Alex Fernandes Bohrer

Transcrição

Alex Fernandes Bohrer
Buril Planetário: Minas Gerais,
de Rafael a Rubens
Ms. Alex Fernandes Bohrer
Universidade Federal de Minas Gerais
Com o advento da imprensa moderna, as tipografias terão papel preponderante na divulgação e circulação de saberes. Aliando este fato à expansão marítima
européia, temos ambiente propício para certa ‘globalização do imaginário’, seja
através de textos, seja através da impressão e cópia de imagens. Ao mesmo tempo
em que gravuras de animais fantásticos e fauna exótica povoavam, das novas
terras exploradas, o Velho Continente, grandes mestres da arte européia tiveram
suas obras gravadas e publicadas. Nas naus e caravelas estas obras e objetos ziguezagueavam o mundo, influenciando artistas d’além e d’aquém mar. Com exemplos
práticos, pretendemos demonstrar como a circulação de uma tipologia específica
de imagens marca, sobremaneira, o chamado Barroco Mineiro.
Sobre o Barroco Reinventado dos Mineiros
Nossa arte foi tão moldada pelos empreendedores de outrora, quanto a pedrasabão foi pelo cinzel dos escultores. Não é de estranhar que a rocha que melhor
exemplificou a suposta novidade de nossas criações seja uma pedra que tenha
como sobrenome “sabão”: a esteatita - mole, deformante, adaptável - é analogia
perfeita. A originalidade da arte mineradora não reside, dito isto, numa suposta
criação autônoma das formas, mas, antes, nossa originalidade subsiste na apropriação de uma formalidade plural e alheia. Podemos falar que o barroco reinventado dos mineiros é uma criação em contato contínuo com tendências internacionais, aqui aclimatadas e re-acomodadas. Do diálogo criativo destes diversos
insumos nasceu cada monumento e a feição de cada região. A característica principal de nossa arte é a constante adaptabilidade e, via de regra, a adoção não
canônica de linguagens compositivas européias. Neste sentido toda obra de arte
é original mesmo tendo protótipos, influências e níveis de releitura.
“Um homem distinto é um homem misturado”, escreveu Gruzinski, citando
Montaigne. Esta frase pode ser elevada a jargão de nosso enfoque: a arte mineira
GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 53.
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não é original porque é única, sem precedentes; a arte mineira é original porque
são várias, porque é mistura - a nossa identidade reside na miscelânea de formas
readaptadas conforme uma demanda localizada. A reinvenção é nosso atributo
principal. Quando Aleijadinho criava suas portadas certamente dialogava com
fontes européias, todavia, conforme negociação e restrições locais inventou algo
novo (ainda que sintonizado aos modismos internacionais). Quando Ataíde fazia
uso de uma gravura, fazia uso também de todo um universo visual em processo de
“planetarização”: nas Gerais as gravuras eram (re)coloridas, (re)dimensionadas,
(re)apreendidas, (re)interpretadas, (re)locadas, enfim, (re)inventadas. A paleta colorida e alegre de Ataíde é nosso ‘liquidificador tupiniquim’, misturando, alem de
tintas, mundos; a pedra-sabão de Aleijadinho é maleável e - como o atilamento
português aludido por Gilberto Freyre - por isso mesmo adaptável e miscível.
É justamente do diálogo com Europa e seus modelos que novas realidades
culturais se formam gradualmente no cotidiano fragmentado d’aquém mar. Neste
nível em que a permissividade criativa é a tônica das encomendas, encontramos o
que Afonso Ávila chamou de tropicalidade do barroco: a arte mineira engendra
novas formas conforme um novo gosto matizado. O arcabouço barroco, tão complexo em todas suas instâncias, vai nas Minas abraçar diversos estilos, origens,
gentes, objetos, modelos. É neste espaço aberto de releituras imagéticas variegadas
que a cultura ibérica vai ser retomada e ‘negociada’: a mentalidade lusa vai encontrar, na experiência fragmentária das áreas mineradoras, outras presenças (como a
negra) que irão produzir, século XVIII em diante, uma realidade cultural díspar.
É especialmente no campo religioso que se manifestará, com fervor místico
generalizado, a misturada produção artística coeva. Neste sentido, vários estudos
sobre a religiosidade mineira apontam para um comportamento barroquizante.
Destes, podemos destacar os trabalhos da Professora Adalgisa Arantes Campos (especialmente aqueles sobre o culto à Paixão de Cristo - tão caro aos ibéricos e revelador de uma espiritualidade característica - e a devoção à São Miguel Arcanjo exponencial acerca dos cuidados que os homens terrenos tinham com o
post-mortem). Escrutinando os velhos arquivos à procura de documentos reveladores (como testamentos, óbitos e registros de casamento e batismo), a pesquisadora
aponta para um comportamento recorrente em todo século XVIII e parte do XIX: se
artisticamente as formas assinalam uma profusão de estilos e sub-estilos, culturalmente podemos falar em um comportamento barroco.
Nesta altura do nosso raciocínio, são bem vindos os questionamentos precisos
de Lourival Gomes Machado, que, já em 1956, se perguntava:
“Concordando com a hipótese de que o barroco corresponde, direta e intimamente, a uma
determinada estrutura mental, por isso mesmo estamos obrigados a concebê-la na maior
generalidade possível e, em conseqüência, não havemos de pesquisá-las tão só nas suas
expansões conjunturais particulares.” MACHADO, Lourival Gomes. Barroco Mineiro. São
Paulo: Perspectiva, 1969. p. 155.
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Haverá critério válido e operante para distinguir (...) o que é local do que é
importado, o que é tradição do que é originalidade, quando a novidade plástica pode ser repercussão de algo historicamente mais velho e quando a invenção autônoma também envolve valores importados?
Buril Planetário e Didática Burla: Globalização,
Iconografia e Homogeneização
Entre as mais antigas técnicas de se reproduzir ilustrações está a xilogravura,
procedimento que basicamente consiste em se delinear sobre uma matriz de madeira o desenho a ser impresso. Como a madeira suporta mal a pressão, outras
técnicas foram aprimoradas, sendo as principais a litografia e a calcografia. A gravura sobre metal (calcogravura) deriva da ourivesaria e suas primeiras utilizações
datam do século XV. Entre os processos calcográficos se distinguem o Buril e a
Água-Forte, técnicas importantíssimas na disseminação das imagens. É mais recente a contribuição do Ponteado, que em Portugal constituiu importante escola. Dito
isto, passemos para análise das relações internacionais ibéricas que propiciaram
ampla divulgação de imagens.
Data do medievo as relações comerciais entre Portugal e Flandres. A Feitoria
Real Portuguesa, que a princípio estava instalada em Bruges, foi transferida, em
1499, para Antuérpia. Navios comerciais portugueses, desde longa data, ligavam
Antuérpia a Lisboa e esta a todo o império colonial. Não há dúvida de que, assim
como os emissários florentinos encarregaram artistas flamengos da produção de
obras a serem enviadas para Itália, assim também mercadores portugueses procederam em relação a Portugal. Sobre estas relações escreve Áurea Pereira da Silva:
As pesquisas nos arquivos e, sobretudo a presença de obras flamengas em
Portugal permitem afirmar que a exportação das mesmas era feia em larga
escala. Ao lado de obras de artistas célebres, como Quentin Metsys, Jean
MACHADO, Lourival Gomes. Barroco Mineiro. op. cit. p. 160.
Na litografia a matriz não é metálica. O suporte consiste numa pedra sensibilizada para
receber a tinta.
Em 1802, quando da reforma da Imprensa Régia Portuguesa, o florentino Francesco Bartolozzi foi contratado para reavivar a Aula de Gravura. O famoso gravador italiano foi o
precursor em terras portuguesas do ponteado. Deixou profunda marca na trajetória histórica
das gravuras lusas.
Aby Warburg escreveu vários ensaios sobre estes intercâmbios, onde demonstra as relações
de circularidade cultural que existiam na Europa no alvorecer do Renascimento Italiano,
especialmente o primeiro Renascimento Florentino. Para isto vide WARBURG, Aby. El Renacimiento del Paganismo. Aportaciones a la Historia Cultural del Renacimiento Europeo.
Madrid: Alianza Editorial, s/d.
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Gosard, Josse van Cleve, etc. - que os museus portugueses conservam até hoje
- eram mais largamente exportadas obras de mestres menores, que seguiam
sobretudo o maneirismo em voga desde o século XVI.
Houve até uma empresa especializada na exportação de obras de arte: a Firma
Forchoudt mantinha relações com Lisboa desde 1645, para onde enviava pinturas,
moveis e gravuras. Em várias ocasiões, Antuérpia se comunicou diretamente com
as colônias, bastando citar o exemplo das 113 pinturas mandadas para o Brasil pela
Família Schtz (importantes negociantes de Antuérpia), em 1579 - material este que
se destinava a ornamentação de igrejas da região de São Vicente.
Paralelo a este intercâmbio de artistas e obras, houve também a ascensão - rápida e de certa forma mais ‘democrática’ - dos impressos. Os livros ilustrados, cujos
mais belos exemplares saiam dos prelos de Antuérpia, popularizaram e intercambiaram, pela primeira vez na história, imagens feitas em série, retratando paisagens,
cidades, gentes, animais, costumes, reproduzindo obras de grandes artistas, difundindo fábulas, alegorias, comédias e, especialmente, divulgando a iconografia religiosa católica. Havia um comércio expressivo liderado por livreiros, impressores e
mesmo por gravadores e artistas (como exemplificam os casos de Jerome Cock e
Albrecht Dürer). Das tipografias, os livros eram enviados a todas as partes do mundo. Este comércio planetário é bem ilustrado pela Tipografia Plantiniana, que, através da monarquia espanhola, possuía o monopólio de impressão de vários livros
religiosos (se lembrarmos que entre 1580 e 1640 Portugal estava unificado à Espanha, bem vislumbraremos a influência dos herdeiros de Plantin no orbe visual das
metrópoles e respectivas colônias).
Aqui já temos a dimensão e a importância deste comércio: numa época antes da
fotografia, das telecomunicações e da internet, coube às gravuras a primeiríssima
globalização visual da história humana.
Após o Concílio Tridentino, se propugnou com maior zelo a divulgação de uma
iconografia religiosa precisa e controlada. Na Sessão IV do citado Concílio, realizada
em 8 de abril de 1546, houve debate acerca da aceitação dos livros sagrados:
Sean declarados por medio de los ordinarios y castigados con las penas establecidas por el derecho (...) que en adelante la Sagrada Escritura, y principalmente esta antigua y vulgata edición, se imprima de la manera más correcta
posible, y nadie sea licito imprimir o hacer imprimir cualesquiera libros sobre
materias sagradas sin el nombre del autor, ni vender-los en lo futuro ni tampoco reternelos consigo, sin primero no hubieren sido examinados y aprobados por el ordinario. [o grifo é nosso]
SILVA, Áurea Pereira da. Notas sobre a influência da gravura flamenga na pintura colonial
do Rio de Janeiro. Barroco, Belo Horizonte, v.10, 1978/79. p. 54.
DENZINGER, Enrique. El Magisterio de la Iglesia. Manual de los símbolos, definiciones e declaraciones de la iglesia en materia de fe y costumbres. Barcelona: Editorial Herder, 1963. p.224.
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Ao mesmo tempo que se confirma a autoridade única da Vulgata Latina de São
Jerônimo, há o objetivo explícito de dominar tudo referente à literatura religiosa.
Neste quesito a imprensa era uma faca de dois gumes: podia acelerar o aparecimento de novas “heresias”, divulgando rapidamente idéias destoantes, ou, por outro lado, podia propalar os preceitos tridentinos, homogeneizando uma dada linha
de pensamento e, mais especificamente, padronizando motivos iconográficos.
Em Trento, na Sessão XXV de 3 e 4 de dezembro de 1563, se deliberou:
Enseñen también diligentemente los obispos que por medio de las historias de
los misterios de nuestra redención, representadas en pinturas u otras reproducciones, se instruye y confirma el pueblo en el recuerdo y culto constante
de los artículos de la fe; aparte de que de todas las sagradas imágenes se percibe grande fruto, no solo porque recuerdan al pueblo los beneficios e dones
que le han sido concedidos por Cristo, sino también porque se ponen ante los
ojos de los fieles los milagros que obra Dios (...). [o grifo é nosso]
Trento confirmou, pois, o uso das artes como veículo instrutivo de catequese
- numa época de iletrados, as imagens falavam por si só e divulgavam (dando ênfase à autoridade católica) uma iconografia precisa, alvo, a partir da publicação, de
devoção e deleite piedoso.
Se os impressos foram elevados à suporte didático, também é verdade que
foram utilizados para burlar a vigília da Igreja. Tendo como base uma obra de arte
anterior ou uma gravura, o artista podia justificar o uso de determinados elementos
na sua própria criação. Isto é bem ilustrado por um interessante exemplo italiano:
certa vez, Paolo Veronese, por pintar diversos e díspares personagens numa Santa
Ceia de 1573, foi acusado de perverter a iconografia original do episódio. Como
resolveu a situação? Transformou a Santa e Última Ceia, que tinha uma iconografia
muito mais específica, sedimentada e difundida, numa Ceia em Casa de Levy, pouco explorada pelos artistas de então. O exemplo de Veronese é exponencial, se
bem que usado em sentido reverso - foi o desuso de uma determinada tradição que
o permitiu mudar-lhe às pressas o tema, safando-se. Outros muitos artistas e gravadores, entretanto, justificaram suas obras e trabalharam mais ‘tranqüilos’ tendo fontes e modelos iconográficos ao lado do cavalete, buril ou cinzel.
Qual a conseqüência desta preocupação em seguir tradições reconhecidas e
permitidas? Com o alastramento mundial das gravuras impressas, várias obras, em
diferentes lugares do globo, irmanaram-se imageticamente. Vejamos um exemplo
prático, ocorrido nas Minas Gerais. Na Igreja do Carmo de São João Del-Rei existe
um painel representando a Transfiguração de Cristo, que, se for contemporânea da
graciosa moldura que a circunda, deve remontar ao último quartel do século XVIII
e início do XIX, quando o modismo rococó ingressou nas Gerais: a cena é domina-
Ibidem, p.279.
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da pelo Cristo transfigurado, com vestes brancas, resplandecentes, ladeado pela aparição de Moisés e Elias (que são representados levitando, para reforçar o caráter miraculoso e inusitado); aos pés do quadro, sobre um pequeno monte, os três apóstolos que
testemunharam o evento (Pedro, João e Tiago), caem por terra, atônitos (Foto 1).
Ao final da década de 1510, o pintor renascentista Rafael de Sanzio concebeu
uma Transfiguração10 em tudo semelhante a esta de São João Del-Rei: a disposição
dos personagens, a colina, a movimentação - tudo liga as duas obras (Foto 2).
Como explicar esta repetição? Vários pintores consagrados tiveram suas criações
difundidas pelos gravadores e, entre estes, Rafael foi dos mais ‘copiados’. Desta
forma, através de gravados europeus, esta pintura italiana foi reapropriada em terras tropicais, séculos depois da obra geratriz ter sido executada. Note-se, porém, o
espaço das reinvenções na igreja carmelita: como as gravuras eram em preto-ebranco, o artista local teve que reinventar o colorido das roupagens e da cena de
fundo, alem de omitir alguns personagens, existentes no original.
Não sabemos qual publicação específica foi usada neste diálogo artístico ultramarino, mas uma gravura, exaurível e frágil, ligou dois artistas distantes (espacial
e temporalmente) através do intercâmbio planetário proporcionado pelo comércio,
pela fé e pelos impressos.
Arte Mineira: O Que Se Lia e O Que Se Via
Houve sempre a preocupação (religiosa e política) quanto à propagação de livros
heréticos ou revolucionários na metrópole e suas colônias. Em 1768, Dom José I instituiu a Real Mesa Censória, tribunal que fiscalizava a circulação de impressos, coibindo
e proibindo determinadas publicações. No entanto, sempre existiram dribles e volteios
para adquirir as obras desejadas, mesmo se estivessem sob proibição.
Uma espiadela numa biblioteca mineira do século XVIII pode nos dar uma idéia
do tipo de impresso que por aqui circulava. Por sorte (ou por azar) chegou até nós um
arrolamento de livros pertencentes ao Cônego Luis Viera, marianense preso por envolvimento na Inconfidência Mineira. No auto de seqüestro de seus bens (realizado
em 9 de julho de 1789) encontram-se listados perto de 800 volumes, perfazendo um
total de 270 obras - uma coleção considerável pelas condições da época.11 Na sua
biblioteca constavam dicionários, obras filosóficas, autores da antiguidade clássica, livros médicos, livros de História, Geografia e Gramática, expoentes iluministas
(como Voltaire), clássicos da literatura universal (como Os Lusíadas), apanhados de
história natural, geometria, física etc. Entre as obras religiosas destacam-se um Con-
Hoje pertencente à Pinacoteca do Vaticano.
Mais da metade destes livros era em latim, cerca de noventa em francês, pouco mais de
trinta obras em português e outros em italiano, espanhol e inglês.
10
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cílio Tridentino, discursos teológicos e várias livros sobre história eclesiástica, alem
de um curioso dicionário histórico sobre heresias.
A análise destes pertences tem angariado atenção de vários pesquisadores,
interessados na cultura letrada brasileira colonial ou na influência das idéias internacionais na Inconfidência Mineira. Boas páginas valeram essa biblioteca de Vieira
no O Diabo na Livraria do Cônego, exame precursor de Eduardo Frieiro.12 Entretanto, se o Cônego possuía “febre de ilustração” e teve recursos para suprir sua curiosidade, a vasta maioria não teve acesso a estes regalos letrados. Citamos sua biblioteca somente para ter-se uma visão geral da circulação de impressos nas Minas - as
teias da imprensa mundializada chegaram a rincões longínquos.
Interessaria-nos muito mais neste trabalho se encontrássemos biblioteca tão
vasta nas mãos de um artista. Porém, das leituras destes, só nos restaram resquícios.
Manoel da Costa Ataíde, nosso exponencial pintor, deixou ao morrer cabedal considerável. Entre os vários pertences figuram, todavia, somente três livros:
Hum livro da Bíblia estampado pr
4$800
Hum Do segredo das Artes dous Tomos
2$000
Dicionário Francês pr
2$00013
O “livro da Bíblia estampado” tinha, sem dúvida, especial valor entre os pintores mineiros. As estampas serviam de inspiração: tanto para se acercar dos motivos iconográficos a serem usados em determinadas cenas, quanto para “copiar” as
imagens, conforme pedido dos mecenas. Seria esta bíblia aquela citada por Hanna
Levy, em 1944, como tendo várias gravuras que Ataíde se apropriou para ornamentar a capela-mor de São Francisco de Assis de Ouro Preto?14 É justo que o pintor, ao
se deparar com tema iconográfico tão específico e incomum na tradição criativa
mineira (a vida de Abraão), tenha feito uso de impressos. Seriam estas gravuras
apresentadas a ele pelos comitentes ou fariam parte de um acervo particular, usado
nos momentos de criação e negociação da obra? Se as estampas usadas em São
Francisco fizessem parte deste repertório particular, bem que a bíblia inventariada
poderia ser a Histoire Sacrée de la Providence et de la Conduite de Dieu sur les
Hommes, de Demarne - um livro majestoso, com várias reproduções de Rafael.
Se tratar-se da mesma bíblia do inventário, isto bem explicaria a existência,
entre os pertences do mestre, de um dicionário de francês. Observe que a referida
bíblia é um artefato luxuoso, com mais de 500 gravuras (o que justificaria seu valor
elevado se comparado às outras obras: quatro mil e oitocentos réis). O certo, todaFRIEIRO, Eduardo. O Diabo na Livraria do Cônego. São Paulo: Editora Itatiaia, 1981.
CAMPOS, Adalgisa Arantes (org.). Manoel da Costa Ataíde. Aspectos Históricos, Estilistas,
Iconográficos e Técnicos. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2005. p.215.
14
LEVY, Hanna. Modelos Europeus na Pintura Colonial. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro,
v. 8, 1944. p. 8. Trata-se de seis pinturas representando temas da vida de Abraão, executadas
à imitação de azulejo nas ilhargas da capela-mor.
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via, é que, quando ornamentou-se as ilhargas da capela-mor vilariquenha, os gravados de Demarne atrelaram Ataíde à Rafael.
E os dois tomos sobre os “segredos da arte”? A definição no inventário é um
tanto vaga, mas bem que poderiam ser os dois tomos da edição espanhola de Arquitectura en Perspectiva Del Padre Pozzo, mestre precursor da pintura monumental em
perspectiva (da qual Ataíde era destro expoente nas Minas), ou as Perspectivas del
Italiano Samuel Moroloi el Matemático, ou ainda a Teoria e Pratica de la Pintura de
Don Juan Polomino (ambos impressos espanhóis, em dois volumes). Estes três livros
figuravam na biblioteca do pintor sevilhano Domingo Martínez, do qual escreveu
excelente artigo Ana Maria Aranda Bernal.15
Outro artista colonial, conterrâneo de Ataíde, também possuía impressos entre
os bens inventariados post morten. Francisco Xavier Carneiro tinha livros sobre
(...) profecia de Izaias, Eva e Ave, as [ciências] das sombras relativas ao desenho, Segredo necessário para as artes da pintura, Orthografia portuguesa vistos
e avaliados pelos ditos louvados em três mil reis com que se sae.16
Repare que Ataíde e Xavier Carneiro possuíam provavelmente a mesma obra: o
tal ‘segredo das artes’ era manuseado pelos dois contemporaneamente.17 Outro livro
interessante na modesta biblioteca de Xavier Carneiro é aquele das “sombras relativas ao desenho”, o qual podemos identificar com mais precisão. Trata-se certamente
de uma obra de Dupain, traduzido do francês para o português em 1799 pelo frei
brasileiro José Mariano da Conceição Veloso: Sciencia das sombras relativas ao desenho: obra necessária a todos os que querem desenhar architectura civil e militar,
ou que se destinam à pintura. Duas outras traduções de José Mariano da Conceição
Veloso deviam interessar os pintores: A Arte da Pintura, de C. A. do Fresnoy (1801) e
O Grande livro dos Pintores, ou arte de pintura, considerada em todas as suas partes,
e demonstrada por princípios, com reflexões sobre as obras d’alguns bons mestres, e
sobre as faltas que nelles se encontrão, de Gerald Lairesse (1801).
Entre as obras de Xavier Carneiro havia ainda uma ‘orthografia’ da língua portuguesa: Não é curioso o fato de que, enquanto Ataíde se preocupava com o francês,
provavelmente para decifrar seus livros, Carneiro se volte para o português? Será que
isto nos dá alguma pista acerca das leituras de um e outro?
BERNAL, Ana Maria Aranda. La Biblioteca de Domingo Martínez: el saber de um pintor
sevillano del XVIII. Átrio, Sevilha, v.6, 1993.
16
Arquivo da Casa Setecentista de Mariana. Códice 59 - Auto 1.346 - 2° Oficio. Levantamento feito sob coordenação da Profa.Dra.Adalgisa Arantes Campos.
17
O testamento de Ataíde data de 1826 e o de Xavier Carneiro de 1838. O preço avaliado
dos livros não desmente a hipótese de se tratar da mesma obra: o conjunto de livros de Carneiro valia três mil reis e o livro dos ‘segredos das artes’ de Ataíde valia dois mil reis.
15
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Outras várias obras sobre arte devem ter circulado nas Minas,18 todavia os inventários de nossos artistas e pintores são por demais imprecisos e os bens, escassos.
Alguns livros, de caráter religioso e piedoso, porém, chegaram até nossos dias em
abundância, guardados nas gavetas de velhas igrejas. Entre estes impressos destacam-se os missais romanos, encontrados em vultosa quantidade nas Minas.
Rubens, Minas e os Missais
Os missais católicos são, como o próprio nome indica, impressos usados nas celebrações da missa. Em geral, os mais antigos são belamente ilustrados. Um antigo
missal romano comum possuía, via de regra, a mesma estrutura básica: uma capa (com
o nome completo do missal, a cidade de impressão, a tipografia, a data e, em grande
número dos missais, uma pequena gravura), uma contracapa (muito semelhante à
capa), uma apresentação em latim (feita por um ou mais papas), textos litúrgicos (também em latim), partituras de músicas sacras, pequenas ilustrações, tudo entremeado
por gravuras principais.19 No século XVIII e parte do XIX, estas gravuras principais
eram, em geral, de boa lavra. Só na segunda metade do oitocentos começaram a perder
o interesse estético, evoluindo para formas mais estilizadas e simples.
Ilustrações consideradas belas ou (re)conhecidas pela circularidade dos missais
poderiam servir mais facilmente de modelos a artistas contratados para ornamentar
as construções. Era uma forma do comitente mostrar bom gosto, impressionar os expectadores, acostumados a admirar aquelas imagens em pequenas dimensões, e de
se manter atualizado frente aos modismos vindos da Europa, alem de, como já dito,
ser uma maneira do artista obedecer aos ditames da Igreja Tridentina quanto às representações visuais. Isto ajuda a explicar o processo psicológico de aceitação dos
missais como modelos para os artistas.
Identificamos 39 missais presentes nos arquivos paroquiais de Nossa Senhora
do Pilar (30 missais remanescentes) e de Nossa Senhora da Conceição de Ouro
Preto (9 missais remanescentes). Para facilitar a identificação dos missais e catalogá-los conforme o interesse da pesquisa, atribuímos um número a cada impresso
constante nos inventários paroquiais. Pôde-se perceber que alguns foram reeditados várias vezes; alguns circulando em períodos diferentes, outros concomitantes.
Deste conjunto analisado de missais, dois se destacaram pela quantidade em
que foram encontrados: o Missal 34 e o 37. Será que importância artística destes
missais acompanhou a difusão e circularidade que, a julgar pelos números de reedições identificadas, provavelmente alcançaram nas Minas? Sobre o Missal 34 tiveAlguns até confeccionados em solo brasileiro, como Elementos de desenho, e pintura e
regras geraes de perspectiva. Dedicadas ao senhor rey D. João VI por Roberto Ferreira da
Silva, publicado em 1817 na Impressão Régia, no Rio de Janeiro.
19
Estas gravuras ocupam geralmente toda a página e têm dimensão média de 16 x 25 cm. Os
temas destas gravuras principais obedeciam à liturgia vivida pela Igreja durante o ano.
18
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mos a oportunidade de escrever dois artigos anteriores, onde ressaltamos a influência das gravuras deste em várias criações artísticas mineiras.20 Agora cabem algumas
palavras sobre o Missal 37.
As datas das edições do Missal 37 variam de 1851 a 1889, portanto abrangendo a segunda metade do século XIX. Este missal possui também a peculiaridade - a
exemplo do 34 - de ter suas gravuras assinadas. Segue-se a relação de temas e artistas ou editores:
1- Anunciação PANNEMAKER(SE)
Hendricks
Del.
MECHL.
E
Typ.P
J.Hanicq
/
2- Natividade - HEBERT S.C.
3- Epifania - PANNEMAKER
4- Ressurreição - E.VERMORCKEN S.C
5- Ascensão de Cristo - PANNEMAKER
6- Assunção da Virgem - HEBERT S.C.
O Missal 37 foi um dos poucos encontrados na segunda metade do século XIX
em que as gravuras ainda apresentavam valor estético. Será que as várias edições
encontradas testemunham um gosto mais refinado dos impressores e proprietários?
À exceção das figuras representando a Anunciação e a Ascensão de Cristo - as
quais não conseguimos identificar os modelos com precisão -, as quatro restantes
são reproduções de obras de artistas antigos, consagrados na época barroca. É
curioso que somente uma das ilustrações - a da Anunciação - deixa transparecer
um refinado gosto contido, arrumado, de influência neoclássica:21 em pleno século
XIX este missal prima pelo movimento e ornato do período então ultrapassado, dito
‘barroco’. Uma das gravuras (a Natividade) se baseia num quadro do pintor e gravador holandês Abraham Bloemaerte (1566-1651); as outras tem como fonte Peter
Paul Rubens (1577-1640), de larga influência na arte católica. Analisemos cada
gravado separadamente.
A paleta penumbrista de Bloemaerte concebeu a citada Natividade em 1612,
dentro de uma formalidade nitidamente barroca. A obra, hoje pertencente ao Museu
do Louvre, é dominada, em primeiro plano, pelo Menino Jesus, tendo à sua direita
a Virgem e à sua esquerda, um pastor ajoelhado; atrás, outro pastor, calvo e orante;
ao chão, à frente da composição, uma ovelha deitada, amarrada pelos pés. Dominando o segundo plano, do lado esquerdo há uma camponesa com chapéu, de pé,
BOHRER, Alex Fernandes. Mecenato e Fontes Iconográficas na Pintura Colonial Mineira. Ataíde e o Missal 34. In.: Anais do XXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, Belo
Horizonte, 2004. BOHRER, Alex Fernandes. Um Repertório em Reinvenção. Apropriação e Uso
de Fontes Iconográficas na Pintura Colonial Mineira. Barroco, Belo Horizonte, v.19, 2005.
21
Curiosamente esta Anunciação traz a assinatura de uma tal Hendricks: homônimo ou o mesmo Hendrick Bloemaert (1601-1672), filho de Abraham Bloemaert, analisado neste artigo? Se for
o filho do pintor holandês, salta aos olhos a sobriedade da composição, destoante da época.
20
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braços estendidos, olhos voltados ao céu; à direita, uma figura masculina, barbada,
segurando um boi pelos cornos. Nos planos subseqüentes, perdem-se nas sombras
variados personagens. Nos céus, três anjos adultos e um outro, infantil, volvem sua
atenção à terra. A gravura do missal é em tudo semelhante a esta pintura, tendo
pouquíssimas variantes. Não sabemos o ano exato do gravado, porém sua reprodução data de meados do século XIX.
As três gravuras rubensianas, são, na seqüência, Adoração dos Magos, Ressurreição (Foto 3) e Assunção da Virgem. A composição das ilustrações respeitou os variados
detalhes das pinturas flamengas originais, seja nas garbosas silhuetas dos Magos, na
primeira cena; no airoso e musculoso Cristo ressurrecto, da segunda; ou na barroca
Virgem rumo ao céu, na terceira. No caso da Adoração dos Magos (1626/29) e da Assunção da Virgem (1626), trata-se de telas pertencentes hoje, respectivamente, ao Museu do Louvre e à National Gallery of Art de Washington.22 A Ressurreição (1611/1612)
encontra-se numa igreja antuerpiana - a Vrouwekathedraal - e faz parte de um tríptico.
É extremante revelador o uso das obras deste artista - radicado na Flandres do século
XVII - por impressores do século XIX, atuantes na mesma região. As formas e o colorido
de Rubens tiveram longa persistência e influência, fazendo com que impressos confeccionados em outros modismos tivessem, ao menos nos ornamentos, um ‘sopro barroco’. Em geral, no século XIX os missais tenderão, cada vez mais, para confecções simplificadas, de valor estético bastante reduzido e de caráter mais didático. Não foi este,
contudo, o caso do Missal 37 (Foto 4).
Quanto nos diz sobre a ‘planetarização visual’ a presença de várias edições
destes gravados nos arquivos paroquiais mineiros? Mesmo findo o Barroco nas
Gerais, os artistas, religiosos e fieis, tinham, para seu vislumbre, gravuras de fatura
barroca, confeccionadas na distante Flandres. Isto explicaria, em parte, a longeva
pulsão artística e desdobramentos ulteriores do chamado Barroco Mineiro: esgotado o surto principal na segunda década do século XIX, aqui e acolá despontarão,
ainda, modos e artistas “à antiga” - saudosistas e arcaizantes, expoentes de uma
tradição local? Ou leitores visuais de impressos, estes sim, com ilustrações antigas?
Os dois, cremos.
Se a arte barroca (especialmente a rubensiana) persistiu até tão avançada data
no panorama cultural mineiro, que dizer, então, de artistas mais recuados, “criados” ainda na efervescência das grandes consecuções do período aurífero?
Há uma outra versão desta Assunção feita pelo próprio Rubens para a Vrouwekathedraal
no mesmo ano de 1626.
22
332 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
Notas Sobre a Reinvenção: As Ceias de Ataíde
(Judéia, Europa ou Minas?)
Entre os maiores temas da iconografia mineira está a Assunção da Virgem, representada em várias igrejas do setecentos e oitocentos. Localizamos gravuras referentes
a este dogma católico em praticamente todos os missais. É inegável a influência do
atelier de Rubens em muitos destes gravados. Nas criações do artista flamengo em
que esta temática é tratada, percebe-se seu gosto característico pelas diagonais, pela
profusão de formas, pelo jogo de claro-escuro, pela ausência de contornos definidos
e pelo uso da luz relativa, bem ao modo esmiuçado por Wölfflin.
Nas Gerais encontramos expressiva quantidade de ‘Assunções’, representada
em dimensões consideráveis, cobrindo tetos de nave e capela-mor, segundo o gosto perspectivista rococó. Que vemos nestas criações locais? A apropriação de um
importante assunto católico/teológico, seguindo, em geral, o formalismo iconográfico de antigas gravuras européias (especialmente de Flandres) - formalismo este
que possui, em numerosos impressos, contornos nitidamente barrocos, sob influência da escola de Rubens. Como é típico das regiões periféricas, a absorção anacrônica de modismos fez conviver, nas Minas, sinuosas linhas barrocas com o colorido alegre do rococó. Os artistas mineiros não hesitaram em preencher as gravuras
em preto-e-branco dos missais (e outros impressos), conforme um novo gosto em
voga. É assim que mestres distantes, espacial e temporalmente, se abraçaram em
criações estéticas mineradoras: tal foi o caso de Rubens e Ataíde.
Já tivemos ocasião de escrever sobre a utilização de fontes iconográficas por Ataíde quando analisamos uma das pinturas das ilhargas da capela-mor da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Ouro Preto. Naquela Santa-Ceia, Ataíde fez
uso de uma gravura encontrada no Missal 34, obedecendo à colocação e disposição
dos apóstolos, dos objetos, das proporções e até da serviçal que se achega para servir
a refeição.23 A Ceia que serviu de modelo - assinada por um tal Silva F. - ditou a feição
geral da consecução, fornecendo ao pintor mineiro subsídio importante para decoração da capela-mor franciscana. Porém, Ataíde não copiou docilmente a gravura, antes
a reinventou, tornando-a mais ‘palatável’ ao público local e bem vista pelos comitentes: a exigente Ordem Terceira de São Francisco. Duas diferenças denotam a liberdade
criativa do artista marianense: os rostos, mais arredondados, adocicados, mais cotidianos; e o fundo da cena, representado na obra vilariquenha por uma porta de verga arqueada, simplificada. Na cena original havia um fundo classicizante, mais renascentista. Por que a alteração? A porta de onde sai a serviçal é uma porta como tantas outras
que se vêem nas casas mineradoras - singela, luso-brasileira. Esta é, pois, uma adaptação fugaz, mas plena de significado: do panorama europeu da gravura, passamos para
um ambiente reconhecível pelos expectadores locais.
Vide BOHRER, Alex Fernandes. Um Repertório em Reinvenção. Apropriação e Uso de
Fontes Iconográficas na Pintura Colonial Mineira. op. cit. p. 301 e 302.
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Alex Fernandes Bohrer - 333
Representa, esta obra ataidiana, a sociedade européia que produziu a gravura?
Ou, a sociedade Geralista, do ouro? Ou ainda, a sociedade hebréia, na distante
Judéia, onde se desenrolou a cena canônica? A nosso ver, a obra franciscana é como toda arte, em sua essência, o é também - um conjunto de apropriações e
releituras, amalgamando várias influências, variados lugares, artistas diversos. Na
ilharga franciscana não vemos Europa, Minas ou Judéia, vemos os três.
No antigo Colégio do Caraça encontramos hoje, nos corredores neo-góticos
da igreja monacal, uma outra interessante Ceia de Ataíde, concebida nos últimos
anos de sua vida. Nela observamos, ao centro, Cristo abençoando os pães ázimos;
João recosta-se à sua direita; ao derredor, em ambos os lados, distribuem-se os
apóstolos, com destaque, em primeiro plano, para Judas, que lança um desconcertante olhar ao visitante; à esquerda vemos duas serviçais, à direita, uma. O colorido, a musculatura, o panejamento, são típicos de Ataíde, mas, no cerne desta sua
criação, está, sem dúvida, o uso de uma ou mais gravuras européias. Não é sem
razão que, formalmente, a Ceia do Caraça se ligue com a paleta de famosos mestres do Velho Mundo.
Em 1630 Rubens concebeu uma interessante Última Ceia (conservada hoje em
Moscou), que em muito lembra a citada ceia mineira: o conjunto eqüitativo dos
apóstolos em torno da mesa; o Cristo, com olhar piedoso, voltado aos céus; o ato
de abençoar os pães; o olhar indagador do apóstolo à direita, no primeiro plano.
Em suma: mesmo com diferenças formais e, levando-se em conta o penumbrismo
de Rubens, podemos dizer que há um elo entre as concepções do artista europeu e
o mestre mineiro. Que caminhos são esses? Como melhor perscrutá-los? Estas são
questões que esperamos responder em ocasião próxima e oportuna.
Bibliografia Principal Utilizada:
BOHRER, Alex Fernandes. (no prelo). Mecenato e Fontes Iconográficas na Pintura
Colonial Mineira. Ataíde e o Missal 34. Anais do XXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte.
___________. Um Repertório em Reinvenção. Apropriação e Uso de Fontes Iconográficas na Pintura Colonial Mineira. Barroco, Belo Horizonte, v.19, 2005.
CAMPOS, Adalgisa Arantes (org.). Manoel da Costa Ataíde. Aspectos Históricos,
Estilistas, Iconográficos e Técnicos. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2005.
FRIEIRO, Eduardo. O Diabo na Livraria do Cônego. São Paulo: Editoria Itatiaia,
1981.
LEVY, Hanna. Modelos Europeus na Pintura Colonial. Revista do SPHAN, Rio de
Janeiro, v. 8, 1944.
MACHADO, Lourival Gomes. Barroco Mineiro. São Paulo: Perspectiva, 1969.
334 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
SILVA, Áurea Pereira da. Notas sobre a influência da gravura flamenga na pintura
colonial do Rio de Janeiro. Barroco, Belo Horizonte, v.10, 1978/79.
Foto 1: Transfiguração de Cristo, Igreja de N.S. do Carmo, São João
Del-Rei, Minas Gerais.
Alex Fernandes Bohrer - 335
Foto 2: Transfiguração de Cristo, Rafael, Pinacoteca do Vaticano.
336 - Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano
Foto 3: Ressurreição de Cristo, Rubens,
Vrouwekathedral, Antuérpia.
Foto 4: Ressurreição de Cristo, Missale
Romanum, Ex Decreto (...) MDCCCLI.

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