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ARTIGO ARTIGO ACADÊMICO ACADÊMICO RESTRINGIR A PALAVRA1. Por Frederico Ramos OLIVEIRA2 Universidade Federal de Goiás RESUMO Esta pesquisa procura compreender como mídia e política se tornam instrumentos de restrição da comunicabilidade operados pela religião institucional. As instituições religiosas as observam como campo estratégico no qual é possível enfrentar as contingências do entorno. PALAVRAS-CHAVE: mídia, política, religião, comunicabilidade. A s utopias que descrevem o futuro raramente apostam numa vida cotidiana onde a prática religiosa tenha sentido. Pelo contrário, narram uma sociedade onde o pensamento científico é a base da ação social, garantindo a paz e o bem estar. Nas distopias, isto também não é comum. Nelas, o que caracteriza o futuro é um cientificismo que assume um caráter totalitário. Em Admirável Mundo Novo, de Huxley, por exemplo, o senso religioso é supérfluo, visto que naquela sociedade não existiriam perdas que a religião poderia compensar. Por outro lado, a ciência organiza toda a vida social, decidindo desde o genótipo dos recém-nascidos até a supressão da História nos currículos escolares (HUXLEY, 2003). O cientificismo é a razão da sociedade despótica de grande parte das distopias. A religião já não existe, superada pela ciência – que apresenta respostas mais coerentes. Há quem aponte que os tempos mudaram e com eles se foram as distopias e a necessidade de criá-las. De qualquer modo, há que se considerar que, contrariamente aos prognósti- 77 REVISTA PANORAMA edição on line v. 4, n. 1, jan./dez. 2014 ISSN 2237-1087 cos, a religião ainda mantém parte de sua força. Esta se mantém forte também na política e na mídia, garantindo para si uma influência até mesmo sobre os que não a professam. Bauman (1998) coloca o fundamentalismo como uma religião pós-moderna. Mesmo que a percepção de modernidade líquida do autor seja questionada, sua predição sobre a religião parece mais crível do que aquelas das narrativas futurísticas. A religião tem seu lugar na vida social, na sociedade e no Estado e, ao que parece, não pretende abrir mão deste. Este trabalho perpassa as relações entre mídia, política e religião, abordando especificamente confissões protestantes. Partindo da premissa que mídia e política são hoje, campo estratégico das religiões institucionais, objetiva-se entender qual a influência desta percepção Nesta etapa, a pesquisa utiliza-se da revisão de literatura, que servira de base para nova análise de entrevistas coletadas em etapa anterior. Estes dados servem como recurso adicional para o atual estudo, assim como possibilitaram, em etapa anterior, a ree- ARTIGO ARTIGOACADÊMICO ACADÊMICO laboração metodológica desta pesquisa, já que por meio deles, foi possível observar o que não logrou êxito. O objetivo deste estudo é compreender como a mídia e a política operam a restrição comunicacional do fiel, por meio do exercício de um poder pastoral. Também pretende perceber a influência deste exercício nos grupos não-religiosos afetados diretamente por tais dispositivo. Religião midiatizada É através da ‘mídia’ que o protestantismo se fortalece. Lutero publica suas 95 teses da porta do Castelo-Igreja de Wittemberg, dando visibilidade a um movimento que já existia, mas que não tinha penetração em grande parte da sociedade e por isto era severamente punido. Lutero não tinha intenção de romper com a Igreja Católica, mas discutir aqueles pontos. No entanto, a recepção das teses não foi a esperada pelo monge. A Reforma ganhou força com a distribuição de livros, que ampliou seus horizontes de atuação. Não fosse a prensa de Gutemberg, a própria Modernidade poderia ter se construído de diferente modo. Frente ao poder do catolicismo, grupos protestantes utilizaram fortemente as novas tecnologias de comunicação social, que fortaleciam a religião em sua ‘disputa’ com o cristianismo católico. Para legitimar seu espaço religioso dependiam de tais mídias. Cada nova tecnologia passa a ser compreendida como oportunidade divina para a expansão do Reino de Deus através da pregação. (CAMPOS, 2002). Leonildo Silveira Campos pesquisa a comunicação religiosa. O autor apresenta hipótese em que afirma que na Idade Média existia uma pré-história comunicacional. Tal estágio era caracterizado pela pregação, pela transmissão oral e na dramatização da missa. Os reformadores aceitam tal fator, que afirma ser a compreensão 78 REVISTA PANORAMA edição on line v. 4, n. 1, jan./dez. 2014 ISSN 2237-1087 protestante, de impossível fundamentação na tradição medieval, carente de uma base exclusivamente escriturística. Assim, toda a prática – moral e religiosa - deve afirmar-se somente na Bíblia: a doutrina da sola scriptura. (CAMPOS, 2002). Ainda de acordo com o pesquisador, a literalidade contrasta a oralidade; tendo marcado os evangélicos de denominações históricas (ou tradicionais; metodistas, batistas, luteranos etc.). Campos aponta que, como o protestantismo brasileiro é fruto de missões norte-americanas (especialmente estadunidenses), faz-se necessário o entendimento das estratégias comunicacionais e missionais de tais confissões nos séculos XIX e XX. (CAMPOS, 2002). Conforme Campos (2002), os primeiros missionários protestantes no Brasil trabalhavam a partir da distribuição de literatura e Bíblias. Através da influência de missionários estadunidenses, surgem jornais como o Imprensa Evangélica (da Igreja Presbiteriana, fundado em 1865) e o Cathólico Metodista (atualmente Expositor Cristão, com mais de 127 anos de idade). O primeiro programa protestante no rádio foi o Meditação Matinal, irradiado entre 1953 e 1970 nas emissoras Tupi e, posteriormente, na Bandeirantes. O apoio publicitário do Banco Bradesco garantiu a permanência da atração no ar, mesmo quando a Bandeirantes queria tirá-lo de sua grade. (CAMPOS, 2002). Desde então, o espectro eletromagnético passou a ser cada vez mais ocupado por emissoras confessionais. Ferrareto (2001) lembra que algumas emissoras evangélicas têm programação exclusivamente prosélita, voltada ao estímulo da conversão religiosa. Conforme o autor, elas transmitem cultos, orações, notícias sobre seus serviços e, também, música gospel. Poucas emissoras detêm uma programação plural e aberta, conforme o autor. Ferrareto ainda aponta que algumas rádios confessionais propagam ARTIGO ACADÊMICO curas e milagres que, muitas vezes, não passam de charlatanismo. O autor aponta que o denuncismo de tais práticas já foi mais frequente e que aparentemente diminuiu em função do crescimento do poder político dos protestantes. Tal afirmação, entretanto, pode ser questionada em alguns pontos. Ora, tais grupos já detinham grande poder político, o que é comprovado pela quantidade de emissoras de radiodifusão em suas mãos. Num Estado que detém o poder concedente, o lobby político é regra para quem deseja explorar o rádio ou a televisão. No regime militar, por exemplo, tais concessões eram dadas como instrumento de manutenção política da ditadura. Assim, quem não se submetesse às regras – e censura – poderia ter sua permissão cassada (FERRARETO, 2001). Silenciar Segundo Michel Foucault, a sociedade é uma configuração submetida a dispositivos de poder e formas de saber, sendo permeada por relações de poder. E o que é o poder? Presente em toda sociedade, este não apenas reprime, mas antes permeia, produz novas coisas, leva e induz prazer. Também cria novos discursos. É mais uma rede produtiva que forja a sociedade – juntamente com as técnicas de saber – do que instrumento repressivo. (FOUCAULT, 1979). Foucault (2001) descreve um tipo de poder exercido pela religião, que leva a questão da sexualidade a ser tratada pela psiquiatria. Para o autor, a lógica de um poder que estimula um revelar e silenciar forçado da sexualidade é o motivo de tal fenômeno. O silêncio é, por vezes, a resposta à revelação forçada, prescrito pelo poder que a exerce. Este é o poder pastoral. É provável que a influência do poder pastoral supere a sexualidade. A religião, em seu caráter totalizar e normatizador da experiência de si do fiel também tem ferramentas para regu- 79 REVISTA PANORAMA edição on line v. 4, n. 1, jan./dez. 2014 ISSN 2237-1087 lar outras questões da vida do fiel. “Todas essas técnicas cristãs de exame, confissão, direção de consciência e obediência têm um objetivo: conseguir que os indivíduos se dediquem à própria “mortificação” neste mundo” (FOUCAULT, 1990, p. 87). Importa observar que a mortificação é a renúncia aos prazeres do mundo, uma relação consigo mesmo, morte cotidiana que permite viver em outra vida, outro mundo. Tal relação de renúncia é elemento da identidade cristã. (FOUCAULT, 1990). Fergusson (2004) aponta como a opção pela ascese é cada vez mais ‘incomum’ e em que sentidos é importante para uma religião cristã manter apertados os laços sobre seus fiéis. Afinal, a existência de uma rígida identidade cristã a ser admitida fortalece a própria denominação: A preeminência social das igrejas desapareceu em uma cultura mais pluralística que estima as escolhas de estilo de vida individuais e tende a perceber o comprometimento religioso como algo agora restrito a um domínio privado ou subcultural. A antiga opção de ascese tem sido descrita pejorativamente como ‘a tentação sectária’. A igreja pode manter sua identidade correlacionando seus membros em subgrupos fortemente definidos nos quais eles são socializados nos modos da autêntica forma de vida cristã (FERGUSSON, 2004, p. 4). Como se pode perceber, Fergusson (2004) demonstra um declínio do poder das igrejas. E qual o motivo? Quando a religião torna-se uma questão privada, perde sua força. Aí está explícita a importância que meios de se publicizar – e aumentar sua influência – para as denominações. O autor ainda levanta o argumento da inabilidade do cristianismo como religião civil, visto que Cristo, que é tido como exemplo a ser seguido, não teve sucesso como líder civil. A noção ARTIGO ACADÊMICO da religião cristã é a dedicação a uma nova pólis, uma pátria celeste – uma maior aliança com Deus, aliança esta que deve estar acima de qualquer outra. (FERGUSSON, 2004). Entre Deus e a res publica, a vontade divina deve ser obedecida. Compreender tal ponto nos permite vislumbrar padrões de comportamento que serão reproduzidos na mídia e na política promovida por estes grupos religiosos. Indo por todo o mundo A justificativa das denominações cristãs para lançarem-se na mídia e política? “Somos sal e luz, num mundo que precisa ser temperado pela Palavra e iluminado pela luz de Cristo”. Esta é talvez a resposta que muitos pesquisadores aguardam quando questionam o líder de alguma denominação protestante que se aventura por tais águas. No entanto, há mais questões que precedem tal decisão. Como lembra Ferrareto (2001), embora a maior parte das emissoras evangélicas sejam prosélitas, reproduz uma linguagem que é acessível somente aos irmãos de crença. A programação, embora se pretenda evangelizadora, está em um código que os não-iniciados tem dificuldade de entender. Talvez a exceção esteja na música gospel – o que é um dos fatores que levou à expansão deste mercado, também influenciado pela ascensão econômica das classes menos abastadas e aumento da presença da religião entre proprietários de meios, dentre diversos fatores. Assim, surge uma hipótese: não seriam os meios de comunicação adquiridos pelas denominações um novo modo de tentar dirigir-se a seus fiéis? Assim como o poder pastoral se exerce por um revelar e silenciar (FOUCAULT, 2001), a mídia e a política parecem assumir tal caráter. A mídia tornou-se um lugar do exercício do poder pastoral em tempos de mega-igrejas e de visibilidade da denominação religiosa. Já a política é cam- 80 REVISTA PANORAMA edição on line v. 4, n. 1, jan./dez. 2014 ISSN 2237-1087 po de enfrentamento, lugar onde se procura restringir as ações que divergem daquilo defendido pela instituição religiosa. Através da mídia, a ‘palavra’ é novamente dita, e alcança o fiel em uma diversidade de momentos. Como lembra Kroth, estabelecemos contratos de leitura com a mídia da qual somos espectadores ou ouvintes. Tal pacto é proposto pelos meios de comunicação, no nível do discurso. Algumas competências são inferidas e estas preenchem de conteúdo as expressões utilizadas. Tais ferramentas devem ser aceitas como as mesmas que o receptor utiliza. Assim, as temporalidades deste são respeitadas (ECO, 1986, apud KROTH, 2010). Assim, embora a mídia religiosa intente atingir todo seu público de modo semelhante, os resultados obtidos serão diferenciados. E qual o objetivo das denominações em suas mídias? Se concordarmos com Albulquerque Júnior (2011), a mídia é recurso do poder pastoral. Ora, em tempos de grandes igrejas, é praticamente impossível manter a relação pastor-fiel como algo individualizado. A solução de muitas denominações foi midiatizar este contato. Por meio de um meio de comunicação de massa, por exemplo, se fala a todos fiéis, mas também pode se falar a cada um individualmente. Assim, se revela os tipos de comportamentos que não devem ser ações tomadas por um filho de Deus. Estes padrões – ou aquilo que se assemelhe a eles – devem ser evitados. O revelar trazido pelos meios é uma confissão às avessas – em vez do fiel apresentar seus comportamentos ao padre, a fim de ser julgado por eles, ele é apresentado ao que é pecado e ao que não é. A palavra - que é ‘acusadora’ e ‘redentora’ – é ministrada por aqueles que, após diversos testes, mostraram-se livres à tentação de aderir aos maus comportamentos. Já a política é campo de enfrentamento. É nela que os parlamentares ARTIGO ACADÊMICO religiosos – algo que está tomando status de cargo eclesiástico – lutam contra aquilo que as hostes do maligno pretendem implantar. Como sua maior aliança – ao menos em teoria – é com a visão religiosa, aquilo que é do interesse público só é aprovado quando não contrasta com os propósitos de Deus expressos na palavra. Assim, é na política que se luta mais bravamente contra projetos que ofendem a ‘moral religiosa’. É nela que temas polêmicos como a união de homossexuais, o aborto, dentre diversas questões não aprovadas pela denominação serão combatidas. Questão de sobrevivência A presença das religiões institucionais na mídia e religião reflete uma reorganização destas confissões a fim de garantir sua própria sobrevivência. Por outro lado, este reorganizar do sistema religioso também traz em si novos obstáculos a serem enfrentados. Como aponta Luhmann (2005), o sistema tende à entropia, ao seu fracasso. Mas, por quê? De acordo com o autor, um sistema depende do seu entorno, já que nele encontra as condições para sua sobrevivência. Sendo assim, se reorganiza para enfrentar as contingências deste entorno (LUHMANN, 2005). Pode-se apontar também, que, no sistema religioso, o entorno adquire outras características. O entorno é também referência identitátia, o lugar da alteridade, onde o comunitário encontra o que não deve reproduzir. É o comportamento a ser rejeitado. De fato, a existência da diferença acaba por fortalecer a comunidade. Dá-se a distinção entre autorreferência e heterorreferência. “Por meio dessa distinção a fronteira operacionalmente construída do sistema, a diferença entre sistema e meio externo, é copiada mais uma vez, agora no interior do sistema. Assim, primeiro o sistema opera e dá continuida- 81 REVISTA PANORAMA edição on line v. 4, n. 1, jan./dez. 2014 ISSN 2237-1087 de a suas operações, por exemplo, estando apto a viver ou a comunicar, e depois usa internamente a diferença produzida dessa forma como distinção e, assim, como esquema das próprias observações” (LUHMANN, 2005, p. 27). Considerações Os sistemas estão sempre caminhando para entropia. O uso da mídia parece dar sobrevida à comunidade religiosa, ao mesmo tempo em que traz a ela novos desafios. Quando se midiatiza, expõem-se também as contradições do sistema religioso. E é esta fragilidade, advinda da contingência, que um dia pode derrotar a capacidade autopoética deste. Até lá, novas organizações na comunidade religiosa certamente surgirão, com uma complexidade cada vez maior. Se o cientista social operar uma análise de tal situação que enfoque o sujeito, um novo mundo se abre para a pesquisa. Pesquisar a política e a mídia promovidas pelas igrejas a partir da noção de que estas restringem a comunicabilidade, permite-nos adentrar à um profícuo campo de pesquisa sobre a própria epistemologia da comunicação. Se a religião se institucionaliza enquanto opera a restrição da capacidade de comunicar, já se percebe que a comunicação é avessa a um formalismo e àquilo que está estagnado. Formando novas coisas, criando conhecimento, buscando o consenso, a palavra é espada que pode dividir, mas que deveria trazer o entendimento. O problema é que a palavra é sempre transgressora do que é herdado, mas não discutido. Quem restringe a palavra? Talvez não se possa discutir ‘quem’, mas sim ‘o que’. Uma série de situações, aliada às novas reconfigurações das denominações e também ao modo de funcionamento das comunidades religiosas – que tem em si um sistema hierárquico baseado na ascese dos membros3 (mesmo quando tal sistema não ARTIGO ACADÊMICO é assumido) -, e a presença destas na mídia e na política acaba não somente por restringir ao fiel o direito da palavra: restringe-o também do acesso ao que se tem por Palavra revelada de Deus. Não somente o fiel pode expressar seus pensamentos sem sofrer represálias quando este é contrário à proposta da instituição, mas muitas vezes é desqualificado de ler a Escritura e ter diversa interpretação. A presença das religiões na mídia e política, embora ‘mais percebida’ recentemente, não tem nada de nova assim: reflete um projeto de normatização e regulamentação da vida cotidiana do maior número de pessoas. Mas é, principalmente, um passo com o objetivo de garantir sua sobrevivência. NOTAS 1 - Trabalho apresentado no 4º Simpósio de Pesquisa em Comunicação Social PUC-Goiás em 01/11/2013. PUC-Goiás – Campuis V. 2 - Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Mídia e Cultura da Universidade Federal de Goiás. Participa do Grupo de Pesquisas em Comunicação e Religiosidade da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG (FIC / UFG) , email: [email protected]. 3 - Ver Valantasis (1995). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBULQUERQUE JÚNIOR, D. M.. A pastoral do silêncio: Michel Foucault e a dialética revelar e silenciar no discurso cristão. Bagoas, Natal, nº 06, jan/jun 2011. BAUMAN, Z. O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. FERGUSSON, D. 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