Adolescer com HIV: saber, conhecer e conviver Sobre a
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Adolescer com HIV: saber, conhecer e conviver Sobre a
2 ISSN 1679-9941 Nº Volume 5 Julho 2008 publicação trimestral revista oficial do núcleo de estudos da saúde do adolescente / uerj Adolescer com HIV: saber, conhecer e conviver Violência e abuso contra crianças e adolescentes, segundo os conselhos tutelares, o Programa Sentinela de Feira de Santana (BA) e o Centre Jeunesse de Montreal Sobre a gravidez na adolescência A puberfonia e o universo da voz masculina Centro de Referência em Atenção à Saúde do Adolescente no município de Jaboatão dos Guararapes (PE) O atendimento humanizado ao adolescente usuário de substâncias psicoativas numa perspectiva interdisciplinar Real e realidade: a psicanálise num ambulatório público Gravidez na adolescência: apoio integral à gestante e à mãe adolescente como fator de proteção da reincidência Comportamento sexual entre jovens universitários www.nesa.uerj.br ISSN 1679-9941 volume 5 nº 2 julho 2008 PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL EDITADA PELO NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO ADOLESCENTE (NESA) DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UERJ) UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Vieira Alves Vice-Reitora: Maria Cristina Paixao Maioli NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO ADOLESCENTE Diretor: José Augusto Messias Coordenador da Atenção Terciária: José Henrique Aquino Coordenadora da Atenção Secundária: Kátia Nogueira Coordenadora da Atenção Primária: Fernanda Graneiro Bastos CONSELHO EDITORIAL Editora: Isabel Cristina Bouzas Editora-Científica: Evelyn Eisenstein Co-Editores: Claudia Braga, Kátia Nogueira, Marília Mello Colaboradores: Celise Meneses, Cláudio Abuassi, Eloisa Grossman, Flávio Stanjzbok, José Augusto Messias, Márcia Soares, Maria Cristina Kuschnir, Rejane Araújo, Selma Correia, Stella Taquette Conselho Consultivo: Daniella Santini, Darci Bonneto, Denise Monteiro, Marcia Fernandes, Maria de Fátima Coutinho, Maria Teresa Maldonado, Maria Verônica Coates, Ricardo Barros, Riva Rozemberg, Rosangela Magalhães, Simone Assis, Therezinha Cruz, Viviane Castelo Branco, Walter Marcondes Filho, Robert Brown (University of Columbia, Ohio, EUA), Richard MacKenzie (University of Los Angeles, Califórnia, EUA), Jane Rees (University of Washington, Seattle, EUA), Irene Jillson (University of Georgetown, Washington, EUA), Marc Jacobson (Children’s Hospital, Long Island, NY, EUA), Helena Fonseca (Lisboa, Portugal), Leonor Sassetti (Lisboa, Portugal), David Bennett (Westmead, Sydney, Austrália), Michael Kohn (Parramatta, Austrália), Nicholas Woolfield (Children’s Hospital Queensland, Austrália), Rafiq Lockhat (Cidade do Cabo, África do Sul), Sue Bagshaw (Nova Zelândia), Sérgio Buzzini (University of Chapel Hill, EUA), Matilde Maddaleno (OPAS/OMS, Washington), Robert Blum (Johns Hopkins University, Baltimore) Coordenação Editorial (Diagraphic Editora): Jane Castelo A795 Adolescência & saúde / órgão oficial do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente HUPE/UERJ. – V. 1, n. 1 (Jan./Mar. 2004) – . – Rio de Janeiro : Diagraphic, 2003 Trimestral : Descrição baseada em: V. 1, n. 1 (Jan./Mar. 2004) Inclui bibliografia ISSN 1679–9941 1. Adolescentes – Saúde e higiene – Periódicos. I. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente. 03–2487 CDD 613.0433 CDU 613.96 Boulevard 28 de Setembro 109/fundos Pavilhão Floriano Stoffel • Vila Isabel • CEP 20551-030 Rio de Janeiro-RJ • Tels.: (21) 2587-6570/2587-6571 Fax: (21) 2264-2082 • E-mail: [email protected] • www.nesa.uerj.br Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro - SOPERJ Rua da Assembléia, 10 - Grupo 1812 - Centro • CEP 20011-901 Rio de Janeiro - RJ • Tel.: (21) 2531-3313 Email: [email protected] • Home page: www.soperj.org.br www.asbrabr.br DIAGRAPHIC EDITORA Av. 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Sant’Anna; Veronica Coates VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL ...................................................................................................................................................................................... 15 Maria C. O. Costa; Marc Bigras; Karine E. P. de Souza; Rosely C. de Carvalho; Carlos A. S. T. Santos SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA ......................................................................................................................... 23 Stella R. Taquette A PUBERFONIA E O UNIVERSO DA VOZ MASCULINA. ........................................................................................... 27 Thiago Roseiro; Margareth Attianezi CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE). ....................................................................................................................................... 31 Sidney Alverni Eloy da Hora; Ana Karina F. C. Calderan Correa; Ana Beatriz Nery da F. Cordeiro; Antônio Carlos Avelino de Pontes O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR. ........................................................................................ 36 Deise Antunes Bortoluzzi; Santos Barros Viana; Shelley Fernandes Fiuza REAL E REALIDADE: A PSICANÁLISE NUM AMBULATÓRIO PÚBLICO.......................................................... 42 Marília Vilhena; Vera Pollo GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA..................................................................................................... 45 Amanda Melhado; Maria José Carvalho Sant’Anna; Maria Lúcia Bastos Passarelli; Veronica Coates COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS. ..................................................................... 52 Maria José Carvalho Sant’Anna; Képler Alencar Mendes de Carvalho; Maria Lúcia Bastos Passarelli; Veronica Coates NORMAS EDITORIAIS ...................................................................................................................................................................... volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde 57 EDITORIAL A saúde do adolescente O 46o Congresso Científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE/UERJ), nas comemorações da sua semana de aniversário, terá como tema central a “Saúde do adolescente”. Esse editorial é um convite para sua participação (acesse www.hupe.gov.br). A Comissão Científica Permanente (COCIPE) e o Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) elaboraram uma programação abrangente que, com certeza, será do seu agrado: cursos pré-congresso, mesas-redondas, conferências, comunicações coordenadas com temáticas amplas e desafiadoras sobre as questões de saúde e doença na adolescência, e, principalmente, o progressivo e permanente protagonismo dos jovens na promoção da sua saúde. Como atesta a Organização Mundial da Saúde (OMS), “adolescentes sadios, futuro saudável”. Teremos vários profissionais que dedicam o melhor das suas competências ao trabalho com e sobre adolescentes compartilhando conosco suas experiências durante essa semana. Da medicina clínica às atividades comunitárias com artes e esportes, procuramos abranger o amplo espectro do binômio saúde/doença, acreditando no poder transformador dessas ações com os jovens. Além disso, será um momento especial para aprofundarmos a discussão sobre os desafios que os tempos atuais impõem à juventude e, principalmente, o que estamos fazendo para superá-los. Políticas públicas e terceiro setor, extremos do amplo espectro de ações governamentais e particulares, estarão representadas na programação do congresso, permitindo nossa intervenção produtiva e criativa sobre os diversos temas apresentados. Estamos nos preparando para uma bela festa! José Augusto Messias Diretor do NESA Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008 ARTIGO ORIGINAL Júlia Regazzini Spinardi1 Julia Kerr Catunda Machado2 Maria José C. Sant’Anna3 Maria Lucia Bastos Passarelli4 Veronica Coates5 Adolescer com HIV: saber, conhecer e conviver Adolescence with HIV: learning and living RESUMO Os avanços científicos nos cuidados com os portadores de vírus da imunodeficiência humana/síndrome de imunodeficiência adquirida (HIV/AIDS) têm proporcionado expressivo aumento em sua sobrevida. O adolescente vivendo com HIV traz um novo desafio para adesão ao tratamento, revelação do diagnóstico, exercício da sexualidade, anticoncepção e perspectiva de futuro. O objetivo desta revisão é avaliar adolescentes vivendo com HIV/AIDS considerando o exercício da sexualidade, a revelação do diagnóstico e suas influências psicossociais, buscando a elaboração de ações preventivas para melhoria de sua qualidade de vida e saúde reprodutiva. UNITERMOS Adolescente; HIV; AIDS; comportamento do adolescente; sexualidade ABSTRACT The development of therapies for human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome (HIV/AIDS) lets us face a new reality. Despite all transformations and questions that adolescence brings, HIV/AIDS-infected adolescents need to discover how to deal with diagnosis, learning how to live in society with this chronic disease that still carries prejudice, fear, and uncertain future. This review aims to analyze literature on adolescents living with HIV/AIDS, discussing the revelation of diagnosis and its consequences in their lives, social activities and sexual behavior, in time to provide preventive actions, and improvement on their quality in life. KEY WORDS Adolescent; HIV; AIDS; adolescent behavior; sexuality INTRODUÇÃO Desde seu surgimento, a síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) tem suscitado discussões que envolvem não só sua patologia, mas também seu envolvimento na política de saúde pública e nos movimentos sociais. Demonstrou-se a necessidade de uma revolução científica, e tornaram-se imprescindíveis estudos interdisciplinares em saúde e ciências sociais para a intervenção com relação à AIDS(3). Em 2006, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), o total de pessoas vivendo com AIDS no mundo era de 39,5 milhões, sendo 37,2 milhões adultos, 17,7 milhões mulheres e 2,3 milhões crianças e adolescentes menores de 15 anos(8). No Brasil foram Adolescência & Saúde notificados 433.067 casos de AIDS entre 1980 e junho de 2006, sendo 6.067 (3,7%) dos casos de menores de 13 anos de idade, nos quais a forma de transmissão vertical/perinatal foi a mais comum (81,1% dos casos)(14). Dados de 2002 da UNAIDS 1. Aluna do quarto ano de graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). 2. Pediatra; mestranda em Medicina, área de Pediatria pela FCMSCSP. 3. Doutora em Medicina, área de Pediatria pela FCMSCSP; assistente da Clínica de Adolescência do Departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP. 4. Doutora em Medicina, área de Pediatria; professora assistente da FCMSCSP; diretora do departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP. 5. Professora titular de Pediatria da FCMSCSP; chefe da Clínica da Adolescência do Departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP. volume 5 nº 2 julho 2008 ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER revelam que a cada 14 segundos um jovem no mundo é contaminado pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV)(18). Epidemia com dinâmica bastante variável, os números de óbitos causados pela AIDS só reforçam a importância de seu estudo e, conseqüentemente, de seu combate. Em 2006 o UNAIDS relatou um total de 2,9 milhões de óbitos por HIV/AIDS, sendo destes 2,6 milhões de adultos e 380 mil crianças menores de 15 anos(18). O Brasil, segundo o Ministério da Saúde (MS), acumulou cerca de 183 mil óbitos por AIDS até dezembro de 2005. Após a introdução da política de acesso universal ao tratamento anti-retroviral, observou-se queda na mortalidade. A partir de 2000, evidencia-se estabilização em cerca de 6,3 óbitos por 100 mil, embora essa tendência seja bem mais evidente na região Sudeste e entre os homens. Além disso, entre 1993 e 2003, observou-se aumento de cerca de cinco anos na idade mediana dos óbitos por AIDS, em ambos os sexos, refletindo aumento na sobrevida dos pacientes(13). Assim, dois grupos de adolescentes com características distintas são acometidos: • grupo de aquisição vertical do HIV – constituem grupo de progressores lentos, apresentam comprometimento imunológico e exposição a anti-retrovirais (ARVs) variáveis. Normalmente encontram-se nos estágios iniciais da puberdade, apresentam fortes vínculos com o serviço de saúde e cuidadores. Os principais problemas encontrados na assistência a esse grupo são revelação do diagnóstico, orfandade e desestruturação familiar, início da atividade sexual; • grupo de aquisição horizontal do HIV – normalmente estão nos estágios finais da puberdade, recentemente infectados, com pouca ou nenhuma exposição a ARVs. Apresentam frágeis vínculos com o serviço de saúde e cuidadores. Freqüentemente apresentam dificuldade na adesão ao tratamento, agravos sociais diversos, e é comum a ocorrência de distúrbios psiquiátricos. Entre as vias de contaminação, a transmissão vertical merece destaque, principalmente porque a partir do final da década de 1990 tornou-se o modo de contaminação mais freqüente em crianças(16). Só no ano de 2004, estimou-se que cerca de 12 mil volume 5 nº 2 julho 2008 Spinardi et al. parturientes estivessem infectadas pelo HIV no Brasil. Foram notificados ao MS, de janeiro de 1983 a junho de 2006, 13.171 casos de AIDS em menores de 13 anos de idade devido à transmissão vertical. Esse número vem-se reduzindo ano a ano com a adoção de medidas de prevenção, o que aponta para uma queda acentuada com redução de 51,5% entre 1996 (1.091 casos) e 2005 (530 casos). Em 2006, de janeiro a junho, foram notificados 109 casos nessa categoria. Porém a transmissão ainda ocorre em números além dos desejáveis. Em estudo colaborativo multicêntrico brasileiro observou-se taxa de transmissão vertical de 7,5% nos anos de 2003 e 2004. Mais ainda, as taxas de transmissão vertical, elevadas nas regiões Norte (11,8%) e Nordeste (8,9%) e menores nas regiões Centro-Oeste (5,1%), Sul (5,4%) e Sudeste (6,9%), mostram a necessidade de melhorar o diagnóstico, especialmente em algumas regiões brasileiras. Com o diagnóstico das infecções nas gestantes, diagnosticaremos crianças expostas ao HIV, não-infectadas, ao invés de crianças e adolescentes com AIDS. Constatado o risco da transmissão vertical do HIV em nosso meio, a suspeita clínica deve ser sempre considerada, mesmo em crianças maiores e adolescentes. Perante os avanços científicos nos cuidados com os portadores de HIV/AIDS, as crianças infectadas tiveram aumento expressivo na sua taxa de sobrevida, o que fez da AIDS, de início rapidamente letal, uma doença crônica(16). A possibilidade de sobrevida maior nessas crianças nos coloca diante de uma nova necessidade de discussão e aprendizado: o adolescente com HIV/AIDS. A adolescência é uma fase na qual o jovem passa por profundas mudanças físicas e psicológicas, período em que se depara com inúmeros desafios. Faz parte da adolescência a formação da identidade adulta, o desempenho de novos papéis sociais, a mudança na relação de dependência da família e contestação de seus valores, a tendência grupal e o desenvolvimento da auto-estima e da autoconfiança. É importante lembrar que o exercício da sexualidade está sempre presente, variando sua manifestação. Os jovens com HIV/AIDS devem ir além da adolescência normal de descobertas e Adolescência & Saúde Spinardi et al. transformações, na tentativa de encarar seu diagnóstico, estabelecer vínculos sociais e conviver com essa doença, agora crônica, que ainda carrega o forte estigma do preconceito, do medo e da incerteza quanto ao futuro. À medida que ocorre o aprimoramento no atendimento às necessidades especiais dos adolescentes com AIDS, tanto na área da educação quanto na da saúde, esses jovens não só vivem mais como também vivem com mais qualidade. Ao mesmo tempo em que a integração na comunidade oferece grandes vantagens, não se pode esquecer que esses indivíduos passam a ficar mais expostos a riscos, liberdades e responsabilidades. Por isso, desde a infância e principalmente na adolescência, é necessário desenvolver nesses jovens o autoconhecimento, a capacidade de escolha, a crítica, a responsabilidade, a auto-estima, o estímulo à autonomia, a preparação para o trabalho e o exercício da sexualidade. A sensação de invulnerabilidade própria do adolescente pode dificultar a assimilação do problema. A adesão ao tratamento, principalmente se ainda não houver sintomas marcantes de doença, vai de encontro à sua maneira mágica de se relacionar com o tempo e com a idéia de indestrutibilidade. O jovem pode inclusive fantasiar uma cura mágica. É nesse contexto de medo e incertezas que o médico deve auxiliar o adolescente a se desenvolver. A família muitas vezes não consegue responder todas as questões do indivíduo, fazendo-o de maneira incompleta ou até errônea. O médico assume papel de conselheiro e amigo, fornecendo os conhecimentos necessários para que nada falte ao paciente e aos seus parentes. Os adolescentes com AIDS precisam ser preparados para uma vida de limites e possibilidades. Têm sido observadas importantes conquistas e mudanças na visão social dessas pessoas, e a inclusão social ocorre cada vez com mais freqüência. Nas comunidades onde ela ocorre, vagarosamente, a doença passa a ser vista como uma diversidade natural na sociedade. O objetivo desta revisão é avaliar os adolescentes vivendo com HIV/AIDS considerando a revelação do diagnóstico e suas influências psicossociais, o exercício da sexualidade, enfatizando características epidemiológicas do grupo para elaAdolescência & Saúde ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER boração de ações preventivas na melhoria de sua qualidade de vida e saúde reprodutiva. MATERIAIS E MÉTODOS Revisão bibliográfica realizada através de levantamento nas bibliotecas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), onde foram analisados: • trabalhos científicos publicados nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola, através de pesquisa feita nos programas Medline e Lilacs a partir de 2000; • referências bibliográficas dos trabalhos avaliados; • livros nacionais e internacionais referentes o tema, procurando responder ao questionamento proposto. TRANSMISSÃO VERTICAL Importante fonte de contaminação, a transmissão vertical tornou-se, no final da década de 1990, a principal forma de infecção em crianças(16). No Brasil, segundo o MS, só no ano de 2004 estimou-se que cerca de 12 mil parturientes estivessem infectadas pelo HIV(15). No mesmo ano, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) constatou queda de 90% em crianças com 13 anos ou menos diagnosticadas com HIV/AIDS nos Estados Unidos(10). Acompanhando a tendência, no Brasil o número vem-se reduzindo ano a ano, o que aponta para uma queda acentuada com redução de 51,5% na última década. Matida e Miranda apontam o trabalho preventivo com as mulheres em idade fértil, o diagnóstico precoce de infecção por HIV na gestante e o uso da terapia anti-retroviral como instrumentos importantes para o controle da transmissão vertical em países em desenvolvimento(12). Sabe-se, porém, que obstáculos como a falta de cobertura no pré-natal, a falta de conhecimento quanto aos procedimentos adequados, as dificuldades na realização do teste para HIV e a não-disponibilidade universal de substitutos do leite materno são recorrentes nesses países(16). volume 5 nº 2 julho 2008 10 ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER No Brasil, dados epidemiológicos mostram taxa de prevalência do HIV ao redor de 0,4% em parturientes e indicam que a recomendação da profilaxia da transmissão vertical é oferecida a apenas 62,5% das gestantes. Diante disso, o pediatra deve manter a suspeita clínica e investigar essa possibilidade etiológica em crianças e adolescentes cujo adoecimento incluir manifestações clínicas recorrentes ou persistentes. Além da queda, ainda que insatisfatória, da transmissão vertical, as novas atuações terapêuticas trazem outra conseqüência: o aumento da sobrevida dessas crianças(16). Desse modo os infectados há 10 anos acabam por elevar a taxa de pacientes adolescentes com HIV(10). A AIDS doença crônica passa a desafiar não só os adolescentes, com esquemas rígidos de tratamento e questionamentos quanto ao comportamento, mas também a estrutura social quanto ao que se oferece a esses pacientes. Desse modo, necessidades de natureza psicossocial passam a ter novos significado e relevância(9). REVELAÇÃO DO DIAGNÓSTICO Com a chegada dos pacientes infectados à adolescência, os familiares, em especial os cuidadores primários, tendem a se deparar com novos desafios, tais como a revelação do diagnóstico, a escolarização, a adesão a um tratamento complexo e de longo prazo, além do início da vida sexual(2). No que tange à revelação do diagnóstico, diversos aspectos devem ser considerados. Em estudo realizado pela Enhancing Care Iniciative (ECI), com adolescentes de 10 a 20 anos nas cidades de Santos e São Paulo, as principais razões que levaram à revelação do diagnóstico foram: explicações detalhadas sobre o esquema de tratamento, falta de adesão ao tratamento, perguntas excessivas dos portadores, início de namoro, postura inadequada ou insistência do médico(11). Em pesquisa realizada em Brasília com 43 cuidadores de 43 crianças/adolescentes, que representavam cerca de 30% do total de casos de crianças/adolescentes infectados por transmissão volume 5 nº 2 julho 2008 Spinardi et al. vertical em tratamento para HIV/AIDS no Distrito Federal na época de coleta dos dados, a morte ou o adoecimento de um dos genitores ou de ambos e a convivência com outras pessoas soropositivas quando viviam em instituições como abrigos foram os principais motivos para a revelação do diagnóstico(17). Ao mesmo tempo vários cuidadores verbalizaram que não se sentiam preparados para falar sobre o assunto com a criança ou o adolescente. O medo do estigma social, sentimentos de culpa ou vergonha e o receio do impacto da notícia sobre o desenvolvimento socioemocional tornam difícil a decisão dos cuidadores em revelar ou não o diagnóstico(7). Muitas famílias guardam a AIDS como um segredo, cabendo ao profissional da saúde auxiliar a revelação, uma vez que as questões éticas devem ser levadas em conta nessas situações(16). Essa responsabilidade pode ser confirmada através do Estudo do Distrito Federal, no qual, quando questionados sobre como planejavam revelar o diagnóstico, boa parte dos cuidadores relatou que pretendia buscar ajuda profissional de médicos e psicólogos(17). A comunicação do diagnóstico aos adolescentes com HIV/AIDS infectados por via vertical mostrou-se mais cercada de cuidados quando comparada à feita para adolescentes infectados por via sexual ou desconhecida(11). Uma vez tomada a decisão de revelar, o cuidador passa a se preocupar então com a reação do paciente. No estudo realizado no Distrito Federal, enquanto alguns cuidadores vêem conseqüências vantajosas, como melhor adesão ao tratamento, aumento do autocuidado e melhor compreensão sobre sua própria condição de saúde, outros manifestaram receio de que o adolescente revelasse a informação para terceiros e tivesse reações negativas à doença, como depressão e revolta(17). Muitos autores relatam que os pacientes que já compreendem as implicações da doença podem variar suas reações entre inibição, labilidade afetiva, negação de evidências e exposição a situações de risco, sendo que as crises de ansiedade e depressão durante a evolução da infecção são freqüentes(1). Os adolescentes passam a ter preocupações com sua integridade física e emocional e com a possibilidade de morrer, tendo medo de se tornarem Adolescência & Saúde Spinardi et al. menos atraentes e se diferenciarem do grupo de amigos(16). Como os portadores de qualquer outra doença crônica, eles são ou sentem-se, muitas vezes, excluídos pelo grupo. De posse do conhecimento do diagnóstico, determina-se um novo questionamento: a revelação a terceiros. Em 1989, durante o Encontro Nacional de ONGs que trabalham com AIDS (ENONG), em Porto Alegre, foi elaborada e aprovada a “Declaração dos direitos fundamentais da pessoa portadora do vírus da AIDS”, que garante, segundo seu artigo 9º, o direito de todo portador do vírus de comunicar apenas às pessoas que deseja seu estado de saúde e o resultado dos seus testes(14). Segundo Marques et al., a família e a escola parecem ser os principais grupos que compartilham desse segredo(11). Segundo Siedl, no Estudo do Distrito Federal com crianças e adolescentes matriculados em estabelecimentos de ensino, o diagnóstico de soropositividade foi revelado às escolas em menos da metade dos casos(17). Alguns autores trazem como razões para a revelação os seguintes motivos: necessidade de justificar as faltas da criança ou do adolescente na escola; obtenção de ajuda para administrar a medicação durante o período escolar; compreensão da restrição de certas atividades(11, 17). Apesar de a “Declaração dos direitos fundamentais da pessoa portadora do vírus da AIDS” ressaltar em seus artigos 4º, 5º e 7º o direito de participação em todos os aspectos sociais, o sigilo com relação aos conhecedores do diagnóstico e a discriminação como crime sujeito a pena(14), a nãoinformação do diagnóstico se sustentou no medo do preconceito e da quebra do sigilo por pessoas da comunidade. Dúvidas e inquietações de alguns cuidadores pelo fato de não terem revelado o diagnóstico para a direção e/ou professores também foram encontradas. Eles se mostraram receosos de estarem infringindo aspectos éticos ou regras relativas à obrigatoriedade desse tipo de informação na escola(17). Com relação à escola, as condutas foram variáveis, porém houve concordância entre os estudos do Distrito Federal e de São Paulo/Santos, onde se observou comprometimento do ambiente escolar no que diz respeito a administração de medicamentos, faltas a aulas para acompanhamento Adolescência & Saúde ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER 11 médico e restrições como, por exemplo, às aulas de educação física(11, 17). Já considerando a família, sabe-se que o jovem seleciona algumas pessoas para relatar seu diagnóstico, com medo de que as pessoas se afastem. Quando questionados sobre a revelação ao parceiro, os adolescentes mostraram-se divididos entre a proteção e o direito de saber do parceiro, e o medo de um possível abandono(11). Tal dado torna importante a discussão sobre o comportamento sexual desses jovens. EXERCÍCIO DA SEXUALIDADE Outra mudança de grande impacto na formação do ser biopsicosocial é, sem sombra de dúvida, a hormonal. As características físicas secundárias desenvolvem-se, a libido aumenta, juntamente com formas de autoconhecimento. Trata-se de delicada situação e importante passo para a autoconfiança e o desenrolar de futuros relacionamentos. Quando se compreende que o desenvolvimento da sexualidade envolve questões que passam pelo papel da socialização, da maturidade física, da imagem corporal, da auto-estima, das aspirações referentes ao futuro e da construção da própria identidade, consegue-se entender como a AIDS interfere nesse processo e é determinante de riscos. A tendência grupal é dificultada pela própria síndrome, pelo tratamento e algumas vezes pela família. A dificuldade em ser aceito pelo grupo, o isolamento social, a família superprotetora, as restrições e rotinas impostas pela doença dificultam o processo do adolescer. Há por parte dos adolescentes, então, uma tentativa permanente de superar as diferenças, muitas vezes incorrendo em comportamentos de risco, que incluem atividade sexual sem preparo ou proteção adequados e até mesmo sem desejo. Para um adolescente comprometido, a relação sexual pode significar ter sido atraente, amado, escolhido, mesmo sem ter havido afeto. Adolescentes com aquisição vertical do HIV constituem grupo de “progressores lentos”, apresentam comprometimento imunológico variável e alterações do desenvolvimento neurocognitivo. volume 5 nº 2 julho 2008 12 ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER Sabe-se que quando comparados a crianças e adolescentes da mesma idade apresentam atraso puberal, relacionado principalmente com imunossupressão(5), embora ainda não se saiba como esse atraso influi nos comportamentos de risco. Além do mais esses indivíduos são transmissores em potencial que, somados aos adolescentes que adquiriram o vírus por outro meio de contaminação, constituem um grupo expressivo e importante no preparo das políticas de saúde para controle dessa epidemia, caracterizando-se por apresentar vínculos sólidos com o serviço de saúde e cuidadores. Muitos estudos relatam o comportamento sexual dos jovens. Frederick et al. analisaram 131 adolescentes, em quatro centros diferentes, contaminados no período perinatal, constatando que 24 já possuíam vida sexual ativa, porém somente oito deles afirmaram usar camisinha consistentemente(6). Em 2003 Zorilla et al. demonstraram que o comportamento sexual dos adolescentes infectados no período perinatal é semelhante ao de jovens não-infectados pelo HIV(19). Em 2007, Wiener obteve uma amostra de 40 pacientes portadores de HIV/AIDS por contaminação perinatal ou por transfusão, com idades variando de 13 a 24 anos, e registrou que 41% deles já haviam praticado sexo oral, vaginal ou anal. Aqui o uso de camisinha diferiu entre o tipo de relação sexual: 88% referiram usar camisinha em relações sexuais vaginais e anais, porém a taxa caiu para 40% na prática do sexo oral. Dois pontos importantes também foram ressaltados: os jovens que já haviam praticado sexo mostraram confiança suficiente para se abster do ato sexual caso seu parceiro se recusasse a usar a camisinha, e ainda se sentiam seguros para comprar e usar corretamente o preservativo. No entanto, 43% dos jovens entrevistados nesse estudo revelaram que uma vez iniciada a vida sexual é muito difícil evitar uma próxima vez sem camisinha(11). A pressão para o início da vida sexual, tanto pela idade quanto pela intensidade do relacionamento, não faz distinção entre jovens infectados e não-infectados e também se mostrou importante no comportamento sexual dos adolescentes com HIV/AIDS(8). Os jovens que concordam com a existência dessa pressão apresentam atitudes de volume 5 nº 2 julho 2008 Spinardi et al. risco mais freqüentemente do que aqueles que não concordam. Aparentemente a idade também é um fator determinante do comportamento de risco: quanto maior é a idade maior é o conhecimento do adolescente sobre sua doença e riscos, o que pode ser demonstrado pela incidência maior do uso de camisinha. Em contrapartida, etnia, raça e ter tido ou não relação não se mostraram fatores diferenciais no conhecimento sobre a doença e os comportamentos de risco(11). O isolamento social provocado pela AIDS também deve ser destacado como fator importante no que diz respeito ao comportamento de risco, pois faz com que esses jovens recebam menos informações sobre sexualidade, reprodução e contracepção. Pais, professores e médicos não se sentem à vontade para discutir o tema, fazendo com que a maioria desses adolescentes não receba educação sexual. Os pais devem ser chamados e com eles devem ser discutidos os tabus existentes, para que de forma integrada e sem contradições, seja possível trabalhar com esses jovens uma orientação sexual no sentido amplo. Eles necessitam participar ativamente do processo, tendo espaço para expor suas dúvidas e fazer perguntas. As informações sobre sexualidade devem englobar: relacionamento com outras pessoas no convívio social, informações sobre diferenças entre os sexos, compreensão fisiológica e psicológica de desenvolvimento sexual e orientação sobre comportamentos adequados. Blum(4) discute algumas crenças comuns em relação aos adolescentes com doença crônica, na maioria errôneas. Entre elas: • adolescentes com doença crônica não são sexualmente ativos; • as aspirações sociais e sexuais de adolescentes com deficiências e doenças crônicas são diferentes daquelas de seus pares; • os pais de adolescentes com deficiências proporcionam educação sexual suficiente; • jovens com doenças crônicas são vulneráveis sexualmente; • problemas da expressão sexual decorrem da doença crônica ou deficiência; • pessoas com doenças crônicas não estão satisfeitas com sua aparência. Adolescência & Saúde Spinardi et al. É responsabilidade do profissional que atende esses jovens abordar as questões de forma clara e objetiva, proporcionando condições para o exercício de uma vida sexual saudável e segura. Além de entender as possibilidades sexuais, discutir e orientar o paciente e seus pais em relação à sexualidade, o médico irá alertá-los sobre a possível vulnerabilidade desses pacientes por sua baixa capacidade de autoproteção, decorrência da baixa auto-estima. Para alguns jovens, apenas a educação sexual será suficiente; outros devem ser orientados sobre contracepção, dependendo da maturidade de cada um. Desde a infância esses jovens devem conhecer atitudes saudáveis em relação a seu corpo. Qualquer que seja o interesse ou o conhecimento sexual desses adolescentes, eles devem entender tudo o que for possível sobre sexualidade. É necessário enfatizar a importância da orientação da sexualidade e de métodos contraceptivos a eles, seus pais e educadores de forma individualizada ou por programas educacionais. O médico tem papel fundamental, pois, muitas vezes, é a única referencia de profissional de saúde na orientação sexual desses pacientes. O profissional precisa criar espaços dentro da sua consulta para abordar e discutir aspectos da sexualidade, orientar métodos contraceptivos e alertar quanto aos riscos e à prevenção de doenças sexualmente transmitidas (DSTs). A equipe de saúde que trabalha com HIV/AIDS e suas famílias devem estar sensibilizadas quanto aos problemas e às preocupações dos jovens. Ela deve discutir os mitos geralmente difundidos e encaminhar com mais precisão os problemas que são freqüentemente ignorados. Com orientação, os jovens podem construir relacionamentos sexuais saudáveis. Já sem assistência, é mais provável que permaneçam socialmente isolados por suas próprias fantasias, pelos estereótipos e pelas crenças erradas da sociedade em que vivemos. O adolescente com HIV/AIDS não deve ser subestimado nas suas reais capacidades, nem ficar aprisionado a rótulos. Os educadores e a equipe de saúde devem tratálo como sujeito, oferecendo espaço para que ele possa falar sobre suas dúvidas, seus desejos, suas limitações e possibilidades, permitindo sempre que haja espaço para lidar com questões do cotidiano. Adolescência & Saúde ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER 13 Todas essas considerações levam à reflexão sobre a necessidade de orientação sexual para os pacientes com HIV/AIDS, que deve ter como objetivo não apenas o uso de preservativos ou do método anticoncepcional, mas o resgate do indivíduo como sujeito de suas ações, avaliando suas limitações, e não como objeto de sua patologia ou do outro. O jovem com HIV/AIDS, como qualquer outro, tem necessidade de expressar seus sentimentos de maneira própria e intransferível. A repressão da sexualidade pode alterar seu equilíbrio interno, diminuindo suas possibilidades de se tornar um ser psiquicamente integral. Quando bem encaminhada, a sexualidade melhora o desenvolvimento afetivo, facilitando a capacidade de relacionamento, melhorando a auto-estima e a adequação à sociedade. As informações devem ser repetidas e acompanhadas a longo prazo. Sempre que possível, deve ser estimulados a dramatização e o uso de material audiovisual. A sociedade educa/deseduca quando expõe uma sexualidade desumana ou quando mostra suas faces sadias e perversas como se não houvesse diferença entre elas. A mídia parece viver em torno do sexo, da violência e do sofrimento contemporâneo. Para a promoção da saúde, além da ação comunitária e do desenvolvimento de habilidades pessoais, é fundamental a criação de ambientes saudáveis, a organização de serviços de saúde e educacionais. É preciso garantir os direitos humanos, promovendo o desenvolvimento adequado da sexualidade responsável, que permita relações de eqüidade e respeito entre os gêneros, protegendo os direitos dos adolescentes, a privacidade e a confidencialidade, respeitando os valores culturais e as crenças religiosas. Uma das missões do pediatra é envolver as famílias na discussão sobre sexualidade. A proposta da educação sexual deve conter liberdade, responsabilidade e compromisso, para que adolescentes de ambos os sexos possam ponderar decisões e fazer escolhas mais adequadas como sujeitos. Viver com HIV/AIDS não priva o adolescente do direito a uma vida sexual. Cabe ao serviço de saúde garantir ao jovem o acesso à informação e os recursos que lhe permitam o exercício de sua sexualidade. volume 5 nº 2 julho 2008 14 ADOLESCER COM HIV: SABER, CONHECER E CONVIVER CONCLUSÕES A chegada dos infectados pelo HIV à adolescência é uma novidade no cenário do convívio social e da saúde, o que pode ser ratificado pela literatura relativamente restrita sobre o assunto. Diante do novo quadro, políticas públicas precisam se voltar para ações que abranjam os cuidados que esses adolescentes devem receber além dos habituais, proporcionando atenção global à saúde do jovem e de sua família ou cuidadores, Spinardi et al. sendo necessárias equipes treinadas para esse objetivo. A abordagem do adolescente deve ser feita de forma integral, personalizada, preferencialmente por equipe multiprofissional, capacitada e sensibilizada para o atendimento global, reconhecendo as transformações físicas, psicossociais e particularidades da doença. O adolescente vivendo com HIV traz um novo desafio para a adesão ao tratamento, a revelação do diagnóstico, o exercício da sexualidade, a anticoncepção e a perspectiva de futuro. REFERÊNCIAS 1. Andrade T, Peres R, Johann I, et al. Influência da ansiedade na manifestação da AIDS e de doenças oportunistas em portadores de HIV. Psicologia em Estudo. 1999; 4(3): 191-4. 2. Antle BJ, Wells LM, Goldie RS, et al. Challenges of parenting for families living with HIV/AIDS. Social Work. 2001; 46: 159-69. 3. Bastos C. As políticas da Aids em mundo globalizado: uma relação entre doença e política da ciência. Ciência, poder, ação: as respostas à Sida. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2002. 4. Blum RW. Sexual health contraceptive needs of adolescents with chronic conditions. Arch Pediatr Adolesc Med. 1997; 151: 290-7. 5. Buchacz K, Rogol AD, Lindsey JC, et al. Delayed onset of puberal development in children and adolescents with perinatally acquired HIV infection. JAIDS. 2003; 33: 56-65. 6. Frederick T, Thomas P, Mascola L, et al. Human immunodeficiency virus-infected adolescents: a descriptive study of older children in New York City, Los Angeles County, Massachusttes and Washington DC. Pediatr Infect Dis J. 2000; 19: 551-5. 7. Gerson AC, Joyner M, Fosarelli P, et al. Disclosure of HIV to children: when, where, why and how. J Pediatr Health Care. 2001; 15: 161-7. 8. Kaiser Family Foundation. National survey of adolescents and young adults. Sexual health knowledge, attitudes and experiences. Menlo Park, CA: Henry J Kaiser Family Foundation, 2003. 9. Ledlie SW. The psychosocial issues of children with perinatally acquired HIV disease becoming adolescents: a growing challenge for providers. AIDS Patient Care and STDs. 2001; 15: 231-6. 10. Wiener L, Battles HB, et al. A longitudinal study of adolescents with perinatally or transfusion-acquired HIV infection: sexual knowledge, risk reduction self-efficacy and sexual behavior. AIDS Behav. 2007; 11(3): 471-8. 11. Marques HH, Silva NG, Gutierrez PL, et al. A revelação do diagnóstico na perspectiva dos adolescentes vivendo com HIV/AIDS e seus pais e cuidadores. Cad Saúde Publica. 2006; 22(3): 619-29. 12. Matida L, Miranda S. É possível a redução da transmissão materno-infantil do HIV. Jornal Brasileiro de AIDS. 2000; 1(3): 9-11. 13. Ministério da Saúde. Aids em números. Disponível em: http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMIS4A27BE0APTBRIE. htm. Acesso em: 12/06/2007. 14. Ministério da Saúde. Direitos da pessoas vivendo com HIV e AIDS. Disponível em: http://www.aids.gov.br/data/ Pages/LUMIS1DDA0360ITEMDOF4F93D55B6C4C8F8FE9566672F61980PTBRIE.htm. Acesso em: 12/06/2007. 15. Ministério da Saúde. Transmissão vertical do HIV em números. Disponível em: http://www.aids.gov.br/data/Pages/ LUMIS4A27BE0APTBRIE.htm. Acesso em: 12/06/2007. 16. Reppold CT, Reppold LT, Xavier ACM, et al. AIDS pediátrica: aspectos epidemiológicos, clínicos e socioemocionais da síndrome entre crianças e adolescentes infectados e suas famílias. Psico Porto Alegre. 2004; 35(1): 79-88. 17. Seidl EMF, Rossi WS, Viana KF, et al. Crianças e adolescentes vivendo com HIV/Aids e suas famílias: aspectos psicossociais e enfrentamento. Psic Teor e Pesq. 2005; 21(3). 18. UNAIDS. UNAIDS/WHO AIDS Epidemic Update: December 2006. Disponível em: http://www.unaidas.org. 19. Zorilla C, Febo I, Ortiz I, et al. Pregnancy in perinatally HIV-infected adolescents and young adults – Puerto Rico. MMWReport. 2003; 52(8); 149-51. volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde ARTIGO ORIGINAL Maria C. O. Costa1 Marc Bigras2 Karine E. P. de Souza3 Rosely C. de Carvalho4 Carlos A. S. T. Santos5 15 Violência e abuso contra crianças e adolescentes, segundo os conselhos tutelares, o Programa Sentinela de Feira de Santana (BA) e o Centre Jeunesse de Montreal Violence and abuse against children and adolescents, according the child protection service and Programa Sentinela of Feira de Santana (BA) and Centre Jeunesse de Montréal RESUMO Objetivo: Analisar as características dos tipos de violência contra crianças e adolescentes e as associações entre variáveis, segundo dados dos conselhos tutelares (CT) e do Programa Sentinela (PS) de Feira de Santana (BA) bem como a violência sexual registrada no Centre Jeunesse de Montréal – Institut Universitaire (CJM-IU). Método: Estudo epidemiológico, de corte transversal, com todas as ocorrências dos CTs (2003-2004) e da violência sexual do PS e do CJM-IU (2003-2005). Realizaram-se a coleta de dados de violências, vítimas e agressores, e as análises univariadas e bivariadas para associação de dados. Resultados: Em Feira de Santana, as maiores proporções de vitimização ocorreram nas faixas de 2 a 13 anos, em ambos os sexos, sendo mais freqüentes negligência (727), por omissão de cuidados e abandono; violência física (455), por espancamento; violência psicológica (374), por amedrontamento. Os principais agressores foram os pais. A violência sexual nos dois países ocorreu no domicílio e os agressores foram pai, padrasto e familiares. Em Feira de Santana foram registrados 72 casos de exploração. Conclusões: As violências se deram em todas as idades, em ambos os sexos, sendo os pais os principais agressores, e a violência sexual acometeu adolescentes do sexo feminino violentadas por membros da família. Há necessidade de divulgação do Disque-Denúncia para a diminuição do sub-registro e o fortalecimento da rede de proteção. UNITERMOS Violência; vítimas; agressores; infância; adolescência ABSTRACT Objective: To analyze the characteristics of violence against children and adolescents and the associations between variables, according to the child protection service and Programa Sentinela of Feira de Santana, as well as the sexual violence registered in Centre Jeunesse de Montréal – Institut Universitaire (CJM-IU), Montréal. Method: Epidemiologic transversal study with all the data of the child protection service (2003-2004) and the data on sexual violence of Programa Sentinela and CJM-IU (2003-2005). Data on violence, victims and aggressors were collected, as well as unvaried and bivaried associations were accomplished. Results: In Feira de Santana, the biggest ratios of victims were in the group aged 2 to 13 years in both sexes. Negligence (727) by omission of basic cares and abandonment was the most frequent type of violence; physical violence (455), by beating; psychological violence (374), by frightening. In Feira de Santana and Montréal, most sexual violence occurred at home and the aggressors were father, stepfather and other relatives. In Feira de Santana 72 occurrences of sexual exploration were registered. Conclusions: Violence occurred to all ages and both sexes, parents being the main aggressors; adolescent girls were victims of sexual violence by members of the family. It is necessary to spread information on Dial-Denounce number for increase of the records and encouragement of the protection systems. KEY WORDS Violence; victims; aggressors; childhood; adolescence Médica; professora-titular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); doutora em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP); pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Núcleo de Estudos e Pesquisas na Infância e Adolescência (PPGSC/ NNEPA) da UEFS. 2 Professor da Université du Québec à Montréal (UQAM); diretor geral do Institut de Recherche pour le Développement Social des Jeunes (IRDS), Canadá. 3 Enfermeira; mestra em Saúde Coletiva; pesquisadora do NNEPA/UEFS. 4 Enfermeira; professora-adjunta da UEFS; doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP); pesquisadora do PPGSC/NNEPA/UEFS. 5 Estatístico; professor da UEFS; doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA). Pesquisa apoiada pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). 1 Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008 16 VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL INTRODUÇÃO No Brasil, o fenômeno da violência tem mobilizado múltiplas áreas do conhecimento na busca por fortalecer parcerias que podem agilizar estratégias de prevenção e intervenção no enfrentamento do problema. Essa prática visa assegurar o cumprimento de princípios fundamentais, legalmente assegurados (Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA]), que na realidade não são cumpridos(13, 16). No nosso meio, a violência estrutural (desigualdade social) tem contribuído para a violência interpessoal nos diferentes segmentos sociais, em especial na dinâmica e no modelo familiar. Estudos apontam que a violência familiar, integrante do contexto socioeconômico, pode influenciar a agressividade dos familiares, perpetuando a violência e contribuindo para os inadequados desenvolvimento e integração social de crianças. Esse comportamento é freqüentemente justificado como forma de educar transgressões de comportamento(14, 17). No que diz respeito à violência interpessoal, há cerca de três décadas a violência doméstica (intradomiciliar) vem sendo estudada, tanto pela magnitude, como pelas repercussões(2). A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências do Ministério da Saúde (MS) considera a violência um problema de saúde pública que deve ser avaliado e notificado. Nesse contexto, as leis e instrumentos legais que garantem à infância e à adolescência seus direitos necessitam ser mobilizados pelos segmentos e grupos sociais, com vistas a viabilizar a prática desses direitos ante a sociedade e a família(17). No panorama de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, conclui-se que a realização de pesquisas nessa área do conhecimento pode contribuir para a articulação entre as diferentes instâncias envolvidas na implementação de ações voltadas à saúde, ao bem-estar e à integração social de crianças e adolescentes, possibilitando-lhes completar seu desenvolvimento de forma saudável. O objetivo deste estudo foi analisar as características dos tipos de violência contra crianças e adolescentes e as associações entre variáveis segundo os conselhos tutelares (CT) e o Programa volume 5 nº 2 julho 2008 Costa et al. Sentinela (PS) de Feira de Santana (BA), bem como a violência sexual registrada no Centre Jeunesse de Montreal – Institut Universitaire (CJM-IU), instituições reconhecidas como referência para denúncia e encaminhamentos dessa problemática no Brasil e no Canadá. MÉTODO Estudo epidemiológico, de corte transversal, realizado nos municípios de Feira de Santana, BA, e Montreal, Canadá. Foram coletados dados do total de ocorrências registradas nos CTs no período de 1o de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2004. Para a violência sexual, além dos dados dos CTs, foram coletadas as ocorrências do PS, além de registros do banco de dados do CJM-IU, no período de 1o de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2005. Os CTs são instâncias autônomas das prefeituras (Brasil), sendo responsáveis por atendimentos e encaminhamentos das denúncias, investigação dos casos e solicitação de medidas de proteção judicial e serviços públicos para vítimas de violência. O PS pertence à Secretaria do Desenvolvimento Social, sendo referência para atendimento da violência sexual em municípios do Brasil. O CJM-IU, no estado de Quebec e em Montreal, é a instância de referência para registros, acompanhamento e abrigo às vítimas de violência. As variáveis estão relacionadas com tipos de violência, vítimas e agressores. Os dados foram processados no programa SPSS 9.0 for Windows. Para os dados de Feira de Santana foi realizado o linkage (confrontamento de dados) entre os bancos dos CTs e do PS, tendo em vista evitar a duplicidade de registro. Foram calculadas freqüências simples e proporcionais das variáveis, em acordo com as instâncias, bem como realizadas associações entre dados sociodemográficos das vítimas e agressores com manifestações da violência. Para coleta foram solicitados autorização institucional e alvará do Juizado da Infância e Adolescência do município. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (CEP/UEFS), protocolo 04/2005 Adolescência & Saúde Costa et al. VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética [CAAE] 0006.0.059.000-05), Resolução 196/96. RESULTADOS Os resultados são apresentados em tabelas e gráficos, segundo dados de tipos de violência, vítimas e agressores registrados nos CTs de Feira de Santana no período 2003-2004, com exceção da violência sexual, cujos resultados são mostrados em gráficos, de acordo com as instâncias estudadas no Brasil (CT e PS) e no Canadá (CJM-IU) no período 2003-2005. Em Feira de Santana, no período entre 2003 e 2004, segundo registros dos CTs, foram denunciados 1.293 casos de violência contra crianças e adolescentes, 583 do sexo masculino e 573 do feminino, destacando-se a perda de 137 casos por falta de registro de sexo ou faixa etária. A maioria (78,1%) das ocorrências aconteceu no domicílio, sendo 398 denúncias anônimas (30,8%), 277 (21,2%) pela mãe e 192 (14,9%) pelo pai. Os dados de etnia não se encontravam registrados em 977 prontuários, o que impossibilitou a análise dessa variável (dados não apresentados em tabelas). A distribuição dos tipos e subtipos de violência (Tabela 1) por faixa etária das vítimas (com exceção da violência sexual, apresentada em gráficos) mostrou que, em alguns boletins de ocorrência, foi registrado mais de um tipo de violência, totalizando 1.702 registros múltiplos. No geral, verificou-se o acometimento em todas as idades, com maior freqüência entre 2 e 13 anos e proporções diferenciadas, de acordo com o tipo de violência: a negligência (727) foi mais freqüente, por omissão de cuidados (304), seguida de abandono (259), acometendo, principalmente, crianças menores de 5 anos e de 2 a 13 anos. A expulsão do domicílio foi mais freqüente na faixa de 14 a 16 anos. A violência física (455) registrada em maioria absoluta foi o espancamento (392), principalmente na faixa de 2 a 13 anos, embora presente em todas as outras faixas, além de supressão alimentar, queimaduras e fraturas. Entre os casos de violência psicológica (374) destacou-se a tortura por amedrontamento (219), mais freqüente entre 2 e 9 anos, além dos Adolescência & Saúde 17 registros de ameaça de morte (28), humilhação pública (52) e exposição indevida (63). No que diz respeito à violência por identidade do agressor (Tabela 2), verificou-se que, com exceção da violência sexual (mostrada em gráficos), a mãe e o pai foram identificados como principais agressores nas variáveis negligência e violências física e psicológica, entre outras. Em relação aos agressores por faixa etária das vítimas, mãe, pai, padrasto e madrasta mostraram as maiores proporções nas faixas entre 2 e 13 anos; outros familiares, nas faixas de 2 a 16 anos; e outros agressores, de 6 a 16 anos. Quanto à violência sexual, nas instituições dos dois países, no período 2003-2005 (Figuras 1 e 2), a maioria dos registros foi de abuso sexual. Em Feira de Santana, do total de 274 casos identificados nos CTs e no PS, 202 foram de abuso sexual, sendo verificados apenas 74 registros de exploração sexual. Em Montreal, no mesmo período, foram notificados 159 casos, todos por abuso. Em ambos os países, a faixa etária mais atingida foi de 10 a 16 anos, sendo registrada em todas as faixas da infância e da adolescência. Os agressores identificados foram pai, irmãos, familiares, mãe e avô, entre outros; entretanto, em Montreal, as maiores proporções ficaram com pai, outros e irmãos; enquanto em Feira de Santana, com outros agressores, pai, padrasto e familiares. O domicílio foi o local mais freqüente da ocorrência. DISCUSSÃO De acordo com os resultados da presente pesquisa (janeiro de 2003 a dezembro de 2004), e com base no total das ocorrências dos CTs (1.293 casos), verificou-se uma média de 54 denúncias/mês, correspondendo a cerca de 640 ocorrências/ano, mas 78% dos casos aconteceram nos domicílios, caracterizando um acontecimento familiar. Esses achados corroboram estudos, em diferentes municípios, que apontam a violência doméstica como a maioria dos casos registrados de violência(7). Os baixos índices de denúncia verificados no presente estudo estão de acordo com dados de pesquisas que indicam a subnotificação da violência domésvolume 5 nº 2 julho 2008 18 VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL Costa et al. Tabela 1 TIPOS E SUBTIPOS DE VIOLÊNCIA POR FAIXA ETÁRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VITIMIZADOS, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES DE FEIRA DE SANTANA (2003-2004) Faixa etária (anos) ≤ 2-5 Tipo de violência1 6-9 n % n 10-13 14-16 17-19 Ignorado Total % n % n % n % n % n % Violência física 2 Espancamento 123 31,4 98 25 80 20,4 50 12,7 18 4,6 23 5,9 392 100 Queimadura 6 50 1 8,3 2 16,7 2 16,7 – – 1 8,3 12 100 Fratura 2 40 1 20 2 40 – – – – – – 5 100 Tortura física 4 66,6 – – 1 16,7 – – 1 16,7 – – 6 100 Supressão alimentar 5 45,5 2 18,2 3 27,2 – – 1 9,1 – – 11 100 Outro tipo3 10 34,5 6 20,7 8 27,6 1 3,4 – – 4 13,8 29 100 150 33 108 23,7 96 21,1 53 11,6 20 4,4 28 6,2 455 100 Ameaça de morte 5 17,9 6 21,4 5 17,8 9 32,2 – – 3 10,7 28 100 Humilhação pública/privada 12 23 15 28,9 9 17,3 7 13,5 6 11,5 3 5,8 52 100 Tortura psicológica 80 36,5 62 28,3 37 16,9 26 11,9 8 3,7 6 2,7 219 100 Exposição indevida 22 35 10 15,9 17 27 4 6,3 4 6,3 6 9,5 63 100 Outro tipo5 8 66,7 1 8,3 – – – – 1 8,3 2 16,7 12 100 127 34 94 25,1 68 18,2 46 12,3 19 5,1 20 5,3 374 100 Total Violência psicológica 4 Total Negligência familiar 6 Abandono 83 32 60 23,3 47 18,1 40 15,4 5 1,9 24 9,3 259 100 Expulsão 2 6,2 4 12,5 5 15,7 16 50 3 9,4 2 6,2 32 100 Omissão de cuidados básicos 139 45,7 69 22,7 56 18,4 16 5,3 4 1,3 20 6,6 304 100 Outro tipo 57 43,2 40 30,4 21 15,9 7 5,3 1 0,7 6 4,5 132 100 Total 281 38,7 173 23,8 129 17,7 79 10,9 13 1,8 52 7,1 727 100 Outras formas9 55 37,7 31 21,2 28 19,2 16 11 5 3,4 11 7,5 146 100 7 8 Respostas múltiplas; 455 respostas múltiplas; corte, afogamento, beliscões, empurrão, envenenamento, ferimento por arma branca, outros; 374 respostas múltiplas; ameaça, ameaça de abandono, mendicância, discriminação racial, impedimento de acesso a genitor/genitora; 6727 respostas múltiplas; 7negação de atendimento de saúde, criança sem registro de nascimento, mendicância, criança sozinha em casa, supressão alimentar, evasão escolar/hospitalar, desnutrição, negação de paternidade; 8impedimento de acesso a documento da criança, cárcere privado; criança/adolescente preso no domicílio, falta de acesso a genitor/familiares; 9trabalho infantil. 1 2 3 tica contra crianças e adolescentes, uma vez que, majoritariamente, costuma ser praticada por pais e familiares(13, 20). Cabe ressaltar que a subnotificação da violência contra crianças e adolescentes, que costuma estar relacionada com fatores da dinâmica familiar, pode ser agravada por determinantes globais, de responsabilidade social, que podem ser viabilizados por políticas públicas e medidas administrativas. Entre as estratégias destacam-se a sensibilização da volume 5 nº 2 julho 2008 4 5 população e funcionamento do Disque-Denúncia, em tempo integral e caráter sigiloso, bem como a sensibilização das autoridades para reavaliação do funcionamento dos conselhos nos municípios. Resultados de estudos apontam a necessidade de mudanças político-administrativas, em nível municipal, quanto aos recursos necessários para viabilizar o adequado funcionamento dos conselhos e a atenção à população em horário integral(3). Essas medidas podem possibilitar maior participaAdolescência & Saúde Costa et al. 19 VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA, BAHIA, E O CENTRE JEUNESSE DE MONTRÉAL Tabela 2 IDENTIDADE DO AGRESSOR POR FAIXA ETÁRIA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VITIMIZADOS E TIPOS DE VIOLÊNCIA, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES DE FEIRA DE SANTANA (2003-2004) Identidade do agressor(a) Faixa etária Mãe Pai n % ≤ 1 ano 91 2-5 anos 198 6-9 anos Padrasto Madrasta Outros familiares* n % n n n % % 14,1 50 12,1 1 2,2 1 4 30,7 112 27,4 10 21,7 5 20 163 25,3 102 24,9 14 30,5 11 44 10-13 anos 127 19,6 82 20 12 26,1 5 14-16 anos 55 8,5 55 13,4 6 13 1 17-19 anos 12 1,8 9 2,2 3 6,5 Total 646 100 410 100 46 Violência física 195 28,9 124 15,8 Violência psicológica 138 20,4 131 Negligência familiar 257 38 Outras formas** 86 Total 676 Outros agressores** Sem registro % n % n 6 6,8 1 0,9 2 6,2 23 26,2 4 3,7 7 21,9 15 17 29 26,8 7 21,9 20 18 20,4 36 33,4 5 15,6 4 20 22,8 30 27,8 7 21,9 2 8 6 6,8 8 7,4 4 12,5 100 25 100 88 100 108 100 32 100 25 36,8 14 40 22 22,7 55 52,9 6 22,2 16,8 16 23,5 10 28,6 28 28,9 34 32,7 5 18,5 481 61,6 19 27,9 6 17,1 28 28,9 8 7,7 11 40,7 12,7 45 5,8 8 11,8 5 14,3 19 19,5 7 6,7 5 18,6 100 781 100 68 100 35 100 97 100 104 100 27 100 % Tipos de violência* *Respostas múltiplas; **trabalho infantil. 90 0 ≤ 5 anos 6-9 anos 10-13 anos Feira de Santana 14-16 anos 17-19 anos Ignorado Pai Feira de Santana 30 (10,5%) 16 (10,1%) Avô 31 (19,5%) 35 (12,3%) Irmão 23 (14,5%) 4 (2,5%) 19 (11,9%) 31 (10,9%) Padrasto 0 (0%) Mãe Outros Outros Ignorado familiares agressores Montreal Montreal Figura 1 – Violência sexual* (abuso e exploração **) sofrida por crianças e adolescentes, segundo instâncias de Feira de Santana (conselhos tutelares e Programa Sentinela) e de Montreal, 2003-2005 *Em Montreal foram verificados apenas casos de abuso sexual (159). **Em Feira de Santana o abuso sexual totalizou 202 casos e a exploração, apenas 74 casos, na faixa de 10 a 19 anos ção popular no enfrentamento e na prevenção da violência contra crianças e adolescentes, importante problema social e de saúde no nosso meio. Adolescência & Saúde 0 0 (0%) 20 0 (0%) 5 (2,5:%) 40 0 (0%) 12 (6%) 60 9 (5,7%) 39 (24,5%) 30 (18,9%) 10 28 (13,9%) 20 26 (12,9%) 30 32 (20,2%) 40 61 (38,4%) 80 34 (11,9%) 50 49 (30,8%) 100 46 (22,9%) 60 22 (7,7%) 120 5 (3,1%) 70 133 (46,7%) 140 84 (41,8%) 80 Figura 2 – Identidade do agressor da violência sexual (abuso e exploração) contra crianças e adolescentes, segundo instâncias de Feira de Santana (conselhos tutelares e Programa Sentinela) e Montreal, 2003-2005 Outros agressores: desconhecidos, funcionários das instituições, colegas de escola cafetões etc. No Canadá, estudo realizado nas províncias de Ontário, Quebec e Alberta, com amostragem de 51 instituições de atendimento às vítimas, totalizando volume 5 nº 2 julho 2008 20 VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL 7.672 investigações, apontou 25% de abuso físico, contudo 23% do total de casos apresentaram-se como forma primária de violência, 10% de violência sexual e 46% de negligência entre todas as investigações (desde falta de supervisão familiar e exposição indevida a riscos ambientais até violência sexual)(11, 19). De acordo com dados do CT de Feira de Santana, as faixas mais acometidas foram de 2 a 5, 6 a 9 e 10 a 13 anos, embora com acometimento também de lactentes (< 1 ano). Quanto à violência sexual, as maiores proporções foram entre adolescentes (10 a 16 anos) nas instituições dos dois países. Foi observada equivalência entre os sexos das vítimas, porém, nas faixas tardias da adolescência, as meninas foram mais violentadas(10). Alguns estudos indicam que a violência sexual recai sobre o sexo feminino em quase 80% dos casos(7, 10). A realidade é que muitas adolescentes encontram-se expostas, sendo violentadas principalmente por pessoas conhecidas e/ou da família. Em Feira de Santana, a principal forma de denúncia da violência foi anônima (30,8% do total dos registros), o que sugere alguma participação popular como possível resultado da mobilização da Rede de Atendimento, Defesa e Responsabilização do município. Compreende-se que o anonimato constitui importante estratégia de estímulo à denúncia, bem como a sensibilização da comunidade pela mídia e a capacitação continuada dos conselheiros e profissionais da rede. A baixa notificação em escolas e serviços de saúde pode ser conseqüência do despreparo dos profissionais em lidar com situações de violência e encaminhamentos, da falta de conhecimento das leis (ECA) e da obrigatoriedade de denúncia de casos suspeitos(3, 12, 16). Segundo dados dos CTs de Feira de Santana, a negligência familiar foi responsável pela maior parte das denúncias, por omissão de cuidados e abandono. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a negligência familiar acontece quando os responsáveis falham na provisão de cuidados adequados para o desenvolvimento físico, emocional e social(20), sendo o abandono considerado o tipo mais grave de negligência, além de grave problema social(17). Sabe-se que crianças e adolescentes são vulneráveis para enfrentar sozinhos as exigências do volume 5 nº 2 julho 2008 Costa et al. ambiente, tendo em vista a imaturidade inerente ao desenvolvimento biopsicossocial, apesar de toda a resiliência de que são capazes nas diferentes circunstâncias(8). Nos EUA e no Canadá, estudos apontam que a maioria das agressões contra crianças tem como causa a negligência familiar(1, 11, 19). Ainda em relação às manifestações do fenômeno, a violência física é identificada como a forma mais visível. Nesta pesquisa foi observado acometimento de todas as faixas etárias, intensificado a partir dos dois anos. Esses dados concordam com resultados de estudos em diferentes instituições (Polícia, Justiça da Infância e da Juventude, Justiça Criminal) da cidade de São Paulo (1981), na qual foi constatada maior freqüência de casos notificados de crianças de 7 a 13 anos(1, 2). Outro aspecto mostrado neste estudo é o acometimento significativo de crianças pequenas, corroborando pesquisas que associam achados clínicos a histórias “acidentais” expressas pelos pais(9, 20). Sabe-se que as síndromes do “bebê sacudido” e da “criança espancada” geram problemas orgânicos graves, que podem ter como conseqüências fraturas, hematomas, lesões cerebrais, queimaduras, entre outros(5). Na adolescência, a violência física costuma estar relacionada com a necessidade de conter mudanças de comportamento, características dessa fase, o que pode estar associado à mútua rejeição entre pais e filhos, além de sentimentos contraditórios, reconhecimento pela família e rompimento(1, 8). Cabe ressaltar que punições físicas severas, como espancamentos, constituem um problema de abrangência mundial, atingindo crianças e adolescentes de diferentes culturas. O espancamento pode ser causa de óbito, incapacidades física, bem como ser desencadeante de comportamentos violentos nos quais as vítimas se transformam em agressores, transmitindo a violência para as gerações posteriores(20). Segundo a OMS, pesquisa realizada em 1995 apontou que, nos EUA, os pais utilizavam diversas formas de punições corporais contra os filhos. Na República da Coréia, 45% dos pais confirmaram alguma forma de espancamento(20). Entre as manifestações da violência, a psicológica é uma das mais difíceis de ser identificada, por não produzir evidências imediatas. Conseqüentemente, costuma ser pouco notificada, fazendo parte do corAdolescência & Saúde Costa et al. VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL tejo dos outros tipos de violência(2, 5, 8). Segundo estudiosos, de modo geral todas as formas de violência psicológica convergem para o abuso emocional, caracterizado por ameaças verbais com conteúdo violento, provocando reações de medo, frustração e temor pela integridade física(1, 8). Em Feira de Santana, a violência psicológica foi registrada em todas as faixas etárias até 16 anos. No Rio de Janeiro, em 1991, pesquisa em escolas públicas e particulares de Duque de Caxias demonstrou que mais de 50% sofreram agressões verbais, por meio de insultos, por parte de seus pais(1). Quanto à caracterização dos agressores, os resultados do presente estudo apontaram que mãe e pai lideraram as proporções das violências, em geral, com exceção da violência sexual, na qual pai, padrasto e outros familiares se destacaram. Pesquisas realizadas em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, nos Centros Regionais de Atenção a Maus Tratos na Infância (CRAMIs)(7) verificaram a mãe como principal agressora, o que pode ser explicado pela maior permanência no lar e pelo contexto de adversidade socioeconômica (desemprego, falta de assistência social etc.). No que diz respeito à violência sexual, estudiosos apontam que a maior parte das famílias e vítimas não registrou a queixa por constrangimento, receio de humilhação, medo da falta de compreensão ou interpretação equivocada de familiares, amigos, vizinhos e autoridades. Sabe-se que o índice de subnotificação é muito alto(15, 20). Em relação aos achados desta pesquisa, cabe destacar as altas proporções na adolescência precoce nos dois países, bem como os baixos índices de registro de violência sexual em relação aos outros tipos de violência, principalmente a subnotificação quanto aos casos de exploração sexual. Feira de Santana é considerada município de alto risco para exploração sexual de crianças e adolescentes por estar localizada em importante entroncamento rodoviário de interlocução entre as regiões Norte-Nordeste e o Sudeste do país (cinco rodovias, tanto estaduais quanto federais). É o portal da região do semi-árido da Bahia, a exemplo dos municípios de fronteira identificados de risco para a exploração sexual, como Corumbá, Manaus, Rio Branco, entre outros. Adolescência & Saúde 21 Em atendimento a essa demanda social, em 2003 foi implantado no município a comissão municipal do Programa de Ações Integradas e Referenciais (PAIR) para enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, contando com a participação de instâncias de atendimento, direitos e responsabilização, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e do Desenvolvimento Social, tendo como parceiros os CTs, PS e segmentos sociais (Organização Internacional do Trabalho [OIT], universidades, sistemas de saúde, educação, justiça e trabalho, ação social, organizações não-governamentais [ONGs] etc.)(5, 6). CONCLUSÃO Os tipos de violência mais freqüentes foram negligência, por omissão de cuidados básicos e abandono; violência física, por espancamento; violência psicológica, por amedrontamento e humilhação e violência sexual, por abuso de origem familiar. Com exceção da violência sexual, as idades mais acometidas foram entre 2 e 13 anos, em ambos os sexos, sendo os principais agressores a mãe e o pai, e a ocorrência deu-se no domicílio. Nos municípios de Feira de Santana e Montreal, a violência sexual foi registrada em todas as faixas etárias da infância e da adolescência, com maior freqüência entre 10 e 16 anos, e os principais agressores identificados foram pai, padrasto, familiares e irmãos, entre outros. A exploração sexual foi notificada, apenas em Feira de Santana, entre adolescentes de 10 a 19 anos. Os resultados desta e de outras pesquisas indicam subnotificação em todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes, em particular a sexual, considerando-se a situação de vulnerabilidade e exposição em que vivem, bem como de impunidade no cumprimento das leis. A impunidade e a exposição de nossas crianças a prejuízos severos comprometem a dignidade de todos, considerando que os adultos são responsáveis pela elaboração e pelo cumprimento das leis, bem como são reconhecidos como referenciais de formação social e proteção dos jovens na condição de sujeitos para o exercício da cidadania plena. volume 5 nº 2 julho 2008 22 VIOLÊNCIA E ABUSO CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, SEGUNDO OS CONSELHOS TUTELARES, O PROGRAMA SENTINELA DE FEIRA DE SANTANA (BA) E O CENTRE JEUNESSE DE MONTREAL Costa et al. REFERÊNCIAS 1. Assis SG, Deslandes SF. Abuso físico em diferentes contextos de sociabilização infanto-juvenil. In: Brasil, Ministério da Saúde. Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde. 2004; p. 47-57. 2. Azevedo MA. Contribuições brasileiras à prevenção da violência doméstica contra crianças e adolescentes. In: Westphal MF. Violência e criança. São Paulo: Editora USP. 2002; 125-35. 3. Bezerra SC. 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UNITERMOS Adolescência; gravidez; sexualidade; gênero ABSTRACT This article intends to enrich the discussion about the “phenomenon” of adolescence pregnancy. It discloses the author’s opinion, based on her experience with children and adolescent care, the literature – scientific or not – and also empirical studies. KEY WORDS Adolescence; pregnancy; sexuality; gender INTRODUÇÃO A temática “gravidez na adolescência” está em pauta há vários anos no meio acadêmico e na sociedade como um todo. A gestação nessa faixa etária é considerada precoce, indesejada, não-planejada e, conseqüentemente, um problema a ser solucionado. Vários estudos têm sido desenvolvidos, por pesquisadores de diversos campos, no intuito de compreender esse fenômeno complexo, cujas variáveis envolvidas são muitas e que para ser entendido precisa ser contextualizado e abordado dialeticamente. Apesar disso, o senso comum reflete uma realidade parcial e reducionista, que colabora para manter a questão como problema exclusivo da adolescente que engravida. Ficam fora dessa análise o parceiro e o contexto social, cuja influência na sexualidade das pessoas não pode ser negada e muito menos desprezada ou ignorada. Algumas afirmações do senso comum referentes a esse tema são dignas de destaque: Adolescência & Saúde • adolescentes estão “transando” devido ao excesso de mensagens sexuais na mídia; • adolescentes são imediatistas, imaturas, irresponsáveis e têm desejos intensos; • adolescentes são promíscuas; • adolescentes ficam grávidas por falta de informação contraceptiva e porque não sabem usar contraceptivos; • os pais são muito permissivos com as filhas adolescentes e não conversam com elas; • o controle da natalidade pode reduzir a fecundidade das adolescentes das classes menos favorecidas e com isso reduzir a pobreza e a violência nas grandes metrópoles brasileiras. Observamos essas opiniões não só na população geral, mas também dentro da própria área da saúde, entre aqueles profissionais que não lidam diretamente com adolescentes. Doutora em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP/Ribeirão Preto); assessora especial da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres. volume 5 nº 2 julho 2008 24 SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA PESQUISAS E REFLEXÕES SOBRE GESTAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA Pesquisas e reflexões revelam que atualmente a gravidez na adolescência é vista por alguns quase como uma doença a ser prevenida. Entretanto, quando consideramos o passado, vemos que nossas avós e bisavós foram mães adolescentes e isso era encarado de forma natural. A faixa etária adolescente foi, por muito tempo, considerada a ideal para a mulher ter filhos. Hoje já não se pensa assim, pois se considera que a gravidez provoca a interrupção de um processo de crescimento e amadurecimento e resulta em perdas de oportunidades. É uma idade propícia à escolarização, ao início da vida profissional e ao exercício da sexualidade desvinculado da reprodução. Da mesma forma, fala-se numa erotização precoce das crianças, devido à abundância de mensagens sexuais na mídia e à maior liberdade sexual. No entanto, nos séculos passados, era comum as crianças brincarem com os próprios genitais sem que isso configurasse prática erótica(1). A gravidez na adolescência, aos olhos do senso comum e da mídia, se apresenta como um problema muito mais sério do que, por exemplo, as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), essas, sim, que deveriam ser prevenidas. Não raro pais e mães levam suas filhas adolescentes ao médico para que este lhes receite pílulas anticoncepcionais. Por outro lado, não vemos a mesma preocupação com os rapazes e nem com a prevenção de DSTs. Algumas indagações perante situações observadas ficam sem resposta em razão da dificuldade em respondê-las. A gravidez em adolescentes é vista como de risco médico, psicológico e social. O discurso da medicina aponta que a gestante adolescente apresenta maior incidência de doença hipertensiva da gravidez, de parto prematuro e de bebês com baixo peso ao nascer(1, 5, 10, 14). Do ponto de vista psicológico, mães adolescentes são rotuladas de imaturas e portanto sem capacidade de cuidar apropriadamente de seus filhos, aumentando o risco de acidentes e de infecções(13). Socialmente, a gravidez na adolescência resultaria numa perda de oportunidades e perspectivas de ascensão social devido ao abandono escolar e ao aumento das famílias movolume 5 nº 2 julho 2008 Taquette noparentais, o que agravaria a pobreza e levaria a uma maior probabilidade de comportamentos antisociais e conseqüente envolvimento com crimes(12). Estudos revelam que a gravidez na adolescência freqüentemente está associada a graves problemas psicossociais, como alcoolismo, famílias desestruturadas, baixo nível socioeconômico, carências de ordem afetiva, principalmente da figura paterna(8, 18). A ausência do pai e antecedentes como história familiar de gravidez, baixa renda e repetência ou abandono escolar também foram evidenciados por Persona et al.(16), em pesquisa sobre repetição da gravidez na adolescência. Outros estudos corroboram esses achados e destacam, porém, que a gravidez não necessariamente representa ruptura ou abandono de projetos de vida. As adolescentes mães se sentem mais valorizadas pela sociedade, adquirem outro status, que lhes permite maior mobilidade social e realização de projetos(15). Por outro lado, ao ouvir adolescentes que engravidaram, observamos situações diversas de envolvimento afetivo. Às vezes a gravidez é inesperada, mas desejada inconscientemente; em outras é até programada. Em geral, a gravidez é decorrência de um envolvimento afetivo e sentida como acontecimento positivo, que coloca em evidência a sexualidade juvenil e oferece maior autonomia às adolescentes(11). SEXUALIDADE HUMANA E A ENTRADA NA VIDA ADULTA A sexualidade humana nunca foi vivenciada de forma livre. Em todas as épocas da humanidade sofreu e sofre algum tipo de interdição, que é variável conforme o momento histórico e social. Segundo a visão da antropologia social, a primeira interdição à sexualidade, o tabu do incesto, é fundamento da cultura humana. Antes de se organizar em sociedade o homem vivia, como os macacos superiores, em hordas de várias fêmeas chefiadas por um macho que ordenava a morte de todos os machos que nascessem. A partir da sobrevivência de alguns, surgiram novas hordas em que eram proibidas as relações sexuais entre parentes, no Adolescência & Saúde Taquette intuito de proliferar a espécie. Em outras épocas, diferentes proibições surgiram por diversos motivos: econômicos, religiosos etc.(9). Na sociedade contemporânea, vivemos uma época de maior liberdade sexual desde o advento dos contraceptivos hormonais orais, que proporcionou a desvinculação quase total entre sexualidade e reprodução. Hoje, na maioria das camadas sociais, é aceita a atividade sexual antes do casamento, e a mulher conquistou maior independência para desfrutar do prazer do sexo, anteriormente prerrogativa apenas do homem. Além disso, houve intensificação das mensagens sexuais veiculadas pela mídia, o que certamente proporcionou alguma influência no exercício sexual das pessoas. Entretanto, apesar da maior liberdade e do estímulo à atividade sexual, vemos uma diversidade de experiências entre os jovens. Nessa etapa da vida, os indivíduos são muito influenciados pelo meio externo à família, pois se encontram num necessário momento de afastamento dos seus pais. Esses, apesar de perceberem o que acontece com a vida sexual dos filhos, não conseguem orientá-los efetivamente, pois não se consideram aptos para falar de sexualidade ou de métodos contraceptivos(6). Na adolescência há um natural abandono dos ideais infantis, uma busca de novos ideais no meio social e uma separação progressiva dos pais. Ocorrem escolhas de novos laços sociais e afetivos. Nesse momento, o grupo de iguais exerce enorme influência, impondo normas e regras sob forma de modelos, comportamentos, costumes, leis e práticas diversas. Os jovens, portanto, são muito suscetíveis às influências do grupo de iguais. Dependendo do ambiente social em que vivem, suas atitudes perante o sexo diferem. Há grupos com regras bem divergentes dos demais. Por exemplo, aqueles associados à religião cristã são orientados a se manterem castos até o casamento. Outros são implicados em grupos que refletem a cultura funk, que estimula, por meio da música, um exercício sexual precoce altamente associado ao prazer. Novos grupos surgem a cada momento. Não podemos esquecer da forte influência das questões de gênero na sexualidade. Esse sistema impõe regras que são incorporadas como naturais, mas que na verdade são socialmente construídas. Os Adolescência & Saúde SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA 25 homens são estimulados a iniciar a atividade sexual precocemente e a exercitá-la sempre. Já as mulheres devem-se guardar e são desvalorizadas quando assumem um comportamento semelhante àquele que é esperado do homem. Nessa visão de construção social do comportamento sexual, é bom destacarmos também a intolerância às expressões homossexuais. Um movimento interessante é assumido pelo grupo de emotional hardcores (EMOs), que vivem o sexo com liberdade e afeto e aceitam os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, diferindo, portanto, dos demais indivíduos de mesma faixa etária. Em pesquisa qualitativa realizada por meio de reuniões em grupos focais e entrevistas individuais semi-estruturadas, foram discutidos temas relacionados com a sexualidade, ficando patente que a moral social, a família, o grupo de iguais e o nível socioeconômico exercem enorme influência no comportamento sexual dos jovens. Os resultados indicaram que as adolescentes que têm um investimento afetivo familiar se apropriam mais de sua sexualidade, agem com maior proteção e não se submetem meramente à satisfação dos desejos de outrem, pois se tornam mais sujeitos de sua própria sexualidade(17). Estudos revelam que hoje o desejo sexual é vivenciado de forma mais livre, e o sexo por prazer vem substituindo o mito do amor romântico(7). A idade média do primeiro intercurso sexual é mais baixa, por volta de 15 e 14 anos, para meninas e meninos, respectivamente(12). E, apesar da imagem social de promiscuidade da adolescência, pesquisa nacional verificou que cerca de 70% dos jovens sexualmente ativos de todas as faixas etárias referem somente um parceiro sexual(4). Verifica-se que as práticas sexuais são diversas, assim como o perfil reprodutivo dos jovens(3). CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos constatar que as opiniões variadas e simplificadas sobre a gravidez na faixa etária da adolescência não conseguem explicar, muito menos comprovar, uma relação de causalidade. Esse fenômeno é complexo, carregado de subjetividade e de influências sociais. volume 5 nº 2 julho 2008 26 SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA A gravidez na adolescência está associada à baixa escolaridade e ao baixo nível socioeconômico. A solução que se apresenta nas políticas públicas de saúde e educação é a do planejamento familiar, com forte ênfase nos métodos contraceptivos. É como se disséssemos: adolescentes pobres e com pouca escolaridade não devem ter filhos. Não seria mais justo resolver o problema da gravidez na adolescência investindo em melhores condições de vida (aumentar a escolaridade e as oportunidades de ascensão social e melhorar a renda) para que as pessoas tenham o direito e a possibilidade de escolher em que momento ter ou não filhos? Taquette Para finalizar, vale transcrever a fala de uma adolescente que representa de forma contundente os questionamentos aqui apresentados. Ela exemplifica, singularmente, como as adolescentes brasileiras, desprovidas de afeto e cidadania, reduzem seus sonhos de realização, como pessoa e como mulher, ao casamento e à maternidade: “...um dia eu quis ser alguém na vida, assim, ser advogada, médica, dentista. Mas hoje eu acho que eu já desiludi. Eu não quero ser mais nada. Quero apenas ser dona de casa. Casar e ser dona de casa” (Liliane, 15 anos). REFERÊNCIAS 1. Almeida MCC, Aquino EML, Barros AP. Trajetória escolar e gravidez na adolescência entre jovens de três capitais brasileiras. Cad Saúde Pública. 2006; 22(7): 1397-409. 2. Ariès P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara. 1981. 3. Borges ALV, Shor N. Trajetórias afetivo-amorosas e perfil reprodutivo de mulheres adolescentes residentes no Município de São Paulo. Rev Bras Saude Mater Infant. 2005; 5(2): 163-70. 4. Castro MG, Abramovay M, Silva LB. Juventudes e sexualidade. Brasília: UNESCO. 2004. 5. Dias AB, Aquino EML. Maternidade e paternidade na adolescência: algumas constatações em três cidades do Brasil. Cad Saúde Pública. 2006; 22(7): 1447-58. 6. Dias ACG, Gomes WB. Conversas sobre sexualidade na família e gravidez na adolescência: a percepção dos pais. Est Psicol. 1999; 4(1): 79-106. 7. Dias ACG, Gomes WB. 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Doenças sexualmente transmissíveis e gênero: um estudo transversal entre adolescentes no Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública. 2004; 20(1): 282-90. volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde ARTIGO ORIGINAL Thiago Roseiro1 Margareth Attianezi2 27 A puberfonia e o universo da voz masculina Puberphonia and the male voice universe RESUMO Este artigo tem por objetivo o esclarecimento do profissional de saúde que trabalha com adolescentes sobre os impactos vocais e sociais da puberfonia ou falsete mutacional em jovens do sexo masculino. Discute os mecanismos anatômicos e fisiológicos da produção da voz com uma abordagem histórica, lembrando o período medieval, quando crianças eram castradas para atender finalidades especificamente artísticas da época. A castração não era garantia do aparecimento de um prodigioso cantor, no entanto suscitava no castrati dificuldades no reconhecimento do seu próprio lugar enquanto sujeito numa sociedade patriarcal. Ainda hoje, nos tempos modernos, se observam alguns padrões do pensamento medieval sobre masculinidade. O puberfônico, quando se depara com a intolerância da sociedade às diferenças, sofre com rótulos e preconceitos. Algumas vezes isso é reflexo de como a sociedade reconhece essa diferença; outras, de como esse adolescente se reconhece na sociedade. A voz aguda acarreta, além de impactos sociais e psicológicos, impactos orgânicos. O puberfônico pode apresentar uma patologia vocal de origem funcional. Portanto, é imprescindível pensar num processo de terapia vocal para esse adolescente, que abranja exercícios para a voz e que desenvolva possibilidades desse indivíduo descobrir uma nova voz. UNITERMOS Puberfonia; voz na adolescência; disfonia ABSTRACT This article has as objective the clarification for the health professional, who works with adolescence, about vocal and social impacts of puberphonia or mutational falsettos on young male adults. It discusses the anatomical and the physiological mechanisms of production of the voice taking historical approaches, looking at the medieval period, when children were castrated to meet specific artistic purposes of that time. The castration was not a guarantee of the creation of a prodigious singer, however, it caused on the castrati difficulties in recognition of their place in a patriarchal society. Now, in modern times, some patterns of the medieval vision of masculinity are still seen. The puberphonic, when facing society’s intolerance to differences, suffers with labels and prejudices. Sometimes it comes from how society recognizes difference, and sometimes, as this teenager recognizes himself in society. The acute vocal pitch produces not just social and psycological impacts but also organic ones. The puberphonics may present a vocal pathology of functional origin. It is therefore mandatory to think of a vocal terapy process for this teenager to extend exercises for the voice well as to develop possibilities to discover a new voice. KEY WORDS Puberphonia; voice in the adolescence; dysphonia INTRODUÇÃO A voz como um “presente” natural exerce um papel fundamental na evolução das habilidades comunicativas humanas. Em uma sociedade cuja comunicação oral é uma forma fundamental de relação com os demais seres, a voz cria, dentro do mecanismo da fala, o papel de mensageiro subliminar das informações verbais. É por meio das entonações da voz (a prosódia) que se transmite Adolescência & Saúde a emoção da fala. Nela estão características que podem dizer muito sobre o sujeito e sua forma de lidar com o mundo. A adolescência pode ser aqui entendida como um período em que esse indivíduo está se desembaraçando da identidade infantil, mas ainda não se Fonoaudiólogo do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NESA/UERJ). 2 Fonoaudióloga do NESA/UERJ; mestre em Saúde Coletiva do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NESC/UFRJ). 1 volume 5 nº 2 julho 2008 28 A PUBERFONIA E O UNIVERSO DA VOZ MASCULINA reconhece numa identidade adulta. Soma-se a isso o aparecimento dos caracteres sexuais secundários e a necessidade de identificação social para além do ambiente familiar. Attianezi(1) aponta que ao entrar na puberdade os caracteres sexuais secundários são definidos, e a voz sofre modificações significativas em decorrência dos novos padrões hormonais. Durante a adolescência há aumento súbito no índice de crescimento e no tamanho da laringe, principal órgão da fonação. As características femininas e masculinas emergem. A muda vocal decorre desses novos padrões hormonais, que, atuando na laringe, transformam-na em uma laringe adulta, tendo como conseqüência forte impacto vocal. Para meninos em período de muda vocal, a instabilidade tonal é bem marcada. A voz sofre modificações devido ao crescimento estrutural da laringe, ao maior abastecimento respiratório e a questões comportamentais. Isso leva esse adolescente a um padrão vocal de tonalidade mais grave e mais condizente com o socialmente esperado para um homem adulto. Em homens as pregas vocais não só aumentam cerca de 10 mm em comprimento, pelo aumento ântero-posterior da cartilagem tireóide, como também se espessam. A laringe sofre rebaixamento em relação a sua posição cervical, há uma ampliação das cavidades de ressonância e, como conseqüência, a porção inferior da extensão vocal (freqüências graves) cai cerca de uma oitava. A freqüência vocal de adultos jovens do sexo masculino é aproximadamente C3 (a nota dó que fica localizada na tecla central do piano) na escala musical. Essas alterações ocasionam como características rouquidão e quebras de sonoridade temporárias. Em alguns casos, apesar do crescimento normal e do desenvolvimento das características sexuais secundárias, o adolescente pode reter uma voz típica do período pré-muda vocal. Esse distúrbio vocal é de origem predominantemente funcional, ou seja, relacionado com o mau uso da voz e do aparelho fonador, propiciando fonação em falsete. As mudanças observadas entre a fonação normal e a em falsete nos levam a crer que haja alta volume 5 nº 2 julho 2008 Roseiro & Attianezi elevação da laringe associada à mudança do tom para cima. Dessa forma, o que caracteriza a voz do adolescente portador de falsete mutacional ou puberfonia é uma voz agudizada, estridente, metálica, que pode ser confundida com a voz feminina. Tsuji et al.(12) referem que quando uma pessoa produz um pitch vocal (sensação auditiva do som da voz) não condizente com o de seu sexo, esse fator resultará em muitos inconvenientes, principalmente na esfera social, podendo causar inúmeros prejuízos psicológicos e profissionais. IMPACTOS HISTÓRICO-SOCIAIS Ao longo da história da humanidade a assimetria das relações entre homens, mulheres e crianças é marcante e favorável ao pensamento do homem como a figura de poder. No entanto, como observou o proeminente político e revolucionário orador francês Honoré-Gabriel Riqueti, conde de Mirabeau (1749-1791): “chegou o tempo de julgar os homens pelo que têm aqui, sob a testa, entre as sobrancelhas”. A partir desse pensamento de Mirabeau, é possível entender dois homens: o que pode ser julgado pelo que lhe é evidente, e o que pode ser julgado por algo que se originaria na mente. Em ambos os casos, a voz é tangível, pois uma voz forte e grave propicia um julgamento de força, de ordem, de segurança e de razão, exemplo da “inaudível voz divina”, pois é pouco provável que alguns mais religiosos, ao pensar na voz de Deus, o façam mentalizando uma voz fina e fraca. Em outra óptica, a história nos remete ao final do século XVI, quando os madrigais eram considerados formas profanas de manifestação musical cantadas com vozes femininas. O gosto pelo timbre feminino ganhou a sociedade européia da época. Diante dessa circunstância, a Igreja e a sociedade buscaram trazer para seus rituais artísticos esse timbre agudo sob uma outra forma, pois não era permitido à mulher “ter voz”. Assim, como recurso, se valem da castração de meninos com idades entre 7 e 12 anos, considerado período pré-muda vocal, o que impedia o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, incluinAdolescência & Saúde Roseiro & Attianezi do o desenvolvimento vocal para um timbre mais grave, mantendo-se a voz da criança. Essa prática gerou grandes cantores ovacionados pelo público por suas lindas e destras vozes. A prática da castração se deu para cumprir finalidades especificamente artísticas da época por parte da igreja e objetivando a ascensão social por parte de algumas famílias. Porém a castração não garantia o surgimento de um cantor prodigioso, pois tal fenômeno não depende apenas de características biológicas(8, 11). Os castrati que se tornaram grandes cantores têm o reconhecimento da sociedade até os dias atuais. Como exemplo citamos o napolitano Carlo Broschi (Farinelli), um dos últimos castrati, considerado o mais bem pago da história. No entanto, percebe-se que as repercussões da ausência hormonal suscitavam no indivíduo diversas questões de ordem sexual, psicológica e social, visto que a voz traduzia todo o lado infantil/feminino ao falar e eclipsava o homem diante dos outros. Principalmente diante de uma sociedade de estrutura patriarcal. Avançando no tempo, para o adolescente moderno tais questões talvez não se mostrem tão diferentes, embora as implicações orgânicas sejam menores para o puberfônico. Para diagnosticar uma puberfonia necessita-se descartar a possibilidade de alterações orgânicas. No entanto os preceitos sociais de visão de homem e de masculinidade ainda têm uma raiz histórica forte. Tanto que, quando se reflete sobre as questões do gênero, as estruturas sociais e históricas privilegiam o homem, atribuindo a ele virilidade. Quando esse jovem vai de encontro ao imaginário coletivo, facilmente recebe rótulos por não estar em adequação ao padrão esperado para um homem. IMPACTOS ORGÂNICOS Pinho(9) afirma: “o trato vocal é propenso a alto grau de absorção de energia, devido ao predomínio de elementos moles e absorventes. Além disso, não mantendo diâmetro absolutamente constante, determina a formação de várias freqüências de ressonância”. Adolescência & Saúde A PUBERFONIA E O UNIVERSO DA VOZ MASCULINA 29 No entanto o uso de uma excessiva constrição laríngea e tensão, característico da produção da voz aguda, pode levar à formação de elementos patológicos na região glótica, como nódulos e edemas, assim como a configurações glóticas condizentes com essas patologias, as chamadas fendas glóticas. Esse quadro, no qual o mau uso da voz leva a lesão da estrutura glótica e sua reconfiguração, é classificado como uma disfonia orgânica funcional. (1, 9). IMPACTOS PSICOLÓGICOS A instabilidade gerada pela percepção de não se encontrar mais no universo infantil, tampouco estar inserido no universo adulto, por vezes propicia o prolongamento do período de muda vocal. Normalmente essas inadaptações apresentam caráter passageiro. Contudo, quando há implicações na questão da identidade do sujeito, como a infantilização e a busca de uma identidade sexual e/ou tribal, é preciso refletir sobre o cerne desses processos para se pensar posteriormente em uma metodologia terapêutica melhor. Ao se referir à adolescência, a palavra identidade pode ser encontrada em uma diversidade de conceitos biológicos, sociais e da unidade do sujeito. Uma identidade se constitui a partir dos modelos disponíveis a esse sujeito. Nesse aspecto, podemos entender que a identificação do sujeito com uma figura adulta – e mais tarde sua identificação numa figura adulta – explora o campo da permissibilidade que a sociedade dá a esse indivíduo de elaborar suas possibilidades e, em contrapartida, o quanto esse sujeito se permite explorar tais possibilidades(5). Assumir uma nova postura vocal implica mais do que diminuir a voz em alguns tons. Perceberse enquanto sujeito da sua voz talvez seja o ponto central dessa discussão, pois o lugar social ocupado pelo sujeito, seja por escolha, permissividade, ou por imposição social, coloca esse adolescente geralmente numa posição desfavorável de enfrentamento das dificuldades da vida, ao se deparar com a intolerância da sociedade às diferenças. Desse modo, a voz, que há um tempo é reflexo de sua história, pode não estar sendo uma aliada diante dessas dificuldades. volume 5 nº 2 julho 2008 30 A PUBERFONIA E O UNIVERSO DA VOZ MASCULINA CONCLUSÃO O tratamento para puberfonia costuma ser rápido e bastante eficaz. A terapia vocal enfoca exercícios que visam o relaxamento corpóreo, o rebaixamento laríngeo, a adequação respiratória para a fala e o foco ressonantal. A descoberta de uma nova voz de tom mais grave requer o desenvolvimento de novas impressões auditivas e sinestésicas sobre seu aparelho fonador e sua produção vocal. Contudo, paralelamente à terapia vocal, devese ter em mente as questões que levam esse indivíduo a produzir uma voz aguda. E que essa voz já faz parte de como esse indivíduo se reconhece. Durante as sessões do processo terapêutico geralmente aparece outra possibilidade vocal distinta dessa que o adolescente sustenta. Uma voz de tom mais grave, a qual ele não consegue por vezes identificar como a sua própria voz. Assim, ele não Roseiro & Attianezi se reconhece nessa nova voz, pois na “outra voz” ele está seguro de seu conhecimento sobre si, até mesmo sobre o papel social que construiu ao longo de sua vida. Logo, ao assumir a responsabilidade de uma nova voz, emerge então uma parte dele mesmo, que poderá ser reconhecida como própria. Os inconvenientes relatados pelos pacientes sobre a reação dos outros à sua voz têm várias nuanças, desde confusões ao telefone até dificuldades para conseguir emprego e/ou se manter em cargos de autoridade no trabalho. Pois a voz sempre os coloca em “cheque”, em situações que geram sofrimentos e dificuldades no lidar com o outro. Assim como as lagartas que se transformam em borboletas, é possível durante esse processo de descoberta de uma voz mais grave o afloramento de um novo sujeito. Comumente esse indivíduo reconhece e assume sua autonomia diante da família e da sociedade, bem como vê e explora suas infinitas possibilidades na utilização de sua voz. REFERÊNCIAS 1. Attianezi M. Entre barulhos e gritos: ocorrência de disfonia funcional e orgânico-funcional em adolescentes escolares do sexo feminino. Rio de Janeiro: 2004. Tese de Mestrado, NESC-UFRJ. 2. Bloch P. Problemas da voz e da fala. Rio de Janeiro: Editora Letras e Artes. 1963; cap. XVII. 3. Budant TCM. Alterações endócrinas e suas implicações vocais no período da adolescência. Curitiba: 1999. Monografia (especialização), CEFAC – Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica. 4. Campos DMS. 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Cordeiro3 Antônio Carlos Avelino de Pontes4 31 Centro de Referência em Atenção à Saúde do Adolescente no município de Jaboatão dos Guararapes (PE) Jaboatão dos Guararapes (PE) Adolescent Health Reference Center RESUMO Objetivos: Traçar o perfil do adolescente usuário do Centro de Referência em Atenção à Saúde do Adolescente (1º Distrito) no município de Jaboatão dos Guararapes (PE). Metodologia: Os resultados foram obtidos por meio de pesquisa quantitativa e qualitativa junto aos prontuários multiprofissionias dos adolescentes atendidos, desde a implantação do programa, de 2001 a 2006. Conclusões: É necessária maior divulgação dos serviços oferecidos pelo centro aos adolescentes, principalmente os do sexo masculino. Deve-se também aumentar o atendimento aos adolescentes na faixa etária dos 16 aos 19 anos. Como principal demanda, temos a busca por atendimento na área de psicologia, reorganizada pelos encaminhamentos. O êxito do programa é demonstrado pela marca de 5.340 atendimentos ao final de 2006. UNITERMOS Hebiatria; adolescência; saúde pública ABSTRACT Objectives: To trace the profile of the adolescent users of Centro de Referência em Atenção à Saúde do Adolescente (1º District) in the city of Jaboatão dos Guararapes. Methodology: The results were obtained through quantitative and qualitative research of multiprofessional handbooks of adolescents taken care of since the implantation of the program, in 2001, up to 2006. Conclusions: A bigger spreading of the services offered by the center to adolescents is necessary, mainly to males. The care for adolescents in the age group of 16 to 19 years must also be increased. As main demand, we have the search for attendance in the area of psychology. The success of the program was achieved with 5,340 visits by the end of 2006. KEY WORDS Hebiatry; adolescence; public health INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo apresentar o perfil do usuário do Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD*/Prazeres), no período de janeiro a agosto de 2006. *As ações básicas reunidas no PROSAD cobrem crescimento e desenvolvimento, sexualidade e saúde reprodutiva, saúde mental, prevenção de acidentes, violência, maus-tratos pela família e instituições. Essas ações já são desenvolvidas nos serviços de saúde tradicionais, sendo estimulada a sua realização fora das unidades de saúde, em parceria com outras instituições de assistência e na comunidade(3). **Embora a faixa etária seja um aspecto relevante para a construção de ações para esses segmentos da população, cabe ressaltar que este não pode ser o único, visto que mesmo entre estas ações há diferenças quanto à definição: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/90) define a faixa etária de 12 a 18 anos como adolescência; o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD/89), de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), delimita tal concepção entre 10 e 19 anos; a Organização das Nações Unidas (ONU) entende os jovens como indivíduos com idades entre 15 e 24 anos. Adolescência & Saúde Este relatório foi realizado pelo Serviço Social do programa com base nos dados colhidos nos prontuários multiprofissionais, referentes ao mês de janeiro dos anos de 2001 a 2006, tendo como objetivo traçar um perfil do adolescente** usuário do programa, por meio dos dados contidos nos prontuários de atendimento, com a finalidade de propor ações que resultem num melhor atendimento a esses adolescentes. Assistente social; especialista em Psicopedagogia com ênfase na Clínica pela Faculdade Santa Helena (FASH). 2 Cirurgiã-dentista; especialista em Saúde Coletiva pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (FACISA). 3 Cirurgiã-dentista; especialista em Dentística Restauradora pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); especialista em Saúde Coletiva pela FACISA. 4 Assistente social. 1 volume 5 nº 2 julho 2008 32 CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE) MÉTODO Este estudo foi concebido com o objetivo de sistematizar os dados contidos nos prontuários de atendimento do PROSAD/Prazeres, objetivando traçar o perfil dos adolescentes usuários do programa, suas principais demandas ao acessar o programa e as possibilidades de melhoria no atendimento desses adolescentes, com base em suas necessidades. O PROSAD foi oficializado pelo Ministério da Saúde (MS) em 1989, em cumprimento à Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, visando à efetivação do seu Art. 227, como também dos Arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que define o direito à proteção, à vida e à saúde. O PROSAD/Prazeres localiza-se na Av. Barreto de Menezes, 585, bairro Prazeres, Jaboatão dos Guararapes (PE). O programa foi implantado no município em abril de 2000, quando a Secretaria de Saúde (SESA) de Jaboatão dos Guararapes incentivou a participação de seus funcionários, em capacitação concedida pela Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco (SES/PE), da qual participaram uma médica, uma psicóloga e uma assistente social. Após a capacitação houve a formação de equipe interdisciplinar, que objetivou a criação de um ambulatório específico para atendimento de adolescentes. O PROSAD/Prazeres é subordinado à Diretoria Geral de Saúde e atua na elaboração de programas e metas relacionados com a saúde dos adolescentes no município, assim como realiza atendimentos ambulatoriais de segunda a sexta-feira, pela manhã e à tarde, reunindo uma equipe multiprofissional voltada para o atendimento integral ao adolescente. O PROSAD tem como princípios básicos a ênfase na promoção da saúde*, do desenvolvimento e da autonomia dos adolescentes; a identificação e o fortalecimento dos fatores protetores (auto-estima, convivência familiar, habilidades sociais, vínculos, segurança, entre outros); a valorização da participação ativa do adolescente e do protagonismo juvenil; o envolvimento da família e da comunidade; a ar- Hora et al. ticulação da saúde com outros setores (educação, assistência social, cultura, esportes, justiça, conselhos tutelares, organizações não-governamentais [ONGs] e outras organizações de atendimento) de forma atraente para os adolescentes, com garantia de respeito e confidencialidade; o trabalho em equipe, com prioridade para as atividades educativas de integração entre os diferentes programas e projetos das secretarias municipais de saúde, como Saúde da Família, Saúde Escolar, Saúde da Mulher, Saúde da Criança, DST/AIDS, Saúde Mental, Saúde do Trabalhador, Saúde Bucal, Terapias Alternativas, entre outros. O programa é executado dentro do princípio da integralidade das ações de saúde, da necessária multidisciplinaridade no trato dessas questões e na integração intersetorial e interinstitucional dos órgãos envolvidos, respeitando-se as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) apontadas na Constituição Brasileira. O PROSAD de Jaboatão dos Guararapes foi sendo ajustado de forma a responder às demandas da SESA, dos profissionais envolvidos no programa e dos usuários, tendo em vista as necessidades da população usuária, dos seus profissionais, principalmente os assistentes sociais (estes adquiriram novas competências capazes de responder às necessidades sociais em suas diversas manifestações e que são fontes de suas demandas profissionais**, o que é uma das principais características da profissão, de intervir nas situações que revelam as desigualdades sociais), e também da própria SESA, num contexto marcado por forte transição demográfica, social e epidemiológica. No PROSAD/Prazeres são atendidos adolescentes residentes no município que estejam na faixa etária de 10 a 19 anos. O adolescente e/ou seu familiar são atendidos na recepção, que tem o objetivo de acolher e orientar o adolescente, além de agendar as consultas, possibilitando sua integração ao programa. Na primeira consulta o adolescente é atendido pelo assistente social, para investigação da assistência familiar e educacional. Também se pesquisam atividades recreativas e processos de socialização *A atual legislação brasileira amplia o conceito de saúde, considerando-a resultado de vários fatores determinantes e condicionantes, como alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer, acesso a bens e serviços essenciais(2). **Nesses termos podemos afirmar que a objetivação desse trabalho do assistente social é determinada tanto pela concepção de saúde prevalecente no SUS como pelas condições objetivas da população usuária dos serviços. Portanto, ao longo da história a organização do trabalho coletivo em saúde vêm-se constituindo cada vez mais uma das tarefas dos assistentes sociais no interior do processo de trabalho em saúde. Com essa atividade, o serviço social atende tanto às exigências mais gerais do sistema como às necessidades das unidades operativas. volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde Hora et al. 33 CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE) (convivência) no qual esses adolescentes estão envolvidos, com o objetivo de conhecê-los e referenciá-los, caso seja necessário, para utilização de serviços disponíveis no município, assistência judiciária, conselho tutelar, rede educacional, entre outras. É nesse campo de atendimento inicial e acompanhamento do crescimento* e do desenvolvimento**, *** do adolescente que se inserem as ações do assistente social na instituição: a) orientações individuais quanto à prática do serviço social na instituição; b)intervenções supervisionadas; c) estudo teórico da literatura do serviço social e dos temas relacionados com a prática profissional; d)visitas às instituições conveniadas ao PROSAD; e) elaboração de parecer social; f) elaboração de relatórios das atividades desenvolvidas; g)avaliações periódicas dos atendimentos e das atividades realizadas. O objetivo deste estudo foi, por meio da sistematização dos dados contidos nos prontuários de atendimento, traçar um perfil dos adolescentes usuários do programa, identificando suas demandas e propondo ações para melhorar esse atendimento. municípios etc. Os resultados são apresentados nas Figuras 1 a 4 (gráficos confeccionados para uso exclusivo nesta pesquisa), obtidas a partir dos prontuários. Inicialmente foi traçado o perfil por sexo dos adolescentes usuários do programa. A presença de adolescentes do sexo feminino (57%) é ligeiramente superior à masculina (43%), o que não é justificável, pelo fato de existir um equilíbrio entre as duas populações no município, de acordo com dados obtidos junto à Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal do Jaboatão dos Guararapes, apresentados na Tabela 1. Tabela 1 PERFIL DA POPULAÇÃO ADOLESCENTE DO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES Faixa etária 10 a 14 anos 15 a 19 anos Total Sexo Masculino Feminino 30.395 30.045 Total 60.440 31.771 32.147 63.918 62.166 (49,98%) 62.192 (50,02%) 124.358 Fonte: Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal do Jaboatão dos Guararapes (2002). OBJETIVO GERAL PROPOSTO E OS RESULTADOS ALCANÇADOS Foi proposta como objetivo geral da intervenção a sistematização dos dados contidos nos prontuários de atendimento. A coleta de dados foi efetuada junto aos prontuários arquivados no PROSAD/Prazeres referentes aos meses de janeiro de 2001 a 2006. Essa opção se deu em virtude de o mês de janeiro ser de férias escolares, o que leva a uma demanda espontânea do adolescente pelo programa. O quantitativo de fichas é variado ano a ano em função de diversos fatores que levam ao arquivamento dos prontuários: idade superior a 19 anos, abandono do programa, mudança de % FAIXA ETÁRIA 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 10 a 12 13 a 15 16 a 19 1 Figura 1 – Perfil dos adolescentes por faixa etária *O crescimento é um processo caracterizado pelo aumento físico do corpo, do tamanho e do número de células de todos os órgãos e sistemas, que se inicia na concepção e prossegue por toda a vida(4). **Desenvolvimento é o aumento da capacidade do indivíduo em realizar funções cada vez mais complexas. É também chamado de maturação ou diferenciação(4). ***O processo de crescimento e desenvolvimento é fortemente influenciado pelos fatores genéticos e ambientais, contudo na fase de adolescência se faz mais evidente a influência dos fatores hereditários, que é explicitada sob vários aspectos somáticos, como a época do início da puberdade, a intensidade de determinadas características sexuais e a idade da menarca(4). Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008 34 CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE) DEMANDAS AO PROGRAMA % 80 70 A Insc. no Programa 60 B Ginecologista C Enfermagem D Hebiatra E Psicólogo F Fonoaudiólogo G Odontólogo H Outros 50 40 A E 30 20 D 10 G B 0 H F C 1 Figura 2 – Demanda espontânea ao programa ENCAMINHAMENTOS % 70 60 50 40 A 30 20 B C E 10 D F 0 G H A Hebiatra B Odontólogo C Psicólogo D Ginecologista E Enfermagem F Psiquiatra G Fonoaudiólogo H Nutricionista 1 Figura 3 – Encaminhamentos ao programa EVOLUÇÃO DO ATENDIMENTO nº de atendimentos 6.000 5.000 4.000 3.000 G 2.000 F E D 1.000 0 A B C A dez/00 B dez/01 C dez/02 D dez/03 E dez/04 F dez/05 G dez/06 1 Figura 4 – Evolução do atendimento Essa maior presença feminina nos postos e ambulatórios de saúde já é objeto de estudos e ações por parte do MS e também das secretarias estaduais e municipais de saúde, que buscam desenvolver processos educativos numa perspectiva Hora et al. de relações sociais e eqüidade de gênero. Também desenvolvem concepções e atividades que buscam o planejamento participativo e a operacionalização de processos de educação permanente que promovam atividades voltadas à promoção da saúde dos homens e masculinidade. Os dados relativos à faixa etária (Figura 1) demonstram que o público-alvo do programa é atendido, devendo por isso haver um melhor trabalho de divulgação junto às populações com idade superior a 16 anos, tendo em vista que aqueles com idades entre 10 e 15 anos normalmente são levados ao ambulatório pelos pais ou responsáveis. Os adolescentes entre 16 e 19 anos estão mais vulneráveis a questões da gravidez*, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), vírus da imunodeficiência humana (HIV), uso de drogas, devido a sua inserção nos espaços públicos da rua, no mundo adulto e do trabalho, devendo, portanto, haver maior divulgação e intersetorialidade** das atividades do PROSAD/Prazeres. O bairro de origem dos adolescentes, na maioria dos casos, é o 1º Distrito. Essa distribuição territorial dos usuários do programa se dá principalmente pela localização do ambulatório no bairro de Prazeres situado nesse distrito, o que facilita o acesso da população usuária residente nesse bairro e proximidades. Moradores de outros distritos (em sua maioria, de baixa renda), não dispondo de meios e recursos de locomoção para fora de sua área residencial, não utilizam os serviços do PROSAD/Prazeres. Na utilização dos serviços oferecidos pelo programa verifica-se que há maior incidência de acesso por iniciativa própria (adolescente ou pais) (51%). Isso reflete o exposto anteriormente, tendo em vista que os pais e/ou responsáveis regularmente procuram os serviços de saúde para seus filhos com idades entre 10 e 15 anos. Como segundo motivo de acesso ao ambulatório (32%) estão os adolescentes referenciados por outras unidades da SESA. Outras razões para utilizar o programa são os encaminhamentos efetuados por outras instituições e pessoas da comunidade (4%), tendo uma parcela mínima no acesso ao ambulatório as informações *Os adolescentes enfrentam um sistema de atendimento à saúde no qual primeiro são acusados de irresponsáveis para depois serem alertados sobre os perigos e a causalidade econômica da gravidez precoce. Para eles a situação é percebida mais como a busca de liberdade e autonomia dentro de tradições familiares, mesmo que seja (ou talvez em alguns casos, preferencialmente) sem casar e sem tolher a nova liberdade com responsabilidade(6). **Instituições de educação, de trabalho, justiça e órgãos comunitários (centros comunitários e associações de moradores). volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde Hora et al. CENTRO DE REFERÊNCIA EM ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE NO MUNICÍPIO DE JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE) repassadas por outros adolescentes. Esse fato determina maior investimento nas ações relativas aos adolescentes promotores e multiplicadores de informações de saúde, como também uma divulgação dos serviços oferecidos pelo PROSAD/Prazeres nas comunidades. Quanto às demandas (Figura 2) e encaminhamentos (Figura 3), verifica-se grande procura pelos serviços na área de psicologia. Essa procura se deve a questões ligadas a transformações corporais; evolução do pensamento e do conhecimento; gravidez; modificações de socialização emergentes nessa fase da vida, que conduzem à definição de uma identidade; crescente psicologização da questão social, na qual a reestruturação produtiva, o desemprego estrutural, a reforma do Estado e a redução drástica dos serviços sociais, preconizados pelo enxugamento do Estado apontam para o aprofundamento das desigualdades sociais e para o aumento da pobreza, levando a conflitos familiares e sociais. CONCLUSÃO É necessária maior divulgação dos serviços oferecidos pelo centro aos adolescentes, principalmente os do sexo masculino, buscando desenvolver processos educativos em saúde, numa perspectiva de relações sociais e eqüidade de gênero. Busca-se também aumentar o atendimento aos adolescen- 35 tes na faixa etária dos 16 aos 19 anos, que estão mais vulneráveis a questões de gravidez, ISTs, HIV e uso de drogas, devido a sua inserção nos espaços públicos, no mercado de trabalho e no enfrentamento de situações de risco e violência. Também existe a necessidade da implantação do Programa de Saúde do Adolescente em todos os distritos sanitários do município, tendo em vista o baixo poder aquisitivo da população atendida e sua conseqüente dificuldade de locomoção para o 1º Distrito. O acesso é predominantemente espontâneo, o que indica que o trabalho de divulgação dos serviços funciona. Como principal demanda temos a busca por atendimento na área de psicologia e a inscrição no programa. Os encaminhamentos reorganizam a necessidade dos usuários, esclarecendo suas dúvidas quanto às especialidades médicas no centro e suas indicações. Redireciona-se o adolescente ao atendimento junto aos especialistas, pois boa parte das demandas iniciais pela psicologia na realidade devia-se a um conjunto de mudanças físicas, psíquicas e sociais. Concluímos que o trabalho de divulgação do centro, ao longo dos anos, junto às comunidades, escolas e entidades conveniadas vem propiciando aumento significativo no total de atendimentos da unidade, o que demonstra o êxito do programa ao alcançarmos a marca de 5.340 atendimentos ao final do ano de 2006 (Figura 4). REFERÊNCIAS 1. Associação Brasileira de Enfermagem. Adolescer: compreender, atuar, acolher. Brasília: ABEn. 2001. 2. Brasil. Ministério da Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. Brasília: Ministério da Saúde. 2006. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Saúde do Adolescente. Brasília: Ministério da Saúde. 1989. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Saúde do Adolescente. Bases programáticas. 2 ed. Brasília: Ministério da Saúde. 1996. Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008 36 ARTIGO ORIGINAL Deise Antunes Bortoluzzi1 Santos Barros Viana2 Shelley Fernandes Fiuza3 O atendimento humanizado ao adolescente usuário de substâncias psicoativas numa perspectiva interdisciplinar The humanized attendance to the adolescent using psychoactive substances in an interdisciplinary perspective RESUMO Nos dias atuais os jovens vivem numa época em que as drogas psicotrópicas cada vez mais fazem parte do seu cotidiano e, conseqüentemente, acabam se tornando parte da vida de muitos deles. A medicina, mais do que exercer o papel do esclarecimento nessa questão, precisa lançar novos olhares à forma como se presta atendimento aos jovens que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas, bem como ao entendimento integral das causas que levam muitos deles a procurar alívio para suas angústias dessa forma, visto que só a partir do entendimento integral do ser humano é que se pode realizar um tratamento realmente efetivo nesse sentido. A medicina atua em diversos setores relacionados com o processo de saúde/doença, destacando nessa multiplicidade de fazeres a questão da necessidade de se trabalhar com equipes interdisciplinares, visando ampliar toda essa visão clínica que se tem a respeito desse processo. Dessa forma, pode desenvolver trabalhos em setores até então não explorados por esses profissionais. Portanto, partindo dessas premissas, pode-se inferir que a classe médica não pode nem deve ignorar o fato de que esses jovens são seres em desenvolvimento, seja sob o prisma orgânico, emocional, psicológico ou psiquiátrico. Assim, torna-se mister distinguir os aspectos sociais, familiares, psicológicos e médicos. UNITERMOS Adolescente; atendimento; interdisciplinar; medicina ABSTRACT We live in a time when each time more psychotropic drugs are part of daily life and consequently end up becoming part of the life of many youngsters. Medicine, more than playing the role of clarification, needs to launch new looks on the way it attends youngsters that abuse psychoactive substances, as well as on the complete understanding of the causes of their look for such a relief, since only complete understanding of the human being can lead to a really effective treatment. Medicine acts in diverse sectors related to the process health/ illness, emphasizing in this multiplicity the need of an interdisciplinary team in an attempt to extend this clinical point of view regarding it. Thus, it can develop works in sectors so far not explored by these professionals. Therefore it can be inferred that medicine neither can nor must ignore the fact that these young ones are in development, both organic, emotional, psychological and psychiatric. In such a way, it is necessary to distinguish social, familiar, psychological and medical aspects. KEY WORDS Adolescents; attendance; interdisciplinary; medicine Acadêmica da 10ª fase do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas FACVEST. Médico; clínico geral graduado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 3 Acadêmica da 10ª fase do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas FACVEST. Trabalho desenvolvido por meio de pesquisas bibliográficas. 1 2 volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde Bortoluzzi et al. O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR INTRODUÇÃO A quantidade de adolescentes que fazem uso de substâncias psicoativas chama cada vez mais a atenção, não apenas de alguns segmentos da sociedade, mas também de inúmeros órgãos da área de saúde. O contato com tais substâncias tem se dado cada vez mais cedo, e a intensidade de seu uso aumenta de maneira diretamente proporcional a esse contato. Não obstante, perante esse quadro alarmante, a sociedade pós-moderna se vê obrigada a procurar novas formas de preencher o vazio deixado diante de tantas modificações no quadro familiar, e tais preenchimentos nem sempre são avaliados como os mais sadios. “Constatamos que a palavra substância é mais adequada que a palavra droga. Substância psicoativa (SPA) seria o melhor termo para caracterizar nossa noção de droga”(5). Nesse sentido, percebe-se cada vez mais uma necessidade de discussão a respeito desse assunto sob os mais diferentes prismas, pois a cada dia mais adolescentes experimentam drogas, seja por curiosidade, necessidade de pertencimento ao grupo ou como forma de fuga da própria realidade. “A própria maneira como ele busca prazer na alteração de consciência provocada pela droga é, por si só, indício da dificuldade da sociedade em lidar com essa questão no plano meramente educacional. A discussão que envolve o consumo de drogas, na maioria das vezes, deixa escapar o que o jovem busca nesse ato”(1). Unida a essa problemática está a constante transformação do adolescente usuário de substâncias psicoativas em maior responsável pela criminalidade e insegurança social, o que virou lugarcomum em uma sociedade desigual e carente de informação como é a sociedade brasileira. Segundo Angerami-Camon(1), “Na grande maioria das vezes, a discussão é centrada nos danos que as drogas de alguma maneira provocam no organismo ou, ainda, nos efeitos punitivos derivados da contravenção penal representada pelo uso de drogas”. Todavia, sabendo da não-existência de bem ou mal absoluto, e sim conseqüências de intrincaAdolescência & Saúde 37 dos sistemas socioculturais, políticos, econômicos, familiares, orgânicos e genéticos, muitas vidas acabam sendo perdidas, independentemente de que estejam usando ou sendo vítimas indiretas desse fenômeno. É nesse sentido que a medicina tem por obrigação abrir seu leque de atuação e levantar questionamentos relacionados com a causalidade do uso de substâncias psicoativas por adolescentes e sobre o melhor tratamento. MATERIAIS E MÉTODOS A elaboração e a coleta de dados deste artigo se deram de forma bibliográfica, mas os instrumentos utilizados partiram de material já publicado, constituído de uma análise sob o prisma médico com vistas a uma abordagem interdisciplinar. SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS: DE FATOR SOCIAL A ARTIFÍCIO CRIMINAL Ao se discorrer sobre o problema do abuso de substâncias psicoativas no Brasil, não há como negar que o fator socioeconômico aparece diretamente ligado à forma como são tratados seus usuários, pois é notório que existem pesos e medidas diferentes quando se julgam e tratam os usuários de diferentes classes sociais. Enquanto uns acabam por ser eternamente marginalizados pelo sistema, outros são vistos como vítimas que necessitam apenas de cuidados médicos e psicológicos para conseguirem se reabilitar e conseqüentemente se restabelecer perante a lei. Entretanto, como os profissionais da saúde podem contribuir para ultrapassar o discurso socioeconômico como único e exclusivo agente propulsor que induz adolescentes a fazer uso de substâncias psicoativas? Como ajudar a compreender esses jovens e assisti-los auxiliando a ponderar seus atos como um dado realmente tangível de sua história no uso abusivo de substâncias psicoativas? Como não cair na concepção de que o adolescente é exclusivamente vítima do vício? Os médicos têm volume 5 nº 2 julho 2008 38 O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR grandes contribuições a dar nesse sentido, portanto não nos esquivemos nem subestimemos a importância do nosso papel social. “Evidentemente, há aspectos comuns nos fenômenos do tráfico ou da dependência, e, graça a eles e às categorias que os apreendem, podemos estabelecer referências gerais e pensar as grandes linhas de desenvolvimento da sociedade e de seus problemas. Entretanto, nas conversas cotidianas, na mídia e na política, as palavras de apelo geral servem mais para esconder as diferenças, a complexidade e a multiplicidade de sentidos envolvidos nos processos históricos”(6). Nesse sentido, pode-se dizer que as práticas judiciárias precisam suplantar essa cultura que se criou “do menor infrator”, que simplesmente “penaliza o delinqüente”, a fim de assegurar o direito ao desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes, conforme estabelece o Estatuto de Criança e do Adolescente (ECA), pois somente assim poderá se levantar uma discussão que leve em conta o papel que as drogas ocupam na sociedade contemporânea. O problema das drogas e a forma como seus usuários são tratados levam a outro ponto, que é o controle exercido pelo Estado mediante o fato de a repressão mais forte ser aplicada apenas aos mais fracos. Haja vista que, com essa perspectiva, questões que deveriam ser tratadas como sociais acabam sendo consideradas apenas sob o prisma criminal. De acordo com Cheibud(2), “Em pesquisa realizada nos processos dos juizados de menores no período de 1968 a 1998, Batista (1998) verifica como o sistema penal brasileiro é bipartido em pobres e ricos. Aos ricos aplica-se o paradigma médico e aos pobres, o paradigma penal”. Assim, o fator socioeconômico muitas vezes aparece ligado ao uso de substâncias psicoativas. No entanto existem pesos e medidas diferentes quando se julgam usuários de diferentes classes sociais. Visto que enquanto uns passam a ser eternamente marginalizados pelo sistema, outros são considerados vítimas que necessitam apenas de cuidados médicos e psicológicos para conseguirem volume 5 nº 2 julho 2008 Bortoluzzi et al. se reabilitar e, conseqüentemente, se restabelecer perante a lei. Contudo, é dever dos médicos esclarecer que nem as drogas nem o nível socioeconômico são necessariamente as causas desencadeantes do vício. Seria inclusive preconceituoso fazer tal ligação sem procurar o que está por trás dessa idéia. Logo, ao se fazer uma análise mais profunda dessa questão, é possível perceber formas de poder e controle inseridas nesse contexto, que muitas vezes estão dissimuladas sob a capa de um discurso moralista e preconceituoso como explicação. “[...] o cerne da questão se encontra no controle específico da juventude pobre considerada perigosa, e não no da droga em si. Dessa forma, nas falas colhidas nos processos, elas ‘se relacionam às famílias desestruturadas’, às ‘atitudes suspeitas’, ao ‘meio ambiente pernicioso’, à sua ‘formação moral’, à ‘ociosidade’, à ‘falta de submissão’, ao ‘brilho no olhar’ e ao desejo de ‘status’ que não se coaduna com a vida de salário mínimo”(3). Muitas vezes simplificam-se as explicações sobre a causalidade desse fenômeno cada vez maior no Brasil, que é o uso por adolescentes de substâncias psicoativas, como uma maneira de justificar o abuso de um sistema penal de extermínio. Tal objetivo é visível em muitos veículos de comunicação, bem como em alguns setores reacionários do poder. Portanto, ao analisar questões relativas à toxicomania, é preciso fazê-lo com cuidado e sob diferentes prismas, pois a forma como se trata um dependente, infelizmente, costuma estar diretamente atrelada à fração da sociedade a que ele pertence. IMPORTÂNCIA DA VISÃO MULTIAXIAL DO PROBLEMA A função do médico no tratamento do uso abusivo de substâncias psicoativas jamais deve transpor as fronteiras da humanização para a do julgamento moral, visto que comumente, ao mesmo tempo em que se evidenciam a carência e a necessidade de medidas preventivas, coloca-se Adolescência & Saúde Bortoluzzi et al. O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR esse jovem numa posição de imobilidade diante do mundo. Além disso, sem grandes pudores desliza-se facilmente de um discurso de carência para o de perigo. Destarte, os questionamentos a serem feitos giram em torno das condições de compreensão do jovem a respeito de si e das conseqüências de seus atos. De acordo com Dalgalarrondo(4): “De particular interesse à psicopatologia é a diferenciação entre as psicoses tóxicas, as psicoses funcionais (esquizofrenias, psicoses afetivas etc.) desencadeadas por drogas. Denominam-se causadas diretamente pela ação da droga sobre o cérebro”. O médico deve considerar que um padrão persistente de total desconsideração com o outro e violação dos direitos alheios, por um período prolongado de tempo, que muitas vezes inicia-se na infância ou no final desta, na maioria das vezes caracteriza algum tipo de distúrbio psiquiátrico grave. Todavia, é necessário um diagnóstico diferencial extremamente preciso para que não se categorize esse jovem em algum rótulo psicopatológico, que fatalmente desembocará em algum tipo de tratamento psiquiátrico inadequado. Mais do que compreender a especificidade, a medicina e suas vertentes, o médico, ao sair desse modelo cartesiano, fragmentado de homem, tem maior probabilidade de atuar de forma acertada, com vistas a obter resultados mais consistentes e significativos para o bem-estar do seu paciente. “A perspectiva médico-naturalista trabalha com uma noção de homem centrada no corpo, no ser biológico como espécie natural e universal. Assim, o adoecimento mental é visto como uma disfunção de alguma parte do ‘aparelho biológico’. Já na perspectiva existencial, o doente é visto principalmente como ‘existência singular’, como ser lançado a um mundo que é apenas natural e biológico na sua dimensão elementar, mas que é fundamentalmente histórico e humano. O ser é construído pela experiência particular de cada sujeito, na sua relação com outros sujeitos, na abertura para a construção de cada destino pessoal. A doença mental nessa perspectiva não é vista tanto Adolescência & Saúde 39 como disfunção biológica ou psicológica, mas sobretudo, como um modo particular de existência, uma forma trágica de ser no mundo, de construir um destino, um modo particularmente doloroso de ser com os outros”(4). Entretanto, o médico ao atender este tipo de paciente não pode descartar possíveis alterações psiquiátricas no seu comportamento, sendo necessário o trabalho de uma equipe interdisciplinar no sentido de fazer uma análise que englobe inúmeros exames de avaliação física, psicológica, neurológica e psicopatológica. Uma anamnese detalhada pode fornecer inúmeras informações a respeito de jovens com transtornos de personalidade anti-social e de conduta, esquizofrenia, entre outras possíveis psicopatologias. Pois conforme Sullivan(7) “o domínio da técnica de realizar entrevistas é o que qualifica especificamente o profissional habilidoso”. UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR O papel do médico na contemporaneidade está cada vez mais abrangente e, portanto, mais interdisciplinar. Quando na sua atuação entra em pauta a questão socioeconômica, essa traz consigo toda uma gama de atribulações que não podem ser ignoradas, já que um diagnóstico apurado necessita de uma visão multiaxial do ser humano, a qual nos faz entender melhor a complexidade humana, não apenas de forma orgânica, mas sim holística. No caso do atendimento a adolescentes usuários de substâncias psicoativas, é evidente que é preciso considerar que há aspectos comuns nesse fenômeno. Tradicionalmente no atendimento o médico ouve o paciente falar sobre os seus sintomas e investiga os sinais físicos objetivamente. Todavia no atendimento ao adolescente usuário de substâncias psicoativas é preciso estabelecer uma comunicação maior e aguçar a percepção para eventos muitas vezes subestimados. “Assim, a técnica e a habilidade em realizar entrevistas é um atributo fundamental e insubstituível do profissional de saúde. Tal habilidade volume 5 nº 2 julho 2008 40 O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR é em parte aprendida e em parte intuitiva, patrimônio da personalidade do profissional, de sua sensibilidade mais relações pessoais. É sobre os aspectos passíveis de serem desenvolvidos, aprendidos, corrigidos e aprofundados que iremos nos deter aqui” (4). Atualmente é comum o uso de exames e diagnósticos extremamente concisos, mas nem sempre abrangentes o suficiente para a promoção de saúde. Se o médico não estiver atento para isso, pode acabar desperdiçando a abrangência da sua atuação, passando a ver apenas o problema e não a pessoa que o apresenta. Dessa forma, o médico também precisa se valer de uma equipe com diferentes profissionais para realizar um trabalho em conjunto, devido à complexidade referente ao consumo de drogas, uma vez que tal fenômeno tem sido estudado há tempos como problema social um tanto quanto preocupante e que cada vez mais vem atingindo a todos, independente da classe social. “E falar em saúde significa pensar em promoção de saúde mental, que implica pensar o homem como totalidade, isto é, como ser biológico, psicológico e sociológico e, ao mesmo tempo, em todas as condições de vida que visam propiciar-lhe bemestar físico, mental e social”(2). Nesse sentido, as definições saúde/doença são entendidas como um fenômeno coletivo que ocorre em meio a um processo histórico, com diversas determinações, o que leva os profissionais a pensar numa atuação integrada com vistas à saúde, demonstrando a necessidade da interdisciplinaridade. Assim, o movimento da saúde integral, a perspectiva biopsicossocial, age diretamente como uma forma de atuação nova, ressaltando aspectos que visem uma melhora considerável da qualidade de vida e das relações de trabalho, que são direitos de todo cidadão, assim como usufruir cuidados que promovam o seu pleno desenvolvimento. Essa nova forma de pensar não deve ficar restrita a um âmbito científico, porque não pode haver essa separação entre ciências sociais e naturais, pois é imprescindível a união desses profissionais em nome de um bem maior, que é a saúde. Haja volume 5 nº 2 julho 2008 Bortoluzzi et al. vista que o conhecimento não pode ser individualizado e sim assumir características múltiplas, isto é, uma visão holística. Assim, não há como separar a medicina de novos saberes que começam a surgir e a se firmar no campo da saúde, uma vez que a medicina carece ter como campo de atuação a realidade atual contemporânea em que está inserida. Atualmente o campo médico deve colocar em contenda a atuação de um profissional comprometido com o contexto social, demonstrando que a prática médica pode envolver serviços à comunidade, ao ensino e à pesquisa, com vistas à realidade brasileira. Portanto a medicina precisa adaptar-se aos novos tempos e, unida a outras ciências, construir um novo saber, representando um novo olhar para a prática clínica. Contudo é válido destacar que o acesso ao contexto biopsicossocial precisa vir embasado por práticas clínicas e referenciais teóricos que o amparem. CONCLUSÕES Atualmente está bastante em voga a questão da atuação interdisciplinar, e a medicina não foge a essa tendência. Entretanto também não é incomum encontrar “cismas” dentro da própria profissão. Talvez pelo fato de a medicina hebiátrica ser um campo em ascensão, que ainda está trilhando seu caminho em busca de espaço junto aos mais diversos setores em que atua, muitas vezes não tem o reconhecimento devido, até mesmo por essa especialidade se valer de outros campos do saber para se tornar mais completa. Todavia o profissional da medicina que pretende atuar nesse setor deve ter bem clara essa noção de “extensão” do seu trabalho, devido às constantes reflexões que surgem ao longo da sua prática profissional. Nesse contexto deve-se considerar que o uso de substâncias psicoativas nos dias atuais representa um problema social e de saúde pública, pois seu uso pode afetar, além da saúde do indivíduo, a sua conduta, produzindo alterações nas relações familiares e sociais, nas atividades cotidianas de trabalho ou estudo, e nele mesmo. Adolescência & Saúde Bortoluzzi et al. O ATENDIMENTO HUMANIZADO AO ADOLESCENTE USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NUMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR Desta maneira, essa nova disposição surge como alternativa para prestar atendimento mais direcionado, focando seu campo de atuação na adolescência, tão indefesa e desinformada em relação às substân- 41 cias psicotrópicas. Assim, o que se tem são práticas com o intuito de contemplar a diversidade de fatores que envolvem todo o processo de desenvolvimento do ser humano, especialmente nesse período. REFERÊNCIAS 1. Angerami-Camon VA. O tédio na adolescência. Campinas, SP: Papirus, 1999. 2. Bock AB. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 1999. 3. Cheibud WB. Práticas disciplinares e usos de drogas: a gestão dos ilegalismos na cena contemporânea. Brasília: Psicologia: ciência e profissão. 2006; 26(4). 4. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. 2000. 5. Heidemann M. Adolescência e saúde: uma visão preventiva para profissionais de saúde e educação. Rio de Janeiro: Vozes, Petrópolis. 2006. 6. Soares LE, Athayde C, MV Bill. Cabeça de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. 7. Sullivan HS. A entrevista psiquiátrica (do original The psychiatric interview. New York: Norton Press, 1954). Rio de Janeiro: Interciência, 1983. Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008 42 RELATO DE CASO Marília Vilhena1 Vera Pollo2 Real e realidade: a psicanálise num ambulatório público Reality and what is real: psychoanalysis done in a public out-patient service Há exatamente 96 anos Freud(3) anteviu a entrada da psicanálise nos hospitais públicos, no dia em que a sociedade tivesse despertado para o fato de que “as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose”. Parafraseando-o, diríamos hoje que as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a AIDS. Em seguida ele observou que a “ajuda social” representa “um direito a mais”, mas que se pode converter em uma espécie de benefício ou “ganho secundário da doença”(3). Há exatamente 38 anos Lacan(6) advertiu os médicos de que se tornariam simples agentes distribuidores das grandes indústrias de medicamentos caso não percebessem que uma demanda de tratamento não só não corresponde necessariamente a um desejo de cura como se pode reduzir, em muitos casos, à demanda de um atestado de “doente”, uma espécie de carimbo oficial que permite ao sujeito permanecer no lugar em que já estava antes, porém, agora, com um certo bônus. O Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA), unidade de serviço do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), acolhe jovens entre 12 e 20 anos de idade. Alguns se dirigem ao NESA com uma demanda exclusivamente médica, porém outros, cujo número cresce a cada dia, buscam atendimento no assim chamado Setor de Saúde Mental e pedem para falar com um psicólogo, mas raramente procuram explicitamente “um psicanalista”. De suas queixas depreendem-se algumas questões: Que força nefasta coage esses adolescenPsicanalista do Setor de Saúde Mental do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA); graduada e licenciada em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ) e Instituto de Educação (EDU/UFRJ); mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC- RJ); doutora pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). 2 Psicanalista do Setor de Saúde Mental do NESA; doutora em Psicologia pela PUCRio; professora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-Rio e do Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida; analista membro (AME) da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. 1 volume 5 nº 2 julho 2008 tes à repetição de uma história de vida da qual, por outro lado, gostariam de escapar? Que instâncias os subjugam e que não parecem resumir-se à realidade coletiva e social em que vivem? Vejamos algumas queixas e a forma como foram acolhidas e elaboradas no decurso do tratamento psicanalítico que lhes foi propiciado. MARCOS, 13 ANOS Com 13 anos Marcos é trazido ao ambulatório pela mãe, que teme por seu futuro. Moram, como ela diz, aos pés de uma favela de traficantes, e Marcos, que falta freqüentemente à escola, está sob a ameaça de ser expulso desta por pertencer a um grupo totalmente indesejável aos olhos da diretora. A mãe desconfia de que se tornou um “avião”. O pai é motorista de uma casa de shows e, segundo ela, não tem nenhuma ascendência sobre o filho. Sempre mal-humorado, o jovem é de poucas palavras, lê e escreve muito mal e parece não ter ambição. No entanto, aceita vir com a mãe ao ambulatório. Acredita ter uma tarefa a cumprir e expressa claramente seu aprisionamento na demanda do Outro: “Tenho que vingar a morte de meu tio”. Comenta que o considerava um irmão, devido à pequena diferença de idade, e acrescenta que sabe porque o tio morreu: havia se envolvido com drogas, motivo pelo qual foi assassinado aos 18 anos. Um certo dia, indagado sobre a razão do curativo que traz em um dos ombros, responde sucintamente: “um tiro me pegou de raspão”. Atormentado pelo peso das palavras que o fazem calar, e para fugir do aprisionamento no desejo da mãe, resta-lhe encenar sua própria versão do drama de Hamlet: receber o fantasma do tio morto que clama por vingança e aguardar a boa hora em que pagará com a própria vida a morte do duplo de si mesmo. Adolescência & Saúde Vilhena & Pollo CLARA, 12 ANOS Clara sofre de gagueira e acabou de completar 12 anos. Mora sozinha com a mãe. Do pai sabe apenas que nunca morou com elas e que morreu há muitos anos, quando ela ainda era bebê. Não sabe por que acaba de sofrer uma espécie de ataque sexual da parte de um vizinho que se oferecera para consertar a televisão de sua casa. No entanto sabe dizer que este foi o terceiro ataque que sofreu, embora vindos de pessoas diferentes. Lembra-se de que, aos 6 ou 7 anos, o pai de uma amiguinha convidou-as para que se deitassem em sua cama, enquanto ele a tocava por baixo dos lençóis. Em outra cena, ainda mais remota, ela é o objeto sexual de um primo adolescente. Não tem propriamente uma lembrança dessa cena, mas ouviu a mãe contar e jamais a esqueceu. Inicia tratamento analítico e, à medida que formula questões e faz descobertas, vai desvelando sua angústia neurótica, o medo de perda do amor e sua estrutura histérica. Em uma missa comemorativa do aniversário de morte do pai, acaba conhecendo um irmão. Bem mais velho do que ela, já casado e pai de uma criança pequena, ele a convida a sua casa e oferece seu computador, para ajudá-la nos trabalhos escolares. Ela visita algumas vezes sua família e faz alguns passeios com eles. Mas uma dúvida a entristece: “Talvez ele não me ame de verdade, pois sou sempre eu quem telefono, ele nunca liga para mim. Como vou saber se ele gosta realmente de mim?”, indaga. A gagueira apresenta melhora acentuada, embora as notas escolares continuem baixas. Sua história deixa ver uma “compulsão à repetição”, aos moldes do que Freud chamou de “efeitos positivos do trauma”, ou seja, tentativas de pô-lo em funcionamento, de tornar real a experiência esquecida, revivê-la num relacionamento com outra pessoa. Parece que poderíamos aplicar-lhe as palavras de Freud em 1937: “Uma menina que foi tornada objeto de uma sedução sexual na infância pode orientar sua vida sexual posterior de maneira a constantemente provocar ataques semelhantes” (Freud, 1937/1975, p. 94). ANA, 15 ANOS Ana chega ao NESA porque tem dores que se alastram pelo corpo todo, dores que suspendem o Adolescência & Saúde REAL E REALIDADE: A PSICANÁLISE NUM AMBULATÓRIO PÚBLICO 43 saber dos médicos. Nada há de detectável orgânico, os exames assim o atestam. Sua nutricionista lhe disse num certo momento que ela estava à beira da desnutrição. O mal-estar a impediu de freqüentar a escola e ela sente-se culpada, responsável por isso que, à sua revelia, a isola. A atual realidade, pela qual se responsabiliza, tem-se resumido a ficar em casa com o pai e a madrasta, com quem dificilmente se relaciona desde muito cedo. Ana perdeu a mãe aos 4 anos, vítima de câncer. Dá-nos a escutar sua culpa em decorrência do fato de que a única fiel e dedicada irmã, por sempre trazê-la às consultas, temse atrasado no trabalho. Relata que não consegue “nem ao menos trabalhar com as mãos, escrever os deveres da escola, porque as articulações doem e incomodam”. Indaga: “Por que as coisas têm sempre que acontecer comigo? Não aceito não ir à escola!” O médico indicou-lhe sessões semanais de fisioterapia e foi a própria fisioterapeuta que sugeriu um atendimento psiquiátrico, talvez alguma medicação. Na mesma manhã da solicitação, Ana relatou-nos que no ano anterior sofreu do que chama de depressão, recorrendo a um psiquiatra e tomando remédios, em seguida abandonando o tratamento. Agora ela o consulta novamente, porque está muito triste. As dores persistem mesmo com a fisioterapia, porém observa: “Às vezes tenho dores e não estou me sentindo mal; noutras ocasiões estou sem dores e muito mal”. A imensa tristeza que sente a invade, faz com que não deseje levantar da cama, torna-a impaciente, facilmente irritável e bastante calada, a ponto de só falar quando lhe perguntam algo. Em entrevista recente, Ana mostra a ocorrência de manchas estranhas em seu corpo, manchas escuras conhecidas como “melancolia”. O médico que a tem atendido disse-lhe que isso é psíquico, mas ela exclama: “Como pode o psiquismo produzir tal coisa? Eu não consigo entender! Quando as coisas começam a melhorar, algo de ruim acontece... É sempre assim...” Em resumo, Ana nos levou a formular sua demanda nos seguintes termos: não há nada tão ruim que não possa piorar! Para voltarmos às questões de que partimos e que nos remetem à polêmica questão da responsabilidade do sujeito e da necessária distinção entre real e realidade, diremos que se trata de apreender, ainda e sempre, o que Freud formulou primeiramente em seu “Projeto para uma psicologia cienvolume 5 nº 2 julho 2008 44 REAL E REALIDADE: A PSICANÁLISE NUM AMBULATÓRIO PÚBLICO tífica”, de 1895. Ao conceber a mente como uma espécie de aparelho, ele verifica desde então que a ativação do desejo está sempre prestes a produzir efeitos alucinatórios e, além disso, que a indispensável “assistência alheia” ao bebê humano “é a fonte primordial de todos os motivos morais”(2). Isso equivale a dizer que o bebê vivencia um duplo desamparo: físico e psíquico, e que o primeiro é, em geral, mais rapidamente vencido que o segundo. No movimento de apreender a realidade que o circunda, nessa urgência de transformar os objetos do mundo em traços de lembrança, instaura-se uma hostilidade primária, de modo que se pode dizer que o que é externo e o que é vivenciado como mau são originalmente idênticos. Em que se considere todo o peso da medicina classificatória do século XVIII, da razão iluminista que lhe é contemporânea, do ideal de cura em que a saúde se torna um valor supremo, enfim, do “homem modelo”, a indagação clínica que já migrara de “O que você tem?” para “Onde lhe dói?”(1) desloca-se novamente e formula finalmente: “ Por que o grito?” “Urgência da vida”, responde Freud. Antes que se haja constituído qualquer unidade psíquica, ocorre uma profunda cisão interna. O infans só apreende parcialmente a realidade externa sob a forma de representações memorizáveis. Portanto, trata-se de uma cisão que deixa um resto de pura perda, a qual o grito testemunha. A partir daí, o aparelho mental encontra seu limite na dor que ocasiona o objeto estranho/hostil e determina-se, assim, uma margem de indistinção entre o somático e o psíquico. Ou, se preferirmos, de confusão entre a dor física e a dor moral. Freud denominou nebenmensh esse processo que estabelece uma primeira fronteira “eu/não eu”. O vocábulo alemão e é geralmente traduzido por “complexo do ser humano semelhante” ou “complexo do objeto”, e Lacan o descreverá nos seguintes termos: Vilhena & Pollo “Sem que o Outro absoluto seja alucinado como sistema de referência, não há ordenação do mundo da percepção”(5). A alucinação corresponde aqui ao peso da identidade da coisa e da palavra, processo primário de pensamento. Esse desempenha a função de obstruir a descarga energética e/ou motora, para que o investimento no aparelho psíquico possa ser mantido e subsistam as fronteiras do eu. Sem elas não seria possível nenhum tateamento do real por meio da linguagem. É preciso que o mundo passe por um crivo ou triagem, sem a qual nenhuma subjetivação se produz. Em outros termos, que a estrutura significante intervenha entre a percepção e a consciência. O objetivo imediato do teste de realidade não é tanto encontrar na percepção real um determinado objeto quanto verificar se o que dele foi retido no sujeito, sob a forma de um representante, não sofreu demasiadas distorções. Trata-se de “convencer-se de que [o objeto] ainda está lá”(4). Todo esse mecanismo, denominado “princípio de prazer purificado”, resulta na construção da fantasia inconsciente e/ou fundamental. A fantasia é composta por todas as relações possíveis entre o sujeito e um determinado objeto, que nela está cristalizado e que remete inevitavelmente a algum fragmento corporal. Ela é também, acima de tudo, suporte do sintoma e móbil do desejo. Portanto, trabalhando junto a médicos e outros profissionais da assim chamada “área da saúde”, pode não ser mais necessária aos psicanalistas a denúncia de que a dor não deve ser considerada exclusivamente no registro das reações sensoriais. Compete-lhes, todavia, que estejam advertidos daquilo que, não raramente, esconde-se por detrás de algumas atitudes idealistas e assistenciais: o exercício de uma influência meramente coercitiva. Não há nenhuma pulsão social primária, toda comunidade só se constitui à medida que substitui a violência pelas leis que a julgam e que, apenas eventualmente, a impedem. REFERÊNCIAS 1. Foucault M. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1980. 2. Freud S. Projeto para uma psicologia científica (1895). In: Obras psicológicas completas. Edição Standard. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1969, vol. I. 3. Freud S. Linhas de progresso da terapia analítica (1919 [1918]). In: Obras psicológicas completas. Op. Cit., vol. XVII. 4. Freud S. A negativa (1925). In: Obras psicológicas completas. Op. Cit., vol. XIX. 5. Lacan J. O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959-60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1988. 6. Lacan J. Psicanálise e medicina (1966). In: Intervenciones y textos. Buenos Aires: Ed. Manatial, 1973. volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde ARTIGO ORIGINAL Amanda Melhado1 Maria José Carvalho Sant’Anna2 Maria Lúcia Bastos Passarelli3 Veronica Coates4 45 Gravidez na adolescência: apoio integral à gestante e à mãe adolescente como fator de proteção da reincidência Teenage pregnancy: impact of the integral attention given to the pregnant teenager and adolescent mother as a protective factor for repeat pregnancy RESUMO Objetivo: Avaliar a reincidência da gravidez entre adolescentes que participaram do Programa de Apoio Integral à Gestante e Mãe Adolescente (PAIGA) num hospital universitário e compará-la com a de jovens que não receberam apoio. Metodologia: Estudo prospectivo comparativo entre 30 adolescentes que participaram do PAIGA entre 1/7/04 e 30/6/05 (grupo caso) e 39 adolescentes que deram à luz no mesmo hospital universitário durante o mesmo período e que não participaram do PAIGA (grupo controle). No grupo caso foi realizado acompanhamento do binômio mãe/filho mensalmente no primeiro ano pós-parto; no grupo controle realizaram-se entrevistas no puerpério imediato. Analisaram-se reincidência da gravidez, uso de método anticoncepcional, escolaridade, abandono escolar, estado civil e relação com o parceiro. Resultados: O grupo caso apresentou 3,3% de reincidência após um ano (p > 0,05), escolaridade média de nove anos, abandono escolar em 33,3% (p < 0,05) dos casos, ausência de uso de método contraceptivo em 60%. No grupo controle observaram-se 15,4% de reincidência, escolaridade média de sete anos, abandono escolar em 75,8% dos casos e ausência de método contraceptivo em 66,7%. Estado civil: 56,7% e 51,3%, respectivamente, eram solteiras e aproximadamente um quarto delas (26,7% e 25,5%) não tinham contato com o parceiro. Conclusão: A taxa de reincidência foi menor no grupo das jovens que participaram do PAIGA. UNITERMOS Adolescente; gravidez na adolescência; reincidência; saúde integral do adolescente ABSTRACT Objective: Compare pregnancy recurrence among adolescents who participated in the integral support program for pregnant adolescent and adolescent mother with that of adolescents who did not participate in the program. Methodology: A prospective study of 30 adolescents who participated in the program (case group), and 39 adolescents who did not (control group) between 7/1/04 and 6/30/05. The youngers of the case group had mother/child follow-up on a monthly basis during the first year after delivery; among the control group, individual and confidential interviews were carried out during the puerperal period. Analysis in both groups was done concerning pregnancy recurrence, postpartum orientation about contraceptives, level of education, school abandonment, marital status, and relationship with partner. Results: The adolescents of the case group presented 3.3% of pregnancy recurrence (p > 0.05) average of nine years of education, school abandonment in 33.3% of the cases (p < 0.05); the control group presented 15.4% of pregnancy recurrence, average of seven years of education, school abandonment in 75.8% of the cases. The majority (60% and 66.7%, respectively) did not use any birth control method prior to first pregnancy, remained single (56.7% and 51.3%), and approximately a quarter (26.7% and 25.5%) did not have contact with the partner. Conclusion: Among the studied adolescents, pregnancy recurrence was lower in the case group. KEY WORDS Adolescent; pregnancy in adolescence; recurrence of pregnancy; adolescent health Acadêmica do 5o ano da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). 2 Doutora em Mediciona, área de Pediatria da FCMSCSP; professora assistente do Departamento de Pediatria da FCMSCSP. 3 Doutora em Mediciona, área de Pediatria da FCMSCSP; diretora do Departamento de Pediatria e Puericultura da FCMSCSP. 4 Professora titular do Departamento de Pediatria da FCMSCSP; chefe da Clínica de Adolescência da FCMSCSP. Trabalho realizado no Departamento de Pediatria da Santa Casa da Misericórdia de São Paulo (SCMSP) e agraciado com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Cnpq/PIBIC – 2004). 1 Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008 46 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA INTRODUÇÃO Adolescentes vivem no centro das contradições que permeiam o século. O quadro de exclusão social atinge o cotidiano das famílias, tendo como conseqüência o empobrecimento dessas, causado pela instabilidade financeira e/ou psicológica de seus membros. Desde o momento em que inicia sua vida sexual, a maioria das mulheres, incluindo as adolescentes, ressente-se da falta de informação e educação em saúde reprodutiva. Poucos tipos de métodos contraceptivos estão disponíveis, em limitada quantidade, e falta orientação em planejamento familiar. Como conseqüência, nos últimos 20 anos, a modificação dos padrões da sexualidade repercutiu no aumento da incidência de gravidez na adolescência, particularmente nos países em desenvolvimento e nas adolescentes mais jovens. Esse fenômeno tem sido motivo de preocupação das organizações de saúde nacionais e internacionais, por suas conseqüências físicas, psicológicas e sociais na própria jovem, em seu filho e em toda a sociedade. A fecundidade na adolescência tem sido objeto de estudos, pois um terço da população mundial é constituído por adolescentes e contribui efetivamente para o aumento das taxas de fecundidade e mortalidade materna e infantil. Pesquisas mostram que as jovens grávidas apresentam maior risco no parto, o que estaria relacionado com a suposta imaturidade anatomofisiológica da qual decorreriam outros problemas, como maior incidência de baixo peso ao nascer e/ou prematuridade(12). Nos EUA, em 1999, adolescentes tiveram mais partos prematuros (14,1%) que mulheres acima dos 20 anos (11,4%); em 2000, 9,5% das adolescentes grávidas deram à luz bebês com peso abaixo da média, em comparação com 7,6% das mulheres grávidas(10). Apesar de não se poder generalizar sobre fecundidade e conduta sexual do adolescente, os fatores relacionados com a gravidez na adolescência têm sido discutidos e apontam múltiplas interferências. Entre os biológicos, o início cada vez mais precoce da puberdade e a baixa idade da menarca têm acarretado antecipação da iniciação sexual. A presença de bloqueios emocionais (fatores que interferem de forma consciente volume 5 nº 2 julho 2008 Melhado et al. ou inconsciente no uso inadequado de métodos anticoncepcionais) pode ocorrer nessa faixa etária. Os mais importantes deles são o pensamento mágico de que “isto nunca vai acontecer comigo”, a confirmação de sua fertilidade, a agressão dos pais, o sentimento de culpa e o desejo de ser mãe. Esses fatores, associados a baixa auto-estima, dificuldades de relacionamento familiar, carência afetiva, desconhecimento e pouco uso de contracepção, assim como mudanças socioculturais e o processo de urbanização acelerado ocorrido nas últimas quatro décadas, levam a garota a engravidar. No que diz respeito à iniciação sexual, pesquisas realizadas na América Latina têm verificado que mulheres com baixa escolaridade iniciam seus relacionamentos sexuais mais precocemente que as de maior escolaridade. Adolescentes sem suporte emocional, seja pela ocorrência de conflitos na família ou pela ausência dos pais, apresentam poucos planos e expectativas quanto a escolaridade e profissionalização, sendo mais vulneráveis aos fatores de risco dessa faixa etária. Nas famílias nas quais os relacionamentos são mais estáveis e as questões da sexualidade são abordadas de forma simples e explicativa, os adolescentes mostram-se menos suscetíveis a riscos. Ressalta-se, entretanto, o importante papel do desconhecimento dos adolescentes sobre sexualidade e saúde reprodutiva, tanto por falta de orientação da família como da escola ou do serviço de saúde. A gravidez freqüentemente é desejada, porém não é planejada. É importante salientar que a gravidez na adolescência, na maioria das vezes, parece estar ligada a fatores psicossociais associados ao ciclo de pobreza e educação que se estabelece e, principalmente, à falta de perspectiva (no horizonte dessas meninas falta escola, saúde, cultura, lazer e emprego). Portanto, para parte das adolescentes, a gravidez, embora precoce, é desejada e pode vir a ser a única possibilidade de mudança de status de vida. A mídia também tem seu papel nesse aspecto, com inúmeras transmissões de novelas nas quais a gravidez na adolescência freqüentemente tem final feliz: a família aceita facilmente, o parceiro apóia, registra o bebê e propõe casamento. Esse quadro Adolescência & Saúde Melhado et al. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA nem sempre condiz com a realidade: Taffa mostra que a porcentagem de adolescentes grávidas que chegam a se casar com seus parceiros é menor do que a de grávidas adultas(17). Estudos mostram que as jovens que engravidam são aquelas que apresentam, na sua maioria, baixa auto-estima. Muitas não têm perspectivas ou mesmo projeto de vida. Muito embora a gravidez na adolescência freqüentemente encontre-se relacionada com o contexto de desvantagem social, é preciso considerar que sua ocorrência já se dá num âmbito pontuado por oportunidades restritas, poucas opções de vida e interrupções na trajetória escolar(7). Em 2002 apenas 64% das adolescentes grávidas completaram o ensino médio em até dois anos além dos necessários, em comparação com 94% das adolescentes não-grávidas(10). As dificuldades em encarar o exercício da sexualidade de adolescentes como fato tem sido um dos principais obstáculos à implantação de programas de educação sexual e de serviços de saúde reprodutiva para jovens. Entre todos os países desenvolvidos, os EUA possuem a mais elevada taxa de natalidade na adolescência(9). Em 1992, para cada mil adolescentes entre 15 e 19 anos, quatro deram à luz no Japão, oito na Holanda, 33 no Reino Unido, 41 no Canadá e 61 nos EUA(9). As diferenças no número de adolescentes grávidas entre os países desenvolvidos são causadas, principalmente, pela disposição de efetivos contraceptivos para adolescentes e não pelas diferenças de comportamento sexual(19). Nos EUA, a gravidez na adolescência continua sendo questão complexa e desconcertante tanto para as famílias como para os profissionais de saúde, educadores, o governo e os próprios jovens. Embora a prevenção da gravidez não-desejada seja um dos objetivos da Academia Americana de Pediatria e da própria sociedade, muitas adolescentes continuam a engravidar. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (DHS) de 1996 revelou que nos últimos 10 anos a fecundidade diminuiu em torno de 30% em todas as faixas etárias, com exceção da adolescência. O número de partos de adolescentes corresponde a cerca de 10% do total de nascimentos mundiais por ano; no Brasil, o número de recém-nascidos de mães adolescentes corresponde a 26,75% dos Adolescência & Saúde 47 nascimentos, havendo variações regionais com maiores taxas no Norte e no Nordeste. Embora a reincidência da gravidez na adolescência seja freqüente em todas as classes sociais, a maior incidência ocorre nas populações de baixa renda e nas adolescentes mais jovens. Nos EUA a prevalência de segunda gestação no ano seguinte ao parto é estimada em 30%. Segundo dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), no estado de São Paulo, em 2002, 20.906 jovens menores de 19 anos tiveram o segundo filho, o que corresponde a 22,9% de reincidência ainda na adolescência(3). Rigsby et al. encontraram entre 30% e 50 % de reincidência de gravidez na adolescência quando não há orientação no pós-parto(13). Na literatura nacional, Takiuti et al.(18) observaram 30,5% em São Paulo e Guimarães e Colli, 31,9% de reincidência em Goiânia(4). São de maior risco as jovens com menos de 16 anos na concepção e cujo parceiro tem mais de 20 anos, as que não estudam ou têm atraso escolar. Na Clínica de Adolescência do Departamento de Pediatria da Santa Casa da Misericórdia de São Paulo (SCMSP), com Programa de Apoio Integral à Gestante e Mãe Adolescente (PAIGA), ocorreram apenas 4% de reincidência de gravidez em cinco anos(14). Portanto, considerando todos esses fatores, a gravidez na adolescência vem-se tornando objeto de preocupação e estudo dos especialistas da área e é um problema que precisa estar na pauta de toda a sociedade. A importância deste trabalho está em fornecer instrumentos para qualificação de programa de apoio integral à adolescente grávida como fator de proteção para a reincidência da gravidez nessa faixa etária, qualidade de vida e saúde da jovem e de seu filho. OBJETIVO Avaliar a reincidência da gravidez entre adolescentes que participaram do PAIGA (com acompanhamento pós-parto para promoção da auto-estima e orientação sobre saúde reprodutiva associada à puericultura de seus filhos) e compará-la com a de jovens que não participaram do programa. volume 5 nº 2 julho 2008 48 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA METODOLOGIA Estudo prospectivo comparativo entre 30 adolescentes com 18 anos ou menos à concepção, que participaram do PAIGA na Clínica de Adolescência do Departamento de Pediatria da SCMSP (grupo caso) no período de 1 de julho de 2004 a 30 de junho de 2005, e 39 jovens com a mesma idade que deram à luz na Maternidade do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia (DOGI) da SCMSP no mesmo período e que não participaram do programa (grupo controle). Entre as jovens que participaram do PAIGA foi feito acompanhamento mensal do binômio mãe/filho no ambulatório de pediatria da instituição durante o primeiro ano após o parto, quando as jovens receberam atenção global à saúde, trabalhando-se auto-estima, saúde reprodutiva e puericultura de seus filhos. Realizaram-se entrevistas individuais e confidenciais durante o puerpério entre as jovens que procuraram a maternidade da SCMSP no momento do parto e que não participaram do PAIGA. O questionário foi realizado após consentimento informado, durante a internação para o parto, por acadêmico do terceiro ano de medicina. A pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da referida instituição, sendo analisados: idade na primeira gestação, reincidência da gravidez, intervalo entre a primeira e a segunda gravidez, assistência pré-natal, orientação contraceptiva no pós-parto, idade na primeira relação sexual, método anticoncepcional usado, escolaridade, abandono escolar, estado civil, relação com o pai da criança, planejamento e desejo da gravidez, ideação e tentativa de aborto. Foi utilizado o software Epi-info 6.0 B para avaliação dos dados e resultados, e foram aplicados os testes da diferença entre proporções (quiquadrado [χ2]) e da média. RESULTADOS As jovens apresentaram idades entre 11 e 18 anos incompletos à concepção, média de 15,4 anos na primeira gestação no grupo caso e 15,6 volume 5 nº 2 julho 2008 Melhado et al. anos de idade no grupo controle; a escolaridade média encontrada foi de nove anos de estudo no grupo caso e sete no grupo controle. Entre aquelas que participaram do PAIGA, 33,3% abandonaram a escola; entre as pacientes do grupo controle, 75,8% (Figura 1). A maioria das jovens estudadas permanecia solteira (56,7% no grupo caso e 51,3% no grupo controle), e aproximadamente um quarto (26,7% e 25,5%) não tinha contato com o pai da criança. Entre as jovens do grupo caso a maioria (60%) não usava qualquer método contraceptivo anteriormente à gravidez, assim como a maioria (66,7%) do grupo controle. Entre as adolescentes que não participaram do PAIGA, 82,1% não planejaram a gravidez, entretanto 56,4% a desejaram; 38,5% pensaram em realizar aborto e 15,4% tentaram algum método abortivo. As adolescentes que receberam apoio integral à gestante adolescente com acompanhamento do binômio mãe/filho apresentaram 3,3% de taxa de reincidência, enquanto no grupo controle foi observada taxa de reincidência de 15,4% (Figura 2). TAXA DE ABANDONO ESCOLAR 0% 20% 40% 60% Grupo controle Grupo caso Figura 1 – Análise da taxa de abandono escolar Adolescência & Saúde 80% Melhado et al. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA TAXA DE REINCIDÊNCIA 20 % 15 % 10 % 5% 0% Grupo caso Grupo controle Taxa de reincidência Figura 2 – Análise da reincidência da gravidez na adolescência DISCUSSÃO Este estudo utilizou amostragem de conveniência que não pode ser generalizada. Entretanto nossos resultados podem servir de auxílio para o entendimento de questões da sexualidade na adolescência, com maior ênfase na prevenção de gravidez e reincidência precoces. Infelizmente o estudo apresentou algumas limitações como a queda no número de internações em todos os departamentos da SCMSP, inclusive na maternidade do DOGI, prejudicando o tamanho das amostras. Vivemos numa sociedade erotizada, na qual os jovens recebem mensagens dúbias sobre o que é bom ou ruim em relação ao exercício da sexualidade. Há uma permissividade social negligente. Em geral a atividade sexual inicia-se sem clareza suficiente entre o que se deseja e a influência sofrida pelos pares e pela sociedade. Uma das principais inquietações dos profissionais de saúde que atendem adolescentes é compreender por que alguns jovens têm as primeiras Adolescência & Saúde 49 relações sexuais em condições protegidas e outros não e, dentro do quadro atual em que se observam iniciação sexual precoce, aumento de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), gravidez e reincidência na adolescência, saber o que fazer para promover a saúde sexual dessa população. As dificuldades em aceitar o exercício da sexualidade na adolescência como fato tem sido um dos principais obstáculos à implantação de programas de educação sexual e de serviços de saúde reprodutiva para jovens, tendo a prevenção como enfoque principal. Todas as adolescentes necessitam de atenção integral à saúde, incluindo orientação reprodutiva, principalmente aquelas de maior risco, como as que já engravidaram uma vez. Entre os fatores de risco associados a gravidez na adolescência e reincidência ainda nessa faixa etária, destacam-se iniciação sexual precoce, baixa escolaridade, abandono escolar e desestrutura familiar(20). Em nosso estudo a escolaridade encontrada foi de nove anos no grupo das jovens que participaram do PAIGA (acompanhamento pós-parto do binômio mãe/filho, com orientações sobre cuidados de sua saúde, de seu bebê e orientação contraceptiva [grupo caso]) e de sete anos entre as jovens que não participaram. São taxas elevadas quando comparadas à média nacional, que é de 5,4 anos(3). Esse resultado provavelmente é explicado pelo fato de as jovens avaliadas residirem, em sua maioria, em região urbana. Dados do Censo de 2000 mostram que os jovens que vivem nos centro urbanos mais desenvolvidos têm maior acesso à escola(5). Apesar de apresentarem taxa de escolaridade elevada nos dois grupos, as adolescentes do grupo caso apresentaram 33,3% de abandono escolar em comparação com 75,8% no grupo controle, diferença significativa (p < 0,05) e taxa semelhante à encontrada por Stevens-Simon e Lowy em 1995(16). Apesar da elevada taxa de abandono escolar entre as jovens que participaram do PAIGA, a grande diferença pode ser explicada pelo apoio recebido durante e após a gestação, valorizando a auto-estima e a preocupação com o futuro. Stevens-Simon e Lowy encontraram valores semelhantes aos do grupo controle ao estudar adolescentes grávidas(16). volume 5 nº 2 julho 2008 50 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA O início cada vez mais precoce da vida sexual entre os jovens é apontado como fator de risco para a gravidez na adolescência e sua reincidência. Entre as adolescentes estudadas que não participaram do PAIGA, a média da idade por ocasião da primeira relação sexual foi de 14,5 anos. Kanofsky encontrou forte relação entre iniciação precoce e famílias desestruturadas e presença de diálogo com os pais(6). As amostras avaliadas foram semelhantes quanto à idade por ocasião da primeira gravidez (15,4 e 15,6 anos), com valores significativos (p = 0,39). Dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) mostram que as jovens vêm iniciando a vida sexual cada vez mais cedo, entre 15,2 e 16 anos, o que mostra relação entre iniciação sexual precoce e gravidez(20). Meade e Ickovics observaram que a maioria dos jovens pratica sexo inseguro antes, durante e após a gravidez(8). Verificaram-se taxas altas de vida sexual desprotegida: 60% das jovens do grupo caso e 66,7% das do grupo controle não faziam uso de método contraceptivo previamente à gravidez. Com relação ao desejo e ao planejamento da gravidez, este estudo confirma resultados encontrados por Camarano(1). Entre as jovens que não participaram do PAIGA, 82,1% não planejaram a gravidez e 56,4% queriam engravidar, o que revela a falta de planejamento familiar bastante comum nessa faixa etária. O não-planejamento da gravidez e o desejo de engravidar podem ser atribuídos ao pensamento mágico próprio da adolescência: “comigo não acontece”. É importante salientar que a gravidez na adolescência, na maioria das vezes, parece estar ligada a fatores psicossociais associados ao ciclo de pobreza e educação que se estabelece e, principalmente, à falta de perspectiva (no horizonte dessas meninas falta escola, saúde, cultura, lazer e emprego). Ressalta-se o importante papel do desconhecimento dos adolescentes sobre sexualidade e saúde reprodutiva, tanto por falta de orientação da família como da escola ou do serviço de saúde. Portanto, para parte das adolescentes, a gravidez, embora precoce, é desejada e pode vir a ser a única possibilidade de mudança de status de vida. volume 5 nº 2 julho 2008 Melhado et al. O papel do parceiro da adolescente não deve ser esquecido. Infelizmente, é freqüente o pai não se responsabilizar pela gravidez e abandonar a gestante. Sant’Anna e Coates encontraram que 50% das jovens não estavam com seus parceiros ao procurarem assistência pré-natal, sendo o seu apoio considerado fator protetor importante na evolução da gravidez e da concepção(15). Entre as jovens estudadas, 25,6% daquelas do grupo controle e 26,7% das do grupo caso não mantinham contato com o pai da criança. Apesar da ilegalidade, a opção de aborto parece ser bem difundida entre as adolescentes. Observou-se que 38,5% das jovens do grupo controle pensaram em realizar aborto e 15,4% tentaram algum tipo de procedimento abortivo. Entretanto, Paiva et al. constataram que as meninas de classes sociais mais baixas tinham medo de que após o aborto não pudessem mais conceber e que as jovens universitárias achavam mais tolerável corrigir uma gravidez não-planejada com o aborto, até porque nos estratos médios o aborto pode ser feito em condições médicas mais aceitáveis, embora constrangedoras, clandestinas e caras(11). Neste estudo encontrou-se taxa de 3,3% de reincidência da gravidez na adolescência entre as adolescentes que receberam apoio à gestante adolescente e orientação contraceptiva durante a gravidez e após o parto, valor bastante inferior ao grupo controle (15,4%), de jovens que não receberam apoio à gestante adolescente nem orientação contraceptiva. Apesar de os valores serem distantes, não há diferença estatisticamente significativa (p = 0,1), o que talvez indique que estudos com amostras maiores devam ser realizados. Não podemos, portanto, afirmar estatisticamente que a assistência recebida seja eficaz no controle da reincidência da gravidez na adolescência. Os valores encontrados foram inferiores às taxas encontradas no estado de São Paulo em 2002: 22,9% de reincidência ainda na adolescência(3). Takiuti et al.(18) observaram reincidência de 30,5% em São Paulo; Guimarães e Colli, 31,9% em Goiânia(4). Em 1999, mais de 20% das adolescentes americanas apresentaram uma segunda gestação dois anos após a primeira(2). Adolescência & Saúde Melhado et al. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: APOIO INTEGRAL À GESTANTE E À MÃE ADOLESCENTE COMO FATOR DE PROTEÇÃO DA REINCIDÊNCIA Educação e participação ativa podem ajudar as jovens a se conhecerem e assumirem a própria sexualidade com decisões contraceptivas. Na indicação de caminhos para novas pesquisas, gostaríamos de enfatizar a relevância de uma perspectiva multidisciplinar na assistência global à adolescente grávida, quando esforços adequados são postos em ação. Pensamos ser possível ajudar os jovens a se implicarem enquanto sujeitos no exercício da sexualidade. 51 CONCLUSÃO Entre as adolescentes estudadas, a taxa de reincidência na adolescência foi menor no grupo das jovens que receberam assistência pré-natal especializada e acompanhamento do binômio mãe/ filho após o parto. Neste mesmo estudo, as taxas encontradas quanto ao abandono escolar foram significantemente menores quando comparadas às observadas no grupo das jovens que não receberam assistência pré-natal especializada. REFERÊNCIAS 1. Camarano AC. Fecundidade e anticoncepção da população jovem. In: Comissão Nacional de População e Desenvolvimento. Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas. Brasília: CNPD. 1998; 109-33. 2. Dailard C. Reviving interest in policies and programs to help teens prevent repeat births. Guttmacher Rep Public Policy. 2000; 3: 1-2, 11. 3. Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE). Caracterização da fecundidade das adolescentes no Estado de São Paulo. Disponível em: <www.seade.gov.br>. Acesso em: novembro 2003. 4. Guimarães EMB, Colli AS. Gravidez na Adolescência. Goiânia: EUFG, 1998. 5. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo 2000. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 5 fev. 2004. 6. Karofsky PS, Zeng L, Kosorok MR. 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Adolescência & Saúde volume 5 nº 2 julho 2008 52 ARTIGO ORIGINAL Maria José Carvalho Sant’Anna1 Képler Alencar Mendes de Carvalho2 Maria Lúcia Bastos Passarelli3 Veronica Coates4 Comportamento sexual entre jovens universitários Sexual behavior of young university students RESUMO Introdução: A maioria dos universitários tem idade entre 17 e 24 anos e o ingresso na universidade constitui momento importante em suas vidas, posto que iniciam sua experiência no mundo do trabalho e processam sua identidade profissional, a qual está acoplada ao processo de identidade adulta. Muitas vezes nesse período se iniciam comportamentos sexuais de risco, como a negligência ao uso de métodos contraceptivos e à prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Objetivos: Identificar fatores de risco associados ao exercício da sexualidade em acadêmicos do curso de medicina para elaboração de estratégias preventivas. Material e métodos: Avaliaram-se transversalmente 465 alunos de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) no ano de 2005. Utilizou-se questionário anônimo de autopreenchimento, semi-estruturado, após autorização, tendo os alunos se instruído quanto à finalidade do trabalho e assinado o consentimento esclarecido. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética e pesquisa da instituição. Utilizou-se software Epi-info 6.04d com os testes da diferença entre proporções (qui-quadrado [χ2]) e o teste da média. Resultados: A idade média dos alunos foi 21,5 anos; 43% eram do sexo feminino; 77,8% praticavam atividade física, sendo que 80% regularmente; 85,3% referiram vida sexual, com idade média de início aos 17 anos; 88,8% usaram preservativo na primeira relação sexual, porém 35,6% não o fizeram regularmente; 5,4% já contraíram alguma DST. Entre as estudantes, 79,8% usaram algum método anticonceptivo, no entanto 28,1% apresentaram suspeita de gravidez, a qual foi confirmada em 7,9% dos casos. Entre os estudantes, 9,9% referiram ideação de aborto, sendo que, desses, 12,5% o efetivaram. A carga horária do curso é considerada estressante por 85% dos alunos; para aliviar a tensão, 33,8% praticavam esportes. Conclusões: Os resultados obtidos sugerem comportamentos sexuais de risco entre os jovens avaliados e apontam a necessidade de se estabelecerem programas de orientação e prevenção sobre saúde reprodutiva, melhorando a auto-estima durante a formação acadêmica. UNITERMOS Sexualidade; comportamento sexual; adolescência; universitários ABSTRACT Introduction: For most university students who are around 17 to 24 years old, going to college is the most important moment of their lives. They start their experience in the working world and create their professional identity, coupled to the adult identity process. Many times risky sexual behavior occurs, with neglect of the use of contraceptive methods and protection against sexually transmitted diseases (STD). Objectives: Identify risk factors related to exploring sexuality in individuals during medical school in order to elaborate preventive strategies. Material and methods: Four hundred sixty-five medical students from Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) were transversely evaluated during 2005. An anonymous, semi-structured, self-filling questionnaire was applied, through the use of an informed consent form duly signed. The research was approved by the ethics and research committee of the institution. Epi-info 6.04d software was used with qui-square and mean tests. Results: The average age of the students was 21.5 years; 43% belonged to the female gender; 77.8% performed physical activities, 80% regularly; 85.3% had already had sexual intercourses, starting at average age of 17; 88.8% used preservatives during the first sexual intercourse, however, 35.6% do not use it regularly; 5.4% have already had some type of DST; 79.8% of the female students referred having used contraceptive methods, however, 28.1% had a suspicion of pregnancy, which was confirmed in 7.9% of the cases; 9.9% of the students had ideas of abortion, of which 12.5% effectively attempted it; 85% of the students consider medical school stressing; in order to relieve tension, 33.8% practice sports. Conclusions: The obtained results suggest risky behaviors in the evaluated youngsters: unsafe sex indicates the need to establish guidance programs on reproductive health, improving self-esteem and prevention during medical education. KEY WORDS Sexuality; sexual behavior; adolescence; university students 1. Professora assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP); doutora em Pediatria pela FCMSCSP. 2. Acadêmico do sexto ano da FCMSCSP. 3. Doutora em Pediatria pela FCMSCSP; diretora do Departamento de Pediatria da FCMSCSP; professora assistente da FCMSCSP. 4. Professora titular do Departamento de Pediatria da FCMSCSP; chefe da Clínica de Adolescência do Departamento de Pediatria da FCMSCSP. volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde Sant’Anna et al. INTRODUÇÃO A adolescência caracteriza-se por profundas alterações no desenvolvimento biológico, psicológico e social, evidenciadas pela “crise normal da adolescência”(3), que surge da interação do indivíduo com seu meio(4). Para a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a adolescência é um processo de aceleração do desenvolvimento cognitivo e estruturação da personalidade que abrange o período dos 10 aos 19 anos; e a juventude, o período dos 15 aos 24 anos, sendo um processo de preparação, fundamentalmente sociológico, para que os jovens venham a assumir o papel social do adulto do ponto de vista da família, da procriação, da profissão, com plenos direitos e responsabilidades(9). A juventude compreende duas etapas: de 15 a 19 anos e de 20 a 24 anos, sendo essa última muitas vezes identificada como etapa final da adolescência ou adolescência tardia. Há, portanto, uma interseção entre a segunda metade da adolescência e os primeiros anos da juventude(8). Na juventude vários marcos são superados seqüencialmente, e o jovem tenta atingir sua individualidade e maturidade cognitiva, emocional, social e física. Ele se prepara para exercer os seus papéis sociais no casamento, na família e no emprego, entre outros. O jovem experimenta grande variedade de atitudes e comportamentos, sendo submetido a pressões externas, sociais e familiares(4). Os comportamentos iniciados nessa idade são cruciais para a vida toda, pois repercutem no desenvolvimento integral do ser humano. O jovem tem fascínio pelo novo e tendência a se considerar invulnerável e indestrutível. A maior parte dos universitários é constituída por jovens entre 17 e 24 anos, e o ingresso na universidade representa um momento importante em suas vidas. A partir daí sua inserção social se amplia e se iniciam suas experiências no mundo do trabalho, processando sua identidade profissional, que está acoplada ao processo maior de identidade. O aluno recém-ingressado na universidade se depara com situações novas, que suscitam sentimentos de alegria e excitação, além de insegurança e ansiedade(6). Nesse contexto, muitas vezes se iniciam os comportamentos sexuais de risco, como Adolescência & Saúde COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS 53 a negligência ao uso de métodos contraceptivos e à prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)(1). No que se refere ao exercício da sexualidade, percebe-se que o jovem muitas vezes recebe informações de fontes inexatas. Vivemos atualmente numa sociedade erotizada, na qual os jovens têm mensagens dúbias sobre o bom e o ruim em relação à sexualidade. Há uma permissividade social negligente, sendo comum que a atividade sexual se inicie sem clareza suficiente entre o que se deseja e a influência sofrida pelos pares e pela sociedade. Admite-se que a educação sexual sempre foi prerrogativa dos pais, porém ela virtualmente inexiste na maioria das famílias, por falta de conhecimento ou dificuldade própria dos pais em lidar com assuntos referentes à sexualidade dos filhos. Na grande maioria das escolas as informações, ainda hoje, são fornecidas em aulas de ciências ou biologia, priorizando aspectos fisiológicos e anatômicos, não existindo espaço para a discussão sobre sexualidade ou para o diálogo franco e aberto sobre as ansiedades e preocupações sexuais do jovem(4). OBJETIVOS Identificar fatores de risco associados ao exercício da sexualidade em jovens universitários. MATERIAIS E MÉTODOS Avaliaram-se transversalmente 465 alunos matriculados do primeiro ao sexto ano do curso de graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) no período de janeiro a dezembro de 2005. O método utilizado foi o emprego de questionário de autopreenchimento, semi-estruturado, segundo roteiro previamente estabelecido, após autorização do aluno para essa finalidade, tendo ele sido instruído acerca da finalidade do trabalho e assinado o consentimento esclarecido. O questionário preenchido foi posto em uma única urna lacrada com o objetivo de garantir sigilo e anonimato. A pesquisa foi aprovada pelo comitê volume 5 nº 2 julho 2008 54 COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS de ética e pesquisa da instituição. Para análise dos dados foi utilizado o software Epi-info 6.04d com os testes da diferença entre proporções (qui-quadrado [χ2]) e o teste da média. RESULTADOS A FCMSCSP possuía 600 estudantes matriculados no ano de 2005, e, desses, 465 (77,5%) responderam ao questionário. A idade média dos alunos foi 21,5 anos; 43% eram do sexo feminino e 57% do masculino; 63,6% apresentaram renda familiar superior a 20 salários mínimos e 6,9% dos alunos possuía atividade remunerada. Praticavam atividade física 77,8%, sendo que em 80% dos casos, regularmente. No que se refere a aspectos da sexualidade, 85,3% referiram vida sexual ativa, com idade média de início de 17 anos, e tempo de estabilidade média na relação com parceiro(a) antes da primeira relação sexual de nove meses. Apresentaram apenas um parceiro sexual atual 91%, 96% no sexo masculino e 88% no feminino; 22,4% dos alunos (todos do sexo masculino) já tiveram relação sexual mediante pagamento. Houve contágio por algum tipo de DST em 5,4% dos estudantes. Em relação à contracepção, 45,6% referiram a utilização de contracepção de emergência (para si ou para o parceiro sexual), com média de uso de 2,2 vezes desde o início da atividade sexual. Entre as estudantes, 83,7% referiram uso regular de método contraceptivo; 88,8% dos alunos usaram preservativo na primeira relação sexual e 35,6% não o usam regularmente, com variação significativa durante os diferentes anos do curso (Figura 1). Verificamos também que os alunos usavam preservativo mais regularmente do que os parceiros das estudantes em questão (p < 0,05). Já apresentaram suspeita de gravidez 28,1% das estudantes e/ou parceiras dos alunos, sendo a gravidez confirmada em 7,9% dos casos. Referiram ideação de aborto 9,9% dos estudantes, com variação das taxas conforme o ano do curso (Figura 2), sendo que, desses, 12,5% o efetivaram. Quando comparamos a freqüência de suspeita de gravidez volume 5 nº 2 julho 2008 Sant’Anna et al. 100 90 80 70 60 % 50 40 30 20 10 0 Figura 1: Uso de condom por estudantes de medicina da FCMSCSP, por ano de curso p < 0,05 * 1° 2° Uso na 1° relação 3° 4° Ano do curso Uso regular 5° 6° Uso na ultima relação Figura 1 – Uso de condom por estudantes de medicina da FCMSCSP, por ano de curso Figura 2: Porcentagem de suspeita de gravidez e ideação de aborto entre estudantes de medicina da FCMSCSP, por ano do curso (n = 311) % 40 35 30 25 20 15 10 5 0 p < 0,05 * 1° 2° 3° 4° Ano do curso Suspeita de gravidez 5° 6° Ideação de aborto Figura 2 – Porcentagem de suspeita de gravidez e ideação de aborto entre estudantes de medicina da FCMSCSP, por ano do curso (n = 311) entre os três primeiros anos de curso com os três anos finais, não encontramos diferenças estatisticamente significantes (p = 0,1). No entanto, quando a comparação realizada para esses mesmos grupos foi em relação à ideação de aborto, houve significativa diferença estatística (p < 0,05). Dos estudantes entrevistados, 85% consideravam a carga horária do curso estressante; para aliviar a tensão, 33,8% praticavam esportes, 38,4% saíam com amigos, 16,7% referiram permanecer com a família e 5% faziam uso de tranqüilizantes, sendo que, desses últimos, 27,8% faziam uso semanal e 72,2%, esporádico. DISCUSSÃO Segundo a OPAS, a juventude é o período compreendido entre os 15 e os 24 anos, época em Adolescência & Saúde Sant’Anna et al. que os jovens devem assumir o papel de adulto, com todas suas responsabilidades e seus direitos, porém ainda com incertezas e crises diante dos novos papéis e desafios. A idade média dos alunos avaliados foi 21,5 anos, considerada dentro da faixa da juventude ou adolescência tardia. Muitas vezes é período de grandes riscos, pela insegurança e pela ansiedade, freqüentemente levando a comportamentos sexuais de risco. A FAMÍLIA A maioria dos jovens avaliados provém de famílias estruturadas, com pais casados e bom relacionamento familiar. A influência da família no comportamento sexual dos jovens tem sido analisada sob vários aspectos, uma vez que o contexto familiar tem relação direta com a época em que se inicia a atividade sexual. Famílias estruturadas e presentes são consideradas por Markham et al. fator protetor contra a iniciação sexual precoce(7). Encontramos idade média da iniciação sexual de 17 anos, início tardio se considerarmos pesquisa feita pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em 2001, na qual encontramos que, no Brasil, os jovens vêm iniciando sua vida sexual cada vez mais cedo, entre 13,9 e 14,5 anos no sexo masculino e entre 15,2 e 16 anos no feminino(12). O EXERCÍCIO DA SEXUALIDADE Freqüentemente os jovens iniciam sua vida sexual sem estarem adequadamente protegidos, e, apesar de em nosso estudo a maioria dos estudantes ter usado preservativo na primeira relação sexual, encontramos altas taxas de uso irregular. Interpretamos que o uso da camisinha não se limita apenas à informação, mas diz respeito também ao significado da relação afetiva. O jovem adota com freqüência pensamento mágico sobre os riscos relacionados com o exercício da sexualidade, não estabelecendo de modo consciente o vínculo entre a atividade sexual com vulnerabilidade e a necessidade de se proteger(10). Em geral, o jovem conhece Adolescência & Saúde COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS 55 a existência de métodos preventivos, mas apresenta resistência em utilizá-los por medo de prejudicar sua saúde, por desconhecimento do uso correto, pelas dificuldades em obtê-los ou mesmo por desejo, consciente ou inconsciente, de gravidez(3, 10). Em 20,2% dos jovens estudados, encontramos o nãouso de método contraceptivo; 35,6% não usavam regularmente o preservativo apesar da boa escolaridade, o que teoricamente deveria refletir em maior conhecimento sobre cuidados de saúde preventiva. É interessante observarmos que o uso do preservativo foi maior no primeiro ano da graduação, apresentando queda durante o curso. Acreditamos que, apesar do melhor conhecimento, o aumento do não-uso deva-se à maior taxa de jovens com relacionamentos estáveis, que namoram e têm um único parceiro, mostrando a valorização da relação afetiva. É interessante notar que a grande maioria teve sua iniciação sexual com o namorado (62,84%), com tempo médio de relacionamento de nove meses. Essa taxa é ainda mais alta se considerarmos apenas o sexo feminino (89%). Dados da pesquisa Gravidez na Adolescência (GRAVAD), de 2002, realizada em três grandes capitais brasileiras entre adolescentes e jovens de ambos os sexos com idades entre 18 e 24 anos, apontaram que a maioria das jovens que engravidaram (97,5%) e dos que já engravidaram uma companheira (85,8%) encontrava-se em contextos de relacionamentos afetivos estáveis(5). Diante da diversidade de contextos nos quais pode ocorrer a atividade sexual desprotegida cabe um olhar diferenciado e atento, livre de preconceitos e individualizado para cada jovem. SUSPEITA DE GRAVIDEZ E IDEAÇÃO DE ABORTO Apesar da ilegalidade no Brasil, a opção pelo aborto parece ser bem difundida entre os jovens. Segundo dados do Ministério da Saúde, o aborto provocado constitui a quinta maior causa de internação entre jovens e a terceira causa de morte materna no país: 16% entre mulheres de 15 a 24 anos nas regiões mais pobres(2). Observou-se que 28,1% das jovens avaliadas apresentaram suspeita volume 5 nº 2 julho 2008 56 COMPORTAMENTO SEXUAL ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS Sant’Anna et al. de gravidez, que foi confirmada em 7,9%. Entre elas 9,9% pensaram na possibilidade de abortar e, dessas, 12,5% a efetivaram, taxas não muito diferentes das encontradas por Souza e Silva (15,3%) em universitárias(11). A elevada freqüência de aborto pode resultar das negociações entre os parceiros em torno de assumir a criança/gravidez; as jovens universitárias achavam mais tolerável corrigir uma gravidez não-planejada com o aborto, até porque nos estratos médios da população o aborto pode ser feito em condições médicas mais aceitáveis, embora constrangedoras, clandestinas e caras(11). CONCLUSÕES Os resultados obtidos sugerem comportamentos de risco nos jovens avaliados, ou seja, vida sexual desprotegida, e apontam a necessidade de novas pesquisas dessa natureza para que se estabeleçam programas de orientação sobre saúde reprodutiva com melhoria da autoestima. Acreditamos ser possível ajudar os jovens a se assumirem como sujeitos no exercício responsável de sua sexualidade e seu futuro profissional. REFERÊNCIAS 1. Akvardar Y, et al. Substance use in a sample of Turkish medical students. Drug Alcohol Depend. 2003; 24; 72(2): 117-21. 2. Castro MG, Abramovay M, Silva LB. A iniciação sexual dos jovens. In: UNESCO. Juventudes e sexualidade. 2004; 67-73. 3. Coates V, et al. Medicina do adolescente. São Paulo: Sarvier. 2003; 609-15, 701-15. 4. Coutinho MFG, Barros RR. Adolescência: uma abordagem prática. São Paulo: Atheneu. 2001; 201-50. 5. Heilborn ML, et al. Gravidez na adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no Brasil (Pesquisa GRAVAD), 2002. Pesquisa realizada pelo Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde do IMS/UERJ, Programa de Estudos em Gênero e Saúde do ISC/UFBA e Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde da UFRGS. 6. Macedo ACL, et al. Recepção comunicativa aos calouros de medicina/2000: um caminho para a participação na universidade. In: SEDEC/UNIRIO, 2000. Rio de Janeiro. 2000. 7. Markham CM, et al. Family connectedness and sexual risk-taking among urban youth attending alternative high schools. Perspect Sex Reprod Health. 2003; 35(4): 174-9. 8. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área de Saúde do Adolescente e do Jovem. Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira: construindo uma agenda nacional. Brasília (DF); 2000. 9. Organización Panamericana de la Salud. Recomendaciones para la atención integral de salud de los adolescentes com énfasis en salud sexual y reproductiva. 2000. 10. Sant’Anna MJ, et al. Pregnant teenager involvement in sexual activity and the social context. Scientific World Journal. 2006; 6: 998-1007. 11. Souza e Silva R. Especulações sobre o papel do aborto provocado no comportamento reprodutivo das jovens brasileiras. Revista Brasileira de Estudos de População. 2002; 19(2). 12. UNESCO. Aids: o que pensam os jovens? Políticas e Práticas Educativas. Cadernos UNESCO Brasil – Série Educação Para a Saúde 2002; 1. volume 5 nº 2 julho 2008 Adolescência & Saúde NORMAS EDITORIAIS INFORMAÇÕES GERAIS A revista Adolescência & Saúde é uma publicação oficial do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com periodicidade trimestral. Aceita matérias inéditas para publicação na forma de artigos originais, artigos de atualização e relatos de casos. Os textos devem vir acompanhados de carta assinada pelo autor principal e por todos os co-autores para serem avaliados pelo Conselho Editorial e receberem aprovação para publicação. Os trabalhos devem ser enviados para: Adolescência & Saúde – Boulevard 28 de Setembro 109/fundos – Pavilhão Floriano Stoffel – Vila Isabel – CEP 20551-030 – Rio de Janeiro-RJ – Tels.: (21) 2587-6570 / 2587-6571 – Fax: (21) 2264-2082 – e-mail: [email protected]; ou para Diagraphic Editora – Av. Paulo de Frontin, 707 – Rio de Janeiro-RJ – CEP 20261-241 – a/c Jane Castelo – e-mail: [email protected]. SEÇÕES DA REVISTA A revista publica os seguintes trabalhos: a) artigos originais, sejam prospectivos, experimentais ou retrospectivos; b) artigos de revisão, inclusive metanálises, comentários editoriais e cartas de opiniões, quando solicitados a membros do Conselho Editorial; c) resumos de teses apresentadas e aprovadas nos últimos 12 meses. Os mesmos deverão ter, no máximo, duas laudas (de 2.100 caracteres, com espaços), incluindo, no mínimo, três palavras ou expressões-chave. O resumo deverá ser enviado em disquete. Em arquivo separado, apresentar o nome completo do autor e do orientador, membros da banca, data de apresentação e a identificação do serviço ou departamento onde a tese foi desenvolvida e apresentada; d) relatos de casos de grande interesse e bem documentados clínica e laboratorialmente; e) artigos de temas livres, resumos e trabalhos apresentados em eventos científicos. APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS É necessário que os trabalhos sejam apresentados em três vias, em páginas separadas e numeradas no ângulo superior direito. Os artigos deverão ser enviados com no máximo 10 laudas (de 2.100 caracteres, com Adolescência & Saúde 57 espaços), sem contar as referências. Para os artigos que contenham gráficos ou fotos, o número de laudas deverá ser menor, dependendo da quantidade de imagens. Devem ser também gravados e apresentados em disquete, mencionando-se o nome do arquivo e do software utilizado e a versão. Devem vir acompanhados de carta do autor principal, autorizando a sua publicação e com a sua assinatura e a de todos os co-autores. O artigo passa a ser propriedade da revista, e as opiniões emitidas nos trabalhos são de responsabilidade única dos autores. a) Primeira página: • título do artigo; • nome(s) do(s) autor(es) e titulação(ões); • nome do serviço onde foi realizado o trabalho; • endereço, número de telefone, fax e e-mail do autor principal. b) Segunda página: • resumo com, no máximo, 200 palavras; • unitermos, no máximo cinco, formulados com base no vocabulário estruturado DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), que pode ser encontrado no endereço eletrônico www.bireme.br. c) Terceira página: • título em inglês; • abstract; • key words. d) Quarta página: • carta do autor principal, autorizando a publicação, com sua assinatura e a de todos os co-autores. e) Texto: • os artigos originais devem obedecer à seguinte seqüência: Introdução, Método, Resultados, Discussão e Conclusão. Referências bibliográficas: no máximo 20; • os artigos de atualização podem ou não ter subtítulos. Referências bibliográficas: no máximo 30; • os relatos de caso devem obedecer à seguinte seqüência: Introdução, Apresentação do Caso, Discussão e Conclusão. Referências bibliográficas: no máximo cinco. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Devem ser ordenadas alfabeticamente, com base no último sobrenome do autor principal, e numeradas. As citações serão identificadas no texto por suas respectivas numerações sobrescritas. Para apresentação das referências, devem ser adotados os critérios do International Committee of Medical Journal Editors. Exemplos: a) Artigos em periódicos: volume 5 nº 2 julho 2008 58 NORMAS EDITORIAIS Dupont W, Page D. Risk factors for breast cancer in women with proliferative breast disease. N Engl J Med. 1985; 312: 146-51. Obs.: Quando houver mais de seis autores, devem-se mencionar os três primeiros seguidos de et al. b) Capítulos de livros: Swain SM, Lippman ME. Locally advanced breast cancer. In: Bland KI, Copeland EM. The Breast. Comprehensive management of benign and malignant diseases. Philadelphia: WB Saunders. 1991; 843-62. c) Livros: Hughes LE, Mansel RE, Webster DJT. Benign disorders and diseases of the breast. Concepts and clinical management. London: Baillière-Tindall. 1989. d) Referências de trabalhos apresentados em evento: Tarricone V, Novaes SP, Pinto RC, Petti DA. Tratamento conservador do câncer de mama. XI Congresso Brasileiro de Mastologia. Foz do Iguaçu; 1998. e) Referências de trabalhos de autoria de entidade: American Medical Association. Mammographic criteria for surgical biopsy of nonpalpable breast lesions. Report of the AMA Council on Scientific Affairs. Chicago: American Medical Association. 1989; 9-20. f) Referências de teses: Narvaiza DG. Expressão do antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) no epitélio da mama de usuárias e não-usuárias de anticoncepcional hormonal combinado oral. São Paulo: 1998. Tese de Mestrado, Unifesp-EPM. g) Artigos de periódico em formato eletrônico: Morse SS. Factors in the emergence of infectious diseases. Emerg Infect Dis [serial online] 1995 Jan-Mar [cited 1996 Jun 5]; 1(1): [24 screens]. Available from: URL:http://www.ede.gov/neidod/EID/eid.htm. ILUSTRAÇÕES Solicita-se que tabelas, gráficos, figuras e fotografias sejam apresentados em folhas separadas, com legendas individualizadas, ao final do trabalho. Preferencialmente as fotografias devem ser em preto-e-branco, em slide ou volume 5 nº 2 julho 2008 papel, e as despesas com eventual reprodução de fotografias coloridas correrão por conta dos autores. Fotos eletrônicas só serão aceitas em formato jpg com 300dpi de resolução. Os desenhos em traço precisam ter qualidade profissional para permitir sua reprodução. PONTOS A CONFERIR Antes de enviar seu artigo para publicação, verifique os seguintes pontos: 1. O resumo está de acordo com o abstract? 2. Os unitermos estão de acordo com as key words? 3. Na terceira página consta o título em inglês? 4. A carta de autorização para publicar o artigo, com a assinatura do autor e dos co-autores, foi enviada? 5. A divisão de tópicos está correta? 6. O artigo está dentro do número máximo de laudas? 7. Referências a) O número de referências está correto? b) Todos os artigos citados no texto estão presentes nas referências? c) Todos os artigos presentes nas referências estão citados no texto? d) Os artigos estão digitados de acordo com as normas da revista? e) Os nomes dos autores estão em ordem alfabética? 8. Tabelas a) As legendas são auto-explicativas? b) As tabelas apresentam autores que não estão presentes nas referências? 9. Figuras e fotos a) As legendas são auto-explicativas? b) Todas as figuras e fotos estão citadas no texto e viceversa? 10. Os valores numéricos (principalmente porcentagens) estão calculados corretamente? 11. O disquete a ser enviado contém todo o texto do artigo em Word? 12. As fotos eletrônicas estão em formato jpg com 300dpi? Adolescência & Saúde