especial da escolha do regime de câmbio, sobre o processo de desenvolvimento econômico das nações. A extensa discussão sobre a utilização recente de estratégias de crescimento do tipo export led growth pelos países do sudeste da Ásia e pela China, assim como o desenvolvimento do debate sobre o “medo de flutuar” das economias emergentes são exemplos importantes do desenvolvimento desta literatura. A contribuição mais específica deste trabalho encontra-se no debate sobre a escolha de regimes de cambiais e seus impactos sobre a economia. Em especial, o trabalho apresenta resultados empíricos que sugerem, particularmente a partir de 2003, a ampliação de facto dos regimes de administração da taxa de cambio real. A tendência seguida imediatamente após as crises cambiais dos anos noventa nos países emergentes foi profundamente revertida. O que de facto se observa é a migração dos países para regimes de tendência fixa a partir de 2003, elemento que fortalece os argumentos daqueles que defendem que de facto há uma preocupação das autoridades monetárias com o comportamento da taxa de câmbio real. Num cenário em que economias migram para regimes de tendência fixa, países que adotam de facto regimes de tendência flutuante podem encontrar-se numa posição ruim quando o regime flutuante tende valorizar a moeda e os demais países com regimes fixos estabilizam suas moedas em um nível desvalorizado. Após esta breve introdução, a seção 2 apresenta a discussão teórica sobre a relevância da taxa de câmbio para a economia a partir de contribuições de inspiração keynesiana. A seção 86 História e Economia Revista Interdisciplinar 3 apresenta o debate sobre a escolha e a importância dos regimes cambiais. A seção 4 apresenta a discussão sobre os regimes cambiais de jure e de facto. A seção 5 apresenta as evidências empíricas da tendência recente de administração de facto da taxa de câmbio. Finalmente, a seção 6 apresenta as considerações finais do trabalho. Taxa de Câmbio Real Importa? As teorias de crescimento econômico tradicionais dispensam pouca atenção para o papel da taxa de câmbio real e de suas flutuações sobre o comportamento das variáveis reais da economia. De uma forma geral, para esta literatura a política econômica e suas variáveis centrais – taxa de juros e taxa de câmbio – não desempenham papel relevante na trajetória de crescimento econômico de um país1 no longo prazo. Em sentido oposto, a literatura econômica de inspiração keynesiana sobre a relevância da taxa de câmbio no processo de crescimento econômico é vasta. Thirlwall (1979), Davidson (1997), Eichengreen (2004), Edwards (2006) e BresserPereira (2007) defendem a importância da taxa de câmbio para o processo de crescimento. A abordagem sobre a relevância da taxa de câmbio e seus impactos sobre as variáveis reais do sistema pode ser organizada em três linhas: 1.) o papel da taxa real de câmbio na competitividade externa do país; 2.) os efeitos do nível da taxa de câmbio sobre a estrutura produtiva e 3.) os impactos da volatilidade cambial sobre as decisões de investimento e sobre o crescimento econômico. O primeiro tema diz respeito ao papel das desvalorizações da taxa de câmbio sobre a competitividade externa dos países. O argumento é que a manutenção de uma moeda desvalorizada em termos reais contribui para ampliar a com1 Para uma discussão aprofundada sobre os determinantes do crescimento econômico de acordo com a literatura convencional recomendase a leitura de Barro & Sala-i-Martin (1995). petitividade externa e, portanto, as exportações líquidas do país, contribuindo desta forma para a ampliação da demanda agregada. Seguindo o argumento keynesiano a manutenção de níveis elevados de demanda, vinculados ao setor externo, contribui para a elevação sistemática dos níveis de atividade econômica. As estratégias de export led growth associadas à manutenção de políticas de desvalorização da moeda, especialmente os recentes exemplos do sudeste da Ásia e a China, são exemplos históricos importantes para esta literatura do papel desempenhado pela taxa de câmbio sobre o ritmo de expansão da demanda agregada e da atividade econômica, especialmente no curto prazo e em países emergentes. O efeito da taxa de câmbio real sobre a estrutura produtiva da economia é outro elemento discutido por esta literatura. A conjuntura econômica recente, pelo menos até a crise financeira de 2008 – que combinou ampla liquidez no mercado financeiro internacional e elevação dos preços das commodities exportadas por alguns países emergentes – tornou mais intensa a discussão sobre os efeitos de longo prazo da taxa de câmbio valorizada. Os superávits obtidos pelos países emergentes neste contexto contribuiriam para valorizar o câmbio, reduzindo a competitividade da economia, particularmente de setores exportadores de produtos industrializados com maior valor agregado e/ou conteúdo tecnológico. A valorização cambial contribuiria, portanto, para reduzir a rentabilidade de uma série de atividades com maior valor agregado e conteúdo tecnológico, gerando desta forma uma tendência de aumento da participação dos setores exportadores de commodities na economia. Este é, em síntese, o resultado central literatura que estuda o fenômeno da “doença holandesa” 2. O estabelecimento da relação entre câmbio real e estrutura produtiva torna evidente que os impactos da taxa de câmbio real sobre o sistema não podem ser entendidos como limitados ao curto prazo. Finalmente, vale à pena destacar a discussão sobre a volatilidade da taxa de câmbio e seus impactos sobre a economia. Os autores que analisam este canal de influência da taxa de câmbio geralmente trabalham com modelos de uma economia pequena com rigidez de salários na qual os choques exógenos são causados pela volatilidade cambial. O crescimento é medido pelo aumento na produtividade via investimento. O desenvolvimento do sistema financeiro - medido pela proporção do crédito em relação ao PIB ganha importância quando os proprietários das firmas têm duas opções diante do choque cambial: endividam-se e continuam investindo, ou se protegem do choque cessando os investimentos. Países que têm um sistema de crédito desenvolvido, o prêmio ao risco é muito mais acessível, como atestam alguns estudos empíricos. Aghion et al (2006), por exemplo, testaram a hipótese de que países com sistemas financeiros menos desenvolvidos são mais afetados pela volatilidade cambial. O trabalho analisa um conjunto de 83 países usando um painel dinâmico e encontra resultados que corroboram a hipótese proposta. Em países menos desenvolvidos, de acordo com os resultados do trabalho,quanto mais flexível for a taxa de câmbio, mais a volatilidade da taxa de câmbio real afeta o crescimento. Rocha, Curado & Damiani (2008) apresentam os resultados gerados por um painel dinâmico que testou a relação do crescimento econômico com a volatilidade cambial e a escolha do regime cambial para vinte e seis países, treze emergentes e treze desenvolvidos. Os re2 Para uma discussão mais desenvolvida sobre o tema recomenda-se a leitura de Bresser-Pereira (2007) e Palma (2004) História e Economia Revista Interdisciplinar 87 PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática sultados encontrados sugerem que o crescimento nos países emergentes é afetado pela volatilidade da taxa de câmbio e pela escolha do regime de câmbio. Evidências menos conclusivas são encontradas para os países desenvolvidos. Os resultados encontrados sustentam, através de trabalhos empíricos, a existência de uma relação negativa entre a volatilidade da taxa de câmbio real e o crescimento econômico, relação especialmente importante para os países emergentes. Em grande medida, esta relação pode ser justificada pela ampliação da incerteza derivada da flutuação da taxa de câmbio real e seus efeitos negativos sobre as decisões de investimento dos agentes econômicos, argumento defendido, entre outros, por Davidson (1997). Em síntese, há uma literatura econômica em franca expansão que busca vincular os níveis e a volatilidade da taxa de câmbio real com o comportamento de variáveis reais do sistema, em especial com o crescimento do produto real. Esta breve revisão da literatura, antes de ter como objetivo o tratamento á exaustão do tema, procurou apenas fornecer alguns exemplos de contribuições relevantes no debate que justificam que a escolhe re regimes cambiais não é um assunto resolvido na teoria macroeconômica. Regimes Cambiais Importam? A passagem do período de regime de câmbio administrado vigente na era BrettonWoods para regime flutuante após 1973 e a sucessão de crises cambiais que se abateu sobre várias economias desenvolvidas em desenvolvimento ao longo dos anos 1980 e1990 retomaram a discussão sobre relevância da escolha dos regimes cambiais e concluíram ao final por um “consenso” a cerca de que a melhor solução para os países, atualmente, são regimes flutuantes. No entanto a literatura se divide entre os que afirmam que regimes não importam e os que afir- 88 História e Economia Revista Interdisciplinar mam que regimes importam. Regimes não importam Uma primeira safra de estudos empíricos conclui pela irrelevância dos Regimes. Baxter and Stockman (1989), comparam os efeitos de diferentes regimes sobre séries temporais de agregados macroeconômicos que incluem produto, consumo, comércio internacional, gastos públicos e taxa real de câmbio de 49 países no pós-guerra. O estudo constata maior variação da taxa real de câmbio no regime flutuante comparado com o fixo entre diferentes países, mas não encontra diferenças nos demais agregados macroeconômicos. Flood e Rose (1995) analisam o efeito dos diferentes regimes sobre a moeda e o produto e chegam à constatação semelhante. Regimes fixos são menos voláteis que flutuantes, no entanto a volatilidade de outros agregados macroeconômicos como moeda e produto não variam muito entre diferentes regimes. Tais estudos sugerem que não existe um claro tradeoff entre reduzir a volatilidade cambial por meio da adoção de alguma variante de cambio fixo e promover a estabilidade macroeconômica. Isto significa dizer que não há custo nominal ou real em deixar a taxa de câmbio flutuar. Em linhas gerais estes estudos conflitam com a teoria macroeconômica tradicional (Friedman, 1953; Mundell, 1960; Flemming, 1962), que estabelece que países que adotam regime fixo assumem o ônus da perda do controle da política monetária. A teoria tradicional apóia-se no argumento de que a adoção de regime fixo, com vista a evitar volatilidade cambial, apenas a transfere volatilidade para outro espaço. As condições operacionais de uma econômica fora do equilíbrio “conservam volatilidade”, e se esta não se manifestar no câmbio, irá se manifestar em outra(as) variáveis. No caso do estudo de Flood e Rose a conclusão é de que a política monetária é invariante entre os regimes, contrastando com esta teoria. Regimes Importam Uma segunda safra de estudos empíricos, baseadas em reclassificação mais acurada do que seja de facto um regime fixo e flutuante, chegam a conclusões distintas. Levy-Yeyati e Sturzenegger (2003) analisando uma amostra de 183 países no período 1974-2000 e usando um esquema de reclassificação dos regimes por um critério de facto encontram evidência de que países em desenvolvimento com menor volatilidade na taxa de câmbio, isto é, com regime fixo, apresentam taxas menores de crescimento econômico. Para o caso dos países em desenvolvidos não há relação comprovada entre regime cambial e crescimento, de forma que para este grupo de países o regime é irrelevante. No caso de países não industriais, haveria uma relação negativa entre volatilidade cambial (regime flutuante) e taxa de crescimento. Outro trabalho, de Husain, Mody e Rogoff (2005, 36), usando também algoritmos de classificação de facto encontram evidências de que países industrializados com mercados financeiros desenvolvidos obtêm maiores benefícios em adotar regime flutuante. No caso dos países em desenvolvimento os resultados sugerem que países relativamente pobres com menos acesso ao mercado financeiro internacional obtém melhores performances quando adotam alguma variante de regime fixo. A performance neste estudo se refere à baixa taxa de inflação, isto é estabilidade nominal de preços, e à durabilidade do próprio regime. Estes resultados, no dizer dos autores, contrastam com a visão tradicional de que regimes pegs são universalmente instáveis e propensos às crises. Do ponto de vista dinâmico o trabalho também revela que à medida que os países se tornam mais ricos e financeiramente desenvolvidos, eles teriam ganhos se migrassem também de regimes de tendência fixa, para regimes de tendência flutuante. Aghion et al (2006), a partir de uma amostra de 83 países cobrindo o período de 1960 a 2000, mostram evidência de que a volatilidade da taxa real de câmbio tem efeitos “significantes” sobre a taxa de crescimento da produtividade no longo prazo. No entanto o efeito depende do grau de desenvolvimento financeiro do país. Países que combinam características de baixo grau de desenvolvimento financeiro com alta volatilidade cambial (regime flutuante) apresentam menores taxas de crescimento do produto, enquanto que para países com alto grau de desenvolvimento não existe efeito relevante. Em outro estudo Ghosh et al (1997), utilizando uma amostra de 140 países no período de 1960 a 1990 e uma classificação dos regimes em nove categorias, mostram as correlações entre regimes e agregados macroeconômicos: inflação e crescimento. As evidências mostram que a inflação é mais baixa e mais estável e, surpreendentemente, que a volatilidade real do câmbio é maior em regime nominalmente fixo. No entanto o crescimento econômico é pouco afetado, muito embora a taxa de investimento seja ligeiramente maior e a taxa de crescimento do comércio ligeiramente menor em regime fixo. Regimes fixos são caracterizados por estabilidade de preço à custa de estabilidade de crescimento. Broda (2004) usando análises autoregressivas (VAR) aplicadas a uma amostra de 75 países em desenvolvimento entre 1973 e 1996 avaliam se as respostas do produto, taxa real de câmbio e preços à choques nos termos de troca, diferem entre regimes cambiais. O estudo encontra respostas diferentes entre os regimes dando assim suporte empírico à hipótese de Friedman (1953) a qual diz que uma economia com preços rígidos deveria adotar um regime de cambio nominal flutuante para isolar-se contra choques reais. Edwards e Levy-Yeyati (2005) usando re- História e Economia Revista Interdisciplinar 89 PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática gressões FGLS3 aplicadas a uma amostra de 183 países desenvolvidos e em desenvolvimento entre 1974 e 2000 mostram os efeitos da absorção de choques nos termos de troca sobre a taxa de crescimento sob diferentes regimes cambiais. No caso destes últimos autores, eles encontram evidências de que choques nos termos de troca são amplificados em países que possuem regimes de câmbio mais rígidos, para ambos os países, industrializados e emergentes. Além disto, existe uma assimetria na resposta aos choques: a reação do produto é maior quando ocorrem choques negativos nos termos de troca do que quando ocorrem choques positivos. Estes resultados levam à conclusão de que regimes flexíveis ajudam os países a absorverem choque nos termos de troca reduzindo assim seus efeitos sobre o produto. Shambaugh (2004) testa a relação entre regimes cambiais de jure e taxa de juros com o objetivo de asseverar a validade da hipótese da “trindade impossível” para as economias abertas, a qual afirma que é impossível à qualquer economia controlar ao mesmo a taxa de cambio, a taxa de juros e o fluxo de capitais. Existe um trade-off entre a escolha de três objetivos: taxa de câmbio fixa, política monetária independente e mobilidade de capitais. Usando uma amostra de 155 países e dados mensais para o período de 1973-2000, o estudo compara os países com um país de referência escolhido como benchmark contra o qual comparar as variações na taxa de câmbio, na taxa de juros de curto prazo e no fluxo de capital. Se a trindade impossível existir, então países com regime fixo de facto apresentarão cointegração elevada entre as taxas de juros. Isto comprova que a política monetária do país analisado segue a do país base de modo a manter a paridade da taxa de juros e evitar fluxos de capitais que pressionem a taxa de câmbio para além da capacidade de controle das autoridades 3 FGLS – Feasible Generalised Last Squares. Procedimento econométrico aplicável aos casos de painéis não balanceados. 90 História e Economia Revista Interdisciplinar monetárias. Os resultados obtidos atestam a validade da trindade impossível e, portanto, que para o caso do controle da política monetária, regime cambiais importam. Na mesma linha de investigação Obstfeld, Shambaugh e Taylor (2005) detectam os limites que um regime fixo impõe sobre os graus de liberdade da política monetária. Klein e Shambaugh (2006a, 2006b) encontraram evidências da influência de regimes cambais, incluindo significantes efeitos positivos de regimes fixos sobre fluxo de comércio com exterior (2006a), sobre a autonomia monetária e crescimento (2006b). Por fim Klein e Shambaugh (2007), ao analisar uma amostra de países que fixam bilateralmente suas taxas (peg) possuem menor volatilidade multilateral também. Isto ajuda explicar diversas evidências empíricas que corroboram a importância do regime cambial sobre a atividade econômica demonstrada em diversos estudos empíricos. Regimes Cambiais de Jure e de Facto A definição do regime cambial de facto de uma economia não é uma tarefa trivial. Países que declaram (regime de jure) adoção de regime flutuante geralmente intervêm no mercado com o objetivo de evitar excesso de flutuação (fear of floating) e países que declaram regimes fixos permitem que a taxa de cambio flutue dentro de certos limites (“miragem”), tornando difícil a classificação exata dos regimes reais nas formas teóricas puras de regime fixo e flutuante. A prática na maioria das vezes não reflete com precisão o regime formal. Muitos países também não declaram compromisso com um ou outro regime e adotam políticas em ambos os sentidos de fixar ou deixar flutuar, sem comprometimento formal, mas com comprometimento a alguma meta não revelada ou não especificada com precisão. Desta forma uma história fidedigna dos regimes cambiais deve recorrer à critérios de classificação claros baseados na observação de séries temporais. As estatísticas descritivas e algoritmos de classificação utilizados para este fim permitem, para uma dada economia, a periodização ou detecção de alternâncias de regimes ao longo do tempo e podem se utilizar da observação não apenas de dados sobre taxas de câmbios, como também de outras variáveis macroeconômicas relacionadas à determinado regime cambial, como saldo do balanço de pagamentos, reservas e taxas de juros, que devem apresentar o comportamento previsto pela teoria para caracterizar este ou aquele regime. O caso se torna mais difícil no caso de regimes duais, com existência de mercados paralelos flutuantes que coexistem com um “mercado” administrado fixo, muito comum antes dos anos 1970. Outra dificuldade adicional refere-se à escolha de uma moeda ou cesta de referência contra a qual comparar a flutuação ou estabilidade da moeda local. Países podem manter sua moeda fixa em relação a uma determinada moeda e não em relação a outras. O problema pode ser minimizado com o uso de critérios de ponderação pelo fluxo de comércio. O problema de classificação também é minimizado nos casos de regimes fixos extremos do tipo conversibilidade (dolarização em alguns casos), currency board e união monetária. Ao longo dos anos 1990, um período de intensificação de crises cambiais que atingiram tanto países com regime de cambio fixo como também com regime de câmbio flutuante, a caracterização de regimes é mais difícil, pois vários países interferiram episodicamente nos momentos singulares das crises de forma que os regimes cambiais alternaram-se com mais frequência que períodos anteriores. Após o fim da era Bretton Woods em 1971-73, caracterizado pelo fim da promessa de conversibilidade do dólar em ouro por parte dos EUA, as taxas de câmbio passaram a flutuar. Tendo em vista os efeitos adversos das flutuações e objetivos diversos vários países adotaram alguma forma de regime fixo após o início dos anos 1970. A manutenção deste regime durante um prolongado período de tempo cobrou um preço muito alto aos bancos centrais comprometidos com alguma taxa fixa de câmbio, levando a perdas maciças de reservas em pouco período de tempo e a perda de credibilidade sobre a capacidade de defesa do regime fixo. Os regimes fixos geralmente acabaram repentinamente na forma de graves crises cambiais com overshootings. Como exemplo pode-se citar o caso do Banco Central da Inglaterra que teria gasto aproximadamente US$ 5 bilhões de reservas em poucas horas, na tentativa de manter a libra em setembro de 1992. A libra desvalorizou 15,1% em termos reais entre julho e novembro de 1992 e permaneceu desvalorizada até janeiro de 1996 quando inicia um novo ciclo de valorização. Muitos outros países desenvolvidos e em desenvolvimento apresentaram histórias semelhantes, em que um regime de cambio fixo culmina numa crise cambial seguida de mudança para regime flutuante. A caracterização dos regimes de cambio fixo como sendo de fato fixo foi tratado por Obstfelt e Rogoff (1995, 73). A tentativa de “recolocar o gênio do cambio flutuante dentro da sua garrafa é fácil de prometer, difícil de realizar”. Mesmo os regimes ditos de câmbio fixo comportam, de facto, algum grau de flutuabilidade, decorrendo dai a metáfora da “miragem” dos regimes fixos. Partindo do outro extremo Calvo e Reinhart (2002) afirmam que vários países, apesar de declararem a opção de regimes cambiais flutuantes, por temor dos efeitos negativos de grandes flutuações (overshootings), eles de fato adotaram alguma forma de intervenção no mercado restringindo as flutuações. O medo de flutuar (“fear of floating”) leva a algum grau de rigidez. História e Economia Revista Interdisciplinar 91 PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática Desta feita, tem-se uma situação um tanto desconcertante. Os câmbios fixos são mais flutuantes ao mesmo tempo em que os câmbios flutuantes são mais fixos do que se imagina. A tentativa de reinterpretar estes fatos desconcertantes levou Reinhart e Rogoff (2002, 2004) à propor um algoritmo de reclassificação dos regimes cambiais que inclui 14 regimes diferentes que vai do mais rígido ao mais flexível dos regimes. Regimes: Volatilidade e Mudanças entre 1994-2007 Atualmente há um entendimento generalizado de que uma das conseqüências da globalização financeira ocorrida nos últimos trinta anos, desde os anos 1980, é a de que as opções de políticas macroeconômicas, especialmente em economias abertas, incluam obrigatoriamente três elementos: metas de inflação (ou alguma variante de metas não explícitas); mobilidade de capital e cambio flutuante. A recomendação de adoção de regimes de câmbio flutuante é uma conseqüência da hipertrofia dos mercados financeiros e das ondas de crises cambiais que varreram as economias desenvolvidas e em desenvolvimento nos anos 1980 e 1990. Estas forças reais estariam por trás das “miragens” que acometiam policy makers e analistas neste período, levando-os à falsa interpretação de que os câmbios eram de fato fixos. Desta feita, espera-se que atualmente exista um grande número de países que adotam alguma variante de regimes flutuantes coexistindo com um pequeno grupo de países que insistem nadar contra a corrente, fixando em alguma media suas moedas. Bem, esta seção mostra que os dados empíricos revelam outra tendência. Os países com regimes de tendência fixa predominam e número de países que aumentaram a rigidez de sua moeda é maior do que o número de países flutuou mais. A correnteza pode estar mudando, como 92 História e Economia Revista Interdisciplinar numa mudança de maré. Analisando os dados atualizados até 2007, pré-crise, por Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008), que disponibilizam suas classificações mensais dos regimes de cambio de facto de vários países, encontramos um fato que consideramos surpreendente. Contrariamente à visão estabelecida de que no cenário atual de grande mobilidade de capital e hipertrofia dos mercados financeiros os países não teriam outra alternativa senão conviver com flutuação ou volatilidade cambial, os dados mostram que houve nos anos 2003 a 2007 um movimento de vários países abandonando alguma versão de câmbio flutuante caminhando em direção a regimes de tendência fixa. Os itens a seguir tratam das mudanças na volatilidade cambial e nos regimes cambiais a partir da década de 1990, separando a análise em termos de volatilidade e classificação dos regimes e separando o período em dois momentos: 1994-2002 e 2003-2007. Volatilidade cambial no período 1994-2007 Para demonstrar o comportamento da volatilidade cambial usamos o índice das taxas reais de cambio do Bank for International Settlements (BIS) 4. Para medida de volatilidade cambial usamos a forma simplificada do desvio padrão da variação mensal da taxa real de câmbio não condicionada à qualquer outra medida, tal como tem sido usado na literatura. Devereux e Lane (2003), por exemplo, usam critérios mais sofisticados para determinar volatilidades bilaterais. A volatilidade depende das variações da taxa de câmbio de um país/região tomado como parceiro representativo, o qual pode ser uma área monetária ótima, ao estilo de Mundell (1961), ou a um conjunto com os quais há uma relação comercial e financeira intensa. Em nosso caso 4 Série “BIS effective echange rate índices” EER, CPI based, para amostra “broad” de países. tomamos a taxa variação mensal do índice CPIbased EER do BIS o qual é calculado com base na média ponderada do fluxo de comércio entre os países. Para uma avaliação da metodologia de cálculo ver BIS (2006). O comportamento da volatilidade cambial ao longo da década de 1990 e da primeira década do século XXI tem apresentado muita variação, globalmente. Um fato estilizado importante é que se observa uma acentuada redução da volatilidade, com poucos países apresentando desvios padrões elevados em suas taxas reais de cambio após 2003. Enquanto que no período 1994-2002 dezenove países apresentavam desvio padrão da taxa real de câmbio igual ou acima de 2,0% ao mês, este número se reduziu para apenas nove casos no período 2003-2007. A grande maioria dos países apresenta desvios-padrão abaixo dos 2,0%. Os histogramas mostrados na figura 1, abaixo, revelam um aumento no número de países que apresentam menor volatilidade das taxas de câmbio. Este comportamento fica evidente pela redução do número de países na cauda direita do painel “b”, comparado ao painel “a”. Figura 1 – Distribuição de Frequência dos países, segundo os desvios padrões das variações mensais da taxa real de câmbio 1994-2002 e 2003-2007 - (Total 58 países) a.) Período 1994-2002 b.) Período 2003-2007 A tabela 1 a seguir mostra a volatilidade cambial da amostra de 58 países para os quais o BIS calcula o índice da taxa efetiva de câmbio. A tabela inclui uma coluna sobre a classificação adotada pelo FMI em 2007 para cada país, onde 1 representa regime fixo e 4 regime flutuante e 2 e 3 regimes intermediários. Os dados desta coluna foram tirados de Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008). Além disto, dada a disponibilidade de dados atualizados até março de 2010, portanto até o período pós-crise, incluímos uma coluna comparando a volatilidade do período de crise 2008-2010. Por fim a última coluna mostra a tendência da volatilidade média comparando os períodos 1994-2002 e 2003-2007. Os sinais indicam a direção da mudança e o que se observa é que a grande maioria dos países apresentou redução na volatilidade ao longo do período. Predominam os sinais negativos. Em termos gerais, destacam-se alguns fatos interessantes. O principal deles é de que a volatilidade média observada no período da grande crise financeira mundial entre 2008-2010 é o mesmo observado no período 1994-2002, de 2,1% ao mês, em cada período (ver última linha da tabela 1). O segundo fato é a natureza dos países que apresentaram maiores volatilidades no período da crise: Venezuela (8,4%), Islândia (5,3%), Rússia (4,7%), África do Sul (4,5%) e Brasil (4,0%). Estes casos são importantes porque as maiores volatilidades durante a crise estão associadas com países de alguma forma, dependentes, expostos e vulneráveis à economia internacional, com exceção do Brasil. Venezuela e Rússia foram particularmente afetados pelo esvaziamento da bolha do petróleo nas bolsas de futuros. A Islândia é um país exportador e, além disto, teve graves problemas História e Economia Revista Interdisciplinar 93 Padronização técnica no Brasil... com seu setor financeiro altamente alavancado. Os três maiores bancos, Glitnir, Landsbanki and Kaupthing possuíam passivos financeiros que ultrapassavam seis vezes o produto nacional bruto (BBC, 2008) e faziam vultosas operações de carry-trade numa situação semelhante ao que tem ocorrido em escala menor no Brasil nos últimos dez anos. A África do Sul tem enfrentado problemas com inflação, déficits em conta corrente da ordem de 7,0% do GNP e com o preço de commodities exportáveis (FMI, 2008). O Brasil é o único país entre os cinco mais voláteis na crise, a apresentar bons fundamentos econômicos e sistema financeiro robusto, mesmo assim não esteve isento do problema da volatilidade cambial o que reflete o caráter peculiar de seu regime cambial, que precisa ser analisado com mais profundidade. A indicação do movimento de tendência de redução da volatilidade pode ainda ser observado pela soma da diferença entre os períodos 1994-2002 e 2003-2007, mostrado ao fim da tabela. A soma, que pode ser entendida como uma medida de distância percorrida por cada país, indica que a volatilidade total é – 43,2%. O número em si não possui significado econômico, mas revela que a tendência de redução da volatilidade nos períodos foi grande. Tabela 1 – Volatilidade Cambio por País em três períodos e Tendência - (Total 58 países) Por fim, no que se refere à volatilidade cambial, a figura 2 a seguir mostra a evolução do desvio padrão de 12 meses acumulados para uma amostra selecionada dentre os 58 países que constam nos dados do BIS. A escala dos gráficos foi padronizada de tal forma que a leitura visual é direta. Os painéis individuais mostram como o desvio padrão tem evoluído, pela oscilação das curvas, bem como o nível em que flutuam as taxas, pela altura de cada linha. Novamente o caso 94 História e Economia Revista Interdisciplinar Data FMI 2007 DesvPad 1994-2002 DesvPad 2003-2007 DesvPad 2008-2010 Algeria 3 3,0% 2,0% 2,8% Argentina 3 4,6% 1,7% 2,3% Australia 4 2,1% 1,9% 3,8% Austria 1 0,7% 0,4% 0,6% Belgium 1 0,8% 0,6% 0,8% Brazil 4 4,4% 2,9% 4,0% Bulgaria 1 7,1% 1,1% 0,9% Canada 4 1,1% 1,8% 2,5% Chile 4 1,7% 1,8% 3,2% China 1 2,1% 1,8% 2,4% Chinese * 1,5% 1,2% 1,4% Croatia 3 1,1% 0,7% 0,7% Cyprus 1 1,6% 1,0% 1,2% Czech 3 1,7% 1,2% 2,3% Denmark 1 0,8% 0,5% 0,8% Estonia 1 1,8% 0,9% 1,0% Euro area * 1,5% 1,2% 1,8% Finland 1 1,2% 0,7% 1,0% France 1 0,8% 0,6% 0,8% Germany 1 1,0% 0,8% 1,1% Greece 1 1,2% 1,1% 1,4% Hong Kong 1 1,3% 1,0% 1,7% Hungary 1 1,5% 1,7% 3,2% Iceland 4 1,2% 2,6% 5,3% India 3 1,5% 1,4% 1,9% Indonesia 3 8,1% 2,3% 3,2% Ireland 1 1,1% 0,9% 1,3% Israel 4 1,7% 1,3% 1,9% Italy 1 1,3% 0,6% 0,8% Japan 4 2,8% 1,7% 3,4% Korea 4 3,6% 1,3% 3,8% Latvia 1 1,4% 0,8% 1,3% Lithuania 1 1,6% 0,6% 1,2% Taipei Republic Malaysia 3 2,5% 1,0% 1,0% -1,5% - Malta 1 1,4% 1,5% 1,6% Mexico 4 4,4% 1,7% 3,5% 0,1% 0,2% + -2,7% -0,9% Nether- 1 1,0% 0,7% 1,1% - -0,3% 0,1% - 4 1,8% 2,1% 2,7% 0,3% 0,9% + Norway 4 1,1% 1,7% 2,0% 0,6% 0,9% + + Peru 3 + Philippines 4 1,4% 1,0% 1,5% -0,4% 0,1% - 2,4% 1,7% 1,5% -0,7% -0,9% 0,3% - Poland - 4 2,1% 1,8% 3,3% -0,3% 1,2% - -0,1% - Portugal 1 0,7% 0,5% 0,7% -0,2% 0,0% - Romania 3 3,8% 1,6% 1,8% -2,2% -2,0% - Russia 3 6,1% 3,4% 4,7% -2,7% -1,4% - Saudi 1 1,3% 1,3% 1,9% 0,0% 0,6% = Singapore 3 0,9% 0,8% 0,8% -0,1% -0,1% - Slovakia 1 1,4% 1,5% 1,2% 0,1% -0,2% + Slovenia 1 0,8% 0,6% 0,7% -0,2% -0,1% - South 4 3,2% 3,1% 4,5% -0,1% 1,3% - 2002 x 2007 Crise x 2007 Tendência 2002/ 2007 -1,0% -0,2% - -2,9% -2,3% - -0,2% 1,7% - -0,3% -0,1% -0,2% 0,0% - -1,5% -0,4% - land -6,0% -6,2% - 0,7% 1,4% 0,1% 1,5% -0,3% -0,3% -0,4% -0,4% - -0,6% -0,4% - -0,5% 0,6% - -1,5% lands New Zea- Arabia -0,3% 0,0% - -0,9% -0,8% - -0,3% 0,3% - -0,5% -0,2% - Africa -0,2% 0,0% - Spain 1 0,7% 0,6% 0,9% -0,1% 0,2% - -0,2% 0,1% - Sweden 4 1,4% 1,2% 2,1% -0,2% 0,7% - -0,1% 0,2% - Switzerland 4 1,3% 1,0% 1,4% -0,3% 0,1% - -0,3% 0,4% - Thailand 3 3,3% 1,0% 1,2% -2,3% -2,1% - 0,2% 1,7% + Turkey 4 4,7% 3,2% 3,3% -1,5% -1,4% - 4 1,3% 1,1% 2,5% -0,2% 1,2% - 4 1,1% 1,1% 1,8% 0,0% 0,7% = - 1,4% 4,1% + United -0,1% 0,4% - -5,8% -4,9% - Kingdom -0,2% 0,2% - -0,4% 0,2% - -0,7% -0,5% - -1,1% 0,6% - -2,3% 0,2% - -0,6% -0,1% - -1,0% -0,4% - United States Venezuela Variação 1 5,2% 3,7% 8,4% -1,5% 3,2% * 2,1% * 1,4% * 2,1% **- ** 43,2% -2,3% Geral Fonte: BIS. Elaborado pelos autores. Nº de Países = 58 * Média. ** Soma História e Economia Revista Interdisciplinar 95 PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática brasileiro é emblemático, pois apresentou um padrão altamente oscilante durante um período muito longo. Um padrão que contrasta com os regimes mais estáveis de seus principais parceiros comerciais e financeiros: EUA, China e Zona do Euro. Figura 2 - Evolução da Volatilidade (Desvio Padrão) de 12 meses - jan1995 a mar-2010 Fonte: BIS. Elaborado pelos autores Obs.: A volatilidade é medida pelo desvio padrão das variações mensais da taxa real de câmbio no intervalo de 12 meses. Os gráficos de cada país estão todos em escala fixas e iguais, de modo que a comparação visual da magnitude dos desvios padrões é direta. Regimes Cambiais no período 1994-2007 Esta seção se apóia largamente nos dados disponibilizados por Ilzetski, Reinhart e Ro- 96 História e Economia Revista Interdisciplinar goff (2008). Os autores aplicam um algoritmo de classificação de regimes cambiais para determinar o regime cambial de facto de cada país. O método esta descrito em Reinhart e Rogoff (2004) e em geral leva em consideração não apenas a magnitude da variação da taxa de cambio, mas também de outros agregados macroeconômicos relacionados com o câmbio. Os autores usam dois sistemas de classificação. Um sistema baseado em seis regimes, indo do mais rígido (1) ao mais flutuante (6). O segundo sistema de classificação possui uma gradiente maior, com 14 regimes. Preferimos usar a classificação de 6 regimes por ser mais simples. Os resultados não se alteram se for adotado o sistema de classificação mais detalhado. Os resultados são resumidos na tabela 2 e reportados em mais detalhes na tabela 3 e figura 3 a seguir. Os dados da tabela 2 foram calculados a partir da tabela 3 e mostram os movimentos migratórios dos países entre os regimes cambiais. Os movimentos foram classificados em quatro tipos, conforme consta na coluna direção da tabela 2. A tabela 3 mostra a moda de cada país em cada período. Assim, tomandose como exemplo o caso da Albânia, o regime cambial mais freqüente no período 1994-2002 foi o regime tipo 4, que é flutuante numa escala de 1 a 5. A Albânia sofre uma mudança de regime em direção ao regime tipo 2, de características mais fixas. Seu movimento (distância entre as modas) é portanto -2. Como o movimento é negativo a direção da mudança é do tipo A – Flexível para Fixo e portanto a Albânia é um dos 27 países classificados com A na tabela 2. Tabela 2 - Resumo das Mudanças de Regime A tabela 2 resume a tendência geral dos regimes cambiais de facto até antes da crise financeira. Os dados revelam um comportamento Tipo Direção Qtde % A Flexível para Fixo 27 16,5% B Fixo para Flexível 13 7,9% C Estável em Fixo 93 56,7% D Estável em Flexível 23 14,0% nd 8 4,9% Total Não Disponível 164 100,0% Total Movimento (Σ Mov) -33 Calculado a partir da tabela 1. real dos países diferente daquele previsto pela teoria macroeconômica que estabelece a necessidade de adoção de regimes de câmbio flutuante. Mesmo sendo um período de reformas liberalizantes, especialmente no que se refere aos fluxos de capitais financeiros, a realidade mostra que os países estão caminhando em direção a regimes mais fixos e não o contrário. De um total de 164 países, 56,7% são classificados em regimes fixos estáveis (1 e 2) e 16,5% migraram de um regime mais flutuante em direção à um regime mais fixo. Pode ocorrer neste resultado que um país migre de 4 para 3, permanecendo como um regime flutuante (embora um pouco menos), como é o caso do Haiti, ou de 5 para 4, como é o caso da Turquia mas estes casos são poucos. O resultado geral é de que o saldo dos movimentos de menos para mais flutuante e vice versa foi negativo em 33, digamos, pontos. Isto significa que os regimes cambiais mundo afora, são mais rígidos e não menos, como quer dar à entender parte da teoria macroeconômica prevalecente nos anos 1990 e 2000. Por fim os painéis da figura 3 mostram a evolução dos regimes cambiais. O eixo vertical dos gráficos contém a classificação dada pelo algoritmo de classificação de Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008) para cada mês, o qual pode variar de 1 a 6. Portanto a cada mês, desde janeiro de 1994 até dezembro de 2007 temos, para os países selecionados, um ponto no tempo à uma altura que varia de 1 a 6. Os painéis mostram um fato esperado e nada surpreendente que os regimes se alteram poucas vezes no tempo, sendo que alguns países permaneceram nos mesmos regimes todos os períodos. As conseqüências destes resultados serão exploradas na conclusão deste artigo. A apresentação destas evidências descritivas sobre regimes cambiais revela o quão importante ainda é o problema da determinação dos regimes cambiais adequados a uma economia. Este debate parece ter sido parcialmente deixado de lado pelo entendimento de que atualmente o regime adequado é flutuante. Não parece ser este o caso. Tabela 3 - Mudanças de regimes entre os períodos 1994-2002 e 2003-2007 Moda 94-02 Moda Albania 4 2 -2 A Algeria 2 2 0 C Anguilla 1 1 0 C Bahrain Antigua Barb 1 1 0 C Argentina 1 2 1 B Armenia 2 2 0 C Belarus País 03-07 Mov Tipo Mov. Moda 94-02 Moda Azerbaijan 2 2 0 Bahamas 1 1 0 C 1 1 0 C Bangladesh 2 2 0 C Barbados 1 1 0 C 5 2 -3 A País 03-07 Mov Tipo Mov. C Australia 4 4 0 D Belgium 1 1 0 C Austria 1 1 0 C Belize 1 1 0 C História e Economia Revista Interdisciplinar 97 PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática Moda 94-02 Moda Benin 1 1 0 C Bhutan 1 1 0 C País 98 03-07 Mov Tipo Mov. Moda 94-02 Moda Georgia 3 2 -1 A Germany 4 1 -3 A País 03-07 Mov Tipo Mov. Bolivia 2 2 0 C Ghana 5 2 -3 A Bosnia Herzeg 1 1 0 C Greece 1 1 0 C Botswana 2 3 1 B Grenada 1 1 0 C Brazil 2 3 1 B Guatemala 2 2 0 C Brunei 2 2 0 C Guinea 2 3 1 B GuineaBissau 1 1 0 C Guyana 2 2 0 C Haiti 4 3 -1 A Kyrgyz Rep 5 2 -3 A Lao 5 nd nd nd Latvia 3 2 -1 A Lebanon 1 1 0 C Lesotho 1 1 0 C Liberia 6 nd nd nd Libya 3 nd nd nd Liechtenstein nd nd nd nd Lithuania 1 2 1 B Luxembourg 1 1 0 C Macedonia 2 1 -1 A Madagascar 3 3 0 D Malawi 3 2 -1 A Malaysia 1 1 0 C Maldives 1 1 0 C Mali 1 1 0 C Malta 3 1 -2 A Marshall Is 1 1 0 C Mauritania 2 2 0 C Mauritius 2 2 0 C Mexico 3 3 0 D Micronesia 1 1 0 C Moldova 1 2 1 B Monaco 1 1 0 C Mongolia 1 1 0 C Morocco 2 2 0 C Mozambique 1 2 1 B Bulgaria 1 1 0 C Burkina Faso 1 1 0 C Burundi 3 2 -1 A CAR 1 1 0 C Cameroon 1 1 0 C Canada 2 3 1 B Chad 1 1 0 C Chile 3 3 0 D China 1 1 0 C Colombia 3 3 0 D Congo, Dem. 4 4 0 D Congo, Rep. 1 1 0 C Costa Rica 2 2 0 C Cote D'Ivoire 1 1 0 C Croatia 2 2 0 C Cyprus 1 1 0 C Czech Rep 3 2 -1 A Denmark 2 1 -1 A Dominica 1 1 0 C Dominican Rep 2 3 1 B Ecuador 3 1 -2 A Egypt 1 1 0 C El Salvador 1 1 0 C Equat Guinea 1 1 0 C Estonia 1 1 0 C Ethiopia 2 2 0 C Finland 1 1 0 C France 1 1 0 C Gabon 1 1 0 C Gambia 2 2 0 C História e Economia Revista Interdisciplinar País Moda 94-02 Moda 03-07 Mov Tipo Mov. País Moda 94-02 Moda 03-07 Mov Tipo Mov. Myanmar 6 6 0 D St Vincent Gr 1 1 0 C Nepal 2 2 0 C Sudan 2 2 0 C Netherlands 1 1 0 C Suriname 5 1 -4 A New Zealand 3 3 0 D Swaziland 1 1 0 C Nicaragua 2 2 0 C Sweden 3 3 0 D Niger 1 1 0 C Switzerland 2 3 1 B Nigeria 3 3 0 D Syria 3 3 0 D Norway 3 3 0 D Tajikistan 5 2 -3 A Pakistan 2 2 0 C Tanzania 2 2 0 C Panama 1 1 0 C Thailand 3 3 0 D Papua New G. 2 2 0 C Togo 1 1 0 C Paraguay 2 3 1 B Trinidad Tob 2 2 0 C Peru 2 2 0 D Tunisia 2 2 0 C Philippines 3 2 -1 A Turkey 5 4 -1 A Poland 3 3 0 D Turkmenistan 6 nd nd nd Portugal 1 1 0 C UK 3 3 0 D Puerto Rico 1 1 0 C US 4 4 0 D Qatar 1 1 0 C Uganda 3 2 -1 A Romania 5 3 -2 A Ukraine 5 1 -4 A Russia 5 2 -3 A Uruguay 2 2 0 C San Marino 1 1 0 C Venezuela 2 6 4 B Saudi Arabia 1 1 0 C West Bank G 1 1 0 C Senegal 1 1 0 C Zambia 5 4 -1 A Singapore 3 3 0 D Zimbabwe 3 nd nd nd Slovak Rep 2 2 0 C Uganda 3 2 -1 A Slovenia 2 1 -1 A Ukraine 5 1 -4 A South Africa 4 4 0 D Uruguay 2 2 0 C Spain 1 1 0 C Venezuela 2 6 4 B Sri Lanka 2 2 0 C West Bank G 1 1 0 C St Kitts N 1 1 0 C Zambia 5 4 -1 A St Lucia 1 1 0 C Zimbabwe 3 nd nd nd Fonte: Classificações mensais: Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008). Moda e movimento calculado pelos autores. História e Economia Revista Interdisciplinar 99 PRegimes Cambiais: A Teoria na Prática Figura 3 - Movimentos mensais entre regimes 1994-2007 - Alguns países mes fixos desde longa data, sendo que a mudança de regimes flutuantes para regimes mais rígidos se acentuou no período 2003-2007 em comparação ao período 1994-2002. Em alguma medida este movimento pode ser explicado tanto pelo reconhecimento recente da importância da taxa de câmbio sobre o crescimento no plano acadêmico, quanto pela constatação prática das autoridades monetárias de diversos países sobre a existência de políticas claramente direcionadas para a manutenção de certos patamares da taxa de câmbio real, contrariando assim as teses convencionais das vantagens existente nos regimes de flutuação pura. Fonte: Classificações mensais: Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008). Elaborado pelos autores. Considerações finais A revisão da literatura e os dados apresentados neste estudo apontam para um caminho mais pragmático da escolha do regime cambial. O caminho pragmático é preferível a uma solução polar livremente flutuante tal como recomendada por instituições internacionais como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e outras instituições mundiais. A literatura empírica recente tem ressaltado que a escolha dos regimes de câmbio tem efeitos reais na economia de modo que a escolha é uma decisão de política econômica extremamente relevante. Como mostrado na seção cinco os países, de forma geral e predominante, estão adotando alguma variante de regimes fixos ou estão estabilizados em regi- 100 História e Economia Revista Interdisciplinar Neste cenário, países que adotam de facto regimes de tendência flutuante podem encontrarse numa posição ruim quando o regime flutuante tende valorizar a moeda e os demais países com regimes fixos fixam suas moedas em um nível desvalorizado. Isto é o que está acontecendo com o Brasil, em relação aos seus principais parceiros da União Européia e China que possuem regimes de tendência fixa. O gráfico abaixo mostra a evolução da taxa real de câmbio entre estes países e a posição valorizada da moeda brasileira em relação às demais. Gráfico - Evolução Taxa de Cambio Real - Brasil, EUA, UE, China Os dados apresentados tornam evidente a falta de preocupação das autoridades monetárias brasileiras em relação ao tema da valorização da taxa de câmbio real. Note-se a estratégia diferenciada em momentos distintos em termos de escolha de regime de câmbio. Entre 1995 e 1998 o país administrou a taxa de câmbio nominal num sistema de bandas cambiais e manteve sua moeda valorizada em relação à grandes parceiros comerciais. Recentemente, o movimento de valorização do câmbio real se deu concomitantemente a utilização de um sistema de flutuação cambial. Os argumentos elencados neste estudo sugerem uma mudança deste cenário. A utilização de um regime de flutuação cambial de facto com valorização da taxa de câmbio, tendo em vista os elementos discutidos, além de contrariar a tendência internacional, como apresentado na seção 5 do trabalho, contribui para a redução na capacidade de crescimento de economia brasileira. Os dados apontam para a necessidade de estudos históricos e empíricos analisando o que os países estão de facto fazendo de suas políticas cambiais tanto quanto as causas que estão por detrás deste movimento em direção a alguma forma de rigidez. Por fim, ressaltamos que a questão de se a redução da flutuação ocorreu por um aumento da estabilidade macroeconômica mundial entre 2003 e 2007 (se é que houve) ou por adoção de controles administrativos ou intervenções no mercado cambio via mecanismos de mercado é uma questão a ser aprofundada, e esta além do objetivo deste artigo. História e Economia Revista Interdisciplinar 101 Padronização técnica no Brasil... 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ALGERIA -0,25% -0,02% 7,05% -25,19% 2,75% -3,765 36,815 9701,056 0,000 -0,491 0,146 ARGENTINA -0,40% -0,13% 7,52% -36,32% 3,64% -5,823 54,448 22492,020 0,000 -0,774 0,255 AUSTRALIA 0,18% 0,35% 5,26% -12,90% 2,37% -0,973 6,807 147,793 0,000 0,346 0,109 AUSTRIA -0,03% -0,05% 2,59% -1,39% 0,62% 0,639 4,315 27,186 0,000 -0,048 0,007 BELGIUM 0,01% 0,00% 2,43% -1,81% 0,74% 0,400 3,383 6,346 0,042 0,021 0,011 BRAZIL 0,17% 0,44% 12,46% -19,80% 4,00% -1,362 9,354 386,348 0,000 0,333 0,309 BULGARIA 0,53% 0,36% 55,74% -23,56% 5,34% 4,898 64,519 31367,950 0,000 1,022 0,550 CANADA 0,08% 0,07% 6,01% -8,69% 1,63% -0,363 7,261 151,001 0,000 0,156 0,051 CHILE 0,06% 0,04% 6,53% -8,28% 2,05% -0,287 4,563 22,412 0,000 0,114 0,081 CHINA 0,24% 0,01% 5,86% -4,39% 2,04% 0,325 2,758 3,895 0,143 0,461 0,081 CHINESE_ TAIPEI -0,18% -0,22% 3,30% -5,58% 1,40% -0,208 3,743 5,855 0,054 -0,353 0,038 CROATIA 0,08% 0,12% 2,82% -2,70% 0,92% -0,003 3,754 4,598 0,100 0,154 0,016 CYPRUS 0,07% 0,15% 4,09% -3,91% 1,37% -0,184 3,381 2,269 0,322 0,131 0,036 CZECH_REPUBLIC 0,35% 0,36% 7,51% -6,28% 1,70% 0,022 5,547 52,449 0,000 0,670 0,056 DENMARK 0,04% -0,03% 2,93% -1,80% 0,72% 0,606 3,914 18,641 0,000 0,071 0,010 ESTONIA 0,48% 0,23% 9,53% -3,02% 1,51% 1,916 10,094 525,531 0,000 0,938 0,044 EURO_AREA 0,02% -0,05% 5,31% -3,01% 1,48% 0,510 3,400 9,700 0,008 0,033 0,042 FINLAND -0,01% -0,11% 4,87% -2,34% 1,01% 0,968 5,588 84,457 0,000 -0,016 0,020 FRANCE -0,02% -0,04% 2,38% -2,43% 0,75% 0,251 3,203 2,370 0,306 -0,038 0,011 GERMANY -0,04% -0,16% 3,46% -2,03% 0,96% 0,677 3,961 22,291 0,000 -0,084 0,018 GREECE 0,09% 0,07% 3,07% -3,96% 1,23% 0,007 2,950 0,022 0,989 0,184 0,029 HONG_ KONG -0,09% -0,02% 5,04% -5,23% 1,34% 0,186 5,344 45,545 0,000 -0,174 0,034 HUNGARY 0,22% 0,24% 5,95% -8,18% 1,87% -0,498 5,649 64,736 0,000 0,417 0,067 ICELAND -0,11% 0,10% 11,59% -13,01% 2,70% -1,200 10,166 461,602 0,000 -0,217 0,141 INDIA 0,04% 0,07% 5,93% -4,92% 1,54% -0,078 4,230 12,431 0,002 0,082 0,046 INDONESIA 0,15% 0,13% 23,15% -42,71% 6,27% -1,358 17,387 1732,741 0,000 0,294 0,760 IRELAND 0,08% 0,05% 3,19% -3,47% 1,10% 0,070 3,632 3,388 0,184 0,160 0,023 ISRAEL 0,00% 0,07% 4,91% -8,09% 1,62% -0,807 6,238 105,793 0,000 -0,004 0,050 ITALY 0,04% 0,07% 5,13% -7,34% 1,10% -0,914 15,033 1197,527 0,000 0,077 0,023 JAPAN -0,10% -0,51% 11,56% -7,30% 2,63% 1,047 5,562 88,534 0,000 -0,194 0,134 KOREA -0,04% 0,15% 9,30% -27,18% 3,16% -3,539 31,953 7181,048 0,000 -0,081 0,193 LATVIA 0,30% 0,25% 5,32% -2,69% 1,27% 0,654 5,026 47,012 0,000 0,580 0,031 LITHUANIA 0,48% 0,37% 4,57% -3,27% 1,35% 0,234 3,591 4,592 0,101 0,934 0,035 MALAYSIA -0,07% 0,01% 14,07% -10,15% 1,99% 0,638 20,956 2619,305 0,000 -0,133 0,077 MALTA 0,10% 0,06% 4,47% -4,01% 1,46% 0,031 3,792 5,106 0,078 0,188 0,041 MEXICO -0,02% 0,36% 16,06% -27,33% 3,65% -2,350 21,566 2965,026 0,000 -0,029 0,256 NETHERLANDS 0,03% -0,05% 3,35% -1,86% 0,93% 0,623 3,939 19,659 0,000 0,055 0,017 História e Economia Revista Interdisciplinar 105 NEW_ZEALAND 106 0,08% 0,09% 5,88% -7,14% 2,03% -0,183 3,385 2,283 0,319 0,155 0,079 NORWAY 0,07% 0,05% 5,06% -5,62% 1,44% -0,299 4,673 25,515 0,000 0,134 0,040 PERU 0,02% -0,01% 4,43% -4,83% 1,33% 0,082 3,911 6,925 0,031 0,034 0,034 PHILIPPINES 0,05% 0,04% 8,31% -8,59% 2,12% -0,292 5,608 57,763 0,000 0,091 0,086 POLAND 0,24% 0,37% 5,48% -8,71% 2,21% -0,690 4,221 27,428 0,000 0,470 0,094 PORTUGAL 0,05% 0,00% 2,02% -1,32% 0,63% 0,486 3,389 8,860 0,012 0,094 0,008 ROMANIA 0,32% 0,25% 18,75% -12,72% 3,05% 1,356 16,483 1528,962 0,000 0,619 0,179 RUSSIA 0,54% 0,80% 13,31% -33,50% 5,25% -1,422 11,577 659,984 0,000 1,049 0,531 SAUDI_ARABIA -0,08% 0,00% 6,37% -3,66% 1,41% 0,578 5,034 44,232 0,000 -0,155 0,038 SINGAPORE -0,01% -0,01% 2,91% -2,85% 0,85% -0,043 4,004 8,206 0,017 -0,021 0,014 SLOVAKIA 0,40% 0,29% 6,58% -5,50% 1,41% 0,588 7,572 180,115 0,000 0,767 0,038 SLOVENIA 0,10% 0,06% 3,27% -1,83% 0,74% 0,352 3,966 11,546 0,003 0,191 0,011 SOUTH_AFRICA -0,08% -0,09% 9,61% -16,11% 3,39% -0,944 6,475 126,418 0,000 -0,155 0,221 SPAIN 0,06% 0,03% 1,92% -1,98% 0,75% 0,098 2,548 1,966 0,374 0,120 0,011 SWEDEN -0,08% -0,18% 5,74% -4,32% 1,46% 0,296 3,795 7,944 0,019 -0,154 0,041 SWITZERLAND -0,01% -0,12% 4,75% -2,60% 1,24% 0,606 4,011 20,152 0,000 -0,013 0,030 THAILAND -0,01% 0,16% 14,44% -13,41% 2,55% -0,368 18,260 1886,749 0,000 -0,027 0,125 TURKEY 0,20% 0,79% 12,82% -20,24% 4,14% -1,290 8,019 257,445 0,000 0,395 0,331 UNITED_ KINGDOM -0,07% -0,07% 4,36% -6,00% 1,50% -0,339 5,248 44,570 0,000 -0,145 0,043 UNITED_ STATES -0,01% -0,01% 5,71% -3,94% 1,27% 0,215 4,925 31,437 0,000 -0,022 0,031 VENEZUELA 0,30% 1,12% 8,90% -39,09% 5,43% -3,506 20,588 2897,856 0,000 0,591 0,570 História e Economia Revista Interdisciplinar Tabela A.2 Esquema de Classificação dos Regimes - Critério Course Cod Course Classification 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 3 3 4 5 6 No separate legal tender Pre announced peg or currency board arrangement Pre announced horizontal band that is narrower than or equal to +/-2% De facto peg Pre announced crawling peg Pre announced crawling band that is narrower than or equal to +/-2% De factor crawling peg De facto crawling band that is narrower than or equal to +/-2% Pre announced crawling band that is wider than or equal to +/-2% De facto crawling band that is narrower than or equal to +/-5% Moving band that is narrower than or equal to +/-2% Managed floating Freely floating Freely falling Dual market in which parallel market data is missing. Fonte: Ilzetski, Reinhart e Rogoff (2008) História e Economia Revista Interdisciplinar 107 108 História e Economia Revista Interdisciplinar Roteiro para submissão de artigos Guidelines for submission of papers 1. A revista História e Economia publica artigos de história econômica, história financeira e história das idéias econômicas. 1. História e Economia publishes articles on financial history, economic history and the history of economic ideas. 2. A revista também recebe resenhas de livros e comunicações sobre dissertações de mestrado e doutorado. 2. We accept book reviews and dissertation summaries. 3. A publicação dos artigos ocorre conforme a aprovação dos textos pelo conselho editorial. 4. Os artigos não devem exceder 30 páginas (espaçamento duplo), incluindo notas de rodapé e referências bibliográficas. 5. O texto submetido para a revista deve ser original. Em casos especiais, poderemos aceitar a publicação simultânea em revista estrangeira. 6. Recebemos artigos em português, espanhol, inglês e francês. 7. Os originais devem ser editados em MS Word. 8. As figuras, tabelas e gráficos devem ser editados em preto e branco. Caso tais figuras tenham sido geradas em outros programas que não MS Word (por exemplo: Excel, Power Point), o autor deve enviar um arquivo separado contendo o objeto no seu formato original. 9. Devemos receber um arquivo adicional com o(s) nome(s) do(s) autor(es), endereço completo para correspondência contendo afiliação institucional, posição, titulação, telefone para contato e e-mail. É necessário que o autor inclua neste arquivo o título do artigo no idioma original e sua tradução para o inglês. Além disso, o autor deve incluir uma resenha do texto no idioma original e em inglês. A resenha em ambos os idiomas não devem exceder 150 palavras. 3. The journal publishes papers according to their approval by the editorial board. 4. The articles must not exceed 30 pages (double spaced), including references and footnotes. 5. The manuscript submitted to the journal should be original. In special cases, we may accept the simultaneous publication in another foreign journal. 6. We welcome articles in Portuguese, Spanish, English and French. 7. The originals must be edited in MS Word. 8. The figures, tables and graphics should be edited in black and white and included in the file containing the article. In case the original figure, table or graph was created in a program different from MS Word, we must receive a separate file containing the object in its original format. 9. We must receive an additional file with the name of the authors, complete mailing address containing the institutional affiliation, position, title, phone number and email address. We request the author to include the title in its original language as well as its English translation. In addition, the author should enclose an executive summary in the original language and in English. The executive summary and the English translation should not exceed 150 words. História e Economia Revista Interdisciplinar 109 10. As referências bibliográficas devem ser detalhadas e completas, elaboradas de acordo com a NBR 6023 da ABNT. Os dados históricos e as tabelas devem especificar as fontes utilizadas. Em caso de fontes primárias (originais), o autor deve fornecer o nome do Arquivo (ou Instituto, Instituição), a caixa, seção (se for aplicável) e todas as demais informações que julgar relevantes. 11. Os arquivos podem ser enviados por e-mail para: [email protected]. De modo alternativo, recebemos arquivos em disquetes ou CD-ROM. 12. Somente artigos que satisfizerem os requerimentos acima serão submetidos para o comitê editorial. 13. Todos os textos submetidos à revista receberão avaliações escritas dos membros do comitê editorial. 14. O recebimento do texto pela revista automaticamente implica em autorização para futura e eventual publicação. A revista não paga qualquer tipo de royalties para o autor. 15. A revista História e Economia deve enviar uma carta e um e-mail para o autor acusando o recebimento dos originais (caso o artigo seja aprovado, algumas mudanças podem ser sugeridas). 16. A revista não devolverá nenhum texto recebido. Envio de artigos Os artigos podem ser enviados para: Rafael Balan Zappia BBS – Brazilian Business School Instituto de História e Economia Alameda Santos, 745 • 1º andar Cerqueira César • São Paulo, SP CEP 01419-001 • Brasil e-mail: [email protected] 110 História e Economia Revista Interdisciplinar 10. The references must be detailed and complete. Historical data and tables should specify the sources used. In case of original/ primary sources, the author must provide the archive’s name, section, box (if it is applicable) and all the relevant information. 11. The files can be sent by email to: he@ bbs.edu.br, in a 31/2 “ floppy disks or CD-ROM. 12. Only the articles that meet the above requirements are submitted to the Editorial Board. 13. All the manuscripts submitted to this journal will receive written evaluations by the board members. 14. The submission of a manuscript to us implies authorization for future publication by its author. No royalties will be paid. 15. História e Economia will send a written letter and an email to the author. In case of approval, some changes may be suggested. 16. The journal will keep the originals. Submission of originals Originals should be sent to: Rafael Balan Zappia BBS – Brazilian Business School Institute of History and Economics Alameda Santos, 745 • 1º andar Cerqueira César • São Paulo, SP CEP 01419-001 • Brazil email: [email protected] História e Economia Revista Interdisciplinar 111