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28/6/2010
A VIAGEM PITORESCA DE DEBRET | …
A VIAGEM PITORESCA DE DEBRET
Cristina Antunes *
Como muitos artistas franceses de
sua época, Jean Baptiste Debret –
nascido em Paris, em 18 de abril de
1768, de família de classe média e
de pai amante das ciências e das
artes –, era um protegido de
Napoleão. Em 1815, com a derrota
de Napoleão, a arte e os artistas
perderam seu principal suporte
financeiro e ideológico. É nessa
época e nesse contexto que, por
solicitação de governantes
estrangeiros, começam a se
organizar na França algumas missões
de artistas franceses, entre elas uma
para o Brasil, a pedido de D. João VI, cuja corte havia sido transferida para o Rio
de Janeiro em 1808, exatamente em função da invasão de Portugal por tropas
napoleônicas. Os artistas que viriam a compor essa missão eram “órfãos”
bonapartistas, e é por isso que a chamada Missão Artística Francesa é vista por
alguns historiadores mais como um grupo de refugiados do que como uma
missão oficial.
Detalhe da gravura Végétaux des forêts vierges du Brésil (1) de Jean Baptiste
Debret. Litografia de Charles Etienne Pierre Motte.
Independentemente das interpretações, a organização da missão francesa para o
Brasil foi solicitada pelo Conde da Barca – iluminista e maçom de idéias
modernistas –, ao Marquês de Marialva, embaixador de Portugal em Paris, com
o objetivo de trazer para cá um grupo de imigrantes qualificados, inclusive
artistas, para, entre outras coisas, organizar e criar uma Academia de Belas
Artes. O Marquês de Marialva solicitou ao geógrafo, naturalista e explorador
alemão Alexander Von Humboldt – cuja obra influenciou muitos dos viajantes
que vieram para o Brasil, entre eles Martius, Wied-Neuwied e Saint-Hilaire – a
indicação dos artistas que quisessem emigrar para a América portuguesa.
Humboldt indicou Joachim Lebreton para o recrutamento da nova colônia
francesa, que receberia seu nome: a Colônia Lebreton. Entre os selecionados
estão o próprio Lebreton, os pintores Debret (contratado como pintor de
história) e Antoine Taunay (como pintor de paisagem), o arquiteto Grandjean de
Montigny, além de escultores, arquitetos, um gravador, um medalhista,
mecânicos, carpinteiros, serralheiros e um músico. O grupo chega ao Rio de
Janeiro em 26 de março de 1816, e Debret tem seu primeiro contato com uma
natureza de flora e fauna exuberantes, uma população que exibe infinitas cores e
sensualidade nos gestos, um terrível cenário povoado de escravos, um enorme
contraste com a cultura européia. E tudo isso o fascina.
Detalhe da gravura Vue gle. de la ville de Rio de Janeiro prise du Couvent de
St. Bento. Vue de la même ville, prise de l'Église de N. D. de La Gloire de Jean
Baptiste Debret. Litografia de Thierry Frères.
Durante o tempo em que permaneceu no Brasil, Debret foi apresentado à corte e
encarregado de diversas encomendas, pintando retratos de nobres, cenas de
http://www.brasiliana.usp.br/debret
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nosso país. Versátil, desenhou desde uniformes e trajes de gala da corte, até
iluminuras de diplomas, insígnias e cenografia de teatro. Lecionou na recémcriada Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, mas o que realmente almejava
– e disputou duramente com seu rival, Antoine Taunay – era a direção da futura
Academia Real de Belas Artes, cuja criação só aconteceria em 1820, um ano
após a morte de Lebreton, no Rio de Janeiro. No entanto, a direção da Academia
foi entregue ao português Henrique José da Silva, e Debret foi nomeado
professor de pintura histórica, tendo sido ele quem escreveu o plano de
reorganização da Academia Imperial, só publicado em 1827, e muito diferente
do projeto original de Lebreton. Em 1828, Debret passou a dirigir a Academia e,
no ano seguinte, foi o responsável pela introdução de uma inovação no primeiro
Salão Imperial da Academia das Belas Artes: o catálogo de exposição. Em 1831,
o pintor voltou à França, mas enquanto viveu e lecionou no Brasil, influenciou
fortemente a formação dos primeiros artistas acadêmicos nacionais e de seus
discípulos.
Quando faleceu em Paris, no dia 28 de junho de 1848, Debret deixou inúmeras
obras, entre pinturas, aquarelas e desenhos. No entanto, seu maior legado ao
nosso país foi o trabalho Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou
Séjour d’un artiste français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831
inclusivement, époques de l’avènement et de l’abdication de S. M. D. Pedro
Ier. Fondateur de l empire brésilien.
Esse livro foi publicado em Paris, em 26 fascículos, durante os anos 1834 a
1839, formando um conjunto de 3 volumes. Cada fascículo continha 6 pranchas
acompanhadas de texto explicativo. O primeiro volume é dedicado aos índios e à
natureza; o segundo registra os brancos e os negros em seu cotidiano, retratando
inúmeros escravos; o terceiro é voltado para a corte e as elites, tratando de
cenas do cotidiano e das manifestações culturais, como as festas e as tradições
populares. Os exemplares da Viagem pitoresca foram impressos, em sua
maioria, com gravuras em preto e branco,embora tenham sido produzidos uns
pouquíssimos exemplares coloridos. Segundo Rubens Borba de Morais, a obra
não vendeu bem ao ser lançada e parece que boa parte dela, não encadernada,
permaneceu durante décadas no depósito do impressor Firmin Didot por falta de
compradores, e acabou sendo vendida como papel inútil. O fato é que somente
nos anos 1930 os brasileiros descobriram Debret. Seus livros ficaram na moda,
suas pranchas emolduradas serviam para decoração, os preços subiram e os
exemplares escassearam, especialmente aqueles completos, cuja colação difere
de exemplar para exemplar devido ao fato de esse trabalho ter sido publicado em
fascículos.
Detalhe da gravura Végétaux des forêts vierges du Brésil (1) de Jean Baptiste
Debret. Litografia de Charles Etienne Pierre Motte.
A Viagem pitoresca evidencia o gênio artístico desse pintor e desenhista
francês, mas a característica marcante da obra é o fato de revelar em imagens a
história da vida urbana brasileira do início de século XIX, especialmente, da vida
na corte do Rio de Janeiro, embora contenha também algumas imagens de São
Paulo e de províncias do sul, as quais Debret só visitou tardiamente, nos seus
últimos anos de Brasil.
Foi precisamente no registro do cotidiano brasileiro que Debret produziu os
mais extraordinários resultados. Seus desenhos apresentam figurinhas,
transpostas de um cenário para outro e pintadas diretamente das ruas, informam
como se vestiam, como trabalhavam, como se divertiam, como eram enterrados
os ricos e os pobres, os cidadãos livres e os escravos. Nos seus desenhos, são
os personagens que aparecem em primeiro plano: a arquitetura das cidades e a
paisagem servem de cenário para homens, mulheres e crianças, livres e
escravos, além de animais. Quanto às florestas virgens e tribos indígenas, elas
foram retratadas muito mais a partir de pesquisas em museus e nas obras de
outros viajantes, uma vez que Debret pouco se afastou da paisagem urbana do
Rio de Janeiro. Seus índios são idealizados, numa mistura de fantasia e de
ciência: são figuras fortes e muitas vezes representadas em cenas heróicas.
A Viagem pitoresca não apenas contribuiu para divulgar nosso país nos círculos
cultos europeus mas, ainda hoje, se revela uma obra feita para o Brasil e os
brasileiros, onde Debret deixa transparecer sua forte relação pessoal e
emocional com o país onde viveu por 15 anos.
* Cristina Antunes é curadora da Biblioteca Mindlin.
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