INVESTIGAÇÃO DE SUBSTÂNCIA TIPO BACTERIOCINAS EM
Transcrição
INVESTIGAÇÃO DE SUBSTÂNCIA TIPO BACTERIOCINAS EM
INVESTIGAÇÃO DE SUBSTÂNCIA TIPO BACTERIOCINAS EM AMOSTRAS NÃO HUMANAS E AMBIENTAIS Marília Pinheiro Cavalcante1 Helena de Fátima Silva Lopes1 Ivanaldo Amâncio da Silveira1 Elizabeth Cristina Gomes dos Santos1 RESUMO A resistência bacteriana aos antimicrobianos tem favorecido a busca por substâncias alternativas que apresentem caráter antibacteriano, visando ao auxílio e tratamento das diversas infecções causadas por patógenos resistentes. Atualmente, pesquisas estão sendo desenvolvidas com bacteriocinas, substâncias sintetizadas por bactérias, relacionando a bacteriogenicidade à virulência que alguns micro-organismos possuem e se são responsáveis pela ação competitiva em casos de colonização e agressão. O presente trabalho analisou a capacidade de determinadas bactérias, isoladas de amostras não humanas e ambientais, de produzirem substâncias do tipo bacteriocinas, e sua ação antibacteriana sobre bactérias da mesma espécie e de espécies distintas, utilizando-se o método de camada dupla com clorofórmio. Das bactérias-teste, a Pseudomonas aeruginosa, isolada do sabonete líquido, foi a única produtora de tal substância, capaz de inibir as bactérias reveladoras B. cereus ATCC 11778, E. coli ATCC 25922, S. Typhimurium ATCC 14028, S. aureus ATCC 29213, S. aureus ATCC 33591 e P. vulgaris, com diferentes graus de ação. Dessa forma, são necessários estudos mais aprofundados para a caracterização e identificação dessa substância, para que possa vir a ser utilizada como provável recurso terapêutico no tratamento de infecções causadas por patógenos resistentes e emergentes. Palavras-chave: Resistência Microbiana. Bacteriocina. Atividade Antibacteriana ABSTRACT 1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal – RN. Endereço para correspondência: Avenida Gustavo Cordeiro de Farias, s/n. Petrópolis. CEP: 59010-180. Natal – RN, Brasil. E-mails: [email protected]; The bacterial resistance to antimicrobial agents has encouraged the search for alternative substances that have antibacterial character, seeking aid and treatment of various infections caused by resistant pathogens. Nowadays, researches are being developed with bacteriocins, which are substances synthesized by bacteria, correlating the bacteriogenicidade to the virulence that some micro-organisms have and if they are responsible by the competitive action in cases of colonization and aggression. The present work analyzed the capacity of certain bacteria, isolated in non-human and environmental samples, of producing bacteriocins-like substances, and its antibacterial action over bacteria of the same species and of different species, using the method of double layer with chloroform. From all the analyzed bacteria, the Pseudomonas aeruginosa, isolated of liquid soap, was the only one producing such substance, capable of inhibit the revealing bacteria B. cereus ATCC 11778, E. coli ATCC 25922, S. Typhimurium ATCC 14028, S. aureus ATCC 29213, S. aureus ATCC 33591 e P. vulgaris, with different degrees of action. Thereby, further studies are required for the characterization and identification of this substance, which might be used as a therapeutic resource in the treatment of the infections caused by emerging and resistant pathogens. Key words: microbial resistance, bacteriocin, antibacterial activity INTRODUÇÃO Desde a descoberta da penicilina em 1928, e a posterior produção e comercialização dos antibióticos, as doenças infecciosas vêm sendo tratadas. Embora a produção de antimicrobianos seja estimada em cerca de 100.000 toneladas mundialmente, o uso desses medicamentos vem transformando o comportamento bacteriano, pois, apesar de atuarem contra diversos patógenos, muitas estirpes tornaram-se resistentes a vários antibióticos e quimioterápicos, produzindo o fenômeno da multirresistência (NIKAIDO, 2009). Com o uso extensivo da quimioterapia antimicrobiana, há o declínio da eficácia terapêutica desses fármacos, sendo esse fato previsto há muito tempo, como também antimicrobianos inevitável. torna-se O mais desenvolvimento desafiador, de novos entretanto, as fármacos empresas farmacêuticas preferem investir em mercados mais lucrativos (SANDEBRUINSMA et al., 2008), daí a necessidade de se buscar alternativas terapêuticas antibacterianas que atendam às atuais necessidades. O surgimento de patógenos resistentes aos antibióticos e a crescente demanda por alimentos seguros, com menos aditivos químicos, provocou o aumento do interesse pelas bacteriocinas, peptídeos produzidos por bactérias, contribuindo, desse modo, para a obtenção de novas fontes de compostos antimicrobianos e melhores estratégias referentes à segurança alimentar. Durante as duas últimas décadas, as bacteriocinas foram assunto muito estudado em todo o mundo por causa de seu grande potencial como conservantes naturais, evitando o crescimento de bactérias deteriorantes de alimentos e/ou patogênicas; como segunda geração de antibióticos para lidar com patógenos que adquiriram resistência múltipla aos antibióticos tradicionais; e como probióticos, favorecendo a saúde dos seres humanos e de outros animais (KJOS et al., 2011). Dentre as bactérias probióticas mais utilizadas para o consumo humano, estão as ácido-lácticas (BAL), como Lactobacillus acidophilus, L. plantarum e espécies correlatas, além de espécies de Bifidobacterium e Enterococcus, pois além de proporcionar sabor e textura aos alimentos, atuam como bioconservantes, já que produzem bacteriocinas e outras substâncias antimicrobianas, prevenindo a decomposição dos alimentos (DOLZ, 2008). As bactérias Gram-positivas produtoras de bacteriocinas, devido a apresentar atividade antimicrobiana potente contra diversas bactérias deteriorantes de alimentos e patógenos, têm sido consideradas promissoras para aplicação como conservante de alimentos, bem como para o tratamento clínico (KJOS et al., 2011). Por esses compostos apresentarem mecanismo de ação sobre as membranas bacterianas, seu emprego como agente terapêutico deve ser avaliado, sendo essas substâncias candidatas a novos fármacos antimicrobianos (MILLS et al., 2011). O estudo realizado aborda a importância de se pesquisar compostos microbianos que apresentam capacidade antibacteriana, ampliando, portanto, as alternativas terapêuticas que determinadas substâncias podem representar no combate a patógenos resistentes e emergentes. Avaliando, dessa forma, a produção de substâncias tipo bacteriocinas em amostras não humanas e ambientais, isoladas de diversas fontes, usando como bactérias reveladoras amostras de referência de interesse clínico e alimentar, contribuindo para o possível aumento do arsenal terapêutico para o combate das infecções bacterianas. 1. RESISTÊNCIA MICROBIANA Os medicamentos são a principal intervenção terapêutica adotada para a melhora do quadro clínico de um indivíduo, sendo uma necessidade na orientação das políticas de saúde pública e, dentre esses medicamentos, estão os antimicrobianos (GURGEL; CARVALHO, 2008). Esses agentes terapêuticos revolucionaram a medicina em muitos aspectos, salvando inúmeras vidas, sendo a sua descoberta um ponto crucial na história da humanidade (DAVIES; DAVIES, 2010). O uso inadequado dos antimicrobianos tem favorecido o surgimento da resistência microbiana e sua disseminação, o que tem dificultado o tratamento de infecções graves, ocasionadas por patógenos multirresistentes, gerando aumento da mortalidade, morbidade, permanência hospitalar e custos à saúde (GIANNAKAKI; MIYAKIS, 2012). Há relatos da resistência desde o uso dos primeiros antimicrobianos. Segundo Lopes (2010, p. 33), “até a primeira metade do século XX, muitos dos casos de infecções bacterianas estavam acometidos as altas taxas de mortalidade, pois escassas eram as alternativas de terapia médica”. Citado ainda pelo mesmo autor, o uso contínuo de antibióticos, associado às condições de higiene e saneamento, selecionou micro-organismos capazes de resistir a diversos fármacos, sendo, portanto, responsável pela multirresistência bacteriana, no qual um número expressivo de cepas patogênicas multiplicou-se dentro de ambientes hospitalares. O fenômeno da resistência foi observado para vários fármacos, sendo vista a adaptação dos micro-organismos a ambientes hostis, criados pelo homem. Diante disso, esses achados poderiam ser um sinal de alerta para se promover um uso racional dos insumos terapêuticos, no entanto, não é o que ocorre. O uso correto de antimicrobianos é fundamental, já que infecções causadas por patógenos resistentes são mais difíceis de ser tratadas, e que o mau uso desses antibióticos é o principal fator responsável pela seleção de micro-organismos resistentes (ZIMERMAN, 2010). Além do uso abusivo ou irracional desses fármacos, fatores como prescrição arbitrária, uso de monoterapia, prescrições veterinárias, ausência de um sistema de vigilância epidemiológica da resistência bacteriana – que gere informações que remetam a medidas de políticas terapêuticas e reguladoras – e a globalização – uma vez que há transmissão de patógenos resistentes de um país para outro por intermédio de viajantes infectados por tais cepas, também contribuem para a resistência (GURGEL; CARVALHO, 2008; BISHT et al., 2009). Conforme Antonio et al. (2009), a resistência ocorre devido à aquisição de genes, pela bactéria, que permitem a interferência no modo de ação dos fármacos, seja por mutação espontânea do DNA ou por transformação e transmissão de plasmídeos. Algumas bactérias são capazes de produzir enzimas que inibem os antibióticos (Beta-lactamases, que inibem a penicilina, por exemplo), outras sofrem alterações nas enzimas-alvo (DNA-girase, topoisomerase IV) ou impedem o acesso dos antimicrobianos a essas enzimas (expressão de bombas de efluxo associadas a membranas, responsáveis por bombear os fármacos para fora da célula bacteriana). Em virtude do surgimento de patógenos resistentes a antibióticos, tem aumentado a preocupação da saúde pública em diversos países. Embora medidas tenham sido tomadas para evitar a resistência microbiana, há uma necessidade de se buscar por novos agentes antimicrobianos que minimizem essa problemática (HASSAN et al., 2012). 2. BACTERIOCINAS As bacteriocinas são peptídeos antimicrobianos produzidos por bactérias de natureza ribossômica, que podem apresentar espectro de ação curto, quando ativo contra bactérias da mesma espécie ou espécies correlatas, e de amplo espectro, contra bactérias de outros gêneros (COTTER, 2012). Exerce ação bactericida ou bacteriostática, sendo produzida tanto por bactérias Grampositivas quanto Gram-negativas (NASCIMENTO; MORENO; KUAYE, 2008). As bacteriocinas produzidas pelas bactérias Gram-positivas não são tão letais quanto as produzidas pelas Gram-negativas, e o seu sistema de transporte para liberação de bacteriocinas são específicos. Dentre as bactérias Gram-positivas consideradas grandes produtoras, estão as bactérias lácticas (BAL), que possuem suas bacteriocinas subdivididas em quatro grupos: classe I (ou lantibióticas, apresentando lantionina e b-metil lantionina), classe II (peptídeos de membrana que não contém lantionina; são relativamente estáveis ao calor, sendo subdivididas em classe IIa, IIb e IIc, sendo a primeira ativa contra a Listeria, a segunda requer dois diferentes peptídeos para ter atividade, e a terceira apresenta peptídeos com tiol ativado, requerendo resíduos de cisteína reduzido para, então, ser ativa), classe III (são moléculas grandes e termo lábeis) e classe IV – moléculas complexas, contendo porções lipídicas, ou de carboidratos, além da porção proteica (RILEY; WERTZ, 2002; NASCIMENTO; MORENO; KUAYE, 2008). Elas variam, geralmente, de 30 a 60 aminoácidos, e sua síntese tem sido relacionada a diversos tipos de bactérias, sendo as bacteriocinas produzidas por bactérias ácido lácticas (BAL) as que vêm chamando mais atenção quanto ao uso seguro em alimentos (MILLS et al., 2011). Todas essas substâncias até então conhecidas são sintetizadas como pré peptídeos com uma sequência N-terminal responsável por dirigir seu transporte para fora da célula bacteriana, e uma sequência C-terminal que sofre modificações pós-tradução no seu polipeptídeo precursor. Essas modificações podem ser: desidratação nos resíduos de treonina ou serina específicos, resultando em 2,3-dideidroaminoácidos; ou ainda adição de grupos tiois de resíduos de cisteína às ligações duplas de alguns aminoácidos, gerando resíduos de lantionina e b-lantionina (BRASIL..., 2010). As colicinas são bacteriocinas produzidas por bactérias Gram-negativas, sendo a mais estudada a sintetizada pela Escherichia coli. A substância produzida pela E. coli é codificada por plasmídeos, possuindo três genes, um que codifica a toxina (gene da toxina), o que codifica uma proteína que confere imunidade específica para a célula produtora, se ligando e inativando a toxina (gene da imunidade), e outro responsável pela liberação da colicina pela lise da célula produtora (gene de lise). Essa bacteriocina é produzida em situação de estresse. A sua ação tóxica abrange desde a formação de poros na membrana celular, bem como o DNA, RNAr e RNAt, agindo como nuclease. Além da E. coli, outras bactérias Gram-negativas são produtoras de bacteriocinas, entre as quais: Pseudomonas aeruginosa, que produz as piocinas nucleases, codificadas pelo cromossomo, e a Serratia marcescens, que tem suas bacteriocinas codificadas por plasmídeos e cromossomos (RILEY; WERTZ, 2002). Em razão dos possíveis efeitos adversos causados pela adição de compostos químicos, como conservantes, em alimentos e pela crescente demanda por alimentos seguros e minimamente processados, vem-se dando atenção aos bioconservantes, que são substâncias derivadas de microorganismos que inibem o crescimento de outros indesejáveis em alimentos. As bacteriocinas têm sido bastante utilizadas, pois não provocam alterações sensoriais e possuem atividade específica contra determinados patógenos (VIEIRA, 2011). Dentre as bacteriocinas mais usadas na indústria alimentícia, destacamse: a nisina, produzida pelo Lactococcus lactis subsp lactis, pediocina PA-1 sintetizada por Pediococcus, lactococcina G, plantaricinas EF, divergicina A, acidocina B e enterocina AS-48, todas elas atuando sobre a membrana bacteriana. Como nos últimos anos tem ocorrido aumento da resistência bacteriana aos antibióticos, as bacteriocinas, peptídeos antimicrobianos catiônicos naturais, constituem uma boa alternativa como novos agentes terapêuticos (DOLZ, 2008). 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. Micro-Organismos e Manutenção As amostras bacterianas isoladas de diferentes origens (Quadro 1) foram usadas como bactérias-teste, as quais foram analisadas quanto à produção de substâncias tipo bacteriocinas. As bactérias utilizadas como reveladoras para a pesquisa de atividade bacteriocinogênica foram: Bacillus cereus ATCC 11778, Escherichia coli ATCC 25922, Pseudomonas aeruginosa ATCC 27853, Staphylococcus aureus ATCC 29213, Staphylococcus aureus ATCC 33591, Salmonella Typhimurium ATCC 14028 e Proteus vulgaris. Lactobacillus plantarum ATCC 10021, produtora de bacteriocina, foi utilizada como controle positivo. Os micro-organismos foram mantidos em ágar Nutriente (Himedia) e Lignières a 4°C. Todas as amostras fazem parte da coleção de microorganismos do Laboratório de Microbiologia Clínica da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Quadro 1: Relação de bactérias-teste. BACTÉRIAS-TESTE ORIGEM MO3 AMBIENTAL MO5 FEZES DE RATO MO7 CONTAMINANTE DE GELADEIRA MO10 ÁGUA (POÇO) MO12 SABONETE LÍQUIDO MO13 CHOURIÇO (DOCE) Fonte: Laboratório de Microbiologia Clínica da UFRN. 3.2. Isolamento das Bactérias em Estudo As bactérias-teste foram isoladas do ambiente, fezes de rato, chouriço (doce), sabonete líquido, água (poço) e contaminantes de geladeira, e em seguida semeadas em ágar Infuso de Cérebro Coração (ágar BHI- Brain Heart Infusion agar/ Himedia) e incubadas por 24h a 37°C. Após crescimento, as bactérias foram mantidas de acordo com o item 3.1. 3.3. Identificação das Bactérias-Teste Os procedimentos realizados para a identificação das bactérias-teste, técnica de Gram e provas bioquímicas foram baseados em Koneman et al. (2008). Para a identificação das bactérias Gram-negativas foram utilizados os meios de cultura, Tríplice Açúcar Ferro-Ágar (TSI/Himedia), Sulfeto Indol Motilidade (SIM/Himedia), Citrato (Himedia), Lisina (Himedia) e Fenilalanina (Himedia). Para as bactérias Gram-positivas: Ágar Manitol Salgado (Himedia) e Ágar DNase (Himedia), sendo também realizadas as provas da catalase e oxidase. 3.4 – Determinação da Produção de Substância Tipo Bacteriocina, pelo Método de Camada Dupla, com Clorofórmio Os inóculos bacterianos em estudo com crescimento de 18-24h foram padronizados segundo a escala 0,5 de McFarland em salina 0,9% estéril e semeadas em ágar Muller Hinton (ágar MH), com posterior incubação a 37°C/24h. Após esse período, as placas foram expostas ao vapor de clorofórmio (Vetec), por 30 minutos, e entreabertas por 20 minutos para evaporação do clorofórmio residual. Na segunda etapa do experimento, as bactérias reveladoras, com o mesmo padrão de turbidez das bactérias-teste, foram adicionadas (200 µL) ao ágar MH fundido (aproximadamente 45°C), e em seguida sobrepostas ao crescimento das bactérias-teste, com posterior incubação nas mesmas condições de temperatura e tempo. A interpretação dos resultados foi obtida pela formação ou não do halo inibitório ao redor da bactéria-teste (APOLÔNIO et al., 2007). Para facilitar a visualização do halo, adicionou-se ao crescimento bacteriano o cloridrato de 2,3,5-trifeniltetrazólio (1% p/v, Sigma). Todos os experimentos foram realizados em duplicata. Em todos os experimentos foi utilizada a bactéria L. plantarum ATCC 10012 como bactéria de referência produtora de bacteriocina, a qual foi semeada em ágar tomate (ÁGAR TOMATE..., s.d.) e incubada em microaerofilia (5% CO2) a 37°C/48h. 3.5. Investigação da Produção de Substância Tipo Bacteriocina na Curva de Crescimento A investigação da produção de bacteriocina ao longo da curva de crescimento foi realizada utilizando-se a bactéria produtora, em caldo MH, caldo BHI e no sabonete líquido. A bactéria-teste, após crescimento de 24h em ágar BHI, foi inoculada em 5,0 mL de caldo Mueller Hinton (MH/ Himedia) e incubada a 37 °C por 24h, em aerobiose. Desta cultura, foi feito um inóculo de 0,1 mL em 5,0 mL de caldo MH. Após 12h de incubação foi adicionado 1,0 mL da cultura em 99,0 mL de cada meio testado (caldo MH, caldo BHI e sabonete líquido), sendo considerado neste momento o intervalo de tempo zero. Os intervalos de tempo estabelecidos para leitura foram: 2, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 16, 18, 20, 22 e 24h de crescimento. Em cada intervalo de tempo retirou-se alíquotas destas culturas para semeadura em ágar MH e efetuação de leituras da densidade óptica, em espectrofotômetro (Shimadzu UV-1650PC) a 540 nm. Durante este procedimento a cultura permaneceu incubada em aerobiose, nas mesmas condições de tempo e temperatura. A linhagem reveladora selecionada foi a que apresentou amplo perfil de sensibilidade à substância antagonista produzida pela bactéria-teste, e a que está relacionada com infecções frequentes na população. As mesmas culturas utilizadas na curva de crescimento também foram usadas na avaliação da produção de substâncias tipo bacteriocina. Dessa cultura foram realizados “spots” em ágar MH. Os intervalos de tempo que foram feitas as revelações foram os mesmos da curva de crescimento (OLIVEIRA, 1996). 4. RESULTADOS 4.1. Identificação das Bactérias-Teste Os resultados obtidos após microscopia dos esfregaços feitos pela coloração de Gram e pelas provas bioquímicas estão descritos no Quadro 2. Quadro 2. Características morfotintoriais e identificação das bactérias-teste. Bactériasteste Origem Características Morfotintoriais Identificação MO3 Ambiental Bacilo Gram-negativo Enterobacter cloacae MO5 Fezes de rato Bacilo Gram-negativo Enterobacter cloacae Contaminante de Bacilo Gram-negativo geladeira Água (poço) Enterobacter cloacae Bacilo Gram-negativo Enterobacter aerogenes Sabonete líquido Bacilo Gram-negativo Pseudomonas Chouriço (doce) Coco Gram-positivo aeruginosa Staphylococcus aureus MO7 MO10 MO12 MO13 Fonte: Laboratório de Microbiologia Clínica da UFRN. 4.2. Determinação da Produção de Substância Tipo Bacteriocinas, pelo Método de Camada Dupla, com Clorofórmio O teste realizado para determinação da produção de bacteriocina mostrou que somente a bactéria-teste P. aeruginosa (MO12) foi capaz de produzir substância tipo bacteriocina, apresentando amplo espectro de ação contra as bactérias reveladoras B. cereus ATCC 11778, E. coli ATCC 25922, S. Typhimurium ATCC 14028, S. aureus ATCC 29213, S. aureus ATCC 33591 e P. vulgaris. A bactéria mais suscetível foi o B. cereus, seguido das linhagens de S. aureus. O L. plantarum ATCC 10012 inibiu todas as bactérias reveladoras. Os dados encontram-se descritos na Tabela 1. Tabela 1. Perfil de produção de substância tipo bacteriocina, pelo método de camada dupla com clorofórmio. B. cereus ATCC 11778 E. coli ATCC 25922 P. vulgaris P. aeruginosa ATCC 27853 S. Typhimurium ATCC 14028 S. aureus ATCC 29213 S. aureus ATCC 33591 Bactérias Reveladoras E. cloacae - - - - - - - E. cloacae - - - - - - - E. cloacae - - - - - - - E. aerogenes - - - - - - - P. aeruginosa +++ 40*± 1,0 25±1,0 - 30±1,0 53±0,5 50±1,0 S. aureus - - - - - - - L. plantarum +++ +++ +++ +++ +++ 32±0,5 39±0,5 Bactérias-Teste ATCC 10012 (+++)- halo em toda a placa; (- )- não inibiu crescimento;( * )- halo inibitório em milímetros (mm); ±EPM (Erro Padrão da Média). 4.3. Investigação da Produção de Substância Tipo Bacteriocinas na Curva de Crescimento Observou-se que a bactéria P. aeruginosa (MO12) em caldo MH e caldo BHI produziu a substância tipo bacteriocina a partir do tempo de 24h, período que corresponde ao final da fase exponencial e início da estacionária (Figura 1). Enquanto que, no sabonete líquido, iniciou a produção no tempo de 16h, atingindo o pico máximo em 20h. Não foi possível realizar a leitura da densidade óptica (D.O) do sabonete líquido. Figura 1- Curva de crescimento da P. aeruginosa (MO12) e produção de substância tipo bacteriocina. A) em caldo BHI; B) em caldo MH; C) em sabonete líquido. 5. DISCUSSÃO As bacteriocinas, substâncias de curto e amplo espectro de ação antibacteriano, vêm despertando interesse como alvo terapêutico, devido ao aumento da resistência microbiana aos fármacos convencionais, contribuindo para obtenção de novos agentes antimicrobianos. Nesse estudo, as bactériasteste isoladas foram identificadas por testes bioquímicos e morfotintorial como Enterobacter cloacae (de fontes diversas), P. aeruginosa (sabonete líquido) e S. aureus (chouriço). Essas bactérias são ubíquas, podendo ser encontradas em ambientes aquáticos, terrestres, plantas, humanos e outros animais, dentre outros (HOFFMANN; ROGGENKAMP, 2003; SANDEL; MCKILLIP, 2004; WIEHLMANN et al., 2007). A bactéria P. aeruginosa (MO12) foi a única que produziu substância tipo bacteriocina, a qual inibiu bactérias de interesse clínico e da área de alimentos, destacando-se as bactérias B. cereus e as linhagens de S. aureus (produtora de beta-lactamase - 29213 e MRSA- 33591). Dados esses também observados por Sallem et al. (2009), que verificou a inibição de diversas bactérias, pela bacteriocina piocina produzida pela P. aeruginosa. Dentre as espécies testadas, o composto inibiu o crescimento de diferentes cepas de Staphylococcus (S. aureus e S. epidermidis) e Bacillus (B. subtilis e Bacillus BC31), mas não as bactérias Gram-negativas, Escherichia coli WT e Proteus vulgaris. Em nosso estudo, a substância produzida pela P. aeruginosa (MO12) foi capaz de inibir a Escherichia coli ATCC 25922 e Proteus vulgaris. As bacteriocinas geralmente não são ativas contra as bactérias Gramnegativas, devido a estas possuírem a membrana externa, que atua como uma barreira de permeabilidade celular, dificultando a entrada de substâncias, tais como alguns antibióticos, detergentes e corantes, impedindo-as de atingirem a membrana citoplasmática. No entanto, há relatos na literatura da ação de bacteriocinas produzidas pelo Lactobacillus plantarum (plantaricina 35d, ST28MS e ST26MS) contra Aeromonas hydrophila, E. coli e Acinetobacter baumanii; e L. pentosus e L. paracasei subp. Paracasei (bacteriocina T151BR) contra E. coli. A termofilina, bacteriocina produzida pelo Streptococcus thermophilus, mostrou-se ativa contra E. coli, Yersinia pseudotuberculosis, Y. enterocolitica e Salmonella Typhimurium, e sobre algumas bactérias Grampositivas, Bacillus e Listeria monocytogenes (PARADA et al., 2007). O L. Plantarum, utilizado como controle positivo nesse estudo, mostrou atividade inibitória contra todas as bactérias reveladoras testadas, confirmando os dados obtidos na literatura. A atividade inibitória da substância tipo bacteriocina produzida pela P. aeruginosa (MO12) desperta interesse, o que torna seu estudo relevante como alternativa terapêutica, por agir contra as linhagens de Staphylococcus aureus. Pesquisas mostram que a bactéria S. aureus tem apresentado resistência a antimicrobianos convencionais, como a meticilina, sendo responsável pelos elevados índices de mortalidade e morbidade, tanto em ambientes hospitalares quanto na comunidade (GAD et al., 2010; NAVRATNA et al., 2010). O estudo quanto à produção da bacteriocina ao longo da curva de crescimento mostrou que a P. aeruginosa (MO12) atingiu o pico máximo de síntese no tempo de 20h, no sabonete líquido. Enquanto nos caldos BHI e MH, só produziram no tempo de 24h. Sallem et al. (2009) afirmam que a produção máxima da substância inibitória ocorre em meio enriquecido, fato não observado em nossa pesquisa. Acredita-se que as condições de estresse tenham favorecido essa síntese. Pesquisas mostram que a colicina, bacteriocina produzida por bactérias Gram-negativas, são mediadas pelo regulon SOS e, com isso, a sua síntese ocorre, principalmente, em momentos de estresse (RILEY; WERTZ, 2002) Fontoura (2008) evidenciou a presença de uma substância com ação antimicrobiana na fase exponencial de crescimento da P. aeruginosa, com atividade máxima na fase estacionária, no tempo de 108h. Em nosso estudo, sugere-se que a produção tenha começado na fase exponencial, atingindo ação máxima no início da fase estacionária. A produção da bacteriocina piocina pela P. aeruginosa já é conhecida, sendo essa bactéria capaz de produzir três tipos distintos desse composto, piocina-tipo R, piocina-tipo F e piocina-tipo S (SALLEM et. Al, 2009). No entanto, não foram feitos testes de caracterização da substância produzida pela bactéria-teste, necessitando, portanto, de estudos que identifiquem tal composto, quanto ao modo de ação, peso molecular, origem genética, propriedades bioquímicas, composição e estrutura, resistência a altas temperaturas e às atividades proteolíticas (APOLÔNIO et al., 2007). Ao longo dos anos os micro-organismos produtores de bacteriocinas e as bacteriocinas têm despertado o interesse tanto em nível comercial quanto para pesquisas científicas, evidenciando sua ação como bioconservantes, bem como sua provável aplicação na terapêutica clínica, com o intuito de minimizar a problemática da resistência aos antimicrobianos. CONCLUSÃO A bactéria P. aeruginosa, obtida do sabonete líquido, produziu uma substância antibacteriana com espectro de ação considerável abrangendo micro-organismos patogênicos e deteriorantes de alimentos, tanto Grampositivos quanto Gram-negativos. Porém, são necessários estudos mais aprofundados para identificar e classificar a substância produzida pela bactériateste. Em virtude da natureza microbiana e da característica antibacteriana das substâncias tipo bacteriocinas, a investigação quanto aos benefícios terapêuticos que esses compostos podem apresentar deve ser levada em consideração, já que o fenômeno da resistência bacteriana está limitando as alternativas terapêuticas que combatem e tratam as infecções bacterianas. REFERÊNCIAS AGAR SUCO DE TOMATE ESPECIAL: meio de cultura desidratado. Himedia. Disponível em: <www.biosystems.com.br/arquivos/produtos/1447.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2011. ANTONIO, N. S.; OLIVEIRA, A. C.; CANESINI, R.; PEREIRA, R. E. P. Mecanismos de resistência bacteriana. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária. n. 12, 2009. APOLÔNIO, A. C. M.; CARVALHO, M. A. R.; RIBAS, R. N. R.; SOUSA-GAIA, L. G.; SANTOS, K. V.; LANA, M. A.; NICOLI, J. R.; FARIAS, L. M. Production of antagonistic substance by Eikenella corrodens isolated from the oral cavity of human beings with and without periodontal disease. Journal of Applied Microbiology. v. 103, p. 245-251, 2007. BISHT, R.; KATIYAR, A.; SINGH, R.; MITTAL, P. Antibiotic resistance –a global issue of concern. Asian Journal of Pharmaceutical and Clinical Research. v. 2, p. 34-39, 2009. BRASIL, Agentes antimicrobianos químicos e naturais. Food Ingredients Brasil, n. 15, 2010. Disponível em: <http://www.revistafi.com/materias/155.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2011. COTTER, P. D. A bacteriocin perspective. Bioengineered. v.3, p. 1-7, 2012. DAVIES, J.; DAVIES, D. Origins and evolution of antibiotic resistance. Microbiology and Molecular Biology Reviews. v. 74, p. 417-433, 2010. DOLZ, M. C. Bacteriocinas de probióticos. Nuevos enfoques bioterapéuticos: PINHE. Nutrición Clínica Y Dietética Hospitalaria. v. 28, p. 20-37, 2008. FONTOURA, R. Purificação parcial e caracterização de um peptídeo antimicrobiano produzido por Pseudomonas aeruginosa 4B. 2008. 125f. Dissertação (Mestrado em Microbiologia Agrícola e do Ambiente)- Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS, Porto Alegre, 2008. GAD, G. S. M. et al. Epidemology and antimicrobial resistance of sthaphylococci isolated from different infectious diseases. Brazilian Journal of Microbiology. v. 41, p. 333-334, 2010. GIANNAKAKI, V.; MIYAKIS, S. Novel antimicrobial agents against multi-drugresistant gram-positive bacteria: an overview. Recent Patents on AntiInfective Drug Discovery. v. 7, p. 1-7, 2012. GURGEL, T. C.; CARVALHO, W. S. A assistência farmacêutica e o aumento da resistência bacteriana aos antimicrobianos. Latin American Journal of Pharmacy. v. 27, p. 118-123, 2008. HASSAN, M.; KJOS, M.; NES, I. F.; DIEP, D. B.; LOTFIPOUR, F. Natural antimicrobial peptides from bacteria: characteristics and potential applications to fight against antibiotic resistence. Journal of Applied Microbiology. v. 113, p. 723-736, 2012. HOFFMANN, H.; ROGGENKAMP, A. Population genetics of the nomenspecies Enterobacter cloacae. Applied and Environmental Microbiology. v.69, p.5306-5318, 2003. KJOS, M.; BORRERO, J.; OPSATA, M.; BIRRI, D. J.; HOLO, H.; CINTAS, L. M.; SNIPEN, L.; HERNANDEZ, P. E.; NES, I. F; DIEP, D. B. Target recognition, resistance, immunity and genome mining of class II bacteriocins from Grampositive bacteria. Microbiology. v. 157, p. 3256-3267, 2011. KONEMAN, E. W. et al. Diagnóstico microbiológico: texto e atlas colorido. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koongan, 2008. LOPES, J. L. de S. Plantaricina 149 e análogos: atividade antimicrobiana, estudos estruturais e mecanismos de ação. 2010. 225 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010. MILLS, S.; STANTON, C.; HILL, C.; ROSS, R. P. New developments and applications of bacteriocins and peptides in foods. Annual Review of Food Science and Technology. v. 2, p. 229-329, 2011. NASCIMENTO, M. S..; MORENO, I.; KUAYE, A. Y. Bacteriocinas em alimentos: uma revisão. Brazilian Journal of Food Technology. v. 11, p. 120-127, 2008. NAVRATNA, V.; NADIG, S.; SOOD, V.; PRASAD, K.; ARAKERE, G.; GOPAL, B. Molecular basis for the role of Staphylococcus aureus penicillin binding Protein 4 in antimicrobial resistance. Journal of Bacteriology. v.192, p. 134144, 2010. NIKAIDO, H. Multidrug resistance in bacteria. Annual Review of Biochemistry. v. 78, p. 119-146, 2009. OLIVEIRA G. C. de. Bacteroides fragilis: avaliação da atividade bacteriogênica e curva de crescimento X produção de bacteriocina. 41 f. Monografia (Bacharel em Microbiologia)-Departamento de Microbiologia, Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996. PARADA, J. L.; CARON, C. R.; MEDEIROS, A. B. P.; SOCCOL, C. R. Bacteriocins from lactic acid bacteria: purification, properties and use as biopreservatives. Brazilian Archives of Biology and Technology an International Journal. v. 50, p. 521-542, 2007. RILEY, M. A.; WERTZ, J.E. Bacteriocins:evolution, ecology, and application. Evolution, Ecology, and Application. Annual Review Microbiology. v. 56, p. 117-137, 2002. SALLEM, F.; AHMAD, S.; YAQOOB, Z.; RASSOL, S. A. Comparative study of two bacteriocins produced by representative indigenous soil bacteria. Pak. J. Pharm. Sci. v. 22, n. 3. p. 252-258, 2009. SANDEL, M. K.; MCKILLIP, J.L. Virulence and recovery of Staphylococcus aureus relevant to the food industry using improvements on traditional approaches. Food Control. v.15, p. 5-10, 2004. VAN DE SANDE-BRUINSMA, N.; GRUNDMANN, H.; VERLOO, D.; TIEMERSMA, E.; MONEN, J.; GOOSSENS, H.; FERECH, M. Antimicrobial Drug Use and Resistance in Europe. Emerging Infectious Diseases, v. 14, p. 1722-1730, 2008. VIEIRA, A. P. Aplicação de bacteriocinas de bactérias lácticas para controle de Listeria monocytogenes em queijo Minas Frescal processado pelo método de acidificação direta. 2011. 107 f. Dissertação (Mestrado em Ciências)- Escola Superior de Agricultura “ Luiz de Queiroz”, Piracicaba, 2011. ZIMERMAN, R. A. Uso indiscriminado de antimicrobianos e resistência microbiana. Uso Racional de Medicamentos: Temas Selecionados. n. 3, p. 1-15, 2010. WIEHLMANN, L.; WAGNER, G.; CRAMER, N.; SIEBERT, B.; GUDOWIUS, P.; MORALES, G.; KÖHLER, T.; VAN DELDEN, C.; WEINEL, C.; SLICKERS, P.; TÜMMLER, B. Population structure of Pseudomonas aeruginosa. PNAS. v. 104, p. 8101–8106, 2007.