Adolescer com HIV: saber, conhecer e conviver Sobre a

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Adolescer com HIV: saber, conhecer e conviver Sobre a
2
ISSN 1679-9941
Nº
Volume 5
Julho 2008
publicação trimestral
revista oficial do núcleo de estudos da saúde do adolescente / uerj
Adolescer com HIV: saber, conhecer e conviver
Violência e abuso contra crianças e adolescentes, segundo os conselhos tutelares, o
Programa Sentinela de Feira de Santana (BA) e o Centre Jeunesse de Montreal
Sobre a gravidez na adolescência
A puberfonia e o universo da voz masculina
Centro de Referência em Atenção à Saúde do Adolescente no
município de Jaboatão dos Guararapes (PE)
O atendimento humanizado ao adolescente usuário de
substâncias psicoativas numa perspectiva interdisciplinar
Real e realidade: a psicanálise num ambulatório público
Gravidez na adolescência: apoio integral à gestante e à mãe
adolescente como fator de proteção da reincidência
Comportamento sexual entre jovens universitários
www.nesa.uerj.br
ISSN 1679-9941
volume 5  nº 2  julho 2008
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL EDITADA PELO NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO ADOLESCENTE (NESA) DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UERJ)
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Ricardo Vieira Alves
Vice-Reitora: Maria Cristina Paixao Maioli
NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO ADOLESCENTE
Diretor: José Augusto Messias
Coordenador da Atenção Terciária: José Henrique Aquino
Coordenadora da Atenção Secundária: Kátia Nogueira
Coordenadora da Atenção Primária: Fernanda Graneiro Bastos
CONSELHO EDITORIAL
Editora: Isabel Cristina Bouzas
Editora-Científica: Evelyn Eisenstein
Co-Editores: Claudia Braga, Kátia Nogueira, Marília Mello
Colaboradores: Celise Meneses, Cláudio Abuassi, Eloisa Grossman, Flávio Stanjzbok, José Augusto Messias, Márcia Soares,
Maria Cristina Kuschnir, Rejane Araújo, Selma Correia, Stella Taquette
Conselho Consultivo: Daniella Santini, Darci Bonneto, Denise Monteiro, Marcia Fernandes, Maria de Fátima Coutinho, Maria
Teresa Maldonado, Maria Verônica Coates, Ricardo Barros, Riva Rozemberg, Rosangela Magalhães, Simone Assis, Therezinha
Cruz, Viviane Castelo Branco, Walter Marcondes Filho, Robert Brown (University of Columbia, Ohio, EUA), Richard MacKenzie
(University of Los Angeles, Califórnia, EUA), Jane Rees (University of Washington, Seattle, EUA), Irene Jillson (University
of Georgetown, Washington, EUA), Marc Jacobson (Children’s Hospital, Long Island, NY, EUA), Helena Fonseca (Lisboa,
Portugal), Leonor Sassetti (Lisboa, Portugal), David Bennett (Westmead, Sydney, Austrália), Michael Kohn (Parramatta,
Austrália), Nicholas Woolfield (Children’s Hospital Queensland, Austrália), Rafiq Lockhat (Cidade do Cabo, África do Sul), Sue
Bagshaw (Nova Zelândia), Sérgio Buzzini (University of Chapel Hill, EUA), Matilde Maddaleno (OPAS/OMS, Washington),
Robert Blum (Johns Hopkins University, Baltimore)
Coordenação Editorial (Diagraphic Editora): Jane Castelo
A795
Adolescência & saúde
/ órgão oficial do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente
HUPE/UERJ. – V. 1, n. 1 (Jan./Mar. 2004) – . – Rio de Janeiro :
Diagraphic, 2003
Trimestral :
Descrição baseada em: V. 1, n. 1 (Jan./Mar. 2004)
Inclui bibliografia
ISSN 1679–9941
1. Adolescentes – Saúde e higiene – Periódicos.
I. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Núcleo de Estudos da
Saúde do Adolescente.
03–2487
CDD 613.0433
CDU 613.96
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Adolescência & Saúde
volume 5  nº 2  julho 2008
SUMÁRIO
EDITORIAL . ...............................................................................................................................................................................................
5
ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER....................................................................................
7
Júlia Regazzini Spinardi; Julia Kerr Catunda Machado; Maria José C. Sant’Anna; Veronica Coates
VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS
TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE
DE MONTREAL ......................................................................................................................................................................................
15
Maria C. O. Costa; Marc Bigras; Karine E. P. de Souza; Rosely C. de Carvalho; Carlos A. S. T. Santos
SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA .........................................................................................................................
23
Stella R. Taquette
A PUBERFONIA E O UNIVERSO DA VOZ MASCULINA. ...........................................................................................
27
Thiago Roseiro; Margareth Attianezi
CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE NO MUNICÍPIO DE
JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE). .......................................................................................................................................
31
Sidney Alverni Eloy da Hora; Ana Karina F. C. Calderan Correa; Ana Beatriz Nery da F. Cordeiro; Antônio Carlos Avelino de Pontes
O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR. ........................................................................................
36
Deise Antunes Bortoluzzi; Santos Barros Viana; Shelley Fernandes Fiuza
REAL E REALIDADE: A PSICANÁLISE NUM AMBULATÓRIO PÚBLICO..........................................................
42
Marília Vilhena; Vera Pollo
GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE ADOLESCENTE
COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA.....................................................................................................
45
Amanda Melhado; Maria José Carvalho Sant’Anna; Maria Lúcia Bastos Passarelli; Veronica Coates
COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS. .....................................................................
52
Maria José Carvalho Sant’Anna; Képler Alencar Mendes de Carvalho; Maria Lúcia Bastos Passarelli; Veronica Coates
NORMAS EDITORIAIS ......................................................................................................................................................................
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Adolescência & Saúde
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EDITORIAL
A saúde do adolescente
O 46o Congresso Científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (HUPE/UERJ), nas comemorações da sua semana de aniversário, terá como tema central a “Saúde do adolescente”. Esse editorial é um convite para
sua participação (acesse www.hupe.gov.br). A Comissão Científica Permanente (COCIPE)
e o Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) elaboraram uma programação
abrangente que, com certeza, será do seu agrado: cursos pré-congresso, mesas-redondas,
conferências, comunicações coordenadas com temáticas amplas e desafiadoras sobre as
questões de saúde e doença na adolescência, e, principalmente, o progressivo e permanente protagonismo dos jovens na promoção da sua saúde. Como atesta a Organização
Mundial da Saúde (OMS), “adolescentes sadios, futuro saudável”. Teremos vários profissionais que dedicam o melhor das suas competências ao trabalho com e sobre adolescentes compartilhando conosco suas experiências durante essa semana. Da medicina
clínica às atividades comunitárias com artes e esportes, procuramos abranger o amplo
espectro do binômio saúde/doença, acreditando no poder transformador dessas ações
com os jovens.
Além disso, será um momento especial para aprofundarmos a discussão sobre os
desafios que os tempos atuais impõem à juventude e, principalmente, o que estamos
fazendo para superá-los. Políticas públicas e terceiro setor, extremos do amplo espectro de ações governamentais e particulares, estarão representadas na programação do
congresso, permitindo nossa intervenção produtiva e criativa sobre os diversos temas
apresentados.
Estamos nos preparando para uma bela festa!
José Augusto Messias
Diretor do NESA
Adolescência & Saúde
volume 5  nº 2  julho 2008
ARTIGO ORIGINAL
Júlia Regazzini Spinardi1
Julia Kerr Catunda
Machado2
Maria José C.
Sant’Anna3
Maria Lucia Bastos
Passarelli4
Veronica Coates5
Adolescer com HIV: saber, conhecer
e conviver
Adolescence with HIV: learning and living
RESUMO
Os avanços científicos nos cuidados com os portadores de vírus da imunodeficiência humana/síndrome de imunodeficiência adquirida (HIV/AIDS) têm proporcionado expressivo aumento em sua sobrevida. O adolescente vivendo com HIV traz um novo desafio para
adesão ao tratamento, revelação do diagnóstico, exercício da sexualidade, anticoncepção e perspectiva de futuro. O objetivo desta
revisão é avaliar adolescentes vivendo com HIV/AIDS considerando o exercício da sexualidade, a revelação do diagnóstico e suas
influências psicossociais, buscando a elaboração de ações preventivas para melhoria de sua qualidade de vida e saúde reprodutiva.
UNITERMOS
Adolescente; HIV; AIDS; comportamento do adolescente; sexualidade
ABSTRACT
The development of therapies for human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome (HIV/AIDS) lets us face a new
reality. Despite all transformations and questions that adolescence brings, HIV/AIDS-infected adolescents need to discover how to deal with
diagnosis, learning how to live in society with this chronic disease that still carries prejudice, fear, and uncertain future. This review aims
to analyze literature on adolescents living with HIV/AIDS, discussing the revelation of diagnosis and its consequences in their lives, social
activities and sexual behavior, in time to provide preventive actions, and improvement on their quality in life.
KEY WORDS
Adolescent; HIV; AIDS; adolescent behavior; sexuality
INTRODUÇÃO
Desde seu surgimento, a síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) tem suscitado discussões
que envolvem não só sua patologia, mas também
seu envolvimento na política de saúde pública e nos
movimentos sociais. Demonstrou-se a necessidade
de uma revolução científica, e tornaram-se imprescindíveis estudos interdisciplinares em saúde e ciências sociais para a intervenção com relação à AIDS(3).
Em 2006, segundo o Programa Conjunto das
Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), o total
de pessoas vivendo com AIDS no mundo era de
39,5 milhões, sendo 37,2 milhões adultos, 17,7
milhões mulheres e 2,3 milhões crianças e adolescentes menores de 15 anos(8). No Brasil foram
Adolescência & Saúde
notificados 433.067 casos de AIDS entre 1980 e
junho de 2006, sendo 6.067 (3,7%) dos casos de
menores de 13 anos de idade, nos quais a forma
de transmissão vertical/perinatal foi a mais comum
(81,1% dos casos)(14). Dados de 2002 da UNAIDS
1. Aluna do quarto ano de graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).
2. Pediatra; mestranda em Medicina, área de Pediatria pela FCMSCSP.
3. Doutora em Medicina, área de Pediatria pela FCMSCSP; assistente da Clínica de
Adolescência do Departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP.
4. Doutora em Medicina, área de Pediatria; professora assistente da FCMSCSP;
diretora do departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP.
5. Professora titular de Pediatria da FCMSCSP; chefe da Clínica da Adolescência do
Departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP.
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ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER
revelam que a cada 14 segundos um jovem no
mundo é contaminado pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV)(18).
Epidemia com dinâmica bastante variável, os
números de óbitos causados pela AIDS só reforçam
a importância de seu estudo e, conseqüentemente,
de seu combate. Em 2006 o UNAIDS relatou um
total de 2,9 milhões de óbitos por HIV/AIDS, sendo
destes 2,6 milhões de adultos e 380 mil crianças
menores de 15 anos(18).
O Brasil, segundo o Ministério da Saúde (MS),
acumulou cerca de 183 mil óbitos por AIDS até dezembro de 2005. Após a introdução da política de
acesso universal ao tratamento anti-retroviral, observou-se queda na mortalidade. A partir de 2000,
evidencia-se estabilização em cerca de 6,3 óbitos
por 100 mil, embora essa tendência seja bem mais
evidente na região Sudeste e entre os homens.
Além disso, entre 1993 e 2003, observou-se aumento de cerca de cinco anos na idade mediana
dos óbitos por AIDS, em ambos os sexos, refletindo
aumento na sobrevida dos pacientes(13).
Assim, dois grupos de adolescentes com características distintas são acometidos:
• grupo de aquisição vertical do HIV – constituem
grupo de progressores lentos, apresentam comprometimento imunológico e exposição a anti-retrovirais (ARVs) variáveis. Normalmente encontram-se
nos estágios iniciais da puberdade, apresentam fortes vínculos com o serviço de saúde e cuidadores.
Os principais problemas encontrados na assistência a
esse grupo são revelação do diagnóstico, orfandade
e desestruturação familiar, início da atividade sexual;
• grupo de aquisição horizontal do HIV – normalmente estão nos estágios finais da puberdade, recentemente infectados, com pouca ou nenhuma
exposição a ARVs. Apresentam frágeis vínculos com
o serviço de saúde e cuidadores. Freqüentemente
apresentam dificuldade na adesão ao tratamento,
agravos sociais diversos, e é comum a ocorrência
de distúrbios psiquiátricos.
Entre as vias de contaminação, a transmissão
vertical merece destaque, principalmente porque a
partir do final da década de 1990 tornou-se o modo
de contaminação mais freqüente em crianças(16). Só
no ano de 2004, estimou-se que cerca de 12 mil
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Spinardi et al.
parturientes estivessem infectadas pelo HIV no Brasil.
Foram notificados ao MS, de janeiro de 1983 a junho de 2006, 13.171 casos de AIDS em menores de
13 anos de idade devido à transmissão vertical. Esse
número vem-se reduzindo ano a ano com a adoção de medidas de prevenção, o que aponta para
uma queda acentuada com redução de 51,5% entre
1996 (1.091 casos) e 2005 (530 casos). Em 2006,
de janeiro a junho, foram notificados 109 casos nessa categoria. Porém a transmissão ainda ocorre em
números além dos desejáveis.
Em estudo colaborativo multicêntrico brasileiro observou-se taxa de transmissão vertical de
7,5% nos anos de 2003 e 2004. Mais ainda, as
taxas de transmissão vertical, elevadas nas regiões
Norte (11,8%) e Nordeste (8,9%) e menores nas
regiões Centro-Oeste (5,1%), Sul (5,4%) e Sudeste
(6,9%), mostram a necessidade de melhorar o
diagnóstico, especialmente em algumas regiões
brasileiras. Com o diagnóstico das infecções nas
gestantes, diagnosticaremos crianças expostas ao
HIV, não-infectadas, ao invés de crianças e adolescentes com AIDS. Constatado o risco da transmissão vertical do HIV em nosso meio, a suspeita
clínica deve ser sempre considerada, mesmo em
crianças maiores e adolescentes.
Perante os avanços científicos nos cuidados
com os portadores de HIV/AIDS, as crianças infectadas tiveram aumento expressivo na sua taxa de
sobrevida, o que fez da AIDS, de início rapidamente letal, uma doença crônica(16). A possibilidade de
sobrevida maior nessas crianças nos coloca diante
de uma nova necessidade de discussão e aprendizado: o adolescente com HIV/AIDS.
A adolescência é uma fase na qual o jovem
passa por profundas mudanças físicas e psicológicas, período em que se depara com inúmeros
desafios. Faz parte da adolescência a formação da
identidade adulta, o desempenho de novos papéis
sociais, a mudança na relação de dependência da
família e contestação de seus valores, a tendência
grupal e o desenvolvimento da auto-estima e da
autoconfiança. É importante lembrar que o exercício da sexualidade está sempre presente, variando
sua manifestação. Os jovens com HIV/AIDS devem
ir além da adolescência normal de descobertas e
Adolescência & Saúde
Spinardi et al. transformações, na tentativa de encarar seu diagnóstico, estabelecer vínculos sociais e conviver com
essa doença, agora crônica, que ainda carrega o
forte estigma do preconceito, do medo e da incerteza quanto ao futuro.
À medida que ocorre o aprimoramento no
atendimento às necessidades especiais dos adolescentes com AIDS, tanto na área da educação quanto
na da saúde, esses jovens não só vivem mais como
também vivem com mais qualidade. Ao mesmo
tempo em que a integração na comunidade oferece
grandes vantagens, não se pode esquecer que esses indivíduos passam a ficar mais expostos a riscos,
liberdades e responsabilidades. Por isso, desde a infância e principalmente na adolescência, é necessário desenvolver nesses jovens o autoconhecimento,
a capacidade de escolha, a crítica, a responsabilidade, a auto-estima, o estímulo à autonomia, a preparação para o trabalho e o exercício da sexualidade.
A sensação de invulnerabilidade própria do
adolescente pode dificultar a assimilação do problema. A adesão ao tratamento, principalmente se ainda não houver sintomas marcantes de doença, vai
de encontro à sua maneira mágica de se relacionar
com o tempo e com a idéia de indestrutibilidade. O
jovem pode inclusive fantasiar uma cura mágica.
É nesse contexto de medo e incertezas que
o médico deve auxiliar o adolescente a se desenvolver. A família muitas vezes não consegue responder todas as questões do indivíduo, fazendo-o
de maneira incompleta ou até errônea. O médico
assume papel de conselheiro e amigo, fornecendo
os conhecimentos necessários para que nada falte
ao paciente e aos seus parentes. Os adolescentes
com AIDS precisam ser preparados para uma vida
de limites e possibilidades. Têm sido observadas
importantes conquistas e mudanças na visão social
dessas pessoas, e a inclusão social ocorre cada vez
com mais freqüência. Nas comunidades onde ela
ocorre, vagarosamente, a doença passa a ser vista
como uma diversidade natural na sociedade.
O objetivo desta revisão é avaliar os adolescentes vivendo com HIV/AIDS considerando
a revelação do diagnóstico e suas influências psicossociais, o exercício da sexualidade, enfatizando
características epidemiológicas do grupo para elaAdolescência & Saúde
ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER
boração de ações preventivas na melhoria de sua
qualidade de vida e saúde reprodutiva.
MATERIAIS E MÉTODOS
Revisão bibliográfica realizada através de levantamento nas bibliotecas da Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP),
Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FMUSP) e Biblioteca Regional de Medicina
(BIREME), onde foram analisados:
• trabalhos científicos publicados nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola, através de pesquisa feita
nos programas Medline e Lilacs a partir de 2000;
• referências bibliográficas dos trabalhos avaliados;
• livros nacionais e internacionais referentes o tema,
procurando responder ao questionamento proposto.
TRANSMISSÃO VERTICAL
Importante fonte de contaminação, a transmissão vertical tornou-se, no final da década de
1990, a principal forma de infecção em crianças(16).
No Brasil, segundo o MS, só no ano de 2004 estimou-se que cerca de 12 mil parturientes estivessem
infectadas pelo HIV(15). No mesmo ano, o Centers
for Disease Control and Prevention (CDC) constatou queda de 90% em crianças com 13 anos ou
menos diagnosticadas com HIV/AIDS nos Estados
Unidos(10). Acompanhando a tendência, no Brasil o
número vem-se reduzindo ano a ano, o que aponta para uma queda acentuada com redução de
51,5% na última década.
Matida e Miranda apontam o trabalho preventivo com as mulheres em idade fértil, o diagnóstico
precoce de infecção por HIV na gestante e o uso da
terapia anti-retroviral como instrumentos importantes para o controle da transmissão vertical em países
em desenvolvimento(12). Sabe-se, porém, que obstáculos como a falta de cobertura no pré-natal, a falta
de conhecimento quanto aos procedimentos adequados, as dificuldades na realização do teste para
HIV e a não-disponibilidade universal de substitutos
do leite materno são recorrentes nesses países(16).
volume 5  nº 2  julho 2008
10
ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER
No Brasil, dados epidemiológicos mostram
taxa de prevalência do HIV ao redor de 0,4% em
parturientes e indicam que a recomendação da
profilaxia da transmissão vertical é oferecida a apenas 62,5% das gestantes. Diante disso, o pediatra
deve manter a suspeita clínica e investigar essa
possibilidade etiológica em crianças e adolescentes
cujo adoecimento incluir manifestações clínicas recorrentes ou persistentes.
Além da queda, ainda que insatisfatória, da
transmissão vertical, as novas atuações terapêuticas
trazem outra conseqüência: o aumento da sobrevida dessas crianças(16). Desse modo os infectados
há 10 anos acabam por elevar a taxa de pacientes
adolescentes com HIV(10).
A AIDS doença crônica passa a desafiar não
só os adolescentes, com esquemas rígidos de tratamento e questionamentos quanto ao comportamento, mas também a estrutura social quanto
ao que se oferece a esses pacientes. Desse modo,
necessidades de natureza psicossocial passam a ter
novos significado e relevância(9).
REVELAÇÃO DO DIAGNÓSTICO
Com a chegada dos pacientes infectados à
adolescência, os familiares, em especial os cuidadores primários, tendem a se deparar com novos
desafios, tais como a revelação do diagnóstico, a
escolarização, a adesão a um tratamento complexo
e de longo prazo, além do início da vida sexual(2).
No que tange à revelação do diagnóstico,
diversos aspectos devem ser considerados. Em estudo realizado pela Enhancing Care Iniciative (ECI),
com adolescentes de 10 a 20 anos nas cidades de
Santos e São Paulo, as principais razões que levaram à revelação do diagnóstico foram: explicações
detalhadas sobre o esquema de tratamento, falta
de adesão ao tratamento, perguntas excessivas dos
portadores, início de namoro, postura inadequada
ou insistência do médico(11).
Em pesquisa realizada em Brasília com 43
cuidadores de 43 crianças/adolescentes, que representavam cerca de 30% do total de casos de
crianças/adolescentes infectados por transmissão
volume 5  nº 2  julho 2008
Spinardi et al.
vertical em tratamento para HIV/AIDS no Distrito
Federal na época de coleta dos dados, a morte ou
o adoecimento de um dos genitores ou de ambos
e a convivência com outras pessoas soropositivas
quando viviam em instituições como abrigos foram
os principais motivos para a revelação do diagnóstico(17). Ao mesmo tempo vários cuidadores verbalizaram que não se sentiam preparados para falar
sobre o assunto com a criança ou o adolescente.
O medo do estigma social, sentimentos de culpa ou vergonha e o receio do impacto da notícia sobre o desenvolvimento socioemocional tornam difícil
a decisão dos cuidadores em revelar ou não o diagnóstico(7). Muitas famílias guardam a AIDS como um
segredo, cabendo ao profissional da saúde auxiliar a
revelação, uma vez que as questões éticas devem ser
levadas em conta nessas situações(16). Essa responsabilidade pode ser confirmada através do Estudo
do Distrito Federal, no qual, quando questionados
sobre como planejavam revelar o diagnóstico, boa
parte dos cuidadores relatou que pretendia buscar
ajuda profissional de médicos e psicólogos(17).
A comunicação do diagnóstico aos adolescentes com HIV/AIDS infectados por via vertical
mostrou-se mais cercada de cuidados quando
comparada à feita para adolescentes infectados por
via sexual ou desconhecida(11). Uma vez tomada a
decisão de revelar, o cuidador passa a se preocupar então com a reação do paciente. No estudo
realizado no Distrito Federal, enquanto alguns
cuidadores vêem conseqüências vantajosas, como
melhor adesão ao tratamento, aumento do autocuidado e melhor compreensão sobre sua própria
condição de saúde, outros manifestaram receio de
que o adolescente revelasse a informação para terceiros e tivesse reações negativas à doença, como
depressão e revolta(17).
Muitos autores relatam que os pacientes que
já compreendem as implicações da doença podem
variar suas reações entre inibição, labilidade afetiva,
negação de evidências e exposição a situações de
risco, sendo que as crises de ansiedade e depressão
durante a evolução da infecção são freqüentes(1).
Os adolescentes passam a ter preocupações com
sua integridade física e emocional e com a possibilidade de morrer, tendo medo de se tornarem
Adolescência & Saúde
Spinardi et al. menos atraentes e se diferenciarem do grupo de
amigos(16). Como os portadores de qualquer outra
doença crônica, eles são ou sentem-se, muitas vezes, excluídos pelo grupo.
De posse do conhecimento do diagnóstico,
determina-se um novo questionamento: a revelação
a terceiros. Em 1989, durante o Encontro Nacional
de ONGs que trabalham com AIDS (ENONG), em
Porto Alegre, foi elaborada e aprovada a “Declaração
dos direitos fundamentais da pessoa portadora do
vírus da AIDS”, que garante, segundo seu artigo 9º,
o direito de todo portador do vírus de comunicar
apenas às pessoas que deseja seu estado de saúde
e o resultado dos seus testes(14). Segundo Marques
et al., a família e a escola parecem ser os principais
grupos que compartilham desse segredo(11).
Segundo Siedl, no Estudo do Distrito Federal
com crianças e adolescentes matriculados em estabelecimentos de ensino, o diagnóstico de soropositividade foi revelado às escolas em menos da metade dos casos(17). Alguns autores trazem como razões
para a revelação os seguintes motivos: necessidade
de justificar as faltas da criança ou do adolescente na
escola; obtenção de ajuda para administrar a medicação durante o período escolar; compreensão da
restrição de certas atividades(11, 17).
Apesar de a “Declaração dos direitos fundamentais da pessoa portadora do vírus da AIDS”
ressaltar em seus artigos 4º, 5º e 7º o direito de
participação em todos os aspectos sociais, o sigilo
com relação aos conhecedores do diagnóstico e a
discriminação como crime sujeito a pena(14), a nãoinformação do diagnóstico se sustentou no medo
do preconceito e da quebra do sigilo por pessoas da
comunidade. Dúvidas e inquietações de alguns cuidadores pelo fato de não terem revelado o diagnóstico para a direção e/ou professores também foram
encontradas. Eles se mostraram receosos de estarem
infringindo aspectos éticos ou regras relativas à obrigatoriedade desse tipo de informação na escola(17).
Com relação à escola, as condutas foram
variáveis, porém houve concordância entre os estudos do Distrito Federal e de São Paulo/Santos,
onde se observou comprometimento do ambiente
escolar no que diz respeito a administração de medicamentos, faltas a aulas para acompanhamento
Adolescência & Saúde
ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER
11
médico e restrições como, por exemplo, às aulas
de educação física(11, 17).
Já considerando a família, sabe-se que o jovem seleciona algumas pessoas para relatar seu
diagnóstico, com medo de que as pessoas se afastem. Quando questionados sobre a revelação ao
parceiro, os adolescentes mostraram-se divididos
entre a proteção e o direito de saber do parceiro, e
o medo de um possível abandono(11). Tal dado torna importante a discussão sobre o comportamento
sexual desses jovens.
EXERCÍCIO DA SEXUALIDADE
Outra mudança de grande impacto na formação do ser biopsicosocial é, sem sombra de dúvida,
a hormonal. As características físicas secundárias
desenvolvem-se, a libido aumenta, juntamente
com formas de autoconhecimento. Trata-se de delicada situação e importante passo para a autoconfiança e o desenrolar de futuros relacionamentos.
Quando se compreende que o desenvolvimento da sexualidade envolve questões que passam
pelo papel da socialização, da maturidade física, da
imagem corporal, da auto-estima, das aspirações
referentes ao futuro e da construção da própria
identidade, consegue-se entender como a AIDS interfere nesse processo e é determinante de riscos. A
tendência grupal é dificultada pela própria síndrome, pelo tratamento e algumas vezes pela família. A
dificuldade em ser aceito pelo grupo, o isolamento
social, a família superprotetora, as restrições e rotinas impostas pela doença dificultam o processo
do adolescer. Há por parte dos adolescentes, então,
uma tentativa permanente de superar as diferenças,
muitas vezes incorrendo em comportamentos de
risco, que incluem atividade sexual sem preparo ou
proteção adequados e até mesmo sem desejo. Para
um adolescente comprometido, a relação sexual
pode significar ter sido atraente, amado, escolhido,
mesmo sem ter havido afeto.
Adolescentes com aquisição vertical do HIV
constituem grupo de “progressores lentos”, apresentam comprometimento imunológico variável
e alterações do desenvolvimento neurocognitivo.
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12
ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER
Sabe-se que quando comparados a crianças e
adolescentes da mesma idade apresentam atraso
puberal, relacionado principalmente com imunossupressão(5), embora ainda não se saiba como esse
atraso influi nos comportamentos de risco. Além
do mais esses indivíduos são transmissores em
potencial que, somados aos adolescentes que adquiriram o vírus por outro meio de contaminação,
constituem um grupo expressivo e importante no
preparo das políticas de saúde para controle dessa
epidemia, caracterizando-se por apresentar vínculos sólidos com o serviço de saúde e cuidadores.
Muitos estudos relatam o comportamento
sexual dos jovens. Frederick et al. analisaram 131
adolescentes, em quatro centros diferentes, contaminados no período perinatal, constatando que
24 já possuíam vida sexual ativa, porém somente
oito deles afirmaram usar camisinha consistentemente(6). Em 2003 Zorilla et al. demonstraram que
o comportamento sexual dos adolescentes infectados no período perinatal é semelhante ao de jovens não-infectados pelo HIV(19).
Em 2007, Wiener obteve uma amostra de 40
pacientes portadores de HIV/AIDS por contaminação
perinatal ou por transfusão, com idades variando de
13 a 24 anos, e registrou que 41% deles já haviam
praticado sexo oral, vaginal ou anal. Aqui o uso de
camisinha diferiu entre o tipo de relação sexual: 88%
referiram usar camisinha em relações sexuais vaginais
e anais, porém a taxa caiu para 40% na prática do
sexo oral. Dois pontos importantes também foram
ressaltados: os jovens que já haviam praticado sexo
mostraram confiança suficiente para se abster do ato
sexual caso seu parceiro se recusasse a usar a camisinha, e ainda se sentiam seguros para comprar e
usar corretamente o preservativo. No entanto, 43%
dos jovens entrevistados nesse estudo revelaram que
uma vez iniciada a vida sexual é muito difícil evitar
uma próxima vez sem camisinha(11).
A pressão para o início da vida sexual, tanto
pela idade quanto pela intensidade do relacionamento, não faz distinção entre jovens infectados
e não-infectados e também se mostrou importante no comportamento sexual dos adolescentes
com HIV/AIDS(8). Os jovens que concordam com
a existência dessa pressão apresentam atitudes de
volume 5  nº 2  julho 2008
Spinardi et al.
risco mais freqüentemente do que aqueles que não
concordam. Aparentemente a idade também é um
fator determinante do comportamento de risco:
quanto maior é a idade maior é o conhecimento
do adolescente sobre sua doença e riscos, o que
pode ser demonstrado pela incidência maior do
uso de camisinha. Em contrapartida, etnia, raça e
ter tido ou não relação não se mostraram fatores
diferenciais no conhecimento sobre a doença e os
comportamentos de risco(11).
O isolamento social provocado pela AIDS
também deve ser destacado como fator importante no que diz respeito ao comportamento de risco,
pois faz com que esses jovens recebam menos informações sobre sexualidade, reprodução e contracepção. Pais, professores e médicos não se sentem
à vontade para discutir o tema, fazendo com que a
maioria desses adolescentes não receba educação
sexual. Os pais devem ser chamados e com eles devem ser discutidos os tabus existentes, para que de
forma integrada e sem contradições, seja possível
trabalhar com esses jovens uma orientação sexual
no sentido amplo. Eles necessitam participar ativamente do processo, tendo espaço para expor suas
dúvidas e fazer perguntas.
As informações sobre sexualidade devem englobar: relacionamento com outras pessoas no convívio social, informações sobre diferenças entre os
sexos, compreensão fisiológica e psicológica de desenvolvimento sexual e orientação sobre comportamentos adequados. Blum(4) discute algumas crenças
comuns em relação aos adolescentes com doença
crônica, na maioria errôneas. Entre elas:
• adolescentes com doença crônica não são sexualmente ativos;
• as aspirações sociais e sexuais de adolescentes
com deficiências e doenças crônicas são diferentes
daquelas de seus pares;
• os pais de adolescentes com deficiências proporcionam educação sexual suficiente;
• jovens com doenças crônicas são vulneráveis sexualmente;
• problemas da expressão sexual decorrem da
doença crônica ou deficiência;
• pessoas com doenças crônicas não estão satisfeitas com sua aparência.
Adolescência & Saúde
Spinardi et al. É responsabilidade do profissional que atende
esses jovens abordar as questões de forma clara e
objetiva, proporcionando condições para o exercício de uma vida sexual saudável e segura. Além de
entender as possibilidades sexuais, discutir e orientar o paciente e seus pais em relação à sexualidade,
o médico irá alertá-los sobre a possível vulnerabilidade desses pacientes por sua baixa capacidade
de autoproteção, decorrência da baixa auto-estima. Para alguns jovens, apenas a educação sexual será suficiente; outros devem ser orientados
sobre contracepção, dependendo da maturidade
de cada um. Desde a infância esses jovens devem
conhecer atitudes saudáveis em relação a seu corpo. Qualquer que seja o interesse ou o conhecimento sexual desses adolescentes, eles devem entender tudo o que for possível sobre sexualidade.
É necessário enfatizar a importância da orientação
da sexualidade e de métodos contraceptivos a eles,
seus pais e educadores de forma individualizada ou
por programas educacionais. O médico tem papel
fundamental, pois, muitas vezes, é a única referencia de profissional de saúde na orientação sexual
desses pacientes. O profissional precisa criar espaços dentro da sua consulta para abordar e discutir
aspectos da sexualidade, orientar métodos contraceptivos e alertar quanto aos riscos e à prevenção
de doenças sexualmente transmitidas (DSTs).
A equipe de saúde que trabalha com HIV/AIDS
e suas famílias devem estar sensibilizadas quanto
aos problemas e às preocupações dos jovens. Ela
deve discutir os mitos geralmente difundidos e encaminhar com mais precisão os problemas que são
freqüentemente ignorados. Com orientação, os jovens podem construir relacionamentos sexuais saudáveis. Já sem assistência, é mais provável que permaneçam socialmente isolados por suas próprias
fantasias, pelos estereótipos e pelas crenças erradas da sociedade em que vivemos. O adolescente
com HIV/AIDS não deve ser subestimado nas suas
reais capacidades, nem ficar aprisionado a rótulos.
Os educadores e a equipe de saúde devem tratálo como sujeito, oferecendo espaço para que ele
possa falar sobre suas dúvidas, seus desejos, suas
limitações e possibilidades, permitindo sempre que
haja espaço para lidar com questões do cotidiano.
Adolescência & Saúde
ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER
13
Todas essas considerações levam à reflexão
sobre a necessidade de orientação sexual para
os pacientes com HIV/AIDS, que deve ter como
objetivo não apenas o uso de preservativos ou
do método anticoncepcional, mas o resgate do
indivíduo como sujeito de suas ações, avaliando
suas limitações, e não como objeto de sua patologia ou do outro. O jovem com HIV/AIDS, como
qualquer outro, tem necessidade de expressar seus
sentimentos de maneira própria e intransferível. A
repressão da sexualidade pode alterar seu equilíbrio interno, diminuindo suas possibilidades de
se tornar um ser psiquicamente integral. Quando
bem encaminhada, a sexualidade melhora o desenvolvimento afetivo, facilitando a capacidade
de relacionamento, melhorando a auto-estima e a
adequação à sociedade. As informações devem ser
repetidas e acompanhadas a longo prazo. Sempre
que possível, deve ser estimulados a dramatização
e o uso de material audiovisual.
A sociedade educa/deseduca quando expõe
uma sexualidade desumana ou quando mostra suas
faces sadias e perversas como se não houvesse diferença entre elas. A mídia parece viver em torno do
sexo, da violência e do sofrimento contemporâneo.
Para a promoção da saúde, além da ação comunitária e do desenvolvimento de habilidades pessoais,
é fundamental a criação de ambientes saudáveis, a
organização de serviços de saúde e educacionais. É
preciso garantir os direitos humanos, promovendo o
desenvolvimento adequado da sexualidade responsável, que permita relações de eqüidade e respeito
entre os gêneros, protegendo os direitos dos adolescentes, a privacidade e a confidencialidade, respeitando os valores culturais e as crenças religiosas.
Uma das missões do pediatra é envolver as
famílias na discussão sobre sexualidade. A proposta
da educação sexual deve conter liberdade, responsabilidade e compromisso, para que adolescentes
de ambos os sexos possam ponderar decisões e
fazer escolhas mais adequadas como sujeitos.
Viver com HIV/AIDS não priva o adolescente do
direito a uma vida sexual. Cabe ao serviço de saúde
garantir ao jovem o acesso à informação e os recursos
que lhe permitam o exercício de sua sexualidade.
volume 5  nº 2  julho 2008
14
ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER
CONCLUSÕES
A chegada dos infectados pelo HIV à adolescência é uma novidade no cenário do convívio
social e da saúde, o que pode ser ratificado pela
literatura relativamente restrita sobre o assunto.
Diante do novo quadro, políticas públicas
precisam se voltar para ações que abranjam os cuidados que esses adolescentes devem receber além
dos habituais, proporcionando atenção global à
saúde do jovem e de sua família ou cuidadores,
Spinardi et al.
sendo necessárias equipes treinadas para esse objetivo. A abordagem do adolescente deve ser feita de
forma integral, personalizada, preferencialmente
por equipe multiprofissional, capacitada e sensibilizada para o atendimento global, reconhecendo as
transformações físicas, psicossociais e particularidades da doença.
O adolescente vivendo com HIV traz um novo
desafio para a adesão ao tratamento, a revelação
do diagnóstico, o exercício da sexualidade, a anticoncepção e a perspectiva de futuro.
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volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
ARTIGO ORIGINAL
Maria C. O. Costa1
Marc Bigras2
Karine E. P. de Souza3
Rosely C. de Carvalho4
Carlos A. S. T. Santos5
15
Violência e abuso contra crianças e
adolescentes, segundo os conselhos
tutelares, o Programa Sentinela de Feira
de Santana (BA) e o Centre Jeunesse de
Montreal
Violence and abuse against children and adolescents, according the
child protection service and Programa Sentinela of Feira de Santana (BA)
and Centre Jeunesse de Montréal
RESUMO
Objetivo: Analisar as características dos tipos de violência contra crianças e adolescentes e as associações entre variáveis, segundo dados dos conselhos
tutelares (CT) e do Programa Sentinela (PS) de Feira de Santana (BA) bem como a violência sexual registrada no Centre Jeunesse de Montréal – Institut
Universitaire (CJM-IU). Método: Estudo epidemiológico, de corte transversal, com todas as ocorrências dos CTs (2003-2004) e da violência sexual do
PS e do CJM-IU (2003-2005). Realizaram-se a coleta de dados de violências, vítimas e agressores, e as análises univariadas e bivariadas para associação
de dados. Resultados: Em Feira de Santana, as maiores proporções de vitimização ocorreram nas faixas de 2 a 13 anos, em ambos os sexos, sendo
mais freqüentes negligência (727), por omissão de cuidados e abandono; violência física (455), por espancamento; violência psicológica (374), por
amedrontamento. Os principais agressores foram os pais. A violência sexual nos dois países ocorreu no domicílio e os agressores foram pai, padrasto
e familiares. Em Feira de Santana foram registrados 72 casos de exploração. Conclusões: As violências se deram em todas as idades, em ambos os
sexos, sendo os pais os principais agressores, e a violência sexual acometeu adolescentes do sexo feminino violentadas por membros da família. Há
necessidade de divulgação do Disque-Denúncia para a diminuição do sub-registro e o fortalecimento da rede de proteção.
UNITERMOS
Violência; vítimas; agressores; infância; adolescência
ABSTRACT
Objective: To analyze the characteristics of violence against children and adolescents and the associations between variables, according to the child
protection service and Programa Sentinela of Feira de Santana, as well as the sexual violence registered in Centre Jeunesse de Montréal – Institut
Universitaire (CJM-IU), Montréal. Method: Epidemiologic transversal study with all the data of the child protection service (2003-2004) and the data
on sexual violence of Programa Sentinela and CJM-IU (2003-2005). Data on violence, victims and aggressors were collected, as well as unvaried
and bivaried associations were accomplished. Results: In Feira de Santana, the biggest ratios of victims were in the group aged 2 to 13 years in both
sexes. Negligence (727) by omission of basic cares and abandonment was the most frequent type of violence; physical violence (455), by beating;
psychological violence (374), by frightening. In Feira de Santana and Montréal, most sexual violence occurred at home and the aggressors were
father, stepfather and other relatives. In Feira de Santana 72 occurrences of sexual exploration were registered. Conclusions: Violence occurred to all
ages and both sexes, parents being the main aggressors; adolescent girls were victims of sexual violence by members of the family. It is necessary to
spread information on Dial-Denounce number for increase of the records and encouragement of the protection systems.
KEY WORDS
Violence; victims; aggressors; childhood; adolescence
Médica; professora-titular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS);
doutora em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de
São Paulo (EPM/UNIFESP); pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva do Núcleo de Estudos e Pesquisas na Infância e Adolescência (PPGSC/
NNEPA) da UEFS.
2
Professor da Université du Québec à Montréal (UQAM); diretor geral do Institut de
Recherche pour le Développement Social des Jeunes (IRDS), Canadá.
3
Enfermeira; mestra em Saúde Coletiva; pesquisadora do NNEPA/UEFS.
4
Enfermeira; professora-adjunta da UEFS; doutora em Saúde Pública pela Universidade
de São Paulo (USP); pesquisadora do PPGSC/NNEPA/UEFS.
5
Estatístico; professor da UEFS; doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA).
Pesquisa apoiada pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).
1
Adolescência & Saúde
volume 5  nº 2  julho 2008
16
VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES,
O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL
INTRODUÇÃO
No Brasil, o fenômeno da violência tem mobilizado múltiplas áreas do conhecimento na busca
por fortalecer parcerias que podem agilizar estratégias de prevenção e intervenção no enfrentamento
do problema. Essa prática visa assegurar o cumprimento de princípios fundamentais, legalmente
assegurados (Estatuto da Criança e do Adolescente
[ECA]), que na realidade não são cumpridos(13, 16).
No nosso meio, a violência estrutural (desigualdade social) tem contribuído para a violência
interpessoal nos diferentes segmentos sociais, em
especial na dinâmica e no modelo familiar. Estudos
apontam que a violência familiar, integrante do
contexto socioeconômico, pode influenciar a agressividade dos familiares, perpetuando a violência e
contribuindo para os inadequados desenvolvimento e integração social de crianças. Esse comportamento é freqüentemente justificado como forma
de educar transgressões de comportamento(14, 17).
No que diz respeito à violência interpessoal,
há cerca de três décadas a violência doméstica
(intradomiciliar) vem sendo estudada, tanto pela
magnitude, como pelas repercussões(2). A Política
Nacional de Redução da Morbimortalidade por
Acidentes e Violências do Ministério da Saúde (MS)
considera a violência um problema de saúde pública que deve ser avaliado e notificado. Nesse contexto, as leis e instrumentos legais que garantem à
infância e à adolescência seus direitos necessitam
ser mobilizados pelos segmentos e grupos sociais,
com vistas a viabilizar a prática desses direitos ante
a sociedade e a família(17).
No panorama de enfrentamento da violência
contra crianças e adolescentes, conclui-se que a
realização de pesquisas nessa área do conhecimento pode contribuir para a articulação entre as diferentes instâncias envolvidas na implementação de
ações voltadas à saúde, ao bem-estar e à integração
social de crianças e adolescentes, possibilitando-lhes
completar seu desenvolvimento de forma saudável.
O objetivo deste estudo foi analisar as características dos tipos de violência contra crianças e
adolescentes e as associações entre variáveis segundo os conselhos tutelares (CT) e o Programa
volume 5  nº 2  julho 2008
Costa et al.
Sentinela (PS) de Feira de Santana (BA), bem como
a violência sexual registrada no Centre Jeunesse de
Montreal – Institut Universitaire (CJM-IU), instituições reconhecidas como referência para denúncia
e encaminhamentos dessa problemática no Brasil
e no Canadá.
MÉTODO
Estudo epidemiológico, de corte transversal,
realizado nos municípios de Feira de Santana, BA, e
Montreal, Canadá. Foram coletados dados do total
de ocorrências registradas nos CTs no período de
1o de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2004.
Para a violência sexual, além dos dados dos CTs, foram coletadas as ocorrências do PS, além de registros do banco de dados do CJM-IU, no período de
1o de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2005.
Os CTs são instâncias autônomas das prefeituras
(Brasil), sendo responsáveis por atendimentos e
encaminhamentos das denúncias, investigação dos
casos e solicitação de medidas de proteção judicial
e serviços públicos para vítimas de violência. O PS
pertence à Secretaria do Desenvolvimento Social,
sendo referência para atendimento da violência sexual em municípios do Brasil. O CJM-IU, no estado
de Quebec e em Montreal, é a instância de referência para registros, acompanhamento e abrigo
às vítimas de violência.
As variáveis estão relacionadas com tipos de
violência, vítimas e agressores. Os dados foram
processados no programa SPSS 9.0 for Windows.
Para os dados de Feira de Santana foi realizado o
linkage (confrontamento de dados) entre os bancos dos CTs e do PS, tendo em vista evitar a duplicidade de registro. Foram calculadas freqüências
simples e proporcionais das variáveis, em acordo
com as instâncias, bem como realizadas associações entre dados sociodemográficos das vítimas
e agressores com manifestações da violência. Para
coleta foram solicitados autorização institucional
e alvará do Juizado da Infância e Adolescência do
município. O projeto foi aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de
Feira de Santana (CEP/UEFS), protocolo 04/2005
Adolescência & Saúde
Costa et al. VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES,
O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL
(Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
[CAAE] 0006.0.059.000-05), Resolução 196/96.
RESULTADOS
Os resultados são apresentados em tabelas e
gráficos, segundo dados de tipos de violência, vítimas
e agressores registrados nos CTs de Feira de Santana
no período 2003-2004, com exceção da violência sexual, cujos resultados são mostrados em gráficos, de
acordo com as instâncias estudadas no Brasil (CT e
PS) e no Canadá (CJM-IU) no período 2003-2005.
Em Feira de Santana, no período entre 2003
e 2004, segundo registros dos CTs, foram denunciados 1.293 casos de violência contra crianças e
adolescentes, 583 do sexo masculino e 573 do feminino, destacando-se a perda de 137 casos por
falta de registro de sexo ou faixa etária. A maioria
(78,1%) das ocorrências aconteceu no domicílio,
sendo 398 denúncias anônimas (30,8%), 277
(21,2%) pela mãe e 192 (14,9%) pelo pai. Os dados de etnia não se encontravam registrados em
977 prontuários, o que impossibilitou a análise dessa variável (dados não apresentados em tabelas).
A distribuição dos tipos e subtipos de violência
(Tabela 1) por faixa etária das vítimas (com exceção da violência sexual, apresentada em gráficos)
mostrou que, em alguns boletins de ocorrência, foi
registrado mais de um tipo de violência, totalizando 1.702 registros múltiplos. No geral, verificou-se
o acometimento em todas as idades, com maior
freqüência entre 2 e 13 anos e proporções diferenciadas, de acordo com o tipo de violência: a negligência (727) foi mais freqüente, por omissão de
cuidados (304), seguida de abandono (259), acometendo, principalmente, crianças menores de 5
anos e de 2 a 13 anos. A expulsão do domicílio foi
mais freqüente na faixa de 14 a 16 anos. A violência física (455) registrada em maioria absoluta foi
o espancamento (392), principalmente na faixa de
2 a 13 anos, embora presente em todas as outras
faixas, além de supressão alimentar, queimaduras
e fraturas. Entre os casos de violência psicológica
(374) destacou-se a tortura por amedrontamento
(219), mais freqüente entre 2 e 9 anos, além dos
Adolescência & Saúde
17
registros de ameaça de morte (28), humilhação
pública (52) e exposição indevida (63).
No que diz respeito à violência por identidade
do agressor (Tabela 2), verificou-se que, com exceção da violência sexual (mostrada em gráficos),
a mãe e o pai foram identificados como principais
agressores nas variáveis negligência e violências física
e psicológica, entre outras. Em relação aos agressores por faixa etária das vítimas, mãe, pai, padrasto e
madrasta mostraram as maiores proporções nas faixas entre 2 e 13 anos; outros familiares, nas faixas de
2 a 16 anos; e outros agressores, de 6 a 16 anos.
Quanto à violência sexual, nas instituições
dos dois países, no período 2003-2005 (Figuras
1 e 2), a maioria dos registros foi de abuso sexual. Em Feira de Santana, do total de 274 casos
identificados nos CTs e no PS, 202 foram de abuso
sexual, sendo verificados apenas 74 registros de
exploração sexual. Em Montreal, no mesmo período, foram notificados 159 casos, todos por abuso.
Em ambos os países, a faixa etária mais atingida
foi de 10 a 16 anos, sendo registrada em todas as
faixas da infância e da adolescência. Os agressores identificados foram pai, irmãos, familiares, mãe
e avô, entre outros; entretanto, em Montreal, as
maiores proporções ficaram com pai, outros e irmãos; enquanto em Feira de Santana, com outros
agressores, pai, padrasto e familiares. O domicílio
foi o local mais freqüente da ocorrência.
DISCUSSÃO
De acordo com os resultados da presente pesquisa (janeiro de 2003 a dezembro de 2004), e com
base no total das ocorrências dos CTs (1.293 casos), verificou-se uma média de 54 denúncias/mês,
correspondendo a cerca de 640 ocorrências/ano,
mas 78% dos casos aconteceram nos domicílios,
caracterizando um acontecimento familiar. Esses
achados corroboram estudos, em diferentes municípios, que apontam a violência doméstica como
a maioria dos casos registrados de violência(7). Os
baixos índices de denúncia verificados no presente
estudo estão de acordo com dados de pesquisas
que indicam a subnotificação da violência domésvolume 5  nº 2  julho 2008
18
VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES,
O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL
Costa et al.
Tabela 1
TIPOS E SUBTIPOS DE VIOLÊNCIA POR FAIXA ETÁRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VITIMIZADOS, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES
DE FEIRA DE SANTANA (2003-2004)
Faixa etária (anos)
≤ 2-5
Tipo de violência1
6-9
n
%
n
10-13
14-16
17-19
Ignorado
Total
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
Violência física
2
Espancamento
123
31,4
98
25
80
20,4
50
12,7
18
4,6
23
5,9
392
100
Queimadura
6
50
1
8,3
2
16,7
2
16,7
–
–
1
8,3
12
100
Fratura
2
40
1
20
2
40
–
–
–
–
–
–
5
100
Tortura física
4
66,6
–
–
1
16,7
–
–
1
16,7
–
–
6
100
Supressão alimentar
5
45,5
2
18,2
3
27,2
–
–
1
9,1
–
–
11
100
Outro tipo3
10
34,5
6
20,7
8
27,6
1
3,4
–
–
4
13,8
29
100
150
33
108
23,7
96
21,1
53
11,6
20
4,4
28
6,2
455
100
Ameaça de morte
5
17,9
6
21,4
5
17,8
9
32,2
–
–
3
10,7
28
100
Humilhação pública/privada
12
23
15
28,9
9
17,3
7
13,5
6
11,5
3
5,8
52
100
Tortura psicológica
80
36,5
62
28,3
37
16,9
26
11,9
8
3,7
6
2,7
219
100
Exposição indevida
22
35
10
15,9
17
27
4
6,3
4
6,3
6
9,5
63
100
Outro tipo5
8
66,7
1
8,3
–
–
–
–
1
8,3
2
16,7
12
100
127
34
94
25,1
68
18,2
46
12,3
19
5,1
20
5,3
374
100
Total
Violência psicológica
4
Total
Negligência familiar
6
Abandono
83
32
60
23,3
47
18,1
40
15,4
5
1,9
24
9,3
259
100
Expulsão
2
6,2
4
12,5
5
15,7
16
50
3
9,4
2
6,2
32
100
Omissão de cuidados básicos
139
45,7
69
22,7
56
18,4
16
5,3
4
1,3
20
6,6
304
100
Outro tipo
57
43,2
40
30,4
21
15,9
7
5,3
1
0,7
6
4,5
132
100
Total
281
38,7
173
23,8
129
17,7
79
10,9
13
1,8
52
7,1
727
100
Outras formas9
55
37,7
31
21,2
28
19,2
16
11
5
3,4
11
7,5
146
100
7
8
Respostas múltiplas; 455 respostas múltiplas; corte, afogamento, beliscões, empurrão, envenenamento, ferimento por arma branca, outros; 374 respostas múltiplas; ameaça, ameaça de
abandono, mendicância, discriminação racial, impedimento de acesso a genitor/genitora; 6727 respostas múltiplas; 7negação de atendimento de saúde, criança sem registro de nascimento,
mendicância, criança sozinha em casa, supressão alimentar, evasão escolar/hospitalar, desnutrição, negação de paternidade; 8impedimento de acesso a documento da criança, cárcere privado;
criança/adolescente preso no domicílio, falta de acesso a genitor/familiares; 9trabalho infantil.
1
2
3
tica contra crianças e adolescentes, uma vez que,
majoritariamente, costuma ser praticada por pais e
familiares(13, 20).
Cabe ressaltar que a subnotificação da violência contra crianças e adolescentes, que costuma
estar relacionada com fatores da dinâmica familiar,
pode ser agravada por determinantes globais, de
responsabilidade social, que podem ser viabilizados
por políticas públicas e medidas administrativas.
Entre as estratégias destacam-se a sensibilização da
volume 5  nº 2  julho 2008
4
5
população e funcionamento do Disque-Denúncia,
em tempo integral e caráter sigiloso, bem como a
sensibilização das autoridades para reavaliação do
funcionamento dos conselhos nos municípios.
Resultados de estudos apontam a necessidade de mudanças político-administrativas, em nível
municipal, quanto aos recursos necessários para
viabilizar o adequado funcionamento dos conselhos e a atenção à população em horário integral(3).
Essas medidas podem possibilitar maior participaAdolescência & Saúde
Costa et al. 19
VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES,
O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA, BAHIA, E O CENTRE JEUNESSE DE MONTRÉAL
Tabela 2
IDENTIDADE DO AGRESSOR POR FAIXA ETÁRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VITIMIZADOS E TIPOS DE VIOLÊNCIA, SEGUNDO OS
CONSELHOS TUTELARES DE FEIRA DE SANTANA (2003-2004)
Identidade do agressor(a)
Faixa etária
Mãe
Pai
n
%
≤ 1 ano
91
2-5 anos
198
6-9 anos
Padrasto
Madrasta
Outros
familiares*
n
%
n
n
n
%
%
14,1
50
12,1
1
2,2
1
4
30,7
112
27,4
10
21,7
5
20
163
25,3
102
24,9
14
30,5
11
44
10-13 anos
127
19,6
82
20
12
26,1
5
14-16 anos
55
8,5
55
13,4
6
13
1
17-19 anos
12
1,8
9
2,2
3
6,5
Total
646
100
410
100
46
Violência física
195
28,9
124
15,8
Violência psicológica
138
20,4
131
Negligência familiar
257
38
Outras formas**
86
Total
676
Outros
agressores**
Sem registro
%
n
%
n
6
6,8
1
0,9
2
6,2
23
26,2
4
3,7
7
21,9
15
17
29
26,8
7
21,9
20
18
20,4
36
33,4
5
15,6
4
20
22,8
30
27,8
7
21,9
2
8
6
6,8
8
7,4
4
12,5
100
25
100
88
100
108
100
32
100
25
36,8
14
40
22
22,7
55
52,9
6
22,2
16,8
16
23,5
10
28,6
28
28,9
34
32,7
5
18,5
481
61,6
19
27,9
6
17,1
28
28,9
8
7,7
11
40,7
12,7
45
5,8
8
11,8
5
14,3
19
19,5
7
6,7
5
18,6
100
781
100
68
100
35
100
97
100
104
100
27
100
%
Tipos de violência*
*Respostas múltiplas; **trabalho infantil.
90
0
≤ 5 anos
6-9 anos
10-13 anos
Feira de Santana
14-16 anos
17-19 anos
Ignorado
Pai
Feira de Santana
30 (10,5%)
16 (10,1%)
Avô
31 (19,5%)
35 (12,3%)
Irmão
23 (14,5%)
4 (2,5%)
19 (11,9%)
31 (10,9%)
Padrasto
0 (0%)
Mãe
Outros
Outros
Ignorado
familiares agressores
Montreal
Montreal
Figura 1 – Violência sexual* (abuso e exploração **) sofrida por crianças e adolescentes, segundo
instâncias de Feira de Santana (conselhos tutelares e Programa Sentinela) e de Montreal, 2003-2005
*Em Montreal foram verificados apenas casos de abuso sexual (159).
**Em Feira de Santana o abuso sexual totalizou 202 casos e a exploração, apenas 74 casos, na
faixa de 10 a 19 anos
ção popular no enfrentamento e na prevenção da
violência contra crianças e adolescentes, importante
problema social e de saúde no nosso meio.
Adolescência & Saúde
0
0 (0%)
20
0 (0%)
5 (2,5:%)
40
0 (0%)
12 (6%)
60
9 (5,7%)
39 (24,5%)
30 (18,9%)
10
28 (13,9%)
20
26 (12,9%)
30
32 (20,2%)
40
61 (38,4%)
80
34 (11,9%)
50
49 (30,8%)
100
46 (22,9%)
60
22 (7,7%)
120
5 (3,1%)
70
133 (46,7%)
140
84 (41,8%)
80
Figura 2 – Identidade do agressor da violência sexual (abuso e exploração) contra crianças e
adolescentes, segundo instâncias de Feira de Santana (conselhos tutelares e Programa Sentinela)
e Montreal, 2003-2005
Outros agressores: desconhecidos, funcionários das instituições, colegas de escola cafetões etc.
No Canadá, estudo realizado nas províncias de
Ontário, Quebec e Alberta, com amostragem de 51
instituições de atendimento às vítimas, totalizando
volume 5  nº 2  julho 2008
20
VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES,
O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL
7.672 investigações, apontou 25% de abuso físico,
contudo 23% do total de casos apresentaram-se
como forma primária de violência, 10% de violência
sexual e 46% de negligência entre todas as investigações (desde falta de supervisão familiar e exposição indevida a riscos ambientais até violência sexual)(11, 19).
De acordo com dados do CT de Feira de
Santana, as faixas mais acometidas foram de 2 a 5,
6 a 9 e 10 a 13 anos, embora com acometimento
também de lactentes (< 1 ano). Quanto à violência
sexual, as maiores proporções foram entre adolescentes (10 a 16 anos) nas instituições dos dois
países. Foi observada equivalência entre os sexos
das vítimas, porém, nas faixas tardias da adolescência, as meninas foram mais violentadas(10).
Alguns estudos indicam que a violência sexual
recai sobre o sexo feminino em quase 80% dos
casos(7, 10). A realidade é que muitas adolescentes
encontram-se expostas, sendo violentadas principalmente por pessoas conhecidas e/ou da família.
Em Feira de Santana, a principal forma de denúncia da violência foi anônima (30,8% do total
dos registros), o que sugere alguma participação
popular como possível resultado da mobilização da
Rede de Atendimento, Defesa e Responsabilização
do município. Compreende-se que o anonimato
constitui importante estratégia de estímulo à denúncia, bem como a sensibilização da comunidade
pela mídia e a capacitação continuada dos conselheiros e profissionais da rede. A baixa notificação
em escolas e serviços de saúde pode ser conseqüência do despreparo dos profissionais em lidar
com situações de violência e encaminhamentos, da
falta de conhecimento das leis (ECA) e da obrigatoriedade de denúncia de casos suspeitos(3, 12, 16).
Segundo dados dos CTs de Feira de Santana, a
negligência familiar foi responsável pela maior parte
das denúncias, por omissão de cuidados e abandono. Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), a negligência familiar acontece quando os
responsáveis falham na provisão de cuidados adequados para o desenvolvimento físico, emocional
e social(20), sendo o abandono considerado o tipo
mais grave de negligência, além de grave problema
social(17). Sabe-se que crianças e adolescentes são
vulneráveis para enfrentar sozinhos as exigências do
volume 5  nº 2  julho 2008
Costa et al.
ambiente, tendo em vista a imaturidade inerente ao
desenvolvimento biopsicossocial, apesar de toda a
resiliência de que são capazes nas diferentes circunstâncias(8). Nos EUA e no Canadá, estudos apontam
que a maioria das agressões contra crianças tem
como causa a negligência familiar(1, 11, 19).
Ainda em relação às manifestações do fenômeno, a violência física é identificada como a forma mais
visível. Nesta pesquisa foi observado acometimento
de todas as faixas etárias, intensificado a partir dos
dois anos. Esses dados concordam com resultados
de estudos em diferentes instituições (Polícia, Justiça
da Infância e da Juventude, Justiça Criminal) da cidade de São Paulo (1981), na qual foi constatada maior
freqüência de casos notificados de crianças de 7 a
13 anos(1, 2). Outro aspecto mostrado neste estudo é
o acometimento significativo de crianças pequenas,
corroborando pesquisas que associam achados clínicos a histórias “acidentais” expressas pelos pais(9, 20).
Sabe-se que as síndromes do “bebê sacudido” e da
“criança espancada” geram problemas orgânicos
graves, que podem ter como conseqüências fraturas, hematomas, lesões cerebrais, queimaduras, entre outros(5). Na adolescência, a violência física costuma estar relacionada com a necessidade de conter
mudanças de comportamento, características dessa
fase, o que pode estar associado à mútua rejeição entre pais e filhos, além de sentimentos contraditórios,
reconhecimento pela família e rompimento(1, 8).
Cabe ressaltar que punições físicas severas,
como espancamentos, constituem um problema de
abrangência mundial, atingindo crianças e adolescentes de diferentes culturas. O espancamento pode
ser causa de óbito, incapacidades física, bem como
ser desencadeante de comportamentos violentos nos
quais as vítimas se transformam em agressores, transmitindo a violência para as gerações posteriores(20).
Segundo a OMS, pesquisa realizada em 1995
apontou que, nos EUA, os pais utilizavam diversas
formas de punições corporais contra os filhos. Na
República da Coréia, 45% dos pais confirmaram alguma forma de espancamento(20).
Entre as manifestações da violência, a psicológica é uma das mais difíceis de ser identificada, por não
produzir evidências imediatas. Conseqüentemente,
costuma ser pouco notificada, fazendo parte do corAdolescência & Saúde
Costa et al. VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES,
O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL
tejo dos outros tipos de violência(2, 5, 8). Segundo estudiosos, de modo geral todas as formas de violência psicológica convergem para o abuso emocional,
caracterizado por ameaças verbais com conteúdo
violento, provocando reações de medo, frustração
e temor pela integridade física(1, 8).
Em Feira de Santana, a violência psicológica foi
registrada em todas as faixas etárias até 16 anos. No
Rio de Janeiro, em 1991, pesquisa em escolas públicas e particulares de Duque de Caxias demonstrou
que mais de 50% sofreram agressões verbais, por
meio de insultos, por parte de seus pais(1).
Quanto à caracterização dos agressores, os
resultados do presente estudo apontaram que mãe
e pai lideraram as proporções das violências, em
geral, com exceção da violência sexual, na qual
pai, padrasto e outros familiares se destacaram.
Pesquisas realizadas em Recife, Rio de Janeiro e São
Paulo, nos Centros Regionais de Atenção a Maus
Tratos na Infância (CRAMIs)(7) verificaram a mãe
como principal agressora, o que pode ser explicado pela maior permanência no lar e pelo contexto
de adversidade socioeconômica (desemprego, falta de assistência social etc.).
No que diz respeito à violência sexual, estudiosos apontam que a maior parte das famílias e
vítimas não registrou a queixa por constrangimento, receio de humilhação, medo da falta de compreensão ou interpretação equivocada de familiares, amigos, vizinhos e autoridades. Sabe-se que o
índice de subnotificação é muito alto(15, 20).
Em relação aos achados desta pesquisa, cabe
destacar as altas proporções na adolescência precoce
nos dois países, bem como os baixos índices de registro de violência sexual em relação aos outros tipos
de violência, principalmente a subnotificação quanto
aos casos de exploração sexual. Feira de Santana é
considerada município de alto risco para exploração
sexual de crianças e adolescentes por estar localizada
em importante entroncamento rodoviário de interlocução entre as regiões Norte-Nordeste e o Sudeste
do país (cinco rodovias, tanto estaduais quanto federais). É o portal da região do semi-árido da Bahia,
a exemplo dos municípios de fronteira identificados
de risco para a exploração sexual, como Corumbá,
Manaus, Rio Branco, entre outros.
Adolescência & Saúde
21
Em atendimento a essa demanda social, em
2003 foi implantado no município a comissão municipal do Programa de Ações Integradas e Referenciais
(PAIR) para enfrentamento da violência sexual contra
crianças e adolescentes, contando com a participação
de instâncias de atendimento, direitos e responsabilização, sob a coordenação da Secretaria Nacional
de Direitos Humanos e do Desenvolvimento Social,
tendo como parceiros os CTs, PS e segmentos sociais (Organização Internacional do Trabalho [OIT],
universidades, sistemas de saúde, educação, justiça
e trabalho, ação social, organizações não-governamentais [ONGs] etc.)(5, 6).
CONCLUSÃO
Os tipos de violência mais freqüentes foram negligência, por omissão de cuidados básicos e abandono; violência física, por espancamento; violência
psicológica, por amedrontamento e humilhação e
violência sexual, por abuso de origem familiar.
Com exceção da violência sexual, as idades
mais acometidas foram entre 2 e 13 anos, em ambos os sexos, sendo os principais agressores a mãe
e o pai, e a ocorrência deu-se no domicílio.
Nos municípios de Feira de Santana e
Montreal, a violência sexual foi registrada em todas
as faixas etárias da infância e da adolescência, com
maior freqüência entre 10 e 16 anos, e os principais
agressores identificados foram pai, padrasto, familiares e irmãos, entre outros. A exploração sexual
foi notificada, apenas em Feira de Santana, entre
adolescentes de 10 a 19 anos.
Os resultados desta e de outras pesquisas indicam subnotificação em todos os tipos de violência
contra crianças e adolescentes, em particular a sexual,
considerando-se a situação de vulnerabilidade e exposição em que vivem, bem como de impunidade no
cumprimento das leis. A impunidade e a exposição de
nossas crianças a prejuízos severos comprometem a
dignidade de todos, considerando que os adultos são
responsáveis pela elaboração e pelo cumprimento das
leis, bem como são reconhecidos como referenciais
de formação social e proteção dos jovens na condição
de sujeitos para o exercício da cidadania plena.
volume 5  nº 2  julho 2008
22
VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES,
O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL
Costa et al.
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volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
ARTIGO ORIGINAL
Stella R. Taquette
23
Sobre a gravidez na adolescência
About adolescence pregnancy
RESUMO
Este artigo tem por objetivo enriquecer o debate em torno do “fenômeno” da gravidez na adolescência, revelando a visão da autora,
advinda de sua experiência no atendimento de crianças e adolescentes, de leituras de bibliografia sobre o tema, tanto científica como
leiga, assim como de estudos empíricos.
UNITERMOS
Adolescência; gravidez; sexualidade; gênero
ABSTRACT
This article intends to enrich the discussion about the “phenomenon” of adolescence pregnancy. It discloses the author’s opinion, based on
her experience with children and adolescent care, the literature – scientific or not – and also empirical studies.
KEY WORDS
Adolescence; pregnancy; sexuality; gender
INTRODUÇÃO
A temática “gravidez na adolescência” está
em pauta há vários anos no meio acadêmico e na
sociedade como um todo. A gestação nessa faixa
etária é considerada precoce, indesejada, não-planejada e, conseqüentemente, um problema a ser
solucionado. Vários estudos têm sido desenvolvidos, por pesquisadores de diversos campos, no
intuito de compreender esse fenômeno complexo,
cujas variáveis envolvidas são muitas e que para ser
entendido precisa ser contextualizado e abordado dialeticamente. Apesar disso, o senso comum
reflete uma realidade parcial e reducionista, que
colabora para manter a questão como problema
exclusivo da adolescente que engravida. Ficam fora
dessa análise o parceiro e o contexto social, cuja
influência na sexualidade das pessoas não pode ser
negada e muito menos desprezada ou ignorada.
Algumas afirmações do senso comum referentes a esse tema são dignas de destaque:
Adolescência & Saúde
• adolescentes estão “transando” devido ao excesso de mensagens sexuais na mídia;
• adolescentes são imediatistas, imaturas, irresponsáveis e têm desejos intensos;
• adolescentes são promíscuas;
• adolescentes ficam grávidas por falta de informação contraceptiva e porque não sabem usar contraceptivos;
• os pais são muito permissivos com as filhas adolescentes e não conversam com elas;
• o controle da natalidade pode reduzir a fecundidade das adolescentes das classes menos favorecidas e com isso reduzir a pobreza e a violência nas
grandes metrópoles brasileiras.
Observamos essas opiniões não só na população geral, mas também dentro da própria área da
saúde, entre aqueles profissionais que não lidam
diretamente com adolescentes.
Doutora em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP/Ribeirão Preto); assessora
especial da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres.
volume 5  nº 2  julho 2008
24
SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA
PESQUISAS E REFLEXÕES SOBRE
GESTAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA
Pesquisas e reflexões revelam que atualmente
a gravidez na adolescência é vista por alguns quase como uma doença a ser prevenida. Entretanto,
quando consideramos o passado, vemos que nossas
avós e bisavós foram mães adolescentes e isso era
encarado de forma natural. A faixa etária adolescente foi, por muito tempo, considerada a ideal para
a mulher ter filhos. Hoje já não se pensa assim, pois
se considera que a gravidez provoca a interrupção
de um processo de crescimento e amadurecimento
e resulta em perdas de oportunidades. É uma idade
propícia à escolarização, ao início da vida profissional e ao exercício da sexualidade desvinculado da
reprodução. Da mesma forma, fala-se numa erotização precoce das crianças, devido à abundância de
mensagens sexuais na mídia e à maior liberdade sexual. No entanto, nos séculos passados, era comum
as crianças brincarem com os próprios genitais sem
que isso configurasse prática erótica(1).
A gravidez na adolescência, aos olhos do senso comum e da mídia, se apresenta como um problema muito mais sério do que, por exemplo, as
doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), essas,
sim, que deveriam ser prevenidas. Não raro pais
e mães levam suas filhas adolescentes ao médico
para que este lhes receite pílulas anticoncepcionais.
Por outro lado, não vemos a mesma preocupação
com os rapazes e nem com a prevenção de DSTs.
Algumas indagações perante situações observadas ficam sem resposta em razão da dificuldade
em respondê-las. A gravidez em adolescentes é vista
como de risco médico, psicológico e social. O discurso da medicina aponta que a gestante adolescente apresenta maior incidência de doença hipertensiva da gravidez, de parto prematuro e de bebês
com baixo peso ao nascer(1, 5, 10, 14). Do ponto de vista psicológico, mães adolescentes são rotuladas de
imaturas e portanto sem capacidade de cuidar apropriadamente de seus filhos, aumentando o risco de
acidentes e de infecções(13). Socialmente, a gravidez
na adolescência resultaria numa perda de oportunidades e perspectivas de ascensão social devido ao
abandono escolar e ao aumento das famílias movolume 5  nº 2  julho 2008
Taquette
noparentais, o que agravaria a pobreza e levaria a
uma maior probabilidade de comportamentos antisociais e conseqüente envolvimento com crimes(12).
Estudos revelam que a gravidez na adolescência freqüentemente está associada a graves problemas psicossociais, como alcoolismo, famílias desestruturadas, baixo nível socioeconômico, carências
de ordem afetiva, principalmente da figura paterna(8, 18). A ausência do pai e antecedentes como história familiar de gravidez, baixa renda e repetência
ou abandono escolar também foram evidenciados
por Persona et al.(16), em pesquisa sobre repetição
da gravidez na adolescência.
Outros estudos corroboram esses achados e
destacam, porém, que a gravidez não necessariamente representa ruptura ou abandono de projetos de vida. As adolescentes mães se sentem mais
valorizadas pela sociedade, adquirem outro status,
que lhes permite maior mobilidade social e realização de projetos(15). Por outro lado, ao ouvir adolescentes que engravidaram, observamos situações
diversas de envolvimento afetivo. Às vezes a gravidez é inesperada, mas desejada inconscientemente; em outras é até programada. Em geral, a gravidez é decorrência de um envolvimento afetivo e
sentida como acontecimento positivo, que coloca
em evidência a sexualidade juvenil e oferece maior
autonomia às adolescentes(11).
SEXUALIDADE HUMANA E A
ENTRADA NA VIDA ADULTA
A sexualidade humana nunca foi vivenciada
de forma livre. Em todas as épocas da humanidade sofreu e sofre algum tipo de interdição, que é
variável conforme o momento histórico e social.
Segundo a visão da antropologia social, a primeira
interdição à sexualidade, o tabu do incesto, é fundamento da cultura humana. Antes de se organizar
em sociedade o homem vivia, como os macacos
superiores, em hordas de várias fêmeas chefiadas
por um macho que ordenava a morte de todos os
machos que nascessem. A partir da sobrevivência
de alguns, surgiram novas hordas em que eram
proibidas as relações sexuais entre parentes, no
Adolescência & Saúde
Taquette intuito de proliferar a espécie. Em outras épocas,
diferentes proibições surgiram por diversos motivos: econômicos, religiosos etc.(9).
Na sociedade contemporânea, vivemos uma
época de maior liberdade sexual desde o advento
dos contraceptivos hormonais orais, que proporcionou a desvinculação quase total entre sexualidade e reprodução. Hoje, na maioria das camadas
sociais, é aceita a atividade sexual antes do casamento, e a mulher conquistou maior independência para desfrutar do prazer do sexo, anteriormente
prerrogativa apenas do homem. Além disso, houve
intensificação das mensagens sexuais veiculadas
pela mídia, o que certamente proporcionou alguma influência no exercício sexual das pessoas.
Entretanto, apesar da maior liberdade e do estímulo à atividade sexual, vemos uma diversidade de
experiências entre os jovens. Nessa etapa da vida, os
indivíduos são muito influenciados pelo meio externo à família, pois se encontram num necessário momento de afastamento dos seus pais. Esses, apesar
de perceberem o que acontece com a vida sexual
dos filhos, não conseguem orientá-los efetivamente,
pois não se consideram aptos para falar de sexualidade ou de métodos contraceptivos(6).
Na adolescência há um natural abandono dos
ideais infantis, uma busca de novos ideais no meio social e uma separação progressiva dos pais. Ocorrem
escolhas de novos laços sociais e afetivos. Nesse momento, o grupo de iguais exerce enorme influência,
impondo normas e regras sob forma de modelos,
comportamentos, costumes, leis e práticas diversas.
Os jovens, portanto, são muito suscetíveis às
influências do grupo de iguais. Dependendo do ambiente social em que vivem, suas atitudes perante o
sexo diferem. Há grupos com regras bem divergentes dos demais. Por exemplo, aqueles associados à
religião cristã são orientados a se manterem castos
até o casamento. Outros são implicados em grupos
que refletem a cultura funk, que estimula, por meio
da música, um exercício sexual precoce altamente associado ao prazer. Novos grupos surgem a cada momento. Não podemos esquecer da forte influência
das questões de gênero na sexualidade. Esse sistema
impõe regras que são incorporadas como naturais,
mas que na verdade são socialmente construídas. Os
Adolescência & Saúde
SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA
25
homens são estimulados a iniciar a atividade sexual
precocemente e a exercitá-la sempre. Já as mulheres
devem-se guardar e são desvalorizadas quando assumem um comportamento semelhante àquele que é
esperado do homem. Nessa visão de construção social do comportamento sexual, é bom destacarmos
também a intolerância às expressões homossexuais.
Um movimento interessante é assumido pelo grupo
de emotional hardcores (EMOs), que vivem o sexo
com liberdade e afeto e aceitam os relacionamentos
entre pessoas do mesmo sexo, diferindo, portanto,
dos demais indivíduos de mesma faixa etária.
Em pesquisa qualitativa realizada por meio de
reuniões em grupos focais e entrevistas individuais
semi-estruturadas, foram discutidos temas relacionados com a sexualidade, ficando patente que a moral
social, a família, o grupo de iguais e o nível socioeconômico exercem enorme influência no comportamento sexual dos jovens. Os resultados indicaram
que as adolescentes que têm um investimento afetivo familiar se apropriam mais de sua sexualidade,
agem com maior proteção e não se submetem meramente à satisfação dos desejos de outrem, pois se
tornam mais sujeitos de sua própria sexualidade(17).
Estudos revelam que hoje o desejo sexual é
vivenciado de forma mais livre, e o sexo por prazer
vem substituindo o mito do amor romântico(7). A
idade média do primeiro intercurso sexual é mais
baixa, por volta de 15 e 14 anos, para meninas e
meninos, respectivamente(12). E, apesar da imagem
social de promiscuidade da adolescência, pesquisa
nacional verificou que cerca de 70% dos jovens sexualmente ativos de todas as faixas etárias referem
somente um parceiro sexual(4). Verifica-se que as
práticas sexuais são diversas, assim como o perfil
reprodutivo dos jovens(3).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos constatar que as opiniões variadas
e simplificadas sobre a gravidez na faixa etária da
adolescência não conseguem explicar, muito menos comprovar, uma relação de causalidade. Esse
fenômeno é complexo, carregado de subjetividade
e de influências sociais.
volume 5  nº 2  julho 2008
26
SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA
A gravidez na adolescência está associada à
baixa escolaridade e ao baixo nível socioeconômico. A solução que se apresenta nas políticas públicas de saúde e educação é a do planejamento familiar, com forte ênfase nos métodos contraceptivos.
É como se disséssemos: adolescentes pobres e com
pouca escolaridade não devem ter filhos. Não seria mais justo resolver o problema da gravidez na
adolescência investindo em melhores condições de
vida (aumentar a escolaridade e as oportunidades
de ascensão social e melhorar a renda) para que
as pessoas tenham o direito e a possibilidade de
escolher em que momento ter ou não filhos?
Taquette
Para finalizar, vale transcrever a fala de uma
adolescente que representa de forma contundente
os questionamentos aqui apresentados. Ela exemplifica, singularmente, como as adolescentes brasileiras, desprovidas de afeto e cidadania, reduzem
seus sonhos de realização, como pessoa e como
mulher, ao casamento e à maternidade:
“...um dia eu quis ser alguém na vida, assim,
ser advogada, médica, dentista. Mas hoje eu acho
que eu já desiludi. Eu não quero ser mais nada.
Quero apenas ser dona de casa. Casar e ser dona
de casa” (Liliane, 15 anos).
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volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
ARTIGO ORIGINAL
Thiago Roseiro1
Margareth Attianezi2
27
A puberfonia e o universo da voz
masculina
Puberphonia and the male voice universe
RESUMO
Este artigo tem por objetivo o esclarecimento do profissional de saúde que trabalha com adolescentes sobre os impactos vocais e
sociais da puberfonia ou falsete mutacional em jovens do sexo masculino. Discute os mecanismos anatômicos e fisiológicos da produção da voz com uma abordagem histórica, lembrando o período medieval, quando crianças eram castradas para atender finalidades
especificamente artísticas da época. A castração não era garantia do aparecimento de um prodigioso cantor, no entanto suscitava no
castrati dificuldades no reconhecimento do seu próprio lugar enquanto sujeito numa sociedade patriarcal. Ainda hoje, nos tempos
modernos, se observam alguns padrões do pensamento medieval sobre masculinidade. O puberfônico, quando se depara com a intolerância da sociedade às diferenças, sofre com rótulos e preconceitos. Algumas vezes isso é reflexo de como a sociedade reconhece
essa diferença; outras, de como esse adolescente se reconhece na sociedade. A voz aguda acarreta, além de impactos sociais e psicológicos, impactos orgânicos. O puberfônico pode apresentar uma patologia vocal de origem funcional. Portanto, é imprescindível
pensar num processo de terapia vocal para esse adolescente, que abranja exercícios para a voz e que desenvolva possibilidades desse
indivíduo descobrir uma nova voz.
UNITERMOS
Puberfonia; voz na adolescência; disfonia
ABSTRACT
This article has as objective the clarification for the health professional, who works with adolescence, about vocal and social impacts of
puberphonia or mutational falsettos on young male adults. It discusses the anatomical and the physiological mechanisms of production of
the voice taking historical approaches, looking at the medieval period, when children were castrated to meet specific artistic purposes of that
time. The castration was not a guarantee of the creation of a prodigious singer, however, it caused on the castrati difficulties in recognition of
their place in a patriarchal society. Now, in modern times, some patterns of the medieval vision of masculinity are still seen. The puberphonic,
when facing society’s intolerance to differences, suffers with labels and prejudices. Sometimes it comes from how society recognizes difference,
and sometimes, as this teenager recognizes himself in society. The acute vocal pitch produces not just social and psycological impacts but
also organic ones. The puberphonics may present a vocal pathology of functional origin. It is therefore mandatory to think of a vocal terapy
process for this teenager to extend exercises for the voice well as to develop possibilities to discover a new voice.
KEY WORDS
Puberphonia; voice in the adolescence; dysphonia
INTRODUÇÃO
A voz como um “presente” natural exerce
um papel fundamental na evolução das habilidades comunicativas humanas. Em uma sociedade
cuja comunicação oral é uma forma fundamental
de relação com os demais seres, a voz cria, dentro
do mecanismo da fala, o papel de mensageiro subliminar das informações verbais. É por meio das
entonações da voz (a prosódia) que se transmite
Adolescência & Saúde
a emoção da fala. Nela estão características que
podem dizer muito sobre o sujeito e sua forma de
lidar com o mundo.
A adolescência pode ser aqui entendida como
um período em que esse indivíduo está se desembaraçando da identidade infantil, mas ainda não se
Fonoaudiólogo do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (NESA/UERJ).
2
Fonoaudióloga do NESA/UERJ; mestre em Saúde Coletiva do Núcleo de Estudos de
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NESC/UFRJ).
1
volume 5  nº 2  julho 2008
28
A PUBERFONIA E O UNIVERSO DA VOZ MASCULINA reconhece numa identidade adulta. Soma-se a isso
o aparecimento dos caracteres sexuais secundários
e a necessidade de identificação social para além
do ambiente familiar.
Attianezi(1) aponta que ao entrar na puberdade os caracteres sexuais secundários são definidos,
e a voz sofre modificações significativas em decorrência dos novos padrões hormonais. Durante
a adolescência há aumento súbito no índice de
crescimento e no tamanho da laringe, principal
órgão da fonação. As características femininas e
masculinas emergem. A muda vocal decorre desses
novos padrões hormonais, que, atuando na laringe, transformam-na em uma laringe adulta, tendo
como conseqüência forte impacto vocal.
Para meninos em período de muda vocal,
a instabilidade tonal é bem marcada. A voz sofre
modificações devido ao crescimento estrutural da
laringe, ao maior abastecimento respiratório e a
questões comportamentais. Isso leva esse adolescente a um padrão vocal de tonalidade mais grave
e mais condizente com o socialmente esperado
para um homem adulto.
Em homens as pregas vocais não só aumentam cerca de 10 mm em comprimento, pelo aumento ântero-posterior da cartilagem tireóide,
como também se espessam. A laringe sofre rebaixamento em relação a sua posição cervical, há
uma ampliação das cavidades de ressonância e,
como conseqüência, a porção inferior da extensão vocal (freqüências graves) cai cerca de uma
oitava. A freqüência vocal de adultos jovens do
sexo masculino é aproximadamente C3 (a nota
dó que fica localizada na tecla central do piano)
na escala musical. Essas alterações ocasionam
como características rouquidão e quebras de sonoridade temporárias.
Em alguns casos, apesar do crescimento
normal e do desenvolvimento das características
sexuais secundárias, o adolescente pode reter uma
voz típica do período pré-muda vocal. Esse distúrbio
vocal é de origem predominantemente funcional,
ou seja, relacionado com o mau uso da voz e do
aparelho fonador, propiciando fonação em falsete.
As mudanças observadas entre a fonação normal e a em falsete nos levam a crer que haja alta
volume 5  nº 2  julho 2008
Roseiro & Attianezi
elevação da laringe associada à mudança do tom
para cima. Dessa forma, o que caracteriza a voz
do adolescente portador de falsete mutacional ou
puberfonia é uma voz agudizada, estridente, metálica, que pode ser confundida com a voz feminina.
Tsuji et al.(12) referem que quando uma pessoa
produz um pitch vocal (sensação auditiva do som
da voz) não condizente com o de seu sexo, esse fator resultará em muitos inconvenientes, principalmente na esfera social, podendo causar inúmeros
prejuízos psicológicos e profissionais.
IMPACTOS HISTÓRICO-SOCIAIS
Ao longo da história da humanidade a assimetria das relações entre homens, mulheres e
crianças é marcante e favorável ao pensamento do
homem como a figura de poder. No entanto, como
observou o proeminente político e revolucionário
orador francês Honoré-Gabriel Riqueti, conde de
Mirabeau (1749-1791): “chegou o tempo de julgar
os homens pelo que têm aqui, sob a testa, entre
as sobrancelhas”. A partir desse pensamento de
Mirabeau, é possível entender dois homens: o que
pode ser julgado pelo que lhe é evidente, e o que
pode ser julgado por algo que se originaria na mente. Em ambos os casos, a voz é tangível, pois uma
voz forte e grave propicia um julgamento de força,
de ordem, de segurança e de razão, exemplo da
“inaudível voz divina”, pois é pouco provável que
alguns mais religiosos, ao pensar na voz de Deus, o
façam mentalizando uma voz fina e fraca.
Em outra óptica, a história nos remete ao
final do século XVI, quando os madrigais eram
considerados formas profanas de manifestação
musical cantadas com vozes femininas. O gosto
pelo timbre feminino ganhou a sociedade européia da época. Diante dessa circunstância, a Igreja
e a sociedade buscaram trazer para seus rituais
artísticos esse timbre agudo sob uma outra forma,
pois não era permitido à mulher “ter voz”. Assim,
como recurso, se valem da castração de meninos
com idades entre 7 e 12 anos, considerado período pré-muda vocal, o que impedia o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, incluinAdolescência & Saúde
Roseiro & Attianezi do o desenvolvimento vocal para um timbre mais
grave, mantendo-se a voz da criança. Essa prática
gerou grandes cantores ovacionados pelo público
por suas lindas e destras vozes.
A prática da castração se deu para cumprir
finalidades especificamente artísticas da época por
parte da igreja e objetivando a ascensão social por
parte de algumas famílias. Porém a castração não
garantia o surgimento de um cantor prodigioso,
pois tal fenômeno não depende apenas de características biológicas(8, 11).
Os castrati que se tornaram grandes cantores têm o reconhecimento da sociedade até os
dias atuais. Como exemplo citamos o napolitano
Carlo Broschi (Farinelli), um dos últimos castrati,
considerado o mais bem pago da história. No entanto, percebe-se que as repercussões da ausência
hormonal suscitavam no indivíduo diversas questões de ordem sexual, psicológica e social, visto
que a voz traduzia todo o lado infantil/feminino
ao falar e eclipsava o homem diante dos outros.
Principalmente diante de uma sociedade de estrutura patriarcal.
Avançando no tempo, para o adolescente
moderno tais questões talvez não se mostrem tão
diferentes, embora as implicações orgânicas sejam
menores para o puberfônico. Para diagnosticar
uma puberfonia necessita-se descartar a possibilidade de alterações orgânicas. No entanto os preceitos sociais de visão de homem e de masculinidade ainda têm uma raiz histórica forte. Tanto que,
quando se reflete sobre as questões do gênero, as
estruturas sociais e históricas privilegiam o homem,
atribuindo a ele virilidade. Quando esse jovem vai
de encontro ao imaginário coletivo, facilmente recebe rótulos por não estar em adequação ao padrão esperado para um homem.
IMPACTOS ORGÂNICOS
Pinho(9) afirma: “o trato vocal é propenso a
alto grau de absorção de energia, devido ao predomínio de elementos moles e absorventes. Além disso, não mantendo diâmetro absolutamente constante, determina a formação de várias freqüências
de ressonância”.
Adolescência & Saúde
A PUBERFONIA E O UNIVERSO DA VOZ MASCULINA
29
No entanto o uso de uma excessiva constrição
laríngea e tensão, característico da produção da voz
aguda, pode levar à formação de elementos patológicos na região glótica, como nódulos e edemas, assim como a configurações glóticas condizentes com
essas patologias, as chamadas fendas glóticas. Esse
quadro, no qual o mau uso da voz leva a lesão da
estrutura glótica e sua reconfiguração, é classificado
como uma disfonia orgânica funcional. (1, 9).
IMPACTOS PSICOLÓGICOS
A instabilidade gerada pela percepção de não
se encontrar mais no universo infantil, tampouco
estar inserido no universo adulto, por vezes propicia o prolongamento do período de muda vocal. Normalmente essas inadaptações apresentam
caráter passageiro. Contudo, quando há implicações na questão da identidade do sujeito, como a
infantilização e a busca de uma identidade sexual
e/ou tribal, é preciso refletir sobre o cerne desses
processos para se pensar posteriormente em uma
metodologia terapêutica melhor.
Ao se referir à adolescência, a palavra identidade pode ser encontrada em uma diversidade de conceitos biológicos, sociais e da unidade
do sujeito. Uma identidade se constitui a partir
dos modelos disponíveis a esse sujeito. Nesse
aspecto, podemos entender que a identificação
do sujeito com uma figura adulta – e mais tarde
sua identificação numa figura adulta – explora o
campo da permissibilidade que a sociedade dá a
esse indivíduo de elaborar suas possibilidades e,
em contrapartida, o quanto esse sujeito se permite explorar tais possibilidades(5).
Assumir uma nova postura vocal implica mais
do que diminuir a voz em alguns tons. Perceberse enquanto sujeito da sua voz talvez seja o ponto
central dessa discussão, pois o lugar social ocupado
pelo sujeito, seja por escolha, permissividade, ou por
imposição social, coloca esse adolescente geralmente numa posição desfavorável de enfrentamento das
dificuldades da vida, ao se deparar com a intolerância da sociedade às diferenças. Desse modo, a voz,
que há um tempo é reflexo de sua história, pode não
estar sendo uma aliada diante dessas dificuldades.
volume 5  nº 2  julho 2008
30
A PUBERFONIA E O UNIVERSO DA VOZ MASCULINA CONCLUSÃO
O tratamento para puberfonia costuma ser
rápido e bastante eficaz. A terapia vocal enfoca
exercícios que visam o relaxamento corpóreo, o
rebaixamento laríngeo, a adequação respiratória
para a fala e o foco ressonantal. A descoberta
de uma nova voz de tom mais grave requer o
desenvolvimento de novas impressões auditivas
e sinestésicas sobre seu aparelho fonador e sua
produção vocal.
Contudo, paralelamente à terapia vocal, devese ter em mente as questões que levam esse indivíduo a produzir uma voz aguda. E que essa voz já
faz parte de como esse indivíduo se reconhece.
Durante as sessões do processo terapêutico
geralmente aparece outra possibilidade vocal distinta dessa que o adolescente sustenta. Uma voz de
tom mais grave, a qual ele não consegue por vezes
identificar como a sua própria voz. Assim, ele não
Roseiro & Attianezi
se reconhece nessa nova voz, pois na “outra voz”
ele está seguro de seu conhecimento sobre si, até
mesmo sobre o papel social que construiu ao longo
de sua vida. Logo, ao assumir a responsabilidade de
uma nova voz, emerge então uma parte dele mesmo, que poderá ser reconhecida como própria.
Os inconvenientes relatados pelos pacientes sobre a reação dos outros à sua voz têm várias
nuanças, desde confusões ao telefone até dificuldades para conseguir emprego e/ou se manter em
cargos de autoridade no trabalho. Pois a voz sempre
os coloca em “cheque”, em situações que geram
sofrimentos e dificuldades no lidar com o outro.
Assim como as lagartas que se transformam
em borboletas, é possível durante esse processo de
descoberta de uma voz mais grave o afloramento
de um novo sujeito. Comumente esse indivíduo reconhece e assume sua autonomia diante da família
e da sociedade, bem como vê e explora suas infinitas possibilidades na utilização de sua voz.
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voz: tireoplastia tipo III de Isshiki. Rev Bras Otorrinol. 2002; 68(1): 133-138.
volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
ARTIGO ORIGINAL
Sidney Alverni Eloy
da Hora1
Ana Karina F. C.
Calderan Correa2
Ana Beatriz Nery da F.
Cordeiro3
Antônio Carlos Avelino
de Pontes4
31
Centro de Referência em Atenção à
Saúde do Adolescente no município de
Jaboatão dos Guararapes (PE)
Jaboatão dos Guararapes (PE) Adolescent Health Reference Center
RESUMO
Objetivos: Traçar o perfil do adolescente usuário do Centro de Referência em Atenção à Saúde do Adolescente (1º Distrito) no município de Jaboatão dos Guararapes (PE). Metodologia: Os resultados foram obtidos por meio de pesquisa quantitativa e qualitativa
junto aos prontuários multiprofissionias dos adolescentes atendidos, desde a implantação do programa, de 2001 a 2006. Conclusões:
É necessária maior divulgação dos serviços oferecidos pelo centro aos adolescentes, principalmente os do sexo masculino. Deve-se
também aumentar o atendimento aos adolescentes na faixa etária dos 16 aos 19 anos. Como principal demanda, temos a busca por
atendimento na área de psicologia, reorganizada pelos encaminhamentos. O êxito do programa é demonstrado pela marca de 5.340
atendimentos ao final de 2006.
UNITERMOS
Hebiatria; adolescência; saúde pública
ABSTRACT
Objectives: To trace the profile of the adolescent users of Centro de Referência em Atenção à Saúde do Adolescente (1º District) in the city
of Jaboatão dos Guararapes. Methodology: The results were obtained through quantitative and qualitative research of multiprofessional
handbooks of adolescents taken care of since the implantation of the program, in 2001, up to 2006. Conclusions: A bigger spreading of the
services offered by the center to adolescents is necessary, mainly to males. The care for adolescents in the age group of 16 to 19 years must
also be increased. As main demand, we have the search for attendance in the area of psychology. The success of the program was achieved
with 5,340 visits by the end of 2006.
KEY WORDS
Hebiatry; adolescence; public health
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar o perfil do usuário do Programa de Saúde do
Adolescente (PROSAD*/Prazeres), no período de
janeiro a agosto de 2006.
*As ações básicas reunidas no PROSAD cobrem crescimento e desenvolvimento, sexualidade e saúde reprodutiva, saúde mental, prevenção de acidentes, violência, maus-tratos pela família e instituições. Essas ações já são
desenvolvidas nos serviços de saúde tradicionais, sendo estimulada a sua
realização fora das unidades de saúde, em parceria com outras instituições
de assistência e na comunidade(3).
**Embora a faixa etária seja um aspecto relevante para a construção de
ações para esses segmentos da população, cabe ressaltar que este não pode
ser o único, visto que mesmo entre estas ações há diferenças quanto à definição: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/90) define a faixa etária
de 12 a 18 anos como adolescência; o Programa de Saúde do Adolescente
(PROSAD/89), de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), delimita tal concepção entre 10 e 19 anos; a Organização das
Nações Unidas (ONU) entende os jovens como indivíduos com idades entre
15 e 24 anos.
Adolescência & Saúde
Este relatório foi realizado pelo Serviço Social
do programa com base nos dados colhidos nos
prontuários multiprofissionais, referentes ao mês
de janeiro dos anos de 2001 a 2006, tendo como
objetivo traçar um perfil do adolescente** usuário
do programa, por meio dos dados contidos nos
prontuários de atendimento, com a finalidade de
propor ações que resultem num melhor atendimento a esses adolescentes.
Assistente social; especialista em Psicopedagogia com ênfase na Clínica pela
Faculdade Santa Helena (FASH).
2
Cirurgiã-dentista; especialista em Saúde Coletiva pela Faculdade de Ciências Sociais
Aplicadas (FACISA).
3
Cirurgiã-dentista; especialista em Dentística Restauradora pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE); especialista em Saúde Coletiva pela FACISA.
4
Assistente social.
1
volume 5  nº 2  julho 2008
32
CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE
NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE)
MÉTODO
Este estudo foi concebido com o objetivo de
sistematizar os dados contidos nos prontuários de
atendimento do PROSAD/Prazeres, objetivando traçar o perfil dos adolescentes usuários do programa,
suas principais demandas ao acessar o programa e
as possibilidades de melhoria no atendimento desses adolescentes, com base em suas necessidades.
O PROSAD foi oficializado pelo Ministério
da Saúde (MS) em 1989, em cumprimento à
Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, visando à efetivação do seu Art. 227,
como também dos Arts. 7º e 11 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), que define o direito à proteção, à vida e à saúde.
O PROSAD/Prazeres localiza-se na Av. Barreto
de Menezes, 585, bairro Prazeres, Jaboatão dos
Guararapes (PE). O programa foi implantado no
município em abril de 2000, quando a Secretaria
de Saúde (SESA) de Jaboatão dos Guararapes incentivou a participação de seus funcionários, em
capacitação concedida pela Secretaria de Saúde do
Estado de Pernambuco (SES/PE), da qual participaram uma médica, uma psicóloga e uma assistente
social. Após a capacitação houve a formação de
equipe interdisciplinar, que objetivou a criação de
um ambulatório específico para atendimento de
adolescentes.
O PROSAD/Prazeres é subordinado à Diretoria
Geral de Saúde e atua na elaboração de programas
e metas relacionados com a saúde dos adolescentes
no município, assim como realiza atendimentos ambulatoriais de segunda a sexta-feira, pela manhã e à
tarde, reunindo uma equipe multiprofissional voltada para o atendimento integral ao adolescente.
O PROSAD tem como princípios básicos a ênfase na promoção da saúde*, do desenvolvimento e
da autonomia dos adolescentes; a identificação e o
fortalecimento dos fatores protetores (auto-estima,
convivência familiar, habilidades sociais, vínculos,
segurança, entre outros); a valorização da participação ativa do adolescente e do protagonismo juvenil;
o envolvimento da família e da comunidade; a ar-
Hora et al.
ticulação da saúde com outros setores (educação,
assistência social, cultura, esportes, justiça, conselhos tutelares, organizações não-governamentais
[ONGs] e outras organizações de atendimento) de
forma atraente para os adolescentes, com garantia de respeito e confidencialidade; o trabalho em
equipe, com prioridade para as atividades educativas de integração entre os diferentes programas e
projetos das secretarias municipais de saúde, como
Saúde da Família, Saúde Escolar, Saúde da Mulher,
Saúde da Criança, DST/AIDS, Saúde Mental, Saúde
do Trabalhador, Saúde Bucal, Terapias Alternativas,
entre outros. O programa é executado dentro do
princípio da integralidade das ações de saúde, da
necessária multidisciplinaridade no trato dessas
questões e na integração intersetorial e interinstitucional dos órgãos envolvidos, respeitando-se as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) apontadas
na Constituição Brasileira.
O PROSAD de Jaboatão dos Guararapes foi
sendo ajustado de forma a responder às demandas
da SESA, dos profissionais envolvidos no programa
e dos usuários, tendo em vista as necessidades da
população usuária, dos seus profissionais, principalmente os assistentes sociais (estes adquiriram novas
competências capazes de responder às necessidades sociais em suas diversas manifestações e que
são fontes de suas demandas profissionais**, o que
é uma das principais características da profissão, de
intervir nas situações que revelam as desigualdades
sociais), e também da própria SESA, num contexto
marcado por forte transição demográfica, social e
epidemiológica.
No PROSAD/Prazeres são atendidos adolescentes residentes no município que estejam na faixa etária de 10 a 19 anos. O adolescente e/ou seu
familiar são atendidos na recepção, que tem o objetivo de acolher e orientar o adolescente, além de
agendar as consultas, possibilitando sua integração
ao programa.
Na primeira consulta o adolescente é atendido
pelo assistente social, para investigação da assistência familiar e educacional. Também se pesquisam
atividades recreativas e processos de socialização
*A atual legislação brasileira amplia o conceito de saúde, considerando-a resultado de vários fatores determinantes e condicionantes, como alimentação, moradia,
saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, acesso a bens e serviços essenciais(2).
**Nesses termos podemos afirmar que a objetivação desse trabalho do assistente social é determinada tanto pela concepção de saúde prevalecente no SUS como
pelas condições objetivas da população usuária dos serviços. Portanto, ao longo da história a organização do trabalho coletivo em saúde vêm-se constituindo
cada vez mais uma das tarefas dos assistentes sociais no interior do processo de trabalho em saúde. Com essa atividade, o serviço social atende tanto às
exigências mais gerais do sistema como às necessidades das unidades operativas.
volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
Hora et al. 33
CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE
NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE)
(convivência) no qual esses adolescentes estão envolvidos, com o objetivo de conhecê-los e referenciá-los, caso seja necessário, para utilização de serviços disponíveis no município, assistência judiciária,
conselho tutelar, rede educacional, entre outras.
É nesse campo de atendimento inicial e
acompanhamento do crescimento* e do desenvolvimento**, *** do adolescente que se inserem as
ações do assistente social na instituição:
a) orientações individuais quanto à prática do serviço social na instituição;
b)intervenções supervisionadas;
c) estudo teórico da literatura do serviço social e
dos temas relacionados com a prática profissional;
d)visitas às instituições conveniadas ao PROSAD;
e) elaboração de parecer social;
f) elaboração de relatórios das atividades desenvolvidas;
g)avaliações periódicas dos atendimentos e das
atividades realizadas.
O objetivo deste estudo foi, por meio da sistematização dos dados contidos nos prontuários
de atendimento, traçar um perfil dos adolescentes
usuários do programa, identificando suas demandas
e propondo ações para melhorar esse atendimento.
municípios etc. Os resultados são apresentados
nas Figuras 1 a 4 (gráficos confeccionados para
uso exclusivo nesta pesquisa), obtidas a partir dos
prontuários.
Inicialmente foi traçado o perfil por sexo dos
adolescentes usuários do programa. A presença de
adolescentes do sexo feminino (57%) é ligeiramente superior à masculina (43%), o que não é justificável, pelo fato de existir um equilíbrio entre as
duas populações no município, de acordo com dados obtidos junto à Secretaria de Planejamento da
Prefeitura Municipal do Jaboatão dos Guararapes,
apresentados na Tabela 1.
Tabela 1
PERFIL DA POPULAÇÃO ADOLESCENTE DO MUNICÍPIO DE
JABOATÃO DOS GUARARAPES
Faixa etária
10 a 14 anos
15 a 19 anos
Total
Sexo
Masculino
Feminino
30.395
30.045
Total
60.440
31.771
32.147
63.918
62.166
(49,98%)
62.192
(50,02%)
124.358
Fonte: Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal do Jaboatão dos Guararapes (2002).
OBJETIVO GERAL PROPOSTO E OS
RESULTADOS ALCANÇADOS
Foi proposta como objetivo geral da intervenção a sistematização dos dados contidos nos
prontuários de atendimento. A coleta de dados
foi efetuada junto aos prontuários arquivados no
PROSAD/Prazeres referentes aos meses de janeiro
de 2001 a 2006. Essa opção se deu em virtude de
o mês de janeiro ser de férias escolares, o que leva
a uma demanda espontânea do adolescente pelo
programa. O quantitativo de fichas é variado ano
a ano em função de diversos fatores que levam
ao arquivamento dos prontuários: idade superior
a 19 anos, abandono do programa, mudança de
%
FAIXA ETÁRIA
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
10 a 12
13 a 15
16 a 19
1
Figura 1 – Perfil dos adolescentes por faixa etária
*O crescimento é um processo caracterizado pelo aumento físico do corpo, do tamanho e do número de células de todos os órgãos e sistemas, que se inicia na
concepção e prossegue por toda a vida(4).
**Desenvolvimento é o aumento da capacidade do indivíduo em realizar funções cada vez mais complexas. É também chamado de maturação ou
diferenciação(4).
***O processo de crescimento e desenvolvimento é fortemente influenciado pelos fatores genéticos e ambientais, contudo na fase de adolescência se faz
mais evidente a influência dos fatores hereditários, que é explicitada sob vários aspectos somáticos, como a época do início da puberdade, a intensidade de
determinadas características sexuais e a idade da menarca(4).
Adolescência & Saúde
volume 5  nº 2  julho 2008
34
CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE
NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE)
DEMANDAS AO PROGRAMA
%
80
70
A
Insc. no Programa
60
B
Ginecologista
C
Enfermagem
D
Hebiatra
E
Psicólogo
F
Fonoaudiólogo
G
Odontólogo
H
Outros
50
40
A
E
30
20
D
10
G
B
0
H
F
C
1
Figura 2 – Demanda espontânea ao programa
ENCAMINHAMENTOS
%
70
60
50
40
A
30
20
B
C
E
10
D
F
0
G
H
A
Hebiatra
B
Odontólogo
C
Psicólogo
D
Ginecologista
E
Enfermagem
F
Psiquiatra
G
Fonoaudiólogo
H
Nutricionista
1
Figura 3 – Encaminhamentos ao programa
EVOLUÇÃO DO ATENDIMENTO
nº de atendimentos
6.000
5.000
4.000
3.000
G
2.000
F
E
D
1.000
0
A
B
C
A
dez/00
B
dez/01
C
dez/02
D
dez/03
E
dez/04
F
dez/05
G
dez/06
1
Figura 4 – Evolução do atendimento
Essa maior presença feminina nos postos e
ambulatórios de saúde já é objeto de estudos e
ações por parte do MS e também das secretarias
estaduais e municipais de saúde, que buscam desenvolver processos educativos numa perspectiva
Hora et al.
de relações sociais e eqüidade de gênero. Também
desenvolvem concepções e atividades que buscam
o planejamento participativo e a operacionalização
de processos de educação permanente que promovam atividades voltadas à promoção da saúde
dos homens e masculinidade.
Os dados relativos à faixa etária (Figura 1)
demonstram que o público-alvo do programa
é atendido, devendo por isso haver um melhor
trabalho de divulgação junto às populações com
idade superior a 16 anos, tendo em vista que aqueles com idades entre 10 e 15 anos normalmente
são levados ao ambulatório pelos pais ou responsáveis. Os adolescentes entre 16 e 19 anos estão
mais vulneráveis a questões da gravidez*, infecções
sexualmente transmissíveis (ISTs), vírus da imunodeficiência humana (HIV), uso de drogas, devido
a sua inserção nos espaços públicos da rua, no
mundo adulto e do trabalho, devendo, portanto,
haver maior divulgação e intersetorialidade** das
atividades do PROSAD/Prazeres.
O bairro de origem dos adolescentes, na
maioria dos casos, é o 1º Distrito. Essa distribuição
territorial dos usuários do programa se dá principalmente pela localização do ambulatório no bairro de Prazeres situado nesse distrito, o que facilita
o acesso da população usuária residente nesse bairro e proximidades. Moradores de outros distritos
(em sua maioria, de baixa renda), não dispondo
de meios e recursos de locomoção para fora de
sua área residencial, não utilizam os serviços do
PROSAD/Prazeres.
Na utilização dos serviços oferecidos pelo
programa verifica-se que há maior incidência de
acesso por iniciativa própria (adolescente ou pais)
(51%). Isso reflete o exposto anteriormente, tendo
em vista que os pais e/ou responsáveis regularmente procuram os serviços de saúde para seus filhos
com idades entre 10 e 15 anos. Como segundo
motivo de acesso ao ambulatório (32%) estão os
adolescentes referenciados por outras unidades da
SESA. Outras razões para utilizar o programa são os
encaminhamentos efetuados por outras instituições
e pessoas da comunidade (4%), tendo uma parcela
mínima no acesso ao ambulatório as informações
*Os adolescentes enfrentam um sistema de atendimento à saúde no qual primeiro são acusados de irresponsáveis para depois serem alertados sobre os perigos
e a causalidade econômica da gravidez precoce. Para eles a situação é percebida mais como a busca de liberdade e autonomia dentro de tradições familiares,
mesmo que seja (ou talvez em alguns casos, preferencialmente) sem casar e sem tolher a nova liberdade com responsabilidade(6).
**Instituições de educação, de trabalho, justiça e órgãos comunitários (centros comunitários e associações de moradores).
volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
Hora et al. CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE
NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE)
repassadas por outros adolescentes. Esse fato determina maior investimento nas ações relativas aos
adolescentes promotores e multiplicadores de informações de saúde, como também uma divulgação dos serviços oferecidos pelo PROSAD/Prazeres
nas comunidades.
Quanto às demandas (Figura 2) e encaminhamentos (Figura 3), verifica-se grande procura
pelos serviços na área de psicologia. Essa procura
se deve a questões ligadas a transformações corporais; evolução do pensamento e do conhecimento;
gravidez; modificações de socialização emergentes
nessa fase da vida, que conduzem à definição de
uma identidade; crescente psicologização da questão social, na qual a reestruturação produtiva, o
desemprego estrutural, a reforma do Estado e a
redução drástica dos serviços sociais, preconizados pelo enxugamento do Estado apontam para o
aprofundamento das desigualdades sociais e para
o aumento da pobreza, levando a conflitos familiares e sociais.
CONCLUSÃO
É necessária maior divulgação dos serviços
oferecidos pelo centro aos adolescentes, principalmente os do sexo masculino, buscando desenvolver
processos educativos em saúde, numa perspectiva
de relações sociais e eqüidade de gênero. Busca-se
também aumentar o atendimento aos adolescen-
35
tes na faixa etária dos 16 aos 19 anos, que estão
mais vulneráveis a questões de gravidez, ISTs, HIV
e uso de drogas, devido a sua inserção nos espaços
públicos, no mercado de trabalho e no enfrentamento de situações de risco e violência.
Também existe a necessidade da implantação
do Programa de Saúde do Adolescente em todos
os distritos sanitários do município, tendo em vista
o baixo poder aquisitivo da população atendida e
sua conseqüente dificuldade de locomoção para o
1º Distrito. O acesso é predominantemente espontâneo, o que indica que o trabalho de divulgação
dos serviços funciona.
Como principal demanda temos a busca por
atendimento na área de psicologia e a inscrição
no programa. Os encaminhamentos reorganizam
a necessidade dos usuários, esclarecendo suas dúvidas quanto às especialidades médicas no centro
e suas indicações. Redireciona-se o adolescente ao
atendimento junto aos especialistas, pois boa parte
das demandas iniciais pela psicologia na realidade
devia-se a um conjunto de mudanças físicas, psíquicas e sociais.
Concluímos que o trabalho de divulgação do
centro, ao longo dos anos, junto às comunidades,
escolas e entidades conveniadas vem propiciando
aumento significativo no total de atendimentos da
unidade, o que demonstra o êxito do programa
ao alcançarmos a marca de 5.340 atendimentos ao
final do ano de 2006 (Figura 4).
REFERÊNCIAS
1. Associação Brasileira de Enfermagem. Adolescer: compreender, atuar, acolher. Brasília: ABEn. 2001.
2. Brasil. Ministério da Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. Brasília: Ministério da Saúde. 2006.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Saúde do Adolescente. Brasília: Ministério da Saúde. 1989.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Saúde do Adolescente. Bases programáticas. 2 ed. Brasília: Ministério da
Saúde. 1996.
Adolescência & Saúde
volume 5  nº 2  julho 2008
36
ARTIGO ORIGINAL
Deise Antunes
Bortoluzzi1
Santos Barros Viana2
Shelley Fernandes Fiuza3
O atendimento humanizado ao
adolescente usuário de substâncias
psicoativas numa perspectiva
interdisciplinar
The humanized attendance to the adolescent using psychoactive
substances in an interdisciplinary perspective
RESUMO
Nos dias atuais os jovens vivem numa época em que as drogas psicotrópicas cada vez mais fazem parte do seu cotidiano e, conseqüentemente, acabam se tornando parte da vida de muitos deles. A medicina, mais do que exercer o papel do esclarecimento
nessa questão, precisa lançar novos olhares à forma como se presta atendimento aos jovens que fazem uso abusivo de substâncias
psicoativas, bem como ao entendimento integral das causas que levam muitos deles a procurar alívio para suas angústias dessa forma,
visto que só a partir do entendimento integral do ser humano é que se pode realizar um tratamento realmente efetivo nesse sentido.
A medicina atua em diversos setores relacionados com o processo de saúde/doença, destacando nessa multiplicidade de fazeres a
questão da necessidade de se trabalhar com equipes interdisciplinares, visando ampliar toda essa visão clínica que se tem a respeito
desse processo. Dessa forma, pode desenvolver trabalhos em setores até então não explorados por esses profissionais. Portanto,
partindo dessas premissas, pode-se inferir que a classe médica não pode nem deve ignorar o fato de que esses jovens são seres em
desenvolvimento, seja sob o prisma orgânico, emocional, psicológico ou psiquiátrico. Assim, torna-se mister distinguir os aspectos
sociais, familiares, psicológicos e médicos.
UNITERMOS
Adolescente; atendimento; interdisciplinar; medicina
ABSTRACT
We live in a time when each time more psychotropic drugs are part of daily life and consequently end up becoming part of the life of
many youngsters. Medicine, more than playing the role of clarification, needs to launch new looks on the way it attends youngsters that
abuse psychoactive substances, as well as on the complete understanding of the causes of their look for such a relief, since only complete
understanding of the human being can lead to a really effective treatment. Medicine acts in diverse sectors related to the process health/
illness, emphasizing in this multiplicity the need of an interdisciplinary team in an attempt to extend this clinical point of view regarding it.
Thus, it can develop works in sectors so far not explored by these professionals. Therefore it can be inferred that medicine neither can nor
must ignore the fact that these young ones are in development, both organic, emotional, psychological and psychiatric. In such a way, it is
necessary to distinguish social, familiar, psychological and medical aspects.
KEY WORDS
Adolescents; attendance; interdisciplinary; medicine
Acadêmica da 10ª fase do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas FACVEST.
Médico; clínico geral graduado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
3
Acadêmica da 10ª fase do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas FACVEST.
Trabalho desenvolvido por meio de pesquisas bibliográficas.
1
2
volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
Bortoluzzi et al. O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
INTRODUÇÃO
A quantidade de adolescentes que fazem uso
de substâncias psicoativas chama cada vez mais a
atenção, não apenas de alguns segmentos da sociedade, mas também de inúmeros órgãos da área
de saúde. O contato com tais substâncias tem se
dado cada vez mais cedo, e a intensidade de seu
uso aumenta de maneira diretamente proporcional
a esse contato. Não obstante, perante esse quadro
alarmante, a sociedade pós-moderna se vê obrigada a procurar novas formas de preencher o vazio
deixado diante de tantas modificações no quadro
familiar, e tais preenchimentos nem sempre são
avaliados como os mais sadios.
“Constatamos que a palavra substância é mais
adequada que a palavra droga. Substância psicoativa (SPA) seria o melhor termo para caracterizar nossa noção de droga”(5).
Nesse sentido, percebe-se cada vez mais uma
necessidade de discussão a respeito desse assunto
sob os mais diferentes prismas, pois a cada dia mais
adolescentes experimentam drogas, seja por curiosidade, necessidade de pertencimento ao grupo ou
como forma de fuga da própria realidade.
“A própria maneira como ele busca prazer na
alteração de consciência provocada pela droga é,
por si só, indício da dificuldade da sociedade em
lidar com essa questão no plano meramente educacional. A discussão que envolve o consumo de
drogas, na maioria das vezes, deixa escapar o que
o jovem busca nesse ato”(1).
Unida a essa problemática está a constante
transformação do adolescente usuário de substâncias psicoativas em maior responsável pela criminalidade e insegurança social, o que virou lugarcomum em uma sociedade desigual e carente de
informação como é a sociedade brasileira.
Segundo Angerami-Camon(1), “Na grande
maioria das vezes, a discussão é centrada nos danos que as drogas de alguma maneira provocam
no organismo ou, ainda, nos efeitos punitivos derivados da contravenção penal representada pelo
uso de drogas”.
Todavia, sabendo da não-existência de bem
ou mal absoluto, e sim conseqüências de intrincaAdolescência & Saúde
37
dos sistemas socioculturais, políticos, econômicos,
familiares, orgânicos e genéticos, muitas vidas acabam sendo perdidas, independentemente de que
estejam usando ou sendo vítimas indiretas desse
fenômeno. É nesse sentido que a medicina tem por
obrigação abrir seu leque de atuação e levantar
questionamentos relacionados com a causalidade
do uso de substâncias psicoativas por adolescentes
e sobre o melhor tratamento.
MATERIAIS E MÉTODOS
A elaboração e a coleta de dados deste artigo
se deram de forma bibliográfica, mas os instrumentos utilizados partiram de material já publicado,
constituído de uma análise sob o prisma médico
com vistas a uma abordagem interdisciplinar.
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: DE FATOR
SOCIAL A ARTIFÍCIO CRIMINAL
Ao se discorrer sobre o problema do abuso
de substâncias psicoativas no Brasil, não há como
negar que o fator socioeconômico aparece diretamente ligado à forma como são tratados seus usuários, pois é notório que existem pesos e medidas
diferentes quando se julgam e tratam os usuários
de diferentes classes sociais. Enquanto uns acabam
por ser eternamente marginalizados pelo sistema,
outros são vistos como vítimas que necessitam
apenas de cuidados médicos e psicológicos para
conseguirem se reabilitar e conseqüentemente se
restabelecer perante a lei.
Entretanto, como os profissionais da saúde podem contribuir para ultrapassar o discurso
socioeconômico como único e exclusivo agente
propulsor que induz adolescentes a fazer uso de
substâncias psicoativas? Como ajudar a compreender esses jovens e assisti-los auxiliando a ponderar
seus atos como um dado realmente tangível de sua
história no uso abusivo de substâncias psicoativas?
Como não cair na concepção de que o adolescente
é exclusivamente vítima do vício? Os médicos têm
volume 5  nº 2  julho 2008
38
O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
grandes contribuições a dar nesse sentido, portanto não nos esquivemos nem subestimemos a importância do nosso papel social.
“Evidentemente, há aspectos comuns nos fenômenos do tráfico ou da dependência, e, graça a
eles e às categorias que os apreendem, podemos
estabelecer referências gerais e pensar as grandes
linhas de desenvolvimento da sociedade e de seus
problemas. Entretanto, nas conversas cotidianas,
na mídia e na política, as palavras de apelo geral
servem mais para esconder as diferenças, a complexidade e a multiplicidade de sentidos envolvidos nos
processos históricos”(6).
Nesse sentido, pode-se dizer que as práticas
judiciárias precisam suplantar essa cultura que se
criou “do menor infrator”, que simplesmente “penaliza o delinqüente”, a fim de assegurar o direito
ao desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes, conforme estabelece o Estatuto de Criança e do
Adolescente (ECA), pois somente assim poderá se levantar uma discussão que leve em conta o papel que
as drogas ocupam na sociedade contemporânea.
O problema das drogas e a forma como seus
usuários são tratados levam a outro ponto, que é
o controle exercido pelo Estado mediante o fato
de a repressão mais forte ser aplicada apenas aos
mais fracos. Haja vista que, com essa perspectiva,
questões que deveriam ser tratadas como sociais
acabam sendo consideradas apenas sob o prisma
criminal.
De acordo com Cheibud(2), “Em pesquisa
realizada nos processos dos juizados de menores
no período de 1968 a 1998, Batista (1998) verifica como o sistema penal brasileiro é bipartido em
pobres e ricos. Aos ricos aplica-se o paradigma médico e aos pobres, o paradigma penal”.
Assim, o fator socioeconômico muitas vezes
aparece ligado ao uso de substâncias psicoativas.
No entanto existem pesos e medidas diferentes
quando se julgam usuários de diferentes classes
sociais. Visto que enquanto uns passam a ser eternamente marginalizados pelo sistema, outros são
considerados vítimas que necessitam apenas de
cuidados médicos e psicológicos para conseguirem
volume 5  nº 2  julho 2008
Bortoluzzi et al.
se reabilitar e, conseqüentemente, se restabelecer
perante a lei.
Contudo, é dever dos médicos esclarecer que
nem as drogas nem o nível socioeconômico são
necessariamente as causas desencadeantes do vício. Seria inclusive preconceituoso fazer tal ligação
sem procurar o que está por trás dessa idéia. Logo,
ao se fazer uma análise mais profunda dessa questão, é possível perceber formas de poder e controle
inseridas nesse contexto, que muitas vezes estão
dissimuladas sob a capa de um discurso moralista e
preconceituoso como explicação.
“[...] o cerne da questão se encontra no controle específico da juventude pobre considerada
perigosa, e não no da droga em si. Dessa forma,
nas falas colhidas nos processos, elas ‘se relacionam
às famílias desestruturadas’, às ‘atitudes suspeitas’,
ao ‘meio ambiente pernicioso’, à sua ‘formação
moral’, à ‘ociosidade’, à ‘falta de submissão’, ao
‘brilho no olhar’ e ao desejo de ‘status’ que não se
coaduna com a vida de salário mínimo”(3).
Muitas vezes simplificam-se as explicações sobre a causalidade desse fenômeno cada vez maior no
Brasil, que é o uso por adolescentes de substâncias
psicoativas, como uma maneira de justificar o abuso de um sistema penal de extermínio. Tal objetivo
é visível em muitos veículos de comunicação, bem
como em alguns setores reacionários do poder.
Portanto, ao analisar questões relativas à toxicomania, é preciso fazê-lo com cuidado e sob diferentes prismas, pois a forma como se trata um dependente, infelizmente, costuma estar diretamente
atrelada à fração da sociedade a que ele pertence.
IMPORTÂNCIA DA VISÃO MULTIAXIAL
DO PROBLEMA
A função do médico no tratamento do uso
abusivo de substâncias psicoativas jamais deve
transpor as fronteiras da humanização para a do
julgamento moral, visto que comumente, ao mesmo tempo em que se evidenciam a carência e a
necessidade de medidas preventivas, coloca-se
Adolescência & Saúde
Bortoluzzi et al. O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
esse jovem numa posição de imobilidade diante
do mundo. Além disso, sem grandes pudores desliza-se facilmente de um discurso de carência para
o de perigo.
Destarte, os questionamentos a serem feitos
giram em torno das condições de compreensão do
jovem a respeito de si e das conseqüências de seus
atos. De acordo com Dalgalarrondo(4): “De particular interesse à psicopatologia é a diferenciação
entre as psicoses tóxicas, as psicoses funcionais (esquizofrenias, psicoses afetivas etc.) desencadeadas
por drogas. Denominam-se causadas diretamente
pela ação da droga sobre o cérebro”.
O médico deve considerar que um padrão
persistente de total desconsideração com o outro
e violação dos direitos alheios, por um período
prolongado de tempo, que muitas vezes inicia-se
na infância ou no final desta, na maioria das vezes caracteriza algum tipo de distúrbio psiquiátrico grave. Todavia, é necessário um diagnóstico
diferencial extremamente preciso para que não se
categorize esse jovem em algum rótulo psicopatológico, que fatalmente desembocará em algum
tipo de tratamento psiquiátrico inadequado. Mais
do que compreender a especificidade, a medicina
e suas vertentes, o médico, ao sair desse modelo
cartesiano, fragmentado de homem, tem maior
probabilidade de atuar de forma acertada, com
vistas a obter resultados mais consistentes e significativos para o bem-estar do seu paciente.
“A perspectiva médico-naturalista trabalha
com uma noção de homem centrada no corpo,
no ser biológico como espécie natural e universal.
Assim, o adoecimento mental é visto como uma
disfunção de alguma parte do ‘aparelho biológico’. Já na perspectiva existencial, o doente é visto
principalmente como ‘existência singular’, como
ser lançado a um mundo que é apenas natural e
biológico na sua dimensão elementar, mas que é
fundamentalmente histórico e humano. O ser é
construído pela experiência particular de cada sujeito, na sua relação com outros sujeitos, na abertura para a construção de cada destino pessoal. A
doença mental nessa perspectiva não é vista tanto
Adolescência & Saúde
39
como disfunção biológica ou psicológica, mas sobretudo, como um modo particular de existência,
uma forma trágica de ser no mundo, de construir
um destino, um modo particularmente doloroso
de ser com os outros”(4).
Entretanto, o médico ao atender este tipo de
paciente não pode descartar possíveis alterações
psiquiátricas no seu comportamento, sendo necessário o trabalho de uma equipe interdisciplinar no
sentido de fazer uma análise que englobe inúmeros
exames de avaliação física, psicológica, neurológica
e psicopatológica. Uma anamnese detalhada pode
fornecer inúmeras informações a respeito de jovens
com transtornos de personalidade anti-social e de
conduta, esquizofrenia, entre outras possíveis psicopatologias. Pois conforme Sullivan(7) “o domínio
da técnica de realizar entrevistas é o que qualifica
especificamente o profissional habilidoso”.
UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
O papel do médico na contemporaneidade
está cada vez mais abrangente e, portanto, mais
interdisciplinar. Quando na sua atuação entra em
pauta a questão socioeconômica, essa traz consigo
toda uma gama de atribulações que não podem ser
ignoradas, já que um diagnóstico apurado necessita de uma visão multiaxial do ser humano, a qual
nos faz entender melhor a complexidade humana,
não apenas de forma orgânica, mas sim holística.
No caso do atendimento a adolescentes
usuários de substâncias psicoativas, é evidente que
é preciso considerar que há aspectos comuns nesse fenômeno. Tradicionalmente no atendimento
o médico ouve o paciente falar sobre os seus sintomas e investiga os sinais físicos objetivamente.
Todavia no atendimento ao adolescente usuário de
substâncias psicoativas é preciso estabelecer uma
comunicação maior e aguçar a percepção para
eventos muitas vezes subestimados.
“Assim, a técnica e a habilidade em realizar
entrevistas é um atributo fundamental e insubstituível do profissional de saúde. Tal habilidade
volume 5  nº 2  julho 2008
40
O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
é em parte aprendida e em parte intuitiva, patrimônio da personalidade do profissional, de sua
sensibilidade mais relações pessoais. É sobre os
aspectos passíveis de serem desenvolvidos, aprendidos, corrigidos e aprofundados que iremos nos
deter aqui” (4).
Atualmente é comum o uso de exames e
diagnósticos extremamente concisos, mas nem
sempre abrangentes o suficiente para a promoção
de saúde. Se o médico não estiver atento para isso,
pode acabar desperdiçando a abrangência da sua
atuação, passando a ver apenas o problema e não
a pessoa que o apresenta.
Dessa forma, o médico também precisa se
valer de uma equipe com diferentes profissionais
para realizar um trabalho em conjunto, devido à
complexidade referente ao consumo de drogas,
uma vez que tal fenômeno tem sido estudado há
tempos como problema social um tanto quanto
preocupante e que cada vez mais vem atingindo a
todos, independente da classe social.
“E falar em saúde significa pensar em promoção de saúde mental, que implica pensar o homem
como totalidade, isto é, como ser biológico, psicológico e sociológico e, ao mesmo tempo, em todas
as condições de vida que visam propiciar-lhe bemestar físico, mental e social”(2).
Nesse sentido, as definições saúde/doença
são entendidas como um fenômeno coletivo que
ocorre em meio a um processo histórico, com diversas determinações, o que leva os profissionais a
pensar numa atuação integrada com vistas à saúde, demonstrando a necessidade da interdisciplinaridade. Assim, o movimento da saúde integral, a
perspectiva biopsicossocial, age diretamente como
uma forma de atuação nova, ressaltando aspectos
que visem uma melhora considerável da qualidade
de vida e das relações de trabalho, que são direitos de todo cidadão, assim como usufruir cuidados
que promovam o seu pleno desenvolvimento.
Essa nova forma de pensar não deve ficar restrita a um âmbito científico, porque não pode haver essa separação entre ciências sociais e naturais,
pois é imprescindível a união desses profissionais
em nome de um bem maior, que é a saúde. Haja
volume 5  nº 2  julho 2008
Bortoluzzi et al.
vista que o conhecimento não pode ser individualizado e sim assumir características múltiplas, isto é,
uma visão holística.
Assim, não há como separar a medicina de
novos saberes que começam a surgir e a se firmar
no campo da saúde, uma vez que a medicina carece ter como campo de atuação a realidade atual
contemporânea em que está inserida. Atualmente
o campo médico deve colocar em contenda a
atuação de um profissional comprometido com o
contexto social, demonstrando que a prática médica pode envolver serviços à comunidade, ao ensino
e à pesquisa, com vistas à realidade brasileira.
Portanto a medicina precisa adaptar-se aos
novos tempos e, unida a outras ciências, construir
um novo saber, representando um novo olhar para
a prática clínica. Contudo é válido destacar que o
acesso ao contexto biopsicossocial precisa vir embasado por práticas clínicas e referenciais teóricos
que o amparem.
CONCLUSÕES
Atualmente está bastante em voga a questão
da atuação interdisciplinar, e a medicina não foge
a essa tendência. Entretanto também não é incomum encontrar “cismas” dentro da própria profissão. Talvez pelo fato de a medicina hebiátrica ser
um campo em ascensão, que ainda está trilhando
seu caminho em busca de espaço junto aos mais
diversos setores em que atua, muitas vezes não
tem o reconhecimento devido, até mesmo por essa
especialidade se valer de outros campos do saber
para se tornar mais completa. Todavia o profissional da medicina que pretende atuar nesse setor
deve ter bem clara essa noção de “extensão” do
seu trabalho, devido às constantes reflexões que
surgem ao longo da sua prática profissional.
Nesse contexto deve-se considerar que o uso
de substâncias psicoativas nos dias atuais representa um problema social e de saúde pública, pois seu
uso pode afetar, além da saúde do indivíduo, a sua
conduta, produzindo alterações nas relações familiares e sociais, nas atividades cotidianas de trabalho ou estudo, e nele mesmo.
Adolescência & Saúde
Bortoluzzi et al. O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS
PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
Desta maneira, essa nova disposição surge como
alternativa para prestar atendimento mais direcionado, focando seu campo de atuação na adolescência,
tão indefesa e desinformada em relação às substân-
41
cias psicotrópicas. Assim, o que se tem são práticas
com o intuito de contemplar a diversidade de fatores
que envolvem todo o processo de desenvolvimento
do ser humano, especialmente nesse período.
REFERÊNCIAS
1. Angerami-Camon VA. O tédio na adolescência. Campinas, SP: Papirus, 1999.
2. Bock AB. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 1999.
3. Cheibud WB. Práticas disciplinares e usos de drogas: a gestão dos ilegalismos na cena contemporânea. Brasília:
Psicologia: ciência e profissão. 2006; 26(4).
4. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. 2000.
5. Heidemann M. Adolescência e saúde: uma visão preventiva para profissionais de saúde e educação. Rio de Janeiro:
Vozes, Petrópolis. 2006.
6. Soares LE, Athayde C, MV Bill. Cabeça de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
7. Sullivan HS. A entrevista psiquiátrica (do original The psychiatric interview. New York: Norton Press, 1954). Rio de
Janeiro: Interciência, 1983.
Adolescência & Saúde
volume 5  nº 2  julho 2008
42
RELATO DE CASO
Marília Vilhena1
Vera Pollo2
Real e realidade: a psicanálise num
ambulatório público
Reality and what is real: psychoanalysis done in a public
out-patient service
Há exatamente 96 anos Freud(3) anteviu a entrada da psicanálise nos hospitais públicos, no dia
em que a sociedade tivesse despertado para o fato
de que “as neuroses ameaçam a saúde pública não
menos do que a tuberculose”. Parafraseando-o, diríamos hoje que as neuroses ameaçam a saúde pública
não menos do que a AIDS. Em seguida ele observou
que a “ajuda social” representa “um direito a mais”,
mas que se pode converter em uma espécie de benefício ou “ganho secundário da doença”(3).
Há exatamente 38 anos Lacan(6) advertiu os
médicos de que se tornariam simples agentes distribuidores das grandes indústrias de medicamentos caso não percebessem que uma demanda de
tratamento não só não corresponde necessariamente a um desejo de cura como se pode reduzir, em muitos casos, à demanda de um atestado
de “doente”, uma espécie de carimbo oficial que
permite ao sujeito permanecer no lugar em que já
estava antes, porém, agora, com um certo bônus.
O Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente
(NESA), unidade de serviço do Hospital Universitário
Pedro Ernesto (HUPE), acolhe jovens entre 12 e 20
anos de idade. Alguns se dirigem ao NESA com uma
demanda exclusivamente médica, porém outros,
cujo número cresce a cada dia, buscam atendimento no assim chamado Setor de Saúde Mental e pedem para falar com um psicólogo, mas raramente
procuram explicitamente “um psicanalista”.
De suas queixas depreendem-se algumas
questões: Que força nefasta coage esses adolescenPsicanalista do Setor de Saúde Mental do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente
(NESA); graduada e licenciada em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ) e Instituto de Educação
(EDU/UFRJ); mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC- RJ); doutora pela Escola de Comunicação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ).
2
Psicanalista do Setor de Saúde Mental do NESA; doutora em Psicologia pela PUCRio; professora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-Rio e do
Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida; analista membro (AME) da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano.
1
volume 5  nº 2  julho 2008
tes à repetição de uma história de vida da qual, por
outro lado, gostariam de escapar? Que instâncias
os subjugam e que não parecem resumir-se à realidade coletiva e social em que vivem?
Vejamos algumas queixas e a forma como
foram acolhidas e elaboradas no decurso do tratamento psicanalítico que lhes foi propiciado.
MARCOS, 13 ANOS
Com 13 anos Marcos é trazido ao ambulatório pela mãe, que teme por seu futuro. Moram,
como ela diz, aos pés de uma favela de traficantes, e
Marcos, que falta freqüentemente à escola, está sob
a ameaça de ser expulso desta por pertencer a um
grupo totalmente indesejável aos olhos da diretora.
A mãe desconfia de que se tornou um “avião”. O
pai é motorista de uma casa de shows e, segundo
ela, não tem nenhuma ascendência sobre o filho.
Sempre mal-humorado, o jovem é de poucas palavras, lê e escreve muito mal e parece não ter ambição. No entanto, aceita vir com a mãe ao ambulatório. Acredita ter uma tarefa a cumprir e expressa claramente seu aprisionamento na demanda do Outro:
“Tenho que vingar a morte de meu tio”. Comenta
que o considerava um irmão, devido à pequena diferença de idade, e acrescenta que sabe porque o
tio morreu: havia se envolvido com drogas, motivo
pelo qual foi assassinado aos 18 anos.
Um certo dia, indagado sobre a razão do curativo que traz em um dos ombros, responde sucintamente: “um tiro me pegou de raspão”. Atormentado
pelo peso das palavras que o fazem calar, e para fugir
do aprisionamento no desejo da mãe, resta-lhe encenar sua própria versão do drama de Hamlet: receber
o fantasma do tio morto que clama por vingança e
aguardar a boa hora em que pagará com a própria
vida a morte do duplo de si mesmo.
Adolescência & Saúde
Vilhena & Pollo CLARA, 12 ANOS
Clara sofre de gagueira e acabou de completar
12 anos. Mora sozinha com a mãe. Do pai sabe apenas que nunca morou com elas e que morreu há muitos anos, quando ela ainda era bebê. Não sabe por
que acaba de sofrer uma espécie de ataque sexual da
parte de um vizinho que se oferecera para consertar
a televisão de sua casa. No entanto sabe dizer que
este foi o terceiro ataque que sofreu, embora vindos
de pessoas diferentes. Lembra-se de que, aos 6 ou 7
anos, o pai de uma amiguinha convidou-as para que
se deitassem em sua cama, enquanto ele a tocava por
baixo dos lençóis. Em outra cena, ainda mais remota,
ela é o objeto sexual de um primo adolescente. Não
tem propriamente uma lembrança dessa cena, mas
ouviu a mãe contar e jamais a esqueceu.
Inicia tratamento analítico e, à medida que
formula questões e faz descobertas, vai desvelando sua angústia neurótica, o medo de perda do
amor e sua estrutura histérica. Em uma missa comemorativa do aniversário de morte do pai, acaba
conhecendo um irmão. Bem mais velho do que
ela, já casado e pai de uma criança pequena, ele a
convida a sua casa e oferece seu computador, para
ajudá-la nos trabalhos escolares. Ela visita algumas
vezes sua família e faz alguns passeios com eles.
Mas uma dúvida a entristece: “Talvez ele não me
ame de verdade, pois sou sempre eu quem telefono, ele nunca liga para mim. Como vou saber se
ele gosta realmente de mim?”, indaga.
A gagueira apresenta melhora acentuada,
embora as notas escolares continuem baixas. Sua
história deixa ver uma “compulsão à repetição”,
aos moldes do que Freud chamou de “efeitos
positivos do trauma”, ou seja, tentativas de pô-lo
em funcionamento, de tornar real a experiência
esquecida, revivê-la num relacionamento com outra pessoa. Parece que poderíamos aplicar-lhe as
palavras de Freud em 1937: “Uma menina que foi
tornada objeto de uma sedução sexual na infância
pode orientar sua vida sexual posterior de maneira
a constantemente provocar ataques semelhantes”
(Freud, 1937/1975, p. 94).
ANA, 15 ANOS
Ana chega ao NESA porque tem dores que se
alastram pelo corpo todo, dores que suspendem o
Adolescência & Saúde
REAL E REALIDADE: A PSICANÁLISE NUM AMBULATÓRIO PÚBLICO
43
saber dos médicos. Nada há de detectável orgânico, os exames assim o atestam. Sua nutricionista lhe
disse num certo momento que ela estava à beira da
desnutrição. O mal-estar a impediu de freqüentar a
escola e ela sente-se culpada, responsável por isso
que, à sua revelia, a isola. A atual realidade, pela qual
se responsabiliza, tem-se resumido a ficar em casa
com o pai e a madrasta, com quem dificilmente se
relaciona desde muito cedo. Ana perdeu a mãe aos
4 anos, vítima de câncer. Dá-nos a escutar sua culpa
em decorrência do fato de que a única fiel e dedicada irmã, por sempre trazê-la às consultas, temse atrasado no trabalho. Relata que não consegue
“nem ao menos trabalhar com as mãos, escrever os
deveres da escola, porque as articulações doem e incomodam”. Indaga: “Por que as coisas têm sempre
que acontecer comigo? Não aceito não ir à escola!”
O médico indicou-lhe sessões semanais de
fisioterapia e foi a própria fisioterapeuta que sugeriu um atendimento psiquiátrico, talvez alguma
medicação. Na mesma manhã da solicitação, Ana
relatou-nos que no ano anterior sofreu do que
chama de depressão, recorrendo a um psiquiatra
e tomando remédios, em seguida abandonando o
tratamento. Agora ela o consulta novamente, porque está muito triste. As dores persistem mesmo
com a fisioterapia, porém observa: “Às vezes tenho
dores e não estou me sentindo mal; noutras ocasiões estou sem dores e muito mal”.
A imensa tristeza que sente a invade, faz
com que não deseje levantar da cama, torna-a
impaciente, facilmente irritável e bastante calada,
a ponto de só falar quando lhe perguntam algo.
Em entrevista recente, Ana mostra a ocorrência de
manchas estranhas em seu corpo, manchas escuras conhecidas como “melancolia”. O médico que
a tem atendido disse-lhe que isso é psíquico, mas
ela exclama: “Como pode o psiquismo produzir tal
coisa? Eu não consigo entender! Quando as coisas
começam a melhorar, algo de ruim acontece... É
sempre assim...” Em resumo, Ana nos levou a formular sua demanda nos seguintes termos: não há
nada tão ruim que não possa piorar!
Para voltarmos às questões de que partimos e
que nos remetem à polêmica questão da responsabilidade do sujeito e da necessária distinção entre
real e realidade, diremos que se trata de apreender,
ainda e sempre, o que Freud formulou primeiramente em seu “Projeto para uma psicologia cienvolume 5  nº 2  julho 2008
44
REAL E REALIDADE: A PSICANÁLISE NUM AMBULATÓRIO PÚBLICO
tífica”, de 1895. Ao conceber a mente como uma
espécie de aparelho, ele verifica desde então que a
ativação do desejo está sempre prestes a produzir
efeitos alucinatórios e, além disso, que a indispensável “assistência alheia” ao bebê humano “é a
fonte primordial de todos os motivos morais”(2). Isso
equivale a dizer que o bebê vivencia um duplo desamparo: físico e psíquico, e que o primeiro é, em
geral, mais rapidamente vencido que o segundo.
No movimento de apreender a realidade que
o circunda, nessa urgência de transformar os objetos do mundo em traços de lembrança, instaura-se
uma hostilidade primária, de modo que se pode
dizer que o que é externo e o que é vivenciado
como mau são originalmente idênticos.
Em que se considere todo o peso da medicina
classificatória do século XVIII, da razão iluminista
que lhe é contemporânea, do ideal de cura em que
a saúde se torna um valor supremo, enfim, do “homem modelo”, a indagação clínica que já migrara de “O que você tem?” para “Onde lhe dói?”(1)
desloca-se novamente e formula finalmente: “ Por
que o grito?” “Urgência da vida”, responde Freud.
Antes que se haja constituído qualquer unidade
psíquica, ocorre uma profunda cisão interna. O
infans só apreende parcialmente a realidade externa sob a forma de representações memorizáveis.
Portanto, trata-se de uma cisão que deixa um resto
de pura perda, a qual o grito testemunha. A partir
daí, o aparelho mental encontra seu limite na dor
que ocasiona o objeto estranho/hostil e determina-se, assim, uma margem de indistinção entre o
somático e o psíquico. Ou, se preferirmos, de confusão entre a dor física e a dor moral.
Freud denominou nebenmensh esse processo
que estabelece uma primeira fronteira “eu/não eu”. O
vocábulo alemão e é geralmente traduzido por “complexo do ser humano semelhante” ou “complexo do
objeto”, e Lacan o descreverá nos seguintes termos:
Vilhena & Pollo
“Sem que o Outro absoluto seja alucinado como
sistema de referência, não há ordenação do mundo
da percepção”(5). A alucinação corresponde aqui ao
peso da identidade da coisa e da palavra, processo
primário de pensamento. Esse desempenha a função
de obstruir a descarga energética e/ou motora, para
que o investimento no aparelho psíquico possa ser
mantido e subsistam as fronteiras do eu. Sem elas não
seria possível nenhum tateamento do real por meio
da linguagem. É preciso que o mundo passe por um
crivo ou triagem, sem a qual nenhuma subjetivação
se produz. Em outros termos, que a estrutura significante intervenha entre a percepção e a consciência.
O objetivo imediato do teste de realidade não é tanto
encontrar na percepção real um determinado objeto
quanto verificar se o que dele foi retido no sujeito, sob
a forma de um representante, não sofreu demasiadas
distorções. Trata-se de “convencer-se de que [o objeto] ainda está lá”(4). Todo esse mecanismo, denominado “princípio de prazer purificado”, resulta na
construção da fantasia inconsciente e/ou fundamental. A fantasia é composta por todas as relações possíveis entre o sujeito e um determinado objeto, que
nela está cristalizado e que remete inevitavelmente a
algum fragmento corporal. Ela é também, acima de
tudo, suporte do sintoma e móbil do desejo.
Portanto, trabalhando junto a médicos e outros profissionais da assim chamada “área da saúde”, pode não ser mais necessária aos psicanalistas
a denúncia de que a dor não deve ser considerada
exclusivamente no registro das reações sensoriais.
Compete-lhes, todavia, que estejam advertidos daquilo que, não raramente, esconde-se por detrás
de algumas atitudes idealistas e assistenciais: o
exercício de uma influência meramente coercitiva.
Não há nenhuma pulsão social primária, toda
comunidade só se constitui à medida que substitui
a violência pelas leis que a julgam e que, apenas
eventualmente, a impedem.
REFERÊNCIAS
1. Foucault M. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1980.
2. Freud S. Projeto para uma psicologia científica (1895). In: Obras psicológicas completas. Edição Standard. Rio de
Janeiro: Imago Ed. 1969, vol. I.
3. Freud S. Linhas de progresso da terapia analítica (1919 [1918]). In: Obras psicológicas completas. Op. Cit., vol. XVII.
4. Freud S. A negativa (1925). In: Obras psicológicas completas. Op. Cit., vol. XIX.
5. Lacan J. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988.
6. Lacan J. Psicanálise e medicina (1966). In: Intervenciones y textos. Buenos Aires: Ed. Manatial, 1973.
volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
ARTIGO ORIGINAL
Amanda Melhado1
Maria José Carvalho
Sant’Anna2
Maria Lúcia Bastos
Passarelli3
Veronica Coates4
45
Gravidez na adolescência: apoio integral
à gestante e à mãe adolescente como
fator de proteção da reincidência
Teenage pregnancy: impact of the integral attention given
to the pregnant teenager and adolescent mother as a protective
factor for repeat pregnancy
RESUMO
Objetivo: Avaliar a reincidência da gravidez entre adolescentes que participaram do Programa de Apoio Integral à Gestante e Mãe
Adolescente (PAIGA) num hospital universitário e compará-la com a de jovens que não receberam apoio. Metodologia: Estudo prospectivo
comparativo entre 30 adolescentes que participaram do PAIGA entre 1/7/04 e 30/6/05 (grupo caso) e 39 adolescentes que deram à luz no
mesmo hospital universitário durante o mesmo período e que não participaram do PAIGA (grupo controle). No grupo caso foi realizado
acompanhamento do binômio mãe/filho mensalmente no primeiro ano pós-parto; no grupo controle realizaram-se entrevistas no puerpério imediato. Analisaram-se reincidência da gravidez, uso de método anticoncepcional, escolaridade, abandono escolar, estado civil e relação com o parceiro. Resultados: O grupo caso apresentou 3,3% de reincidência após um ano (p > 0,05), escolaridade média de nove anos,
abandono escolar em 33,3% (p < 0,05) dos casos, ausência de uso de método contraceptivo em 60%. No grupo controle observaram-se
15,4% de reincidência, escolaridade média de sete anos, abandono escolar em 75,8% dos casos e ausência de método contraceptivo em
66,7%. Estado civil: 56,7% e 51,3%, respectivamente, eram solteiras e aproximadamente um quarto delas (26,7% e 25,5%) não tinham
contato com o parceiro. Conclusão: A taxa de reincidência foi menor no grupo das jovens que participaram do PAIGA.
UNITERMOS
Adolescente; gravidez na adolescência; reincidência; saúde integral do adolescente
ABSTRACT
Objective: Compare pregnancy recurrence among adolescents who participated in the integral support program for pregnant adolescent and
adolescent mother with that of adolescents who did not participate in the program. Methodology: A prospective study of 30 adolescents who
participated in the program (case group), and 39 adolescents who did not (control group) between 7/1/04 and 6/30/05. The youngers of
the case group had mother/child follow-up on a monthly basis during the first year after delivery; among the control group, individual and
confidential interviews were carried out during the puerperal period. Analysis in both groups was done concerning pregnancy recurrence,
postpartum orientation about contraceptives, level of education, school abandonment, marital status, and relationship with partner.
Results: The adolescents of the case group presented 3.3% of pregnancy recurrence (p > 0.05) average of nine years of education, school
abandonment in 33.3% of the cases (p < 0.05); the control group presented 15.4% of pregnancy recurrence, average of seven years of
education, school abandonment in 75.8% of the cases. The majority (60% and 66.7%, respectively) did not use any birth control method
prior to first pregnancy, remained single (56.7% and 51.3%), and approximately a quarter (26.7% and 25.5%) did not have contact with
the partner. Conclusion: Among the studied adolescents, pregnancy recurrence was lower in the case group.
KEY WORDS
Adolescent; pregnancy in adolescence; recurrence of pregnancy; adolescent health
Acadêmica do 5o ano da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
(FCMSCSP).
2
Doutora em Mediciona, área de Pediatria da FCMSCSP; professora assistente do
Departamento de Pediatria da FCMSCSP.
3
Doutora em Mediciona, área de Pediatria da FCMSCSP; diretora do Departamento
de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP.
4
Professora titular do Departamento de Pediatria da FCMSCSP; chefe da Clínica de
Adolescência da FCMSCSP.
Trabalho realizado no Departamento de Pediatria da Santa Casa da Misericórdia de
São Paulo (SCMSP) e agraciado com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico/Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(Cnpq/PIBIC – 2004).
1
Adolescência & Saúde
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46
GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE
ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA
INTRODUÇÃO
Adolescentes vivem no centro das contradições que permeiam o século. O quadro de exclusão
social atinge o cotidiano das famílias, tendo como
conseqüência o empobrecimento dessas, causado
pela instabilidade financeira e/ou psicológica de
seus membros. Desde o momento em que inicia
sua vida sexual, a maioria das mulheres, incluindo
as adolescentes, ressente-se da falta de informação
e educação em saúde reprodutiva. Poucos tipos
de métodos contraceptivos estão disponíveis, em
limitada quantidade, e falta orientação em planejamento familiar. Como conseqüência, nos últimos
20 anos, a modificação dos padrões da sexualidade
repercutiu no aumento da incidência de gravidez
na adolescência, particularmente nos países em desenvolvimento e nas adolescentes mais jovens. Esse
fenômeno tem sido motivo de preocupação das organizações de saúde nacionais e internacionais, por
suas conseqüências físicas, psicológicas e sociais na
própria jovem, em seu filho e em toda a sociedade.
A fecundidade na adolescência tem sido objeto de estudos, pois um terço da população mundial
é constituído por adolescentes e contribui efetivamente para o aumento das taxas de fecundidade e
mortalidade materna e infantil. Pesquisas mostram
que as jovens grávidas apresentam maior risco no
parto, o que estaria relacionado com a suposta
imaturidade anatomofisiológica da qual decorreriam outros problemas, como maior incidência de
baixo peso ao nascer e/ou prematuridade(12).
Nos EUA, em 1999, adolescentes tiveram
mais partos prematuros (14,1%) que mulheres
acima dos 20 anos (11,4%); em 2000, 9,5% das
adolescentes grávidas deram à luz bebês com peso
abaixo da média, em comparação com 7,6% das
mulheres grávidas(10). Apesar de não se poder generalizar sobre fecundidade e conduta sexual do
adolescente, os fatores relacionados com a gravidez na adolescência têm sido discutidos e apontam
múltiplas interferências. Entre os biológicos, o início cada vez mais precoce da puberdade e a baixa
idade da menarca têm acarretado antecipação da
iniciação sexual. A presença de bloqueios emocionais (fatores que interferem de forma consciente
volume 5  nº 2  julho 2008
Melhado et al.
ou inconsciente no uso inadequado de métodos
anticoncepcionais) pode ocorrer nessa faixa etária.
Os mais importantes deles são o pensamento mágico de que “isto nunca vai acontecer comigo”, a
confirmação de sua fertilidade, a agressão dos pais,
o sentimento de culpa e o desejo de ser mãe. Esses
fatores, associados a baixa auto-estima, dificuldades de relacionamento familiar, carência afetiva,
desconhecimento e pouco uso de contracepção,
assim como mudanças socioculturais e o processo de urbanização acelerado ocorrido nas últimas
quatro décadas, levam a garota a engravidar.
No que diz respeito à iniciação sexual, pesquisas realizadas na América Latina têm verificado
que mulheres com baixa escolaridade iniciam seus
relacionamentos sexuais mais precocemente que
as de maior escolaridade. Adolescentes sem suporte emocional, seja pela ocorrência de conflitos
na família ou pela ausência dos pais, apresentam
poucos planos e expectativas quanto a escolaridade e profissionalização, sendo mais vulneráveis
aos fatores de risco dessa faixa etária. Nas famílias
nas quais os relacionamentos são mais estáveis e as
questões da sexualidade são abordadas de forma
simples e explicativa, os adolescentes mostram-se
menos suscetíveis a riscos.
Ressalta-se, entretanto, o importante papel
do desconhecimento dos adolescentes sobre sexualidade e saúde reprodutiva, tanto por falta de
orientação da família como da escola ou do serviço
de saúde. A gravidez freqüentemente é desejada,
porém não é planejada. É importante salientar que
a gravidez na adolescência, na maioria das vezes,
parece estar ligada a fatores psicossociais associados ao ciclo de pobreza e educação que se estabelece e, principalmente, à falta de perspectiva (no
horizonte dessas meninas falta escola, saúde, cultura, lazer e emprego). Portanto, para parte das adolescentes, a gravidez, embora precoce, é desejada
e pode vir a ser a única possibilidade de mudança
de status de vida.
A mídia também tem seu papel nesse aspecto,
com inúmeras transmissões de novelas nas quais a
gravidez na adolescência freqüentemente tem final
feliz: a família aceita facilmente, o parceiro apóia,
registra o bebê e propõe casamento. Esse quadro
Adolescência & Saúde
Melhado et al. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE
ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA
nem sempre condiz com a realidade: Taffa mostra
que a porcentagem de adolescentes grávidas que
chegam a se casar com seus parceiros é menor do
que a de grávidas adultas(17). Estudos mostram que
as jovens que engravidam são aquelas que apresentam, na sua maioria, baixa auto-estima. Muitas
não têm perspectivas ou mesmo projeto de vida.
Muito embora a gravidez na adolescência freqüentemente encontre-se relacionada com o contexto de desvantagem social, é preciso considerar
que sua ocorrência já se dá num âmbito pontuado
por oportunidades restritas, poucas opções de vida
e interrupções na trajetória escolar(7).
Em 2002 apenas 64% das adolescentes grávidas completaram o ensino médio em até dois anos
além dos necessários, em comparação com 94%
das adolescentes não-grávidas(10). As dificuldades em
encarar o exercício da sexualidade de adolescentes
como fato tem sido um dos principais obstáculos à
implantação de programas de educação sexual e de
serviços de saúde reprodutiva para jovens.
Entre todos os países desenvolvidos, os EUA
possuem a mais elevada taxa de natalidade na adolescência(9). Em 1992, para cada mil adolescentes entre 15 e 19 anos, quatro deram à luz no Japão, oito
na Holanda, 33 no Reino Unido, 41 no Canadá e 61
nos EUA(9). As diferenças no número de adolescentes
grávidas entre os países desenvolvidos são causadas,
principalmente, pela disposição de efetivos contraceptivos para adolescentes e não pelas diferenças
de comportamento sexual(19). Nos EUA, a gravidez
na adolescência continua sendo questão complexa
e desconcertante tanto para as famílias como para
os profissionais de saúde, educadores, o governo e
os próprios jovens. Embora a prevenção da gravidez
não-desejada seja um dos objetivos da Academia
Americana de Pediatria e da própria sociedade, muitas adolescentes continuam a engravidar.
A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde
(DHS) de 1996 revelou que nos últimos 10 anos a
fecundidade diminuiu em torno de 30% em todas
as faixas etárias, com exceção da adolescência. O
número de partos de adolescentes corresponde a
cerca de 10% do total de nascimentos mundiais
por ano; no Brasil, o número de recém-nascidos
de mães adolescentes corresponde a 26,75% dos
Adolescência & Saúde
47
nascimentos, havendo variações regionais com
maiores taxas no Norte e no Nordeste.
Embora a reincidência da gravidez na adolescência seja freqüente em todas as classes sociais, a
maior incidência ocorre nas populações de baixa
renda e nas adolescentes mais jovens. Nos EUA a
prevalência de segunda gestação no ano seguinte
ao parto é estimada em 30%. Segundo dados da
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
(SEADE), no estado de São Paulo, em 2002, 20.906
jovens menores de 19 anos tiveram o segundo filho,
o que corresponde a 22,9% de reincidência ainda
na adolescência(3).
Rigsby et al. encontraram entre 30% e 50 %
de reincidência de gravidez na adolescência quando não há orientação no pós-parto(13). Na literatura
nacional, Takiuti et al.(18) observaram 30,5% em São
Paulo e Guimarães e Colli, 31,9% de reincidência em
Goiânia(4). São de maior risco as jovens com menos
de 16 anos na concepção e cujo parceiro tem mais
de 20 anos, as que não estudam ou têm atraso escolar. Na Clínica de Adolescência do Departamento de
Pediatria da Santa Casa da Misericórdia de São Paulo
(SCMSP), com Programa de Apoio Integral à Gestante
e Mãe Adolescente (PAIGA), ocorreram apenas 4%
de reincidência de gravidez em cinco anos(14).
Portanto, considerando todos esses fatores, a
gravidez na adolescência vem-se tornando objeto de
preocupação e estudo dos especialistas da área e é
um problema que precisa estar na pauta de toda a
sociedade. A importância deste trabalho está em fornecer instrumentos para qualificação de programa
de apoio integral à adolescente grávida como fator
de proteção para a reincidência da gravidez nessa
faixa etária, qualidade de vida e saúde da jovem e
de seu filho.
OBJETIVO
Avaliar a reincidência da gravidez entre adolescentes que participaram do PAIGA (com acompanhamento pós-parto para promoção da auto-estima
e orientação sobre saúde reprodutiva associada à
puericultura de seus filhos) e compará-la com a de
jovens que não participaram do programa.
volume 5  nº 2  julho 2008
48
GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE
ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA
METODOLOGIA
Estudo prospectivo comparativo entre 30 adolescentes com 18 anos ou menos à concepção, que
participaram do PAIGA na Clínica de Adolescência
do Departamento de Pediatria da SCMSP (grupo
caso) no período de 1 de julho de 2004 a 30 de
junho de 2005, e 39 jovens com a mesma idade
que deram à luz na Maternidade do Departamento
de Ginecologia e Obstetrícia (DOGI) da SCMSP no
mesmo período e que não participaram do programa (grupo controle). Entre as jovens que participaram do PAIGA foi feito acompanhamento mensal
do binômio mãe/filho no ambulatório de pediatria
da instituição durante o primeiro ano após o parto,
quando as jovens receberam atenção global à saúde, trabalhando-se auto-estima, saúde reprodutiva
e puericultura de seus filhos.
Realizaram-se entrevistas individuais e confidenciais durante o puerpério entre as jovens que
procuraram a maternidade da SCMSP no momento do parto e que não participaram do PAIGA. O
questionário foi realizado após consentimento informado, durante a internação para o parto, por
acadêmico do terceiro ano de medicina. A pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa em Seres Humanos da referida instituição,
sendo analisados: idade na primeira gestação, reincidência da gravidez, intervalo entre a primeira e a
segunda gravidez, assistência pré-natal, orientação
contraceptiva no pós-parto, idade na primeira relação sexual, método anticoncepcional usado, escolaridade, abandono escolar, estado civil, relação
com o pai da criança, planejamento e desejo da
gravidez, ideação e tentativa de aborto.
Foi utilizado o software Epi-info 6.0 B para
avaliação dos dados e resultados, e foram aplicados os testes da diferença entre proporções (quiquadrado [χ2]) e da média.
RESULTADOS
As jovens apresentaram idades entre 11 e
18 anos incompletos à concepção, média de 15,4
anos na primeira gestação no grupo caso e 15,6
volume 5  nº 2  julho 2008
Melhado et al.
anos de idade no grupo controle; a escolaridade
média encontrada foi de nove anos de estudo no
grupo caso e sete no grupo controle. Entre aquelas
que participaram do PAIGA, 33,3% abandonaram
a escola; entre as pacientes do grupo controle,
75,8% (Figura 1).
A maioria das jovens estudadas permanecia
solteira (56,7% no grupo caso e 51,3% no grupo
controle), e aproximadamente um quarto (26,7%
e 25,5%) não tinha contato com o pai da criança.
Entre as jovens do grupo caso a maioria (60%) não
usava qualquer método contraceptivo anteriormente à gravidez, assim como a maioria (66,7%)
do grupo controle. Entre as adolescentes que não
participaram do PAIGA, 82,1% não planejaram a
gravidez, entretanto 56,4% a desejaram; 38,5%
pensaram em realizar aborto e 15,4% tentaram
algum método abortivo.
As adolescentes que receberam apoio integral
à gestante adolescente com acompanhamento do
binômio mãe/filho apresentaram 3,3% de taxa de
reincidência, enquanto no grupo controle foi observada taxa de reincidência de 15,4% (Figura 2).
TAXA DE ABANDONO ESCOLAR
0%
20%
40%
60%
Grupo controle
Grupo caso
Figura 1 – Análise da taxa de abandono escolar
Adolescência & Saúde
80%
Melhado et al. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE
ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA
TAXA DE REINCIDÊNCIA
20 %
15 %
10 %
5%
0%
Grupo caso
Grupo controle
Taxa de
reincidência
Figura 2 – Análise da reincidência da gravidez na adolescência
DISCUSSÃO
Este estudo utilizou amostragem de conveniência que não pode ser generalizada. Entretanto
nossos resultados podem servir de auxílio para o
entendimento de questões da sexualidade na adolescência, com maior ênfase na prevenção de gravidez e reincidência precoces. Infelizmente o estudo
apresentou algumas limitações como a queda no
número de internações em todos os departamentos da SCMSP, inclusive na maternidade do DOGI,
prejudicando o tamanho das amostras.
Vivemos numa sociedade erotizada, na qual
os jovens recebem mensagens dúbias sobre o que
é bom ou ruim em relação ao exercício da sexualidade. Há uma permissividade social negligente.
Em geral a atividade sexual inicia-se sem clareza
suficiente entre o que se deseja e a influência sofrida pelos pares e pela sociedade.
Uma das principais inquietações dos profissionais de saúde que atendem adolescentes é compreender por que alguns jovens têm as primeiras
Adolescência & Saúde
49
relações sexuais em condições protegidas e outros
não e, dentro do quadro atual em que se observam iniciação sexual precoce, aumento de doenças
sexualmente transmissíveis (DSTs), gravidez e reincidência na adolescência, saber o que fazer para
promover a saúde sexual dessa população.
As dificuldades em aceitar o exercício da sexualidade na adolescência como fato tem sido um
dos principais obstáculos à implantação de programas de educação sexual e de serviços de saúde
reprodutiva para jovens, tendo a prevenção como
enfoque principal. Todas as adolescentes necessitam de atenção integral à saúde, incluindo orientação reprodutiva, principalmente aquelas de maior
risco, como as que já engravidaram uma vez.
Entre os fatores de risco associados a gravidez
na adolescência e reincidência ainda nessa faixa
etária, destacam-se iniciação sexual precoce, baixa escolaridade, abandono escolar e desestrutura
familiar(20).
Em nosso estudo a escolaridade encontrada
foi de nove anos no grupo das jovens que participaram do PAIGA (acompanhamento pós-parto do
binômio mãe/filho, com orientações sobre cuidados de sua saúde, de seu bebê e orientação contraceptiva [grupo caso]) e de sete anos entre as jovens
que não participaram. São taxas elevadas quando
comparadas à média nacional, que é de 5,4 anos(3).
Esse resultado provavelmente é explicado pelo fato
de as jovens avaliadas residirem, em sua maioria,
em região urbana. Dados do Censo de 2000 mostram que os jovens que vivem nos centro urbanos
mais desenvolvidos têm maior acesso à escola(5).
Apesar de apresentarem taxa de escolaridade elevada nos dois grupos, as adolescentes do grupo
caso apresentaram 33,3% de abandono escolar
em comparação com 75,8% no grupo controle,
diferença significativa (p < 0,05) e taxa semelhante
à encontrada por Stevens-Simon e Lowy em 1995(16).
Apesar da elevada taxa de abandono escolar entre
as jovens que participaram do PAIGA, a grande diferença pode ser explicada pelo apoio recebido durante e após a gestação, valorizando a auto-estima
e a preocupação com o futuro. Stevens-Simon e
Lowy encontraram valores semelhantes aos do grupo controle ao estudar adolescentes grávidas(16).
volume 5  nº 2  julho 2008
50
GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE
ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA
O início cada vez mais precoce da vida sexual
entre os jovens é apontado como fator de risco
para a gravidez na adolescência e sua reincidência.
Entre as adolescentes estudadas que não participaram do PAIGA, a média da idade por ocasião da
primeira relação sexual foi de 14,5 anos.
Kanofsky encontrou forte relação entre iniciação precoce e famílias desestruturadas e presença
de diálogo com os pais(6). As amostras avaliadas
foram semelhantes quanto à idade por ocasião da
primeira gravidez (15,4 e 15,6 anos), com valores
significativos (p = 0,39). Dados da Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO) mostram que as jovens vêm iniciando
a vida sexual cada vez mais cedo, entre 15,2 e 16
anos, o que mostra relação entre iniciação sexual
precoce e gravidez(20).
Meade e Ickovics observaram que a maioria
dos jovens pratica sexo inseguro antes, durante
e após a gravidez(8). Verificaram-se taxas altas de
vida sexual desprotegida: 60% das jovens do grupo caso e 66,7% das do grupo controle não faziam uso de método contraceptivo previamente à
gravidez. Com relação ao desejo e ao planejamento da gravidez, este estudo confirma resultados
encontrados por Camarano(1). Entre as jovens que
não participaram do PAIGA, 82,1% não planejaram a gravidez e 56,4% queriam engravidar, o
que revela a falta de planejamento familiar bastante comum nessa faixa etária. O não-planejamento da gravidez e o desejo de engravidar podem
ser atribuídos ao pensamento mágico próprio da
adolescência: “comigo não acontece”.
É importante salientar que a gravidez na
adolescência, na maioria das vezes, parece estar
ligada a fatores psicossociais associados ao ciclo
de pobreza e educação que se estabelece e, principalmente, à falta de perspectiva (no horizonte
dessas meninas falta escola, saúde, cultura, lazer e
emprego). Ressalta-se o importante papel do desconhecimento dos adolescentes sobre sexualidade
e saúde reprodutiva, tanto por falta de orientação
da família como da escola ou do serviço de saúde.
Portanto, para parte das adolescentes, a gravidez,
embora precoce, é desejada e pode vir a ser a única possibilidade de mudança de status de vida.
volume 5  nº 2  julho 2008
Melhado et al.
O papel do parceiro da adolescente não deve
ser esquecido. Infelizmente, é freqüente o pai não
se responsabilizar pela gravidez e abandonar a
gestante. Sant’Anna e Coates encontraram que
50% das jovens não estavam com seus parceiros
ao procurarem assistência pré-natal, sendo o seu
apoio considerado fator protetor importante na
evolução da gravidez e da concepção(15). Entre as
jovens estudadas, 25,6% daquelas do grupo controle e 26,7% das do grupo caso não mantinham
contato com o pai da criança.
Apesar da ilegalidade, a opção de aborto
parece ser bem difundida entre as adolescentes.
Observou-se que 38,5% das jovens do grupo
controle pensaram em realizar aborto e 15,4%
tentaram algum tipo de procedimento abortivo.
Entretanto, Paiva et al. constataram que as meninas de classes sociais mais baixas tinham medo de
que após o aborto não pudessem mais conceber e
que as jovens universitárias achavam mais tolerável
corrigir uma gravidez não-planejada com o aborto,
até porque nos estratos médios o aborto pode ser
feito em condições médicas mais aceitáveis, embora constrangedoras, clandestinas e caras(11).
Neste estudo encontrou-se taxa de 3,3% de
reincidência da gravidez na adolescência entre
as adolescentes que receberam apoio à gestante
adolescente e orientação contraceptiva durante a
gravidez e após o parto, valor bastante inferior ao
grupo controle (15,4%), de jovens que não receberam apoio à gestante adolescente nem orientação contraceptiva. Apesar de os valores serem
distantes, não há diferença estatisticamente significativa (p = 0,1), o que talvez indique que estudos
com amostras maiores devam ser realizados.
Não podemos, portanto, afirmar estatisticamente que a assistência recebida seja eficaz no
controle da reincidência da gravidez na adolescência. Os valores encontrados foram inferiores
às taxas encontradas no estado de São Paulo em
2002: 22,9% de reincidência ainda na adolescência(3). Takiuti et al.(18) observaram reincidência de
30,5% em São Paulo; Guimarães e Colli, 31,9%
em Goiânia(4). Em 1999, mais de 20% das adolescentes americanas apresentaram uma segunda
gestação dois anos após a primeira(2).
Adolescência & Saúde
Melhado et al. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE
ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA
Educação e participação ativa podem ajudar
as jovens a se conhecerem e assumirem a própria
sexualidade com decisões contraceptivas. Na indicação de caminhos para novas pesquisas, gostaríamos de enfatizar a relevância de uma perspectiva multidisciplinar na assistência global à
adolescente grávida, quando esforços adequados
são postos em ação. Pensamos ser possível ajudar
os jovens a se implicarem enquanto sujeitos no
exercício da sexualidade.
51
CONCLUSÃO
Entre as adolescentes estudadas, a taxa de
reincidência na adolescência foi menor no grupo
das jovens que receberam assistência pré-natal especializada e acompanhamento do binômio mãe/
filho após o parto. Neste mesmo estudo, as taxas
encontradas quanto ao abandono escolar foram
significantemente menores quando comparadas às
observadas no grupo das jovens que não receberam assistência pré-natal especializada.
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Adolescência & Saúde
volume 5  nº 2  julho 2008
52
ARTIGO ORIGINAL
Maria José Carvalho
Sant’Anna1
Képler Alencar Mendes
de Carvalho2
Maria Lúcia Bastos
Passarelli3
Veronica Coates4
Comportamento sexual entre jovens
universitários
Sexual behavior of young university students
RESUMO
Introdução: A maioria dos universitários tem idade entre 17 e 24 anos e o ingresso na universidade constitui momento importante em
suas vidas, posto que iniciam sua experiência no mundo do trabalho e processam sua identidade profissional, a qual está acoplada ao
processo de identidade adulta. Muitas vezes nesse período se iniciam comportamentos sexuais de risco, como a negligência ao uso
de métodos contraceptivos e à prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Objetivos: Identificar fatores de risco
associados ao exercício da sexualidade em acadêmicos do curso de medicina para elaboração de estratégias preventivas. Material
e métodos: Avaliaram-se transversalmente 465 alunos de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
(FCMSCSP) no ano de 2005. Utilizou-se questionário anônimo de autopreenchimento, semi-estruturado, após autorização, tendo os
alunos se instruído quanto à finalidade do trabalho e assinado o consentimento esclarecido. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de
ética e pesquisa da instituição. Utilizou-se software Epi-info 6.04d com os testes da diferença entre proporções (qui-quadrado [χ2])
e o teste da média. Resultados: A idade média dos alunos foi 21,5 anos; 43% eram do sexo feminino; 77,8% praticavam atividade
física, sendo que 80% regularmente; 85,3% referiram vida sexual, com idade média de início aos 17 anos; 88,8% usaram preservativo
na primeira relação sexual, porém 35,6% não o fizeram regularmente; 5,4% já contraíram alguma DST. Entre as estudantes, 79,8%
usaram algum método anticonceptivo, no entanto 28,1% apresentaram suspeita de gravidez, a qual foi confirmada em 7,9% dos
casos. Entre os estudantes, 9,9% referiram ideação de aborto, sendo que, desses, 12,5% o efetivaram. A carga horária do curso é
considerada estressante por 85% dos alunos; para aliviar a tensão, 33,8% praticavam esportes. Conclusões: Os resultados obtidos
sugerem comportamentos sexuais de risco entre os jovens avaliados e apontam a necessidade de se estabelecerem programas de
orientação e prevenção sobre saúde reprodutiva, melhorando a auto-estima durante a formação acadêmica.
UNITERMOS
Sexualidade; comportamento sexual; adolescência; universitários
ABSTRACT
Introduction: For most university students who are around 17 to 24 years old, going to college is the most important moment of their lives.
They start their experience in the working world and create their professional identity, coupled to the adult identity process. Many times risky
sexual behavior occurs, with neglect of the use of contraceptive methods and protection against sexually transmitted diseases (STD). Objectives:
Identify risk factors related to exploring sexuality in individuals during medical school in order to elaborate preventive strategies. Material
and methods: Four hundred sixty-five medical students from Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) were
transversely evaluated during 2005. An anonymous, semi-structured, self-filling questionnaire was applied, through the use of an informed
consent form duly signed. The research was approved by the ethics and research committee of the institution. Epi-info 6.04d software was used
with qui-square and mean tests. Results: The average age of the students was 21.5 years; 43% belonged to the female gender; 77.8% performed
physical activities, 80% regularly; 85.3% had already had sexual intercourses, starting at average age of 17; 88.8% used preservatives during
the first sexual intercourse, however, 35.6% do not use it regularly; 5.4% have already had some type of DST; 79.8% of the female students
referred having used contraceptive methods, however, 28.1% had a suspicion of pregnancy, which was confirmed in 7.9% of the cases; 9.9%
of the students had ideas of abortion, of which 12.5% effectively attempted it; 85% of the students consider medical school stressing; in order
to relieve tension, 33.8% practice sports. Conclusions: The obtained results suggest risky behaviors in the evaluated youngsters: unsafe sex
indicates the need to establish guidance programs on reproductive health, improving self-esteem and prevention during medical education.
KEY WORDS
Sexuality; sexual behavior; adolescence; university students
1. Professora assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP); doutora em Pediatria pela FCMSCSP.
2. Acadêmico do sexto ano da FCMSCSP.
3. Doutora em Pediatria pela FCMSCSP; diretora do Departamento de Pediatria da
FCMSCSP; professora assistente da FCMSCSP.
4. Professora titular do Departamento de Pediatria da FCMSCSP; chefe da Clínica de
Adolescência do Departamento de Pediatria da FCMSCSP.
volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
Sant’Anna et al.
INTRODUÇÃO
A adolescência caracteriza-se por profundas alterações no desenvolvimento biológico, psicológico
e social, evidenciadas pela “crise normal da adolescência”(3), que surge da interação do indivíduo com
seu meio(4). Para a Organização Pan-Americana de
Saúde (OPAS), a adolescência é um processo de
aceleração do desenvolvimento cognitivo e estruturação da personalidade que abrange o período
dos 10 aos 19 anos; e a juventude, o período dos
15 aos 24 anos, sendo um processo de preparação,
fundamentalmente sociológico, para que os jovens
venham a assumir o papel social do adulto do ponto
de vista da família, da procriação, da profissão, com
plenos direitos e responsabilidades(9). A juventude
compreende duas etapas: de 15 a 19 anos e de 20
a 24 anos, sendo essa última muitas vezes identificada como etapa final da adolescência ou adolescência tardia. Há, portanto, uma interseção entre
a segunda metade da adolescência e os primeiros
anos da juventude(8). Na juventude vários marcos
são superados seqüencialmente, e o jovem tenta
atingir sua individualidade e maturidade cognitiva,
emocional, social e física. Ele se prepara para exercer os seus papéis sociais no casamento, na família
e no emprego, entre outros. O jovem experimenta
grande variedade de atitudes e comportamentos,
sendo submetido a pressões externas, sociais e familiares(4). Os comportamentos iniciados nessa idade
são cruciais para a vida toda, pois repercutem no
desenvolvimento integral do ser humano. O jovem
tem fascínio pelo novo e tendência a se considerar
invulnerável e indestrutível.
A maior parte dos universitários é constituída por jovens entre 17 e 24 anos, e o ingresso na
universidade representa um momento importante
em suas vidas. A partir daí sua inserção social se
amplia e se iniciam suas experiências no mundo do
trabalho, processando sua identidade profissional,
que está acoplada ao processo maior de identidade. O aluno recém-ingressado na universidade se
depara com situações novas, que suscitam sentimentos de alegria e excitação, além de insegurança e ansiedade(6). Nesse contexto, muitas vezes se
iniciam os comportamentos sexuais de risco, como
Adolescência & Saúde
COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS
53
a negligência ao uso de métodos contraceptivos e
à prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)(1).
No que se refere ao exercício da sexualidade,
percebe-se que o jovem muitas vezes recebe informações de fontes inexatas. Vivemos atualmente
numa sociedade erotizada, na qual os jovens têm
mensagens dúbias sobre o bom e o ruim em relação à sexualidade. Há uma permissividade social
negligente, sendo comum que a atividade sexual
se inicie sem clareza suficiente entre o que se deseja
e a influência sofrida pelos pares e pela sociedade.
Admite-se que a educação sexual sempre foi prerrogativa dos pais, porém ela virtualmente inexiste
na maioria das famílias, por falta de conhecimento
ou dificuldade própria dos pais em lidar com assuntos referentes à sexualidade dos filhos. Na grande
maioria das escolas as informações, ainda hoje, são
fornecidas em aulas de ciências ou biologia, priorizando aspectos fisiológicos e anatômicos, não existindo espaço para a discussão sobre sexualidade ou
para o diálogo franco e aberto sobre as ansiedades
e preocupações sexuais do jovem(4).
OBJETIVOS
Identificar fatores de risco associados ao exercício da sexualidade em jovens universitários.
MATERIAIS E MÉTODOS
Avaliaram-se transversalmente 465 alunos
matriculados do primeiro ao sexto ano do curso de
graduação da Faculdade de Ciências Médicas da
Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) no período de
janeiro a dezembro de 2005. O método utilizado foi
o emprego de questionário de autopreenchimento, semi-estruturado, segundo roteiro previamente
estabelecido, após autorização do aluno para essa
finalidade, tendo ele sido instruído acerca da finalidade do trabalho e assinado o consentimento esclarecido. O questionário preenchido foi posto em uma
única urna lacrada com o objetivo de garantir sigilo
e anonimato. A pesquisa foi aprovada pelo comitê
volume 5  nº 2  julho 2008
54
COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS
de ética e pesquisa da instituição. Para análise dos
dados foi utilizado o software Epi-info 6.04d com os
testes da diferença entre proporções (qui-quadrado
[χ2]) e o teste da média.
RESULTADOS
A FCMSCSP possuía 600 estudantes matriculados no ano de 2005, e, desses, 465 (77,5%)
responderam ao questionário. A idade média dos
alunos foi 21,5 anos; 43% eram do sexo feminino
e 57% do masculino; 63,6% apresentaram renda
familiar superior a 20 salários mínimos e 6,9% dos
alunos possuía atividade remunerada. Praticavam
atividade física 77,8%, sendo que em 80% dos casos, regularmente.
No que se refere a aspectos da sexualidade,
85,3% referiram vida sexual ativa, com idade média de início de 17 anos, e tempo de estabilidade
média na relação com parceiro(a) antes da primeira
relação sexual de nove meses. Apresentaram apenas um parceiro sexual atual 91%, 96% no sexo
masculino e 88% no feminino; 22,4% dos alunos
(todos do sexo masculino) já tiveram relação sexual
mediante pagamento. Houve contágio por algum
tipo de DST em 5,4% dos estudantes. Em relação à
contracepção, 45,6% referiram a utilização de contracepção de emergência (para si ou para o parceiro sexual), com média de uso de 2,2 vezes desde
o início da atividade sexual. Entre as estudantes,
83,7% referiram uso regular de método contraceptivo; 88,8% dos alunos usaram preservativo na
primeira relação sexual e 35,6% não o usam regularmente, com variação significativa durante os
diferentes anos do curso (Figura 1). Verificamos
também que os alunos usavam preservativo mais
regularmente do que os parceiros das estudantes
em questão (p < 0,05).
Já apresentaram suspeita de gravidez 28,1%
das estudantes e/ou parceiras dos alunos, sendo a
gravidez confirmada em 7,9% dos casos. Referiram
ideação de aborto 9,9% dos estudantes, com variação das taxas conforme o ano do curso (Figura 2),
sendo que, desses, 12,5% o efetivaram. Quando
comparamos a freqüência de suspeita de gravidez
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Sant’Anna et al.
100
90
80
70
60
% 50
40
30
20
10
0
Figura 1: Uso de condom por estudantes de
medicina da FCMSCSP, por ano de curso
p < 0,05 *
1°
2°
Uso na 1° relação
3°
4°
Ano do curso
Uso regular
5°
6°
Uso na ultima relação
Figura 1 – Uso de condom por estudantes de medicina da FCMSCSP, por ano de curso
Figura 2: Porcentagem de suspeita de gravidez e
ideação de aborto entre estudantes de medicina da
FCMSCSP, por ano do curso (n = 311)
%
40
35
30
25
20
15
10
5
0
p < 0,05 *
1°
2°
3°
4°
Ano do curso
Suspeita de gravidez
5°
6°
Ideação de aborto
Figura 2 – Porcentagem de suspeita de gravidez e ideação de aborto entre estudantes de
medicina da FCMSCSP, por ano do curso (n = 311)
entre os três primeiros anos de curso com os três
anos finais, não encontramos diferenças estatisticamente significantes (p = 0,1). No entanto, quando
a comparação realizada para esses mesmos grupos
foi em relação à ideação de aborto, houve significativa diferença estatística (p < 0,05).
Dos estudantes entrevistados, 85% consideravam a carga horária do curso estressante; para
aliviar a tensão, 33,8% praticavam esportes, 38,4%
saíam com amigos, 16,7% referiram permanecer
com a família e 5% faziam uso de tranqüilizantes,
sendo que, desses últimos, 27,8% faziam uso semanal e 72,2%, esporádico.
DISCUSSÃO
Segundo a OPAS, a juventude é o período
compreendido entre os 15 e os 24 anos, época em
Adolescência & Saúde
Sant’Anna et al.
que os jovens devem assumir o papel de adulto,
com todas suas responsabilidades e seus direitos,
porém ainda com incertezas e crises diante dos
novos papéis e desafios. A idade média dos alunos avaliados foi 21,5 anos, considerada dentro da
faixa da juventude ou adolescência tardia. Muitas
vezes é período de grandes riscos, pela insegurança e pela ansiedade, freqüentemente levando a
comportamentos sexuais de risco.
A FAMÍLIA
A maioria dos jovens avaliados provém de famílias estruturadas, com pais casados e bom relacionamento familiar. A influência da família no comportamento sexual dos jovens tem sido analisada sob
vários aspectos, uma vez que o contexto familiar tem
relação direta com a época em que se inicia a atividade sexual. Famílias estruturadas e presentes são
consideradas por Markham et al. fator protetor contra a iniciação sexual precoce(7). Encontramos idade
média da iniciação sexual de 17 anos, início tardio
se considerarmos pesquisa feita pela Organização
das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO) em 2001, na qual encontramos que, no
Brasil, os jovens vêm iniciando sua vida sexual cada
vez mais cedo, entre 13,9 e 14,5 anos no sexo masculino e entre 15,2 e 16 anos no feminino(12).
O EXERCÍCIO DA SEXUALIDADE
Freqüentemente os jovens iniciam sua vida
sexual sem estarem adequadamente protegidos,
e, apesar de em nosso estudo a maioria dos estudantes ter usado preservativo na primeira relação
sexual, encontramos altas taxas de uso irregular.
Interpretamos que o uso da camisinha não se limita
apenas à informação, mas diz respeito também ao
significado da relação afetiva. O jovem adota com
freqüência pensamento mágico sobre os riscos
relacionados com o exercício da sexualidade, não
estabelecendo de modo consciente o vínculo entre
a atividade sexual com vulnerabilidade e a necessidade de se proteger(10). Em geral, o jovem conhece
Adolescência & Saúde
COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS
55
a existência de métodos preventivos, mas apresenta
resistência em utilizá-los por medo de prejudicar sua
saúde, por desconhecimento do uso correto, pelas
dificuldades em obtê-los ou mesmo por desejo,
consciente ou inconsciente, de gravidez(3, 10). Em
20,2% dos jovens estudados, encontramos o nãouso de método contraceptivo; 35,6% não usavam
regularmente o preservativo apesar da boa escolaridade, o que teoricamente deveria refletir em maior
conhecimento sobre cuidados de saúde preventiva.
É interessante observarmos que o uso do preservativo foi maior no primeiro ano da graduação,
apresentando queda durante o curso. Acreditamos
que, apesar do melhor conhecimento, o aumento
do não-uso deva-se à maior taxa de jovens com relacionamentos estáveis, que namoram e têm um único
parceiro, mostrando a valorização da relação afetiva.
É interessante notar que a grande maioria teve sua
iniciação sexual com o namorado (62,84%), com
tempo médio de relacionamento de nove meses.
Essa taxa é ainda mais alta se considerarmos apenas
o sexo feminino (89%). Dados da pesquisa Gravidez
na Adolescência (GRAVAD), de 2002, realizada em
três grandes capitais brasileiras entre adolescentes
e jovens de ambos os sexos com idades entre 18 e
24 anos, apontaram que a maioria das jovens que
engravidaram (97,5%) e dos que já engravidaram
uma companheira (85,8%) encontrava-se em contextos de relacionamentos afetivos estáveis(5). Diante
da diversidade de contextos nos quais pode ocorrer
a atividade sexual desprotegida cabe um olhar diferenciado e atento, livre de preconceitos e individualizado para cada jovem.
SUSPEITA DE GRAVIDEZ E
IDEAÇÃO DE ABORTO
Apesar da ilegalidade no Brasil, a opção pelo
aborto parece ser bem difundida entre os jovens.
Segundo dados do Ministério da Saúde, o aborto
provocado constitui a quinta maior causa de internação entre jovens e a terceira causa de morte
materna no país: 16% entre mulheres de 15 a 24
anos nas regiões mais pobres(2). Observou-se que
28,1% das jovens avaliadas apresentaram suspeita
volume 5  nº 2  julho 2008
56
COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS
Sant’Anna et al.
de gravidez, que foi confirmada em 7,9%. Entre
elas 9,9% pensaram na possibilidade de abortar e,
dessas, 12,5% a efetivaram, taxas não muito diferentes das encontradas por Souza e Silva (15,3%)
em universitárias(11). A elevada freqüência de aborto pode resultar das negociações entre os parceiros
em torno de assumir a criança/gravidez; as jovens
universitárias achavam mais tolerável corrigir uma
gravidez não-planejada com o aborto, até porque
nos estratos médios da população o aborto pode
ser feito em condições médicas mais aceitáveis,
embora constrangedoras, clandestinas e caras(11).
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos sugerem comportamentos de risco nos jovens avaliados, ou seja,
vida sexual desprotegida, e apontam a necessidade de novas pesquisas dessa natureza para
que se estabeleçam programas de orientação
sobre saúde reprodutiva com melhoria da autoestima.
Acreditamos ser possível ajudar os jovens a se
assumirem como sujeitos no exercício responsável
de sua sexualidade e seu futuro profissional.
REFERÊNCIAS
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5. Heilborn ML, et al. Gravidez na adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil
(Pesquisa GRAVAD), 2002. Pesquisa realizada pelo Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde do IMS/UERJ, Programa
de Estudos em Gênero e Saúde do ISC/UFBA e Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde da UFRGS.
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universidade. In: SEDEC/UNIRIO, 2000. Rio de Janeiro. 2000.
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schools. Perspect Sex Reprod Health. 2003; 35(4): 174-9.
8. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira: construindo uma agenda nacional. Brasília (DF); 2000.
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10. Sant’Anna MJ, et al. Pregnant teenager involvement in sexual activity and the social context. Scientific World
Journal. 2006; 6: 998-1007.
11. Souza e Silva R. Especulações sobre o papel do aborto provocado no comportamento reprodutivo das jovens
brasileiras. Revista Brasileira de Estudos de População. 2002; 19(2).
12. UNESCO. Aids: o que pensam os jovens? Políticas e Práticas Educativas. Cadernos UNESCO Brasil – Série Educação
Para a Saúde 2002; 1.
volume 5  nº 2  julho 2008
Adolescência & Saúde
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Committee of Medical Journal Editors. Exemplos:
a) Artigos em periódicos:
volume 5  nº 2  julho 2008
58
NORMAS EDITORIAIS
Dupont W, Page D. Risk factors for breast cancer in
women with proliferative breast disease. N Engl J Med.
1985; 312: 146-51.
Obs.: Quando houver mais de seis autores, devem-se
mencionar os três primeiros seguidos de et al.
b) Capítulos de livros:
Swain SM, Lippman ME. Locally advanced breast cancer.
In: Bland KI, Copeland EM. The Breast. Comprehensive
management of benign and malignant diseases.
Philadelphia: WB Saunders. 1991; 843-62.
c) Livros:
Hughes LE, Mansel RE, Webster DJT. Benign disorders
and diseases of the breast. Concepts and clinical
management. London: Baillière-Tindall. 1989.
d) Referências de trabalhos apresentados em evento:
Tarricone V, Novaes SP, Pinto RC, Petti DA. Tratamento
conservador do câncer de mama. XI Congresso Brasileiro
de Mastologia. Foz do Iguaçu; 1998.
e) Referências de trabalhos de autoria de entidade:
American Medical Association. Mammographic criteria
for surgical biopsy of nonpalpable breast lesions. Report
of the AMA Council on Scientific Affairs. Chicago:
American Medical Association. 1989; 9-20.
f) Referências de teses:
Narvaiza DG. Expressão do antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) no epitélio da mama de usuárias e
não-usuárias de anticoncepcional hormonal combinado
oral. São Paulo: 1998. Tese de Mestrado, Unifesp-EPM.
g) Artigos de periódico em formato eletrônico:
Morse SS. Factors in the emergence of infectious
diseases. Emerg Infect Dis [serial online] 1995 Jan-Mar
[cited 1996 Jun 5]; 1(1): [24 screens]. Available from:
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