A vida e os escritos de Menno Simons
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A vida e os escritos de Menno Simons
A vida e os escritos de Menno Simons Harold Bender John S. Horsch Primeira Edição www.LMSdobrasil.com.br São Paulo – SP LMS 2015 A vida e os escritos de Menno Simons Um tributo no seu quarto centenário 1536 – 1936 Uma biografia por Harold S. Bender Escritos selecionados e traduzidos do holandês para o inglês por John Horsch A vida e os escritos de Menno Simons foi publicado originalmente em inglês sob o título Menno Simons’ Life and Writings © 1936, 1979 por Herald Press, Scottdale, Pennsylvania, 15683, U.S.A. Foi traduzido para o português pela Literatura Monte Sião do Brasil com autorização expressa e exclusiva da Herald Press. A não ser que se indique o contrário, todas as citações bíblicas foram tiradas da versão Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original de João Ferreira de Almeida. Usado com permissão da Sociedade Bíblica Trinitariana. Impresso no Brasil Esta edição de A vida e os escritos de Menno Simons foi publicada em 2015 pela Literatura Monte Sião do Brasil Caixa Postal 241 Av. Zélia de Lima Rosa, 340 18550-970 Boituva – SP Fone: (15) 3264-1402 e-mail: [email protected] www.LMSdoBrasil.com.br Tradutor: Myron Kramer Revisores: Charles e Faith Becker Capa: Theodore Yoder ISBN: 978-85-64737-26-6 Copyright © 2015 Literatura Monte Sião TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Nenhuma parte dessa edição pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer meio ou forma — seja mecânico, eletrônico ou mediante fotocópia, gravação, etc. — ou por meio de qualquer sistema de recuperação de dados ser apropriada e/ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorização da Literatura Monte Sião do Brasil. ii Índice Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v A vida de Menno Simons 1. O padre católico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2. A conversão e renúncia ao catolicismo 1535-1536. . . . . . . . . . . . . . 15 3. Os trabalhos na Holanda 1536-1543. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4. Os trabalhos ao noroeste da Alemanha 1543-1546. . . . . . . . . . . . . . 31 5. Os trabalhos na Holsácia 1546-1561. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 6. O significado dos trabalhos de Menno Simons. . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Excertos dos escritos de Menno Simons sobre a doutrina cristã 1. A autoridade das Escrituras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2. A Trindade de Deus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. Cristo, sua deidade e humanidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4. A encarnação de Cristo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5. O Espírito Santo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6. O pecado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7. A remissão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8. O arrependimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9. A fé. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10. A justificação pela fé. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11. A regeneração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12. A santidade de vida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13. A igreja. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14. A separação do mundo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15. A verdadeira irmandade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16. As ordenanças. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 57 58 59 60 61 63 64 66 67 68 70 72 73 74 76 17. O batismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 18. A importância do batismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 19. O batismo de infantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 20. A salvação dos infantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 21. O erro da regeneração pelo batismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 22. A Ceia do Senhor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 23. A disciplina. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 24. O arrependimento em casos de pecados ocultos. . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 25. O chamado missionário da igreja. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 26. A não-resistência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 27. O juramento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 28. Pena de morte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 29. A não conformidade com o mundo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 30. A liberdade de consciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 31. A predestinação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 32. A perfeição cristã. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 33. Novas revelações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 34. Os estudos avançados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 35. Uma disposição para defender a verdade abertamente . . . . . . . . . . . . 99 36. Atitude quanto a outras denominações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 37. Exemplos de consagração no serviço do Senhor. . . . . . . . . . . . . . . . . 100 38. Trabalhos sob dificuldades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 39. Perseguição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 40. Uma oração de Menno Simons. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 Uma lista cronológica dos escritos de Menno Simons. . . . . . . . . . . . . 108 I Prefácio I O ano do quarto centenário da renúncia ao catolicismo por Menno Simons nos deixa sem nenhuma biografia dele disponível na língua inglesa. O breve e inadequado esboço de J. Newton Brown, The Life and Times of Menno, the Celebrated Dutch Reformer, (A vida e os tempos de Menno, o celebrado reformador Holandês), publicado na Filadélfia, EUA, em 1853, já de longa data anda esquecida, e a biografia moderna escrita por John Horsch, Menno Simons, His Life, Labors and Teachings, (Menno Simons, sua vida, trabalhos e ensinos), publicado em Scottdale, Pensilvânia, EUA, em 1916, que nos serviu tão bem por mais de vinte anos não está mais disponível. Nesse ano, quando as comemorações do aniversário da conversão do catolicismo de Menno despertam a nossa apreciação pela sua contribuição à causa do cristianismo evangélico, e em especial à causa da Igreja Menonita, é mister que uma história abrangente e de fácil aceitação da sua vida e trabalhos seja disponibilizada ao público. Em especial, isso é verdadeiro num ano e numa época quando, no meio de tanta confusão e angústia econômica no mundo e de tão terríveis rumores de guerra, a voz de Menno Simons pode ser ouvida com bom proveito com a sua calma, mas firme insistência num cristianismo profundo e prático que traga toda a vida sob a sujeição do senhorio de Cristo, e com suas exigências de que os homens abandonem todos os conflitos carnais e vivam juntos em paz e amor. Ao preparar-se uma biografia de Menno Simons que possa ser lida com prazer e bom proveito por leitores de todas as idades, v pareceu-nos bem tentar evitar estilos ou formas que porventura viessem estorvar o aprendizado, sem, contudo, sacrificar a exatidão das informações em seus mínimos detalhes. O conteúdo desta obra está fundamentado sobre o trabalho de John Horsch, citado acima, e uma tese de doutorado sobre Menno Simons apresentada na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, em fevereiro de 1936, pelo Dr. Cornelius Krahn. Sinto-me endividado a esses dois grandes amigos, ao Dr. Krahn pelo privilégio de ler a sua tese antes da sua publicação e ao Sr. Horsch pelo seu zelo em ler e revisar este manuscrito e por suas muitas e valiosas sugestões. A edição em inglês das obras completas de Menno, publicada em Elkhart, estado de Indiana (EUA) em 1876-1881, num formato grande, logo vai desaparecer do mercado e espera-se que não demore aparecer uma nova edição dessas obras completas numa tradução atualizada. Não obstante, muitos leitores que nunca terão o privilégio de ler essas obras completas, quer na edição mais antiga, quer na atualizada, certamente apreciarão uma coletânea dos melhores pensamentos de Menno. Para suprir esta necessidade, foram acrescentados a sua biografia alguns trechos dos seus melhores escritos.* Essas seleções foram feitas por John Horsch, que as traduziu do original em holandês, constituindo, na sua maior parte, uma revisão de uma coletânea de seleções parecidas que apareceu numa obra de sua autoria sobre Menno Simons em 1916. –Harold S. Bender Goshen – Indiana – EUA 1 de junho de 1936 *As referências encontradas em parênteses (I:37) etc. referem-se ao volume e à página onde a citação pode ser encontrada na obra em inglês, The Complete Works of Menno Simons (A obra completa de Menno Simons). vi I Capítulo 1 I O padre católico N o ano de 1496, quatro anos depois do descobrimento das Américas, nasceu um filho a um casal camponês holandês que vivia na pequena vila de Witmarsum, na província da Frísia, na região noroeste do continente europeu. O pai, cujo nome era Simão, deu ao filho o nome de Menno, e conforme o costume da época, esse passou a ser conhecido como Menno Simons* (filho de Simão). A vila de Witmarsum está situada numa planície fértil, mais ou menos na metade da distância entre as cidades de Franeker e Bolsward, a menos de vinte quilômetros do Mar do Norte. Bem cedo os pais de Menno decidiram dedicar o seu filho ao serviço da igreja, a Igreja Católica, e em preparação para isso o internaram num mosteiro perto de sua casa, possivelmente o Mosteiro Franciscano de Bolsward. Foi aqui que Menno se dedicou por longos anos aos exercícios espirituais exigidos dos monges, bem como aos estudos tradicionais requeridos aos candidatos do alto ofício do sacerdócio. Durante seus anos de estudo ele aprendeu a ler e escrever bem o latim e também a ler o grego. Ele conheceu bem os escritos dos pais da igreja como Tertuliano, Cipriano e Eusébio. Mas, infelizmente, o maior livro de todos, a Bíblia, ele não lia. Não foi até dois anos depois de ser ordenado padre que ele, com muito temor, se atreveu a abriu a capa desse livro proibido. *Também traduzido como Simões. 1 A vida e os escritos de Menno Simons A ordenação de Menno Simons ao sacerdócio católico aconteceu no mês de março de 1524, quando ele tinha vinte e oito anos de idade. Esta ordenação provavelmente foi realizada na cidade de Utrecht, sede do antigo bispado de Utrecht, que incluía praticamente todo o território da atual Holanda. Seu primeiro cargo foi como padre da Vila de Pingjum que ficava perto da sua própria vila de Witmarsum. Ele serviu como padre nesse lugar durante sete anos, 1524-1531, como o segundo colocado de três padres que estavam ali. Em 1531 ele foi transferido para a sua própria vila de Witmarsum onde trabalhou durante cinco anos como pároco até janeiro de 1536, quando ele deixou o ofício de padre católico e se uniu a um pequeno grupo de irmãos evangélicos sob a liderança de Obbe Philips conhecido como anabatistas ou obbenitas. Os doze anos que Menno Simons passou como padre católico foram passados aparentemente, pelo menos no que as pessoas viam, na prática dos deveres rotineiros de um pároco de uma pequena vila rural. Ele cumpria as funções de praxe da igreja, celebrava a missa, bem como outros ritos e cerimônias. Ele rezava pelos vivos e mortos, batizava crianças, ouvia confissões, aplicava a disciplina e, vez por outra, pregava nos cultos matinais da congregação. Como um pároco típico da época, ele não levava muito a sério o seu cargo, nem a sua vida. Ele dedicava pouco tempo ou esforço em estudos. Antes, como ele mesmo próprio confessa, passava tempo na companhia de outros colegas padres “jogando cartas, bebendo e envolvendo-se em outras frivolidades de todos os tipos, como era o costume de tais homens infrutíferos”. Acontece que as aparências exteriores não contavam toda a história daqueles doze anos da vida que Menno passou como padre. Bem cedo, dúvidas a respeito de certos dogmas da igreja surgiram para atormentar a sua consciência. A sua vida se tornou cada vez mais infeliz por causa da luta interior que se travava em sua alma e que não cessou até que ele rompeu os laços que o prendiam à Igreja Católica, e assim passou a andar pela fé na liberdade do Evangelho. Vamos rastrear essa luta que durou cerca de onze anos. 2 O padre católico No ano de 1525, o primeiro ano do sacerdócio de Menno e o mesmo em que Conrado Grebel e seus irmãos foram rebatizados em Zurique, na Suíça, surgiu uma grave dúvida para perturbar a vida despreocupada e frívola da sua religião formalista. Enquanto ele celebrava a missa, de repente veio um pensamento questionando a autenticidade da hóstia e do vinho, se realmente se transformavam, literalmente, no corpo e no sangue do Senhor, conforme havia aprendido e estava ensinando ao povo. Inicialmente ele rejeitou esse pensamento como sendo do diabo, mas não conseguia se livrar da dúvida, nem mesmo fazendo uso do confessionário. Exatamente como Menno veio a duvidar do dogma da transubstanciação, conforme ensinado pela Igreja Católica, não está claro. Provavelmente ele deve ter encontrado, de alguma forma, os ensinamentos de Martinho Lutero e de outros reformadores a respeito, por meio de livros, ou por meio de contato com alguém que os conhecia. Já no ano de 1521 havia um holandês chamado Hoen, que começou a promover a ideia que os elementos usados na Ceia do Senhor não eram realmente transformados, antes eram apenas símbolos do sofrimento e da morte de Cristo. Quer Menno tivesse lido os escritos de Hoen ou não, o fato de ter surgido essa dúvida em sua mente é evidência de que a influência da Reforma já fazia sentir os seus efeitos na longínqua Frísia. Isso porque as atitudes com respeito à missa eram um ponto chave nessa nova heresia evangélica. Durante cerca de dois anos Menno foi atormentado por essas dúvidas a respeito da missa antes de encontrar ajuda. Finalmente ele decidiu buscar alívio num estudo cuidadoso do Novo Testamento. Essa decisão foi um dos maiores passos da vida de Menno. De fato, foi essa a decisão que, inevitavelmente, levaria à sua conversão, pois o princípio fundamental da Reforma, senão do próprio Evangelho, é que a Palavra de Deus constitui a única fonte de verdade para a fé e a vida. A decisão de Menno Simons de procurar ajuda nas Escrituras para sanar as suas dúvidas a respeito da missa, não foi uma decisão de abdicar da autoridade da igreja, pois provavelmente 3 A vida e os escritos de Menno Simons ele esperava encontrar nas Escrituras a confirmação dos ensinos da mesma. O problema maior surgiu quando Menno, ao criar coragem para abrir as páginas da Bíblia, descobriu que nela não se encontrava nenhum fundamento para os ensinamentos tradicionais da igreja sobre a missa. Ao fazer essa descoberta o seu conflito interior chegou a um ponto em que se viu forçado a decidir qual das autoridades seria maior em sua vida: a igreja, ou as Sagradas Escrituras. Ele havia sido ensinado pela igreja que não crer em suas doutrinas resultaria na condenação eterna. O que deveria fazer? Felizmente, como ele mesmo afirma, Menno encontrou ajuda nos escritos de Martinho Lutero, pois este o ensinou que a desobediência aos mandamentos dos homens nunca poderia resultar na condenação eterna. Não se sabe ao certo em qual dos escritos de Lutero que Menno achou ajuda; possivelmente foi num panfleto escrito em 1518, Instruction on Several Articles, (Instruções sobre vários artigos), ou talvez em um livreto escrito em 1520 com o título, On the Freedom of a Christian Man (Sobre a liberdade do homem cristão). Quando Menno aceitou a visão de Lutero e ousou renunciar ao dogma da transubstanciação conforme ensinado pela Igreja Católica, porque as Escrituras não o ensinavam, ele encontrou uma solução para as suas dúvidas e confusão, bem como a maneira de tirar o peso da sua consciência e livrar a sua alma da morte eterna. Mas ao fazer isso ele enveredou num caminho cujo fim obrigatoriamente o levaria para fora da Igreja Católica, pois ter as Sagradas Escrituras como guia para todas as questões de consciência era abandonar os princípios fundamentais do catolicismo. Não obstante, ao tomar a sua decisão sobre a missa, Menno não seguiu os ensinamentos de Lutero neste ponto, antes ele desenvolveu a sua própria interpretação a respeito da Ceia do Senhor. Deste modo, ele não se tornou um luterano de forma alguma, ainda que sempre agradecesse a Lutero pelo princípio fundamental de que a autoridade das Escrituras sempre é maior do que a de qualquer autoridade humana. 4 O padre católico A decisão de Menno de seguir os ensinamentos das Escrituras provavelmente aconteceu por volta do ano de 1528. Ela não o levou a abandonar imediatamente a Igreja Católica, pois de início ele discordava com a igreja somente na questão da missa. Tudo indica que ele imaginava que pudesse continuar como um católico fiel e ensinar suas novas crenças dentro da igreja. Por isso, ele, bem como outros reformadores, não se apressou a mudar de igreja. Tal mudança teria implicado em deixar um bom emprego com um excelente salário, pois ele mesmo admitiu mais tarde que “ainda amava muito o mundo e era amado pelo mundo”, para poder tomar um passo tão radical assim. A verdade era que ele ainda estava longe de um verdadeiro entendimento do Evangelho e longe de uma conversão espiritual. Antes, os próximos anos, de 1528 a 1531, foram anos de esclarecimento gradual. Menno disse a respeito das suas experiências durante esses anos que, “pela iluminação e misericórdia do Senhor, eu cresci em conhecimento das Escrituras e logo fui considerado por alguns, embora sem merecer, como um pregador evangélico”, ou seja, um que pregava com base nas Escrituras. Começou a ser procurado pelos homens porque “diziam que eu pregava a Palavra de Deus e era um homem bom”. O crescimento de Menno no Evangelho foi devagar. Um dos pilares da sua fé católica desmoronou, isto é, a missa, mas mesmo assim ele continuou a celebrá-la por temor aos homens. Por fora ele continuava sendo um padre fiel. Talvez nunca teria deixado a Igreja Católica se não fosse pelo fato de ter ruído um segundo pilar da sua fé católica, o do batismo. A queda deste pilar foi gradual. É quase certo que esse processo começou com a leitura de um pequeno livro de um homem por nome de Billican, um pregador da cidade de Nordlingen, ao sul da Alemanha, que advogava o princípio de permitir liberdade quanto à idade do batismo. Pelo menos Menno menciona um livro sobre o batismo por determinados pregadores de Nordlingen. Este livro usa argumentos primeiramente usados por Cipriano, um dos primeiros patriarcas da Igreja Latina ao norte da África. 5 A vida e os escritos de Menno Simons De início Menno não prestou muita atenção à questão do batismo, mas por volta do ano de 1531, enquanto ainda morava na cidade de Pingjum, ele foi forçado a pensar seriamente a respeito por causa de um acontecimento muito estranho na cidade vizinha de Leeuwarden. No dia 20 de março de 1531, um alfaiate por nome de, Sicke Freerks, foi executado em público pela estranha razão de ter sido batizado duas vezes. Menno disse: “Soou-me muito estranho alguém falar sobre um segundo batismo”. Mais estranho ainda foi quando ele soube que esse Freerks era um homem piedoso e temente a Deus, e que entendia que as Escrituras não ensinavam que se deveria batizar infantes, mas antes ensinavam que o batismo somente deveria ser ministrado a adultos que fizessem uma confissão de fé pessoal. Freerks era um alfaiate viajante que fora batizado na cidade de Emden, na Frísia do Leste, no ano de 1530, por um pregador com o nome de Jan Volkerts Trypmaker, que havia sido batizado e constituído como pregador leigo anteriormente no mesmo ano e na mesma cidade por outro pregador leigo luterano com o nome de Melchior Hofmann. Há quem afirme que Hofmann fora batizado por determinados anabatistas radicais de Estrasburgo quase no final do ano de 1530. Seja como for, em 1530 ele começou a pregar um novo batismo e outras doutrinas semelhantes às dos anabatistas, tendo como ponto de partida a cidade de Emden. Convém mencionar aqui que a maioria dos anabatistas de Estrasburgo, bem como os da Suíça e o sul da Alemanha, nunca congregaram, nem concordavam com os ensinamentos de Hofmann. Na verdade, no ano de 1538, num debate público com líderes da Igreja Reformada de Berna, na Suíça, determinados líderes dos anabatistas suíços repudiaram publicamente toda e qualquer ligação com Hofmann. Hofmann pregava algumas doutrinas radicais e fanáticas a respeito da segunda vinda de Cristo e do estabelecimento de um reinado terreno de Deus na cidade de Estrasburgo. Ele também pregava muitas interpretações estranhas a respeito de profecias, incluindo uma na qual dizia ser um segundo Enoque. 6 O padre católico As doutrinas que ele ensinava eram claramente perversões do Evangelho que se originavam dentro da sua própria imaginação fértil; doutrinas fanáticas que não aprendeu de Lutero, nem Zuínglio ou dos anabatistas, nem de nenhum outro mestre evangélico. Por isso, não se pode chamar Hofmann de anabatista, como no caso dos irmãos suíços ou dos menonitas, mesmo que ensinasse o batismo mediante uma confissão de fé em vez do batismo infantil. Menno Simons, no entanto, não sabia nada acerca de tudo isso quando ouviu falar da execução de Sicke Freerks. O que mexeu com ele foi o fato de alguém estar disposto a morrer pela causa de um “segundo batismo”. Seria possível a Igreja Católica estar errada no assunto do batismo infantil como estava na questão da missa? Mais uma vez o sacerdote Menno se viu envolto num conflito de consciência por causa dessa nova dúvida que surgiu. Dessa vez, porém, ele sabia como encontrar a solução do seu problema. Como pregador “evangélico” que era, ele logo buscou esclarecimento na Bíblia. Não obstante, ainda que procurasse por muito tempo, ele não “encontrou nenhum registro do batismo de infantes”. A seguir ele procurou o seu superior na cidade de Pingjum, o vigário. Depois de repetidas discussões com Menno, o vigário finalmente admitiu que não havia na Bíblia nenhum fundamento para o batismo infantil. Todavia, ele insistia que a razão demonstrava ser ele necessário e justificável. Menno, no entanto, que havia aprendido a confiar na Palavra, não estava disposto “a confiar somente em sua razão”. Por isso ele procurou mais ajuda, desta vez buscando com diligência aquilo que os pais da igreja poderiam ter dito a respeito. Estes lhe ensinaram que as crianças precisavam ser batizadas para serem purificadas do pecado original. Mas quando Menno comparou este ensinamento com as Escrituras, percebeu um nítido conflito, pois elas não ensinam que é somente o sangue de Cristo o Redentor, e não a água do batismo, que lava os pecados? Os pais da igreja estavam em erro. Como um último recurso, Menno procurou os seus pares evangélicos, os reformadores. 7 A vida e os escritos de Menno Simons Todos eles ensinavam que as crianças deveriam ser batizadas, embora por motivos diferentes. Lutero insistia que as crianças podiam ter fé, pelo menos por substituição, ou seja, a fé de seus pais podia valer por elas e, portanto, elas deveriam ser batizadas com base naquela fé. Butzer de Estrasburgo recomendava que as crianças fossem batizadas para garantir que seriam criadas nos caminhos do Senhor; enquanto Bullinger, de Zurique, argumentava que as crianças deveriam ser incorporadas dentro do povo da aliança pelo batismo, como as crianças judaicas o eram pelo rito da circuncisão. Mas apesar de seus argumentos divergentes e variados, Menno percebeu que nenhum deles conseguia fundamentar sua crença nas Escrituras, antes cada qual seguia o seu próprio raciocínio. Tendo chegado ao fim de sua diligente busca sem ter encontrado provas de que o batismo de infantes tinha fundamento na Palavra de Deus, Menno concluiu que “todos estavam enganados a respeito do batismo de infantes”, a Igreja Católica, os padres de Pingjum, os pais da igreja e os reformadores, e que somente o batismo mediante uma confissão de fé tinha validade bíblica. Esta decisão importante foi a mais significativa de toda a carreira de Menno, pois determinou, definitivamente, o seu rompimento com a Igreja Católica e mais tarde o levou a fazer parte da irmandade dos anabatistas. A salvação pelo sacramento do batismo era a pedra fundamental sobre a qual todo o sistema religioso católico fora edificado. Em tese seria possível negar a transubstanciação e continuar sendo um bom católico, mas como continuar fiel a uma igreja cujo princípio fundamental de salvação está sendo renunciado? Por outro lado, entre todos os grupos religiosos da época, somente os anabatistas repudiavam o batismo de infantes e exigiam uma experiência pessoal de salvação, da qual o batismo com água é somente um sinal exterior de um acontecimento interior, como condição para se tornar membro. Assim sendo, cedo ou tarde, Menno iria encontrar-se no meio deles. Mesmo assim, esta decisão tão momentosa, aparentemente tomada no ano de 1531, não fez com que Menno rompesse 8 O padre católico de vez com a igreja onde servia como padre e de onde recebia o seu salário. Passaram-se mais cinco anos até que finalmente ele se desligou definitivamente. Ainda que, conforme Menno declara categoricamente, as suas novas crenças sobre a questão do batismo, bem como as anteriores sobre a Santa Ceia, foram recebidas através de um estudo das Escrituras sob a direção do Espírito Santo e pela graça de Deus, as suas novas convicções não produziram ações imediatas. Aparentemente havia nas redondezas pequenos grupos de anabatistas, mas Menno não se uniu a eles. Antes, ao receber uma oferta de promoção para ser o pároco da igreja da cidade de Witmarsum, ele não hesitou em aceitar. O salário maior atiçou a sua “ganância”, disse Menno, e por causa desta fraqueza, ele continuou a viver a vida de um hipócrita, continuou a celebrar a missa e continuou a batizar infantes. O próprio Menno explica essa fraqueza dizendo que embora tivesse conhecimento das Escrituras, este conhecimento se tornou infrutífero pela vida carnal que levava. As verdades que havia aceitado de cabeça ainda não haviam atingido o coração. A Palavra de Deus ainda não estava habitando no seu íntimo. Ele mesmo descreve a vida hipócrita que levava em termos bem severos: “Confiando na graça de Deus eu fazia o mal. Eu era um sepulcro cuidadosamente caiado. Por fora e aos olhos dos homens, eu era um homem íntegro, casto e generoso. Ninguém censurava a minha conduta. Mas por dentro, eu estava cheio de ossos de mortos…. Eu buscava o meu próprio sossego e honra com maior zelo do que buscava a tua justiça, honra, verdade e Palavra, ó Senhor”. O desencontro entre suas convicções e práticas, nas questões do batismo e da Ceia do Senhor, incomodava ainda mais o novo pároco de Witmarsum do que haviam perturbado o antigo padre de Pingjum. A consciência de Menno o condenava constantemente e ele sofria muito com esse conflito interior. A questão do batismo novamente veio à tona mais ou menos um ano depois de Menno chegar a Witmarsum pela vinda de alguns anabatistas na comunidade. Menno disse que ele nem 9
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