Jovens utópicos: A apropriação da cultura e do passado

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Jovens utópicos: A apropriação da cultura e do passado
Jovens utópicos: A apropriação da cultura e do passado nórdico no
Romantismo alemão e no folk metal escandinavo
Gleyzer Omar A. Ferreira, graduando em História1
[email protected]
Lucimar Lacerda Machado, mestre em História2
[email protected]
Ana Paula Sampaio Caldeira, doutora em História3
[email protected]
Resumo: Este estudo tem como objetivo analisar a maneira como o Romantismo e o movimento
musical folk metal se apropriaram de seu passado medieval ou o que eles consideravam ser seu
passado nativo, utilizando esse passado como uma espécie de refúgio em contraposição aos processos
de modernidade e globalização que vinham ocorrendo nos dois momentos. Observamos que a forma
como essas sociedades idealizam o seu passado nativo/medieval tinha como propósito dar uma
identidade a seu povo, pois, como a Alemanha ainda não era um Estado Nacional, ou ainda não
possuía o seu território unificado, as elites locais precisavam de algo que as unisse culturalmente e
fizesse com que a população compartilhasse o mesmo sentimento nacionalista. Já no movimento
musical folk metal, os jovens estavam insatisfeitos com a predominância de elementos culturais de
outras nações em seus respectivos países. Na mente desses jovens, o processo de globalização fazia
com que elementos de sua cultura ficassem marginalizados ou esquecidos. O refúgio para essa
situação foi, em especial para os jovens, o folk metal. Por fim, pretendemos perceber as similaridades
entre esses dois movimentos sócio-culturais na tentativa de construir uma identidade que os diferencie
de outros povos.
Palavras-chave: Folk metal, Romantismo alemão, Representações da Idade Média, Identidade social.
Abstract
This study aims to analyze how Romanticism and folk metal music movement appropriated its
medieval past or what they considered to be their native past, using this past as a kind of refuge as
opposed to modernity and globalization that They had been taking place in two stages. We observed
that the way these societies idealize their native/medieval past was intended to give an identity to his
people, because, as Germany was not yet a nation state, or has not had its unified territory, local elites
needed something that culturally united and would cause the population to share the same nationalist
sentiment. You folk metal music, young people were dissatisfied with the predominance of cultural
elements from other nations in their respective countries. In the minds of these young people, the
process of globalization meant that elements of their culture stay marginalized or forgotten. The
refuge for this situation was, especially for young people, the folk metal. Finally, we intend to realize
the similarities between these two socio-cultural movements in trying to build an identity that
differentiates them from other people.
Keywords: Folk Metal, German Romanticism, Middle Ages representations, social identity.
1
Graduado em História pelo Centro Universitário Estácio de Belo Horizonte.
Mestre em Educação pela PUC/MG e docente no Centro Universitário de Belo Horizonte.
3
Doutora em História pelo CPDOC/FGV e docente na Universidade Federal de Minas Gerais.
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RECEBIDO EM SETEMBRO/2015 E APROVADO EM JUNHO/2016
Introdução
Os séculos XVIII e XIX são tempos de grandes transformações sociais e tecnológicas.
Constituem também o tempo da queda do Antigo Regime e da consolidação do capitalismo.
Essas transformações causaram um sentimento de não “pertencimento” ou de inseguranças
em algumas sociedades, como entre os ingleses e franceses, mas, principalmente, por parte
dos intelectuais alemães. Essa insatisfação fez com que esses intelectuais buscassem “refúgio”
em épocas de maior estabilidade social e até religiosa. A “saída” encontrada por esses
escritores e intelectuais foi a vida simples de seus antepassados, ou pelo menos, os povos que
eles consideravam como seus nativos, os nórdicos da Idade Média, dando “vida”, então, ao
Romantismo na Alemanha. Voltando seu pensamento para a vida simples dos campos e vilas
medievais, os românticos “descobriram” a cultura popular, ou o folklore. É interessante
notarmos que o Romantismo se desenvolve em um tempo, ou período, em que as ideias de
unificar o território alemão estavam no seu “auge”. Sendo assim, o Romantismo terá um
grande papel nessa unificação, contribuindo para dar uma “identidade” e/ou para “aflorar” o
espírito nacional no povo germânico.
Já o folk metal surgiu no fim dos anos 1980, em um contexto de muitas insatisfações
políticas e sociais, com cobranças por maior inclusão social, liberdade sexual dentre outros.
Essas reivindicações tiveram um peso maior nos anos 1960 e 1970, como veremos ao decorrer
do trabalho. Notaremos também que uma das formas dos jovens dessa época expressarem sua
insatisfação era a partir do heavy metal, com letras e a sonoridade extremamente agressivas. O
folk metal é um subgênero do metal music que incorpora em suas letras lendas, deuses,
instrumentos típicos, dentre outros elementos da cultura nórdica, que também era considerada
“cultura popular”, ou folklore, por esses jovens escandinavos. Com o clima de insatisfação
social, cultural e religiosa da época, esses grupos musicais “voltam” suas músicas e letras aos
povos vikings como uma das formas de “confrontar” a sociedade Cristã. Exaltavam em suas
letras deuses de seus antepassados nórdicos, que eram considerados como os verdadeiros
deuses da Escandinávia por essas bandas.
A proposta deste trabalho é compreender ambos os movimentos sociais, o
Romantismo alemão, do final do século XVIII, e o folk metal escandinavo, de fins do século
XX, e sua relação com o passado medieval. É importante ressaltar que não foram apenas os
alemães e os escandinavos que resgataram sua cultura nativa na tentativa de criar uma
identidade nacional, várias outras sociedades também se apropriaram do seu passado nativo
com diversas finalidades, o Brasil é um desses exemplos. No século XIX a elite brasileira
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também tentou resgatar suas origens nativas diante de um contexto de emancipação em
relação a Portugal. Tentando desvencilhar sua imagem ou seu passado do povo português,
essa elite, com fortes influências da literatura romântica européia, idealiza a imagem do índio
como seu “passado medieval”, romantizando sua imagem em pinturas e na literatura local.
Assim, o objetivo desse trabalho é estudar a apropriação do passado medieval em dois povos
específicos, os alemães do século XIX e os escandinavos de fins do século XX. Através das
analises bibliográficas, buscaremos compreender o período político e cultural de tais épocas
que poderiam influenciar ambos os movimentos a retomar esses mitos nórdicos que eram
considerados como conhecimento popular, ou folklore, de ambos os grupos, com o intuito de
dar, ou criar, uma identidade nacional que unisse essas pessoas. Esse retorno ao passado
medieval se deu de forma predominantemente idealizada, ou seja, retratando esse passado da
forma que lhes convinha, ignorando quase todos os tipos de “dificuldades” vividas pelos
povos da Idade Média, como a fome, as pragas ou a peste negra. Idealizando, então, um
passado glorioso de seu povo através das lendas e mitos populares, o folklore, repletos de
heróis, grandes guerreiros e, tanto no Romantismo quanto no folk metal, elementos típicos da
cultura nórdica, como por exemplo, ninfas, duendes, élfos e, principalmente no folk metal, os
deuses nórdicos, como Odin, Tyr, Frey, dentre outros. Entretanto, nesse movimento musical,
preza-se por uma maior valorização dos costumes locais, como lendas e mitos de cada região
ou povoado. No folk metal há o acréscimo de instrumentos típicos de cada região ou cultura
em suas músicas, como a gaita de fole, flautas e violinos, para que a sonoridade folclórica
desses instrumentos caracterize o tempo de seus antepassados nativos que esses grupos estão
idealizando.
Por fim, pretendemos também mostrar características comuns entre esses dois
movimentos. Através da análise dessas características, observaremos as similaridades entre
manifestações culturais de épocas tão distintas, mas que guardam algumas semelhanças
referentes a identidades locais e aos processos de modernização que vem ocorrendo nessas
duas épocas. Por um lado, o do Romantismo, a industrialização, a consolidação do
capitalismo, o fim do Antigo Regime e, principalmente, a unificação do território alemão. Por
outro, do folk metal, a globalização e o sentimento de ódio por parte dos jovens escandinavos
perante a sociedade e a religião Cristã. Observando a forma com que esses povos ou
sociedades se apropriam desse passado medieval e utilizam os mitos e lendas nativas na
tentativa de unir sua população com traços muito próximos e lembranças culturais, no intuito
de criar uma característica ou identidade para sua população em tempos de grandes
transformações tecnológicas e sociais.
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A nostalgia metafísica do Romantismo alemão*
O Romantismo surgiu através da negação das ideias Iluministas, da tentativa de os
intelectuais alemães se “desprenderem” culturalmente da França e da Inglaterra no contexto
do fim do Antigo Regime. O Romantismo “nasceu” no final do século XVIII, fruto da
insatisfação dos burgueses e intelectuais alemães em serem “reféns” da cultura e dos
costumes, principalmente, franceses. Segundo as ideias de Denys Cuche (1999) os príncipes
alemães não eram próximos dos burgueses alemães e consideravam o francês uma língua
superior ao alemão. Então, na maioria das vezes, esses príncipes usavam apenas a língua
francesa para se comunicar e viviam sob influência dos costumes franceses. Um exemplo
dessas influências foi o movimento literário pré-romântico, ou Sturm und Drang**. Segundo
Carpeaux (2013), o movimento Sturm und Drang, que quer dizer “tempestade e impulso”,
tinha grande influência na literatura inglesa com romances sentimentais e uma escrita de
forma epistolada, retratando, principalmente, a aristocracia e a nobreza local. Uma das
grandes influências do Sturm und Drang foram as obras de Shakespeare.
A Revolução Francesa e o fim do Antigo Regime fizeram cair o poder da aristocracia,
emergir os burgueses no cenário político local e dar dinamismo maior às classes sociais. De
certa
forma,
esses
acontecimentos
contribuíram
com
o
avanço
tecnológico
e,
consequentemente, contribuíram para a expansão da industrialização por diversos outros
países europeus, incluindo o território que viria a se tornar a Alemanha. Com o processo de
industrialização, diversas cidades européias se tornaram centros urbanos com grandes
quantidades de indústrias e, no entorno dessas cidades, se formaram grandes “regiões
metropolitanas” que recebiam os trabalhadores fabris. Esses trabalhadores viviam em
condições precárias nessas localidades, sem infraestrutura, e trabalhando em regimes
desumanos. O fim do Antigo Regime também contribuiu para a formação de novas
profissões.
Seguindo as ideias de Carpeaux (2013) e Lukács (1965), a literatura, até o Antigo
Regime, era uma atividade exercida apenas “por professores, preceptores e bibliotecários”
(CARPEAUX, 2013, p. 90), tornado-se profissão, gradativamente, após o fim desse sistema.
Lukács (1965) vai além ao dizer que a profissão de literato havia se tornado, após o fim do
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* Titulo retirado de uma frase do livro de Anatol Rosenfeld “Letras Germânicas”, 1993, p. 102.
** Nome extraído da peça de Maximilian Klinger (1752-1831) que foi um grande autor de peças teatrais alemãs.
(Nota retirada do livro “A história concisa de Literatura alemã”, Carpeaux, 2013, p. 54).
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Antigo Regime, uma “literatura prostituta”, pois agora esses “novos” escritores estavam
interessados em vender suas obras sem se preocupar com o conteúdo delas. Lukács (1965) nos
deixa uma reflexão. Seguindo suas ideias, podemos supor que era compreensível o nível da
escrita desses literatos se tornarem cada vez mais baixo ou com o conteúdo cada vez mais
“pobre”, pois com a consolidação do capitalismo e o exercício da literatura se tornado uma
profissão, esses literatos tinham de escrever cada vez mais para vender quantidades maiores
de livros e se sustentar. Algo que escritores vindos de famílias ricas não precisavam se
preocupar, pois o fato de terem melhores condições de vida os deixava em condições de
escrever por gosto pessoal, tornando suas obras ricas em conteúdo. Lukács (1965) cita dois
grandes intelectuais alemães de época que não precisavam se preocupar em vender seus livros
e obras para se sustentar, esses autores são: Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e
Johann Christoph Friedrich von Schiller (1723-1796) que vinham da burguesia local.
Nesse clima político e cultural, os intelectuais e escritores alemães “negavam o seu
tempo” e “fugiam” para um passado idealizado através da escrita romântica. Negando, assim,
a industrialização, apesar de grande parte do território alemão ser agrária, o capitalismo, a
miséria da vida operaria, dentre outros. Segundo Gomes e Vechi (1992) o poeta romântico
tinha de “retornar” ou basear seu pensamento em retratar a vida no campo em negação à vida
artificial da modernidade. O retorno a essa vida rústica do campo permitia que o escritor
despertasse o espírito primitivo dentro de si, algo que a cultura urbana reprimia. Sendo assim,
o poeta conseguiria expressar melhor seus sentimentos interiores em uma forma pura e
verdadeira, resgatando, então, a cultura nativa que não teve contato com o “mundo moderno”.
Essa negação à vida artificial e racional da modernidade vai contra os ideais e princípios do
Iluminismo. Rosenfeld (1993, p.102) diz em sua obra que: “O próprio tempo, o elemento em
que o romance e seu mundo de objetos se desenvolvem, é negado como irreal”, tentando
mostrar como os românticos negavam o seu tempo e buscavam “refúgio” na “fuga” para o
passado medieval que para eles trazia conforto e estabilidade social.
Gomes e Vechi (1992, p. 43-45) nos propõem observar um trecho dos escritos de
Novalis (1772-1801) para compreendermos melhor essa tentativa de alguns românticos irem
contra os ideais racionais Iluministas e voltar seu pensamento para a “interioridade
emocional”:
Todos os homens de saber e os que não são os sentem, hoje em dia, o dever premente
de depreciar a exaltação e confundi-la com o fanatismo obcecado. E, no entanto,
atrevo-me a apostar cem contra um que a maioria dos apóstolos do Iluminismo e dos
apologistas da razão nunca refletiu seriamente sobre a exaltação, sobre as
conseqüências da sua supressão e sobre os benefícios que ela representa para toda a
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humanidade; e que, por outro lado, um grande número das cabeças de certo modo
instruídas na verdade não se conhece a fundo, apenas repete os outros e ignoram não
só as mil feições da exaltação como até o próprio coração humano.Vós vedes os meus
sentimentos mais profundos, as minhas sensações mais intimas postos a nu
apresentando-me como defensor de uma causa que exalta e enobrece em alto grau a
Humanidade e que traz ventura aos jovens, velhos, homens e mulheres; causa essa
que há séculos, está a serviço da criação e, não obstante, tem para muitos a forma de
inimiga dos homens, da bem-aventurança e da moralidade e enquanto tal é atacada e
perseguida com zombarias e violência, com um zelo e um capricho completamente
cegos. Que esta doce consoladora dos infelizes me anime com seu fogo arrebatador
para que eu possa ir em sua defesa, que se comunique o entusiasmo de Wieland,
indivisivelmente suave, platonicamente sublime, e o ardor e a capacidade pictórica de
Zimmermman. (NOVALIS, 1789 apud GOMES E VECHI, 1992, p. 43).
Após a leitura, Gomes e Vechi (1992, p. 44-45) argumentam perante as ideias de
Novalis, como os Iluministas eram incapazes de perceber os valores de se exaltar os
sentimentos individuais na criação poética, bem como se mostram falhos na visão de mundo
através do uso excessivo da razão. Os Iluministas, ao negarem suas emoções, acabam
negando o que o homem tinha de “melhor”, na visão de Novalis: seus sentimentos. Gomes e
Vechi (1992, p. 44) prosseguem ao argumentar que o racionalismo apreende o homem em sua
exterioridade, deixando limitado apenas a superficialidade do mundo exterior, sem se
“aventurar” na sua interioridade, sem explorar seus sentimentos e emoções, o que tornaria
essa pessoa uma “vítima” da razão ou uma “vítima” do mundo “artificial”.
Novalis, em seu ensaio, mostra que apenas com a exaltação de suas emoções interiores
o poeta consegue passar a seu leitor os seus sentimentos, não de uma forma egoísta ou de
forma solitária, mas sincera consigo mesma, transmitindo suas virtudes poéticas para com a
humanidade. Com isso, o escritor consegue transmitir para o leitor formas de amenizar seu
“sofrimento” dando-lhe “consolo” necessário para superar ou suportar as adversidades em que
vive (GOMES e VECHI, 1992, p. 44).
Na perspectiva de Hauser, a insatisfação com o presente e a incapacidade de
transformação da realidade social é apresentada no Romantismo como fator
propulsor da fuga para a utopia, para outros mundos, para a interioridade
confortadora. Por isso num só tempo, cumpre a ele ser na Alemanha tanto o
amálgama da identidade de uma nação carente de unidade espiritual quanto
emancipação das singularidades sociocultural de seus intelectuais (BORGES,
2010, p. 74).
Com essas ideias de recusa e com pensamentos utópicos, o Romantismo descobriu as
canções populares, a arte do povo e o folklore. Elaborou com eles as bases de uma identidade
homogênea, organicamente desenvolvida: o povo. Vários intelectuais e músicos decidem
“voltar” aos tempos medievais, que eram menosprezados pelos Iluministas, e resgatar história
dos povos que eram considerados como seus nativos, os nórdicos, retratando, então, vilas
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medievais, heróis, grandes batalhas dentre outros. Uma das grandes fontes de inspiração da
época romântica foram os mitos e as lendas nórdicas que serviam de inspiração para grandes
nomes como Richard Wagner e os Irmãos Grimm*.
Seguindo as ideias de Schorske (2000), esses intelectuais, músicos e escritores do
movimento romântico, viram em elementos do passado a construção de sua identidade social
no presente, ou, pelo menos, no tempo presente de cada um deles, sentindo certo conforto ou
uma segurança maior nesse período histórico que foi a Idade Média. Buscando, de certa
forma, sua identidade cultural perante tempos de tantas transformações sociais e inovações
tecnológicas. Encontrando na Idade Média características que “critiquem” alguns aspectos da
sociedade moderna em que viviam:
O próprio processo de modernização da economia e da sociedade do século XIX,
como os efeitos sem procedentes da tecnologia industrial sobre a terra e as pessoas,
evocava paradoxalmente essa busca apressada por laços com o passado. Numa época
de nacionalismo crescente, essas identidades coletivas foram redefinidas como uma
síntese das culturas convergentes do passado (SCHORSKE, 2000, p. 15).
Isso nos abre caminho para tentar compreender o porquê de tal idealização do medievo
e para pensar como foi a apropriação dessa literatura romântica por parte de burgueses
alemães na tentativa de dar uma característica homogênea ao povo germânico, utilizando-se
do Romantismo com finalidade em criar um sentimento nacionalista nessas pessoas, de forma
que os unisse como nação, compartilhando da mesma língua, do mesmo passado nativo e das
mesmas lembranças. A criação do Estado Nacional alemão daria legitimidade aos burgueses
locais para assumir os cargos políticos numa Alemanha unificada.
Anderson (1993, p. 22-25) em sua obra, defende que a nação é uma comunidade
política imaginada limitada e soberana. Imaginada porque “los miembros de la nación más
pequeña no conecerán jamás a la maioría de sus compatriotas, (...) pero em la mente de cada
uno vive la imagen de su comunión.” (p.23). Prossegue ao argumentar que a essência da nação
consiste em que todos os indivíduos tenham elementos em comum, como costumes, língua,
sentimentos históricos. A nação é delimitada por fronteiras e, seguindo suas ideias, nenhum
desses projetos de nação “se imagina” com dimensões de abarcar toda a humanidade. A nação
é soberana por defender os interesses do Estado. Por fim, Anderson (1993, p. 25) argumenta
que a nação:
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* Richard Wagner (1813-1883) foi um maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão, primeiramente
conhecido por suas óperas. Jakob Grimm (1785-1863), Wilhelm Grimm (1786-1859), escritores de contos
alemães.
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se imagina como comunidad porque, independente da desigualdade y la explotación
que en efecto puedan prevalecer en cada caso, la nación se concibe siempre como un
compañerismo profundo, horizontal. En última instancia, es esta fraternidad la que ha
permitido, durante los últimos dos siglos, que tantos millones de personas maten y,
sobre todo, estén dispuestas a morir por imaginaciones ten limitadas. (ANDERSON,
1993, p. 25)
Hobsbawm (2010) também argumenta que esses sentimentos nacionalistas, como as
lembranças históricas e a mesma língua falada, são responsáveis por criar um sentimento
nacional. Ou seja, as nações surgem através desse sentimento nacionalista que é despertado na
população de um determinado território*.
Desejos em unificar o território alemão e o Romantismo
Entre os séculos XVIII e XIX, a Alemanha ainda não era um Estado Nacional e estava
passando pelo processo de unificação**. As pessoas que viviam nesse território não tinham
um sentimento nacional justamente por essa “falta de Estado”, ou por falta de um sentimento
de pertencimento à nação, como compartilhar as mesmas lembranças históricas, a mesma
língua, apesar de os germânicos falarem alemão. A Alemanha ainda não tinha fronteiras
definidas e estava sob influência política e cultural de outras nações ou Impérios, em especial
dos Impérios Austro-húngaro e do Prussiano, e sob a influência cultural francesa. Esses
elementos fizeram com que a população, principalmente de classe mais baixa, não se sentisse
incorporada a uma nação, que de fato ainda não existia.
O Romantismo foi justamente um dos elementos utilizados para tentar criar esse
sentimento nacionalista, ou de pertencimento a uma nação, contribuindo para a construção de
valores nacionais que caracterizassem os povos germânicos. Tais sentimentos nacionais
seriam a utilização da mesma língua, o território em que os germânicos vivem, as mesmas
lembranças e valores históricos, dentre outros. Todos esses elementos estariam unidos nos
contos e escritos românticos justamente para dar essas características nacionais à população
alemã. Hobsbawm (2010, p.19) argumenta que o espírito nacionalista antecede a formação
das nações, ou seja, só é possível emergir nações caso a população de uma determinada região
se reconheça a partir de um sentimento nacionalista, por exemplo, compartilhando a mesma
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* Para um estudo mais aprofundado do que seja nacionalismo ou nação, vide as obras de Hobsbawm, 2010, o
capitulo “nacionalismo” na obra “Ideologias políticas: do liberalismo ao fascismo” de Heywood, 2010 e a obra
de Anderson, 1993.
** Para compreender de forma aprofundada o processo de unificação do território alemão, vide as obras de
Kent, 1982, Carpeaux 2013 e Magnoli 2011.
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língua, as mesmas memórias coletivas, as mesmas lembranças do passado, os mesmos
costumes, o mesmo sentimento de pertencimento a alguma região, dentre outros.
Uma das tentativas em criar um laço ou um sentimento nacional que unissem pessoas,
antes e durante a unificação do território alemão, foi através do Romantismo, tanto na
literatura quanto na música, que tentava ressaltar essa cultura germânica através dos povos de
geração anterior como, por exemplo, os povos nórdicos. Entretanto, as pessoas de classe mais
baixa desse período na Alemanha não tinham acesso à literatura ou não tinham recursos para
adquirir os livros.
Todas as formas de nacionalismo abordam a questão da identidade. Qualquer que
sejam as causas políticas às quais o nacionalismo está associado, ele as defende com
base em um senso de identidade coletiva, que costuma ser entendida como
patriotismo. Para o nacionalista político, considerações “objetivas” como território,
religião e idioma não são mais importantes que considerações “subjetivas” como
vontade, memória e lealdade patriótica. O nacionalismo, portanto, não só defende
causas políticas como também diz às pessoas quem elas são: dá a elas uma história,
forja laços sociais e um espírito coletivo e cria o sentimento de um destino maior que
a existência individual. De fato, pode ser exatamente a força de seus elementos
doutrinários o que explica o sucesso do nacionalismo como um credo político.
(HEYWOOD; 2010; p.160).
Pensando desta forma, fica mais fácil compreender as tentativas germânicas por parte de
incentivos vindo de burgueses como financiamentos de músicos e literatos para dar uma
identidade homogênea ao povo germânico e, consequentemente, unificar o território alemão,
visando, principalmente, se beneficiar economicamente.
Na época de maior agitação para a unificação do território, entre os séculos XVIII e
XIX, motivados por causas políticas e econômicas, pois o território que hoje é a Alemanha
sofria influências políticas de outros impérios, como o austríaco e o prussiano, e anterior a
esses era o Sacro Império Romano Germânico que veio a se desfazer com as expansões
napoleônicas na Europa*. Essas influências políticas de outros impérios faziam com que os
burgueses não conseguissem assumir os cargos políticos locais e tomar decisões em beneficio
próprio, ou de forma que iria beneficiar economicamente a região, como maior
industrialização de algumas áreas e investimentos para melhorar no transporte de produtos,
como a construção de linhas férreas para ligar algumas regiões produtoras e consumidoras
(KENT, 1982; MAGNOLI, 2011).
Incomodados com essa posição de submissão, os burgueses da região alemã optaram
em investir no movimento literário de época, o Romantismo, para aflorar o sentimento
nacional nos germânicos de forma a uni-los e, consequentemente, livrar a população,
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* Para maiores informações consultar o livro “História das Guerras” de Demetrio Magnoli, 2011.
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principalmente a burguesia, dessa posição de submissos a outras nações. Uma das principais
estratégias adotadas foi o resgate da cultura e da “glória” dos antepassados germânicos.
A opção de escritores e músicos em resgatar essa cultura nórdica se deu pelo fato de
serem considerados povos guerreiros e honrados entre si, elementos que contribuíam com o
sentimento de “nobreza” na memória dessa sociedade. “Quando um povo que compartilha
uma identidade cultural ou étnica adquire o direito de governar a si mesmo, a nacionalidade e
a cidadania coincidem. Além disso, o nacionalismo legitima a autoridade do governo.”
(HEYWOOD; 2010; p. 159). Governo esse, na Alemanha, que seria ocupado pelos burgueses
locais que estavam descontentes em ficar submissos a outras nações. Com esses burgueses
assumindo o poder numa Alemanha unificada, eles teriam condições de enriquecer ainda
mais, pois, tomariam decisões políticas a seu favor, ou “em favor da Alemanha” e teriam o
apoio popular.
A importância de uma consciência nacional distintiva foi enfatizada pela primeira
vez na Alemanha no final do século XVIII. Escritores como Johann Gottfried von
Herder (1744-1803) e Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) salientavam o que para
eles significava a singularidade e a superioridade da cultura germânica, em oposições
as ideias da Revolução Francesa. Herder acreditava que cada nação possui um
“volksgeist”, ou “espírito nacional”, que proporciona um impulso criativo a seu
povo. O papel do nacionalismo consiste, assim, em criar uma percepção e apreciação
da cultura e das tradições de uma nação.Durante o século XIX, o nacionalismo
cultural foi particularmente marcado na Alemanha por um revival de tradições
folclóricas e pelo redescobrimento de lendas e mitos alemães. Os Irmãos Grimm,
por exemplo, reuniram e publicaram fabulas folclóricas alemãs, e o compositor
Richard Wagner baseou muitas de suas operas em mitos e lendas antigos.
(HEYWOOD; 2010; p. 161).
Então, como podemos observar, o Romantismo tem duas vertentes: “uma
revolucionaria, que busca a intervenção direta na vida social, na tentativa de transformar o
modelo burguês; outra reacionária, que voltará seus olhos para o passado nostálgico pelo
período de segurança e estabilidade político-religiosa.” (SILVA, 2010, p. 64). Mas ambas as
vertentes possuem o objetivo de “resgatar” a cultura alemã e dar uma identidade ao povo
alemão, de modo que o “diferencie” culturalmente de outras nações européias.
Elementos de uma história romântica
As histórias românticas se desenvolvem na maioria das vezes através de um
personagem principal ou “herói”. O desenrolar dessas histórias são em ambientes da natureza.
Ou seja, as aventuras desses “heróis” românticos têm como cenários principais florestas,
bosques, lagos e rios e um ambiente medieval dominado pelas vilas e pelos camponeses. É
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importante ressaltar que essas histórias são repletas de elementos de lendas e mitos nórdicos.
Assim sendo, o ambiente desses contos também contam com fadas, duendes, feiticeiras,
ninfas, dentre vários outros elementos da cultura nórdica que contracenam com o herói e com
os demais personagens. Um grande exemplo de contos românticos são os Irmãos Grimm, que
escreviam, na maior parte das vezes, contos infantis, como por exemplo, “Branca de neve e os
sete anões”, “Chapeuzinho vermelho”, “Joãozinho e Maria”, “Cinderela” dentre outros. Mas
essas histórias e/ou contos não ficavam restritas apenas ao publico infantil. Havia vários
outros autores que escreviam obras voltadas ao publico adulto, como por exemplo, Novalis
(seu nome real era: Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, 1772-1801), Ludwig Tieck
(1773-1853), Joseph Freiherr von Eichendorff (1788-1857) dentre vários outros.
Para exemplificar o uso da natureza nos contos românticos, vamos observar um
fragmento dos escritos de Tieck intitulado “A impotência da arte”, contida na obra de Gomes
e Vechi (1992, p. 48-49):
“Oh, arte impotente!” exclamou ele indo sentar-se num rochedo verdoso: Como são
balbuciantes e pueris os teus sons comparados ao cântico da perfeita harmonia que,
como se de um órgão fosse, jorra em acordes crescentes e avassaladores dos abismos
mais profundos, da montanha e do vale, da floresta e do brilho da corrente! Eu escuto
e sinto como o eterno espírito do mundo dedilha com seus dedos magistrais a
formidável harpa em todas as suas sonoridades, como as variadas formas se produzem
num jogo ininterrupto e se dispersam por toda a Natureza levadas por suas asas
espirituais. Tomado de exaltação, o meu pequeno coração anseia por atingi-lo e
debate-se debilmente, exaltando, num duelo com aquele que está lá no alto, que
mansa e amorosamente rege a Natureza, e sorri, sereno, dos meus gestos
desesperados, das minhas suplicas para me alçar ao poder infinito da beleza. A
melodia imortal rejubila, exulta e toma-me se assalto: prostrado no chão, turva-se-me
a visão e os sentidos desfalecem. Oh, insensatos! Que pensai que a Natureza toda
poderosa se deixar aformosear, quando correis em seu socorro com os artifícios e os
medíocres expedientes de vossa impotência! O que podeis empreender além do que a
Natureza nos permite pressentir, se a Natureza nos transmite o pressentimento da
divindade? Não o pressentimento, não a intuição, mas a própria sensação elementar, a
religião, está entre nós, visível para todos, das maiores atitudes aos fundos abismos, e
que também acolhe e carrega, com benévola misericórdia, a minha adoração. O
hieróglifo que designa o supremo, Deus, encontra-se diante de mim em plena ação, no
labor de crucificar-se e revelar-se a si mesmo e eu sinto o movimento do enigma a
desvanecer-se no conceito – e sinto a minha humanidade. – A arte suprema só pode
explicar-se a si mesma, é um cântico cuja natureza apenas ela própria pode
representar. (TIECK, 1964, p. 192-193 apud GOMES E VECHI, 1992, p. 48-49).
Gomes e Vechi (1992, p. 49-50) argumentam que Tieck, ao retratar o herói solitário
num ambiente de natureza virginal, consegue encontrar respostas para as perplexidades em
que vive. Contudo, é importante notar como a natureza se torna dinâmica no romance de
Tieck. Essa é uma característica utilizada por vários outros românticos. Gomes e Vechi (1992,
p. 49) defendem que Tieck tenta evidenciar em suas obras que deus se comunica com os
personagens de forma enigmática, cujos símbolos e elementos naturais podem ser decifrados
11
apenas por homens de espírito sensível. Por fim, “na concepção romântica de Tieck, a
linguagem essencial e poética é semelhante àquela da natureza, ou é mesmo algo natural,
espontâneo” (GOMES E VECHI, 1992, p. 50).
Perante os elementos presentes numa história romântica, fica visível a idealização da
Idade Média por parte dos românticos, ignorando a miséria dos camponeses, não apenas a
miséria “econômica” quanto a miséria intelectual, ignorando também a peste negra, alguns
hábitos que eram considerados deploráveis na Idade Média, como alguns hábitos higiênicos e,
ignorando também, o egoísmo e o descaso de aristocratas e algumas famílias da nobreza
perante tal miséria em que viviam os camponeses. Não podemos esquecer que os Românticos,
de religião Católica, também ignoravam a corrupção vivida pela Igreja na Idade Média. Essa
mesma Igreja também tratava o camponês com descaso, muitas vezes o abandonando à
própria sorte. É importante citar que como os românticos buscavam a “pureza” em seus povos
nativos, isso fazia com que muitos deles optassem por se converter ao Cristianismo,
considerando os rituais e as crenças do Cristianismo medieval como “puro”. Um dos
exemplos de conversão à religião Cristã, citado por Friedrich Nietzsche (2007), é o músico
Richard Wagner, que no fim de sua carreira se converte, incorporando alguns elementos
cristãos em suas óperas, como o voto de castidade.
Os Românticos alemães “criaram” uma Idade Média predominantemente idealizada,
retratando esse período de forma que lhe agradava, sentindo, de certa forma, um conforto na
estabilidade político-religiosa em defesa do que consideravam como “verdadeiras” crenças
cristãs em oposição ao protestantismo. Mas não apenas o protestantismo, como também o
período conturbado da consolidação do capitalismo, do fim do Antigo Regime, da
industrialização e do processo de unificação do território alemão. Perante os tempos
conturbados em que viviam, os românticos encontraram na Idade Média um período de
estabilidade política, religiosa e social. Período esse que foi escolhido por esses intelectuais
para “fugir de suas realidades” e idealizar um tempo que para eles era considerado como o
tempo de “maior glória do povo alemão”, criando assim, ou tentando criar, a “verdadeira”
identidade cultural do povo alemão em oposição às demais culturas européias.
Podemos entender essa idealização com o propósito de criar uma identidade e alguns
laços em comum que unisse o povo alemão, de forma que esse povo compartilhasse os
mesmos sentimentos e elementos nacionais e proporcionasse uma união entre os germânicos,
algo que não existia. Criando, então, uma identidade nacional através do Romantismo e
também uma das formas de buscar “refúgio” perante tantas transformações que vinham
12
ocorrendo na sociedade desses intelectuais, “voltando”, então, seus pensamentos a vida
simples do período medieval.
Cultura jovem e o Rock n’roll
Os anos 1950 foram tempos de muita prosperidade econômica e estabilidade familiar,
principalmente nos EUA (KARNAL, 2007, p. 230). Seguindo as ideias de Karnal (2007), boa
parte da população norte-americana nessa época tinha empregos estáveis e ampla
oportunidade de mobilidade social, pelo menos entre a população branca. A televisão, o
cinema e a literatura de massa desse momento retratavam famílias “harmoniosas”, grandes,
brancas e cristãs, em que o pai trabalha e a mãe dedicava-se aos cuidados da casa e dos filhos.
Mas essa imagem difundida muitas vezes não era a realidade para várias comunidades,
principalmente entre mulheres e negros. Na “vida real”, distante das telas do cinema e da TV,
muitas mulheres trabalhavam para manterem seus filhos sozinhas e os negros eram
segregados e não gozavam plenamente dos direitos sociais e civis.
A indústria cultural deste período teve uma grande importância na formação da
mentalidade e do modo de agir das pessoas, divulgando em suas programações, seja em
filmes, programas televisivos ou afins, o modo americano de se viver (american way of life*),
que teria como base o consumismo.
Nos EUA dessa época, a televisão e o cinema poderiam expressar as contradições da
sociedade estadunidense. Retratando muitas vezes mulheres e jovens de forma subordinada,
isso poderia incentivar essas pessoas a lutar por direitos de liberdade e igualdade civil. Como
vários programas de TV mostravam, algumas pessoas podiam conquistar seus direitos na
sociedade graças às oportunidades oferecidas, essas ideias poderiam acentuar a alienação
quanto o desejo por mudança (KARNAL, 2007).
A música foi uma das principais áreas culturais utilizadas para manifestação de
descontentamento, em especial, por meio do rock and roll. Esse estilo musical foi o mais
difundido entre os jovens brancos e negros. O rock tinha um estilo de rebeldia que remetia a
desejos sexuais e provocações às normas da classe média branca, como a subordinação aos
pais e aos princípios cristãos. Vendo um grande potencial lucrativo entre os jovens que
ouviam essas músicas, vários canais de rádio se espalharam pelos EUA, difundindo esse estilo
_____
* Para um estudo mais aprofundado, vide a obra de Karnal, 2007 e Hobsbawm, 2009.
13
musical, e, consequentemente, as ideias expressas nas letras que essas bandas divulgavam por
todo o território estadunidense e em boa parte dos países ocidentais.
Segundo as ideias de Eric Hobsbawm (2009), na década de 1950, os jovens de classe
alta e média começam a incorporar as músicas, as roupas e a linguagem dos jovens de classe
baixa urbana. O rock é um dos grandes exemplos disso. Esses jovens queriam mais liberdade
social e pessoal. Para eles, a forma de se rebelar contra o Estado, os pais e as convenções
sociais seria a partir da sexualidade e das drogas. O uso de drogas não era apenas no intuito de
ficar alucinado, mas era uma atividade social em comum dentre esses jovens. “Nas praias dos
anos 60 americanas, onde se reuniam os fãs de rock e estudantes radicais, o limite entre ficar
drogado e erguer barricadas muitas vezes parecia difuso.” (HOBSBAWM, 2009, p. 327).
Já os anos 1960 e 1970 foram anos de muitas conquistas sociais nos EUA e no mundo.
Foram nesse período que mulheres, negros, homossexuais e jovens, conseguiram vários tipos
de inclusão social e liberdades pessoais. Essas conquistas foram possíveis em grande parte
graças aos meios de comunicação em massa, como a televisão e o cinema e, claro, à atuação
dos movimentos sociais.
Nesse clima de manifestações,
vários
grupos
“oprimidos”, principalmente
estadunidenses, fizeram diversas passeatas em prol de direitos sociais e liberdade pessoal.
Esses movimentos ficavam mais fortes a partir do momento em que algumas redes de TV
noticiavam as manifestações, pois, como em 1962 cerca de 90% dos estadunidenses possuíam
um aparelho de TV em casa, as pessoas viam tais reportagens e alguns acabavam se
identificando com a causa e passavam a apoiar os manifestantes (KARNAL, 2007).
Na cultura jovem das sociedades urbanas nos anos 1960, o rock se tornou uma marca
da juventude “moderna” mundialmente. “Letras de rock em inglês muitas vezes nem eram
traduzidas” (HOBSBAWN, 2009, p. 320). Isso demonstra o poder que os EUA tinham, e
ainda têm, em propagar sua cultura e seu estilo de vida pelo mundo.
Com o “surgimento” da cultura de massa, as artes clássicas, principalmente a música,
perderam espaço entre a população, consumidores e investidores no meio artístico, como as
grandes gravadoras. No meio musical, o rock e o blues ganharam muito espaço entre a
população, pois retratavam a insatisfação dos jovens e negros perante a realidade vivida por
eles. Muitos empresários viram nesse tipo de música um bom mercado e passaram a financiar
diversos artistas que faziam esse tipo de música. Como destaca Hobsbawm (2009), esses
empresários e gravadoras não financiavam músicas “boas” ou “ruins”, eles financiavam o que
vendia ou não.
14
Portanto, podemos observar que a cultura de massa pode se caracterizar como a “raiz”
das transformações culturais no sentido de alterar os modos e os costumes dos meios urbanos
de homens e mulheres, como observamos, algo que proporcionou tal acontecimento foi o
investimento feito no rock pelas gravadoras e rádios, pois o mesmo era lucrativo.
Conseguindo expressar através do rock and roll o desejo em alterar os padrões sociais
estabelecidos pela sociedade e conseguir maiores liberdades individuais e direitos civis.
O ódio disseminado entre os jovens – o surgimento do heavy metal
Com a crise no sistema capitalista, anos 1970 e 1980, a instauração de muitas
máquinas nas indústrias, automatização e a busca por mão de obra mais barata, várias
indústrias situadas em países desenvolvidos ou do chamado “primeiro mundo” transferiram
suas empresas para países subdesenvolvidos ou do chamado “terceiro mundo” justamente em
busca de mão de obra barata. Além disso, nesses países os direitos trabalhistas eram menores,
o que favorecia os empresários. Com a automatização da produção e a retirada de várias
empresas desses países desenvolvidos, uma parte da população ficou sem os empregos que
jamais “voltariam” no pós crise. Não ocorreram maiores manifestações pelo fato de que na
Era de Ouro, como diz Hobsbawm (2009) em “A Era dos Extremos”, a população conquistou
diversos benefícios sociais e trabalhistas. O que fez com que muitas dessas pessoas
desempregadas se acomodassem perante a situação de crise (HOBSBAWN, 2009).
Nesse clima agitado de manifestações populares, crise política e econômica, surge a
banda Black Sabbath que dá o “ponta pé” inicial ao movimento heavy metal. A banda surgiu
no ano de 1970 no meio desse clima de crise e pode ser considerada um retrato dela. Seguindo
as ideias de Christe (2010), o front man do Black Sabbath, conhecido como Ozzy Osbourne,
vem de uma família com seis irmãos, estava desempregado na época e tinha passagens pela
polícia. Os integrantes da banda nasceram por volta dos anos 1948 e 1949 em Birmingham,
na Inglaterra. É interessante notar que esses jovens cresceram numa Europa devastada pela
guerra. Christe (2010) cita que a cidade natal desses jovens vivia sob uma decadência
industrial e os mesmos sem grandes oportunidades ou perspectiva em “arrumar” algo melhor
para suas vidas decidem ingressar no mundo da música.
As músicas e as sonoridades do Black Sabbath retratam a realidade dos jovens pobres
ingleses da época. Com letras que criticavam fortemente as políticas da época e uma
sonoridade “pesada”, a banda acrescentou elementos macabros e de suspense em suas letras,
15
pois as lembranças dos escombros em que cresceram no pós-guerra ainda estavam “frescas”
(CHRISTE 2010). Todas essas características mostravam a insatisfação desses jovens. Outra
forma de ir contra os valores culturais da época era manter os cabelos compridos, usar roupas
pretas e calças de couro.
Logo no início do movimento heavy metal, na década de 1970, ele se espalhou
rapidamente por diversos outros países, como por exemplo, os EUA, a Holanda, Alemanha,
Austrália, dentre outros, e influenciaram várias bandas e jovens a tocar músicas desse estilo.
Podemos interpretar que a crescente popularização desse estilo se deu pelo fato de que tais
bandas retratavam a realidade em que viviam, fazendo fortes criticas ao sistema e à sociedade.
Desta forma, jovens de diversas outras regiões se identificavam com tais aspectos e
reproduziam as músicas em suas cidades ou formavam bandas com a mesma temática de
revolta e insatisfação social.
A década de 1980 pode ser considerada como a década de consolidação desse estilo
musical, com varias grandes bandas surgindo no cenário internacional, como por exemplo, o
Iron Maiden, AC/DC, Motorhead, Metallica, dentre outras. Essas bandas lançaram vários
discos nos anos 1980 e receberam apoio de diversas gravadoras. Como o heavy metal ficava
cada vez mais popular entre os jovens de todo o mundo, tais gravadoras viram uma grande
oportunidade em lucrar ainda mais financiando essas bandas. O investimento feito nessas
bandas fez com que o heavy metal se “concretizasse” no meio musical, atraindo ainda mais
pessoas a tocar esse tipo de musica, popularizando-se praticamente no mundo inteiro. Todos
esses elementos ajudaram a consolidar o heavy metal como um dos grandes gêneros musicais
conhecido mundialmente.
Com o clima de insatisfação social, político e econômico, essas bandas se tornaram
ainda mais populares entre os jovens na Inglaterra e nos EUA. Essa crescente popularização
do estilo fez surgir algumas revistas especializadas como a Kerrang!, na Inglaterra. Essa
revista ganhou popularidade rapidamente e divulgava diversas bandas da cena heavy metal.
Vendo o crescimento desse estilo musical e a quantidade de pessoas que tais bandas atraiam
para os shows, grandes gravadoras resolveram investir produzindo vários discos de bandas
que tocavam heavy metal. Surgiram diversas gravadoras underground que também
financiavam tais grupos.
No decorrer da década de 1980, e com o grande crescimento do heavy metal, surgem
várias vertentes do estilo, cada vez com um som mais “agressivo” e com mais ódio difundido.
Dentre essas vertentes está o thrash metal, com o Metallica, que nos álbuns lançados na
década de 1980 prezavam por fazer críticas sociais contra a desigualdade social e corrupção
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vividas na época. Outra vertente foi o black metal, com uma sonoridade ainda mais agressiva
e o visual dos integrantes das bandas ainda mais “chocantes”, usando calças de couro,
pulseiras de espinhos, rostos pintados, dentre vários outros. Essa vertente tinha como
propósito a crítica de valores sociais, como também a crítica aos valores cristãos. Essas
bandas de black metal têm como característica o culto à Satã, que era uma forma de contestar
os valores religiosos e sociais dominantes.
O estilo black metal ganhou mais força na Noruega, onde características locais fizeram
prosperar bandas desse estilo musical.
O crescimento do black metal coincidiria com o aniversário de mil anos do
Cristianismo na Noruega, quando dois reis pagãos, Olaf I Tryggvason, em 995, e
Olaf II Haraldsson, em 1015, violentamente impuseram a religião à costa oeste da
Noruega e precipitaram o fim da era viking. Ao estudar as atrocidades perpetuadas
pela cruz ostentada por seus antepassados, as bandas black metal adoradoras do
pentagrama achavam um ambicioso objetivo que elevasse as piadas satânicas ao
status de uma jihad religiosa eliminar o cristianismo da mesma forma que ele havia
invadido o país – violentamente –, e fazer com que a Noruega retornasse à condição
natural de harmonia espiritual. (CHRISTE, 2010, p. 348-350).
A “descoberta” desses acontecimentos pelos jovens noruegueses, através de estudos
nas escolas, fez com que o black metal ficasse muito popular no país, atraindo quantidades
cada vez maiores de jovens a ouvir e/ou tocar esse estilo musical.
Do satanismo ao folk metal escandinavo
O black metal tinha como característica marcante a exaltação de Satã com intuito de se
opor aos valores da sociedade judaico-cristã. Seguindo viés semelhante, entre o final dos anos
1980 e inicio da década de 1990, começaram a surgir bandas que passaram a utilizar outros
elementos de oposição à sociedade cristã, considerada por eles moralista. Agora esses jovens
passavam a cultuar os deuses de seus antepassados, ou seja, os deuses nórdicos. Um desses
exemplos é a banda Amon Amarth, da Suécia, que passou a incorporar elementos da cultura
nórdica, como os deuses e aventuras vikings.
Esse sentimento de ódio ao cristianismo é justificado por esses jovens devido à
imposição dessa religião à população escandinava de forma violenta, estimulando o
enfraquecimento e esquecimento dos antigos deuses e costumes nórdicos. Os povos nórdicos
foram forçados a exaltar um deus estrangeiro, que, na visão desses jovens, era um deus fraco.
Desse modo, essas bandas de metal folk escandinavas passaram a exaltar o que para eles eram
os reais deuses da Escandinávia. Com sonoridade extremamente pesada, eles cantavam,
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muitas vezes em línguas locais, aventuras de heróis, vikings e exaltavam os deuses do Edda*,
como Odin e Thor.
É importante ressaltar que foram acrescentados típicos instrumentos da cultura nórdica
na sonoridade das bandas de folk metal, como a gaita de fole, a flauta, o violino, a harpa de
boca, dentre outros. Dessa forma, não só as letras exaltavam essa cultura, como também a
sonoridade desses instrumentos remetia à Idade Média, contribuindo, de certa forma, com o
resgate desses costumes e com o sentimento nostálgico da época viking.
Os países que mais se destacam na cena musical folk metal são “Finlândia, Noruega,
Suécia e Ilhas Faroe” (MARJENIN; 2014; p. 1), todos eles com o mesmo objetivo de
“resgatar” a cultura e a memória dos povos nativos da Escandinávia.
Vale ressaltar que as principais características que diferenciam o folk metal dos demais
subgêneros do heavy metal são a presença de elementos da cultura popular, folk, ou seja,
instrumentos típicos de alguma cultura ou região, crenças e lendas de um determinado
povoado ou localidade, como por exemplo, os povos da Escandinávia, acrescentando nas
letras e temáticas das músicas os seus deuses e guerreiros nativos locais, que são elementos
típicos da região.
By integrating these elements into metal music, musicians have created a heavy metal
variant known as folk metal. This music is characterized by the concurrent
performance of heavy metal music with the integration of folk music, mythological
and/or cosmological stories, vocal performances in non-english languages, a focus on
historical events or historical figures and lyrics or images that identify with a specific
nation or group of people. (MARJENIN, 2014, p. 2)
Esse estilo musical vem crescendo muito, principalmente na Europa, desde que as
primeiras bandas surgiram com essa proposta musical no início dos anos 1990. O crescimento
dessa vertente do metal music também está ligado aos investimentos feitos para criar grandes
eventos musicais tendo essas bandas de folk metal como atrações principais. Um dos grandes
eventos que tem como características a presença desses grupos é o Ragnaröck, realizado
anualmente na Alemanha desde 2004. Esses eventos e o investimento feito por grandes
gravadoras fazem com que essas bandas se popularizem ainda mais e cada vez mais pessoas
ao redor do mundo se interessem em ouvir e/ou tocar esse estilo musical, incentivando ainda
mais os músicos a retratarem sua cultura local ou até mesmo os elementos nórdicos.
Outra característica que podemos levar em conta que atraia o interesse dos ouvintes do
_____
* Antiga literatura islandesa reunida em dois volumes, do século XIII, o primeiro designado Prosa ou Edda mais
recente e o segundo como Poética ou Edda mais antigo. (Descrição retirada do livro “A Estética Romântica” p.
59 de Gomes e Vechi, 1992).
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metal music, seria a inclusão de diversos instrumentos da cultura folk, e letras retratando a
vida dos seus povos nativos e exaltando os deuses nórdicos. Isso faz com que o folk metal
tenha uma característica própria e bem distinta das outras vertentes do heavy metal, mas
mantendo o “peso” característico do metal music. Essa popularização do estilo faz com que
grandes gravadoras investissem nessas bandas, fortalecendo a cena musical folk metal entre os
jovens.
Existem diversos grupos de folk metal no cenário atual, como por exemplo, a banda
Eluveitie, da Suíça, Svartsot, da Dinamarca, Ensiferum, da Finlândia, Korpiklaani, também
finlandesa, Týr, banda das Ilhas Faroe, Arkona, da Rússia, Equilibrium, da Alemanha dentre
várias outras.
De certa forma, o folk metal pode se caracterizar pelo cunho nacionalista, pois, os
elementos e a ideologia presente em tais bandas, principalmente nas letras de algumas delas,
nos abrem caminhos para pensar dessa maneira.
Folk metal musicians perform with folk or indigenous instrumentation, incorporate
folk tunes into metal music, use both English and non-english languages for vocal
performances, write lyrics explicitly affiliated with a particular culture or group of
people, and use physical images, such as symbols or clothing, to directly and
consciously connect the musicians with a culture. […] Folk metal lyrics are folkloric
and nationalistic and consciously evoke a culture, group of people, geographical
location, time period in history or a mythological/cosmological story. Lyrics discuss
historically oppressed groups or those feared as tyrants and oppressors,advocate
methods of subsistence and survival that are no longer practiced or describe stories of
creation found in national/regional folklore. The concurrency of these lyrical themes
and the incorporation of folk instruments in a heavy metal context establish a folk
metal identity.(MARJENIN, 2014, p. 52-55)
Marjenin (2014), ao argumentar sobre o espírito nacionalista desses jovens que tocam
músicas de folk metal, utiliza como exemplo a banda finlandesa Korpiklaani, que em suas
músicas resgatam os costumes dos povos Sami. Esses povos nativos finlandeses que recebem
o nome de Sami têm alguns de seus elementos caracterizados nas músicas da banda, como o
espírito de solidariedade, alguns deuses locais, alguns instrumentos finlandeses e o alto
consumo de bebidas alcoólicas. O resgate dessa cultura é argumentado por Marjenin (2014)
como forma de resgatar essas lembranças, costumes e a identidade local que ficaram
marginalizadas e esquecidas pela população da Finlândia. É importante ressaltar que todas as
músicas da banda Korpiklaani são cantadas em finlandês e o vocalista/guitarrista se
caracteriza com as vestimentas que ele considera ser as mesmas usadas pelos povos Sami. Os
instrumentos típicos desses nativos também são tocados de forma a lembrar algumas canções
folclóricas locais. Tentando, com isso, construir, ou reconstruir, a identidade finlandesa
através dos elementos dos povos Sami.
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Boa parte dessas bandas de folk metal canta em línguas nativas. Essa característica era
uma forma de ir contra a hegemonia da língua inglesa – principalmente EUA e Inglaterra –
que era utilizada por varias bandas de metal music, e não apenas as bandas que a língua nativa
dos integrantes era o inglês, como várias outras bandas que não tinham o inglês como língua
nativa, como por exemplo, bandas alemãs, suíças, norueguesas. A forma de cantar em língua
nativa ressalta a cultura folk local e transmite melhor a mensagem que a banda quer à
população de seu respectivo país. (MARJENIN, 2014)
Baseado no que foi dito sobre o folk metal, percebe-se que as bandas que cantam em
línguas locais, como norueguês, sueco, finlandês dentre outras, e falam em suas músicas sobre
mitos e lendas locais, estão tentando resistir a algum tipo de europeização ou
americanização*. Ou seja, buscando preservar a população e a nação de ficarem reféns desse
processo imperialista. O resgate dessa cultura local, ou folklore, e o motivo de cantarem em
língua local nos abre caminho para compreender a resistência desses jovens, principalmente
escandinavos, ao processo imperialista e de globalização que vem ocorrendo. Seguindo essas
ideias, Marjenin diz em seu trabalho que: “The folk elements incorporated into folk metal
represent an idealized image of the nation, people and music and reject popular European or
American culture.” (2014; p. 110-111).
O surgimento dessas bandas de folk metal e as ideias de incorporar no metal music
elementos locais como lendas, mitos, deuses, instrumentos típicos de cada país ou região,
coincide com a criação oficial da União Européia (1993)**. Esses jovens escandinavos
temendo com que seu país fique refém da política homogênea ou da cultura de países que
seriam potência do bloco político, decidem resgatar a identidade social e cultural de seus
respectivos países (MARJENIN, 2014). Como foi no Romantismo alemão, guardando devidas
proporções, esses jovens escandinavos queriam a “independência cultural” das demais
potências da época, resgatando a herança dos povos nativos e incorporando esses elementos
no metal music, que era um dos meios musicais de demonstrar sua revolta e insatisfação com
algo. Criando uma identidade local através dos costumes e da cultura de seus povos nativos,
esses jovens se diferenciam das demais culturas para se sentir incluídos numa comunidade,
compartilhando dos mesmos sentimentos do passado com sua população.
_____
* Termos utilizados por Marjenin (2014).
** In 1993, the European Union (E.U.) officialy formed from the European Economic Community (EEC).
(Marjenin; 2014, p. 105). Em 1993, a União Européia (UE) foi oficialmente formada a partir da Comunidade
Econômica Européia. (tradução livre).
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A resistance to the hegemony of the European Union explains the prominence of this
heavy metal subgenre in Europe. The incorporation of instruments, tunes, histories,
mythologies and elements affiliated with a particular country and culture, and singing
in non-English languages, such as Finnish or Sami, reinforces Korpiklaani’s band
members’ resistance to the larger political structure. The use of the Sami language,
especially, also raises awareness about the culture and lifestyle of this European
minority group. Even though much of the band’s music represents Finland as a
whole, the experiences of Korpiklaani’s vocalist with the Sami permeate the band’s
sense of Finnish nationality. (MARJENIN, 2014, p. 107)
Marjenin (2014, 46-52) defende que os jovens escandinavos também nutriam um
sentimento de não pertencimento à sua época, de insatisfação com a urbanização e perda de
alguns valores proporcionados pela industrialização, como a perda das estruturas familiares e
o modo de vida consumista, transformando a vida dessas pessoas em mera aparência ou em
estruturas artificiais com a perda dos valores e da forma de viver simples de seus
antepassados.
Assim, podemos observar que, de forma semelhante ao Romantismo alemão, mas
guardando as diferenças entre esses dois movimentos, a ideologia por trás do folk metal é de
“rejects modernization, westernization and the affects of industrialization on a country, its
people and the culture.” (MARJENIN; 2014; p. 110).
Proponho observarmos duas letras de duas bandas de folk metal, como possibilidade
para tentar compreender melhor as ideias que tais grupos musicais querem transmitir. A
primeira música, da banda Ensiferum, chamada “Ahti” e uma da banda Eluveitie, chamada
“Tarvos”:
Ahti
At the time of sundown/ No momento do Pôr-do-sol
Nature bathes in colours/ Banha a Natureza em Cores
In silence it waits/ Em silêncio ela espera
For the approaching force/ Para a força de se aproximar
In the halls of Ainola/ Nas salas de Ainola
The true king of dark waters/ O verdadeiro rei das águas escuras
Lurks with his mistress/ Espreita com sua amante
And a mob of a sea creatures/ E uma multidão de criaturas do mar
Under the waves of a blue lake/ Sob as ondas de um lago azul
Dwells the mighty Ahti!/ Habita o Ahti poderoso!
Sailors praise the glorious name/ Marinheiros a louvar o nome glorioso
The ruler of tides: Ahti!/ A régua de marés: Ahti!
At the shores of a northern land/ Às margens de uma terra do norte
Pray mortal men/ Oram homens mortais
Destruction for the arrogant fools/ Destruição para os tolos arrogantes
A reward for humble souls/ A recompensa para a alma humilde
The great lurker of the seas/ A grande lurker dos mares
Is pleased of the sacrifice/ O prazer do sacrifício
The waters are calm/ As águas são calmas
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Today no storm shall rise!/ Hoje nenhuma tempestade deve subir!
Under the waves of a blue lake/ Sob as ondas de um lago azul
Dwells the mighty Ahti!/ Habita o Ahti poderoso!
Sailors praise the glorious name/ Marinheiros a louvar o nome glorioso
The ruler of tides: Ahti!/ A régua de marés: Ahti!
Foreign ship filled with infidels/ Navio estrangeiro cheio de infiéis
They didn't listen to the northern men/ Eles não ouviram os homens do norte
From a dead calm storm will rise/ De uma tempestade Calma inoperante subirá
And they'll face the wrath of the sea/ E eles vão enfrentar a fúria do mar
Take care that your heir/ Tome cuidado para que seu herdeiro
Don't turn out too proud/ Não saem muito orgulho
Or your bloodline will drown into a vast ocean/ Ou sua linhagem se afogar em um
vasto oceano
Under the waves of a blue lake/ Sob as ondas de um lago azul
Dwells the mighty Ahti!/ Habita o Ahti poderoso!
Sailors praise the glorious name/ Marinheiros a louvar o nome glorioso
The ruler of tides: Ahti!/ A régua de marés: Ahti!*
Tarvos
In a virgin world primeval/ Em um mundo virgem e primevo
A newborn bullcalf emerged/ Um bezerro recém-nascido emergiu
Wondrous and celestial/ Maravilhoso e celestial
Three cranes to be its witness and droves/ Três garças para serem sua sabedoria e
rebanhos
Its honour mantled the face of the earth/ Sua honra cobriu a face da terra
A blessing unleashed to the earth/ Uma benção desencadeada sobre a terra
Unseathed the embodiment of life/ Não vista encarnação da vida
Tarvos - the embodiment of life/Tarvos - a encarnação da vida
Tarvos - the genesis of time/Tarvos - a gênese do tempo
The earthy heathlands roamed by Esus/ Por brejos terrosos vagados por Esus
Questing condign sacrifice/ Procurando o sacrifício condigno
A divine yearning hushed by the prodigy/ Um anseio divino silenciado pelo prodígio
Three cranes to wake up the slumbering taur/ Três garças para despertar o touro
adormecido
To warn him 'gainst the imminence of a huntergod ravenous/ Para avisá-lo contra a
iminência de um raivoso Deus caçador
"A drawn struggle through innominate days/"uma luta travada por dias inomináveis
As ultimately the sword of Esus/ No final das contas a espada de Esus
Pierced the bulls heart/ Atravessou o coração do touro
Three cranes to lament as its blood laves/ Três garças para lamentar enquanto o
sangue lavava
Creation wept under an eclipsing sun/ A criação chorou sob um sol eclipsante
As gloom descended upon world/ Enquanto a escuridão descia sobre o mundo
Three cranes to catch a drop of blood/ Três garças para capturar uma gota de sangue
And leave far away..."/ E partir para longe..."
A blessing depraved from the world/ Uma benção orada pelo mundo
As snow fell for the first time on earth/ Enquanto a neve caiu pela primeira vez no
mundo
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* Letra e tradução retirados em http://letras.mus.br/ensiferum/968475/traducao.html acessado em 22/08/15.
Música presente no álbum “Victory Songs” lançado em 2007.
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Three cranes returned/ As três garças retornaram
Pouring out the blood/ Despejando o sangue
To the ground of Tarvos' death/ No chão da morte de Tarvos
And out of nothing/ E do nada
The soil sacrified, the divine bull was reborn/ O solo cicatrizado, o touro divino
renasceu
Under a newborn sun nature rejoiced/ Sob um sol renascido a natureza foi alegrada
Thus spring came back on earth/ Assim a primavera voltou para a terra
Overcame the brumal reign/ Superando o reino brumal
Through Esus came back/ Embora Esus voltasse
To fell the bull, the eternal cycle has begun/ Para fazer cair o touro, o círculo eterno
havia começado
Tarvos - the embodiment of life/Tarvos - a encarnação da vida
Tarvos - the genesis of time/Tarvos - a gênese do tempo.*
Ao observarmos as duas letras musicais, conseguimos identificar alguns elementos
que prezam por “retomar” as crenças e a cultura de seus povos nativos por parte dessas
bandas de folk metal. A primeira letra, Ahti, cantada por Ensiferum, retrata uma antiga lenda
finlandesa de um deus da água, ajudando pescadores e/ou marinheiros com peixes e livrandoos de tempestades. Esse deus da água, Ahtisaari, ou apenas Ahti, é um deus típico do folclore
finlandês, mostrando assim, como essas bandas tentam colocar em evidência sua cultura e
alguns de seus costumes medievais locais. Essa banda, Ensiferum, é finlandesa e preza por
valorizar os elementos e costumes locais, entretanto, a discografia da banda é toda em inglês,
o que acaba contradizendo essa filosofia de prezar por elementos locais. Mas essa opção por
cantar em inglês pode ser considerada como uma estratégia, pois o inglês é mais bem aceito
nos demais países, pelo menos nos países ocidentais, conferindo à banda maior possibilidade
de inserção mercadológica. Os integrantes da banda prezam por se caracterizar nas
apresentações, ou seja, utilizar vestimentas de seus nativos, muitas vezes interpretados como
vikings e caracterizar o palco com símbolos e escritas locais.
A segunda música, Tarvos, cantada pela banda Eluveitie, também retrata deuses da
cultura celta, Esus e Tarvos, deuses esses que representam o inverno e a primavera,
respectivamente. Apesar de a banda ser suíça, ela retrata em sua letra um ritual e deuses
céltico e possui alguns instrumentos da cultura celta, como a gaita de fole. A filosofia da
banda também é de retratar a cultura local em oposição às demais. Pode-se questionar o
motivo de uma banda suíça cantar sobre lendas e mitos celtas, sendo que eles prezam pela
cultura local. Podemos considerar, seguindo as ideias de Mirella Faur (2011), que os vikings
tinham a característica de absorver alguns costumes de regiões exploradas por eles. Sendo
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* Letra e tradução retirados em http://letras.mus.br/eluveitie/1205006/traducao.html acessado em 22/08/15.
Música presente no álbum “Slania”, lançado em 2008.
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assim, uma das vias de interpretação seria que a banda esteja retratando essa característica,
ou esses ritos e deuses foram incorporados pelos vikings e nativos da região. Ainda sob as
ideias de Faur (2011), a região da Renânia é uma área onde os nativos sofreram muitas
influências dos povos celtas, como essa banda é suíça, tais características podem ter sido
absorvidas por essa população e retratadas em suas músicas pela banda. Os integrantes do
Eluveitie não prezam por usar vestimentas características de seus povos nativos nas
apresentações, entretanto, a banda preza por utilizar uma grande variedade de instrumentos
típicos em suas músicas. Nos álbuns lançados até aqui, a banda vem compondo músicas em
inglês e em sua língua local, acrescentando também algumas canções folclóricas como
característica em seus álbuns e shows.
A minha opção por escolher letras em inglês foi feita com função de limites pessoais,
pois as canções em inglês permitiam que fizéssemos a tradução e a análise. Essa opção de
cantar em inglês por algumas bandas de folk metal contradiz o ideal do estilo em valorizar a
cultura local, pois o inglês se caracterizando como segunda língua em vários países é uma das
características da globalização, algo que os grupos de folk metal tentam resistir.
Notando alguns elementos que aparecem nas duas letras, essas bandas de folk metal
prezam por deuses, lendas, mitos e cultura local. Entretanto, as letras das músicas não se
restringem apenas a deuses, como também a elementos da natureza, costumes regionais, os
instrumentos típicos retratando alguns ritmos do folklore local. Mas essas bandas não ficam
restritas apenas às letras e a instrumentos típicos, nos shows eles tentam se caracterizar como
vikings ou da forma com que os seus povos nativos se vestiam, aumentando assim, o
sentimento nostálgico de tal época e passando uma idealização do período em que eles têm
como “período de glória de seu povo”.
É importante notar que, semelhante ao Romantismo, essas bandas constroem a Idade
Média ou o período de seus povos nativos como lhes convém, ignorando as precárias
condições de vida, recursos naturais e todo tipo de pragas e pestes. Idealizando então povos
guerreiros, destemidos e de vida simples. Como diz Schorske (2000; p. 104) “os pobres são
assim identificados com fé antiga e com a comunidade, em oposição à ‘agressão’ social
moderna.” Ou seja, o pobre de vida simples, mas virtuosa.
Essa apropriação de deuses ou da cultura nórdica medieval em músicas ou em
composições não ficou restrita apenas a essas bandas de folk metal. Wagner também utilizou
bastante esses elementos para compor suas músicas. Considerado por Carpeaux (2001; 2013)
como o maior e mais influente compositor romântico, Wagner incorpora em diversas óperas
esses elementos do folklore que eram considerados por ele como cultura popular dos nativos
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alemães. Como possibilidade de analisarmos, ainda que rapidamente, a apropriação desses
elementos nórdicos por Wagner, vamos observar um trecho da ópera “O ouro do Reno”
(primeira apresentação em 1869), que faz parte de quatro óperas chamadas por Wagner de “O
anel dos Nibelungo” (Der Ring des Nibelungen, 1848-1874).
WOTAN
O encanto da Sala bem-aventurada me resguarda com portão e porta: a honra do
homem, força sem fim, se eleva para uma eterna glória!
(...)
A obra imortal chegou ao fim: No cume da montanha, o castelo dos deuses
resplandece esplendidamente como construção ímpar! Como eu sonhei; como eu
concebi...
Como a minha vontade o fez surgir, grande e belo, se o descortina lá, majestoso,
soberbo edifício!
(...)
Quiseste tu, mulher, prender-me na fortaleza; mas, tu deves bem concordar comigo, o
que eu, um deus, prisioneiro num forte, ganharia do mundo exterior. Mudança de
vida, reviravolta, ama quem vive: eis porque de tal jogo eu não posso me furtar.
(...)
Eu pus em perigo um de meus olhos, para te merecer como esposa: como, agora, me
lanças essa censura de estúpido! Com efeito, eu honro as mulheres muito mais do que
tu gostarias! E FREIA, a bem amada, eu jamais a abandonaria. Nunca passaria por
minha cabeça tal ideia.* (p. 13-15)
Percebemos nesse trecho alguns elementos que são característicos da mitologia
nórdica, como os deuses Wotan, que seguindo as ideias contidas no livreto de tradução é uma
adaptação do nome de Odin feita por Wagner, Freia, que na mitologia nórdica é a deusa da
fertilidade feminina, da fertilidade da terra com boas colheitas e protetora das mulheres.
Seguindo as ideias sobre mitologia nórdica contidas na obra de Mirella Faur (2011) e algumas
descrições sobre a ópera “O ouro do Reno”, contidas no livreto com a tradução da ópera,
notamos alguns desses elementos, como a “Sala bem-aventurada”, que seria o salão de
Valhalla, local onde os guerreiros mais fortes e corajosos se juntariam à Odin para o dia da
batalha final, ou Ragnaröck; “o castelo dos deuses” seria Asgard, lugar onde os deuses
residem; no trecho da obra em que diz “eu pus em perigo um de meus olhos”, retrata um
dos feitos de Odin em sacrificar um de seus olhos para conseguir grande sabedoria e
inteligência. Através desses trechos conseguimos notar algumas das características do
Romantismo ao resgatar os deuses de seus povos nativos e idealizar o tratamento afetuoso
entre eles.
Portanto, nos ficam algumas reflexões entre esse trecho da ópera de Wagner e as duas
músicas das bandas de folk metal. Notamos que em ambos prezam por uma valorização dos
_____
* Fragmento retirado do livreto de tradução da ópera “O ouro do Reno”,
http://www.agrandeopera.com.br/o-anel-de-nibelungo-2/. Acessado no dia 09-10-2015.
disponível
em
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deuses e dos costumes que consideram ser de seus povos nativos, na tentativa de se
diferenciar das demais culturas européias. No Romantismo, a tentativa de se diferenciar
culturalmente e dar uma identidade ou característica em comum ao povo alemão em relação à
França e Inglaterra. No folk metal, a tentativa de se diferenciar e resgatar os verdadeiros
costumes escandinavos em oposição ao Cristianismo e à globalização.
Considerações finais
Com a globalização vivida pelos povos escandinavos e a consolidação do capitalismo
e os efeitos da industrialização sentidos pelos intelectuais e escritores na época do
Romantismo alemão, surge o sentimento de não pertencimento a tal época por esses povos.
Um sentimento de insegurança e de isolamento em relação às mudanças sociais. Na tentativa
desses povos de criarem a sua “identidade” ou se sentirem incluídos na sociedade de seu
tempo, dá-se a necessidade de se interrogarem sobre suas origens e resgatarem os costumes e
a cultura de seus antepassados, o folklore, em busca de suas origens nacionais, para que
possam se sentir incluídos socialmente, em recusa a características vividas em sua
determinada época. A partir dessa ideia de resgate do folklore local, esses povos, germânicos
e escandinavos, tentam “recriar” a realidade em que vivem através dos mitos e da cultura
nórdica, tentando assim, criar ou recriar uma identidade social para seu povo em recusa a
características vividas pelos germânicos no século XVIII e XIX, e pelos escandinavos no fim
do século XX. Resgate, esse, de forma predominantemente idealizada, tanto por parte dos
românticos alemães quanto por parte das bandas de folk metal.
Marjenin (2014, p. 110) defende que o filosofo alemão Herder, que contribuiu para
algumas das ideias e influências do Romantismo alemão, também influenciou algumas das
ideologias contidas nas bandas de folk metal.
The notion that folk society members, uninfluenced by industrialization, represent the
essence of a nation’s identity, was proposed in the eighteenth century by the German
philosopher, Johann Gottfried Herder, who believed that songs, along with poetry and
stories from rural communities, were “…the living voice of the people, indeed
humanity.” (...) Whom Herder was referencing in his writings, whether a specific
group or a large number of people, it is the correlation between his ideas and the
sentiments expressed by the musicians from Ensiferum and Korpiklaani that is
significant.
Each rejects modernization, Westernization and the affects of
industrialization on a country, its people and the culture. (MARJENIN, p. 110)
Conseguimos notar, então, a valorização dos costumes locais nativos, a rejeição aos efeitos de
modernização e industrialização da sociedade, a insegurança e a instabilidade social que
26
algumas pessoas sentiam nessas transformações, juntamente com o desejo de inclusão e de
estabilidade social que foi buscado no medievo. Essa busca pela identidade nacional através
da cultura folclórica local é um dos argumentos de identidade de Herder, e é uma das bases
desse dois movimentos, o Romantismo alemão e o folk metal escandinavo.
Marjenin (2014, p. 46-52) refere-se ao sentimento que a população da Escandinava
nutria contra os elementos da globalização, como o desenvolvimento econômico, a
industrialização e o consumismo, que levavam as pessoas a viverem em estruturas sociais
“artificiais”, deixando de lado as tradições orais, as estruturas familiais e o senso de
solidariedade. Marjenin (2014) defende essa visão através das músicas, instrumentos típicos e
vestimenta de algumas bandas de folk metal. Argumentando que os elementos presentes nas
letras retratam tempos medievais com valores que ainda não haviam sido poluídos pela
industrialização e a globalização, exaltando os reais deuses e costumes de seus antepassados,
exaltando também as virtudes que eram passadas de geração em geração pelo seu povo. As
roupas e os instrumentos típicos seriam outra forma de enaltecer os valores e costumes locais,
vestindo-se como nativos e os instrumentos típicos sendo tocados de forma a lembrar antigas
canções ou ritmos característicos da época em que idealizavam.
Structurally, the relationships between members of an urban group are socially, or
artificially, constructed and maintained, rather than defined by kin relations. These
non-familial relations reflect the heterogeneity and large populations of these
societies. To maintain order in a large population of people not related by blood, a
unified system of social order, applying to all members of the group, is required. The
structures of these large populations lead to increased division of labor, labor
specialization and a concept of individualization. As shown, the urbane develops
from folk groups. However, as noted above, the transitional stages are not
distinguished, which means that overlap will exist among the infinite number of
points on the spectrum, as a folk group develops into an urban one. (MARJENIN,
2014, p. 47-48)
Segundo Bauman (2005, p. 34), “globalização significa que o Estado não tem mais o
poder ou o desejo de manter uma união sólida e inabalável com a nação.”. Seguindo essas
ideias, conseguimos compreender melhor o desejo do povo escandinavo em “retomar” sua
cultura nativa no intuito de se sentirem identificados com uma comunidade, compartilhando
os mesmos sentimentos nacionais entre si e colocando de lado a cultura imperialista de outras
nações. Alguns exemplos da presença desses elementos no país seriam através de filmes,
programas de televisão , revistas e diversos outros, difundindo a forma de vida idealizada por
essas nações, como os EUA, Estados Unidos da América.
Vale ressaltar que o Romantismo também tem características em negar os
acontecimentos de sua época, como industrialização e fim do Antigo Regime, que são
27
alterações sociais ou alterações na forma de viver das pessoas. Esse desconforto faz com que
o escritor romântico, pelo menos parte deles, volte seus pensamentos para o passado medieval
de seus povos nativos, tempo em que as estruturas sociais eram “estáveis”, pelo menos na
visão desses escritores. Assim como no folk metal, guardando as devidas proporções, o
Romantismo tenta resgatar os costumes e as virtudes do passado, defendendo que os mesmos
ainda não haviam sido “poluídos” pelo mundo moderno. Lembrando também que o
Romantismo tinha como características a “independência” cultural de demais potências
europeias, como as influências culturais da Inglaterra e França. O Romantismo tentou criar
características comuns para a população alemã através da cultura nórdica, o folk metal tentou
resgatar a identidade dos povos escandinavos também através da cultura nórdica. É
interessante notarmos que o Romantismo e o folk metal tentaram resgatar a identidade de seu
povo em elementos medievais através do folklore escandinavo. Tentando unir sua população
através de todos esses elementos contidos na cultura de seus povos nativos.
“Para pessoas inseguras, desorientadas, confusas e assustadas pela instabilidade e
transitoriedade do mundo em que habitam, a ‘comunidade’ parece uma alternativa tentadora”
(BAUMAN, 2005, p. 68). Essa frase de Bauman (2005) nos esclarece algumas características
do Romantismo e do folk metal, pois esses grupos viviam em tempos de grandes
transformações e instabilidades sociais, então os mesmos buscaram conforto nos povos
nórdicos da Idade Média, tentando unir sua comunidade em tempos de grandes
transformações, sob os costumes e a vida simples nas vilas e campos do medievo. Colocando
de lado a vida artificial do presente por uma vida simples e virtuosa, mas, principalmente,
estável socialmente, de seus povos nativos.
Em relação à cultura, Dennys Cuche (1999) cita um elemento muito interessante e
válido para este trabalho. Ele afirma que “uma cultura não é uma simples justa posição de
traços culturais, mas uma maneira coerente de combiná-los.” (CUCHE, 1999, p. 78), diz
também que “a construção da identidade [social] se faz no interior de contextos sociais que
determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orientam suas representações e suas
escolhas.” (CUCHE, 1999; p. 182). Sendo assim, devemos tomar muito cuidado ao analisar
como esses povos lidam com seu passado medieval e ao notar algumas semelhanças entre
eles. Quando Cuche (1999) diz que os traços culturais são combinados de uma maneira
coerente, conseguimos perceber isso tanto no Romantismo quanto no folk metal, pois houve
uma coerência ao resgatar esse folklore local na tentativa de dar uma identidade a essa
população, diferenciando-a das demais culturas europeias e valorizando a cultura e os
costumes locais. Ao dizer que as escolhas se fazem no interior de cada sociedade e que as
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mesmas conduzem as “escolhas”, podemos levar em conta que essas “escolhas” do passado
foram tomadas, pelo menos no Romantismo e no folk metal, já com alguns “objetivos” em
mente, como por exemplo, o desejo de unir a população em torno de um mesmo passado e de
construir ou resgatar sua memória e sentimentos nativos.
Seguindo as ideias de Ernst Bernheim contidas na obra organizada por Estevão
Martins (2015):
[...] deve-se saber reconhecer na diversidade dos modos de expressão os sentimentos
e opiniões que lhes estão na base. [...] Ao reconhecermos que os processos sensitivos
e imaginativos de todos os seres humanos são análogos, nós nem queremos nem
podemos negar a diversidade de todo particular sentimento ou imaginação humanas.
Tal diversidade assenta-se sobre a relativa diversidade de individualidades, não
apenas de povos e épocas, mas também de cada pessoa particular. (BERNHEIM,
1908, apud, MARTINS, 2015, p. 61).
Perante tais ideias, ficam os cuidados que devemos tomar ao analisar como a sociedade alemã
da época romântica e como a sociedade da Escandinávia do movimento musical folk metal se
apropriaram de seu passado medieval em tempos tão distintos, que apesar de guardarem
algumas semelhanças, tiveram suas peculiaridades locais. Ao retomarem tais mitos
considerados como folklore local, essas sociedades tinham um ideal por traz disso. Apesar das
semelhanças, esses povos estavam em tempos distintos e sob distintas influências. Além de ir
de encontro aos processos modernos de cada época, esses grupos estavam em épocas e
contextos diferentes.
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Documentos eletrônicos:
Fragmento retirado do livreto de tradução da ópera “O ouro do Reno”, disponível em
<http://www.agrandeopera.com.br/o-anel-de-nibelungo-2/> Acessado no dia 09-10-2015.
Letras de canções Disponível em: <http://letras.mus.br/ensiferum/968475/traducao.html>
acessado em 22/08/15.
Letra e tradução retirados em <http://letras.mus.br/eluveitie/1205006/traducao.html>
acessado em 22/08/15.
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